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Coleção primeira

inf>ncia
educar de O a 6 anós

| Maternagem
insolita
Genevieêve Appell
Myriam David

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É sr sê E E TE TES ao PS

AUTORAS
Myriam David
Genevieve Appell

Maternagem
insólita

São Paulo

omnisciência

2021
Original:

O Éditions érês 2011 (2008 1'* édition Édition érês)


(1'c édition Éditions du Scarabée, Paris, 1973)
33, avenue Marcel-Dassault, 31500 Toulouse

e-mail: eres Weditions-eres.com


www.editions-eres.com

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SETTE ——

Agradecimentos

A tradução e publicação deste livro é fruto do trabalho


coletivo de membros da Associação Pikler Brasil.

A Associação Pikler Brasil, fundada em novembro de


2018, é guardiã nacional do patrimônio intelectual
resguardado pelo Instituto Emmi Pikler sediado
em Budapeste, na Hungria. Ela tem como objetivo
valorizar os três primeiros anos como a base estrutural
para a vida toda do ser humano, conforme os princípios
da Abordagem Pikler pensada e desenvolvida pela
pediatra Emmi Pikler.

Agradecemos à Sylvia Nabinger, à Lucia Peçanha,


a Karina Recktenvald, à Rita G. B. de Moraes Valdanini
e à Carmen Orofino que realizaram a revisão técnica
desta obra.

(1
Ç (1)
ds ontação Poj
Pikler Brasil

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Sumário
Prefácio à nova edição
Bernard Golse

Prefácio da primeira edição 33


Emmi Pikler

Prefácio da edição brasileira 37


Sylvia Nabinger

Introdução
Por que... Para quem este livro? 39
paso mac

I. Apresentação de Lóczy 47
II. Princípios diretores 5]
HI. A organização dos grupos 59
IV. Os cuidados 65
V. As brincadeiras livres e as atividades autônomas 83
VI. Outras atividades e relações sociais 107
VII. A estrutura institucional 121
VII. Discussão dos resultados 143

Posfácio
Em resposta a questões que me são colocadas
com frequência | Geneviêve Appell 181

Bibliografia 203

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Prefácio à nova edição:
Bernard Golse:

yr
uma grande honra e um enorme prazer ter sido convidado
a escrever o prefácio à nova edição desta obra que foi tão
significativa para muitos entre nós. Há alguns meses, estou na
Presidência da Associação Pikler-Lóczy da França (APLF) e isso é
muito importante para mim, não somente do ponto de vista do
meu percurso profissional, como também do ponto de vista da
minha vida de ser humano, pura e simplesmente.
Não obstante, essa presidência me intimida, posto que bem
sei que nessa função sucedo a duas prestigiosas presidentes, Ge-
neviêve Appell e Françoise Jardin e, por essa razão, se espero me
mostrar digno das funções que me foram confiadas, temo, ao
mesmo tempo, correr o risco de decepcionar.

Meu encontro com os trabalhos do Instituto Pikler


de Budapeste
Evidentemente ele ocorreu, como entre muitos de nós, através
do livro de Myriam David e Geneviêve Appell (Lóczy ou a ma-
ternagem insólita), mas foi sobretudo em 1996, por ocasião do
cinquentenário da fundação desse Instituto, que tive um contato
mais direto com esse lugar tão particular, durante o Congresso
organizado em Budapeste para comemorar esse aniversário.
Lembro-me ainda com emoção da minha primeira ida a Bu-
dapeste, na ocasião dessa belíssima manifestação...
1 Nota do tradutor: este prefácio foi escrito para a edição publicada em 2009. A primeira edição desta
obra é de 1973.
2 Bernard Golse, pedopsiquiatra-psicanalista, chefe do Serviço de pedopsiquiatria do Hospital Necker-
Enfants Malades (Paris), professor
de psiquiatria da criança cedo adolescente na Universidade René-Descartes
(Paris 5), Inserm, U669, Paris, Universidade Paris-Sud e Universidade Paris-Descartes, UMR-S0669.
Nota do tradutor; atualmente, Bernard Golse é pedopsiquiatra-psicanalista (membro da Associação
Psicanalítica da França). É antigo chefe do serviço de Pedopsiquiatria do Hôpital Necker-Enfants
Malades (Paris), Professor emérito de Psiquiatria da criança e do adolescente na Université René
Descartes (Paris 5), Presidente da Associação Pikler Lóczy França, Presidente da Associação Europeia
de Psicopatologia da Criança e do Adolescente (AEPEA).

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Nesse momento, encontrava-me na companhia de pessoas
importantes que foram muito significativas para minha trajetó-
ria profissional. Dentre elas, citarei apenas Serge Lebovici, Michel
Soulé e Daniel Stern com os quais logo estabeleci vínculos ao mes-
mo tempo respeitosos e muito afetuosos.
Evidentemente, eu estava bastante impressionado, e também
sentia que algo de muito importante estava acontecendo, por si
só mas, ao mesmo tempo valioso para mim e que, sem dúvida,
iria marcar-me profundamente.
Desde então, os trabalhos do Instituto Pikler muito estimula-
ram minha própria reflexão e, a cada ocasião que me foi dada,
sobretudo no seio da minha atividade de educador no COPES,
em Paris (instituição criada por Michel Soulé e dirigida por Anne
Frichet>), ou contexto da minha presidência no gru-
ainda no
po WAIMH-Francophones (1994-2006), o quanto na medida em
que me foi possível, fiz eco de práticas, trabalhos e pesquisas des-
se Instituto cujos ensinamentos são múltiplos e verdadeiramente
inestimáveis.
Retornei em março de 2003 para o Simpósio Internacional de
Budapeste, “Crescer sem violência”, sob a presidência de honra
de Myriam David que tanto nos faz falta atualmente.
Pouco a pouco, Geneviêve Appell, Agnês Szanto-Feder e
Anna Tardos tornaram-se pessoas cuja estima e amizade conta-
ram muito para mim. Em seguida, participei, em Paris, de diver-
sos seminários organizados por elas em torno da obra de Maria
Vincze: o seminário “Szandra” em 2004, o seminário “Petra” em
2005, e o seminário “Anna” em 2007.
Acrescento, enfim, o choque que foi para mim o filme de
Bernard Martino sobre o Instituto Lóczys e em particular uma
passagem de seu comentário em que assinalava o fato de que,
se o século XX decididamente nos ensinara tudo sobre as di-
ferentes maneiras de destruir o indivíduo, havia, no entanto,

3 Nota do tradutor: atualmente a instituição é presidida por Christine Ascoli-Bouin.


4 wWAIMH: World Association for Infant Mental Health.
S Bernard Martino, Lóczy, une Maison pour GRANDIR [Lóczy, uma casa para crescer], 1999 e nova edição
em DVD, de 2007, com uma entrevista de Myriam David, Association Pikler-Lóczy France.

IO Maternagem Insólita

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lugares muito preciosos como o Instituto Pikler de Budapeste,

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onde, ao contrário, aprendia-se a ajudar os bebês a construir-se

DB) Aa
e a crescer.
Com frequência, essa frase ressoa em minha memória e sem
dúvida ainda hoje, a distinguir aquilo que tem importância da-
quilo que tem menos.
Foi então assim que aceitei essa presidência com entusiasmo
porque efetivamente penso que, neste mundo, e que é o nosso,
as contribuições do Instituto Pikler são portadoras de uma vi-
são do bebê e do seu desenvolvimento responsável da unidade
da pessoa em devir dos pequeninos, e que, ao mesmo tempo,

Marz
permite-nos zelar por sua liberdade e por sua dignidade no
âmago de uma ética do cuidado que não deixa de me impactar —
e que devo, portanto contribuir para difundi-la na medida de
minhas possibilidades.
Gostaria agora de apresentar alguns exemplos das reflexões
de Lóczy que me parecem cruciais em uma época como a nossa.
Quanto mais uma sociedade é agitada, menos ela tolera crian-
ças agitadas mas, mais ainda, paradoxalmente, ela cria as condi-
ções de suas agitações e até mesmo, de suas hiperatividades. Daí
decorre o aspecto essencial dos trabalhos de Lóczy que insistem
na necessidade do respeito aos ritmos da criança afim de garantir,
muito particularmente, a harmonia de suas aquisições psicomoto-
ras. Mas essa questão vai mais longe ainda. Os jardineiros costu-
mam dizer que não serve para nada puxar as folhas para que elas
cresçam. Sem dúvida, é a mesma coisa no que se refere ao cresci-
mento e maturação psíquicos da criança, que devem vir de dentro
para fora, processos endógenos exigindo o encontro com adultos
que não “forçam a barra” e não funcionam sob o modo da anteci-
pação ansiosa, mas que se mostram apenas atentos para, devagar,
fazer a criança avançar com suficiente tato, leveza e respeito por
sua própria dinâmica. Não se trata de enaltecer a lentidão, mas de
um elogio por levar em conta as especificidades de cada criança,
de cada bebê, o que em si é uma posição que leva à admiração,
ao permitir uma ética do cuidado em acordo com a ética do sujeito,
relação tão importante em nosso contexto sociocultural atual.

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Um segundo ponto, diz respeito às contribuições de Lóczy para
a questão da simbolização para o bebê. Com efeito, parece-me, na
verdade, que a alternância bem pensada de momentos de encon-
tro individual entre os bebês e suas cuidadoras e o tempo de ativi-
dade livre ao lado do adulto favorece, na realidade, uma dialética
bastante construtiva entre os processos de simbolização do objeto
em sua presença e aqueles do objeto em sua ausência. Este é um
ponto central após anos de conflito estéril a esse propósito entre
os psicanalistas (centrados, sobretudo, na ausência do objeto) e os
defensores da teoria do apego (que insistem principalmente nos
efeitos da presença do objeto), e, devido a isso, os trabalhos leva-
dos a Lóczy contribuem muito para essa discussão ao mostrar a
necessária complementaridade entre esses dois tipos de processos
(retomarei a isso mais à frente).
Enfim, muitas vezes pensei que o Instituto Pikler de Budapeste
nos oferecia, de fato, um verdadeiro laboratório de conexões entre
ação e reflexão. Um poeta suíço, Ch.-F. Ramuz, tem essa frase inci-
siva: “Morre-se ao aspirar à ideia antes de ir às coisas”. Dito de ou-
tra forma, no nosso campo, o importante é partir da clínica antes
de forjar teorias ou construir modelos e temos aqui algo de fun-
damental, se quisermos evitar a armadilha de uma atividade de
teorização que seja apenas defensiva e intelectualizada. Ora, é pre-
cisamente isso que me impressiona no que conheço das atividades
do Instituto Pikler. Com efeito, me parece que a observação e a
clínica estão sempre à frente, e que é apenas num segundo tempo
que se edifica pouco a pouco uma teoria da prática, a partir da
qual pode-se então voltar aos fatos para confirmar ou desmentir a
teoria. Desse ponto de vista, portanto, o que ocorre em Lóczy nos
é realmente muito útil. Há ali uma verdadeira lição metodológica,
que devemos ter sempre em mente. Pessoalmente, devo muito aos
trabalhos do Instituto Pikler por, de maneira eficaz, ter chamado a
minha atenção para esse ponto. Pude então compreender o desejo
das equipes de Lóczy de ir ao encontro das diversas correntes de
pensamento, tais como a psicanálise e a teoria do apego, ou seja,
não como procura de uma modelização a priori ou de uma espé-
cie de prêt-a-porter teórico, mas como uma atitude ulterior (“aprês

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ST
NS
coup) buscando dar sentido a uma clínica da primeiríssimas infân-
cia sempre em posição inicial.

“e [SE ="
a
Ão final do Colóquio de aniversário de 1996 que evoquei aci-

A)
ma, Serge Lebovici lançou a ideia de que, em família, o fazer-
-com-os-bebês era uma condição prévia para o estar-junto, ao

"ta
passo que em Lóczy, o estar-junto precedia de certa maneira a
possibilidade de fazer-com.

E
Hoje em dia, alguns anos mais tarde, digo a mim mesmo que
estar-junto para trabalhar pelo desenvolvimento e difusão das
ações e ideias conduzidas no Instituto Pikler de Budapeste é uma

2
coisa preciosa à qual estou verdadeiramente feliz em participar,
e, de certa forma, [como] uma espécie de privilégio.

Questões para o amanhã?


Eu sei que o futuro do Instituto Pikler encontra-se ameaçado,
principalmente através de ameaças provenientes do exterior.
Entre elas, a precariedade financeira crônica da institui-
ção, e a fragilidade dos seus apoios administrativos e políticos
nacionais.
No entanto, tenho vontade de dizer que se essa precariedade
e fragilidade são evidentemente fontes de sofrimento e dificulda-
des, elas podem ser igualmente e ao mesmo tempo, uma fonte de
criatividade na medida em que, como se sabe, por vezes, muito
conforto pode, por vezes, mostrar-se estéril.
Evidentemente, de maneira alguma para mim não se trata de
fazer apologia da precariedade e da fragilidade das coisas, mas
apenas de também assinalar os efeitos possivelmente construti-
vos dessa dialética dolorosa entre as ameaças externas e a cria-
tividade. O mesmo não se aplica ao que diz respeito às ameaças

6 Nota do tradutor: No original, encontra-se a expressão petite enfance. No Brasil, a expressão


“primeira infância” abrange a faixa etária de zero a seis anos de idade. Optou-se por empregar
“primeiríssima Infância” para referir-se ao período entre zero a três anos.
As páginas que se seguem retomam em grande parte o conteúdo da conferência de encerramento
que proferi no quadro da Conferência internacional de Budapeste, organizada na ocasião do
sexagésimo aniversário do Instituto Pikler sob a presidência de honra de Judit Falk e dedicada ao
tema: “Sentir, compreender, agir, transmitir. Pais c profissionais em torno de uma criança pequena.
Abordagem plkleriana em movimento, encontro para aprofundá-los”, CEU Konferencia Kózpont,
Budapeste (Hungria), entre 19 e 21 de abril de 2007.

Prefácio à nova edição 13

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internas, posto que apenas as ameaças externas podem impul-
sionar as equipes do Instituto Pikler a explicitar ainda mais a
dimensão exemplar de sua experiência, enquanto as ameaças
internas só podem ser nefastas.
Portanto, gostaria de dizer aqui
algumas palavras sobre essas
ameaças internas que, repito, diferentemente das ameaças externas,
funcionam apenas como um risco e não como uma oportunidade.
Em seguida, evocarei certas interrogações fortes que me pa-
recem estar no centro das reflexões do Instituto Pikler, antes de
terminar com algumas observações sobre os novos campos de
aplicação dos princípios piklerianos do cuidado.

As ameaças internas que pesam sobre a instituição


O risco de contágio da instituição pelo próprio
funcionamento do seu objeto
É uma lei geral das instituições que, ao longo dos anos, aca-
bam sempre por correr o risco de funcionar na própria imagem
das problemáticas pelas quais são responsáveis.
Sabe-se, por exemplo, que as instituições que cuidam de
crianças autistas podem com o tempo elas próprias se tornarem
autistas, ao se afastarem de realidades do seu ambiente social,
profissional ou científico.
Na França, René Roussillon foi quem, sem dúvida, mais insis-
tiu sobre essa noção de contágio da instituição pelo objeto de sua
tarefa primária. Efeito de contágio que ele designa sob o termo
de “penetração atuada” do nosso pensamento, da nossa prática e
dos nossos modelos, através de mecanismos que são precisamen-
te esses do objeto visado pelo dispositivo de cuidados.
Nessa perspectiva, cuidar de bebês, e mais ainda de bebês em
grande sofrimento psicossocial é arriscado, porque esses bebês car-
regam neles, pela própria história, uma tendência máxima à cliva-
gem, à projeção e à indiferenciação entre a ação e o pensamento.
Então algumas observações são necessárias.
Inicialmente, me parece importante que seja permanente-
mente trabalhado o risco de clivagem entre os três registros do

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cuidar, do educar e o pedagógico. Foi nesse entrecruzamento
que nasceu o Instituto Pikler, em 1946, ao sair da Segunda
Guerra Mundial, e é nessa interface que se manifesta sua ação
atual junto às crianças que fundamentalmente têm necessida-
de desses três tipos de contribuições, em uma relação dialética
prejudiciais.
Em seguida, é importante ajudar as cuidadoras e todos os que
atuam junto aos bebês a não caírem em tentações projetivas, que
são sempre muito fortes quando se trabalha com crianças muito
pequenas. Myriam David refletiu sobre a questão (em uma en-
trevista realizada por Bernard Martino) de como é possível ser
“empático sem ser projetivo” e aqui temos uma pista de reflexão
essencial, sobre a qual voltarei.
Enfim, é importante para não confundir ação e pensamento
elaborar bem, de um lado a clínica e a prática e de outro a teoria
dessa clínica e dessa prática. Parece-me que no fundo é isso o que
busca o Instituto Pikler ao organizar essas conferências interna-
cionais que lhe permitem ir ao encontro de outras correntes de
pensamento e, portanto, de buscar uma teoria de sua ação junto
aos bebês, ou seja, um pensamento de sua ação. Há aqui, sem
dúvida, um esforço necessário e fecundo para não se deixar levar
pelo risco de mecanismos operatórios aos quais nos confrontam
invariavelmente bebês tomados por biografias tão difíceis. A
ação de Myriam David e Geneviêve Appell me parece igualmente
ter sido decisiva nesse aspecto, em uma espécie de dialética com
dupla direção, permitindo, certamente, fazer a França conhecer os
trabalhos do Instituto Pikler, mas também, ao contrário abrir esse
Instituto à clínica e à reflexão psicodinâmicas contribuindo assim
para o surgimento de uma teorização cada vez mais explícita das
ações conduzidas em Lóczy junto aos bebês.

Capacidades de se vincular, mas também de se desligar


de bebês

Mesmo os bebês que estão bem possuem essa capacidade de


atacar os vínculos que eles despertam e me parece que há aqui

Prefácio à nova edição 15

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um risco que não deve ser negligenciado, exceto o de ceder a
uma visão muito ingênua e adocicada da infância.
Essencialmente, o bebê utiliza processos de clivagem e identi-
ficações projetivas (W.R. Bion) dos quais conhecemos a intensi-
dade e que dizem respeito a um material pré ou proto-psíquico,
por vezes muito violento. O mecanismo de “ataques aos víncu-
los”, descritos de maneira tão útil por W.R. Bion sobre os sujeitos
psicóticos, também é válido para crianças muito pequenas, cujos
níveis originários ou arcaicos do funcionamento psíquico ainda
não foram suficientemente contidos e transformados.
Devido a isso, os adultos que cuidam dos pequeninos encon-
tram-se sob o fogo cruzado desses “ataques” provenientes de be-
bês que podem dificultar, e até mesmo paralisar, suas capacida-
des de sentir ou pensar.
Do meu ponto de vista, é o que explica a frequência dos con-
flitos entre adultos nas instituições que cuidam de crianças mui-
to pequenas, e isso mesmo quando se trata de crianças que vão
bem porque de maneira geral os conflitos entre adultos acon-
tecem em níveis de funcionamento psíquicos sobretudo neu-
róticos e, por mais dolorosos que possam ser, na realidade eles
protegem os adultos como uma espécie de efeito de “para-raios”
contra as projeções muito mais deletérias e muito mais arcaicas
que emanam dos próprios bebês.
Mas é igualmente verdadeiro, acabei de dizer, que os bebês
também suscitam a criação de laços em torno deles.
Observamos então, conjuntamente, nos bebês, os movimen-
tos de vinculação e desvinculação, razão pela qual ao mesmo
tempo em que é fácil criar redes de atividade ou de cuidado no
campo da primeiríssima infância, também é por vezes difícil
manter essas redes verdadeiramente atuantes, como se o insti-
tuído se prevalecesse facilmente sobre o instituinte (aliás, perigo
que persegue, em diversos graus, qualquer instituição).
Parece-me que em Lóczy, esse perigo foi até agora em gran-
de parte evitado, o que é notável, e por vezes me pergunto
se a precariedade financeira da instituição, que já evoquei,

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não teve, ainda que seja lamentável dizer isso, um efeito para-
doxalmente positivo, ao reforçar o instituinte (em relação ao
instituído) em um combate pela continuidade da existência
da instituição.

O impacto dos precursores da bissexualidade psíquica


A questão da bissexualidade psíquica se expressa, é claro, no
nível do sujeito enquanto homem ou mulher, mas também, e
antes de tudo, no nível de precursores bem mais precoces ao
longo do desenvolvimento.
Dito de outra forma, a bissexualidade psíquica não se desen-
rola apenas no plano dos objetos totais (homem/mulher, ani-
mus/anima, masculino/feminino), na medida em que esse nível
global da bissexualidade psíquica se encontra, na realidade, pre-
parado por toda uma elaboração prévia dessa problemática no
que diz respeito aos envelopes e aos objetos parciais.
No que diz respeito aos envelopes, o que antes de tudo é tra-
balhado é a dialética entre as duas dimensões de continência
e de limite, a primeira enviando para o registro metafórico do
feminino (o holding), e a segunda para o registro metafórico do
masculino (a lei).
Nessa perspectiva, todo sistema interativo, todo dispositivo
de cuidado, todo enquadre terapêutico deve ser sempre, por es-
sência, fundamentalmente bissexuado, com um componente
de acolhimento e holding (o que pode ser contido), e uma com-
ponente de limitação e regulação (o que é possível e o que não
é), cuja dosagem deve ser suficientemente pertinente.
No que diz respeito aos objetos parciais, são todas as clivagens
do tipo duro/mole, liso/rugoso, redondo/pontiagudo, vazio/ple-
no, côncavo/convexo, que podem ser compreendidos em termos
de bissexualidade parcial preparando a bissexualidade psíquica
ulterior e pedindo uma ultrapassagem estruturante.
A partir daí, pode-se então insistir em dois pontos.
De um lado, a clivagem sensorial entre o duro e o mole, que
se encontra no cerne da patologia do autismo, por exemplo,

2 3 ssragrE”:

Prefácio à nova edição 17

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e que sempre corre o risco de impregnar e infiltrar o funcio-
namento de nossas instituições, assim como nossas discus-
sões teóricas.
A polêmica, por vezes tão violenta no campo do autismo in-
fantil, entre os partidários do cuidado e os da pedagogia ou da
reeducação será que não pode, de fato, ser compreendida como
uma retomada por contágio (B. Golse e P. Delion, R. Roussillon)
da clivagem dos autistas no plano de nossas escolhas profissio-
nais, o cuidado enviando mais para o “mole” e o educativo ou
re-educativo mais para o “duro”?
A superação da clivagem consiste aqui, sem dúvida, em pen-
sar que, cuidar-se permite aprender e que, ao mesmo tempo,
aprender faz bem.
Por outro lado, cada vez que uma criança encontra adultos
(ou instituições) que não elaboraram suficientemente suas bis-
sexualidades psíquicas no nível individual ou no nível coletivo
ocorrerá então uma desunião e clivagem. Ao passo que no caso
contrário, ela poderá acionar seus processos
de vinculação com
vistas a iniciar ou retomar em um sentido construtivo seu cresci-
mento e maturação psíquicos.
Foi Didier Houzel que, na ocasião de um Congresso nacio-
nal do nosso grupo WAIMH-francófono em 1995, com precisão
insistiu no fato de que o funcionamento do bebê se encontra
fortemente influenciado pela qualidade da integração da bisse-
xualidade psíquica dos adultos que cuidam dele.
Segundo ele, se essa bissexualidade psíquica não está suficien-
temente bem integrada no nível de cada adulto, no nível dos
vínculos entre os adultos (casal de pais ou equipe profissional)
e no nível do enquadre, então o bebê vai lançar mão para eles
efeitos do ataque e do desligamento.
Ão contrário, se essa bissexualidade psíquica for corretamente
integrada, o bebê poderá se diferenciar e constituir-se psiquica-
mente de maneira harmoniosa e resiliente, seja no cerne de uma
dinâmica que caminha no sentido de pulsões de vida ou de for-
ças de vinculação.

18 Maternagem Insólita

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ST,
Cabe notar que a bissexualidade psíquica da qual se trata aqui

RA
é tanto a dos adultos tomados individualmente, quanto a do gru-

Rr?
po de adultos, o que relativiza muito a questão da composição das
equipes que trabalham com bebês, equipes que, como sabemos,

Te:
são na maior parte das vezes de forte predominância feminina.
De fato, mesmo quando uma equipe é constituída apenas de
mulheres, cada uma delas é sempre portadora de uma bissexua-
lidade psíquica da mesma maneira que o enquadre oferecido às
crianças e, finalmente, também todo o dispositivo educativo,
pedagógico ou terapêutico.
Na realidade, como já vimos, esses componentes bissexuais
enviam para o registro do holding e da continência pela dimen-
são feminina ou materna e para o registro do limite ou da regu-
lação pela dimensão masculina e paterna.
Por isso, é mais a integração desses dois registros que é es-
sencial no cerne de cada adulto, no cerne das relações entre os
diferentes adultos e no cerne do contexto, do que o número res-
pectivo de homens ou mulheres intervindo, na realidade com os
bebês e é a qualidade dessa integração que tornará o bebê mais
ou menos vulnerável ou mais ou menos resiliente.
O contexto dos cuidados realizados em Lóczy se mostra,
sem dúvida, particularmente pertinente para estudar o entre-
laçamento das funções continentes e limitantes dos cuidados
na perspectiva dos trabalhos de Esther Bick, Geneviéve Haag
ou de Didier Houzel, por exemplo, e isso certamente permi-
te aprofundar essa questão sutil, porém difícil, da qualidade
da integração da bissexualidade psíquica; há aqui, no entanto,
uma ameaça interna efetiva sobre a qual convém se mostrar
particularmente vigilante.

O risco da ilusão grupal


Da mesma maneira que D. W. Winnicott dizia que a definição
de saúde mental, não é a ausência de sintomas, mas antes a capa-
cidade de utilizar de maneira criativa nossas partes esquisitas ou
loucas, poderia se dizer que a saúde de uma instituição ou de um

Prefácio à nova edição 19

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grupo, não é a ausência de conflitos, mas antes a capacidade de
utilizar de maneira fecunda e construtiva as divergências entre os
diferentes membros que compõem a instituição ou o grupo.
Uma instituição sem conflitos não existe e não seria se-
quer desejável. Da mesma maneira, que no nível individual, os
conflitos de desenvolvimento são inevitáveis e estruturantes.
Com efeito, é sabido que as crianças que não manifestam ne-
nhum sintoma da neurose infantil normal (Serge Lebovici), na
realidade não são as mais tranquilizantes quanto ao seu futuro
psicológico, pelo fato da enorme intensidade dos seus mecanis-
mos de recalcamento que lhes impede, finalmente, toda e qual-
quer liberdade de exteriorização de sua conflitualidade de desen-
volvimento fisiológica.
A neurose infantil traduz assim a dinâmica natural e estrutu-
rante da conflitualidade intrapsíquica e no nível das instituições
que trabalham com crianças, os conflitos se verificam igual-
mente úteis como instrumento de análise e elaboração do que
acontece no cerne mesmo da psique das crianças acolhidas (ex-
ceção feita, evidentemente, aos conflitos de pessoas ou conflitos
narcísicos que não “falam” das crianças, mas apenas de diversas
problemáticas de poder dos adultos).
Com efeito, tudo se passa como se a dinâmica psíquica interna
das crianças se projetasse de certa forma na equipe e na instituição,
que funcionam então como uma espécie de microscópio coletivo
das problemáticas individuais das crianças, e principalmente de
suas eventuais dificuldades de integração entre o corpo e a psique.
Um mínimo de conflitos institucionais, contudo, são neces-
sários como modo de abordagem das dificuldades de desenvol-
vimento ou psicopatológicas das crianças e há certamente um
grande perigo de que a instituição se experiencie como em uma
espécie de “ilusão grupal” (Didier Anzieu), ou seja, como um
grupo auto engendrado, sem distinção de sexo, pensado de ma-
neira única ou homogênea e totalmente bom!
Toda ilusão grupal tem sempre valor de utopia ingênua e
prejudicial.

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Ora, cuidar de crianças em estado de grande sofrimento e em
enorme dificuldade psicossocial é muito susceptível de ativar
essa fantasia da ilusão grupal, e isso pode se verificar perigoso
para a tarefa básica da instituição.
Dizendo as coisas de outra maneira, é importante que toda
instituição, e principalmente as que cuidam de crianças na
adversidade, possa levar em conta — sem negá-las — as forças
agressivas que se encontram necessariamente em ação no seu
cerne, pelo fato da incontornável agressividade entre os adultos
e da ambivalência imposta dos adultos para com as crianças
(na medida em que todo adulto é sempre ambivalente, mais ou
menos, em relação à sua própria infância e, por conseguinte, à
infância em geral).
Na ocasião de uma jornada de trabalho no Hospital Necker,
há alguns anos, Hanna Segal disse essa frase surpreendente:
“Os winnicottianos nos criticam, a nós, kleinianos, de nunca
falar de amor. Isso é falso, mas é verdade que nós não falamos
apenas de amor!”
Isso para dizer que a fantasia da ilusão grupal comporta nela
mesma uma real ameaça, a de acreditar que o ódio e a agressi-
vidade não existem, o que é provavelmente o melhor meio de
levá-los a se manifestar de maneira ainda mais violenta, através
de desvios imprevistos e imprevisíveis (“Expulse o intruso pela
porta, ele retornará pela janela!”).
Portanto, o amor não é um instrumento de trabalho suficien-
te para compreender os bebês: a agressividade e a ambivalência
devem igualmente ser levadas em conta porque apenas a sua ela-
boração pode nos impedir de atuá-las sem que saibamos disso.

Algumas questões centrais


Qual a natureza dos laços entre as cuidadoras e os bebês

Geneviêve Appell muitas vezes assinala o fato de que em fran-


cês nos falta cruelmente palavras para definir o tipo de relação
que une os profissionais e bebês.
Trata-se de amor, apego ou interesse?

Prefácio à nova edição 21

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|

Há sem dúvida um pouco de todos esses componentes, mas


nenhum desses termos resume verdadeiramente, apenas a ele tão
somente, a situação e também não é suficientemente adequado,
Será que é apenas a língua francesa que é muito pobre, ou
trata-se de uma dificuldade muito mais ampla que diz respeito à
própria complexidade dessas relações particulares?
Em todo caso, lembremos a proposição de Judit Falk: “Para os
pais é a própria criança e enquanto tal, que tem valor de objeto
narcísico, enquanto que para os profissionais, é o trabalho com
a criança que vale como objeto narcísico.”Deslocamento minús-
culo, mas evidentemente crucial!

Como funciona a dialética estreita que se opera entre


os momentos de encontro individual e os momentos de
atividade livre?

Entre os momentos de encontro individual dos bebês com as


cuidadoras e os momentos de atividade livre existe efetivamente
uma dialética estreita, que de um lado permite a aquisição progres-
siva da capacidade de estar só, e de outro uma articulação entre
os processos de simbolização na presença e na ausência do objeto.

Da capacidade de estar só como aptidão para não estar


Através dessa proposição paradoxal gostaria apenas de evocar
o fato de que o processo de crescimento e maturação psíquicos
da criança não pode estar assimilado ao aprendizado da solidão.
Evidentemente, D. W. Winnicott abordou a “capacidade de
estar só” como um progresso na ordem da autonomização da
criança. Mas, ele também insistiu muito sobre o fato de que
tornar-se capaz de estar só passava inexoravelmente para a
criança por uma etapa intermediária correspondendo à situa-
ção de estar-só-ao-lado (da mãe).
“Agora que você é grande, já pode fazer isso sozinho”, costu-
ma-se dizer às crianças. Na realidade, não é tanto o fato de fazer
as coisas sozinho que a criança tem vontade mas de fazê-las só-
-ao-lado-de-um-adulto que olha para ele, que sonha e pensa nele.

22 Maternagem Insólita
Digitalizado com CamScanner
DEITAR
SS
O que D.W. Winnicott aponta, aqui, é que a capacidade de
estar só depende na realidade, fundamentalmente, de um meca-

PST
nismo de interiorização da mãe, cuja ausência externa só poderá
ser suportada pela instauração da sua presença no interior da psi-

ms
que da criança — isso que Myriam David evoca na sua entrevista

LE
com Bernard Martino.

FINE
De outra forma dita, ser capaz de estar só, é no fundo ter os
meios para não estar, graças à presença interna do objeto (primá-
rio) que se ausentou externamente.
Isso corrobora, parece-me, aquilo que Anna Freud também
visava quando, a propósito da maturação das diferentes “linhas
de desenvolvimento” que permitem a aquisição de independên-
cia e autonomia, ela dizia que a criança deveria interiorizar certo
número de funções maternas para, um dia, poder brincar ela
mesma, e por conta própria, de mãe e de criança.
Desejo agora citar Michel Schneider que, num livro con-
sagrado a Glenn Gould (do qual bem conhecemos os aspec-
tos autísticos), nos propõe utilmente distinguir a solidão do
isolamento: “Estar só não é estar na solidão. Eu reservarei a
palavra solidão para falar desse estado onde estamos sem os
outros, certamente, mas onde permanecemos acompanhados
e denominaria isolamento os momentos, esteja eu só ou acom-
panhado, onde a minha própria companhia me falta, os mo-
mentos onde esse “alguém que falta” não é tanto o outro mas
eu mesmo.
Parece-me que há aqui uma indicação muito preciosa quanto
às dificuldades da criança, filha de mãe deprimida em adquirir
essa famosa capacidade de estar só.
De fato, se a solidão corresponde ao estado em que se está
só sem os outros, mas “onde fazemo-nos companhia”, e isso é
porque o objeto ausente foi internalizado com suas próprias ca-
pacidades de continência. A mãe que é antes de tudo um objeto
continente deve assim se tornar um objeto interno contido, mas
que, no entanto, é possível de exercer como (estando) de dentro,
sua própria função de continência.

TE E mera

Prefácio à nova edição 23

Digitalizado com CamScanner


Se a mãe é deprimida, ou com qualquer outra dificuldade ps;
quica, então ela corre o risco, precisamente de ser insuficientemen.
te continente e nessas condições, o bebê só poderá fazer companhia
para ele mesmo: ele estará no isolamento e não apenas na solidão.
Essa insuficiência de continência e internalização do objeto
primário ameaça, como bem sabemos, todo o registro das iden-
tificações primárias e, portanto, o registro do Ser, de onde vem
essa nota de Michel Schneider: “Esse alguém que me faz falta
não é tanto o outro que eu mesmo”.
Ainda uma palavra, para dizer que essa dinâmica me parece
reunir o esquema da meiose proposta por Geneviêve Haag a pro-
pósito da diferenciação entre intra e extrapsíquica da criança.
De acordo com essa autora, à maneira dos cromossomos que
antes devem se dividir para que uma célula-mãe possa dar lugar
a duas células-filhas, é importante que para se separar, mãe e
criança possam cada uma levar para dentro de si uma imagem,
uma réplica, uma cópia da outra, ou seja, uma representação
mental suficientemente eficaz e é claro que as depressões mãe-
-bebê ameaçam particularmente essa atividade de reprodução
psíquica e sua vitalidade.

Quanto à articulação dos processos de simbolização em


presença e ausência do objeto
Já evoquei acima, mas queria apenas retomar aqui que a sim-
bolização primária corresponde às figurações corporais do en-
contro com o objeto, ou seja, proto-representações do objeto,
laços com o objeto e o vivido afetivo que acompanha esse en-
contro, ao passo que a simbolização secundária corresponde a um
reevocar do objeto ausente e à passagem das figurações corporais
às representações mentais propriamente ditas, graças à internali-
zação psíquica pelo bebê do trabalho psíquico do próprio objeto.
Nessas condições, a alternância de momentos de encontro in-
dividual com momentos de atividade livre ao lado do objeto, que
se encontra então um pouco distante, com certeza oferece aos
bebês circunstâncias que favorecem enormemente a emergência

Digitalizado com CamScanner


ef
da simbolização secundária a partir do processo de simbolização
primária deles.

Que relações existem entre empatia e projeção?


Na entrevista a Bernard Martino, Myriam David pergunta se
é possível ser empático sem ser projetivo.
Trata-se aqui de um questionamento central e essencial que
ultrapassa a única questão dos cuidados com os bebês.
Pessoalmente, penso primeiro ao que diz Daniel Widlócher
sobre a empatia e a contratransferência: “O mecanismo (da em-
patia) é o contrário da contratransferência na medida em que
se trata, para o terapeuta, de depositar seu estado de espírito
no de seu paciente e não de observar como o do paciente se
apodera do seu”.
Mas então, como colocar seu estado de espírito no do outro
sem projetar algo no outro? Myriam David nos oferece, sem dú-
vida aqui, uma pista de reflexão extremamente preciosa.
Penso que ainda é muito cedo para ter clareza sobre esse ques-
tionamento mas temos ao menos duas hipóteses possíveis:
—- ou a empatia corresponderia no fundo, apesar de tudo, a
uma projeção parcial de si mesmo no outro, não desta ou da-
quela representação na psique do outro, mas apenas de uma
capacidade de observação e de partilha emocional permitin-
do ao sujeito vivenciar o vivido do outro, a partir da interna-
lização do outro;
— ou então a empatia não corresponderia em nada a um me-
canismo projetivo, tão parcial quanto pode ser, mas a uma par-
tilha emocional com o outro a partir do externo, através dos
neurônios-espelho e de representação de ação (Marc Jeannerod),
de onde a importância crucial e decisiva da observação, a única a
permitir, sem nenhuma projeção, um acesso ao modo represen-
tacional do outro pela via do mimetismo cerebral principalmen-
te mediatizado pelas ações do outro.
O que acontece em Lóczy entre as cuidadoras e os bebês cer-
tamente nos ensina muito sobre o nosso futuro.

Prefácio à nova edição 25

Digitalizado com CamScanner


De toda maneira, a empatia com os bebês supõe evidente
mente a dupla capacidade de se deixar tocar pelo que vem deles
e de saber, no entanto, se conter nos seus atos.

Haveria um lugar possível para um tocar


(carinho que acalma) entre prazer e sofrimento?

À calma tem um lugar muito importante em Lóczy, de onde


vem consequente a questão dos destinos da excitação.
É sabido que a excitação se situa sempre em algum lugar entre
o prazer e o sofrimento e, é por isso, que a noção de “carinho que
acalma” pôde ser proposta para tentar definir a maneira como as
cuidadoras tocam as crianças.
Na realidade, é difícil definir a natureza íntima de um cari-
nho que acalma, que remete à ideia de um tocar que não seria
nem excitante (como podem ser as cócegas que colocam o bebê
em posição passiva e em estado de tensão interna, difícil de ser
liberada), nem agressiva, que seria talvez um tocar “somente-pa-
ra-estar-junto”, física e psiquicamente.
Pode se pensar então no conceito de “dupla interdição do
tocar” proposto por Didier Anzieu e que pode ser enunciado da
seguinte maneira: “Não tocarás o corpo do outro e o teu pró-
prio corpo, nem para seduzi-los (excitação pelo prazer), nem
para destruí-los (excitação pelo sofrimento).” Assim, essa dupla
interdição do tocar que, para Didier Anzieu, funciona como
precursor fundamental da interdição edipiana ulterior, sempre
endereçado ao mesmo tempo àquele que o enuncia e àquele
que escuta, visaria, em Lóczy, ao mesmo tempo as cuidadoras
e os bebês.
Enquanto a excitação e a agressão ocorrem nas margens do
prazer ou do sofrimento, o apaziguamento, quanto a ele, só
acontece na devida distância e supõe o reconhecimento, ao me-
nos implícito, do intrincamento das pulsões de vida com as pul-
sões de morte, no cerne de uma ambivalência bem temperada,
a das cuidadoras, precedendo evidentemente em um segundo
tempo, condicionando a dos bebês.

26 Maternagem Insólita

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O que dá às crianças força para o futuro?
Haveria uma “vacina” para as dificuldades, uma espécie de
“mitridatização” que possa ser suscetível de garantir o advento
de uma segurança interna?
Evidentemente que não e, se fosse o caso, isso seria a própria
negação do interesse pela existência de uma instituição como
o Instituto Pikler, posto que as catástrofes existenciais vividas
pelas crianças acolhidas em Lóczy já seriam suficientes, elas pró-
prias, para lhes assegurar um futuro sereno. Mesmo a questão da
resiliência emergiu claramente de outro registro.
Portanto, é certamente da aquisição pelo bebê de uma segu-
rança interna suficiente que dependem suas forças para o futuro,
e efetivamente temos o sentimento de que os bebês acolhidos em
Lóczy saem de lá bem aparelhados para enfrentar de maneira
eficaz à continuidade de suas existências e as provas ulteriores
que atravessarão suas vidas.
Nas origens dessa segurança interna pode-se invocar a ques-
tão do apego, mas para mim, isso não é suficiente e também
é importante levar em conta a “maleabilidade” da institui-
ção (Marion Milner), suas capacidades de narratividade (Paul
Ricoeur) — pela via da escrita de um diário de cada bebê e sua
releitura periódica na presença de um terceiro -, assim como a
integração suficientemente boa da bissexualidade psíquica das
cuidadoras e da instituição que citei acima.
A internalização progressiva pelas crianças, dessas diferentes
funções da instituição, provavelmente dá conta da instauração
de sua segurança interna; entretanto, não há internalização
possível sem um clima de prazer compartilhado, aqui total-
mente decisivo.

Como se articulam os processos de formação e os


mecanismos de transmissão?
A transmissão supõe sempre certa homologia estrutural
entre o método adotado para transmitir e o objeto da trans-
missão.

Prefácio à nova edição 27

Digitalizado com CamScanner


Sabe-se, por exemplo, que o cursus psicanalítico deve levar em
conta algo do próprio movimento da cura, quanto à sua dinâmi-
ca regressiva do adulto para a criança que ele foi, por exemplo.
A liberdade de movimento (físico) dos bebês, que está no ccer-
ne das preocupações dos profissionais de Lóczy, também, me
parece, deve estar no centro das preocupações em matéria de
formação e transmissão.
E é provavelmente por essa razão que não se pode falar de “mé-
todo lóczyano”, na medida em que é importante, quando se quer
transmitir as aquisições da atmosfera lóczyana, respeitar a liberdade
do movimento (psíquico) do outro, tendo como ponto de partida
as próprias competências deste e sem querer lhe impor, do exterior,
uma receita ou instruções de uso, uma fórmula pronta.
Apesar de tudo, as formações e transmissões colocam a ques-
tão de um duplo choque de culturas. Há inicialmente o choque
entre a cultura dos bebês e a dos adultos que deve ser levada em
conta, lembrando daquilo que nos diz Alexandre Jardin em seu
livro intitulado Les coloriés: “a infância e a idade adulta apare-
cem nessas páginas como culturas distintas...” e “a infância não
é uma fase, mas sim uma cultura por inteiro”. Mas há também o
choque entre a cultura de Lóczy e as outras culturas do mundo.
Não haveria então um risco de que a cultura lóczyana do qua-
litativo seja varrida pela própria cultura do quantitativo, própria
a outros sistemas socioculturais, com o risco, já denunciado, de
transmitir um método e não um estado de espírito?
Finalmente, esse duplo choque de culturas solicita funda-
. mentalmente nossa capacidade de identificação com o outro,
quer esse outro seja o bebê ou o originário de outras culturas e
outros sistemas de pensamento.

A propósito dos novos campos de aplicação dos


princípios piklerianos do cuidado
Uma extensão vital, porém arriscada
A extensão dos princípios piklerianos para outros campos
que o do acolhimento é hoje em dia aparentemente inevitá-

28 Maternagem Insólita

Tee
Digitalizado com CamScanner
e”
7
vel, e isso por razões tanto extrínsecas quanto intrínsecas.
As razões extrínsecas correspondem ao número atualmente

o MR
decrescente de crianças em instituições de acolhimento, por

e
problemas de recursos financeiros e políticas que são impor-

ae
tantes. A extensão para outros campos de aplicação parece, nes-
se sentido, uma necessidade vital para a própria sobrevivência
dessa experiência.
As razões intrínsecas correspondem ao fato epistemológico
que quer que toda novidade conceitual, desde que ela contenha
realmente uma parte de verdade, não possa jamais ficar estri-
tamente ligada às condições de sua descoberta e inteiramente
dependente delas. Assim como as descobertas metapsicológicas
não podem envolver um status de verdade local a ponto de só
ter valor no cerne do dispositivo divã-poltrona da cura-tipifi-
cada, da mesma forma as aquisições da experiência pikleriana,
sendo efetivamente aceitáveis, podem ser utilizadas em outros
enquadres além do enquadre das instituições de acolhimento.
O fato é que ao se afastar de suas condições de emergência,
toda inovação corre o risco de se diluir, ou de se descaracterizar.
A parentalidade normal, os gêmeos e os trigêmeos, o funcio-
namento das creches, as crianças maiores, as crianças com defi-
ciências, situações de dependência diversas. Temos aqui algumas
temáticas sobre as quais as reflexões oriundas dos trabalhos do
Instituto Pikler poderiam certamente ter muito a contribuir.
Mas sem dúvida, deve-se pensar que a influência pode ser
recíproca no sentido de que se os princípios piklerianos de cui-
dados podem ser úteis à ação nos seus diferentes campos, ao con-
trário, esses outros campos também podem ser úteis ao aprofun-
damento da própria reflexão pikleriana.
Quanto mais jovem é o bebê menos ele é estruturado sob o
modo psicopatológico já fixado, e então é mais fácil a constru-
ção de uma “terceira história” entre ele e os adultos que cuidam
dele (B. Golse). A co-construção dessa “terceira história”, que se
enraíza na história passada da criança e dos adultos e que lhes
abre um espaço de liberdade, me parece está no centro da prática

TM aetee pras

Prefácio à nova edição 29

Digitalizado com CamScanner


plikeriana —- sem dúvida porque o tratamento dado às crianças
mais velhas traz novos e diferentes problemas.
Os bebês com deficiência e os doentes mentais reforçam,
me parece, a ambivalência dos cuidadores e, por esse motivo,
pedem práticas específicas às quais a atmosfera terapêutica de
Lóczy pode contribuir enormemente através de remanejamentos
e modificações particulares. A partir daí, em situações novas, o
cuidado pikleriano não seria mais uma finalidade em si, mas um
elemento constituinte de uma prática mais vasta.
Talvez seja a mesma coisa quando se deve levar em conta a
presença dos pais, como nos cuidados dados aos bebês em cre-
che e não mais em instituições de acolhimento, o que evidente-
mente representa um dos desafios atualmente colocado para as
equipes do Instituto Pikler.

E para concluir...
Antes de tudo é importante não se deprimir.

Sejam quais forem as dificuldades, internas ou externas, an-


tes de tudo é importante não se deixar deprimir.
Com efeito, lembremos o que dizia Myriam David: “Um
bebê carente ou deprimido não brinca com os seus objetos.
Ou ele não faz nada ou os quebra.” Da mesma maneira, se
nos deprimimos, prejudicamos nossos conceitos, ou não fa-
zemos nada. Daí vem a importância do reconhecimento in-
ternacional dos trabalhos do Instituto Pikler que não cessa de
progredir.

Em seguida é importante tomar consciência de que a


prática de Lóczy oferece um modelo único e exemplar para
uma teoria do cuidado.
O que acontece em Lóczy representa um modelo exemplar da
profissionalização dos cuidados e a dialética incansável, que se
desenrola entre a observação e a teorização leva, verdadeiramen-
te, a uma admiração.

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A observação de crianças é o correspondente da escuta dos
adultos, como diz tão bem Myriam David, e a modelização é um
desdobramento que se segue.
A experiência de Loczy nos estimula, fundamentalmente,
partir dos fatos clínicos antes de teorizar, e nós devemos nos
lembrar que no grego antigo, observar se dizia theorein, o que
significa que só há teoria viva possível se a clínica vier antes.
Este é o mérito de Lóczy de nos ajudar a manter essa direção.

É importante por fim admitir profundamente que os bebês


não podem e não devem ser a nossa única e última utopia.
Isso seria muito pesado para eles carregarem.
O mundo não é totalmente cor de rosa, tampouco totalmente
preto. Devemos falar com eles sobre um mundo que lhes dê von-
tade de crescer e fazer do bebê nossa única esperança representa
finalmente uma espécie de agressividade indireta contra ele, que
viria materializar brutalmente nossa ambivalência em relação à
infância da qual tive a ocasião de falar.
Os bebês possuem esse imenso poder de serem capazes de nos
tornar bons ou maus de acordo com o caso. Cabe a nós imperati-
vamente respeitar os bebês, nem que seja apenas para respeitar a
si mesmo e ao bebê que permanece escondido no fundo de cada
um de nós. Eis aqui, me parece, a grande lição de ética que Lóczy
nos oferece atualmente.

Finalmente, Lóczy não mudará o mundo, mas pode ajudar a


mudar alguns bebês e são eles que mudarão o mundo.
Essa frase me vem por analogia a uma proposição que escutei,
há alguns anos, no Brasil à respeito da escola.
Ela contém evidentemente algo um pouco místico, mas te-
nho vontade de concluir com ela, para dizer sobre tudo isso
que Lóczy nos traz e tudo sobre o qual, em tempos difíceis,
devemos acreditar.
Estou, portanto, feliz que esse livro maravilhoso Lóczy ou
a maternagem insólita, possa ser novamente reeditado. Tenho

— oecryerpe

Prefácio à nova edição 3

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certeza de que ele será tão precioso para esses MOVOS leitores,
quanto é para aqueles que já O conhecem e cujo trabalho, DG:
vezes, foi literalmente revolucionado por esse encontro com
uma prática e uma reflexão que, mais de sessenta anos após
o seu estabelecimento permanecem absolutamente pioneiras E
vezes, na contracorrente dos nossos modos de fazer ha.
tantas
bituais com os bebês!

32 Maternagem Insólita

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1 —— — —

Prefácio da primeira edição


Emi Pikler

este prefácio, gostaria antes de tudo agradecer as autoras


desse belo trabalho, nos quais elas analisaram os princípios
diretores de nossa atividade e os aspectos fundamentais do fun-
cionamento do nosso Instituto.
A visita de especialistas competentes nos é sempre muito
valiosa. Ao mostrar-lhes nosso Instituto, ao expor nossas con-
cepções, aproveitando as críticas que nos são feitas, nosso saber
enriquece e nos sentimos apoiados em nossos esforços para pro-
gredir. Desse ponto de vista, merece destaque a visita da senho-
rita Geneviêve Appell e da Dra. Myriam David.
Durante a estadia de duas semanas, elas permaneceram em
nosso Instituto em tempo integral, observando o nosso cotidiano,
o nosso trabalho. A cada dois dias, nós nos reuníamos para discutir
o que elas haviam observado, o que haviam anotado e acrescen-
távamos respostas e comentários às questões que nos eram colo-
cadas. A cada etapa, numerosas e novas questões eram colocadas.
À partir desse momento, tive a impressão, e já assinalei isso,
de que o trabalho complexo de nosso Instituto era observado,
avaliado e sintetizado pelas autoras, de um ponto de vista que
nós mesmos ainda não havíamos feito. Agora, ao ler esses rela-
tórios, essa impressão se torna uma certeza. A apresentação, a
primeira sobre a rotina do nosso Instituto, contribui para elabo-
rar uma síntese sobre o nosso trabalho que ainda não havia sido
feita. Isso ainda mais por tratar-se de um balanço crítico e obje-
tivo, feito por especialistas que são ao mesmo tempo capazes de
observar o conjunto e os detalhes, de examiná-los sob o ângulo
de suas correlações e de resumi-los.
Quanto às questões formuladas pelas autoras sobre a eficácia
do nosso sistema, compartilhamos com elas. Que tipo de indiví-

Apre

Prefácio da primeira edição 33

«TT Digitalizado com CamScanner


duos nossas crianças se tornarão? Estarão preparadas para o que
a vida espera delas? Em geral uma vida “acidentada”?
Sabemos e afirmamos que o calmo e tranquilo universo fa-
miliar, a mãe que afetuosamente oferece cuidados ao seu jovem
bebê não podem ser substituídos. Não esperamos que nossas
crianças formem mais tarde uma das mais excelentes popula-
ções de adultos, esperamos, no entanto, que elas não venham a
pertencer ao grupo daqueles que Bowlby caracterizou por uma
síndrome clássica. Essa esperança se sustenta nos resultados de
estudos catamnésticos efetuados com a ajuda da Organização
Mundial de Saúde, entre 1968 e 1970.
No quadro dessa investigação, examinamos 100 pessoas que
viveram em nosso instituto quando eram crianças bem peque-
nas, para depois se instalarem em seus núcleos familiares. No
momento dessa pesquisa elas tinham entre 14 e 23 anos. À análi-
se dos dados está em curso. Ainda que a maioria das crianças te-
nha crescido em famílias incompletas, com apenas um dos pais
tendo casado novamente ou não, nenhuma apresenta sintomas
flagrantes de desordens de personalidade características de uma
primeira infância passada em uma instituição.
Entre outros, Bowlby assinala o fato de que pessoas que vi-
veram em instituições quando crianças pequenas são inclinadas
a ter relações sexuais indiscriminadas. As mulheres têm filhos
dos quais elas se preocupam tão pouco quanto seus pais se preo-
cuparam com elas. Dessa maneira, elas aumentam o número de
crianças abandonadas. Dentre os 158 ex-institucionalizados con-
tatados!, nenhuma das 73 jovens mulheres teve filho fora do ca-
samento; cinco se casaram e tiveram filho, e uma delas já foi mãe
duas vezes. Todas tiveram acesso à assistência maternidade, ou
seja, a um auxílio mensal modesto que a mãe assalariada recebe
até que seu filho atinja a idade de 3 anos, caso decida ficar em casa
para educá-lo, além das vinte semanas da licença maternidade.
Nenhuma deixou seu filho com babá e não tinha intenção de
deixá-lo. Portanto, enquanto mães, elas se comportavam como

1 Nesse número não estão compreendidas as crianças que não fizeram parte da pesquisa da OMS.

34 Matrernagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


Den-
s que pas sar am sua inf ânc ia no seio de suas famílias.
aquela ia-
no estudo não havia nem vad
tre as 100 pessoas envolvidas
criminalidade, no momento
gem, , nem recusa de trabalho, nem
da pesquisa.
ain da à senhorita Geneviêve Appell e à Dra.
Agradeço através
esse es tudo. Fico contente que seja
Myriam David por
te rp re ta çã o de la s que O leitor francês tenha acesso ao tra-
da in
ituto.
balho do nosso Inst

Novembro de 1972

Prefácio da primeira edição 35

e ma am
) “<a
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Prefácio da edição brasileira

Sylvia Nabinger

uando fui chamada a apresentar esta obra e por conseguin-


te suas autoras, Myriam David e Geneviêve Appell pionei-
ras no estudo da psiquiatria, psicologia e psicanálise de crianças,
defini que muito mais do que orientar a leitura e pinçar alguns
dos inúmeros elementos vitais desta obra, faria um prefácio de
agradecimento, não somente pela trajetória inequívoca de am-
bas, mas também pela imensa importância da história delas na
minha história.
Geneviêve e Myriam deixaram publicada uma obra rica, his-
tórica e ímpar, além de inúmeras pesquisas e dados usados até
hoje ao redor do mundo. As estudiosas, minhas professoras por
três anos no curso sobre Intervenções Precoces Mãe Bebê da Fa-
culdade de Medicina da Universidade Paris-Norte, se dedicaram
a evitar o sofrimento do bebê onde ele estivesse, fosse no contex-
to da família, das instituições de acolhimento ou dos hospitais.
Ambas buscaram, durante décadas de prática clínica, pesquisar
sobre o bem-estar da criança pequena, utilizando conceitos e
narrativas de pensamento apoiadas e com base nas investigações
que aconteciam naquela mesma época no Instituto Pikler Lóczy
em Budapeste.
As autoras, depois de uma visita a Lóczy, ficaram impactadas
com o bem-estar das crianças, sua tranquilidade e confiança nos
adultos. Na volta à França, fizeram o relatório da viagem e das
vivências, relato que originou o presente livro. Mais tarde funda-
ram a Associação Pikler Lóczy França, que funciona até hoje. A
originalidade do trabalho realizado pela Dra. Emmi Pikler, reside
no fato de que a carência emocional que tantos prejuízos traz às
crianças que vivem em ambientes coletivos, sem a presença dos
pais, parece não existir. Isto foi chamado de maternagem insóli-
ta, mudando completamente, desde então, o olhar sobre o bebê.
;

Prefácio da edição brasileira 37

Digitalizado com CamScanner


A partir daí a tônica do trabalho, inter e multidisciplinar,
foi estimular a formação das pessoas que de longe ou de perto
tomam contato com o bebê, o estruturam subjetivamente c o
inserem no meio social, influenciando toda a vida do mesmo.
Por isso, não apenas a área da saúde mental se beneficiou de sua
obra, mas também pediatras, enfermeiras, educadoras, assisten-
tes sociais, auxiliares de creches, gestores de políticas públicas,
etc. Outro ponto que mereceu atenção incansável das autoras e
nesta obra em especial foi o tema da separação do bebê de sua
família de origem, assim como a recepção e chegada às famílias
acolhedoras e às instituições de acolhimento. Por tudo isso não
posso deixar de lembrar que este livro deve ser presença obriga-
tória na biblioteca de todos os admiradores das ideias de Emmi
Pikler como também na cabeceira de todos os que se interessam
pelo tema do bebê, da família e da primeira infância. Materna-
gem Insólita, esta publicação que muito me honra prefaciar, nes-
te momento de tantas incertezas que estamos vivendo e diante
da pandemia mundial que nos assola, vem preencher uma la-
cuna importante na bibliografia brasileira sobre o tema do bom
trato às crianças pequenas e dos cuidados essenciais ao bebê nas
instituições coletivas, mas também vêm nos trazer reflexões es-
senciais sobre o que desejamos para o nosso futuro enquanto
sociedade e o que almejamos enquanto humanidade.

Boa leitura.

Porto Alegre, agosto de 2020.

Sylvia Nabinger
Presidente da Associação Pikler Brasil

38 Maternagem Insólita

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MPR N TR rem ee rr

Introdução
Por que... Para quem este livro?

E 1968, durante uma viagem pelos países do leste, tivemos a


possibilidade de visitar, em Budapeste, o Instituto Nacional
de Metodologia dos abrigos para crianças de O a 3 anos.
Essa instituição, mais comumente chamada pelo nome da rua
em que está instalada Lóczy, é dirigida pela Dra. Emmi Pikler e
acolhe crianças desde o seu nascimento abrigando-as até a idade
de 3 anos, se necessário.
Durante essa primeira e breve visita comovidas pelo ambiente
da casa, pelo aspecto florescente das crianças e pela originalida-
de da teoria dos cuidados manifestamos o nosso desejo de retor-
nar para um estudo mais aprofundado.
Foi assim que, na primavera de 1971, passamos quinze dias
em Lóczy. Que esta seja a ocasião de agradecer à Dra. E. Pikler e
à sua assistente Dra. J. Falk pela liberdade que nos concederam
para observar e circular pelo estabelecimento, por todo o tempo
que elas nos dedicaram e pela riqueza de reflexão que nos ofer-
taram. Nosso reconhecimento também vai para todas as colabo-
radoras, médicos, pedagogos e em particular para as cuidadoras
tão acolhedoras que aceitaram com muita graça e simplicidade
que nós as observássemos com suas crianças.
Efetivamente, procedemos a uma observação direta dos
diversos grupos de crianças em diferentes momentos do dia
observações redigidas cotidianamente. Paralelamente, a cada
dia, à medida que íamos descobrindo, procurávamos descre-
ver o sistema de cuidados e discutíamos com a Dra. Pikler e a
Dra. Falk.

1 Nota do tradutor: Atualmente, a Instituição é dirigida por Anna Tardos.

Epp ISA AO LAVA CGA DRE PEN AN SN AI

Introdução. Por que... Para quem este livro? 39

tm
Digitalizado com CamScanner
Foi assim que, passo a passo inicialmente foi redigido o pri-
meiro relatório e depois, por sugestão de Germaine Le Guillant,
este livro. Ele é destinado a descrever as crianças, os cuidados
recebidos, compreender os princípios diretores que incentivam
esse empreendimento, sua modalidade de aplicação e o funcio-
namento dessa instituição. Isto e antes de tudo com o desejo de
contribuir para a melhora em nosso país das condições de vida
oferecidas às crianças pequenas quando, privadas de família ou
afastadas dela, se encontram em instituição.
Na França, a primeira solução encontrada para uma criança
pequena sem família é a adoção e pensamos que essa é de fato a
melhor. Mas, se por um lado, essas crianças são sempre institu-
cionalizadas antes de ser adotadas; por outro lado, muito mais
numerosas são as crianças que, separadas de seu meio familiar de
maneira provisória ou mesmo permanente, não são adotáveis.
Tanto a umas quanto a outras deve-se oferecer um espaço de
acolhimento que seja coletivo ou familiar.
Nossa preferência por crianças muito pequenas é pelo acolhi-
mento familiar porque é mais fácil para a criança ter a possibilidade
de elaborar uma relação afetiva significativa. Entretanto, não cabe
desconhecer as dificuldades do acolhimento familiar que, por falta
de precauções e a partir de uma visão simplificada sobre as relações
maternas substitutivas, pode ser fonte de perturbações. Em particu-
lar, sem estrutura ou contexto adequado é muitas vezes, como todo
acolhimento coletivo, vetor de carências quando entre outros não
são evitadas rupturas repetitivas que anulam o valor do sistema.
Como preservar a saúde mental dessas crianças em acolhi-
mento permanece como um problema urgente posto que muitas
delas, ainda que sejam acolhidas por uma instituição ou uma
família de acolhimento, sofrem de carências afetivas graves e os
fatos mostram como isso é difícil de ser evitado.
Na verdade, essa dificuldade se dá pela natureza do problema,
insuficientemente conhecido e compreendido na sua complexi-
dade. Reina ainda uma diversidade de pontos de vista teóricos
sobre os fatores da carência e sobre os elementos indispensáveis
à construção da personalidade.

Digitalizado com CamScanner


RR o À
a

Além disso, trata-se de um problema humano particular-


mente doloroso, e aqueles que cuidam de crianças privadas de
família estão confrontados ao mesmo tempo a uma pesada res-
ponsabilidade e a sentimentos de impotência; muitas vezes de
maneira compreensível, mas que lamentavelmente se apropriam
de pedaços de tal ou tal teoria para justificar um ponto de vista
subjetivo, em que a necessidade mais ou menos confusa de se
assegurar acaba por obscurecer a percepção dos problemas reais
das crianças.
Alguns, apoiados nas observações de Spitz, na teoria de Bowlby,
e outros em certos aspectos da teoria psicanalítica do desenvolvi-
mento da criança, sustentam o papel primordial e insubstituível
de uma mãe única e pensam que tudo deve ser feito para man-
tê-la com o seu filho.
Outros, ao contrário, têm a convicção de que ela pode ser
substituída: eles se apoiam na observação que mostra que a an-
siedade de separação não é nem universal nem tão grave como
alguns afirmaram, que ela é passageira e transponível se os cui-
dados atribuídos à criança são de boa qualidade.
Aqui, novamente, se opõem aqueles que consideram que se
deve oferecer à criança um substituto materno em um contexto
familiar, âqueles que, em posição contrária, estão convencidos
de que as melhores condições para o desenvolvimento da perso-
nalidade só podem ser asseguradas em uma instituição bem pen-
sada. Os primeiros sustentam a relação do tipo materna como
sendo essencial ao desenvolvimento da personalidade, embora
considerando que até certa idade ela possa ser transferida de
uma pessoa para outra; já os segundos, ao contrário, estão liga-
dos à ideia de que o elemento relacional é menos importante que
a qualidade do ambiente e dos cuidados, que só podem ser corre-
tamente assegurados e supervisionados em uma instituição.
Esses diversos pontos de vista se enfrentam, ora prevalecendo
uns, ora outros. O elemento passional incomoda a pesquisa de
uma percepção global de situações e é assim que são tomadas
de boa vontade, porém por vezes sem reflexão suficiente, deci-
sões perigosas para as crianças, como por exemplo: manutenção

NO NERD MENÇÃO NADO


A E AA

Introdução. Por que... Para quem este livro? 41

Digitalizado com CamScanner


a qualquer preço junto à mãe de uma criança que se encontra
em risco e que assim mesmo acabará por ser separada dela mais
tarde, quando já estará comprometida; rejeição em bloco de ins.
tituições para uns e adoção da família de acolhimento sem dis-
criminações, sem dimensionar as dificuldades inerentes a esse
tipo de solução como se clas devessem se resolver por elas mes-
mas torcendo para que a cuidadora seja “boa”, ou ainda recusa
no nível das instituições em reconhecer certas necessidades fun-
damentais da criança e modificar sua prática na perspectiva de
buscar respondê-la.
Assim, muitas crianças são entregues a famílias de acolhi-
mento tardiamente, em condições medíocres. Então, do nosso
ponto de vista, se constituem e se desenvolvem tais quadros de
carências afetivas graves devidas a uma multiplicidade de fatores
que tem entre eles relações de causa e efeito e se reforçam uns
nos outros: fragilidade pessoal da criança, ligada ou agravada
pelas suas condições anteriores de vida e pela qualidade precária
da relação materna, rupturas repetidas de relações significativas,
respostas inadaptadas à angústia da criança, carências diversas
do meio de substituição, dificuldades de reintegração no meio
familiar resultando a repetição de famílias de acolhimento e
agravamento das perturbações.
Pareceu-nos que, desse ponto de vista, a experiência de Lóczy
era particularmente interessante porque a Dra. Pikler fez uma
opção clara, fundamental: se a criança pequena não pode ser
criada pela sua mãe, a relação materna não pode ser reproduzida,
mas é possível lhe oferecer no quadro de uma instituição uma
experiência de natureza totalmente diferente que favoreça o seu
pleno desenvolvimento.
Um segundo ponto reteve o nosso interesse: após ter feito
essa escolha, a atenção da Dra. Pikler e de suas colaboradoras
centrou-se constantemente nas crianças, com a preocupação de
verificar o estado de saúde e desenvolvimento delas, de prevenir
o mais rápido possível o que, no funcionamento institucional,
poderia ser prejudicial, buscando remediar imediatamente atra-
vés de uma modificação apropriada, lutando sem tréguas para

42 Maternagem Insólita

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eliminar os fatores de carência habituais aos meios institucionais
bem como as fontes de traumas e tensões consideradas prejudi-
ciais à saúde de cada criança.
Veremos que para isso, nada
pode ser deixado ao acaso, nem
à improvisação das cuidadoras, tampouco determinado pelas ne-
cessidades delas ou por comodidades administrativas. Tudo deve
ser minuciosamente pensado, planejado, aplicado, verificado e
avaliado com, para o único objetivo, a criação e manutenção, no
interior da instituição, de condições favoráveis ao desenvolvi-
mento harmonioso das crianças.
Do nosso ponto de vista, um dos méritos essenciais e pou-
co comuns dessa experiência é a capacidade desses autores em
detectar a existência de problemas no lugar de negá-los, não ce-
dendo à tentação de declará-los pouco importantes, ao contrário
procurando constantemente os meios para tratá-los, portanto
assumindo também ao máximo as dificuldades, exigências do
empreendimento e aceitando se lançar nele e pagar o preço.
Desse modo a Dra. Pikler e sua equipe desenvolveram e aper-
feiçoaram progressivamente uma prática, cujos objetivos são
imutáveis. Porém, cuja realização é flexível e adaptada a necessi-
dades em constante movimento das crianças. Essa prática consti-
tui um sistema de cuidados coerente, constante nas suas grandes
linhas, estritamente controlado, do qual é possível descrevê-lo
nos mínimos detalhes, analisar e discutir.
Esse último ponto acrescenta ao interesse humano e clínico
dessa experiência um considerável interesse científico. Posto
que os elementos constitutivos da vida das crianças são bem co-
nhecidos, deveria ser possível compreender “por qual via” essas
crianças se desenvolvem separadas de seu meio familiar desde as
primeiras semanas de vida, o que esse tipo de cuidados oferece
durante os seus primeiros anos e eventualmente quais são os
seus limites.
Enfim, se optamos por descrever essa experiência, é porque ela
nos impressionou pelo seu rigor, pela sua qualidade e pela cons-
tância dos esforços de todas as pessoas que dela fazem parte, por
essa autodisciplina mas sobretudo por esse interesse profundo

Introdução. Por que... Para quem este livro? 43

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de todos, não pelas crianças, mas por cada criança, essa preocu-
pação com o bem-estar, esse desejo que anima toda a casa de que
cada uma seja feliz e plena, e esse esforço colossal é feito para
que, o mais rápido possível, para que ela encontre uma família,
de adoção ou a sua família de origem e que então esteja em exce-
lente estado e susceptível de aproveitar disso.
Estamos convencidas de que essa experiência interessará a to-
dos aqueles que têm responsabilidade com crianças sem família:
auxiliares de puericultura e puericultoras, educadores de crian-
ças pequenas, psicomotricistas, psicólogas, pediatras e psiquia-
tras, supervisores e todo o pessoal administrativo encarregado
do estabelecimento de serviços médico-sociais para a infância:
proteção materna e infantil, serviços de atendimento à infância.
Pensamos também nos militantes da educação e pais que pode-
riam se interessar por certos aspectos desse sistema educativo
fundado em princípios próximos, quando não idênticos, de mé-
todos conhecidos entre nós sob o nome de Educação Nova.
Nesse sentido, no momento em que apresentamos esse “mé-
todo de cuidados” gostaríamos de prevenir o leitor contra a
tentação muito fácil de adotá-lo ou rejeitá-lo rapidamente ec em
bloco, ou então de fazer transposições precipitadas ou parciais e
aplicá-los em situações diferentes. Se ele merece ser apresentado,
é também porque levanta problemas e deve ser discutido e é o
que tentaremos fazer.
Enfim, seria interessante confrontar a experiência de Lóczy
às outras, das quais não temos o mesmo conhecimento. Esse tra-
balho ainda precisa ser feito. Da mesma forma, convencidas do
interesse pelo acolhimento familiar, desejamos ter a possibilida-
de de fazer desse tema um trabalho tão aprofundado como o que
fez a Dra. Pikler no quadro de uma coletividade.
Neste trabalho nos limitamos a uma descrição e reflexão cri-
tica de Lóczy. Deixamos ao leitor a escolha de descobrir através
das páginas que se seguem:
— as crianças e adultos que vivem em Lóczy;
— os princípios diretores que subentendem todo esse sistema
educativo e como são aplicados durante os cuidados, durante as

e CA ne

44 Maternagem Insólita

Do Digitalizado com CamScanner


brincadeiras livres, durante as outras atividades e no que se refe-
re às relações sociais;
— como todo esse conjunto é impulsionado, sustentado e con-
trolado pela estrutura institucional que, no trabalho junto às
crianças e pais, associa de maneira estreita trabalhos científicos
de observação e pesquisa, assim como atividades de enquadra-
mento e formação.
Enfim, para concluir, tentaremos situar e discutir essa expe-
riência levando em conta os conhecimentos que temos acerca
dos problemas da primeiríssima infância, e em particular dessa,
confrontada a uma vida em instituição.

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Introdução. Por que... Para quem este ivo

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Digitalizado com CamScanner
Digitalizado com CamScanner
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Apresentação de Lóczy

As crianças
À apresentação das crianças será breve e expressará a primeira
impressão. Efetivamente é o conjunto do relatório que vai per-
mitir compreender quem são essas crianças, as características do
seu desenvolvimento e a vida que levam.
Em junho de 1971, 51 crianças entre recém-nascidas e de 3
a 4 anos vivem em Lóczy. Seus pais não podem assegurar sua
proteção, seja porque faleceram ou estão doentes (tuberculosos,
cardiopatas, doentes mentais), seja porque estão em dificuldades
(alcoolismo, famílias desunidas, mãe solo); algumas poucas são
crianças abandonadas.
As crianças são saudáveis e algumas prematuras.
A grande maioria já chega direto da maternidade, algumas
durante os primeiros meses. Elas deixam a instituição quando
suas famílias estão em condições de recuperá-las ou quando, por
decisões tomadas a respeito delas, podem ser adotadas. Um pe-
queno número permanece até a idade de 3 anos ou um pouco
mais. Se não é encontrada nenhuma solução familiar possível,
as crianças partem para uma instituição para crianças de 3 a 6
anos. Duas saíram em 1971 e nenhuma em 1972.
A saída de uma criança não ocorre exatamente na ocasião
do seu terceiro aniversário. Se um retorno para a família ou a
adoção está previsto para os próximos meses, então ela perma-
nece em Lóczy. Por outro lado, a entrada nas instituições para
crianças de 3 a 6 anos ocorre em setembro, então a criança que
já completou 3 anos espera até essa data.
Embora algumas crianças passem 3 anos em Lóczy, a maioria
delas permanece de um a dois anos.

CECPANTESCADE

Apresentação de Lóczy 47

Digitalizado com CamScanner


Desde a chegada à casa, ficamos tocadas pelo aspecto desses
bebês alegres, bronzeados, sorridentes e animados. Crianças com
proporções e movimentos harmoniosos, engajados na maior
parte do tempo em atividades variadas e em boa relação com os
adultos, aos quais se mostram pouco dependentes. Os grupos são
calmos; existe pouco conflito entre as crianças ainda que não
faltem interações que começam por volta de 4 a 5 meses.
Certamente, em alguns momentos uma criança chama mais
a atenção, porém essas crianças, cujo comportamento escapa à
norma são a exceção e são reconhecidas por todos como trazen-
do um problema particular.

Os adultos
Cerca de 70 pessoas trabalham em Lóczy. Algumas delas
se dedicam exclusivamente à atividade científica e atuam de
maneira totalmente independente do cotidiano das crianças.
Outras trabalham em tempo integral com as crianças, en-
quanto outras ainda dividem seu tempo entre os dois setores
de atividades.

Vinte e três cuidadoras

Denominamos assim as moças e jovens mulheres que, em


cada grupo, cuidam das crianças. Suas classificações, origens
e formações profissionais são variadas, sem equivalência exata
com as puericultoras, educadoras infantis, auxiliares de pue-
ricultoras, auxiliar de berçário. Elas são jovens, entre 18 e 30
anos, a grande maioria com cerca de 20 anos. Quase todas pos-
suem o Ensino Médio completo e essa profissão é uma escolha
delas. Algumas já possuem uma formação de dois anos que as
preparou para esse trabalho com crianças pequenas gozando
de boa saúde e vivendo em instituição. É uma formação distin-
ta daquela que recebe o profissional que se destina aos meios
hospitalares.
Outras não possuem nenhuma formação especializada e são
formadas no próprio lugar onde trabalham. Dentre estas, muitas

48 maternagem Insólita

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depois fazem estudos de enfermagem, enquanto as outras tantas
tomam outras vias: educação infantil, psicologia, medicina etc.
Vários são os exemplos de cuidadoras que, após muitos anos
na instituição, saem para estudar com a intenção de obter uma
promoção profissional.

Quatro a seis amas de leite


Mulheres jovens, na maior parte das vezes mães solo que vi-
vem em Lóczy. Elas amamentam, ao mesmo tempo, o bebê delas
e mais 3 a 4 recém-nascidos da instituição, mas não ocupam a
função de cuidadora.
Aliás, elas não são consideradas como funcionárias da casa
e não são assalariadas. Elas recebem um valor importante pelo
leite doado, o subsídio de maternidade e, para aquelas que antes
tinham trabalho, também o salário completo durante o período
de vinte semanas da licença maternidade.

Quatro ajudantes de cuidadoras


Jovens que dão apoio às cuidadoras em suas tarefas materiais,
porém não intervêm de maneira direta junto às crianças. São pro-
fissionais que não são fixas, em geral, estudantes do Ensino Médio
em férias, jovens em fase de conclusão de curso que fazem “bico”,
enquanto aguardam uma orientação profissional. Algumas têm a
intenção de abraçar a profissão de cuidadora, e nesse sentido fa-
zem dali uma espécie de primeiro estágio de aprendizagem.

Duas enfermeiras

Elas assumem um papel de monitoria e de cuidados de enfer-


magem de todas as crianças. Elas têm a mesma formação que as
“Cuidadoras.

-* Educadora infantil

E E Essa educadora cuida das crianças em pequenos grupos, por


* períodos curtos, a partir da idade de 15 a 16 meses.

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Seis psicólogas
As psicólogas trabalham em tempo integral no Instituto. Elas
estão engajadas em um trabalho científico, e algumas partici-
pam das atividades de formação organizadas para o pessoal das
instituições de acolhimento em todo o país. Eventualmente, elas
são responsáveis pelo passeio cotidiano de um grupo de crianças
e, algumas delas assumem junto às crianças a função de orienta-
dora pedagógica, como será apresentado no capítulo VII.

Cinco médicas

Como todos os outros funcionários, as cinco médicas, entre


eles a diretora e sua assistente, trabalham em tempo integral no
Instituto Pikler. Conjuntamente à atuação direta com as crianças
e pais, elas também elaboram trabalhos científicos e assumem
responsabilidades de formação, tarefa para a qual dedicam uma
parte importante do tempo delas. Além disso, a Dra. Piklere a
Dra. Falk estão encarregadas da inspeção das outras instituições
de acolhimento desse tipo em toda a Hungria.

Outras vinte e quatro pessoas


Uma bibliotecária e algumas outras pessoas colaboram com a
produção científica e de formação.
As outras fazem o trabalho administrativo, recepção, secreta-
Tiado, cozinha, limpeza, costura e manutenção. Entre elas, três
homens: um motorista, um jardineiro e um faz-tudo

50 Maternagem Insólita

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res

Princípios diretores

vida das crianças e as relações que os adultos têm com elas


são concebidas pela equipe de Lóczy, a partir de princípios
diretores que guiam a ação de cada um.
Sua exposição prévia é necessária se quisermos compreender
a razão de ser e O valor do sistema de cuidados bastante original
ali estabelecido. É a partir deles que todos os aspectos da vida co-
tidiana das crianças, sobre os quais o conjunto da equipe dedica
especial atenção, são regularmente acertados no detalhe.
Esses princípios podem ser assim formulados:
— valor da atividade autônoma;
- valor de uma relação afetiva privilegiada e importância do cará-
ter específico que convém lhe atribuir no contexto institucional;
- necessidade de favorecer na criança a tomada de consciência
dela mesma e do seu ambiente;
- importância de um bom estado de saúde física que contenha,
mas que também em parte resulte da boa aplicação dos princí-
pios precedentes.
Esses quatro princípios são igualmente importantes e é porque
são simultaneamente respeitados de maneira constante, que o sis-
tema educativo estabelecido tem o seu valor. Se um deles fosse
negligenciado, o equilíbrio oferecido à criança seria rompido.
Para dar conta do sentido de cada um deles, se faz necessário
examiná-los separadamente; ainda que seja necessário saber que
eles constituem um “conjunto” que determina a organização da
vida da criança.

Valor da atividade autônoma


Desenvolvero gosto pela atividade autônoma é considerado es-
sencialparaa educação detodasascrianças. Éatravés da educação,

MA CEM RELATO PDP CTIS RIVOTT EAD


TD UT

Princípios diretores 51

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que elas podem acumular experiências que favorecem um har-
monioso desenvolvimento motor e criam as bases para um
bom desenvolvimento intelectual, graças à experimentação
das situações.
É através da educação, igualmente, que se desenvolvem atitu-
des de homens adultos, criativos e responsáveis. Além disso, ela
é fonte de satisfação.
Essa capacidade de ser ativo e autônomo é como um valor
para o futuro da criança.
Portanto, todas as crianças devem ser colocadas desde a mais
tenra idade em tais condições para que possam descobrir o prazer
que lhes trará uma atividade espontânea própria. Isso é considerado
mais fundamental, ainda quando se trata de crianças criadas em
instituição porque se elas não investem desde cedo sua energia em
atividades e ali não encontram prazer correm o risco, e isto é um
fato extraído da experiência, de cair na apatia e no desinteresse.
Para que a atividade seja assim investida é necessário que cada
vez mais, e sempre, ela surja da própria criança em uma espécie
de autoindução sem cessar, reforçada pelo resultado obtido.
Essa é a razão pela qual a vida das crianças é inteiramente estu-
dada para dar a elas uma total liberdade de movimentos em todas
as situações em que se encontram, protegendo-as dos perigos.
Nessa liberdade, o adulto não intervém de maneira direta. De
certa forma, no seu campo motor, ele não impõe nem sua esti-
mulação, nem seu ensinamento, nem sua ajuda, o que tornaria a
criança passiva e dependente dele.
Em contrapartida, ele estimula constantemente essa ativida-
de motora de forma indireta e isso de três maneiras:
— pela progressão de situações nas quais ele coloca a criança e
diversidade de material disponível, em função de seus gostos e
possibilidades;
— pelo respeito do ritmo das aquisições motoras de cada criança.
Exceto atraso importante, pouco importa a idade em que se dão
essas aquisições. O que conta é que cada uma procede da prece-
dente, só se implantando quando esta última foi bem adquirida
e já tem uma base sólida, que oferece à criança um real domí-

DEE Te

52 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


nio permitindo avançar com segurança e sem receio. Razão pela
qual uma criança nunca é colocada em uma situação que ainda
não tenha o controle por si própria. Por exemplo, ela nunca fica
sentada, enquanto não se senta sozinha;
— através de um comentário verbal que, de tempos em tempos,
reconhece o sucesso da criança e a ajuda a tomar consciência de
suas realizações.
Portanto, a estimulação para a atividade existe, porém ela
passa por caminhos raramente utilizados espontaneamente pe-
los adultos: não interferência ativa, mas riqueza de um ambiente
apropriado e protegido, respeito ao ritmo como base de domínio
e segurança, interesse do adulto expresso discretamente, mas
com firmeza, à distância.

Valor de uma relação afetiva privilegiada e


importância da forma particular que convém lhe
atribuir em um quadro institucional.
Na ausência da mãe, a absoluta necessidade de oferecer à
criança a possibilidade de uma relação afetiva privilegiada e con-
tínua com um adulto permanente é outro princípio diretor.
De onde o enorme esforço fornecido para limitar o número
de pessoas que cuidam de uma mesma criança para assegurar a
continuidade da sua presença junto a ela durante toda a duração
da estadia e para criar uma grande constância nas atitudes edu-
cativas de cada uma delas.
É tudo feito para que o profissional se engaje em uma relação
real, porém conscientemente controlada, na qual o adulto não
deposita na criança sua própria afetividade e suas expectativas
pessoais; todas as suas atitudes são ditadas pelo respeito à per-
sonalidade da criança e procedem de uma compreensão inteli-
gente de suas necessidades. É essencialmente no momento dos
cuidados, os mais individualizados possíveis, que se elabora essa
relação, através de uma maternagem refletida e definida no seu
desenrolar. O objetivo sendo o de oferecer à criança, as condi-
ções necessárias para um bom desenvolvimento que a tornará

E CASSIA DT OS SRTA

Princípios diretores 53

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pronta a estabelecer posteriormente uma relação com os pais
quando do seu reencontro.
Nos intervalos entre os momentos de cuidados, a criança fica
com ela mesma, seja porque está dormindo, seja porque está ins-
talada em uma dessas situações que favorecem ao máximo sua
atividade espontânea.
Entretanto, a criança nunca está sozinha; a cuidadora está
sempre por perto e as duas estão constantemente em um raio de
escuta e de visão mútuos. A presença do adulto é percebida pela
criança, ao passo que as manifestações dela não escapam à sua
cuidadora que pode responder de maneira adequada.
E possível pensar que esse é também um ato relacional de
deixar uma criança com suas atividades sem intervir, ao mesmo
tempo alimentando as fontes de interesse constantes e é bem
isso que as crianças parecem perceber.
Dessa maneira, a equipe é treinada para destinar a cada crian-
ça uma atenção bastante individualizada ao longo do dia, aten-
ção expressa de maneira direta e próxima durante os cuidados,
indireta e à distância no intervalo dos cuidados.
Um esforço constante é fornecido por todos para avaliar, co-
nhecer e controlar o grau e a forma de atenção oferecida às crian-
ças. Com efeito, ao querê-las autônomas, não se deve desenvolver
uma dependência maior que a necessariamente exigida pelo ní-
vel de desenvolvimento de cada uma. A resposta do adulto não
deve ir além da demanda da criança, deve mesmo permanecer
um pouco aquém e sempre remeter para a capacidade dela de do-
mínio da situação, organizada na medida das suas possibilidades.
Da mesma forma, ao criar uma relação real calorosamente in-
vestida, evita-se desenvolver uma grande demanda afetiva. Pelo
fato de estar em coletividade, a avidez de contato das crianças é li-
mitada, caso contrário elas ficam frustradas, inquietas e agressivas.
A atividade alegre e bem sucedida na qual a criança investe, lhe
permite renunciar em parte às exigências de contato, ao passo que
a atenção ofertada durante os cuidados é a garantia de um nível de
troca indispensável, mas suficiente para que a criança não se torne
pouco afetiva, nem caia na síndrome da insatisfação afetiva.

54 Maternagem Insólita

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2
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po
T- "ras
“Porque estão em instituição não se deve prometer mais do

TP
que se pode dar, mas o que é oferecido deve ser constante e segu-
ro”, parece ser a regra da casa.

Necessidade de favorecer na criança a tomada de


consciência dela mesma e do seu ambiente.
A regularidade dos acontecimentos no tempo e a estabilidade
das situações no espaço, certamente contam dentre as condições
que favorecem essa tomada de consciência.
Mas, sobretudo, é no momento dos cuidados e através da ma-
ternagem que tudo é construído para ajudar a criança a com-
preender o mais rápido possível e em seguida saber: quem ela é,
o que lhe acontece, o que é feito para ela e o que ela faz, quem
cuida dela e qual o seu ambiente, qual é a sua situação e o que
a criança vai se tornar. Isto tudo, se situando seja no presente
imediato, seja para crianças maiores em um futuro a curto prazo.
Igualmente é ao apelar para a sua participação que se contri-
bui para que a própria criança possa se perceber, se conhecer e se
experimentar e logo se afirmar, enquanto pessoa.
Tudo isso implica em que a criança nunca seja tomada como
objeto, mas sempre tratada como sujeito. Desde a mais tenra ida-
de e partindo dela, cada vez que se está em relação com a crian-
ça, ela é tomada como parte interessada.
Desenvolver na criança a capacidade de participar é conside-
rada como a base necessária para tomadas de posições ulteriores
propriamente adultas, o que de certa maneira reencontra o dese-
jo de vê-la autônoma e responsável.

Importância de um bom estado de saúde que


subentenda, mas também resulte da boa aplicação
dos princípios precedentes
Uma grande atenção é destinada à saúde física das crianças
no quadro de princípios naturistas.
Cada criança recebe uma dieta bem individualizada, funda-
da nas observações cotidianas, não apenas no que se refere à

TND PP TENZIDE DUTO TASTE COTTA SPV TS

Princípios diretores 55

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alimentação, mas também o modo de vida e o desenrolar do
seu dia. Exames médicos regulares e observações detalhadas dão
conta do desenvolvimento global de cada uma. Enfim, uma uti.
lização maximal da vida ao ar livre é um dos traços dominantes
de todo o sistema.
O que chama a atenção é o fato de que essa preocupação com
a saúde das crianças de forma alguma direcionou essa institui.
ção, cuja direção é médica, para um sistema do tipo hospitalar. A
organização permanece a de uma casa de caráter familiar e cada
um parece pensar que o equilíbrio e a tranquilidade das crianças
é um trunfo para a manutenção do seu bom estado de saúde. Ao
mesmo tempo em que são tomadas todas as precauções contra
infecções e epidemias, estas nunca se desdobram em práticas que
possam ameaçar a segurança afetiva das crianças.
A criança que está doente é tratada junto ao seu grupo pelas
suas cuidadoras. Considera-se que estando em risco pela doença,
ela tem mais do que nunca necessidade da presença e do apoio
do seu enquadre de vida habitual. Exatamente como em uma
família, apenas a criança, cujo estado requer um equipamento
especializado deixa o seu grupo para ser levada ao hospital, onde
aliás suas cuidadoras a acompanham e vão vê-la.
Em conclusão à essa apresentação dos princípios diretores
cabe repetir que tudo o que na instituição diz respeito à vida
das crianças é concebido em função delas, cada princípio sendo
igualmente acionado na organização de múltiplas situações nas
quais estão envolvidas.
O respeito constante a esses princípios tem duas consequências:
— elaboração de toda uma série de maneiras de fazeres original,
que por sua vez tornam-se princípios educativos;
— exclusão de decisões rápidas que modificam a vida das crianças.
É certo que a rotina cotidiana de um grupo é progressivamen-
te modificada para levar em conta a evolução das necessidades
das crianças que o compõem, mas as modificações, fundadas nas
observações são refletidas e preparadas antes de serem introdu-
zidas. Não ocorrem modificações no calor dos acontecimentos
para responder a uma necessidade, que não seja das crianças.

56 Maternagem Insólita

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Ret

que organizações e maneiras de agir resultam desses prin-


| ne? Para uma exposição mais clara, a vida das crianças será
nte,
O embrada em quatro grandes capítulos que, evidenteme
rcalidade estão extremamente imbricados:
de de vida;
aa upos: sua organização interna e unida
de fraldas, exames
É O Auados: alimentação, banhos, trocas
o
médicos;
livres;
-as brincadeiras
lações sociais.
outras atividades e re

PETIT OA TIRA DES TRENT


Ta 57

Princípios diretores 57

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Digitalizado com CamScanner
EST

A organização dos grupos

E- junho de 1971, os grupos estão assim repartidos:

- grupo A: 12 recém-nascidos, desde o nascimento até os 3-4


meses, repartidos em dois subgrupos: Al e AZ que se encon-
tram na mesma sala, cada subgrupo tendo suas respectivas cui-
dadoras tituladas;
- grupo B: 8 crianças de 4 a 7-8 meses;
— grupo C: 8 crianças de 7 a 12-14 meses;
- grupo D: 10 crianças de 14 a 24 meses (uma criança deve dei-
xar o grupo em breve);
— grupo E: 6 crianças de 23 a 30 meses;
— grupo F: 6 crianças de 33 a 42 meses e excepcionalmente 1
criança de 57 meses.
O que totaliza 51 crianças. A casa pode acolher 70 e os gru-
pos, em princípio, contam com 9 crianças; exceto o grupo A,
cuja organização é levemente diferente. Entretanto, esse núme-
ro parece muito alto para os responsáveis, que procuram dimi-
nuí-lo para 8.

Organização de grupos e unidade de vida


Cada grupo de 9 crianças fica sob a responsabilidade de três
cuidadoras que, por revezamento, assumem os cuidados das
crianças das 6 às 13h e das 13 às 20h. Igualmente, elas assumem
o trabalho noturno a cada 8 a 10 dias. Uma das três, a mais anti-
ga e experiente, tem algumas responsabilidades pedagógicas em
relação às duas outras; de certa forma, ela é a chefe da equipe
sem que isso tenha caráter formal.
Ainda que acompanhando e cuidando das nove crianças,
cada cuidadora é encarregada mais de perto da observação de

CPE AO ya rp TI sense

À organização dos grupos 59

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três dentre elas e a importância dessa organização será vista
posteriormente.
As cuidadoras, na medida do possível, acompanham um gru.
po ao longo de toda a sua evolução e assim elas permanecem
com uma criança todo o tempo de sua estadia. Dessa manei.
ra, elas se sentem responsáveis pelo desenvolvimento de “suas”
crianças, têm o prazer de vê-las crescer e não as “perdem” quan-
do estas atingem a idade de mudar o ritmo de vida.
Quando essa estabilidade não pode ser totalmente garan.
tida, pelo fato da saída de uma cuidadora ou do remaneija-
mento dos grupos, as modificações inevitáveis são operadas
com uma extrema prudência e minúcia, como será visto no
capítulo VII.
Durante o período de sete horas, no qual é responsável por
seu grupo, a cuidadora intervém sozinha junto às crianças. Na
realidade, estima-se que cada criança deve saber a qual adulto
ela está ligada e, a cada período, qual é o adulto que cuida dela.
É, contudo, a cuidadora “responsável” que vai coordenar todas
as questões que se colocam para cada criança e para O grupo.
Ela é apoiada, no plano material, por uma ajudante que cuida
das refeições, brinquedos, vestuários, trocas de roupas de cama e
banho e da limpeza.

O contexto de vida
Em razão da arquitetura da casa, as crianças e as cuidadoras
mudam de lugar durante a estadia. À medida em que as crianças
crescem, procurando privilegiar lugares sempre mais espaçosos e
abertos para o exterior.
Essas “mudanças” são realizadas levando em conta um con-
junto de precauções destinadas a minimizar, o quanto possível, o
sentimento de estranhamento que podem provocar nas crianças.
A mudança é prevista com antecedência. Os maiores que conhe-
cem bem a casa, podem se preparar ativamente e dela participar.
Nesse dia, as três cuidadoras estão quase sempre presentes.
Não é uma obrigação; mas, conscientes do fato de que é um dia

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difícil para as crianças e para os colegas, elas vêm ajudar, mesmo
sendo em um dia de folga.
Em todos os casos, e seja qual for a idade das crianças, os
lugares para onde elas devem ir são organizados com antecedên-
cia e as crianças são transferidas no momento que parece ser o
mais adequado para elas. Elas são transferidas uma a uma, após
a refeição ou de vestir-se. Cada criança é transportada ao mesmo
tempo em que a sua cama. Ou seja, enquanto uma cuidadora
segura uma criança, as outras duas carregam a cama. As maiores,
caso desejem, podem arrastar as suas para o novo cômodo. Cada
criança pequena é imediatamente posta para dormir e muitas
vezes apenas no dia seguinte é levada ao cercado, onde encontra
os brinquedos com os quais está habituada.
Todos os grupos têm uma unidade de vida na parte interna e
outra na parte externa. Cada uma reúne em um mesmo espaço
as.camas, um lugar para brincar, os utensílios necessários para as
trocas e refeições. Só não tem chuveiros na parte externa; embo-
ra possuam piscinas infantis.
A criança tem, portanto, duas camas idênticas que ficam dis-
postas seguindo a mesma ordem para que ela se encontre sempre
ao lado dos mesmos vizinhos; o espaço externo e o mobiliário
das crianças são semelhantes.
Nos dois casos, os lugares estão organizados de tal maneira
que a cuidadora possa sempre ver todo o grupo. Por exemplo, em
cômodos onde a instalação sanitária fica isolada, uma abertura
na parede lhe permite ver e ouvir as outras crianças, enquanto
ela troca ou dá banho em uma delas.
Cabe insistir nessa organização material que deixa à disposi-
ção da cuidadora tudo que ela precisa sem que tenha que deixar
o grupo nem se deslocar com uma criança além de levá-la da sua
cama para o cercado ou trocador; deslocamentos limitados posto
que'esses utensílios sempre estão próximos uns dos outros, tanto
na parte externa quanto interna.
“No seu conjunto, as instalações internas simples, sem ne-
nhum luxo, são bem concebidas. Mas, esse espaço é pequeno
e apesar de todos os esforços feitos para dividi-lo e utilizá-lo ao

- o 4
Rd CMEI q ms rare nTes

A organização dos grupos 61

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máximo, isso coloca um real problema, lamentado por todos, em
particular por um ou dois grupos.
Na parte externa, as unidades de vida são bem diferenciadas.
Para os três grupos A, B, C do nascimento aos 12-14 meses, que
ocupam o primeiro andar, a unidade externa está instalada no
terraço que tem comunicação direta com o cômodo. Portanto,
não há “transporte” de crianças a ser feito.
Nesses terraços, os cercados são amplos de tal maneira que as
crianças mais velhas podem se deslocar. Eles medem 3mx3m,
o chão de madeira é recoberto com um tecido florido, a altura
das barras protege as crianças do perigo, embora lhes permita se
agarrar e se erguer para ficar de pé.
Quando as crianças já conseguem engatinhar e se manter de
pé, o grupo dispõe de dois cercados separados para que fiquem
apenas quatro ou cinco crianças juntas; caso seja necessário, para
o grupo €C (7-14 meses), um espaço do próprio terraço é utilizado.
Todo um sistema de toldos protege as crianças do sol, vento,
neve e chuva.
Os grupos D, E, F habitam o térreo. Para essas crianças mais
velhas, que andam ou engatinham, a unidade externa fica no
jardim e elas podem se deslocar até lá sozinhas. Ainda que tenha
uma escadinha a vencer, cada uma se vira sozinha, o grupo todo
tem acesso, mas cada criança no seu tempo. Aqui também, ne-
nhuma delas é “transportada”. Observa-se que a distância entre
o seu cômodo e o espaço do jardim aumenta em função da capa-
cidade de andar de cada uma.
Os utensílios do jardim variam de acordo com a idade. Para
o grupo D, os que estão começando a andar, por um lado, tem
um cercado idêntico ao do terraço e, por outro lado, um espaço
no jardim fechado, como um cercado, só que lá o chão é cober-
to com capim, terra e arbustos. Eventualmente, se a evolução é
A,

considerada suficiente, esse grupo passa para um pequeno jar-


23 O MSI

dim mais fechado com cercas vivas que formam um espaço bem
protegido, porém já maior e um pouco acidentado.
Os grupos E, F gozam de um grande terreno com inclinações,
cantos, pequenos bosques que oferecem muitas possibilidades.

62 Maternagem Insólita

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Há em cada cercado ou jardim, um rico material para brincar
que será visto mais em detalhe a propósito dos brinquedos livres
de cada grupo, e um sistema de toldos que protege as camas.
Em todas as idades os espaços externos são utilizados ao má-
ximo e sempre que o tempo permite, as crianças ficam neles.
Entre abril-maio e outubro, elas passam dias inteiros na parte
externa. Em seguida, o tempo ruim as mantém mais nos espaços
internos, ainda que todas façam a sesta na parte externa a partir
da idade de 4 semanas e isso até 10ºC abaixo de zero, enquan-
to os mais velhos saem para passear com qualquer temperatura.
Para esses últimos, o tempo mínimo que passam na parte exter-
na nos dias mais frios é de duas horas.
As roupas das crianças são variadas; não há uniforme estrito,
ainda que tenham elementos idênticos. Elas são concebidas para
deixar a criança com liberdade de movimento: fraldas pouco
apertadas, sacos de dormir, e até mesmo os sapatos, dos quais
uma parte são pantufas de tecido feitas na casa para deixar os
pés livres.
Dentro da casa as crianças, desde os 14 ou 16 meses, ficam a
maior parte do tempo vestidas com macacões com um bolso no
ventre para que possam guardar suas preciosidades.
Os maiores usam suas próprias roupas que sabem distinguir,
as para usos diferentes no cotidiano e as para “acontecimentos”
e passeios.
Mas, roupa de criança é para deixá-la minimamente coberta.
Desde que a temperatura permita, as menores vão para o cercado
com apenas uma blusinha, que desaparece assim que possível.
As maiores, no jardim, também ficam nuas desde que possível.
Resumindo, quer se trate de áreas de brincar, do material ou
do vestuário, a atenção é constante para modificar o ambiente de
acordo com a evolução dos grupos para que as possibilidades de
atividade das crianças sejam favorecidas ao máximo, assim como
a autonomia para uma quantidade cada vez maior de gestos.

A organização dos grupos 63

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IV
DR
TIE

Os Cuidados

odos os cuidados dedicados às crianças devem, é claro, garan-


tir-lhes bem-estar e conforto, ao mesmo tempo dar conta das
necessidades alimentares e das exigências de limpeza e higiene.
A isso se acrescenta a preocupação de sempre preservar ou
suscitar O prazer que a criança sente em relação à ação proposta
e favorecer todas as possibilidades de autonomia: ser alimenta-
da, depois se alimentar, deve permanecer como um prazer, O
desfralde vai acontecer, ao mesmo tempo em que através de cada
cuidado deve-se procurar estimular o prazer que a criança tem
em manipular, dominar, fazer sozinha e ser grande.
Enfim, os cuidados devem permitir à criança conhecer e dife-
renciar os três adultos que cuidam dela, ao mesmo tempo cons-
truindo com eles uma relação afetiva real e significativa, igualmen-
te ela deve contribuir para a tomada de consciência dela mesma.
Os cuidados propriamente ditos se resumem à alimentação,
banho, troca, vestimentas e exames médicos. Nenhuma apren-
dizagem da higiene é imposta e não existe isso de colocar no
penico sistematicamente.
Banho, alimentação, vestimenta revelam qualidades que, seja
qual for a idade da criança, surpreendem o observador;
— a criança nunca é tratada como um objeto, mas sim como um
ser que sente, observa, registra e compreende ou compreenderá
se lhe derem essa possibilidade;
— O desenrolar de diferentes partes dos cuidados é constante até
mesmo nos detalhes. As cuidadoras as ensinam e as respeitam,
dessa forma a criança pode ou poderá antecipá-la;
— nenhuma pressa, nada é forçado. Embora a cuidadora não pare
um instante, ela nunca dá a impressão de estar apressada e pare-
ce dar à criança todo o tempo que ela necessita.

ALVA EPI ICS EST ISDN RAI IEA

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— os cuidados nunca são interrompidos. Exceto em caso excep.
cional, a cuidadora sempre termina, no ritmo da criança, o que
se propôs a fazer com ela.
Essas duas últimas características contribuem para dar a im.
pressão de que o tempo dedicado a cada criança é longo, mas
na realidade cada cuidado é muito breve, como veremos mais
detalhadamente.
Ainda que conservando essas características fundamentais,
a maneira de proceder em cada cuidado evolui na medida dos
progressos da criança, estes atentamente anotados no dia a
dia.
De maneira mais precisa, o qual se traduz O fato de que a
criança nunca é tratada como objeto?

* À doçura dos gestos deve ser assinalada posto que, além da sim-
ples gentileza, ela testemunha de um reconhecimento perma-
nente, pelo fato de que a criança é sensível a tudo que é feito para
ela e não pode ser manipulada pela vontade do adulto.
Nada de mudanças bruscas de posição, nada de crianças
carregadas displicentemente, nada de balançar as camas, nada
de corpos e cabeças chacoalhadas fortemente, nada de mu-
dança imprevista da rotina, tudo é suave e feito com atenção.
A maneira de pegar e de deixar os pequenos é uma boa ilus-
tração desse aspecto.
À criança é antes de tudo chamada pelo seu nome, caso ne-
cessário é colocada de barriga pra cima, de frente para a cui-
dadora que procura captar o seu olhar; em seguida ela levanta
levemente o braço da criança para poder segurar sua cabeça
com a mão e sustentá-la perfeitamente; somente depois disso,
a criança é erguida. Para descansar, a mesma doçura e antes de
deixá-la, a cuidadora olha para ela, lhe diz algumas palavras,
” despede-se e, se necessário, lhe dá um cobertor contra o qual
ela se encolhe.

e A doçura se alia à preocupação constante em pedir a participa-


ção da criança, seja qual for a sua idade.

66 Maternagem Insólita

MM"
"kun
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e

Isso merece ser explorado com mais profundidade: como


fazer com que ela participe, mesmo sendo recém-nascida? Três
meios parecem se entremear constantemente.
- Durante os cuidados, a cuidadora fala com a criança olhan-
do para ela. Ela descreve o que está fazendo com ela, como por
exemplo, diz à criança bem pequena: “Vou pegar a sua mão para
colocar a sua blusinha”, ou “agora estou lavando o seu pescoço”
ou ainda “estou te penteando para você ficar bem bonita”; ela
também comenta as reações: “Ah, você está fazendo careta, você
não gosta disso, mas já estou terminando.”, ou pergunta o que
ela prefere, ir para o cercado ou para a cama, apontando as op-
ções, diz onde ela pensa que será melhor e por que.
A criança crescendo, a cuidadora continua comentando o que
ela está fazendo e acompanha as manifestações de interesse da
criança. Por exemplo, se durante a troca de fralda ela escuta um
cachorro latir ou vê e mostra uma folha que se mexe, é uma oca-
sião para comentar. Quando ela é maior, é uma boa ocasião para
estabelecer uma conversa.
A maneira de falar de todos os adultos tem uma característica
comum, tom uniforme, sem elevar a voz, em ritmo bem cons-
tante. Aliás, o nível sonoro geral do coletivo é baixo comparado
a OUÍrOS.
- À explicação verbal se acrescenta a apresentação do objeto
que vai ser utilizado por ela: o copo, a colher, sua blusinha, o
pente, o cobertor...
Sua cuidadora lhe mostra o objeto, possibilita suas primeiras
tentativas para tocá-lo, estimula suas tentativas de manipulação
da mesma forma que mais tarde estimulará seus esforços para
utilizá-lo sozinho.
- Enfim, uma cooperação ativa com gestos necessários aos seus
cuidados é esperada da criança. Para atingi-la, a cuidadora co-
meça por utilizar os gestos espontâneos do recém-nascido, por
exemplo, ela aproveita o momento em que ele avança seu punho
para por sua blusinha e assinala o que está fazendo. A partir de
2-3 meses ela lhe pede para que dê a mão, esperando o bom
momento e um movimento espontâneo da criança para fazer

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disso um sucesso amplamente comentado. A criança na medida
em que vai crescendo, vai se tornando cada vez mais consciente
dessa cooperação que, em algum momento, se torna voluntária,
O mesmo acontece no que se refere a mudanças de posição. É
deixada às crianças toda a liberdade para que fiquem na posição
que desejam e as cuidadoras são especialistas em acompanhá-las
nesses movimentos, ao mesmo tempo em que continuam a sua
tarefa. Se, no entanto, for necessário que a criança mude de posi-
ção, isso lhe é perguntado e neste caso também a cuidadora espera
alguns instantes e utiliza o movimento espontâneo da criança pe-
quena para efetuar essa mudança. Uma vez atingido certo estado
de consciência, a cuidadora aguarda que a própria criança o faça.
Colocar uma criança repentinamente ou ainda contra a sua
vontade em uma ou outra posição é considerado um erro. O
adulto deve assegurar-se da cooperação da criança antes de agir.
Essa maneira de fazer, engendra uma espécie de harmonia
entre os movimentos da criança e os do adulto, o que reforça a
impressão da doçura que se sente. E talvez seja o caso de insistir
nesse ponto; ela não aumenta o tempo dos cuidados justamente
porque elimina todos os movimentos em que a criança se opõe
às manipulações do adulto, atrasando o seu trabalho.

* Enfim, para responder à preocupação de ajudar as crianças a se


situarem e a prever o que vai lhes acontecer, elas são levadas para
os cuidados seguindo uma ordem constante, estabelecida o mais
rápido possível e da qual se procura, desde a mais tenra idade,
torná-las conscientes.
Para que isso aconteça e seja qual for a idade das crianças,
quando a cuidadora pega no colo uma delas, ela avisa a seguinte,
mostrando-lhe que está pegando outra criança, mas em seguida
será a vez dela. Da mesma forma, quando ela solta a criança que
estava carregando, ela antecipa novamente para a seguinte de
que sua vez vai chegar; assim que ela tenha colocado a outra para
dormir ou resolvido o problema em questão.
Esse revezamento é rigoroso e a criança que está chorando
deve esperar por sua vez. Ela não fica chorando, sua cuidadora

68 Maternagem Insólita

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do A

procura encontrar uma situação que busque restaurar o seu bem-


-estar: mudar de lugar no cercado, recolocar na cama para as me-
nores, outro brinquedo para as maiores. Tudo isso acompanhado
de encorajamentos verbais, mas a criança não é levada para ser
cuidada antes da sua vez. De modo inverso, a que está dormindo
é acordada, certamente com doçura, porém despertada.
Apenas o lanche, tomado logo após a sesta, é dado na ordem
do despertar espontâneo das crianças. Se uma delas acorda mui-
to tarde, recebe apenas uma fruta ou suco de fruta, o jantar é
servido às 18h.
Isto pode parecer rígido. No entanto, essa ordem não é estabe-
lecida sem reflexão, ela leva em conta o ritmo de cada criança. E
como a rotina de vida de todo o grupo é modificada em função de
observações cotidianas que permitem seguir a evolução das neces-
sidades, na maior parte das vezes, cada coisa acontece no momento
em que a criança está pronta para recebê-la o que, de certa forma,
suprime a rigidez ou em todo caso a suaviza consideravelmente.
Além disso, entre 6 e 10 meses, a criança se torna consciente
do seu lugar no grupo e, em geral, só começa a esperar pela sua
vez quando está próxima de chegar. Então, se a criança se mostra
insatisfeita, ela sabe o que vai acontecer, posto que vê as coisas
evoluírem na sua frente e que sem cessar elas lhe são restituídas.
Sua decepção é, portanto, limitada.
Afora esse revezamento dos cuidados, a criança segue seu pró-
prio ritmo de vigília-sono. Aqui, como será visto a propósito das
brincadeiras livres, reina uma grande individualização. Nada de
despertar o grupo nem para a sesta, nem pela manhã entre as
crianças maiores.
De fato, parece que estabelecido a partir de um bom conheci-
mento das crianças e utilizado de maneira rigorosa, esse reveza-
mento com os cuidados suprime o tempo de espera tão penoso
em grupos de crianças. Elas ficam absorvidas em suas atividades
ou dormem, enquanto a cuidadora pode se dedicar sem pressa à
criança com a qual está se ocupando. Em geral, nessas condições,
ela se sente contemplada quando seus cuidados terminam e re-
torna aos seus brinquedos ou volta a dormir rapidamente.

ae tteei 37 tr Eee mm

Os cuidados 69

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Esse revezamento parece então ser um excelente meio para
diminuir as fontes de frustrações e manter o bem-estar e a segu-
rança das crianças.
Nesse conjunto, não observamos estimulações ativas de natu-
reza a provocar a alegria da criança, nada de balançar os pés para
pedalar ou jogar a criança para o alto.
Em nenhuma idade apareceu esse tipo de “brincadeira ale-
gre”. É verdade que a criança é passiva, submetida às estimula-
ções ativas do adulto, o que é contrário à atitude de base.
Algumas descrições de cuidados ilustrarão isso tudo.

Os banhos e as trocas

Cada vez que uma criança vai ser vestida, desvestida, trocada,
levada para o banho, ela é tratada de acordo com as atitudes descri-
tas acima. À cuidadora lhe dedica uma atenção constante, respeita
e utiliza sua espontaneidade para realizar seu trabalho, ao mesmo
tempo em que a torna consciente de tudo que está acontecendo.
Os banhos são exemplos ricos desse tipo de cuidado.

O banho da Aniko, 7 meses e meio

Aniko é uma bebê gorda; um pouco pesada, pouco ativa com-


parada aos outros, ficaria facilmente afastada dos outros. Em
contrapartida, é sensível à presença do adulto, que ela observa e
para quem sorri com facilidade.
“Há cerca de três horas que eu a observo, quando sua cuida-
dora chega às 16h50 para pegá-la para o banho. Ela antes brin-
cou no seu berço, lanchou e depois voltou a brincar por uma
hora no cercado do terraço.
Tranquila durante toda a tarde, a maior parte do tempo de
bom humor, Aniko começava apenas a mostrar alguns sinais de
cansaço quando a cuidadora lhe anuncia que ela iria terminar O
que estava fazendo com a outra criança que estava no seu colo €
já viria buscá-la.
1 Em cada grupo, a metade das crianças toma banho pela manhã c outra metade no período da tarde.

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arriga para baixo quando perc ebe a chegada
t a d a d e b
ei
Ela está d n t a a c a beça e como esta lhe chama pelo nome
, leva
a cuidadorà Aniko lhe dá um
grande sorriso.
ã sobre ela, com
apniko” e se debruç a cu id ad or a, sempre falando
Após virá-la bem
devagar,
nd e as mã os e depois, com
a fr ente, lhe este
coloca-à frente es qu er do , co lo ca a outra mão sobre
ombro
cuidado, Jevanta seu e abraçá-la
para em se guida pegá-la no colo
a cabeça e à levanta ito.
contra seu pe com
confortavelmente s es tã o pr on to s, à mão; a banheira
ence a cabeça
Todos OS seus pert no trocador. Ela vira
cada
quando Aniko é colo de br uç a sobre ela, ao mesmo
ad or a se
da e sua cuid ito e manifesta
fala com ela. A criança sorri mu
a
Su a ro up à é re ti ra da bem devagar, há um
gria. to.
mo vi me nt os da cr iança € 0 gestos do adul
entr e os o
harmonia
mais utilizados q ue evitados e em moment
tos sã o
Os movimen um a po si ção fixa; sua cuidador
a à
loca da em
algum Aniko é reco movime ntos.
nh a na tu ra lmente em seus rnas
acom pa levanta as duas pe
torn a mais inquieta,
Sem roupa, ela se bi l co m a esquerda, se
a seus pés, ma is há
em esquadro, alcanç outro.
lado para o
vira levemente de um a at iv id ad e se repete; é difícil
à me sm
Colocada na balança, fa la nd o com ela, se debr
u-
a, que co nt in ua
pesá-la. Sua cuidador
en çã o e fi na lm en te consegue pesá-la.
ça, capta sua at e é le va ntada enquanto sua
or , cu ja gr ad
Recolocada no trocad ur a do banho, Aniko de
ti fi ca à te mp er at
cuidadora verifica e re reçã o à sua cuidadora.
repente se Vir a e se colo
ca de barriga em di
adora?
ar os atos € gestos da cuid
Talvez quisesse acompanh mã os , que ela será ensa-
ad a so br e su as
É nessa posição, apoi da muito; a cabeça
ap arentemente lhe agra
boada. Operação que li ca do parece que lhe con-
um xa mpu be m de
sendo lavada com
vém perfeitamente. ouve O seu
vê z mais Aniko
Agora, deitada de costas, uma como de
lhe estender as mãos, Se contorce,
nome, vêa cuidadora colocada na água.
bem devagar,
costume é erguida e,
min uto s. Doi s min uto s de brincadeira, Sua
Ela fica por dois r, jhe banhando
ra Aniko, fala com ela sem para
cuidadora olha pa

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bem devagar, encorajando-a a bater as mãos na água. No início
bem passiva, aos poucos Aniko começa a movimentar suas per.
nas, para logo em seguida se torna ativa e se agita vigorosamen-
te. Nisso ela é fortemente encorajada.
Retirada da banheira com precaução, ela é colocada em uma
toalha de banho na qual é calorosamente envolvida.
É com muita doçura que a cuidadora enxuga o seu rosto, seus
cabelos, orelhas, pescoço, as dobrinhas das axilas e virilha, sem-
pre falando com ela. Aniko começa a murmurar de alegria.
O enxugar é feito sem pressa.
Quando começa a vesti-la, sua cuidadora lhe chama, mostra sua
blusinha e aproveita o momento em que a menininha levanta sua
mão para vestir o braço. Seria esta uma participação voluntária?
Parece que sim. Já com a blusinha vestida, Aniko se vira de barri-
ga e ali permanece livremente. Só é virada para ajustar a fralda, e
isso é feito com os próprios movimentos dela. Estando de costas, a
cuidadora se debruça sobre ela, Aniko lhe sorri e se deixa vestir de
maneira confortável e principalmente passivamente. Sem parar a
cuidadora conversa com ela e Aniko lhe responde: “Ah! Ah! Ah!”
Levantada para ser penteada, ela procura segurar a roupa de
sua cuidadora. Elas parecem estar muito próximas uma da outra
nesse momento. Enquanto corta as unhas dela, a cuidadora lhe
dá a escova de cabelo, que Aniko segura firmemente sem olhá-la.
Novamente deitada, ela se agita devagar como que imitando
sua cuidadora que se despede dela. Depois ela se vira para a es-
querda, chupa o dedão, esfrega os olhos e o nariz.
Em dois minutos. Aniko já está dormindo profundamente. »

O banho completo durou de oito a dez minutos.


O banho de um recém-nascido ocorre dessa mesma maneira com
a mesma qualidade; porém uma vez na água, o que é procurado não
é mais que ele seja ativo, mas que relaxe, sinta-se feliz e a vontade.

O banho de Tamas, 2 anos e 2 meses

“Tamas já esperava pelo banho há algum tempo. Estava tão


impaciente que pediu para ir ao banheiro, enquanto Lajos, que

72 Maternagem Insólita

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vai antes dele, se banhava. Ele foi obediente e não atrapalhou,
como se o fato de estar lá já lhe desse a paciência de esperar.
Ele só perturbou um pouco, independentemente de sua vontade,
por duas vezes, ao deixar cair na cabeça a gaveta de um móvel
que o fez chorar desoladamente.
Então a cuidadora propôs que ele saísse e ficasse com os
outros no cômodo ao lado ou então com os maiores. Não, ele
queria ficar ali, e perturbado com essa proposta, com a cara
amarrada fez xixi no chão. Não foi repreendido, mas recebeu
um comentário de sua cuidadora sobre o acontecido, enquanto
ela limpava. A cuidadora aceitou a sua escolha e Tamas soube
encontrar uma brincadeira que o deixou calmo e sozinho ainda
por dez minutos.
Com jeito de quem não quer nada, ele seguiu as etapas do
banho do amiguinho e explodiu de alegria quando chegou a
sua vez.
Tamas é um menininho com boas proporções, com porte
elegante e diferenciado. Ele tem um ar sério, por vezes um pou-
co preocupado como se tivesse um problema importante para
resolver.
Na maior parte das vezes, reservado e silencioso durante o
banho, ele fica em contato com a cuidadora e é falante e ani-
mado. Dá para entender porque esperou impacientemente esse
momento tão gratificante para Tamas; e querer estar antes da
hora no local, lhe assegurou a espera e provavelmente prolongou
o seu prazer.
Seu banho relaxante está sendo preparado, seu roupão aguar-
da por ele. Tamas, com seu rosto iluminado, imediatamente
começa a balbuciar, pega um banquinho e sobe no trocador
que se encontra ao lado da banheira. Sentado, começa a tirar a
roupa. É um pouco demorado. Ele ainda não é um especialista
no assunto e está mais interessado em conversar com sua cui-
dadora que qualquer outra coisa. Como fazer as duas coisas ao
mesmo tempo? A cuidadora parece compreendê-lo, responde e,
devagar, faz com que ele se volte para tarefa que deve realizar:
tirar a roupa.

MESAS TES ao Terena.

Os cuidados 73

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Muito apoio verbal, alguns gestos encorajadores e ajuda para
realizar as etapas mais difíceis.
Tamas, já sem roupa, entra sozinho no banho. Recebe uma
bucha para se ensaboar, enquanto sua cuidadora, segura a outra.
Ele pega o sabonete e se ensaboa bem devagar com sua bucha e
depois se lava. Os dois conversam gentilmente.
Uma vez terminado de se ensaboar, Tamas se contorce, se
mexe, espirra a água do banho, o que é encorajado, se diverte
bastante batendo na água. Parece que está habituado a agir dessa
forma. Nada que uma rápida passada de pano seco no chão não
resolva diante da tamanha alegria da criança!
Tamas percebe que estou ali e dá um impulso em minha dire-
ção. Nós três rimos muito.
Sua cuidadora lhe pede que ele torça sua bucha, mas isso não
parece entusiasmá-lo e gentilmente ele se recusa; então, ela lhe
pede que esvazie a banheira, o que ele faz rapidamente.
Em contrapartida, se recusa a sair. Sua cuidadora ri de sua
recusa, conversa com ele, o que, aliás, ela não parou de fazer
durante todo o tempo. No entanto, ele aparenta estar bem deci-
dido a não sair da banheira. Ela, sempre muito calma, conserva
seu tom alegre e Tamas sai, mas como se fosse um jogo, sozinho,
fazendo acrobacias. No trocador, ele fica batendo os pés, ri bas-
tante, muito excitado.
Em pé, confortavelmente embrulhado em sua toalha de ba-
nho, ele se acalma, sendo enxugado bem devagar, com cuidado,
como se faz com as crianças menores, e Tamas parece feliz em fi-
car passivo por um tempo curto. Em seguida, alegre, brinca de es-
conde-esconde. Novamente, um grande momento de animação.
Mas, é preciso se vestir. Tamas se lança em uma longa conver-
sa, seu olhar explora o cômodo e fica mais tomado pela conversa
que pelo vestir-se.
Ele quer a pá com a qual estava brincando antes do banho,
sua cuidadora lhe dá, porém lhe explica com gestos que assim ele
não pode se vestir. Tamas deixa a pá e veste sua cueca.
Tamas se mostra pouco apressado em escolher ou reconhecer
o seu pijama na pilha, menos ainda em vesti-lo.

PE eee VESTIDA TED A rit

Digitalizado com CamScanner


Ele continua falando e sua cuidadora o acompanha. Decidi-
damente, vestir seu pijama não parece encantá-lo de maneira
alguma. Sua cuidadora diz, que se ele se vestir poderá ver os
maiores e Marika.
Finalmente, ela consegue obter sua participação com pouco en-
tusiasmo, contudo real. Ele volta a pegar seu brinquedo. Agora, sua
cuidadora propõe que Tamas se sente para que ele mesmo possa
calçar seus chinelos. Já de pé, ele lhe estende um deles para que ela
o calce. Ela recusa sempre com o mesmo bom humor e ele acaba
por se sentar e calçar os chinelos, ou melhor, inicia o movimento
de colocá-los; “sem enrolar”, sua cuidadora completa a tarefa.
Ele olha para ela intensamente, balbucia sem parar. Clara-
mente, os dois tem muito prazer nisso.
Tamas recebe o pente, se penteia... muito mal, decididamen-
te esta noite seu interesse está alhures. Sua cuidadora diz, “Oh!
Oh!” um pouco crítica e o penteia com alegria.
Pronto, confiante, ele desce sozinho do trocador e vai para o
cômodo dos maiores.”
Esse momento encantador durou quinze minutos.
A participação da criança aumenta na medida da sua idade,
os brinquedos também intervêm. Por exemplo, uma criança
maior ensaboa a cabeça de sua boneca ao passo que a cuidadora
lhe aplica o xampu. O banho na boneca tem quase a mesma im-
portância que o da criança.

As refeições
As dietas, estritamente controladas, são estabelecidas a cada dia
para cada criança e modificadas desde que as observações cotidia-
nas indiquem a necessidade. Para isso, toda manhã o pediatra lê o
caderno de cada criança onde estão registrados: a dieta em curso, a
quantidade de alimento efetivamente consumida e principalmente
Os suplementos recebidos, seu peso, as fezes e diversas outras obser-
Vações que serão examinadas de maneira detalhada no capítulo VII.
- Como já foi dito, a hora da refeição é fixa, e cada criança é ali-
mentada na sua vez, e acordada se necessário, exceto para o lanche.

Os cuidados 75
Digitalizado com CamScanner
As refeições dos menores são preparadas e apresentadas indi.
vidualmente, as dos maiores são preparadas para O grupo e cada
um é servido por sua cuidadora, ou se serve sozinho, mas para
todos, servido na casa ou na parte externa, a alimentação é tra-
zida no banho-maria e permanece quente sem que a cuidadora
tenha que se preocupar com isso.
Uma criança nunca é forçada a comer mais do que tem von-
tade. Ao primeiro sinal de recusa, sem nenhuma tentativa para
que coma mais, sua cuidadora para ou deixa que ela pare de
comer. À regra “nenhuma colher a mais” é levada a sério. Em
contrapartida, se terminada a sua porção e a criança continuar
insatisfeita: para as pequenas é dado um suplemento de suco de
cenoura ou de frutas e para as maiores um suplemento do prato
que acabou de comer.
As sucessivas situações propostas à criança para as suas refei-
ções serão apresentadas através de exemplos.
Até atingir a idade de 2 meses e meio, os bebês são intei-
ramente alimentados no seio, depois parcialmente e progres-
sivamente desmamados em torno dos 5-6 meses. A partir do
momento em que a sua dieta se torna mista, eles são alimen-
tados na colher e no copo. A mamadeira só é utilizada quando
uma criança apresenta necessidades particulares ou não pode
ser amamentada no seio.
Caso contrário, a mamadeira é julgada um intermediário inú-
til. A necessidade de sucção é considerada como satisfeita posto
que a criança é amamentada e tem toda a liberdade de chupar
o que aparece na sua frente durante as suas atividades. Então,
pensa a equipe de Lóczy, por que não lhe apresentar de cara um
conjunto mais avançado de alimentos, que por sinal a criança se
mostra rapidamente hábil em tê-los?
Charles e Melinda são bons exemplos do que acontece.

Charles, 2 meses

“Confortavelmente instalado no colo, Charles começa sua


refeição com um caldo bem leve. Sua cuidadora, nomeando,

76 Maternagem Insólita

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mostra O copo contendo o caldo, em seguida, antes de cada co-
jherada, lhe apresenta a colher com a qual ela o alimenta. Ele
parece não prestar atenção. A cuidadora continua falando com
ele e procura utilizar os movimentos que Charles faz com a boca
para poder colocar a colher e assim lhe oferecer verdadeiras co-
lheradas. Charles procura chupar a extremidade da colher, mas
ao observar o seu vizinho mais velho percebe que se seguir o mé-
todo utilizado por este, ele também não tardará a se tornar hábil.
Se uma colher demora um pouco para chegar, ele se contorce
e começa a chorar, sua cuidadora delicadamente e verbalmente
lhe transmite segurança, ao mesmo tempo em que continua sua
tarefa. Logo, tendo acalmado um pouco o seu apetite, Charles
torna-se menos impaciente. Mas quando o copo é retirado, fica
tão decepcionado que explode, sendo rapidamente acalmado ao
receber uma porção de suco de cenoura que, desta vez, ele bebe
no copo com eficiência. Decididamente guloso, Charles se agita,
volta a chorar quando o copo é retirado. Sua cuidadora então lhe
dá um suplemento e sentindo que ele fica mais tranquilo, se in-
clina, fala com ele, levanta-se, coloca-o em seu berço no terraço,
lhe diz até logo e sai.”
Ela ficou com ele por oito minutos.

Melinda, 6 meses e meio


Com Melinda a cena é um pouco diferente.
“Melinda tem uma expressão mais descontraída, abando-
nada, ao mesmo tempo em que, à sua maneira, participa mais
ativamente da refeição. Ela segue com os olhos o vai-e-vem da
colher, abre bem a boca quando ela se aproxima e come com
“competência. Procura pelo copo quando quer beber. Quando
este está na boca, segura tão bem que sua cuidadora controla
a situação apenas com seu indicador discretamente apoiado no
fundo do copo.
“ Com a mesma idade, Judith, mais hábil, bebe sozinha.
2 Melinda acompanha com os olhos todos os gestos da sua cui-
dadora, Será que ela conhece o copo e a colher? É provável em

REEITS (O PDM EIS PATAS MOS TIS APAE NE PET DEDota re

Os cuidados 77

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todo caso, tranquila, porém alerta, Melinda participa e sua cui-
dadora fala com ela o tempo inteiro. ”
Sua refeição durou quatro minutos. Da mesma forma que o
banho, a ausência de pressa, a atenção da cuidadora constante-
mente centrada na criança, exceto nos breves olhares dirigidos
aos outros do grupo, o bem-estar de Melinda dão uma impressão
de contato real dos dois lados e parece que dissipam a brevidade
do encontro.
Esse modo de agir dura ainda por longos meses. Certamente
ocorrem modificações, copo e colher não são mais mostrados
de maneira tão sistemática, na medida em que a criança progri-
de ao beber sozinha, procura pegar a colher. Aliás, isso é mes-
mo encorajado e chega então a dita fase “das duas colheres”,
quando cuidadora e criança, investidas desse utensílio, empre-
endem a tarefa em comum, ora uma, ora outra levam a colher
para a boca da criança.
A próxima mudança importante ocorre quando a criança se
senta à mesa.
A idade de ser levada à mesa é extremamente variável. Só é
proposto à criança cadeira de refeição quando espontaneamente
ela já está na fase sentada, se controla suficientemente para po-
der se sentar sozinha e se sentir confortável nessa posição tendo
um bom controle de sua preensão.
Nesse estágio, o sistema das duas colheres, se necessário, ain-
da é utilizado. Bem progressivamente, a proporção de alimento
que a criança pega e a dada pela cuidadora se invertem. Aos 15
meses, a maior parte das crianças come sozinha e sem se sujar.
Quando começa a comer à mesa, a criança é instalada na
cadeira de refeição, depois em uma mesa com uma cadeirinha
separada. Progressivamente na medida em que o número de par-
ticipantes aumenta, elas passam a quatro e finalmente são rea-
grupadas todas as crianças no grupo das maiores, instaladas em
duas mesas próximas uma da outra.
Para cada criança, o momento em que ela será levada à mesa
é discutido a partir das observações das cuidadoras. A manei-
ra como elas serão progressivamente reagrupadas em torno

78 Maternagem Insólita

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da mesa é discutida e prevista com bastante antecedência e a
criança é informada.
Em um mesmo grupo encontram-se crianças que estão em
estágios diferentes.
Por exemplo, entre as dez crianças do grupo D (14 a 24 me-
ses), as quatro crianças mais lentas, por sinal entre as mais no-
vas, são alimentadas uma por vez no colo. Em seguida as duas
que ainda necessitam de ajuda comem à mesa ao mesmo tempo
e, finalmente, as quatro que se viram melhor são convidadas a se
instalarem juntas. A cada refeição essa divisão se repete.
No grupo E (23-30 meses), as duas mais novas começam um
face a face, uma já perfeitamente autônoma, mas ainda um pou-
co lenta, a outra ainda no “duas colheres”. Depois delas, se insta-
lam as quatro maiores.
Entre as quatro maiores, cada uma na sua vez é indicada
como a ajudante e isto é simbolizado por um avental colocado
para a ocasião. Ela vai buscar a bandeja de comida com o adulto.
Depois, ela leva a cada criança uma tigela previamente servida
pela cuidadora. Logo depois serve em outro recipiente cerejas
sem caroço e cada uma serve-se sozinha com suas mãos. No final
da refeição, a criança ajudante auxilia a recolher os utensílios
sobre a mesa. A essa idade o trabalho termina aí.
Entre os mais velhos, grupo F (33-42 meses), a criança desta-
cada como “ajudante” vai igualmente junto com o adulto buscar
a bandeja, depois ajuda a por a mesa: uma toalha, verdadeiros
pratos; e aqui as crianças se servem sozinhas com exceção da
carne, que é servida pelo adulto. É um prazer ver o Michel, de
33 meses, utilizar a concha com tanta habilidade. Quando uma
criança é servida com legumes e a sua cuidadora lhe serve a car-
ne, a criança que é a ajudante do turno lhe dá uma colher para
começar a comer.
“Neste grupo também cada um serve-se cerejas. Mas aqui os
caroços não são retirados e Adam não consegue cuspi-los. Diante
do fracasso, no lugar das cerejas, a cuidadora lhe oferece uma
compota de frutas. Isso é bem característico: se uma atribuição
é muito difícil para uma criança, ela não é obrigada a cumpri-la

ad CRM ESA ÍVTR CXLSILD PINOS TIA DECR Ergo ra

Os cuidados 79

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e ninguém faz por ela. Tranquilamente ela fica no nível daquilo
que pode fazer sozinha e isso não é uma punição.
Nos grupos E e F, as refeições são rápidas. Calculam-se oito,
dez, treze, no máximo, quinze minutos. Tudo acontece na calma,
cada uma come com um bom apetite. Conversa-se pouco, posto
que cada uma está ocupada com o que faz. Tudo está ali, à mão,
sem espera nem irritação. Não é um momento nem de grande
prazer, nem de animação, nem de contato muito próximo com a
cuidadora como são os momentos do banho, da troca e do pas-
seio. É mais uma rotina importante que se desenvolve normal
mente. Às crianças anoréxicas são totalmente desconhecidas.

Os exames médicos
O mesmo médico acompanha as crianças ao longo da estadia
delas no instituto. Portanto, elas não tardam a reconhecê-lo. A
visita, seja ela de rotina ou porque a criança está doente, é con-
duzida segundo as mesmas regras que a do tratamento. O médi-
co fala, comenta, explica, utiliza os movimentos da criança, faz
com que ela participe. Os gestos são delicados, nada de pressão,
aqui mais uma vez nada de pressa e tudo é feito através de um
contato com a criança.
As crianças também gostam da visita médica, que se torna
um acontecimento feliz. É a ocasião de tomar consciência do seu
corpo e, para os maiores, de nomear as diferentes partes. Além
disso, a criança aprende que se cuidar não é ameaçador e pode
mesmo ser agradável.
Entretanto, em alguns períodos, como para todas as crianças
dessa idade, acontece delas não gostarem nem de serem desves-
tidas, nem tocadas:
“Gyuszi está com febre, precisa ser examinado, ora, nesse mo-
mento ele resiste, não quer ser examinado. Durante muito tempo o
Dr. L. fica em contato com ele, aceita suas recusas sem se opor, inte-
ressado no que ele está fazendo, o deixa brincar com o estetoscópio,
lhe oferece um palito pediátrico. Gyuszi se acalma e acaba até por
cooperar um pouco. Contudo, se encolhe novamente quando do

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gar ganta; é o único moment
o no qual, apesar da falta de
um instante ele é forçado.
Após isso, o médico procura
E ficando com Gyuszi até que
ele se tranguilize”,
;i para os cuidados, a
cronometragem precisa mostra
nduzido is maneira não é (ongo, toma “menos

E Ee obter a cooperação da criança leva apenas um pouco


e te po. do que lutar contra ela.
do se trata de uma visita médica de rotina, não é raro
criança “assistente” do médico. Tamas sempre acompa-
» ele carrega o estetoscópio, o martelo de reflexo e,
i nbuído de sua tarefa, realiza-a com seriedade.

Es
Ti Rego Ertam Wetastrrazn
re sata
Ea

Os cuidados 81

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OT
e eeeos po Ter
V
As brincadeiras livres e as atividades
autônomas

atividade espontânea autoinduzida, que a criança procura


obter livremente de maneira autônoma, tem um valor es-
sencial para o seu desenvolvimento; deve ser para ela uma fonte
de prazer constantemente renovada.
É por essa razão que, fora dos períodos de sono e de cuida-
dos, as crianças são colocadas em situações que favorecem ao
máximo essa atividade. Como os cuidados duram pouco tempo
e a necessidade de sono diminui progressivamente, essas “brin-
cadeiras livres” rapidamente ocupam uma parte importante
dos dias. E mesmo quando, a partir do 18º mês, elas começam
a frequentar o Jardim de infânciai, sair para passeios e outras
atividades, as brincadeiras continuam sendo a principal ocupa-
ção das crianças.
À organização desse tempo de atividade autônoma não é, por-
tanto, apenas uma maneira de ocupar as crianças quando estão
acordadas. Seu planejamento deve servir a objetivos precisos e
é objeto de reflexões, planejamento e modificações constantes.
Para cada grupo e para cada criança, uma série de elementos são
levados em consideração:
- a distribuição no tempo de acordo com o ritmo individual de
sono e vigília;
— O espaço;
= Os objetos e os materiais;
— as atitudes do adulto.

1 Nota do tradutor: Jardim de infância refere-se a uma pequena casa localizada no pátio da Instituição,
Portanto, não é uma escola de Educação Infantil. Atualmente, esse espaço é chamado de “playroom”, casa
de brincar. A descrição desse espaço encontra-se no capítulo VI - Outras atividades e relações sociais.

esa rice mesma es CORTE PESCA ENA

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 83

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A distribuição no tempo de acordo com o ritmo
individual de sono e vigília
Para que cada criança tenha prazer nesses momentos
quais pode exercer sua atividade
.
autônoma, ela só é Colocad
a e A A Nos

aí ; quando pode aarê : a


aproveitá-lo plenamente e ficar feliz. Ou sej + à,

quando a criança está bem desperta e nunca além dos Primeiros


sinais de cansaço. Uma grande flexibilidade permite Organizar
esses momentos de brincar de acordo com o ritmo de cada uma
É assim que as crianças menores, quando começam a fre.
quentar O cercado em torno de dois meses e meio, são Colocadas
antes e depois da mamada de acordo com o caso e não Necessa.
riamente voltam para a cama após esta última.
As maiores não ficam na cama depois que acordam. São le.
vadas ou vão sozinhas, se já são capazes. Não é proibido sair da
cama. Ao contrário, o desejo de estar despertado e ativo é valo.
rizado; a única ordem é a de respeitar o sono dos compa Nheiros,
brincando calmamente.
Se a criança está cansada, alguém a coloca ou ela vai sozinha
para cama. Como cada criança tem uma de suas duas camas não
muito longe do local em que fica o seu grupo, pode-se pensar
que assim ela não se sente isolada.
Enfim, o revezamento organizado de uma criança de cada vez
para os cuidados limita os momentos, em que, tomada pela espe.
ra, ela fica insatisfeita e impaciente e não consegue permanecer
ativa e independente.

O espaço
O espaço, no qual a criança é colocada é cuidadosamente le-
vado em consideração. Ele responde a três exigências:
- ser apenas um pouco mais amplo que o espaço que a criança
pode ocupar para a sua atividade e percorrer, levando em conta
suas possibilidades de locomoção do momento. A criança é então
incentivada a tomar iniciativa sem ser colocada numa situação
de insegurança, pelo fato do espaço ser amplo demais, não conse-
guindo então apreendê-lo na sua totalidade de forma autônoma;

84 Maternagem Insólita

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- permitir que as crianças possam se movimentar e se deslocar
sem incomodar umas as outras, porém se encontrando. Dessa
maneira, podem surgir interações agradáveis entre elas sem que
cada uma se torne uma fonte de ameaça para a outra;
- proporcionar situações em que a criança possa aprender a
controlá-las sem perigo para ela, o que a coloca protegida não
apenas de acidentes como também de proibições ativas do adul-
to. Estes inibiriam ou destorceriam seu movimento espontâneo
para a ação e experimentação.
Portanto, o espaço no qual a criança se move vai, assim, cres-
cer com ela.
Três tamanhos de cama com grades oferecem uma primeira
progressão, que não é deixada ao acaso. Em seguida, como foi
visto no capítulo III, cercados, terraços e espaços fechados no
jardim aumentam de acordo com a evolução das crianças e se
diversificam cada vez mais.
Deve-se notar que exceto para as maiores, as crianças de um
grupo nunca estão todas ao mesmo tempo nos espaços para brin-
car. A individualização do ritmo do sono e o tempo de repouso
de um lado; e o fato de que elas são cuidadas uma por vez de
outro, fazem com que ao menos para os quatro primeiros grupos
tenha sempre uma cuidadora tomando conta de uma criança,
enquanto algumas estarão em suas camas e outras brincando.
Isso contribui para evitar a “superlotação” dos cercados em par-
ticular para Os grupos, cujo espaço interior é reduzido.

O material para brincar


Além daquilo que o jardim já oferece por si próprio, rampas,
obstáculos, flores, folhas, grama e paus, todo um conjunto de
objetos, brinquedos e materiais que propiciam naturalmente ati-
vidades para as crianças.
'O conjunto mais simples em grande parte composto de ob-
jetose brinquedos de uso comum pode, à primeira vista, pa-
recer banal e pouco pensado. Na realidade, uma análise mais
elaborada revela a imaginação, pesquisa e, sobretudo, uma

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grande atenção dedicada à progressão na introdução dos dife.
rentes elementos.
Cada elemento leva em consideração as possibilidades loco.
motoras e manuais das crianças e corresponde à evolução de seus
interesses. Cor, forma, peso e tamanho são levados em conside.
ração e a equipe está sempre em busca de novas ideias. A quan.
tidade também é dosada de acordo com a idade e quantidade de
crianças: “nem muito, nem pouco”.
Cada grupo possui material abundante, escolhido nessas bases
e regularmente reajustado de acordo com as necessidades. Alguns
objetos estão sempre presentes quando as crianças são colocadas
ou chegam às áreas de brincar, mas o conjunto do material nãoé
deixado inteiramente à disposição. É a cuidadora que, quando jul.
ga necessário, introduz alguns objetos durante a brincadeira para
reavivar o interesse. Ou então, quando as crianças maiores pedem
o brinquedo com o qual querem brincar.
Para as crianças menores, o material fica disposto de maneira
sempre idêntica no momento em que cada uma é colocada no
cercado para que elas possam descobri-lo rapidamente.
É apenas nesses espaços para brincar que a criança encontra esse
material. Na cama, ela fica sem brinquedo. Isto é uma questão de
princípio e, por duas razões: de um lado, ela deve aprender a distin-
guir a cama, feita para a tranquilidade e o dormir, do cercado ou do
jardim, feitos para atividade ou brincadeira; de outro lado, ela tem
com o que se ocupar, já que conta com o ambiente para observar,
para os menores, o seu próprio corpo para descobrir e experimentar.

As intervenções do adulto
À preocupação constante em instalar as crianças em condições
as mais favoráveis possíveis para que elas cuidem de si mesmas de
forma autônoma, leva a não interferir de maneira direta no seu
brincar. O único objetivo das intervenções do adulto é no sentido
de manter essas condições adequadas para as atividades iniciadas
por elas. É por isso que a cuidadora nunca propõe uma postura
para a criança: de bruços, sentada ou de pé; ela as escolhe quando

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e como pode, depois, mais tarde, quando e como quer. Ela tam-
bém não lhe sugere fazer algo sob a forma de proposta, brincadei-
ra, pedido, incentivos com a voz ou gestos tais como: dar, pegar, se
S levantar, vir na direção, empilhar ou sair. Isso tudo, a criança des-
cobre também sozinha e se exercita por vontade própria. Porém,
vigilante, a cuidadora observa as conquistas da criança e, em voz
alta, na ocasião comenta sobre os progressos dela; não tanto para
felicitá-la, mas para favorecer a tomada de consciência dela mes-
ma, do seu corpo, das outras crianças e também da sua cuidadora.
Apenas três tipos de circunstâncias necessitam uma interven-
ção mais ativa da cuidadora: a criança em situação difícil, as

disputas e OS sinais de tédio ou cansaço. Nesses casos, ela procura


recriar uma situação em que a criança reencontre seu bem-estar,
o seu prazer em estar ativa, sem romper com O princípio da não
interferência no brincar.
' Por exemplo, se após ter dado à criança o tempo de sair só de
uma posição desconfortável, ela julgar que deve ajudá-la, então
' ela faz o mínimo necessário para que a criança reencontre o do-
, mínio da situação. A regra é não mudar a criança de posição para
consolá-la quando está chorando, por exemplo, para virá-la da po-
sição de bruços para a de costas ou da de costas para a de bruços.
Isso ela deve fazer sozinha. Caso necessário, só se ajuda, a reen-
contrar uma posição já conhecida, a criança que está iniciando a
) aquisição de uma nova possibilidade motora; porém, nunca para
uma posição que ela não possa encontrar por ela mesma.
Se uma criança agride outra e o conflito se agrava e se prolon-
ga, a cuidadora tenta resolver cnamando-as e falando com elas
a distância. O tom nunca é zangado, e sim com autoridade ou
explicativo. Se essa intervenção é insuficiente, ela se aproxima,
| separa, consola, orienta para uma nova atividade. Se o agressor
' reincide, então eventualmente ela pode colocá-lo na cama.
Enfim, se a criança dá sinais de mal-estar que ela interpre-
ta como sinais de tédio, ela reorganiza os brinquedos em torno
dela, introduzindo novos ou modificando a disposição, mudan-
do-os de lugar no cercado ou abrindo a porta deste, para lhe
oferecer novas possibilidades.

Ee, na

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 87

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Se ela considera que a criança está cansada, ela a pega no colo
e, dependendo da situação, lhe oferece um chazinho ou recolo.
ca-a na cama com sua coberta, explicando o que está fazendo,

ii
porque e, se ela tem idade para poder se expressar, eventualmen-

int
te deixa que ela mesma escolha as diversas soluções.

rima mio ms
Antes de intervir, a cuidadora, quase sempre, dá um apoio ver.

mi
bal à criança, e seja qual for a situação, suas intervenções nunca
são rápidas nem precipitadas, posto que ela só se voltará para esta
após ter terminado com a criança que está cuidando no momento.
A constância dos cuidados que elas prestam e o treinamento
oriundo da observação parecem tornar as cuidadoras hábeis em
interpretar aquilo que cada criança tem necessidade em tal mo-
mento e suas intervenções parecem, em geral, oportunas, seja
porque a criança se engaja em uma nova atividade, seja porque,
recolocada na cama, ela dorme rapidamente.
Claro, nem todas as cuidadoras têm a mesma aptidão para
perceber as necessidades das crianças e responder de maneira
adequada. Igualmente, há sempre crianças, uma ou duas em
cada grupo, que passam por momentos difíceis, ligados na maior
parte das vezes ao seu estágio de desenvolvimento e para os quais
ooo".
Ego

a cuidadora nem sempre sabe qual será a melhor intervenção:


cama, cercado ou novo material.
Porém, embora constatados alguns períodos de mal-estar, o
que chama a atenção é o quanto, de maneira geral, as crianças
“e pa

são ativas, autônomas e apresentam poucos sinais de frustração.


Elas passam muito tempo brincando, sempre tentando venceros
-

obstáculos com uma tenacidade surpreendente e um prazer in-


tenso evidente. Elas sabem também aproveitar os momentos de
repouso e adquirem rapidamente uma excelente auto regulação.
Apenas uma descrição dessas brincadeiras livres, em cada um
dos grupos sucessivamente, é suficiente para que o leitor possa
captar como elas se desenvolvem e como as situações são con-
cretamente organizadas e progressivamente transformadas com
a finalidade de responder às novas necessidades de cada idade
e enfrentar os problemas particulares que cada nova etapa do
desenvolvimento traz para o coletivo.

miar estao ndo rea rasas tro

88 Maternagem Insólita

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Alguns exemplos apresentados abaixo mostrarão as particu-
jaridades de cada grupo e a evolução de um grupo para o outro.
Deve-se assinalar que, apesar do tempo ruim e da tempe-
ratura ainda um pouco elevada, a quase totalidade de nossas
observações ocorreram no espaço externo onde as crianças pas-
sam dias inteiros.
Estamos, na impossibilidade de descrever as ati-
portanto,
vidades das crianças no espaço interno. Quando em dois mo-
mentos o tempo ruim as manteve por um tempo maior na
casa, pudemos ver surgir algumas dificuldades. Seria interes-
sante saber como, no período de inverno, a equipe de Lóczy
organiza a vida das crianças e como ela ainda consegue res-
ponder às necessidades delas, levando em conta a exiguidade
de certos cômodos.
No momento, com algumas exceções, é a vida do lado de fora
da casa que é apresentada ao leitor.

Grupo A (de alguns dias a 3-4 meses)


“Aprender a se ocupar de si mesma”
Durante as dez primeiras semanas, a criança só conhece suas
duas camas. Ela observa o céu, os toldos de proteção, as árvo-
res, as cuidadoras que circulam, seus vizinhos de berço. Ela olha
para suas mãos, tenta acompanhá-las em seus deslocamentos,
chupa os dedos, procura segurá-los. Ela procura controlar uma
postura, Essa é a atividade espontânea dessa idade.
Dessa forma, a criança começa a se movimentar um pouco,
a conhecer suas mãos e a ter o controle delas, a segui-las com os
olhos. Experiência primordial que não deve ser comprometida e
é o que ela faz melhor, na cama sem brinquedo, na tranquilidade
e em um universo de constância, pensa a equipe de Lóczy.
Em torno de 2 meses e meio, quando já adquiriu um princí-
pio de controle de suas posturas e motricidade manual, ela faz a
experiência do cercado. Esses períodos de vigília e de sono são
então suficientemente definidos para que sua cuidadora possa
distinguir os momentos mais favoráveis. Antes dessas aquisições,

ANO A ai rr a era nr po ares

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 89

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ela não fica bem no cercado, não consegue gostar de dá nem
aproveitar do espaço, portanto não é confrontada a cle
No começo, as passagens pelo cercado são breves. Guard,
o mal-estar se sobrepõe ao interesse, a criança é recolocada q
cama. Nessas condições, ela não demora a se habituar, a cerco
trar prazer nisso e a fazer rápidos progressos como ilustrar q
observações de Zussi e Pitchounette.
Eis o que acontece com Zussí (3 meses):
“Tendo terminado sua refeição, Zussi € colocada no cercado
Sua cuídadora coloca de um lado de sua cabeça um paninho
com cores vívas «e de outro uma bola de fios de vime tecids é
colorída, dois objetos leves e fáceis de pegar que, evidentemente
correspondem exatamente às possibilidades das crianças e que
são elementos constantes dos brinquedos dessa idade. Outrs
brinquedinhos, poucos, estão por alí espalhados.
No início, Zussi está tranquila, com os braços dobrados, a ca
beça virada para a esquerda, ela chupa o dedo depois estica o
braço e encontra o panínho. Capta, olha, deixa-o. Ela sc anims
cada vez mais e se volta para o lado, mas em equilíbrio instáve.
fica de bruços. Nessa posição, infeliz, cla grita. Alguns minutos
mais tarde,a cuidadora que deita Pitchounette, a vê, fala com
eia, pega-a com delicadeza, a ajuda a se virar sorrindo e sai io
vando com ela Tinka. Zussi está satisfeita, porém um pouco mas
tarde, ela se coloca na mesma situação. Ela grita bem forte a
que, tendo terminado os cuidados com Tinka, sua cuidadora &
pega nos braços, a consola, lhe dá o chá e à instala na cama do
terraço, ao mesmo tempo em que lhe diz que a está colocando
na cama porque ela não quer mais ficar no cercado. Ela lhe di
seu cobertor. Zussi fica acordada um momento, muito calmz
chupandoo dedo para em seguida dormir.”
“Pitchounette (3 meses e meio) controla mais a situação e suz
brincadeira
é mais profunda. É absolutamente extraordinário v>
-la pegar
a bola de fios de viíme, olhá-la e deixá-la. Ela está inte
ramente tensa, tremendo; seu olhar brilha. As custas de estorçs
tremendos, eia se volta para O lado e estica bem os braços pzrz
pegá-la novamente: nesse esforço ela se víra de bruços, se estorçz

Digitalizado com CamScanner


rev

para se erguer, depois pega uma pequena argola azul que encon-
tra embaixo dela e a amassa por um tempo antes de descansar
sua cabeça; cansada, de lado ela chupa o dedo até que, vendo
novamente o panínho, se anima « recomeça o movimento.”
Nessa idade nem sempre é fácil distinguir as necessidades das
crianças. É um grupo, O único, onde os choros são frequentes e,
em certos momentos tem uma intensidade dramática inegável.
As cuidadoras estão atentas a esses choros, mas não se deixam
Jevar por esse caráter pungente. Com uma só palavra, um gesto,
elas incentivam a criança a encontrar a calma e só intervém de
maneira mais ativa após um tempo mais ou menos longo, de acor-
do com a idade, e apenas se o choro atinge um real paroxismo.

Grupo B (4 a 8 meses)
“A alegria de rastejar, se deslocar e se encontrar”
O cercado de 4 a 8 meses é mais divertido de observar. Ali estão
espalhados os mais variados objetos: encontramos ainda os panos
coloridos, a bola de fios vime, mas também uma ou duas bolas,
tigelas e cestas de plástico em cores vivas, uma boia, copos de me-
tal, tambores de plástico e alguns bringuedos do tipo chocalho.
O tempo de permanência nesse cercado já é bem maior. Para
as crianças de 5-6 meses, é de uma hora e meia e até mesmo
mais, ou seja, o tempo que a criança fica alegre e bem desperta,
Observamos Mélinda nessa manhã (6 meses e meio)
“Sua cuídadora acaba de colocá-la, ela me dirige um sorriso
charmoso depois rapidamente se coloca de lado. Sem dificuldade
ela pega uma esteira de plástico vermelha e voltando a ficar de
costas a manípula sem dificuldade. O barulho de outra criança
faz com que vire a cabeça, com esforço se estique e arqueada
figue olhando para um lado; interessada na cena fica de barriga
pasa baixo, apoiada sobre as duas mãos €« observando, mas logo
sua atenção se dírige para outro brinquedo e, de maneira hábil,
ela se arrasta nessa direção.
Alguns minutos mais tarde, ela já está perto de Judith que chu-
pa seu dedo esquerdo, o braço direito estendido na horizontal,

vetos ne carpa,
pis pg >

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 91

Digitalizado com CamScanner


ATA
DATE DANE
VPAS LM EA ATI

mexendo os dedos. Mélinda brinca com os dedos de Judith que


de repente, olha para ela, estica bem as pernas para o alto e vo.
ta-se para ela. Judith estica uma mão em direção ao rosto de Mé.
linda, que oferece sua cabeça para Judith que chupa os cabelo
ese

dela antes de puxá-los; então, Mélinda se vira e se afasta. Logo


PI po

em seguida, as duas estão de barriga para baixo frente a frente


ET
porem cerpreaers

murmurando trocam olhares, ao mesmo tempo em que apare.


cem algumas gargalhadas. Mélinda volta-se para o lado e coloca
sua cabeça na barriga de Judith, chupa seu joelho, se aninha em
seu quadril, onde adormece.
rentes mo
a emitem

As interações entre as crianças no cercado são frequentese


quase sempre positivas. Até as menores aproveitam, como Louis
cerca

e Isolte, embora ainda não possam movimentar-se tão bem: uma


peTres rena pes es ares

criança maior brinca com a mão ou com o pé e tira a roupa,


quanto às três que se viram melhor, não é de se duvidar que elas
tenham tendência a se agrupar; colocadas em cantos distancia-
REU

dos do cercado, percorrem grandes percursos e acabam sempre


E rara

por se aproximar. Seus deslocamentos tem um caráter aleatório


AM

e, no entanto, a rapidez do encontro no mínimo faz pensar em


cena PARE EG TREE ERA

certa orientação na direção de algo.


Duas crianças da mesma idade estão mais retraídas; uma, no
entanto, Aniko, ainda que bem isolada e se deslocando menos,
interage com as outras quando estas se aproximam dela e apro-
veita de bons momentos de brincadeira; já a outra, Kati, observa
E
E
as outras crianças que em suas brincadeiras a tocam ou passam
É
É. perto dela, mas ela nunca estabelece uma verdadeira troca com
as outras; mostra-se dificilmente atingível para todos, inclusive
com a sua cuidadora. Por vezes, meio que perdida nela mesma,
solta gritos de maneira estridente que dão a impressão de um
mal-estar. Com 3 meses, ela é diferente das outras crianças, sen
do difícil interpretar suas necessidades. Em diversas ocasiões, sua
cuidadora parece ter dúvidas, não sabendo como intervir. Katié
uma das crianças que leva a instituição pensar na possibilidade
de ela ter um distúrbio neurológico, ainda que menor.
Voltemos a Mélinda que, como vimos, após tantas atividades
dá sinaís de sono e finalmente adormece. Quando sua cuidador

92 Materragem insólita

Digitalizado com CamScanner


TS nm a a 25.

termina os cuidados com Aniko, ela vem pegá-la para colocá-la na


cama; ainda não é a vez dela e ela tem tempo para uma soneca.
Em contrapartida, minutos mais tarde, como Georgi reclama e pa-
rece estar incomodado; sua cuidadora mostra-lhe Zussi de quem
está cuidando e explica que, assim que terminar os cuidados com
ela, virá pegá-lo. O mal-estar de Georgi diminui, ele devaneia e
quando chega a sua vez, sorridente, está pronto para aproveitá-la.”
Para o conjunto das crianças desse grupo, os choros vão desa-
parecendo e as demandas endereçadas ao adulto, observadas no
grupo seguinte, ainda não aparecem. Esse grupo parece particu-
jarmente fácil e contente.

Grupo € (7 a I4 meses)
“Bons rastejadores na conquista do equilíbrio e à procura
do adulto”.
No terraço, próximos do grupo B, dois cercados acolhem o
grupo C.
As crianças maiores já poderiam se beneficiar do andar tér-
reo, onde estão os cercados mais espaçosos do jardim. Mas, eles
já estão ocupados com outras crianças e uma nova divisão de
quartos, que deve levar em conta a situação geral da casa só será
possível dali a alguns meses.
Preocupada, no entanto, em responder à necessidade de um
espaço mais amplo e mais diversificado, a equipe solicita uma
reestruturação do terraço para o funcionário “faz-tudo”.
Do lado de um dos cercados, ele instala uma porta que, através
de um pequeno degrau, dá acesso ao terraço. Instala barreiras que
fecham o espaço entre os dois cercados. Há lugar para um tanque
de água. O conjunto oferece às crianças novas possibilidades de
atividades e também outras interações com os vizinhos menores,
e quando a cuidadora percebe que elas esgotaram as possibilidades
do cercado, abre a porta que lhes dá acesso a essa parte do terraço.
O material para brincar se assemelha ao do grupo anterior.
Encontra-se alí um número mais significativo de grandes bacias
de plástico que são objeto de inúmeras brincadeiras sem fim com

LO RA NES, EDS O PEL 0 ANTI NES

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 93

Digitalizado com CamScanner


uno =
rara KR rasEE ITS TREM VALUE

pés e mãos, uma enorme almofada redonda na qual as crianças


menores tentam subir com a tenacidade de um alpinista.
BPI

Também ali pode ser introduzida uma plataforma da altura de


um pequeno degrau e grandes cubos de madeira, alguns retos, ou-
tros côncavos, sobre os quais sobem, se aninham ou se agarram.
28%

A atividade dominante dessas crianças é a de rastejar, engati-


PT

nhar e, para as mais velhas, se levantar e se deslocar apoiando-se.


Ii
ARNO

Razão pela qual estão divididas em dois subgrupos para que não
se sintam incomodadas.
Livres para se movimentar, essas crianças tomam posições va-
riadas e adotam modos de deslocamento que lhe são próprios. A
evolução das crianças nesse contexto costuma ser muito
tomas

diversa.
É interessante notar que se algumas crianças brincam senta-
das, outras não, colocando-se de pé antes mesmo de saber sen-
tar. Como não dominam essa posição, nunca são sentadas com
a ajuda do adulto. Essa posição, elas descobrem posteriormente
quando possuem recursos para isso.
Entre as crianças desse grupo, as interações já são mais im-
portantes e claramente mais determinadas pelo desejo delas que
ES

pelo acaso de sua mobilidade.


quase ERES

“Pirouska alcança o pé de Janosh, apalpa-o, pega a blusa dele e


chupa; em seguida agarra a extremidade de um grande trem azul
de plástico com o qual Janosh está brincando. Seus movimen-
ERR NERIRE.

tos acabam no face a face. Pirouska olha bem para Janosh que,
SRI PR POIS OL

mais ativo, é claramente o líder; ele se aproxima dos brinquedos


“o
E pegando-os, manipulando, apalpando, arranhando, balançando
a,
É3 e batendo. Pirouska adere a esses gestos e os dois balbuciam. As
x
cabeças se encostam e os dois pequenos ficam por muito tempo
brincando e lutando com grande prazer como dois cabritinhos.
Pirouska parece satisfeita durante toda a manhã. Ela quase
não procura a cuidadora. Em alguns momentos, frustrada, apa-
rentemente pelos seus fracassos, ela se engaja em uma atividade
autoerótica, meio se esfregando na barriga, com um traço mas-
turbatório; momentos intensos que retornam frequentemente,
porém curtos, porque rapidamente ela se distrai com um novo
interesse e volta-se para outra atividade.

PRE ads ros 27 oe re

94 Materriagem insólita

Digitalizado com CamScanner


Janosh está mais insatisfeito, ele choraminga de maneira in-
termitente durante a primeira parte da observação (trinta e cinco
minutos). Mas, seus choros curtos e fraguinhos não vão muito
adiante. Então, ele se deita, chupa o dedo e depois distraído por
outra coisa ou outra criança, deixa de lado seus comportamentos.
Ele fica mais à vontade quando sua cuidadora tira o seu suéter
e recoloca suas pantufas, mas após quinze minutos de brincadei-
ra, ele reclama novamente; sua cuidadora o leva para a cama e
Janosh adormece prontamente.
Nesse grupo, diversas crianças passam por momentos mais me-
Jancólicos. Onde, pouco ativas parecem entediadas como se não
soubessem mais o que fazer, não encontrando mais com o que se
interessar no campo de ação que lhes é proporcionado; em outros
momentos procuram claramente o adulto. Elas se instalam em uma
espécie de espera discreta, durante a qual os pedidos ficam contidos
e pouco explícitos, sem que apareçam marcas manifestas de exi-
gência ou frustração, tais como as que se verificam com frequência.
Mais que chamar, elas olham para a cuidadora, por vezes choramin-
gam, voltam-se para ela e, em geral, após certo tempo renunciam.
Como a cuidadora está sempre no campo de visão e próxima delas,
as crianças não parecem nem perdidas, nem preocupadas; entedia-
das e levemente insatisfeitas parecem ser os termos que convêm.
Como para O primeiro grupo, a cuidadora nunca responde
de forma direta a essa “demanda” que, enquanto tal, é desenco-
rajada, mas ela procura aliviar o mal-estar da criança através de
outros meios e sempre após um curto tempo.
Se ela considera que a criança se entedia, ela muda as condi-
ções da brincadeira: abre o espaço do terraço, traz novos obje-
tos. Quando avalia que a criança está cansada, ela a pega e leva
para a cama; se a sua vez de cuidados está próxima, ela a faz
esperar explicando-lhe e oferecendo uma presença que encora-
ja mas não consola.
Parece que nessa idade uma parte das crianças já se encontra
no modo de comportamento que se espera delas: aguardar sua
vez, mal-estar e choro não têm mais a mesma intensidade que a
encontrada nos menores.

E CANIS eeia rm e

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 95

Digitalizado com CamScanner


Quanto às atividades eróticas, elas são percebidas e recon.
cidas, enquanto tal em todo caso pelos médicos. A cuidade,
nunca intervém para interrompé-las, nem direta nem indir,
mente. Episódicas, clas são consideradas como fazendo parte g,
atividade normal dessa idade, o importante é saber que procura;
limitá-las não resolve nada; é a sua causa que deve ser detectad,
e avaliada: conversa com a cuidadora, mudança de regime al
mentar e modificação do espaço com um cercado mais adaptado

Grupo D (14 a 24 meses)


Empilhar, colocar dentro, andar, correr, escalar e também o
dificil encontro com o outro.
Dez crianças provenientes de dois grupos que acabaram fi.
cando muito numerosos foram reagrupadas na véspera de nossa
chegada e formam o grupo D que ficou instalado no térreo, Isso
provoca uma mudança parcial das cuidadoras, companheiros de
brincadeiras e, para alguns, de lugar.
Todas essas crianças já andam,
A unidade de vida interna é pouco espaçosa € o espaço dispo-
nível para brincar é bem restrito.
Na parte externa, elas ocupam os três cercados já descritos
próximos ao quarto, Elas têm à disposição: dois pequenos túneis
ou cabanas, e caminhões que podem fazer andar e subir, velhas
bolsas de mulher, pinhas, cubos e cilindros vazados feitos de tu-
bos metálicos com cerca de 55 cm, que clas podem empurrar, le-
vantar, subir e no Interior dos quais podem entrar. Tá igualmen-
te cestos de vime, bacias de plástico e outros objetos continentes.
Aqueles que as conhecem, dizem que as crianças estão bem
perturbadas com essa passagem e prevêem que essa situação vá
durar muitos dias, Para ajudá-las a superar essa mudança, as cul
dadoras dos dois grupos estão presentes, mas apenas uma garante
os culcdados, aquela que futuramente será a responsável por essa
tarefa. A outra, um pouco afastada, só intervém para consolar,
administrar um conflito e realizar algumas tarefas materiais, O
que lhe deixa tempo para ficar entre as crianças. Dessa maneira,
ela não está lá exclusivamente para clas, mas vê-la as assegura.

prio a eita: me> edema tiago esp ste acne mam

GáÁ ár casemasaa Qroa dTiroa

Digitalizado com CamScanner


No dia seguinte da fusão dos dois grupos, aos olhos do obser-
vador estranho, apenas uma criança, Gyuszi (17 meses e meio)
parece claramente perturbado. Difícil de ser tranguilizado, ele
molesta os outros, perturba e diversas vezes é colocado na cama,
muito agitado, em alguns momentos parecendo um leão na jau-
Ja, se movimenta e morde as barras.
O estado de Gyuszi é, como se diz, agravado pela modifica-
ção do seu grupo, mas, em outros tempos, seu comportamento
mais instável e mais agressivo que o das outras crianças coloca
um problema para suas cuidadoras e a equipe pedagógica; além
disso, no dia seguinte ele tem uma faringite.
e

Nessa mesma manhã duas ou três crianças apresentam sinais


discretos de mal-estar e com isso as intervenções das cuidadoras
EP

são mais frequentes que de costume, mas O grupo no seu conjun-


to, quando Gyuszi está ausente, é calmo, agradável de observar,
particularmente tranquilo para essa faixa de idade tão difícil em
todas as instituições.
Pelo fato do espaço disponível, da variedade e quantidade de
material à mão, uma vez mais nem demasiado nem muito pouco
e provavelmente também pelo tipo de educação que receberam,
as crianças brincam sem muito atrapalhar umas as outras e sem
invejar aquilo que o vizinho tem No entanto, elas se interessam
umas pelas outras e em meio às suas atividades ficam atentas ao
que o colega faz, sobretudo se este está com um adulto. Elas não
se procuram de fato, mas se encontram no momento de uma
atividade e, por curtos períodos, podem compartilhar um brin-
quedo, uma fonte de prazer; e também é claro aparecem também
os momentos de conflito.
“Sanyi (20 meses) termina sua refeição e, turbulento, sai
rindo e correndo por tudo. Sua cuidadora o alcança e o coloca
no cercado. Loiro, atarracado, cabeça grande, rosto com tra-
ços fortes, ele é intenso e imperativo, mais expressivo que os
outros em suas demandas. Ele está começando a falar, Nesse
momento, me vê, sorri e caminha sem direção balançando a
cabeça como se dissesse não. Aproxima-se de Elvira (14 me-
ses), a mais nova do grupo, e pega a tigela com a qual ela está

EEN DE AS Veg 2 ir id RED R UT RCA

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 97

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brincando. Elvira volta-se para ele com olhar de reprovação,
sem dizer nada, dá as costas para ele e vai engatinhando brin-
car em outro lugar com uma pinha e em seguida com uma
bolsa. Sanvi também encontrou algumas pinhas que põe e
tira da tigela. Após dois, três minutos, ele se levanta e vai em
direção aos caminhões. Péter (17 meses) está sentado em um
deles. É um menino pequeno que fica tranquilamente no seu
canto: na maior parte do tempo ativo e sensível ao meio, por
vezes um pouco fechado. Sanyi sobe no caminhãozinho que
está ao lado de Péter e lhe dá uma pinha que ficam trocando
um com o outro, expressando satisfação. Outra criança che-
ga e interrompe a brincadeira ao puxar a calça de Sanvi que,
calmamente, se afasta para impedi-lo. Se divertindo, os dois
meninos começam a bater com as mãos no caminhaãozinho.
Quem começou?
Eva (18 meses e meio), garotinha com penteado de maria-
-chiquinha e que passa facilmente despercebida, vem se sentar,
encostada no caminhãozinho de Sanyi. Assim sua cabeça fica
na mira de Sanyi. Que bela ocasião para ele colocar as pinhas
Pim

sobre a cabeça dela! Os gestos são bruscos, quase agressivos. Eva


Sd
Wade

se diverte e Sanyi continua. Repentinamente ele para, desce do


E
Pose

caminhão e corre para a cuidadora que se aproxima para con-


veiço

solar Dotte (16 meses e meio), outro belo menino, ativo, sensi-
vel, presente com as pessoas e coisas, essa manhã está bastante
suscetível. Sanyi toma a frente da cuidadora e, com um gesto
ao mesmo tempo delicado e brusco, coloca suas duas mãos nas
bochechas dela. A mesma, divertida, fala com ele e sai. Sanvia
segue: impedido pelas barras do cercado ele chama em sua dire-
ção, senta-se pega algumas pinhas que alternadamente morde e
atira longe gritando.
Enquanto isso, Elvira, fugindo de Sanvyi, assim que se senta
fica costas com costas com Marta (15 meses). Elvira se diverte,
apoiando-se nela, falando com a bolsa que manipula ativa e lon-
gamente até o momento em que Marta, olhando para a bolsa
com vontade de pegá-la, morde Elvira, que reage puxando os
ira a

cabelos de Marta que chora.


dali ie Lo ao a atm!

AEERSGI
Rs RES it st

98 Maternagem Insólita
tá ias 4
iididas

Digitalizado com CamScanner


A cuidadora se dirige a Marta, acaricia sua cabeça, o que pa-
rece levar Elvira a bater nela. Depois Elvira retoma a brincadei-
ra, rapidamente interrompida pelos gritos de outra criança que,
tendo apanhado de seu vizinho, se põe a chorar, o que faz com
que ela se aproxime dele, pronta para fazer a mesma coisa. A
orientadora pedagógica que se encontra no local, pressentindo
o gesto, fala com ela de longe e longamente. Elvira a escuta e vai
até a grade na direção dela, pega um lenço e olha para ver se a
orientadora pedagógica a observa, então se volta e novamente
vai bater na criança que continua chorando. Como a orientadora
pedagógica viu seu gesto e volta a falar com ela, Elvira retorna
para a sua brincadeira.
Nesse momento, Sanyi, que deixamos com suas pinhas, se
levanta intrigado pelo barulho de máquina que vem da janela
do porão, no caminho ele puxa a bolsa de Elvira, que grita ime-
diatamente. A cuidadora a pega nos braços, conversa com ela e a
tranquiliza. Elvira começa a chupar o dedo e volta a brincar, ra-
pidamente sendo atraída pelos berros de Dotte. Próximo à janela
do porão, ela encontra Sanyi, fala com ele, sai andando, ataca
Dotte que escapa, e depois, continuando seu caminho, chega
aos caminhõezinhos. Ela ainda tem tempo de agredir Dotte que,
decididamente cansada, reclama e, começando uma brincadeira
com as argolas, também dá sinais de cansaço. Sentada sobre sua
bolsa ela ensaia um leve balançar, pára e conta seus dedos do pé;
dá tapas na sua própria cabeça, ao que parece, em resposta aos
gritos de outra criança, após isso, durante dois, três minutos, cla
ajuda Dotte a retirar seu dedo da tranca do cercado para tentar
colocar o seu; em seguida, ela brinca de “cadê? achou” com Péter
através de um aro. Sua brincadeira não é muito organizada, os
movimentos de balanço aparecem breves, porém cada vez mais
frequentes. Cinco minutos mais tarde, trocada as fraldas e rapi-
damente colocada na cama, ela logo adormece.
Quanto a Sanyi, ele deixa a janela do porão quando a máqui-
na diminui; vai até a grade mais próxima do lugar em que sua
cuidadora se encontra e a chama; ela lhe responde e ele conversa
com ela... senta-se, balança a grade, joga as pinhas. Ele se volta

CEIA AI DE ADIA TALS

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 99

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para a sua cuidadora e explode em um choro amargo quando
esta pega Gyuszi.
Entretanto, ele se acalma rapidamente, interessado nas idas e
vindas da outra cuidadora de quem ele, de maneira alguma, esper;
a mesma atenção. Quando esse novo adulto desaparece, ele fica de
costas para a grade e se bate de maneira ritmada cinco ou seis vezes
chorando, depois acha um pedaço de papel que tenta fazer passar
por um buraco; fala, divaga, volta a brincar com o papel que passa
de um lado para o outro do cercado, o pega de volta, depois recolhe
uma folha. Parece ter recuperado o bom humor. Cinco minutos
mais tarde quando sua cuidadora chega falando com ele, ele se le.
vanta, a acompanha seguindo o trajeto da grade e quando tem q

' certeza de que ela vai pegá-lo, estica os braços feliz e tagarela muito,
No terceiro dia após a constituição desse novo grupo, as
crianças são consideradas capazes de se beneficiarem de outro
espaço para brincar que será mais adequado às possibilidades de
atividades delas. Trata-se de um recanto do jardim não dividido,
O FERRO PRE

mais amplo, com muito mais desníveis, apto a suscitar novos


exercícios motores ligados à natureza, mas também contando
com a presença de flores, arbustos, um grande tanque de arcia,
uma escada em semicírculo, um pequeno banco e uma piscini.
nha sempre utilizada quando o tempo permite.
“Esta manhã, a cuídadora está sozinha com as crianças. Não
muito longe dali, Gyuszi está de cama por causa de uma farin-
gite. As outras crianças estão surpreendentemente calmas, ocu-
padas em explorar o novo jardim. Dotte em particular se diverte
ao dominar a escada em semicírculo, que pela terceira vez escalz
A

inteiramente. O tanque de areia é a oportunidade de reencontro


de um novo típo. Na maior parte das vezes, as crianças tomam
IRRIT

cuídadora por testemunha da descoberta que estão fazendo eh


REU

poucos conflitos.
Quanto a Peter, interessado em subir e descer alguns degraus
ele exprime uma alegria imensa quando, do terraço, uma de sus
ex-cuidadoras o estimula e felicita. Ela não demora a se aprox
mar € ficar com ele por dez minutos numa conversa carinhos.
Peter, todo contente, perdeu completamente seu ar reservado€
ERES RN RISE

DEENNÇÃO Bt » Empr rm

100 Maternagem insólita

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depois que a cuidadora vai embora, mais animado, rapidamente
se mistura ao grupo.”
Nesse grupo, as demandas para a cuidadora e os sinais de rai-
va e fúria são mais explícitos do que no grupo anterior e os ges-
tos agressivos entre as crianças são mais violentos e voluntários.
As agressões parecem ser principalmente desencadeadas ou
por choros de um que vai apanhar, como se os choros tivessem
um caráter de ansiedade, ou por frustração sentida quando a cui-
dadora se ocupa de outra criança. Então, se jogam, se batem, em-
purram, mordem um objeto, por vezes uma criança. Se a crian-
ça agredida se afasta, tudo fica por isso mesmo; se chora, a que
agride continua a atacá-la. Então, a cuidadora intervém, em geral
a distância, falando calmamente e longamente com a criança
agressora; se ela continua agredindo, é posta na cama. Por vezes,
a cuidadora consola a criança agredida, o que tem por efeito au-
mentar a raiva do agressor.
Às frustrações, algumas crianças reagem através de gestos auto-
destrutivos ou autoeróticos que ocorrem, sobretudo, quando estão
cansadas, permanecem episódicos e têm um caráter regressivo.
É bem nessa idade, que as crianças se mostram mais expli-
citamente frustradas e frustráveis, mais rapidamente agressivas
entre elas, recorrendo mais facilmente a posturas defensivas e
gestos estereotipados. No entanto, cabe repetir, as dificuldades
características de grupos de crianças dessa idade são atenuadas.

Grupo E (23 a 30 meses)


“Onde as crianças se assumem, conversam com a cuidadora,
suas brincadeiras ainda que paralelas tornam-se simbólicas”
O Grupo E goza de um grande espaço interior com um có-
modo para dormir e outro para brincar, o que permite às crian-
ças correr, pular, brincar, subir em pequenos bancos que ficam
encostados na parede, se esticar para brincar de barriga para o
chão com uma quantidade de coisas que são colocadas e retira-
das; cubos, caixas, cestos etc. Elas também têm tricíclos sem pe-
dal, com os quais fazem disputas alegres. As crianças ficam, no

E Errero mta Vo DO RI Ta IE a a a emerá

As brincadeiras livres e as atividades autónomas 101

Digitalizado com CamScanner


DRE US UM
PU SUS ER DO

emtanto, menos serenas que na parte externa e calravessar) a]


guns períodos dificeis,
CAR

“Em torno das 8 horas € o momento de vestirse para o pas


P DD NTE

sedo, As que não estão sendo atendidas pelas cuidadoras estão


ORE

meio desorientadas; a brincadeira fica sem muita COrnsisténcia


sentadas, elas batem os pés imitando umas as outras OU se jópam
no chão, por momentos, se virando para os lados, dedo na box A
sem muito entusiasmo,
PARE

Tamas (26 meses) em particular fica sozinho no canto. Ten


expressão triste, se balança por solavancos. Quando me vê, vem
na minha direção, fala comigo, me dá um sorriso, depois me dá
as costas e faz xixi no chão, Ele mostra a poça para a cuidadora
que delicadamente chama sua atenção, enquanto ele parece achar
bem engraçado. Como sua cuidadora o leva para trocá-lo, ele faz
corpo mole, se deixa escorregar no chão, ficando de bruços, resis.
tindo ao pedido para que se levante, Finalmente, ele se deixa con-
vencer a trocar de roupa, ficando depois claramente aborrecido,
O Pequeno Jean (25 meses) vai de lado à lado pelos cantos,
chupando o dedo e “reclamando”, como se fosse para ele mesmo,
sem soltaro dedo, Repentinamente, sem nenhuma razão aparen.
te, começa a chorar.
Alguém vem dizer que está fazendo mais frio do que se espe-
rava € que é necessário trocar os chinelos por botinas.
Diante dessa mudança, Tamas se põe a chorar. Imediatamen-
te sua cuidadora lhe explica o que está acontecendo, mas ele está
colérico e rejeita as belas bDotinas brancas que Lajos, compreensi-
vo, Ihe traz, Este, desapontado as atira longe, com vigor. Imedia-
tamente Tamas se cala, mas se joga no chão, faz bico, e esconde
a cabeça com os braços. Ele só se tranquiliza quando os outros
saem de perto. O que não acontece imediatamente porque o par
de botinas trazido por Lajos é pequeno para ele, o que faz com
que esse clima ainda perdure.
O grupo no seu conjunto está mais ou menos entediado. Por
um instante, os dois mais jovens que vão sair para O jardim cor
ep

rem, um atrás do outro, mas logo Jean coloca novamente o dedo


E

na boca e resmunga. Mais alguns instantes e imediatamente La-


RG
TREE

aaa arms muros

102 Maternagem Insólita


Digitalizado com CamScanner


de
trata mais
a , de que S€
mpre ss vém
inter
pá a i ão, à cuid
adora
qm tá a l a g r
reaei ss
ai astá-
de uma . agressiv o; af
nte
Eelra S T € t o r nnas Te alme guinte.
o ” e n t ão S
u e no m omento se
L4€a g ataq
volta ao t , acl uida
do-
a

e l e ão , no e n t a n
ge
a p e m a situaç , i c ando tudo po
r
port r
e o m i n a f
. A cena| t e todos estão
a yrotege
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, p e r c c pendo « ju
s maiore s
ndo os trê tentes”,
pervo a bem con

diversas
pari py observar
ocasiõe s
falt ado Prese ntativas da
O ent mam o , não são ) TE
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A PO tÍDO epçé
las, NO
€ t a n t
na parte intern
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c r i a n ç as
esse iras das o s o u aind a absorvidas
|(uações princade í c i c l
arte das ativas er n scus tr
s igualm ente educativos. de
jogos cômodo antes
alização de idade, arruma r
o
O-
enfim que
nessa
. E i n q u a n t o algumas c
as
sta às crianç das contas, à
vídade propo . N o fi na l
reclamam
te outras ainda uem com alguma
ram pastan
v e n c ê - l a s € to das contrib
parece co n
cEuldadora o E.
coisinha. u m va st o € spaço com O grup
elas dividem erenciado de
No jardim, m o se u cante ») bem dif
ntreta nto, te
Cada grupo, e
repouso.
refeição, troca € lhas cadeiras de ca
rro alin hadas
, abana € ve
piscina infantil c e ja e de jo go s variados: tríciclos,
mon t e d e a r
ficam ao | ado de um s, se mpre os cilindros vaza-
n hóezinho
carrinho de pedalar, cami
to de pe qu e n o s o b j e tos para brincar na à reia OU
dos; um conjun
empurrar, puxar e esca lar.
Os grupos não se misturam muito, de te
mpos em tempos uma
ou então tem
E menor observa o que a maior está fa zendo
í
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cri
o tomado. Quando uma brincade ira
conjunta é
E | ; entre colegas do mesmo
u r zad
r a a pa rt e da s ve ze s é
gos
paralelos ou alg pen grupo. Quando isso acontece são jo
que não vão falé :
trêsi à s brincadeir as em dupla
Es Isa
“F quatro minutos.
ment o eu as vejoj reunídÍ as em um grupo de
“m apenas u m mmoco
quatro. Elas brinca
m um cachorro grande que está do outro

Dias Cciciad
es sa mem rena Tm o.
RAS RA ar nora

As
brincadeiras livres e as atividades autônomas
. , »
103

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lado da grade. Ao que tudo indica isso é um ritual. As crianças
avançam, provocam o cachorro e correm dando risada. Apenas
Tamas fica próximo, joga capim para o cachorro e leva a coisa z
sério: um verdadeiro domador. As três outras, excitadas €e alegres
começam a gritar, correr e latir. Isso dura de seis a sete minutos
O grande prazer de todas permanece sendo o de andar, correr
pular, transportar, empurrar um objeto ou um carrinho de bo-.
neca e subir no triciclo ou no caminhãozinho. As atividades ma.
nuais voltadas para a realização de uma tarefa ainda são poucas,
nada de brincadeira imaginativa e jogos organizados. Em con-
trapartida, elas se voltam mais explicitamente para a cuidadora
para que ela testemunhe o que estão fazendo ou para solicitar
participação dela em algo.
“Por duas vezes as vejo reagrupadas em torno da cuidadora,
brincando todos juntos: elas correm umas atrás das outras dan-
do voltas ao redor de uma cabaninha. A brincadeira começa com
Csaba, 29 meses, e é ele que faz a cuidadora participar.”
É o primeiro grupo em que vemos a cuidadora participar ati-
vamente da brincadeira das crianças. Sempre por demanda delas
e por períodos curtos, ela se limita a acompanhar o que a criança
começou a fazer.

Grupo F (33 a 42 meses)


“Onde a brincadeira se torna uma atividade sociale a
IR

linguagem um modo de troca”


Para O grupo F, tudo fica reunido em um único cômodo em
torno do qual estão pequenas camas, sobre as quais as crianças
SD E,

podem sentar e se levantar confortavelmente. Elas também têm


triciclos, mas principalmente toda uma diversidade de brinque-
dos educativos que são trazidos à medida que solicitam, e com
os quais ficam absortas em um canto do cômodo, aguardando 0
momento de sair ou da refeição ou então do banho. Elas dão de-
monstração de criatividade e já realizam construções que pedem
RE

para serem admiradas. Em alguns momentos, brincam juntas,


em dupla, mas raramente por muito tempo. Algumas disputas
frisa csrssisbotina adedii Dita
E
OR

iiaalidriaais
TEN

MEG Res mese em


ever EEREWEAE

104 Maternagem Insólita


rERromenaRr

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que aparecem na maior parte do tempo são acertadas entre elas,
sem intervenção do adulto.
É o primeiro grupo em que claramente aparecem os “perten-
ces” pessoais: urso, boneca, outros brinquedos que a criança dei-
xa na sua cama e que todos sabem a quem pertence.
Confirmam-se também relações mais discriminadas: as crian-
ças têm “amigos” que procuram de maneira eletiva e afirmada.
Do lado de fora, é correr, pular, dirigir caminhõezinhos e
pedalar em pequenas bicicletas que são as atividades preferi-
das. Elas inventam bastante, não temem as dificuldades, criam
caminhos e elevações que permitem aos seus veículos avançar
mais rápido.
Elas se reagrupam em três ou quatro por breves momentos,
organizam corridas ou ainda brincadeiras no tanque de areia.
Essas brincadeiras em grupo são frequentes entre elas.
Quanto maiores as crianças, mais elas se endereçam de ma-
neira explícita à cuidadora e não apenas quando estão em con-
flito, mas para implicá-la na brincadeira ou compartilhar um
interesse. Elas falam muito entre elas, mas principalmente com
a cuidadora.
As crianças são chamadas para muitas atividades, umas após
as outras, fora da vida grupal: a vez de colaborar no trabalho, de
ajudar um ou outro coleguinha, o jardim da infância e saídas,
o tempo delas parece bem dividido e em diversas ocasiões lhes
permitindo ir e voltar na casa.
Foi para nós mais difícil observar esse grupo sem perturbar a
vida deles. As crianças curiosas com a nossa presença foram se
tornando cada vez mais familiares. Elas buscaram dividir com
a gente suas brincadeiras, porém tropeçavam diante da língua.
Ficaram muito interessadas nisso, mas também perturbadas, as
mais velhas se tornaram professoras engajadas por vezes um
pouco agressivas diante da nossa nulidade.

TATI Dt ade É TELA PE LIENDA INDO ERAS

As brincadeiras livres e as atividades autônomas 105

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|!

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Á ERA sr re cuia) ee,

Outras atividades e relações sociais

uando a criança cresce, progressivamente vão sendo intro-


duzidas atividades que a colocam em contato com outras
pessoas e que na maior parte das vezes acontecem fora do seu
contexto habitual.
Algumas são regulares, como os passeios, excursões, jardim
de infância e outras mais ocasionais como “atividades” ou “saí-
das” com um adulto e festas por ocasião de aniversários.
Assim como os cuidados e as brincadeiras livres, essas ativi-
dades obedecem a um processo refletido e controlado que, no
entanto, não exclui a riqueza nascida da ocasião.
Elas servem essencialmente a três finalidades:
- oferecer à criança uma diversidade de relações sociais;
- ampliar o seu campo de experiência;
- romper com a monotonia cotidiana e, por um tempo, retirá-la
da vida em grupo.

Oferecer à criança uma diversidade de relações sociais


Se as três cuidadoras asseguram sozinhas a totalidade dos cui-
dados de uma criança para que se teça entre elas e a criança
uma relação específica e privilegiada, isso não impede que ou-
tros adultos entrem em contato com ela. Ao contrário, a criança
tem a ocasião de estabelecer relações diversas de uma qualidade
diferente das que tem com as cuidadoras.
No entanto, essas outras relações não podem ser fonte de con-
rarépememeratem

fusão para ela; razão pela qual são tomadas inúmeras precauções
para regular ao mesmo tempo as ocasiões de encontro e a atitude
dos adultos.
Esses encontros sempre ocorrem em situações diferentes das
destinadas aos cuidados de maternagem, que são privilégio ex-

Voa ori PARANÁ TRC ER TA 3 | OE A ma q

Outras atividades e relações sociais 107

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clusivo das cuidadoras, assim como são as brincadeiras livres,
privilégio de sua atividade autônoma.
Em relação a essas brincadeiras livres, todos os adultos da ins.
tituição têm a mesma atitude que a adotada pelas cuidadoras e já
descrita: sem intervenção e sem estimulação. Mesmo quando as
crianças pedem para que o adulto participe da brincadeira, estes
respondem demonstrando atenção através de uma palavra, um
carinho, um gesto, mas rapidamente fazendo com que elas retor.
nem à atividade autônoma que estão realizando. É solicitado aos
visitantes que adotem a mesma conduta.
Em contrapartida, fora dos cuidados e das brincadeiras livres,
todas as ocasiões possíveis são utilizadas para que as crianças
possam ter trocas com diferentes pessoas da casa. Porém há, de
um lado, uma preocupação para que elas não corram o risco de
atrapalhar o ritmo de vida da criança e, de outro, um esforço
constante para que a criança saiba quem é tal pessoa, qual é a sua
função na casa, O que essa pessoa faz com ela e o que ela faz com
a pessoa; aqui também a mesma conduta é aplicada em relação
aos visitantes, cuja presença é explicada às crianças.
Assim que chega, a criança entra em contato com o seu mé-
dico para os exames médicos e com a enfermeira. Mais tarde
aparece a pessoa que a leva para passear, depois a do jardim de
infância, as pessoas com as quais a criança “realiza atividades” e
por vezes sai, as que ela encontra quando das suas idas e vindas...
Nessas condições, seu universo de relações sociais vai am-
pliando sem nunca perder de vista sua ligação com tais cuida-
doras de tal grupo.

Ampliar o seu campo de experiência


Todos esses adultos, além da relação amigável que oferecem
à criança, utilizam situações onde se encontram com ela para
ampliar o seu campo de experiência. Assim, os limites do seu
universo impostos pela vida em instituição recuam. Não somen-
te ela descobre outras partes da casa, do jardim e outras crianças,
mas também o mundo externo: ruas, lojas, parques, outras ca-

108 Maternagem Insólita

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sas e seus interiores. No momento das compras, ela vê comprar,
vender, aprende a reconhecer e a contar moedas. No momento
das visitas ou dos seus deslocamentos pela casa, ela observa os
trabalhos domésticos: cozinha, costura e limpeza; ela participa
da manutenção do jardim.
Em todas as ocasiões, a criança experimenta situações às
quais o adulto lhe gratifica e formula exigências diferentes das
que está acostumada a fazer com sua cuidadora.
Por exemplo, quando durante os passeios ou compras, ela
compartilha com o adulto o prazer da descoberta e das obser-
vações; no jardim de infância ela é encorajada a realizar tarefas
precisas até o fim, enquanto o novo material estimula sua motri-
cidade manual, exigindo gestos finos, precisos, bem coordena-
dos, ditados pela tarefa a ser realizada ou então favorece as brin-
cadeiras simbólicas e imaginativas em um espaço que reproduz
em miniatura as situações da sua vida cotidiana, ou lhe oferece
um mundo de imagens.
Em todas essas situações, ela faz a aprendizagem das regras de
calma, ordem, controle do barulho e respeito ao vizinho, certas
instruções que colocam as primeiras marcas de uma disciplina
agora solicitada verbalmente à criança.
Enfim, ao ajudar o adulto, ela sente a alegria de fazer “com”
e de fazer “como”.

Romper com a monotonia cotidiana e retirar a


criança da vida em grupo.
Como os adultos apoiam a criança durante as atividades que,
cabe destacar, lhe são propostas à medida de suas possibilidades,
elas não geram ansiedade. Ao contrário, fonte de prazer, elas apa-
recem como momentos estimulantes que se intercalam com o
tempo das brincadeiras livres.
Não somente elas lutam contra o grande perigo, frequente
em vida coletiva, de uma monotonia empobrecedora, como tam-
bém procuram enriquecer as próprias brincadeiras livres durante
as quais a criança utiliza e reproduz suas novas aquisições.

eme a SO o pc0 ça E Tas

Outras atividades e relações sociais | 09

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ela se encontra em situações sociais este
Fora do seu grupo,
turadas de maneira diferente.
principalmente dos passeios, dar
Uma descrição detalhada,
ao leitor a possibilidade de sentir como elas são utilizadas ao mj
s da criança.
ximo, tendo em vista as aquisiçõe
Passeios e excursões
Os passeios têm início em torno dos 16-18 meses.
Comeca em
uma parte do jardim, ainda desconhecida das crianças para em
seguida ganhar as ruas em torno da casa, as distâncias aumen
tando de acordo com a idade delas.
Essa descoberta do mundo em espaços cada vez maiores«
mais distantes com a introdução “do novo” ocorre segundo«
ritmo de cada uma. As crianças de um mesmo grupo não fa
zem os mesmos passeios, umas podem permanecer explorand
fo o jardim, enquanto outras já enfrentam a novidade da rua Uma
Ea criança só vai para à rua quando manifesta o desejo, e mes
assim só é levada quando consente. Se após uma primeira respos
“E ta positiva, a criança se retrai e dá sinais de medo, sua recusa é
E respeitada até o dia em que se sente pronta para isso.
O passeio é um momento importante e aguardado pela
ZA crianças. Elas se preparam colocando roupas bonitas, mais atra
entes que as que usam em casa. Cada uma tem sua roupa e sax
que é dela e, as maiores, parecem gostar das suas.
As crianças saem em grupos de três ou quatro; as cuidadoras
só levam para passear aquelas do seu grupo que ficam no jardim
enquanto que diferentes pessoas levam as maiores para a ruz
médico, psicólogo, enfermeira, sempre a mesma pessoa para 0
mesmo grupo.
As próprias crianças organizam a programação do passeio
cuja duração aumenta com a idade. Como o grupo é pequeno as
crianças têm mais liberdade de movimentos. Elas dão as mãos
para atravessar a rua, essa regra não é negociada. Exceto ess
situação, o adulto só pega na mão de uma criança, quando ess
lhe pede e só mantem as mãos dadas, enquanto a criança a sol-
]

ape empre o e !
1

Ho Matrernagem Insolita .

Edi e a e ip CE ÉS )

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cita. Sozinhas, as crianças vencem os obstáculos, as subidas, os
degraus, engatinhando se for o caso ou se apoiando em alguma
coisa para descer ou subir.
Os grupos avançam segundo a escolha das crianças que,
quando desejam param para contemplar, observar e experimen-
tar. Nesses novos lugares, elas descobrem coisas novas e encon-
tram diversas pessoas conhecidas e desconhecidas. À pessoa que
as acompanha, totalmente disponível, comenta o que está acon-
tecendo, nomeia os objetos observados, responde a perguntas e
explica. Tudo é ocasião para o aprendizado.
Uma vez por semana, o universo das maiores é ampliado ain-
da mais e as crianças partem para uma excursão. São levadas de
carro, durante a tarde ou pela manhã; as que já têm maturidade
vão ao zoológico, à Ilha Margarida? ou outro lugar. Por vezes,
elas utilizam transporte público: ônibus e trem.

Os passeios do grupo E (23 a 30 meses) — 8h40 às 9hI5


As duas crianças mais novas ainda passeiam pelo jardim com
a cuidadora. Tamas, apesar dos seus 26 meses, fica com a cuida-
dora porque se recusa a ir para a rua. Em contrapartida, adora
sair em excursão de carro. Diferentes meios suscetíveis de aju-
dá-lo a superar seu medo e dificuldade foram discutidos. Eles
serão testados com prudência. Todo mundo ficará contente se
Tamas conseguir acompanhar as crianças de sua idade; contudo,
ele não será forçado. É necessário que ele sinta prazer em passear.
Já Csaba, Lajos e Joel gostam muito de sair. Uma jovem aju-
dante, que não é a cuidadora deles, é responsável por levá-los.
“Antes de sair, Lajos quer pegar uma bolsa que está pendu-
rada num prego; gentilmente desencorajado, ele vai em direção
à porta que quer abrir e fechar sozinho, o que de fato faz”. Do
lado de fora, felizes cada um vai para um lado. Lajos pega uma
pedrinha que joga na minha direção. Delicadamente criticado,
pega a pedrinha e não mais a atira, exceto alguns segundos mais

1 tia situada no Rio Danúbio, entre Buda e Peste, formada por um grande parque muito frequentado
pela população para lazer e descanso [N.T.).

RO CANT erra
5 DRI Ge ma UT a E DS! OS TP ui rasa

Outras atividades « relações sociais | 11

mid dias rpstitpis idas is

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Eai Meda
A
nora
S
a RE
=.

tarde, porém não mais em minha direção. Em seguida, pega um


vaso de gerânios; a jovem cuidadora o ajuda a colocá-lo no chão,
enquanto os outros correm para a direita e para a esquerda.
Nesse momento, a Dra. L. chega com um buquê de flores. Eles
correm para beijá-la e perguntar sobre as flores. Elas são para o
aniversário de Benda e todos voltam os seus olhares para a janela
do quarto de Benda.
Em seguida, com passos firmes e decididos, os três se dirigem
para a grade. Para que lado eles querem ir? Um quer ir para a
direita, outro para a esquerda. A decisão cabe a Lajos e muitas
vezes a decisão será dele.
Uma vez na rua a postura é menos segura, as expressões dos
rostos ficam mais sérias, sem risos, poucos sorrisos; ficamos bem
agrupados. Esse mundo, embora familiar, não é mais o deles.
A progressão é lenta posto que incessantemente interrompida
por uma nova observação. Nessa idade não há um objetivo de
passeio. É a descoberta do meio que é importante e pouco im-
porta a distância percorrida. As crianças passam de uma coisa à
outra, só deixando a primeira quando o interesse se esgotou e
cabe a elas tomar uma nova iniciativa.
Logo no início do passeio, Lajos e a jovem cuidadora têm uma
discussão: Lajos segura uma pulseira de adulto. A jovem pede
que ele a entregue, mas Lajos se recusa. Ela procura persuadi-
-lo, mas ele não quer nem saber. Finalmente, eles chegam a um
acordo e ela a coloca no seu bolso. A pulseira só volta a aparecer

ais
no retorno do passeio, quando novamente passamos pelo local.

bd
Lajos a tira do bolso, me mostra e volta a guardá-la.
O caso resolvido, o grupo continua o passeio. Csaba encontra
da

uma varinha e fica batendo com ela no chão. Isso é permiti-


a

do, mas é preciso tomar cuidado para não machucar os outros.


Joel vê uma margarida idêntica à do buquê da Dra. L. Com duas
crianças segurando a mesma mão do adulto, enquanto a outra
segura a outra mão, atravessam a rua, sem empurra-empurra€
sem conflito.
As crianças pegam um caminho aberto, íngreme, ao lado
do qual está sendo construída uma casa. A jovem cuidadora
tao
ia

MED nenem sp me mera

1 12 Maternagem Insólita
habucaao

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aproveita todos os sinais de interesse para explicar e ampliar o
vocabulário. Sempre agachada, à altura deles, os três ficam em
volta dela.
Csaba, o menos atento, está sempre pronto para fazer outra
coisa. Entretanto, ele nunca se afasta e em momento algum fica
com ares de conquistador ou com o comportamento provocador
que voluntariamente tem quando está em seu território.
As crianças ficam por muito tempo contemplando a casa em
construção, os outros dois encontram varinhas como a de Csaba
e os três passam a arrastá-las pelo chão.
No meio do caminho se deparam com um monte de areia.
Ali as crianças fazem uma longa pausa. Bater na areia com vigor,
enfiar a varinha na areia é fonte de grande prazer. Essa atividade
é intensa, mas eles permanecem sérios e a imitação é a única
forma de comunicação entre eles. Abandonando a brincadeira
com a varinha, um deles pega uma pedra, sendo seguido pelos
outros; juntamente com a jovem ajudante, eles as colocam umas
ao lado das outras, contam e as comparam.
Joel joga sua pedra na areia; Lajos e Csaba saem da areia e
vêm em minha direção. Lajos coloca ao meu lado a menor das
suas duas varinhas. Das três crianças, ele é o que mais olha para
mim sorrindo.
Joel, ficando a distância por alguns instantes, atira com vio-
lência uma pedra grande na areia que começa a escorregar. Então
ele avança e com força chuta o monte de areia, olha para a jovem
cuidadora e corre em direção aos outros.
Todos retomam a caminhada. A jovem cuidadora aponta
para uma grande máquina mais a frente, deixando Lajos com
vontade de ir até lá. Porém, o caminho está recoberto de car-
vão e, desta vez, ela diz não. Teimoso, Lajos insiste; ela man-
tém sua posição; a caminhada só é retomada quando Lajos
concorda com a ideia de pegar o caminho oposto e assinala
que está de acordo.
Dessa vez, é uma máquina de fazer cimento que atrai o olhar
do grupo. Cada um bate nela com a sua varinha, encantado com
o efeito da bonita algazarra.

MES DITATORIAL

Outras atividades e relações sociais 113

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Após um momento, a jovem cuidadora indica que está na ra
de pegar o caminho de volta. O retorno ocorre como a ida q,
crianças se aproximam de uma senhora que está cuidando do q;
dim. O mato alto incomoda as pernas e braços; É preciso ser cor,
joso e clas vão até lá. Uma rápida conversa e eles seguem viagem
Joel é o mais sério dos três, no limite quase ansioso, not
um pedaço de madeira. Dessa vez, chama a jovem Cuidadora: |

db dna
todos se abaixam, os dedos aproximam-se, algumas palavras
Será que acreditaram tratar-se de um bicho? É um pedaço de
madeira, eles seguem.
Lajos pega diversos galhos, a jovem cuidadora os conta, um
dois, três, todo orgulhoso ele me mostra.
Alguns passos sem parar e é hora de atravessar. Lajos deve jogar
seus galhos; sem dificuldade e cada um dá a mão no seu tempo.
Na calçada diante da casa, as crianças correm. Lajos para,
olha para a varinha que havia me dado, eu a entrego para cle,
ele pega e se afasta contente. Alguns instantes mais tarde, ele me
mostra a pulseira que está no seu bolso. Ainda alguns instantes
e ele chupa alguma coisa, o quê? A jovem cuidadora não percebe +
e Lajos joga fora.
Ainda uma parada para observar as flores e estamos diante
da grade. Joel e, principalmente, Lajos não demonstram a me. +
nor pressa, entretanto, entram sem fazer história. No jardim a
expressão muda completamente, sobretudo a de Csaba que, todo
animado, carrega sua varinha como uma bandeira, sendo ime-

cs
diatamente imitado pelos outros. Em seguida, ele a bate violen-
tamente no chão; os outros fazem a mesma coisa. dd ia

Csaba percebe uma ponta de cigarro, pega-a e, encantado, se


precipita para me mostrar. A jovem cuidadora lhe pede para jo-
gá-la. Cuidadosamente, Csaba parte para colocá-la fora do cami-
nho, e imediatamente bate violentamente no chão com sua va-
rinha, que antes de entrar na casa, ele a atira na janela do porão,
sendo seguido por seus colegas. É a regra.
As crianças parecem não ter nenhuma vontade de ir para à
sua sala. Cada uma, à sua maneira, difere no momento de entrar.
O passeio durou trinta e cinco minutos.

PIDE vetada Prism ça

114 Maternagem Insólita

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0 passeio dos maiores (33 a 42 meses) 8h30 às 9h30

Encontram-se aqui as mesmas características, a diferença é que


as quatro crianças se fixaram em um objetivo de passeio: ir até a
maior aven ida para ver os trens e, de passagem, parar em uma loja.
Numerosas são as pausas para observar, comentar, contar,
mas entre cada parada, a caminhada é rápida. As crianças pa-
recem à vontade e não têm mais a postura retraída das mais jo-
vens. Elas são mais independentes, ficam menos agrupadas, cada
uma avançando de acordo com o seu interesse, contudo, sem se
distanciar.
No entanto, há momentos de atenção coletiva em torno da jo-
vem psicóloga que as leva para passear ou ainda das brincadeiras
de imitar, em particular de certos rituais, que as deixam muito
contentes: correr em um espaço amplo, sentar-se em um banco,
se esconder atrás de um determinado lugar e perguntar “cadê?”.
Há muitas conversas e risadas; é um grupo barulhento e ani-
mado. No seu conjunto, o comportamento deles é mais diferen-
ciado que o dos mais novos.
Andréa (3 anos e 3 meses) se mostra a mais ativa com alguns
desejos de fazer o que é proibido: bater com um pedaço de pau
em um carro, balançar a grade de um jardim, descer da calça-
da antes que os outros estejam prontos para atravessá-la, jogar
com força e longe as castanhas na rua. Entretanto, ela não ousa
desobedecer, e de acordo com o caso toma a iniciativa de parar
por ela mesma ou diante de uma simples observação do adulto.
O episódio da cereja é uma boa ilustração do que acontece: pas-
sando por uma cerejeira, as crianças pegam as cerejas. A regra
parece ser a de que só se come uma e isso é o suficiente. Andréa
conserva uma na mão e fica por muito tempo esfregando-a nos
lábios; então, enquanto todos estão com os olhos fixados no alto
olhando um avião passar, não resistindo mais, ela morde um pe-
dacinho, observa que eu a vi e, toda alegre, vai mostrar a cereja
mordida para a psicóloga que passeia com o grupo. Ela é gen-
tilmente repreendida, mas em apenas alguns instantes, a cereja
desaparece na boca, Ninguém viu.

TOP aim Pl Cat ado Fr DU

Outras atividades e relações sociais RE

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Laci (4 anos e 9 meses) também é bem independente, mas de
uma maneira diferente, Sobretudo, ele é fascinado pelos aconte.
cimentos da rua e os comenta todo animado; o mais tagarela de
todos conversa alegremente com os passantes adultos e crianças,
convidando estas para virem brincar com eles,
Betty (3 anos e S meses), calma, não se faz notar: no entanto,
ela participa, mas como sempre, com certa discrição. Dessa manei.
ra, mesmo se mostrando interessada, ela nunca se impõe. Inclusive
em suas tentativas de contato com os adultos, conserva esse mesmo
caráter reservado, não se impondo. Em vez disso, procura ficar no
seu lugar quando os outros estão ocupados com outra coisa e de
maneira firme e silenciosa com a intenção de mantê-lo. Somente
após um longo momento, ela arranja um jeito de me dar a mão para
atravessar; então ela se recusa a ceder o seu lugar para o Michel que,
até aquele momento, tinha se apropriado dele. A jovem psicóloga in-
tervém e propõe que Michel volte a me dar a mão quando da traves-
sia do retorno. “lgen” (sim), responde Betty e Michel aceita esperar.

id
Este, o mais jovem (2 anos e 9 meses), permanece mais pró-
ximo do adulto; nesse dia ele me estende a mão com prazer.
Bastante silencioso, parece mais que os outros a acompanharo
movimento.
O retorno em torno das 9h30 é feito sem dificuldades.

O jardim de infância:

att nda
No pátio, um pequeno chalé de madeira bem central e, no en-
tanto, bem escondido em um canto, abriga o jardim de infância.
De pequenas dimensões, o cômodo é quente e acolhedor; es-
tantes o dividem em diversos cantos de brinquedo, o espaço cen-
tral permanecendo mais amplo. Um mobiliário do tamanho das
crianças: mesas, cadeiras, pequenos bancos, um grande tapete
colorido e um material atraente dão vontade de ficar ali.
As crianças gostam muito de ir a esse pequeno chalé. Elas
costumam ir em pequenos grupos de dois ou três, quatro no
máximo e, às vezes, sozinhas. As sessões curtas no início, de

2 Nota do tradutor: Hoje, esse espaço é chamado de “playroom”, casa de brincar.

De e mto me e em

116 Maternagem Insólita

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vinte à trinta minutos, se prolongam com a idade, mas nunca
ocupam a totalidade de um período de brincar. Cotidianas para
os maiores, elas acontecem duas ou três vezes por semana para
as mais jovens.
Vai-se ao jardim de infância como mais tarde se irá à escola
“para aprender” e um pequeno sino, se for o caso é tocado, anun-
ciando a saída de um grupo e a chegada de outro.
O jardim de infância começa, em média em torno dos 16-
18 meses. Antes da primeira sessão, a educadora infantil por
diversas vezes vem conhecer e fazer contato com as crianças,

passando um longo momento no grupo. Ela conversa com elas


sobre O jardim de infância e observa como as crianças brin-
cam, procurando descobrir o que será melhor para elas nas
primeiras sessões.
Na primeira vez, a cuidadora acompanha as crianças e fica
com elas. Em seguida, ela as acompanha até a porta e as deixa,
exceto se uma criança chama por ela; mais tarde as crianças vão
e voltam sozinhas.
“O prazer sentido por Eva (18 meses e meio), por Dotte (16 me-
ses e meio) e por Gyuszi (17 meses e meio) quando da primeira
sessão é evidente. Ficam encantados com a descoberta dos locais e
materiais. Rapidamente conquistada pelos jogos de argola, Eva é a
primeira a organizar sua atividade com paixão e eficiência. Dotte,
num primeiro momento mais solto, em seguida se encanta com
um martelo de madeira. Somente após certo tempo, ele respeita a li-
mitação imposta: não bater além da pequena bancada de trabalho,
ele demonstra, então, com grande habilidade e muita força. Menos
concentrado que Eva, em alguns momentos, busca outras ocupa-
ções, mas conserva o martelo nas mãos e retorna à sua bancada.
Para Gyuszi se concentrar é mais difícil. Envolvido com
todos os objetos, se sentindo incomodado quando as outras
crianças se aproximam dele, mesmo quando estas não interfe-
rem, ele passa de uma coisa para outra, parecendo “não saber o
que fazer dele mesmo”.
Na segunda sessão, dois dias depois, parece que já estão em
casa e rapidamente organizam seus brinquedos.

Outras atividades e relações sociais 117

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Devido à exiguidade dos locais, nossa presença incomodava
as crianças, principalmente os maiores e com isso não puder
repetir as sessões de observação. Assim, estamos mais Jimity
mos à discutir à contribuição do jardim de infância. Entretar
to, sua utilização precoce por grupos restritos e por períodos
curtos nos pareceu um modo interessante, cujo valor merecer
ser examinado mais profundamente.

Ainda mais

Existem ainda, sobretudo para os maiores, múltiplos pequenos


acontecimentos que variam de acordo com os dias. Parece que
todas as situações possíveis são utilizadas, e sob esse aspecto, reina
uma grande leveza e todo adulto pode participar da brincadeira,
Há tanto festas, como aniversários que são festejados para
cada criança a partir do seu segundo ano. Não necessariamente
no dia exato, mas em um momento em que ela pode aproveitar
bem o evento.
“Hoje está sendo festejado o aniversário de Andréa (3 anose
3 meses). Ela pediu para que fossemos convidadas. No cômodo
dos grandes, uma mesa à altura das crianças é instalada e linda-
mente decorada. Há um bolo e três velas. Andréa preside, muito
consciente de que ela é o centro da festa. As velas são acendidas,
Michel declara que ele não pode assoprá-las porque são as da
Andréa e, as assopra com muita potência.
O bolo é fatiado e distribuído, depois vem o momento dos
presentes. Andréa ganha um coelhinho-marionete da institui
ção, uma boneca da cuidadora. Andréa foi ao centro da cidade
comprar o seu presente com a cuidadora. Ela gostou tanto dessa
boneca que, apesar de muito cara para o valor estabelecido pela
instituição, a cuidadora acabou a presenteando.
Todos apreciam a boneca, a marionete. Andréa as empresta
para os outros, mas não muito. Um pequeno presente, um avião
de plástico, é oferecido a cada criança. Os adultos que conhecem
bem Andréa também lhe dão um presente, um brinquedo e um
buquê de flores.

118 Maternagem Insólita

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andrta sabe perfeitamente que todos esses objetos são seus e
os outros também sabem, Com prazer, as crianças deixam seus
pertences em suas camas ou então os entregam para a cuídadora,
A festa é tranquila, porém alegre. As crianças se divertem,
ficam calmas, sem conflitos. Csaba, irmão de Andréa, que vem
participar da festa com uma cuidadora, fica um pouco intímida-
do é não come nada, já os outros ao que parece se deleitam,
Após a festa, Adam e Laci olham os presentes de Andréa. O
fato de que eles pertencem a ela, que ela pode emprestá-los se
quiser, mas que eles não podem pegá-los sem autorização, parece
ser uma ideia que os dois tentam absorver.”
Quanto às “atividades”, brincadeiras ou saídas com um adul-
to, descrevemos Tamas (2 anos e dois meses) sério, carregando o
estetoscópio e o martelo de reflexo da Dra. L., enquanto ela faz a
visita médica. Há também Attila que ajuda o jardineiro a refazer
um canteiro de flores; Csaba ao lado da enfermeira que arruma
um armário ou ainda Laci que brinca com o filho do motorista,
um menino de 12 anos; Christina que sai para fazer compras
com seu pai e Vivika que sai com sua cuidadora para ver as lojas
comerciais.
São nessas ocasiões, que os homens da casa ganham impor-
tância. Bem conhecidos das crianças, da mesma forma que eles
as conhecem, cada vez que passam diante de uma delas, eles
sempre as chamam pelo nome, conversam com elas, explicam o
que estão fazendo e, sempre que possível, convidam uma delas
para participar de uma atividade. Laci ajuda a consertar as bar-
ras do cercado, Betty a varrer o quintal. Ou ainda, no final do
dia, um deles, com mais idade vem sentar-se na grama com os
maiores. Imediatamente eles correm para perto dele: acender o
cachimbo dele, contemplar a fumaça é um grande prazer. Con-
versam, dão risada e, quando ele vai embora as crianças o acom-
panham até o limite do jardim delas.

1 Into, cs PDSVS RS) DRE PODA

Outras atividades e relações sociais 119

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Digitalizado com CamScanner
vi ae

A estrutura institucional

ferecer às crianças com o máximo de estabilidade essas


condições de vida, essa forma de cuidar e esse tipo de
relações exige uma organização rigorosa, inteiramente deter-
minada pelas necessidades delas e não por condições exter-
nas, na qual cada pessoa em todos os níveis se engaja nessa
responsabilidade.
Além disso, para ter uma dimensão de seu valor e conservar
sua coerência, esse sistema de “criação e educação” nunca deve
perder de vista nem as opções fundamentais que a determina-
ram, nem os objetivos que procura atingir. A mera aplicação de
regras que já não estivesse mais ligada à sua razão de ser, levari
rapidamente a uma completa degradação da experiência.
Por essa razão, a organização do trabalho prevê meios que
possam permitir a todos compreender o sentido das inter-
venções que lhe são solicitadas, compartilhar seu conheci-
mento de cada criança com os outros, buscar ajuda e apoio
diante dos problemas encontrados e progredir em sua com-
petência profissional.
Dessa forma, é estabelecida uma estrutura que assegura O
acompanhamento regular e a formação permanente da equipe,
3o mesmo tempo possibilitando às pessoas envolvidas participar
das decisões que dizem respeito às crianças.
Essa estrutura, que garante a qualidade do trabalho clinico, é
considerada como uma das bases do sistema, da mesma maneira
que a organização administrativa, material e os próprios cuida-
— conserto amasse

dos. Ela deve permanecer ativa e viva, independentemente da


existência ou não de um trabalho científico associado.
Paralelamente, se os trabalhos científicos conduzidos em
Lóczy aumentaram em quantidade e volume ao longo dos últimos

A estrutura institucional 121

Digitalizado com CamScanner


anos, tudo é feito para que eles se inscrevam na casa tal com,
ela é e funcionem sem incomodar nem modificar a vida dy:
crianças, pela sua própria finalidade. Em contrapartida, eles er
Tiquecem a experiência e, eventualmente, revelam a oportun,.
dade de uma mudança assim como o sentido a ser dado.
A estrutura que subentende o trabalho clínico pode ser exa.
minada a partir dos seguintes quatro pontos;
— o trabalho em equipe;
— a observação das crianças;
— o trabalho com os pais;
— o planejamento dos grupos e a distribuição das cuidadoras

O trabalho em equipe
Sem subestimar a importância da infraestrutura que repre-
sentam, deixaremos de lado os serviços gerais, tal como a admi-
nistração, zeladoria, limpeza, lavanderia, costura e cozinha e nos
concentraremos no exame da equipe formada pelas pessoas que
cuidam das crianças.

Tm em
A descrição da vida das crianças em Lóczy, apresentada nos

a
capítulos precedentes, mostra que a equipe de três cuidadoras

a no Di
dei
responsáveis por um grupo de crianças é o pivô da instituição.
Já dissemos que essas cuidadoras são jovens, em geral com en-
sino médio completo e algumas especializadas no trabalho com
crianças, gozando de boa saúde e outras sem formação.

Athos
Liberadas de todas as tarefas materiais, outras que as dos cui-
dados com as crianças, elas são ajudadas nessa função de cuida-
dora pela orientadora pedagógica de cada grupo, pelas enfermei-
ras e pelos médicos.
As funções e os papéis bem precisos dessas diferentes pessoas
e uma boa articulação entre elas permitem regular questões de
organização e assegurar o apoio médico-pedagógico dos quais
todos necessitam.
Essa articulação se faz nas reuniões ou em conversas individu-
ais, cujo calendário é fixado com antecedência. Algumas reúnem
as pessoas exercendo a mesma função, outras equipes mistas.

122 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


hori-
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conhecimento da cria
científico delas.
fei dessa função, elas são auxilia-
Pa ra progrediri no exercicio
das em dois tipos de reuniões:
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i i ntadoras pedagógicas
todas as orie
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A
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em torno de ecia l i z a am
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dessa reunião;

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ucional À 23
A estrutura instit

Digitalizado com CamScanner


— outra duas vezes por trimestre, na qual apresentam individual).
| mente o seu trabalho à Dra. Pikler e à Dra. Falk, eventualmente na
| presença da chefe das orientadoras pedagógicas. Isso quer dizer
| que a cada semana a Dra. Pikler e a Dra. Falk recebem uma apre.
| sentação detalhada sobre a vida de um dos seis grupos da casa.

As enfermeiras

| Elas exerceram a profissão de cuidadora junto a diversos gru.


| pos do nascimento aos 3-4 anos antes de assumir a função de en.
| fermeira que deixarão após um, dois ou três anos, para assumira
responsabilidade de um grupo.
Estudamos muito pouco o papel delas. As enfermeiras nos
parecem estar constantemente monitorando o estado físico das
crianças. Passam frequentemente pelos grupos, tomam decisões
com as cuidadoras e em função do tempo de saída das crianças
do vestuário. A execução dos regimes alimentares é igualmente
monitorada por elas.
Quando uma criança está doente, são as enfermeiras que apli-
cam as prescrições médicas; além disso, elas estão lá para cuidar
dos pequenos machucados e as crianças parecem que aprovei-
tam muito dessas oportunidades de contato.
As hospitalizações são raríssimas: duas em 1970. Enfim, como
dissemos, as crianças doentes permanecem no grupo e são trata-
das pelas cuidadoras. Cabe assinalar que o estado geral de saúde
é excelente.

Os diferentes papéis das médicas


As médicas efetuam um importante trabalho científico, ga-
rantem as atividades de formação externas à instituição para di-
ferentes categorias de profissionais e para duas delas um trabalho
em parceria ao conjunto dos abrigos do país, a fim de promover
o progresso na qualidade dos cuidados.
Para todas, a intervenção direta junto às crianças ou na vida
da casa representa apenas uma parte, por vezes pequena, do
tempo delas.

PERA Eos cem

124 Maternagem Insólita

SS
Digitalizado com CamScanner
É interessante constatar que mesmo no interior da casa, se
acrescenta ao trabalho pediátrico uma parte de responsabilidade
pedagógica ou social.
Por exemplo, três médicas se dividem entre as crianças, que
acompanham medicamente de maneira regular quando dos exa-
mes mensais, vacinações e, se necessário, dos exames comple-
mentares. Dentre elas, duas são orientadoras pedagógicas de um
grupo e uma delas também é responsável pelas cuidadoras. A
terceira se encarrega das relações com as famílias, e prevê e or-
ganiza o futuro de cada criança. É esse trabalho que chamamos
de “social”. No nosso país, ele seria executado por uma assistente
social. Trataremos disso mais à frente.
Ao lado da Dra. Pikler, a Dra. Falk se envolve em um mesmo
esforço com as responsabilidades médicas, pedagógicas e organi-
zacionais. Efetivamente, a cada dia, ela consulta os cadernos in-
dividuais das crianças, três vezes por semana visita a casa inteira
sendo uma junto com a Dra. Pikler com quem, aliás, se encontra
diariamente para uma atualização curta ou longa de acordo com
os problemas do dia.

A observação das crianças e a organização de suas


vidas em função dessa observação
A valorização do desenvolvimento motor e do desenvolvimen-
to da linguagem, bem como o desejo de que o cuidador utilize as
aquisições da criança na medida em que elas emergem, tem por
consequência colocar as cuidadoras em uma atitude de observa-
ção permanente das crianças pelas quais ela é responsável.
Não se trata de uma atitude externa, mas ao contrário, de
uma observação que alimenta a relação com a criança e que se
dá nesse vínculo, posto que essa atenção não se destina a “des-
crever” a criança, mas a responder a todas as suas manifestações
de vida, de maneira a abri-la para o exterior, dar-lhe segurança e
favorecer o seu desenvolvimento.
Portanto, a observação está a serviço da relação assim como
do desenvolvimento e bem-estar da criança. Registrada e retrans-

MT es fim Tupa CIRO ÇA » Uva mms

A estrutura institucional | 25

Digitalizado com CamScanner


mitida, ela é utilizada para fins científicos, mas este não é o se;
maior objetivo. Efetivamente, essa observação das cuidadoras que
se faz durante a ação necessita ser registrada para ela mesma po.
que é ao analisá-la a posteriori que esta que cuida da criança tom;
plenamente consciência do movimento de desenvolvimento, das
aquisições ou ainda da repetição de certos comportamentos. f
quando, eventualmente, podem ser detectados e no início os sin.
tomas de uma perturbação que deve ser identificada e da qual
será necessário encontrar a causa para poder remediá-la.
Às cuidadoras é solicitado o registro de quatro tipos de ob.
servações:
— observações cotidianas;
— síntese mensal;
— registros sonoros;
— gráfico de desenvolvimento.

Observações cotidianas
Cada criança tem um caderno onde a cuidadora anota,
utilizando um código, uma série de informações referentes:à
alimentação, se está sendo amamentada, o nome da lactante
e sua posição entre as crianças aleitadas por ela; o peso; as
E

fezes (quantas vezes, qualidade, atitude em relação ao penico,


quando começou a utilizá-lo); a cama ocupada pela criança,o
tempo de choro e em que momento, noite, dia, ao acordar, ou
antes das refeições, a mudança de regime se houver, o nome
inda
da cuidadora. Enfim, um espaço em branco é reservado para
indicar um acontecimento ou o surgimento de uma aquisição.
A A il

Ao olhar o caderno todas as manhãs, a Dra. Falk pode detec-


A dei ni Di

tar imediatamente qualquer anomalia ou evolução importante,


conversar com a cuidadora e com todos que conhecem a crian-
ça. A partir daí ela modifica regime alimentar ou ritmo de vida
é fd
Limbadia

ou então opta por uma discussão sobre a criança ou o grupo.


Esses cadernos são preenchidos meticulosamente todos os
dias porque as cuidadoras sabem que suas observações não só
são lidas como são úteis e utilizadas. A cuidadora realiza esse tra-

Due nces gera» ceras cam

126 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


palho que demanda em torno de trinta a quarenta minutos antes
de terminar o seu serviço, seja durante a soneca das crianças para
a cuidadora da manhã ou para a do período da tarde, seja à noite
quando as crianças adormecem.

Síntese mensal
Cada cuidadora é encarregada de redigir, todos os meses, uma
observação sintética sobre três das nove crianças que estão sob
sua responsabilidade; suas duas colegas de equipe são encarrega-
das cada uma da síntese de três outras.
Essa síntese, registrada em um segundo caderno, relata em seis
a oito páginas, por vezes mais, a vida da criança e de certa forma
apresenta um perfil sobre o mês que passou. Ela cobre as seguin-
tes rubricas: acontecimentos principais ocorridos durante o mês,
estado emocional, relações com os adultos, com outras crianças,
desenvolvimento e comportamento no plano motor, desenvolvi-
mento de manipulação do brincar, da palavra, comportamento
durante os cuidados, aquisição da independência e da autonomia,
sono e hábitos pessoais. Para os maiores, o comportamento no
jardim de infância, na ocasião dos passeios e no desfralde.
E enfim, para todas as crianças, a evolução de problemas que
existiam no mês precedente, os que permanecem, os que surgi-
ram e outras coisas observadas.
A orientadora pedagógica participa dessas sínteses. Ela ajuda
a cuidadora a estruturá-las e traz elementos de conhecimentos
que ela tem da criança, a partir das suas próprias observações e
conversas que teve a respeito dela.
Essas sínteses mensais demandam um enorme trabalho do
qual uma parte é feito no tempo livre da cuidadora. Elas são
consideradas como uma das mais importantes atividades, fazen-
do parte de formação delas. Por um lado, levam-na a especificar
seus conhecimentos gerais sobre o desenvolvimento das crian-
ças, por outro e, sobretudo, conferem uma responsabilidade
complementar às suas três crianças, o que contribui para ampliar
0 seu investimento na relação.

LOVE A DNA CRENTE LTD ENAP POD NT SEALANEDO


ROCA

A estrutura institucional 127

Digitalizado com CamScanner


A equipe de direção considera que essa responsabilidade am.
plia o interesse da cuidadora para com o desenvolvimento e de.
sabrochar de suas três crianças e oferece um suporte intelectual
à sua relação afetiva. O investimento mútuo em uma “relação
privilegiada” que cada criança estabelece com uma de suas três
cuidadoras deve ser resultado dessa maior responsabilidade e
portanto, dessa organização.

Registros sonoros

Desde a chegada da criança e em datas regulares, as trocas ver


bais entre ela e sua cuidadora são registradas em fitas magnéticas
Esse material é escutado e comentado nas reuniões de traba-
lho. Ele permite acompanhar a evolução de vocalizes, seguida da
linguagem da criança e de discutir com a cuidadora a maneira
como ela fala com ela e lhe responde.
Cada um é particularmente sensível às novas aquisições da crian-
ça e sua cuidadora é felicitada e encorajada a cada vez que surgem.

Gráfico de desenvolvimento

A equipe de Lóczy considerava que um sistema simples de


registro das aquisições das crianças ajudaria as cuidadoras, em
todos as instituições de acolhimento, a aprimorarem suas ca
pacidades de observação e a individualizarem o trabalho com:
cada criança. Não são exatamente as melhores pertormances
das
crianças, como as que se pode registrar durante um teste, as que
ela considerava importante assinalar, mas seu comportamento
habitual, seus gestos espontâneos, suas brincadeiras, suas respos
tas aos cuidados que recebem,
Assim sendo, a equipe elaborou tabelas comportando cem
questões relativas ao desenvolvimento de grandes movimentos |
ao comportamento durante os cuidados (banho, vestir e refeb
ção), ao desenvolvimento da inteligência, tal qual se traduz
coordenação dos olhos e mãos, assim como atraves da atividade
de manipulação e de brincadeira, ao desenvolvimento da emis
são de sons e da linguagem.

2 STR DES aRd reg cai o cm

128 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


uma vez
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institucional 129
A estrutura

Digitalizado com CamScanner


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|. Desenvolvimento de grandes movimentos

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tica em pe com apoio

|-afooj—lroleolrtetorlDiÓO|Ocol-o
Põe-se de joelhos
Destoca-se com quatro a
Senta-se em uma cadeira
Brinca sentada
Poe-se na posicão sentada
Coloca-se em ra semi-sentada
Movimenta-se se arrastando
Desloca-se rolando
Bnnca deitada de bruços
Fica de bruços e se coloca de costas
Coloca-se de bruços
Vira-se de lado
Escova os seus dentes
Lava as suas mãos
Comeca a se lavar
juta

Toma a iniciativa brincar


da
Bate com as mãos na água
rolos

Coo
Deixa-se cuidar

Calça os sapatos
S|—

Desabotoa
I. Atitudes durante as operações de cuidados

Veste sua blusa


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Veste sua cueca/calcinha e/ou roupa de baixo


Calça suas meias e tos
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Tira sua cueca calcinha e/ou roupa de baixo e a blusa


Tira as meias e sapatos
Pos seus braços e pernas ou os tira da rou
Toma a iniciativa para brincar
uda
Coo
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Bebe sozinha |
à- Beber

rra e inclina sua caneca


Coloca a mão na caneca
C - Metais

Come sozinha sem se suiar


b - Come com colher

Come sozinha com a colher


Tenta comer sozinha
É alimentada com a colher facilmente sem se sujar
Abre a boca quando vê a colher
Abre a boca no contato com a colher
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Morde
(-

Morde os alimentos sólidos

I30 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


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A estrutura institucional 131

Digitalizado com CamScanner


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Manifestações de atividade
15 | Sobe e desce escada ||
J4 | Sobe e desce escada |
13] Caminha
12] Dã alguns
[1 | Coloca-se de
|. Desenvolvimento de grandes movimentos 10] Da passos com
9 | Fica em pe com

00 | -£
Põe-se de joelhos
1] Desloca-se com quatro
D Senta-se em uma cadeira
C Brinca sentada
B Põe-se na posição sentada
A Coloca-se em semi-sentada
6 Movimenta-se se arrastando
5 Desloca-se rolando
4 Brinca deitada de bru
3 Fica de bruços e se coloca de costas
2 Coloca-se de brucos
| Vira-se de lado
8 Escova os seus dentes
7 Lava as suas mãos
6 C a se lavar
5 Toma a iniciativa brincar
4
3 Bate com as mãos na à
2
| Deixa-se cuidar
Calça os
a

Desabotoa
So
Il. Atitudes durante as ope rações de cuidados

Veste sua blusa


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Veste sua calcinha e/ou de baixo


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Tira sua cueca/calcinha e/ou de baixo e a blusa
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Come sozinha com a colher


Tenta comer sozinha
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Abre a boca quando vê a colher
Abre a boca no contato com a colher
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Morde os alimentos sólidos


Digitalizado com CamScanner


tornam cotidianas
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Digitalizado com CamScanner


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Faz perguntas |
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5z Comunica-se atraves da fala
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Chama nome
IV, Desenvolr nêento é emissão de som e palavra

Pede ajuda
“Chama à
Narra
Relata um acontecimento
Expressão

Expressa um desejo atraves de palavras


C

INomeiz uma pessoa


Nomeia um objeto
Forma palavras Ill
oe
nm
+

Forma palavras ||
wm
Emissão de som

Forma palavras |
dm lesf-lrapio)m
D

Balbucia
Brinca corn os sons
Emite sons
Uuiza cinco t de palavras
Uuliza quatro upos de palavras
Tipos de
vras

Uuiza tres tipos de palavras


E
poa
)

Ubliza dois tipos de palavras


-

Luiza um so tipo de palavras


Corso: frase, complexas
tas]da
ção
de palavras

Constroi frases margres


Consta frases com 2 palavras
sd
|
a

Utiliza palavras ssotadas


U

PAGE Pe e sta Piada

132 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


tornam cotidianas

Legenda
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Cinta E ajerioN ara

A estrutura institucional | 33
Digitalizado com CamScanner
O trabalho com os pais
O trabalho com os pais deve, de acordo com o caso, permitir fa.
zê-los sentir que eles permanecem sendo os pais de seu filho c, n;
medida do possível, preencher à distância que a separação criou qy
ajudá-los a tomar a decisão da separação definitiva. Por outro ladg,
ele não pode perturbar o contato emocional cuidadora-criança€
correr o risco de entravar a relação que se tece entre elas.
Nos últimos anos, toda a equipe vem dedicando uma atenção
cada vez maior a esse trabalho realizado por um dos médicos,
Desde o momento da chegada da criança, a Dra. Vincze pro.
cura manter ou despertar
o interesse dos pais pelo seu filho,
Mantendo-os informados sobre todos os acontecimentos, através

maio sta mi md
de descrições minuciosas e detalhadas, ela tenta transmitir-lhes
uma imagem vívida da vida e características deles.

damas
As visitas são autorizadas, mas para a maior parte das crianças

rama
pouco frequentes, os pais estando doentes, indisponíveis, mui

ent
to distantes. A Dra. Vincze procura estabelecer um contato com

e dm ia Dim
ideia
aqueles que não vêm espontaneamente.
Agindo com grande prudência, a fim de não reativar senti
mentos de culpa, ela intervém quando a retomada da guarda da

A mi
je si
criança parece possível com a finalidade de ajudá-los a tomar
uma decisão e a realizá-la. Quando fica evidente que a crian:
ça não retornará nunca mais para a família, ela procura evitar
abandonos delongados.
Quando, muito excepcionalmente, as crianças não chegam
diretamente da maternidade e durante certo tempo viveram
com a família, os pais são encorajados, durante os primeiros dias,
a vir frequentemente ver seu filho e a passar alguns momentos
com ele, seja no jardim, seja em uma sala de acolhimento.
O retorno da criança para a família ou a sua saída para um
adotivo são minuciosamente preparados.
ai

Pede-se aos pais que venham visitar a criança, todos os dias +


ou em diversos dias da semana, sendo o ritmo decidido em tur
ção da idade da criança e da facilidade com a qual “eles sec |
nhecem e estabelecem mutuamente conhecimento e amizade.

DATE remoto

134 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


A cuidadora acompanha a criança nas primeiras visitas e é
apenas quando ela se mostra mais à vontade e “mais cordial” que
fica sozinha com seus pais. Se necessário, a Dra. Vincze ajuda os
pais a terem paciência, tentando fazê-los sentir que a intensidade
de ligação futura entre eles não depende da rapidez com a qual
cada criança os aceita.
Antes da saída definitiva, a mãe se encarrega de dar diversas
refeições aos menores e de sair para passear com os maiores.
Na ocasião das visitas, a Dra. Vincze e também outras pesso-
as que conhecem bem a criança conversam muito com os pais
sobre ela: seus hábitos, qualidades, dificuldades. Eles são prepa-
rados para compreender o comportamento dela, vislumbrar e or-
ganizar a vida com a criança, prever as possíveis dificuldades dos
primeiros tempos juntos.
No que diz respeito às cuidadoras, elas conversam muito com
as crianças maiores sobre esse retorno em breve para a família.
Elas falam sobre o que elas vão encontrar e igualmente as prepa-
ram para as dificuldades que encontrarão com a separação das
pessoas que amam e das coisas que conhecem.
Às crianças levam com elas alguns objetos familiares, seus
brinquedos, o penico, o copo ou caneca e suas pantufas. Os pais
recebem um relatório bem detalhado sobre a vida e o desenvol-
vimento do seu filho, no qual podem ler o que ele fez em tal
idade, o que lhe dava prazer, do que gostava, do que não gostava.
Eles também são fotografados.
Todo esse trabalho com os pais e as crianças para preparar o
encontro deles demanda muito cuidado, esforço e tempo, porém
é cada vez mais levado em consideração pela equipe de Lóczy
como sendo componente de sua ação, parte integrante de suas
responsabilidades.

O planejamento dos grupos


A unidade de base, já dissemos, é o grupo de nove crianças
das quais as mesmas três cuidadoras garantem a totalidade dos
cuidados desde a chegada até a saída delas.

A e 2 A ma Tr

A estrutura institucional 135

Digitalizado com CamScanner


Entretanto, a permanência do grupo completo e a conting
|
dade da responsabilidade por elas pelas três cuidadoras não pç.
dem ser rigorosamente mantidas em razão das saídas das crian.
ças e eventualmente das cuidadoras.
O movimento das crianças é muito significativo. Em 1970, oco.
reram 54 entradas e 60 saídas e em 1971, 49 entradas e 58 saídas,
Já o das cuidadoras varia de acordo com o momento. Jovens
elas saem para casar, para retomar os estudos, param para um;
licença maternidade e, algumas sem dúvida porque o trabalh
não lhes convém ou porque não lhes agrada.
Há, no entanto, uma boa estabilidade, e muitas delas, reco-
nhecidas pela excelência de seus cuidados, já conduziram um
ou diversos grupos, do nascimento a idade de 3-4 anos € pre.
tendem continuar.
Ainda que bem reduzida, essa movimentação na equipe como |
na das crianças provoca mudanças inevitáveis na composição |
dos grupos e necessita, em certos momentos, que sejam feitos re-
agrupamentos. Então, todos os esforços são feitos para que duas
ou ao menos uma das três cuidadoras acompanhem as crianças.
Isso é garantido através de um planejamento de longo pa
zo. Um quadro regularmente atualizado permite prever em qual
momento o grupo, completo, vai partir ou deverá e poderá mu-
dar de espaço, ou ainda se fundir com outro grupo.
Esse ponto é objeto de uma reflexão permanente das médicas
diretoras que discutem entre elas e com as cuidadoras.
ma-
A saída de uma cuidadora é sabida com antecedência, davida
ma forma que a contratação das novas profissionais. Sem dy
imprevistos acontecem, mas as saídas repentinas são excepcionas,
a
graças a essa convicção compartilhada de que se deve preservar
máximo a estabilidade das pessoas que estão com as crianças eà
percepção que as cuidadoras têm do papel essencial que possuem
com cada criança. Elas também sabem que se uma mudança deve
acontecer, são elas que podem melhor preparar a criança.
O trabalho de proximidade com os pais permite, por &s
lado, reduzir a margem de incerteza que sempre existe quantoé
duração da estadia de uma criança.

136 Maternagem insólita

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Quando deve acontecer uma mudança, o esforço é para que
a solução adotada seja estável e que a curto termo não necessite
uma nova reorganização. Por outro lado, todas as precauções
são tomadas para atenuar os riscos de perturbações criadas por
essas modificações.
A reflexão dedicada a esse planejamento e a minúcia com a
qual são previstos os reajustes necessários, e em seguida reali-
zados, podem ser ilustrados no detalhe pela descrição de uma
mudança da qual fomos testemunha.
Antes da mudança, os grupos das crianças mais jovens, de
0a 24 meses, estavam compostos desta forma (chamaremos 1,
2,3, 4,5, 6 os grupos antes da mudança, e A, B, C, D, E, Fos
depois dela).
O grupo 1 é composto por dezesseis crianças. Para esse gru-
po de pequenos, mais numerosos e que se movimentam mais
que os outros, a divisão das cuidadoras difere levemente daqui-
lo que foi escrito no plano geral: o grupo está dividido em dois
subgrupos, 1.1 e 1.2, cada um sob a responsabilidade de duas
cuidadoras, ao passo que uma quinta, mais experiente, é a che-
fe do grupo e substitui as quatro outras, quando elas estão em
dia de descanso ou em plantão noturno. Ela é a única que cuida
de cada uma das crianças dos dois subgrupos.
Três recém-nascidos aguardam no Lazaret3 para juntar-se ao
grupo 1, enquanto as crianças do subgrupo 1.2 ganham mais
espaço e uma sala só para elas.
Para que o subgrupo 1.2 deixe o grupo 1, precisa antes que OS
dois quartos do primeiro andar sejam liberados. Atualmente, ali
se encontra o grupo 3, composto de seis crianças de 14 a 17 me-
ses, sendo que as três outras já saíram. Esse grupo, tendo em vis-
ta sua idade e nível de desenvolvimento, já deveria ter deixado
o primeiro andar para beneficiar-se de um jardim, mas para que
isso aconteça foi necessário aguardar uma vaga. Atualmente, as

meme

*1 Ver
w
quadro pp. 1362 139 E
* “esa do tradutor: O termo designa um espaço separado, dentro da instituição de acolhimento, no
qual 2 crianças recém-chegadas permanecem por um período antes de serem inseridas em um dos
Expe de crianças.

aseresom
PURA ST ATE PATI TND ATT VII MERDA CRT

A estrutura institucional i 37

Digitalizado com CamScanner


aid
Vains ij;
condições estão reunidas: o grupo 4 no térreo estando reduzido
si Mine a
a quatro crianças.
Decidiu-se, portanto, em um primeiro momento reunir as
De Sra

crianças dos grupos 3 e 4 e reagrupá-las no térreo. Apenas dois


a 2 ça OSS Di

dias mais tarde, quando terá sido dominada a primeira mudan-


ça, o subgrupo 1.2 irá substituir o grupo 3 no quarto liberado.
Cd 0 ei

Essas mudanças são realizadas com as precauções descri-


enviar

tas no capítulo Ill, tudo é previsto, nenhuma confusão, tudo


é preparado no plano material e cada cuidadora acompanha
suas crianças.
O que acontece com elas em seguida? Das três cuidadoras do
grupo 3, uma deve se casar e deixar a casa. As outras duas se-
guem com o grupo. No grupo 4, uma das cuidadoras está grávida
e começa a não mais poder carregar as crianças já mais pesadas;
portanto, ela vai deixar o grupo para cuidar dos recém-nascidos.

PRIMEIRO ANDAR

SALA |] SALA 2 SALA 3

(situação grupo | grupo 3 grupo2


das (B-10 a 8 meses) (14a I7 meses) (7 a 14 meses)

cuídadoras 3 grupo AZ. grupo Al grupo 3 grupo2


antes da crianças | BCrianças 8 Crianças 6 Crianças 8 Crianças
U mudança “a N nda
> 5,
E a ação Ns grupo A N grupo B grupo €
eu o» po a 4 meses) NY a 8 meses) (7 a 14 meses)
dos grup E
após a grupo2 grupo Al grupo B grupo C
mudança, +. “BCrianças 3 Crianças 8 Crianças 8 Crianças
tal qual foi ea rs . +| chegando Cree
o descrita no E

M situação Po UupoAl a E qruon


provável ! será progressivamente ' 4 nenhuma saida
daqui ' constituído 4 está prevista
o a 4 meses naun cume mun ama “o TT rucoeconannnes

+ A, J “A

138 Matornagem Insólita

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ambém
n a l i z a n t e noturn oe t
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segue no seu grupo.
A terceir a com duas de suas
o 3 ficam uma
grupo 4 só fica m com
s.
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e
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grupo
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fi co u c o m $ uas duas cui-
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grupo, nti u os cuidad
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primei ro os do
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dos da noit ida
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de grupo em uma terceir a
cuidadora
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de ve re ce
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ida das cria ços.
à os novos espa
rem adaptadas

grupo 6
grupo 4 grupo 5 meses)
meses) (33 a 42
(23 a 30
(18 a 24 meses

grupo E grupo F
grupo D (23a y meses) (33 a 42 meses)
(14 a 24 meses)

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DÃO A
A estrutura institucional 139

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PRIMEIRO ANDAR
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grupo A grupo B grupo C—
4

grupo B Situação
8 Crianças inalterada

AZ AI

No AT ”, J

No mesmo dia ou no dia seguinte, as crianças do isolamento


passaram para O grupo Al. Posto que, em breve a cuidadora
grávida do grupo 3 vai entrar em licença, ela passa a ser uma
das cuidadoras do grupo Al, cujas crianças são menos sensíveis
à mudança, enquanto as do subgrupo 1.1, que se tornou A2,
conserva suas duas cuidadoras. O subgrupo Al ganhará duas
novas cuidadoras, uma bem experiente (a jovem grávida), a ou-
tra nova, além da chefe de grupo que retornará ao seu lugar.
A próxima mudança está prevista para daqui a quatro me-
ses. Todas as crianças grandes do grupo F já terão saído, e as
do grupo C, atualmente no terraço, e do qual não está previsto
nenhuma saída, estando em idade de beneficiar-se do jardim,
ocuparão o local das grandes. Serão acompanhadas de suas três
cuidadoras. Sem dúvida, esse grupo será então substituído pelo
grupo AZ.
Quanto às atuais cuidadoras das crianças maiores, elas são
apenas duas, a terceira, que saiu para estudar no mês preceden-
te, ainda não foi substituída. Cada uma, das duas que ficaram,

140 Maternagem Insólita

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PALO
- SALAS| SALA6
grupo 5 grupo 6 S
situação situação
inalterada inalterada

grupo E grupo F

inalterada Ed
e

assumiu uma jornada completa, enquanto a outra está de fol-


ga. Elas não fazem o turno da noite. Quando todas as crianças
desse grupo tiverem ido embora, a mais antiga delas, que está
na casa há mais de dez anos, irá para O grupo A ou se tornará
a chefe de grupo, de modo que a atual chefe de grupo, que há
muitos anos exerce essa função, possa agora acompanhar seu
grupo. À outra ocupará um novo posto na casa, e trabalhará
como ajudante da educadora infantil e no apoio técnico para o
trabalho científico.
É possível ver o quanto essa organização dos grupos é com-
plexa e quanta vigilância e flexibilidade ela demanda para po-
der ser realizada. Mesmo assim, as crianças ficam perturbadas
no momento das mudanças, mas como já dissemos, todos sa-
bem, reconhecem e ninguém pretende negá-las. Ao contrário,
as crianças são ainda melhor observadas, todos sabem quais
sintomas podem se manifestar e estão preocupados em encon-
trar um melo não para negá-los, mas para atenuar as causas da
insegurança e do mal-estar.

nO agi e AS qi maçã? 07 SUE ANA pr

A estrutura Institucional 141

Digitalizado com CamScanner


Evidentemente, que se os pProfission
ds aq Ham
a essas mudanças, isso ocorre na medida em
que bm te
14
que é necessário e procuram, tanto quanto nad les Entende,
conta os interesses de cada um quando precisar IVel, te à cm
De tempos em tempos pode acontecer de um Mt
ças passarem sozinhas para um grupo | Não
à Gu duas: cr
"um
suas cuidadoras, mas essa é uma
M
soluç do
“COMpanh ada de
apenas
adotada Com
último recurso.

|
Digitalizado com CamScanner
sa
vi Roma Teses riam

Discussão dos resultados

F
possível educar em instituição crianças em seus primeiros
anos de vida e, ao mesmo tempo, manter íntegro o seu capí-
tal de saúde mental até o momento em que elas poderão se bene-
ficiar de uma vida familiar estável? Lóczy obriga a reconsiderar
essa interrogação.
Sua apresentação suscitará, não resta dúvida, numerosas dis-
cussões pelo tanto que aponta de problemas teóricos importan-
tes e também essa tão insólita forma de maternagem, que ques-
tiona fortemente nossas maneiras espontâneas de ser e sentir em
relação às crianças.
Há nessa experiência um lado admirável e um lado inquie-
tante. O que melhor expressa nosso estado de espírito são es-
sas oscilações quando as crianças de Lóczy são comparadas às
crianças com uma vida plena ou então às crianças sem família
e carentes. Para nós, as crianças de Lóczy de certa forma estão
entre as duas. Elas parecem privadas de alguma coisa essencial,
da qual as primeiras se beneficiam. Mas, é pensando nas outras
que somos tomados de admiração porque são poupadas de um
destino terrível e, de longe, ao mesmo tempo lhes são dadas
oportunidades. Ora, sabemos e cabe repetir incansavelmente
que essas crianças carentes durante a primeiríssima infância
ainda são numerosas.
Admiração porque também são numerosas as instituições
de acolhimento conduzidas como se a natureza e a gravidade
dos fatores de carência devessem ser ignoradas e aqueles onde os
motissionais, embora conscientes dos problemas, ficam fechados
em suas dificuldades sem conseguir delas se livrar e se opondo à Hd

Wda e qualquer melhoria.

PD NAM A, pa EO AD ÇA Tie a in sad

Discussão dos resultados 143

Digitalizado com CamScanner


Admiração, portanto, porque Lóczy tem sucesso lá onde tan.
tos outros fracassam e porque apreciamos a justa medida do peso
dos obstáculos que precisaram transpor.
Razão pela qual abrimos a discussão com uma análise dos
pontos que nos parecem estar na origem do sucesso de Lóczy.
Examinaremos longamente, um por um, os fatores de carência
frequentemente observados em instituições de acolhimento, suz
origem e como se manifestam lá onde ocorrem, traçando um
paralelo com a maneira como em Lóczy eles são eliminados.
Apesar de tudo, dúvidas persistem. Essas crianças de Lóczy
tão belas e satisfeitas, tendo em vista tantas crianças miseráveis e
destruídas que conhecemos, estão solidamente preparadas para
o futuro? Que tipo de indivíduos elas se tornarão? Pessoas ínte-
gras, suscetíveis para ter uma vida afetiva verdadeira c realizada,
livres para se engajarem em relações profundas c significativas
ou de alguma maneira estão castradas e apenas dotadas de quali-
dades de adaptação, certamente importantes: atividade, respon-
sabilidade e integração social? Por trás dessa adaptação não exis-
te um sofrimento profundo, escondido e que um dia se revelará?
É para responder a essas questões que examinaremos em se-
guida, à luz dos nossos conhecimentos sobre a relação mãe-filho,

A ii
a natureza dessa maternagem e que vemos sob o ângulo das inte-
rações entre a cuídadora e a criança.

Mi a Di ma e
Então seremos capazes de formular hipóteses sobre o seu im-
pacto na estruturação da personalidade da criança e elaborar, para

ii e
concluir, uma avaliação do conjunto desse sistema de cuidados.

dd Te
Lidia imorais
Análise dos fatores de sucesso de Lóczy
Essa instituição é notável sob três aspectos principais: a aceita-
ção das exigências de tal empreendimento, a supressão da maior
parte dos fatores de carência, a instauração de uma maternagem
Lit at

compatível com a vida na instituição.


aa

Aceitação das exigências de tal empreendimento


a e ra

Esperamos ter mostrado a complexidade desse sistema, o quê


necessita esforços conscientes, minúcia de organização, controle
aai a Ds a
Ra

DO
ED ao mr

144 mMaternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


de si, disciplina e principalmente intensidade do interesse cen-
trado no desabrochar da criança.
É um sistema exigente e custoso em esforços, energia e di-
nheiro. O luxo está excluído, mas o preço daquilo que é neces-
sário é aceito como testemunham a flexibilidade da taxa de ocu-
pação dos leitos em função das exigências de organização dos
grupos, número, valor, qualificação da equipe e dos empregados
em tempo integral, o tempo dedicado a uma pesquisa apoiada
na prática ao mesmo tempo em que lhe dá sustentação.
Estamos longe, na França, de ter tais condições. Com certeza,
os serviços se esforçam no que diz respeito aos locais, mobiliá-
rio e brinquedos, mas a diretora, puericultora diplomada, a única
com cargo executivo em tempo completo, é encarregada de tudo:
ela é responsável pelas crianças, pela administração, organização
material, gerenciamento da equipe. Pode mesmo acontecer de ela
substituir uma auxiliar ausente ou uma colega diretora de outra
seção, de um estabelecimento vizinho. Embora bem capacitada
nos cuidados com as crianças, ela não possui nem formação ad-
ministrativa, nem pedagógica, nem de gestão de equipe. Na maior
parte das vezes, ela não dispõe sequer de algum secretariado. No
melhor dos casos, a diretora tem, como colaboradoras, auxilia-
res com um ano de formação, na maior parte das vezes mulheres
sem preparação ou moças jovens sem experiência, todas difíceis
de serem enquadradas e aceitarem formação porque estimam que,
sendo mulheres, sabem cuidar de criança. Quanto à assistência
prestada por um médico temporário, meio período, ela se limi-
ta muitas vezes à vigilância sanitária das crianças; os psicólogos
se interessam pelos problemas educacionais e institucionais, mas
quantas instituições de acolhimento contam com um psicólogo?
Além disso, o apoio deles é muitas vezes limitado no tempo: meio
período, um dia por semana, e também pelo fato de que não pos-
suem uma responsabilidade explicitamente estabelecida.
Quando vemos tudo que é necessário para colocar em funcio-
namento uma instituição que realmente quer desenvolver plena-
mente suas crianças, constatamos que estamos longe disso. É para
nós, é a ocasião de expressar nosso mal-estar diante de todas essas

DECADA DISTR NDA ET EO Q ST a AA Ee midi one!:

Discussão dos resultados 145

Digitalizado com CamScanner


pessoas que se dedicam às crianças em condições tão precárias,
que muitas vezes se entregam totalmente, mas cujos esforços são li.
mitados pela falta de meios, conhecimento e método de aplicação,
A experiência da Dra. Pikler demonstra com muita Clareza
que o bom funcionamento de uma instituição para crianças em
bom estado de saúde demanda outros meios, porém tão elabora.
dos e complexos quanto os do funcionamento de um hospital.
Ela pode muito bem ficar sem locais luxuosos, instrumentais
técnicos caros, mas não pode ficar sem registros clínicos cuida-
dosamente estabelecidos, observações registradas, discussões so-
bre essas observações, reflexão em grupo sobre o funcionamento
institucional, postura de pesquisa, portanto de uma equipe de
direção experiente e com um nível elevado de formação.
O Dr. Ajuriaguerra disse que só era possível se dedicar aos 4
cuidados com idosos se o interesse estivesse apoiado em uma
pesquisa, de tanto que esse trabalho é duro e desencorajante.
Estamos convencidas
de que isso também vale para as crianças
pequenas e pelas razões que aparecem no estudo da maternagem ]
e dos fatores de carência em instituições de acolhimento. ,

Supressão dos principais fatores de carência e estresse

Teoricamente os principais fatores de carência ligados a uma


vida em instituição são bem conhecidos: mudanças múltiplas de
lugares de vida e de cuidadoras, cuidados despersonalizados e |
despersonalizantes, impossibilidade de estabelecer uma relação
afetiva privilegiada e com uma qualidade estruturante, hipoesti-
mulação do desenvolvimento psicomotor, ausência de abertura
para o mundo externo, monotonia do quadro de vida e pobreza +
de relações sociais.
Até o momento, não encontramos resolução para esses proble- +
mas na maior parte das instituições de atendimentos a crianças
pequenas que conhecemos na França e no estrangeiro. Enquanto
que a Dra. Pikler e sua equipe se concentraram em considerar
cada um desses fatores de deficiência em sua realidade e gravida
de e encontraram maneiras de vencê-los.

o 146 Maternagem insólita

hi E dba

Digitalizado com CamScanner


a) Ausência de mudanças

Entre os fatores de carência mais graves e difíceis encon-


tram-se as mudanças múltiplas, que deixam as crianças peque-
nas mais expostas nas idades em que são mais sensíveis à perda
repetida de pessoas às quais se vinculam. Isso provoca nelas
uma angústia que se agrava pelo medo do desconhecido e de
estranhos. Ora, uma criança nessa idade não é capaz de assumir
essa angústia sem o apoio de uma relação. Diante dessa ausên-
cia, para se proteger, ela recorre a mecanismos psíquicos que
dificultam o desenvolvimento da sua personalidade.
Crianças privadas de cuidados maternos como as descritas
pela Senhora Aubry e seus colaboradores, que apresentam as
mesmas perturbações que as descritas pelo Dr. René Spitz sob
a denominação de hospitalismo, haviam conhecido apesar da
pouca idade (1 a 3 anos) uma multiplicidade de mudanças che-
gando a vinte para algumas. Numerosos fatores contribuem para
esse fenômeno, que está longe de ter sido eliminado na França e
que as administrações sociais não conseguem evitar.
Em instituição essas mudanças são particularmente frequentes,
posto que na maior parte dos estabelecimentos, os locais e mui-
tas vezes os funcionários são designados para um grupo de idade
fixa e as crianças mudam na medida em que crescem. Além disso,
muitas instituições de acolhimento só acolhem as crianças de 1 à
2 anos, ocorrendo assim mudanças de estabelecimento ao mesmo
tempo em que hospitalizações intercorrentes contribuem frequen-
temente para aumentar ainda mais a estadia em lugares múltiplos.
Na maior parte das vezes, as crianças também mudam de grupo
uma a uma; portanto, perdendo ao mesmo tempo suas cuidadoras
e seus companheiros. Mais ainda, essas modificações ocorrem re-
pentinamente para a criança. Ela é retirada da sua cama como um
pacotinho por uma desconhecida, que a deposita em um lugar dife-
rente onde ela não conhece ninguém, seu universo anterior desapa-
rece diante de seus olhos. Tudo isso pode acontecer na ausência de
fala, sem troca, por vezes com gestos rudes, sem maldade, mas com
um total desconhecimento dos danos que pode causar à criança.

1º is seir a pretas!

Discussão dos resultados 147

Digitalizado com CamScanner


Muitas vezes ainda uma cuidadora é transferida de local de
trabalho
modidade
de maneira
institucional,
provisória
que são
ou definitiva,
vivenciadas
por razões de co-
pela direção ou |
|
pelo pessoal como exigências mais importantes que o perigo da ||
|j
mudança significa para a criança. ]
Em Lóczy, uma organização complexa, prevista nos seus míni-
mos detalhes é colocada em funcionamento para evitar à criança
defrontar-se com suas fontes de angústia: assegurar a estabilidade,
a homogeneidade dos cuidados de uma cuidadora para outra, evi-
tar toda mudança intempestiva, preparar cuidadosamente e com
muita antecedência as mudanças que devem acontecer, refletindo
sobre elas, planificando-as, tentando eliminar ao máximo tudo
que possa se acrescentar ao estresse que a situação já provoca, tais
como: irritação e indisponibilidade das cuidadoras; ao escolhero
momento mais oportuno para a criança; ao assegurar que ela vai
encontrar a sua cama, seus objetos, seus companheiros de vida e;
ao fazer o impossível para que ela conserve suas cuidadoras, ao me-
nos uma delas, ao observar as crianças particularmente nos dias se-
guintes à mudança, anotando suas reações, assegurando sua evolu-
ção e tentando dar-lhes todos os meios e acolhimento necessários.

b) Tratar a criança como pessoa, não como objeto


É muito frequente, em instituições, ver as crianças serem le-
vadas para os cuidados, banho, trocas, alimentação, da cama
para o cercado ou qualquer outro lugar sem que elas sejam avisa-
das, sem que alguém explique o que estão fazendo com ela, sem
falar com ela, e mesmo sem olhar nem levar em conta as reações
dela, que também não são anotadas. Algumas agem assim, mas
com uma doçura natural, outras de maneira brusca, sendo mais
ou menos tolerantes, pacientes ou irritadiças quando a criança
não se deixa manipular ou expressa o seu descontentamento. À
criança não é tratada como uma pessoa, mas como um objeto
manipulado pelo adulto e submetido à prática deste.
Essa maneira de fazer se observa, é claro, fora das instituições,
mas em coletividades de pequenos tende a ser habitual. Ela se

148 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


deve, sem dúvida, a uma multiplicidade de razões: sobrecarga de
trabalho para as cuidadoras, o fato de cuidar como em uma ca-
deia de produção com muitas crianças e nem sempre as mesmas,
o que as leva a não reconhecer a criança que cuidam.
Seja o que for para a criança, essa maneira de agir se conjuga
de um lado ao fato de que ela passa por múltiplas mãos e de outro
ao de que suas manifestações espontâneas só ocasionalmente são
percebidas, apreciadas e ponto de partida de troca com uma pes-
soa certa pessoa que a criança encontra e que a acompanha em seu
desenvolvimento. Tudo isso não lhe permite perceber a continui-
dade da sua existência e da sua personalidade. Ao contrário, con-
tribui para a persistência de uma imagem fragmentada do mundo
em torno dela mesma e provavelmente para a impossibilidade de
uma vez adulta poder se situar no tempo e no espaço. Da mesma
forma, a não resposta afetiva aos seus atos e progressos não lhe
traz os ingredientes necessários ao seu narcisismo, dando-lhe mais
tarde a impressão de não ter nem existência própria, nem valor.
O que se confirma também pela pobreza da linguagem e do fun-
cionamento intelectual e mental que se observam nessas crianças.
É interessante notar como o Instituto Lóczy luta contra esse pro-
blema através de uma regulamentação estrita dos cuidados e todo
um sistema de apoio pedagógico fundado na observação das crian-
ças. Esses meios despertam a atenção das cuidadoras a tudo que a
criança faz e as conduzem a levar em conta e a utilizar o que emana
dela, o que ela sente e expressa, o que ela pode fazer. Igualmente,
elas aprendem a chamar a atenção da criança para aquilo que acon-
tece e isso desde o nascimento ao lhe dizer sempre o que está sendo
feito com ela, o que acontece, o que vai acontecer em seguida.
Esse procedimento pode incomodar pelo seu lado artificial,
e também permite se perguntar se a criança no berço capta O
que o adulto está lhe dizendo ou a sua intenção. Parece-nos que
perceber isso traz vantagens consideráveis.
Inicialmente essa maneira de fazer, obriga a cuidadora a res-
ponder às manifestações vindas da criança, embora saibamos O
quanto isso é difícil em uma instituição, da mesma forma que
ela obriga a lutar contra essa tendência, geralmente constatada,

DADA To ds DS Ea et et O Sp

Discussão dos resultados 149

Digitalizado com CamScanner


EDS

de não falar com a criança, Em seguida, ela coloca a criança em


ensure

lugar de destaque, faz com que ela tenha existência aos seus pró.
prios olhos, assim como aos olhos da sua cuidadora. Isso permite
mostrar para ela a importância que se atribui ao seu desenvol.
vimento, ao mesmo tempo em que sua cuidadora € ajudada q
tomar consciência disso, € por consequência, a se interessar e fa.
ICT:

zer evoluir os cuidados, Isto é, ao que parece, um meio precioso,


Ta

ainda que inabitual, de desenvolver na criança seu sentimento


de integridade e identidade,
EETETAT SE

o) Criação de uma relação privilegiada e significativa


Uma das carências mais graves da qual as crianças podem so-
TECTO

frer em instituição é a impossibilidade em que se encontram de


3 TESES

elaborar uma relação privilegiada. As mudanças repetidas de lugar


e de pessoa, a multiplicidade de cuidadoras, os cuidados impes-
soais são as causas principais disso. Certamente, alguns recém-
«nascidos parecem escapar a esse destino quando um membro da
equipe se vincula particularmente a eles. Na realidade, esses vin-
culos são decepcionantes porque, sem que o adulto possa se dar
conta, eles são inconsistentes se a permanência dos cuidados não
é de fato mantida e se a cuidadora não acompanha o seu grupo
de crianças. Provavelmente é essa forma de relação gratificante no
momento, mas sem continuidade que provoca nas crianças bem
pequenas essas atitudes muitas vezes constatadas de avidez afeti-
va. Avidez enganosa porque pode levar a pensar que essas crianças
são particularmente afetuosas quando de fato elas testemunham
uma expectativa que permanecerá insatisfeita. São essas crianças
que de volta para casa ou atribuídas a uma família de acolhimento
são geralmente reenviadas porque são incapazes de amar ou sentir
amor, mesmo quando este sentimento lhe é dado. Sempre decep-
cionadas, insatisfeitas, por vezes destrutivas, rapidamente provo-
cam angústia e rejeição da parte de seus pais ou daqueles que à
acolheram e que esbarram nessa incapacidade de serem amadas.
Lóczy evita, pelo menos em parte, essas dificuldades ao criar
entre a criança e o adulto um modo de relação privilegiada. Um

STE
es nomerim o vero

150 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


modo que se apola na permanência de três cuidadoras. Ele se or-
ganiza no momento dos cuidados em um face a face que permite
à criança c à culdadora estarem totalmente em uma relação que
autoriza à resposta do adulto àquilo que vem da criança. Não é
qualquer resposta, mas uma resposta verbal e gestual através da
qual o adulto procura transmitir sua atenção, seu interesse e sua
afeição por tudo que essa criança é e do que ela é capaz de fazer
por si própria.
Essa atitude pode ser um pouco “forçada” quando as crianças
são bem pequenas, mas quando são maiores leva a um diálogo
real, Quando se observa um grupo mais velho, sente-se profun-
damente a afeição mútua da cuidadora e da criança e suas trocas
adquirem um caráter autêntico c natural. Além disso, é notável
constatar que as cuidadoras que conduziram diversos grupos se
mostram, já com os pequenos, livres e espontâneas, ao mesmo
tempo em que respeitam o modo de cuidados que lhes é pedido
para dar. Parece que tudo se passa como se, com a experiência
e uma real compreensão das razões de ser das atitudes que são
exigidas delas, seja possível às cuidadoras integrá-las, fazer como
se fossem delas e exercê-las espontaneamente.
As questões colocadas pelo caráter dessa relação serão discu-
tidas mais à frente. Aqui, deve-se assinalar que ela tem o mérito
de existir. As crianças conhecem suas três cuidadoras e, em par-
ticular, reconhecem a cuidadora principal e cedo a diferenciam
das duas outras, entre 4 e 7 meses, diz o pessoal de Lóczy: duran-
te os cuidados com ela, as crianças ficam descontraídas, atentas,
alegres e conversadoras; em torno do segundo ano, elas são, em
relação a elas, mais exigentes, caprichosas e ciumentas. Quando,
apesar dos esforços empregados, elas mudam de cuidadora ficam
ansiosas. Essa ansiedade é percebida pela equipe de cuidadoras e
então gestos mais ativos são feitos para favorecer a transferência
da ligação da criança para a outra pessoa. As cuidadoras ao adota-
rem uma atitude na mesma direção contribuem certamente para
facilitar essa transferência que, no entanto, demanda tempo.
Sob o olhar de desconhecidos, em todas as idades as crianças
apresentam reações bem semelhantes às observadas em crianças

TU SEHADA entorno parecia


nd TAI
asa DE TOS

Discussão dos resultados 151

Digitalizado com CamScanner


pequenas educadas em suas famílias: observação e sorriso nas
menores, reserva e inquietude em torno de 8 a 10 meses, reserva
porém interesse e desejo de entrar em contato meses mais tarde.
Desejo que a criança procura satisfazer através de uma variedade
de modos de aproximação. Enfim, nas maiores, indiferença ou
interesse de acordo com cada criança. Nem medo, nem precipi-
tação indiscriminada em nenhuma criança, em nenhuma idade.
Tudo isso parece indicar que existe sim uma relação afetiva
privilegiada.

d) Preservar o desenvolvimento psicomotor e intelectual


Desde Spitz, diversos estudos vêm evidenciando o atraso psi-
comotor de crianças criadas em coletividade.
Sobretudo, foi esse déficit psicomotor que reteve a atenção.
Buscou-se remediá-lo introduzindo brinquedos, um ambiente
mais colorido e variado, tirar as crianças menores de suas ca-
mas para colocá-las em cadeirões, em cercados, fazê-las praticar
ginástica e assim progressos reais foram realizados. Ainda hoje,
muitas pessoas restringem seus esforços a esse campo, pensando
que o enriquecimento do meio em material e atividades diversas
adaptadas à idade e aos gostos das crianças é o melhor modo,
quando não o único, suscetível de desenvolver plenamente essas
crianças pequenas.
Ora, de fato, quando isolado, esse modo tem uma eficácia limi-
tada. Já constatamos o quanto o interesse pelos objetos se esgota
rapidamente nas crianças menores, quando não é alimentado por
uma relação afetiva e como as maiores, nessas mesmas condições,
não só destroem o material como, aliás, tendem a se destruir en-
tre elas mesmas. Em nossas visitas em diversas instituições bem
equipadas, nos pareceu que quando as crianças aproveitavam ple-
namente dos objetos, era porque suas atividades alimentavam €
eram alimentadas por relações calorosas com os adultos que cui-
davam delas. O valor dessas relações nem sempre é reconhecido.
Muitas vezes os responsáveis nos mostravam o material e os mé-
todos pedagógicos, sem mencionar as relações afetivas existentes.

TRINTA a am cr

[52 Maternagem Insólita

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O que surpreende em Lóczy é a qualidade do investimento
de sua atividade nas crianças, tendo em vista que os adultos as
estimulam tão pouco de maneira direta durante os períodos de
princar. Trata-se aqui de atividades reais, não de atividades refú-
gio destinadas a preservar o isolamento, menos ainda de ativida-
des estereotipadas a serviço de um voltar-se para si.
O valor dessa atividade para o desenvolvimento da criança
é inegável em todas as faixas etárias, tanto pelo prazer evidente
que ela traz, quanto pelas qualidades que desenvolvem e já foram
mencionadas: atenção, concentração, perseverança, interesse pelo
esforço e realização por si mesmo, desenvolvimento psicomotor
harmonioso, segurança e firmeza corporal. Apesar da temeridade
aparente das crianças, a taxa de acidentes é insignificante: uma
perna quebrada em vinte e cinco anos, em uma criança que che-
gou excepcionalmente na instituição com 13 meses quando já an-
dava e não tinha tido as “experiências infantis” de Lóczy.
Se foi fácil compreender o quanto a mudança de locais, es-
paço, material contribui para esses bons resultados, nos foi ne-
cessário tempo e muitas conversas com a Dra. Pikler e a Dra.
Falk para admitir e compreender o valor da “não intervenção”
dos adultos que nos chocava profundamente. Que mal poderia
haver em brincar com esses bebês ou essas crianças, em mos-
trar-lhes as coisas, fazê-los pular nos joelhos, quando se sabe o
prazer que eles encontram ao fazer isso, e sendo justamente este
um dos modos relacionais habituais tão frutuosos entre o adulto
ea criança? Ora, hoje, estamos convencidas de que é este um
dos pontos fortes do sistema: uma comparação ajudará a com-
preendê-lo: desde que existe o teleférico para a pista de esqui, os
esquiadores não podem mais deixar de utilizá-lo e perderam o
gosto pelo esforço da subida que trazia satisfações profundas. É
à mesma coisa para as crianças. Se o adulto intervém, ele priva a
criança da alegria de fazer por ela mesma, ao mesmo tempo em
que oferece uma satisfação de dependência da qual não pode
mais ficar sem. Quando, em seguida, a criança é deixada com ela
mesma, ela se frustra por não atingir o objetivo tão rapidamente,
não tem mais a paciência de continuar seu esforço, se irrita, pede

Do Man ED PAS DS

Discussão dos resultados 153

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ajuda e fica com raiva e decepcionada se o adulto não responde
aos seus apelos para lhe satisfazer.
Certamente, é sempre proveitoso saber dosar a intervenção
com a não intervenção. Isso é possível em um quadro familiar,
ainda que nem sempre fácil e frequente fonte de tensão entre
a mãe e seu filho pequeno. No contexto de uma coletividade,
essa dosagem é ainda mais difícil e alguns momentos de brinca-
deiras ativas iniciadas por um adulto disparam expectativas que
não podem ser satisfeitas, ao mesmo tempo em que reduzem
as possibilidades de investimento da criança em uma atividade
autônoma. Fontes de frustração, essas estimulações ativas diretas
se tornam então um freio ao desenvolvimento da atividade es-
pontânea que deixa de ser fonte de prazer.
A divisão rigorosa do tempo entre “atividades sem interven.
ção do adulto” e “cuidados onde o adulto se dedica totalmente
à criança” é, deste ponto de vista, uma matéria das mais inte-

Rm
ressantes. Apesar das aparências, ela dá à criança mais do que
lhe retira. E verdade que traz para ela algumas frustrações em
certos momentos do seu desenvolvimento. Mas, toda educação
necessariamente comporta um pouco disso e parece que há aqui
uma importante compensação: a possibilidade de ter sua cuida-
dora só para si durante os cuidados que, além disso, possuem
um caráter agradável e retorna sempre no momento previsto e
aguardado. Essa certeza desenvolve na criança sua capacidade de
espera. Paralelamente, essa maneira de fazer permite à cuidado-
ra a se dedicar completamente a cada criança no momento dos
cuidados, sem ficar dividida internamente, nem culpada por não
responder às demandas que as outras lhe endereçam de longe e
das quais ela estaria, como todos nós, tentada a se irritar ou, ao
contrário, cederia aqui ou acolá de maneira impulsiva de acordo
com o seu humor e circunstâncias. Sem ser assediada, ela pode
se deixar levar pelo prazer de estar com as crianças umas após
as outras. Tudo isso facilita o surgimento e o desenvolvimento
da relação privilegiada assinalada anteriormente e, ao mesmo
“tempo, estimula indiretamente o desenvolvimento psicomotor
durante os períodos de atividade autônoma.

154 Maternagem Insólita

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e) Luta contra a alienação do meio e a pobreza das relações sociais
A ausência de abertura para o mundo externo e de um leque
de relações sociais diversificadas são duas causas que se acrescen-
tam às precedentes e contribuem, elas também, para a pobreza do
desenvolvimento de crianças pequenas vivendo em instituição.
Numerosos são os estabelecimentos, cujas crianças nunca ultra-
passam OS limites e nunca têm a ocasião de descobrir outro uni-
verso que o do seu quadro institucional. Muitas vezes, a primeira
saída é por conta de uma hospitalização ou coincide com a saída da
instituição. Ela é então uma fonte de angústia considerável para a
criança dessa idade que sente em relação ao desconhecido um hor-
ror real que o fecha para o conhecimento do mundo do ambiente.
Enfim, principalmente em instituições de acolhimento, a
criança fica exposta a contatos superficiais, pouco significativos
ou decepcionantes com uma multidão de pessoas, em geral ape-
nas mulheres “de jaleco branco”, todas exercendo a mesma posi-
ção em relação a ela. A criança não consegue nem diferenciá-las
e nem conhecê-las verdadeiramente.
É sabido que crianças educadas assim desenvolvem, no me-
lhor dos casos, uma sociabilidade de aparência que não resiste à
prova do tempo e ulteriormente se mostram rapidamente frus-
tradas e frustrantes em todas as relações com os adultos. Além
disso, criadas em tais condições, longe de se divertirem com seus
pares, as crianças são entre elas agressivas e destruidoras, a me-
nos que se isolem e se retraiam em si mesmas.
Essas dificuldades são consideravelmente reduzidas em
Lóczy. Seu claro pertencimento ao seu grupo e a relação privile-
giada estabelecida com a cuidadora trazem muita segurança para
à criança para que, chegado o momento, ela se volte ativamente
para outros adultos conhecidos ou desconhecidos.
Com eles há relações amigáveis e o número elevado de pes-
S0as que trabalham na instituição é um trunfo para a diversida-
de que ela possibilita. Todos ficam bem atentos para nunca se
Substituírem às cuidadoras e para oferecer à criança uma relação
autêntica de certo, mas de natureza radicalmente diferente: cada

LES tea MU

Discussão dos resultados 155

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um é um amigo, que se situa na sua função e no seu papel: q
médico que examina a criança regularmente, a pedagoga que
observa Os grupos ou participa dos passeios, a educadora infan-
til, o jardineiro, o faz-tudo que repara o material, os visitantes
ocasionais, às pessoas encontradas durante os passeios.
Para evitar qualquer tipo de confusão, a criança tem, com es-
sas pessoas, atividades diferentes das que têm com sua cuidado-
ra. Em particular, é muitas vezes com um adulto amigo que ela

dedica
sai para descobrir outro mundo que o do seu grupo ou mesmo da

Min nd ti
instituição. Atividades variadas ampliam progressivamente o seu
universo e se desenvolvem com a preocupação de que a cri
ança
obtenha o máximo de enriquecimento e prazer.
Certamente, a riqueza e a diversidade dos

Ca
acontecimentos
que ocorrem em uma vida familiar não são alcançadas.
Mas, as

a
crianças são poupadas da monotonia e da reclusão, assim
como
da angústia de um enfrentamento solitário com o mundo des-

á
conhecido.

ataiii id
Quanto às relações das crianças entre elas, a rarid
ade dos con-
flitos é o elemento mais surpreendente. Entre 4 e 8 meses,
cada
bebê parece ser para o outro um brinquedo encantador, se en-
contrar é uma fonte de prazer considerável: olhar, tocar. chupar
a mão, O pé, o rosto de um outro e o de si mesmo combina com
o prazer de ser tocado, olhado, chupado.
A partir de S meses, esse prazer conhece eclipses e por ve-
zes as crianças se incomodam. Mesmo assim, a tolerância conti.
nua boa, raramente a cuidadora é levada a intervir e o encontro
com O outro permanece principalmente sendo uma ocasião parz
brincar; O prazer de imitar se torna um novo estimulante.
De 1 a 2 anos aparecem as disputas, como em todas as fases
mas nunca revestida de grande intensidade. Elas param nas ide
des seguintes e, como em toda família, é, sobretudo em tomo
de 3 anos que são observadas as trocas mais importantes e 3
relações claramente preferenciais.
Parece-nos que essa tolerância das crianças entre elas e 20»
pactidade de se aproveitarem umas das outras encontram si

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criança tem com suas cuidadoras. Pouco dependentes nos perí-
odos fora dos cuidados e, ao que parece, suficientemente reali-
zadas no momento dos cuidados, essas crianças não entram em
rivalidade pela posse da cuidadora. É claro que existem ciúmes,
mas ficam limitados e não engendram agressividade em cadeia.
A presença permanente da cuidadora entre as crianças e sua
intervenção a distância, que faz com que cada uma perceba que
a cuidadora existe para ela, devem contribuir para esses apazi-
guamentos rápidos.
Enfim, uma dosagem sensata do espaço e um número sufi-
ciente de brinquedos idênticos permitem às crianças a se ocu-
parem sem ficar muito de olho no vizinho, permanecendo
próximas umas das outras, mas sem se encontrarem ou se en-
contrando em alguns momentos.

Instauração de uma maternagem compatível com a vida


em instituição
Em Lóczy, os cuidados com as crianças e o tipo de relação
que é oferecido a elas são plenos de originalidade. Eles diferem
profundamente dos cuidados maternos habituais, o que permite
examinar duas questões:
- a natureza da maternagem em vista da relação maternal;
- o patterm de interação cuidadora-criança que possibilita essa
maternagem.

Natureza da maternagem: substituto de uma relação materna?


Método de cuidados? Ou outra coisa...?
Maternagem: por vezes esse termo é utilizado de maneira
pouco profunda. Quantas vezes ouve-se falar do trabalho dessas
que ainda são chamadas de “berçaristas” nas creches ou berçá-
ros: “não se trata apenas de maternagem”, ou ainda de um do-
ente um pouco difícil: “ela só tem necessidade de ter algo de ma-
terno” reduzindo assim ao mesmo tempo os cuidados maternos

É Femes modeo, tipo.

AEDES TES
SEG IL ERA TI TED

Discussão dos resultados 157

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E E MEDA ÁÉIAIA E VIA CIA E SAGADÇO
ME LROCE E VEIA CAIA UDOR; LE AL
satiesdos Cactus + Veses O PEA SAE ES » e
* TST Apa GOO A siates EIS A ap
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Zum E & MAP ONAÇES LIA CIRO É iris vos Ló
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AE DE CO NE VA MALI SL CE ND Na E ars
EÍSISS TINTO TAS 4 ASÍ A DE PAIS A Marior ss 4
RAÇAS SAE CIUAAENA E AÇÃO GINO E THA A GA
GE TIA SE LANÇA SA ANE OLA NA SAO
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<< ni FANCS “ARTS E EAD ISAIAS EA EA
TIA GESITI E SG GU E CA DS EPA TO A IR
dE MENDES SE E CAÇA E E Crilaiasro 2 NE SENA SO AS
dis é sm mbsituto Se uia eiacão SO SOM Tatrcria 4 es)
PSDC MESPOMDENTO, SE VA Ela as FA ATAZ SU PAR
mente ifenente < que pars ver VEMÉÉOA SEDE ONA LoZ TP
paticstar as auastrios Se vma coberto indicate”
Fars EDONDET É ESA AVESSO, FONES E EIS CONTA:
sena essa *prntanedade nateria” quando 16 Tate des
msitaicão ama pesso a 4 cosidar
é invada SE TVE AAA
same são» ams é que, dém disso, fodas EM 4 mesma dade
Tesdas sabem + que aconters quando. como destfitr soe
4 exgerência, w entra um dia em sala de nexés. Se
uma
deita Jerrar gor saas melinações ditas materias = tra 28
des contas com te
em men as criarcas, consalando uma
rese Srinicar com is
em acud 3 outra, DEgando sone's 1º sb ul
seas jnelhos carregando 2 que estende ds braços fica tab
meadido e sobrecarregado petas demandas das crianca:E
uma querendo pars cla e sempre mais expulsando = age

158 macermagem insósica

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entao Sil sede setraos 2 enfermo cunge 2 comiusao Rapids
= 3 gs € £ agitação se suimsieso q prazer. * Sica
=” 2 Exec é ago or peão meme Scar dissamne
+ diana” fere diodo eso é tadispensõoss e Sunciganers-
1 WE DOM 4 sis distércia vem discdomas 25 (rucas siess-
1

+ coqetéaca custa que fo É Sica s que mz ausoacia de


ú

caficineatos = de ums grande mumturidade, 44 respostas fes


=. = spentéceas vas ioarisfa rias, ley zeh, 20» CsrÃO
e écrias Geno ts 1 págs, peer aderões € acben sãos ASA
sas é centade. ds CEA ROSES”. emo Teca MAINE,
TUAS TIPOS, E PEARL DES IRESDS DDD ELPE ELA
gemea DO geo EUA Ge prenbigães api € MS é mr €
ago fismerne 05 Dreses comtstos Dies assegurar vire E qua
ade BETTAÊ, porém sem trazer é criara a postislidade de
E ED ENTRE DOLL EDS DRE PESO, [ÃO VÍDEO, SE CRIE
2 qeat saber sig de enganos e Seceprtrante.
— Sese ganho de Sinta. 45 clservações feiras, há algues anos, na
Se ace
pettrsiças HU POR > errada CreTi HER D, SAS
qesrar que es isca instituição de sccfirirmerto de renato boa
IPES ES SOIS DE CRTÉEICNA CXTANESES, VIVES GSE E CCpIÉpE,
emita MEC E METER, E Sotéia CIT ETC, CSA Coser erre
<a Sesi id DIS ERES DE HT VEADOS IH Less felizes, ué
rar Aesitio Sitócais de Her, erre ARES, exigindo Sa parte da
Lreea rea. Eidos esferas ssrsder irão Ce ireragsriação e Eexiii-
ME GACK CALIRIAS SHIS Der FEST SOáTIAS LEA RANÃO,
ane ELA ES DELETADOS DE GBA E DES CHÍANIÇAS
Essa cugarncia tavares reresexs o quanto € Sificil, no armbi-
44 rita PSTCOIÇÃO, CERTAS GLCLIVEINETÃE ETA COmtato Cori tutti
eras
idos que vão E & sex. Exttretarito, erritrxa 350 seja pos
Guel sm COTAS ÁRIDO, O desrstas de sexrtirmentos maternos
14 sibabora ACE CONF ITIE CXTATIÇA E HS NTE tarito, que isso &
mordese ccnrre todas 45 savas tasas, dé exerct-las da mesma
Tear COMA US PRÉLUS CEVATIÇAS Ge ESLDO VÃO à SA44 respornsabi-
Idade, Sib Gs, 4 sábda da crsariça querida deixa a cuidadora
Serpacada é ANTA pará à seguirme,

de É WS E IDA GENO
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Exseussão dos resustrados 159

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em Re Ae 1 DS 7
Ê 60 Mater Nagem
Insólita

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«<riança, que se elabora com o desenvolvimento da criança con-
inibuíndo para a sua maturação, podemos perguntar se é possí-
vel estabelecer, através de cuidados, outra relação que
a ditada
por sentimentos maternos? Outra em forma, em natureza, mais
verdadeira e benéfica. É isso que é experimentado em Lóczy e é
o que tentaremos analisar.
Nós o faremos tendo por referência o estudo que desenvolve-
mos há alguns anos sobre a relação mãe-criança. Nesse estudo
mostramos como cada relação mãe-criança é diferente uma da
outra, cada uma possuindo uma característica única e uma gran-
de complexidade, que se traduz e se expressa através de um pat-
tem de interação constante e específico para cada dupla. Esse pat-
tem acontece de maneira sutil e variada em todos os domínios
da vida, sua constância e sua força contribuindo para que essas
interações, nas quais a criança tem um papel ativo, moldem o
seu desenvolvimento.
É possível tratar a relação cuidadora-criança se servindo do
mesmo sistema de referência, ou seja, a partir de interações. Esse
é um meio cômodo e objetivo para abordar esse domínio tão
delicado da relação; ele permite ver, não como um bloco mono-
lítico, mas, através de aspectos diferentes e complementares, o
papel que cada um tem a desempenhar na formação da persona-
lidade. Sob esse aspecto, ele facilita a reflexão que traremos, em
seguida, sobre as consequências desse modo de educação ofere-
cido em Lóczy às crianças.
Aqui existe um pattern de interação, da mesma forma que na
relação materna, Há consistência e força. Ele é imponente, se
manifestando ao longo de toda a vida da criança e, por esse fato,
é um fator essencial da estruturação de sua personalidade.
Contudo, há características bem diferentes daquelas obser-
vadas entre as mães e seus filhos. Na interação mãe-criança o
modo difere de uma dupla para outra, aqui em grandes linhas é
9 mesmo modo para todas as duplas cuidadora-criança. Pode-se
notar uma vantagem e mesmo uma necessidade em coletividade
=» onde a criança sendo educada no mínimo por três cuidadoras,
É &tasa tratam de maneira não muito diferente. Este é um aspecto

ETICO Lorem t pi e e Cr MAN DÁ NA PS Er

Discussão dos resultados 161

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importante, graças ao qual a criança evita dividir as cuidador
em boas e más personagens e experimenta cedo a coexistência
do bom e do ruim, ou seja, da satisfação e da frustração na mes.
ma pessoa. Enfim, se a cuidadora acaba de sair, a transferência
da relação para a substituta é com isso provavelmente facilitada.
Mas, sobretudo no pattern de interação mãe-criança são as
motivações profundas da mãe diante do que é e do que represen.
tam para ela os traços, ações e reações do seu bebe que dão ao
pattern sua orientação e sua característica especifica. É a inten.
sidade desses movimentos afetivos profundos que são sua força,
que imprime seu sentido e sua qualidade, a tal ponto que parece
muito dificil moditicá-lo.
Entre cuidadora e criança a situação é completamente dife.
rente. Não são as motivações pessoais da cuidadora que entram
em jogo para determinar o pattern. Este é colocado em funcio-
namento e mantido constante por uma regra institucional, um
método de trabalho; de certa forma, ele é a aplicação de um tra-
tamento. Imposto às cuidadoras, ele limita os impulsos mater
nos delas e as protege deles. Em contrapartida, elas aprendem,
sabem, compreendem a necessidade desse tratamento e aderem
acle, eéa sua aplicação rigorosa para cada cuidadora ao longo de
todo o desenvolvimento da criança que assegura a constância do
pattern e lhe permite se tornar, como na interação mãe-criança,
um fator de organização da personalidade.
É provavelmente na medida em que esse pattern e ditado pelo
exterior e vai, na maior parte das vezes, na contracorrente de ges
tos espontâneos das cuidadoras, que ele so pode ser interiorizado
progressivamente, e permanece tragil, Ele pode ser comparado
a um organismo artificial que substitui ou ocupa lugar de mos
tivações profundas, naturais. Razão pela qual é necessana, ds
sim como para este, uma aparelhagem complicada, longamente
pensada, minuciosamente articulada demandando fiscalização €
controle constantes. Mas, € talvez seja esse o fato essencial, toda
essa aparelhagem é formatada e acionada pela profunda temum
pelas crianças dessas que a imaginaram e transmitem par toda
a equipe esse desejo que se tornou coletivo: que essas criançã

162 Maternagem Insólita

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«jam belas, saudáveis, fortes, que cada uma tenha todas as opor-
unidades e possam cedo não precisar do adulto, posto que no
momento, estes, como pais, lhes fazem falta.
Enfim, se na relação mãe-criança são os impulsos afetivos
mútuos que organizam o pattern de interação, aqui ao contrá-
rio é sua colocação em prática rigorosa e regular que possibili-
1 emergir e desenvolver uma relação entre a cuidadora e cada
uma de suas crianças. Ela se estabelece lentamente, conserva por
muito tempo, nos parece, um caráter reservado, pouco engaja-
do emocionalmente. Distante, se afirma com o tempo para se
tornar evidente nos grupos dos maiores. Não tendo certamente
nem a riqueza, nem a força dos impulsos alegres e intempestivos
de uma relação materna, ela tem, já dissemos, o mérito de existir
para cada dupla cuidadora-criança e ser compatível com a vida
em instituição. As trocas afetivas, apesar de discretas, existem e,
se bem compreendemos o que querem dizer com isso, esse pat-
tem, através do qual a relação se desenvolve, assegura a função
de “holding” (sustentação) descrita pelo Dr. Winnicott.
Agora, cabe ver mais de perto o que caracteriza o pattern de
interação cuidadora-criança de Lóczy.

Análise da interação cuidadora-criança


Lembremos que o pattern de interação é um conjunto com
muitas dimensões que pode se definir a partir da quantidade de
interações, de sua repartição no tempo, suas formas, modos, tona-
lidade e pontos de aplicação, esses diversos aspectos estando in-
terdependentes uns dos outros, densamente soldados por um fio
condutor que os determina, dirige e estimula a saber, os desejos,
medos e conflitos da mãe, ou antes, através dela do casal parental.
Aqui, o flo condutor da interação, motivado pelas necessida-
des de criação em coletividade, se traduz pelo investimento em
atividades autônomas, uma regulação estrita da proximidade-
distância, o controle da demanda afetiva de maneira a evitar O
desenvolvimento de exigências que se tornariam fontes de insa-
tisfação mútua.

Decano ni Po Lopo e as 2 ÇA ) “ j na

Discussão dos resultados 163

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a) Portanto, em Lóczy, a quantidade de interação e, sobretudo
sua repartição no tempo são reguladas de maneira que durante
os cuidados a criança ocupa todo o campo de atenção da sua
cuidadora, a cuidadora se mantendo
também no campo de aten.
ção da criança. É dessa maneira que a quantidade de inter
ação
durante os cuidados é quase inteiramente contínua
.
Entre os cuidados, ao contrário, as interações são
muito reduy-
zidas com a finalidade de que a atenção da criança fique volta-
da para o brincar e a atividade autônoma, e que a da cuíd
adora
possa se ocupar de uma outra criança. Essas interações ocorrem
quase que exclusivamente entre os cuidados de duas criançase
de maneira breve.

b) 4 forma das interações está a serviço da manutenção de


uma distância na relação.
Entre os cuidados trata-se predominantemente de uma
forma indireta, feita dessa vigilância da cuidadora, que faz
com que possa julgar de longe a necessidade de colocar ou-
tros brinquedos à disposição das crianças, ou de modificar
alguma coisa no cercado sem que precise se dirigir díreta-
mente a elas, as crianças respondendo ao se servirem dessa
nova oportunidade com prazer. Ou aínda, trata-se de medidas
rápidas quando aos choros ou resmungos de um em início de
disputas, ela intervém brevemente com algumas palavras ou
mudando de lugar a criança menor ou aínda colocando uma
criança na cama.
Durante os cuídados, as interações entre os pequenos
apresentam sob a forma de uma rápida sucessão de pequenas
medidas. Elas tem início com à cuidadora assinalando em voz
alta o que a criança está fazendo, lhe pedindo e lhe mostrando
isso ou aquilo a partir de suas manifestações espontâneas. Se,
a princípio, a criança não responde, vemos graduzlmente essé
medida se esticar e, por sua vez, as críanças responderem uma
após a outra. Pode acontecer também que seja a criança iníciea
interação, através de um olhar, um sorriso, um som, um gesto,
mais tarde chamando, com palavras, a cuídadora respondendo

164 Masernagem irsótaz

Digitalizado com CamScanner


sempre, porém sem nunca procurar prolongar a interação após
a criança tê-la interrompido.
c) Os modos de interação são numerosos
porém e variados,
são privilegiados todos os que favorecem o desenvolvimento e a
marcha para a autonomia, a tomada de consciência para a crian-
ça dela mesma, de todos que estão à sua volta: o olhar, a palavra
são modos predominantes muito investidos, tendo a vantagem
também de ser à distância. São igualmente utilizados os modos
cinestésicos garantindo o sentimento de segurança e conforto da
criança. É dessa forma que uma grande atenção é dada à quali-
dade dos gestos da cuídadora, à sua harmonização com os mo-
vimentos espontâneos e ao estado de tonicidade da criança. Em
contrapartida, tudo que corre o risco de criar ou aumentar os
desejos de dependência é limitado ao máximo: afagos, carinhos;
os contatos corporais são raros, discretos, nunca erotizados ou
muito pouco. Os modos primitivos tais como embalar, carregar,
pular no colo, dizer bobagens, nunca observados, são desaconse-
lhados, quando não proscritos.

d) Enfim, a tonalidade da interação que veicula a intensidade


e a natureza dos impulsos afetivos é bem especial. A doçura, o
caráter pacífico é o traço dominante. Os impulsos das crianças,
expressos com amor, cólera, agressividade, de tão intensos que
são, se chocam sempre com as respostas tranquilas do adulto,
um pouco contidas, bem dosadas, que transmitem uma impres-
são de atenção e vigilância afetuosa, através das quais a crian-
ça pode se sentir contemplada. Em contrapartida, a cuídadora
nunca deixa passar nenhuma intensidade de emoção, seja ela de
prazer, amor, cólera, irritação e impaciência.
A Dra. Píkler atribuí tanta importância ao controle da agres-
sivídade quanto aos impulsos calorosos. Isso, como nós mos-
tramos, correria o rísco de aumentar as demandas da criança e
comprometer sua segurança. Com efeito, ela considera que, se a
agressividade da mãe pode inofensivamente ou mesmo de ma-
feira proveitosa se expressar em sua interação com a criança,
é porque ela coexiste com muitos outros momentos calorosos

refino pa ea a mp,
En

Discussão dos resultados 165

Digitalizado com CamScanner


alo
neo
as aid Mi
siiii
e positivos. Em uma instituição, a relação da criança com as
adultos é muito frágil e os tempos de contatos muito curtos
e muito espaçados para que uma “ruptura” causada por um
gesto agressivo possa terminar rapidamente. Nessas condições
a criança fica mergulhada em um estado de insegurança que
bloqueia sua atividade e muitas vezes a torna agressiva com os
outros, O nível de agressividade do grupo tende a aumentar e

ei dani
se torna uma ameaça para O conjunto das crianças, O que não
pode ser tolerado.
É, portanto sob um tom de desdramat ização que se quer tran.
quilizador, bem monocórdico, porém afetuoso que a instituição
responde às demandas, alegrias e cóleras das crianças.

O impacto da interação na personalidade da criança


Durante o estudo sobre a interação maãe-criança pudemos
constatar que cada uma das manifestações espontâneas da crian.
ça é tratada no plano da interação de uma ou de outra das se
guintes maneiras:
- às vezes acolhida, apreciada, valorizada pelo prazer mútuo
que cada um sente em relação a ela; isso da lugar a uma especie
de fenômeno de ressonância estimulante, que permite a esa
manifestação se repetir e partindo disso se desenvolver;
- às vezes ignorada, não percebida, não cultivada, e por esse tato
ficando sem resposta da parte da mãe, essa conduta pouco à pot
co se esvai ou pelo menos não tem tendência a se desenvolver;
- às vezes os desejos ou ações das crianças se opõem aos interditos
Se estes são firmes, constantes, exercidos sem ambivalência nem
contlito por parte da mãe, a criança renuncia facilmente recorel»
do ao deslocamento de seu desejo ou a Outra maneira de realizá-lo;
enquanto que os interditos ocasionais e inconsistentes estimulam a
criança a voltar à carga e à entrar em conflito sem renunciar
= ÀS vezes, enfim, as manifestações da criança despertam na de
conflitos antigos, Estes então se desenrolam entre ela e a crlançd
as interações contribuindo para perpetuar o conflito sem encolb
trar a possibilidade de resolução,

Meta tm ma

166 Matornagem Insólita

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Visto sob esse ângulo, O pattern de interação entre a cuidado-
ra e a criança permite compreender muito bem as observações
feitas a propósito das crianças de Lóczy; admite igualmente
captar, ao menos de maneira hipotética, seu impacto no desen-
volvimento e orientação da personalidade dela,

Os setores privilegiados
Não retornaremos longamente a isso porque ficam evidentes
pelas descrições que foram dadas. O imenso valor atribuído pela
culdadora e pelo conjunto institucional a cada manifestação de
desenvolvimento psicomotor, o fato de que cada uma delas é reto-
mada na interação sob todas as formas, direta durante os cuidados,
e Indireta entre os cuidados, é um potente estimulante do prazer
da criança em exercer novas realizações, se desenvolver,
avançar,
fazer novas explorações, lhe assegurando assim a utilização, o trei-
no e o pleno funcionamento do seu aparelho psicomotor.
É igualmente por essa razão que a atividade autoinduzida é
uma fonte tão grande de satisfação; ela não é abandonada a ela
mesma, mas favorecida, cultivada através de formas sutis de in-
terações indiretas e à distância.
A mesma coisa no que diz respeito ao valor atribuído ao co-
nhecimento de si, do ambiente e à autonomia. Esses interesses
podem constantemente se expressar dando lugar a prazeres mú-
tuos que favorecem o desenvolvimento.
Mas também e, além disso, a limitação firme, constante, sem
falha do investimento da libido na cuidadora favorece, sem dú-
vida, seu deslocamento para as atividades e brincadeiras que são
fortemente Investidas, o que contribui igualmente a promover o
desenvolvimento das crianças.
Em contrapartida, é possível observar domínios inexplora-
dos: é o caso dos jogos simbólicos, do mundo do imaginário e
das criações artísticas. É verdade que as crianças são ainda mui-
to jovens, embora apenas algumas têm mais de 3 anos. Ape-
sar de tudo, não constatamos interações nesse domínio, nem
retomadas de brincadeiras das crianças pelas cuidadoras, nem

Scene LINE 22 e ms si NONO DS AE DeEra a entra Diino

Discussão dos resultados 167

Digitalizado com CamScanner


introdução de livros, imagens, pinturas etc, suscetiveis de ret;
o interesse das crianças, da mesma forma que 05 outros bri,
quedos. As crianças dos grupos E e E, por sua vez, parecem (ey
poucos brinquedos simbólicos e imaginários, ao passo que as
atividades motoras e exploratórias são ricas e elaboradas,

Aquisição de disciplinas
É notável constatar que as crianças parecem adotar tranqui-
lamente, como evidente e sem conflito, a maior parte das ro.
tinas de vida que lhes é proposta, seja de hábitos alimentares,
do ritmo de sono, cuidados, de vestimentas e do controle dos
esfíncteres tão bem que dão a impressão de crianças natural.
mente disciplinadas,
A observação mostra que se é dessa forma, por um lado é por
que as rotinas são leves e reajustadas em função das observações
cotidianas. Portanto, clas resultam de uma interação muito estrei-
ta, ainda que indireta entre O comportamento da criança obser
vado pela cuidadora e a resposta desta, Por outro lado, a rotina é
aplicada, com regularidade, pontualidade e calma em uma ordem
rigorosa; não apenas nunca é fonte de conflito entre cuidadora e
criança, como ao contrário, sempre se manifesta sob um modo
que abre um prazer de contato com o adulto durante o qual toda
manifestação de participação ativa da criança para a aquisição€
controle da disciplina é assinalada, valorizada e utilizada,
A aprendizagem do controle dos esfíncteres é um exemplo, À
culdadora tolera sem comentário o tempo que for necessário que
a criança se molhe e se suje. Ela a limpa com doçura, de maneira
agradável para à criança, mas sem prolongar o prazer além do ne
cessário. O interesse ulterior que cla manifesta em relação às suas
produções chama a atenção da cuidadora que, por essa mesma via,
valoriza como uma progressão em relação à atitude de desatenção
que a precedeu. Todas as manifestações da analidade são permiti-
das, nunca proibidas nem consideradas como malvadezas. Natural.
mente encontram os modos de expressão variados que a cuidadora
assinala, sem fazer alarde. Entretanto, de forma privilegiada, são va
lorizados os desejos espontâneos de controle, de ser como as crian»

168 Maternagem Insólita

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ças grandes, São oferecidas possibilidades à criança, por exemplo,
de fazer no penico, esvaziá-lo, concebidas como um meio para que
ela se realize e não para obter dela que seja desfraldada.
Assim, não é nem através de ordens, nem de proibições, me-
nos ainda de sanções que são feitas as aprendizagens,
São os desejos concedidos da criança e da cuidadora que fa-
vorecem a interiorização para a criança do valor atribuído ao
controle e maturação, a “ser grande”, e é através dessa troca que
são adquiridas desde o início e progressivamente sem constran-
gimento e sem conflitos todas as discíplinas.
Trata-se de uma troca real entre elas durante a qual a cuidadora
disciplinando eventualmente suas próprias emoções, de um lado
deixa à crlança a liberdade de gozar de prazeres ligados às zonas
crógenas e testemunha ativamente scu interesse e de outro expres-
sa O prazer para ela, em relação à sua progressão e seu sucesso. Para
a culdadora não é a simples aplicação dessa regra de conduta reco-
mendada pela instituição onde trabalha, mas é a maneira bastan-
te pessoal como a aplica ao responder a essa criança no momento
oportuno, em um movimento de interesse e de afeição mútua em
relação a esse acontecimento, que implica os dois.

Tolerância, limites, interditos e frustrações

As zonas onde são exercidos um controle e interdições são


multo restritas: nenhuma limitação no domínio das atividades
autônomas, nenhuma interdição em relação às manifestações
autoeróticas, nenhuma exigência para favorecer aprendizagens.
As limitações só existem em dois domínios muito precisos: a de-
manda afetiva da criança em relação à sua cuidadora e sua agres-
sividade em relação às outras.

Limitações de demandas afetivas


Já foi dito, a criança recebe de maneira sustentada ao longo de
sua estadia marcas de atenção, interesse e afeição da parte da sua
cuidadora. Uma relação se desenvolve progressivamente entre
elas, na qual a cuidadora dá à criança satisfações reais, profundas,

CuaTLa pro ANA PITÓ O META tem

Discussão dos resultados 169

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em domínios específicos muito bem investidos pela criança. Em
centrapartida ela a limita em toda demanda de atenção comple.
mentar ou de proximidade maior na relação,
Na realidade, essas necessidades extras de atenção individual
são visíveis e evidentes exclusivamente nas crianças do grupo À
(menos de + meses) e grupos Ce DC a 24 meses) porque nos
outros grupos uma grande harmonia se estabelece nas trocas e
demandas mutuas cutdadora-criança,
Essas demandas de atenção extra, que por vezes são bastante
intensas, não são ignoradas pelas cuidadoras e não as deixam
indiferentes. Contudo, elas não as respondem em função de suas
próprias emoções, desejos ou aborrecimentos, mas de acordo
com os modos institucionais autorizados e recomendados: pala-
vras tranquilizadoras à distância, acrescentando um brinquedo
teve mudança nos lugares, ou uma intervenção discreta como
por exemplo: mudar o lugar, tvetivar um sueter, dar um pouco de
chá, eventualmente recoloca-la na cama,
Quando as manitestações de desordem persistem ou aumen
tam, elas são anotadas nas observações cotidianas Diversas in:
tervenções são então consideradas, apos CONVersa COM à equipo,
que levam a uma modificação ou no regime ou no ambiente, À
atenção se volta tambem para q interação cuidadora-criança du-
rante os cuidados verificando que uma real comunicação existe
entre as duas e que os cuidados são guru iicantes para a qualidade
da comunicação respeitando o pattern,
No seu conjunto, as respostas se tazem à distância e de ma
neira indireta, As respostas diretas tambem são tão limitadas O
quanto possível. Um complemento de tempo de atenção, sejp
qual for a forma, afagos Ou brinquedo nunca é concedido, Pare
ceu-nos que havia aqui um domínio onde à frustração er im
posta à criança, aquele onde ela estava aprendendo,

Resposta das crianças às limitações de suas demandas

Se as observações permitiram captar as reações das crianças


no memento presente, nossa estadia de duas semanas não nos
permitiu acompanhá-las em seus progressos para cada uma de

170 Maternagem Insólita

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as. Contudo, à transformação dessas reações de um grupo de
idade para outro peemite ter uma Imagem da evolução tanto das
próprlas demandas quanto das reações às frustrações,
No dos multo pequenos as reações são de choros, gritos Iinten-
sos, agitação, procura de posturas e sucção, Parece que, excluída
a exceção, à manetra estrita como são tratados os choros leva à
sua extinção em torno dos 3 meses, enquanto que a energia ll-
pidinal e agressiva encontra suas possibilidades de investimento
na sucção do polegar, no brincar com as mãos e na mobilização
do todo o corpo para atingir o seu objetivo. E, com efeito, de 3-4
à 8-9 meses, um equilíbrio parece ser adquirido,
Se a demanda da criança é então muito reduzida e à medida
daquilo que os adultos querem e podem dar, o desejo afetivo não
é atingido e, como em todas as crianças, retorna com força em
torno de 8-92-10 meses,
Contudo, nos pareceu que as demandas então se expressavam
sem Intensidade e que as reações à frustração se inscreviam em
um registro mais depressivo que protestador: choramingo, apa-
tia, sucção do polegar em posição deitada, alguns balanços; é o
que fot observado no grupo €. Nas do grupo D apareciam cóleras
mais francas e atos agressivos em relação a outras crianças; mas
essas agressões não sendo autorizadas, por vezes observa-se, como
veremos mais a frente, um retorno das pulsões contra si mesma,
Essa crise parece se resolver rapidamente ficando poucos traços
nas crianças do grupo E, enquanto que as crianças do grupo F se
mostram ao mesmo tempo afetuosas e racionais em suas deman-
das, aparentemente satisfeitas das trocas que podem ter com a cui-
dadora quando das idas ao banheiro, do deitar-se, da refeição, das
trocas onde a palavra ganha lugar e que, portanto, também pode
encontrar satisfação durante os períodos das brincadeiras,

Limitações das manifestações agressivas


À taxa de agressividade em Lóczy nos pareceu muito baixa.
Vimos que durante o encontro delas, podia acontecer de
uma criança, notadamente a do grupo € gostar de com o seu

TRA e mi E remete
a pm

Discussão dos resultados 17]

Digitalizado com CamScanner


peso esmagar outra criança ou mordê-la. Sem dúvida porque
estão habituadas desde os 3 meses de idade a se encontrarem
e a se esbarrarem umas nas outras, a criança enredada com
outra não parecendo se comover e geralmente conseguindo se
afastar sem gritar.
Em contrapartida vimos manifestações agressivas aparece-
rem no grupo D, uma criança atacando outra, na maior parte
do tempo quando frustrada em sua demanda em relação à
cuidadora.
Porém, nenhuma criança se oferece como vítima consentida
sob o risco de com seus gritos aumentar a agressividade do agres-
sor e este, na maioria das vezes, se joga em uma almofada ou brin-
quedo. Ainda que não tenham sido verificadas quando da nossa
passagem, relações “selvagens” entre atacantes e atacados com as
que se desenvolvem muitas vezes nos grupos dessas idades.
À agressividade como às mordidas as cuidadoras respondem
interditando o ato agressivo: se possível verbalmente ou retiran-
do o agredido ou ainda levando o agressor para deitar-se caso
persista, mas sem nunca ficar brava nem responder com uma
palavra ou ato de cólera. Como para as demandas afetivas, limi-
tes e interdições são firmes, constantes, sem deixar transparecer
emoções agressivas, tolerando, sem atribuir atenção, todas as ou-
tras formas de agressividade.
À intervenção da cuidadora, o agredido, na maior parte das
vezes, se consola rápido. Por vezes o agressor volta para o seu
brinquedo, por vezes essa intervenção relança sua agressividade
e ele reage a uma nova intervenção se balançando muito forte,
se colocado em sua cama balançando-a, mordendo o lençol ou
a si próprio. Depois há evolução e constata-se que as crianças
mais velhas do grupo D, as crianças do grupo E e F conseguem
expressar sua agressividade indiretamente, jogando um objeto,
batendo nele com força com um bastão, gritando com um ca-
chorro etc. Em contrapartida, elas não se atacam mais umas às
outras, como também não têm gestos ou palavras agressivas para
com as cuidadoras, da mesma forma que não destroem seus brin-
quedos e roupas.

172 Maternagem Insólita

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Resumindo, pode-se dizer que as pulsões libidinais e agressivas
estão, em grande parte, investidas na atividade, no prazer de ser,
de se movimentar, de conhecer, enquanto que uma parte muito
mais fraca e muito controlada está investida na relação com a cui-
dadora e as outras crianças. Esse controle e essa canalização das
pulsões sendo favorecidos pelo desenvolvimento de um eu forte-
mente equipado no plano psicomotor e projetando um superego
firme, mas não punitivo e não interditando o prazer.

Balanço desse sistema de cuidados


Uma apreciação clara dos resultados seria tentadora. Ela exi-
giria um exame psicológico das crianças presentes, uma observa-
ção atenta de suas reações quando da saída da instituição, assim
como os mecanismos de adaptação aos quais então recorrem, e
enfim um balanço aprofundado da personalidade daquelas que
deixaram a instituição há muitos anos.
Sobre esse último ponto as pesquisas estão em curso, e os res-
ponsáveis de Lóczy estão prontos a enfrentar toda a dificuldade
de tal empreendimento.
Da nossa parte, observamos as crianças durante quinze dias,
não as examinamos. Podemos apenas testemunhar que elas não
se assemelham em nada às crianças muito pequenas que encon-
tamos em “depósito” como por vezes dizemos, ou em certas
salas de “casa de repouso”, grandes berçários e até mesmo em al-
gumas creches. Elas diferem também dessas crianças que sofrem
de perturbações graves em famílias perturbadas e patológicas.
Em aparência, exceto para um número muito restrito de
crianças problemas, ela gozam de boa saúde. São belas, bem de-
senvolvidas, harmoniosas, despertas, ativas, confiantes e abertas
aos adultos. Mas também são diferentes, ainda que de maneira
sutil, das crianças da mesma idade que conhecemos e que vivem
felizes em suas famílias. Elas não têm o mesmo brilho, nem o
mesmo impulso, nem essa afirmação de si-mesma alegre e se-
gura em um mundo que lhes pertence. Muito cedo elas adqui-
rem um semblante sério, atento, de reflexão, e algo de comedido.

IDA ATEA TREM TRT

Discussão dos resultados 173

Digitalizado com CamScanner


Impressão subjetiva, essa que transmitimos ao leitor, posto que
foi a nossa impressão, que traduzimos como sendo de maturida-
de precoce e fragilidade afetiva.
Na tentativa de estabelecer um balanço das nossas impres-
sões, para avaliar esse sistema de cuidados no seu conjunto, for-
mularemos as seguintes ideias.

Vantagens concedidas às crianças


Através da qualidade dos cuidados individualizados e dessa
vida ao ar livre onde podem se exercitar continuamente em to-
dos os jogos motores, o que as deixa com um corpo sadio e vigo-
roso. Através da atenção dada pela cuidadora a tudo que vem da
criança, daquilo que ela é e do que ela faz pela estabilidade do
mundo que a envolve, sem dúvida elas adquirem a possibilidade

si
de não ficarem fragmentadas em um mundo despedaçado, mas

a mi
de se constituir um “si-mesmo”; a possibilidade também de se

ci peida
sentir “boa”, ou seja de realizar um sólido investimento narcísico

ad nt nc ideia Nba
de base.
Ao lhe oferecer um espaço à altura das necessidades de segu-
rança dela, ao ampliar progressivamente ao ritmo do seu desen-
volvimento, ao mesmo tempo mobiliando-a de objetos e pessoas
susceptíveis de lhe interessar, através dessa maneira de fazer com

ic
que ela tome consciência de seu corpo, do que acontece e vai acon-

GÁS
tecer com ela, do lugar onde se encontra, do desenrolar dos fatos
que lhe dizem respeito, parece claro que foi dado a ela o tempo
necessário para atravessar as diferentes etapas da construção das À a ind
dci.

noções de espaço, tempo e do seu esquema corporal, noções ne-


cessárias ao seu pleno desenvolvimento psicomotor e intelectual.
Ao sustentar a relação durante os cuidados através de uma
constante comunicação verbal que procura transmitir à criança
o conhecimento dela mesma, de pessoas e objetos que perten-
cem ao seu ambiente, tem-se a impressão de que a ela foi pos-
sibilitada a linguagem e através dela o acesso ao pensamento
simbólico, aquisição admirável quando se sabe das dificuldades
nesse plano com crianças educadas em espaço institucional.

174 Maternagem Insólita

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les, porém rigorosas, ao va
loriz
ia lhes é dada a faculdade de
ui posilivo, O que deveria favo disciplinas
ddeesen de
Na u forte, porém fl volvimen
exível e não Punitivo. to de
ain essas crianças sem família, dura
nos de suas vidas, são Pres nte os Pri
meiros
er
j vadas de Um destin
se ntirem inexistentes e mã o dramático
às, dessa sede insa de se
Ciável e insatisfe
it a de

nda que se à
trate apenas mãe ou Para uma mãe
MOSso sent) de uma hi adotiva
ento de que as C pótese, é
têm um Ínc rianças de Igualmente
ulo O 8 à 15 o
talmente meses aind
desejo del Personaliza a não
€ uma Maior Pr do com a Cui
Ítustrado na o ximidade dadora; o
Instituição, com o adu
“Pera par Ou d e v e ria facilit lto, basta
nte
tra pessoa ar à trans
ferência
de Ss iria tida, de sua
Maiores el
bso é ing cu as não po
dem evitar
“Mental com à Tuptura
Rada, a Cuidadora
tem de qualquer ca instituiçã
* DO entant institucion o
sr

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o que Ló i z a ç ã o Prolon-
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arg,

Digitalizado com CamScai nner


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rda- em Ve
idadora a Cr
iança só Conh
à Conhece ece
ticular, onde ness à Telação
se dedica tota par-
lmente a el ae
pre da mesma às outras Crianç
maneira. Não as, sem-
vida dela e, so se tem ac €Sso ao
bretudo e] a nã s ou tros aspectos da
o está envolvida
antes de tudo à em outras relações,
relaçã
o a fetiva complexa
Tesulta que as do casal parental. Disso
suas possi bilidade
s de identificação com o adu
são muito limi
tadas, eis em dú lto
vida é uma das razões pela
imaginário das qualo
Crianças de Lóczy parece
pouco desenvol
vido.
Por mais importantes
que Sej: am essas reservas,
fundamentais para nós. Co elas não são
m efeito, a maior parte dessas
ças caud
encontra um meio fa
miliar antes de
Se todas antes completar 2 anal
dos 3 anos. Entã de
€Xperiências até o elas poderão na
então ausentes “contudoá
Condição de estare da vid a delas. o eriências
m preparadas, an-
através de suas exp
teriores, e é nesse campo que ista,
se situam,
.
do n Osso pon
às Maiores dificuldades.

NA Tm reze e

176 Maternagem In
sólita

Digitalizado com CamScanner


Os riscos da maternagem de Lóczy
Eles são de duas ordens:
a) O desenvolvimento da personalidade das crianças de
Lóczy tomou vias diferentes das tomadas pelas crianças cria-
das em família. Não é verdade que as crianças que crescem
com seus pais e mães se constituem a partir de conflito; não
é necessário, ter que viver o conflito, chocar-se
a cada etapa,
com ele, encontrar saídas que levem a um desenvolvimento,
ao enriquecimento que abre o caminho para relações cada vez
mais elaboradas?
Se Lóczy tem o imenso mérito de saber manter viva e possível
a relação com outrem, cabe ver que essa dialética conflituosa,
centrada na relação com o adulto é poupada às crianças. Elas
estão protegidas das motivações afetivas profundas de suas cui-
e

dadoras, posto que estas atuam essencialmente em função das


necessidades dela e do interesse que manifestam por ela, e não
pela personalidade dela para elas. É evidente que os outros adul-
tos que as crianças encontrarão se conduzirão de forma radical-
mente diferente. As crianças serão então expostas como jamais
estiveram às motivações afetivas de seus pais, aos seus desejos,
às suas expectativas, seus temores e viverão sem terem sido pre-
paradas relações conflitivas de uma complexidade maior que as
que conheceram. Como poderão enfrentar, quando do retorno
E

para casa ou em uma família de adoção, os conflitos afetivos, e


rm

que são parte integrante da vida familiar?


mem

b) Outra questão ainda mais fundamental diz respeito à


ee

capacidade dessas crianças de se engajarem em relações afe-


tivas profundas.
Te

Não seria perigoso, quando muito pequeno, ser privado


TT

da plenitude de uma relação que responde às necessidades


primitivas de dependência? Posições diversas se expressam
RPI

sobre esse tema: umas afirmam que são as mães que, por
sua possessividade criam e exacerbam essas necessidades de
dependência, às quais as crianças têm tanta dificuldade para
depois renunciar.
TETE
ESS EPP

UAI Virar PECADO IA SER IGNACIO END RITA DT e

Discussão dos resultados 177

Digitalizado com CamScanner


Essa renúncia despertando cóleras e pulsões destrutivas que
então se expressam em impulsos hostis difíceis de viver e assu-
mir. Outras posições, ao contrário, consideram que ela é o terre-
no fecundo indispensável a partir do qual a criança solidamente
enraizada pode lançar-se e desabrochar, sob a reserva de mãe e
criança não fiquem apenas aí.
Quais as consequências dessa maneira firme, quase ine-
xorável, de limitar a demanda afetiva? Ao não responder ao
pedido das crianças bem pequenas de contatos calorosos, pró-
ximos, amorosos, também não respondendo à demanda delas
na idade importante de 9 a 15 meses, ao atribuir aos cuidados
essa qualidade reservada e contida ainda que afetuosa, é pro-
vável que elas sejam privadas para sempre de uma parte de sua
riqueza afetiva.
Contudo, ao colocar essa questão, convém lembrar-se de que
essas crianças estavam em condições de perigo. Ainda que em
parte elas estejam privadas de um dom precioso, Lóczy talvez
lhes tenha dado mais acréscimos no plano da adaptação, que
lhes retirado possibilidades afetivas.
Apesar de tudo, é também a esse propósito que queremos exa-
minar as questões levantadas por algumas crianças perturbadas
que se encontram em Lóczy. Poucas, em torno de seis quando da
nossa estadia, algumas chamam a atenção imediatamente pelos
seus comportamentos atípicos, umas por intolerância às frustra-
ções, outras por perturbações mais discretas.
Antes, notemos o esforço feito para manter uma criança “pro-
blema” na instituição. Até onde sabemos nenhuma criança foi
excluída da instituição quando da descoberta da sua limitação,
no caso de poder ser tratada no local. Notemos também a vigi-
lância das equipes médicas: ainda que bem leves, as perturba-
ções são observadas e o diagnóstico estabelecido precocemente.
A organicidade, a hereditariedade são fatores evocados quan-
do as perturbações persistem e resistem às modificações do am-
biente. No que nos diz respeito, colocamos duas questões.
Sem negar a possível existência de fatores orgânicos ou he-
reditários, não é verdade que para algumas crianças as difi-

UM ETR 4 act

178 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


culdades cederiam através de outra forma de maternagem, em
ou uma síndrome de
vez de evoluir para um estado psicótico,
insatisfação afetiva? Pensamos aqui em crianças hipersensí-
veis ou hipertônicas.
Mas imediatamente passamos a formular a segunda questão.
Seria possível modificar a relação da cuidadora com a criança
em
ou introduzir uma dimensão psicoterapêutica sem colocar
perigo O sistema? Essa questão permanece em aberto.

Para concluir...
Para concluir, e apesar das reservas que acabamos de expres-
sar, gostaríamos de novamente dizer sobre todo o valor do mo-
delo institucional realizado em Lóczy. Ele consegue preservar as
crianças de carências graves, lhes assegura um bom desenvolvi-
mento, uma organização do aparelho psíquico delas e possibili-
dades de estabelecer relação com outrem.
Tais resultados serão raramente atingidos porque exigem
que sejam superadas duas séries de obstáculos encontrados com
frequência:
- por um lado, a hesitação, quando não a recusa de todos, nos
diferentes níveis de responsabilidade, em dar prioridade às ne-
cessidades das crianças pequenas. Isto, provavelmente em razão
da imensidão de esforços a serem acionados para satisfazê-las,
mas também de certo ceticismo no que se refere à realidade e
gravidade das carências precoces;
- por outro lado, a dificuldade em admitir que a maternagem
decriança da primeira infância criada em instituição requer uma
competência especial, que necessita aprendizagem e controle, e
não é originário do instinto materno nem da espontaneidade ou
do bom senso de toda mulher dedicada.
Diante do peso dessas limitações e diante da amplidão dos
problemas colocados pela educação de crianças privadas de fa-
mília, sejam elas educadas em instituição ou em acolhimento
familiar, gostaríamos de insistir, como recentemente fez um gru-
| po de especialistas, sobre a necessidade de pesquisar todos os

LES VA RAVE CADA:

Discussão dos resultados 179

Digitalizado com CamScanner


modos de ajuda que possam evitar ou encurtar os acolhirmersoa
de críanças pequenas.
Uma variedade de meios de ajuda em cada bairro urbano e em
cada setor rural poderia evitar o flagelo atual que constituem;s
estadias nos “depósitos”, da colocação de uma criança em lugares
sucessivos, seu exílio para regiões distantes.
Contudo, e cabe assinalar este último ponto, os diverys
meios acionados só serão realmente eficazes se cada um deles fy
objeto da mesma vigilância, da mesma minúcia nos cuidado,
da mesma reflexão e das mesmas pesquisas que as desenvolvidas
em Lóczy.

aee sen
ps somo =

Digitalizado com CamScanner


Posfácio ELG aro e vm

Em resposta a questões que me são


colocadas com frequência.
Geneviêve Appell

Cr a uma idade em que gostamos de contar o passado, a


origem e evolução das coisas e quando somos interrogados
sobre ele. Este posfácio é a ocasião de uma transmissão a respeito
dos meus primeiros encontros com o Instituto Pikler e sobre O
que se tornou. Trata-se de uma aventura que foi importante na
minha vida profissional, pessoal, de amizade, contada a partir
das minhas lembranças e não de uma compilação de documen-
tos. Não serei exaustiva e ficarei restrita ao que me parece essen-
cial. Talvez trate de detalhes aos olhos do leitor, esperando que
ele possa compreender os detalhes que são, por vezes, determi-
nantes e merecem que nos detenhamos neles.

Primeiros encontros

Em 1967, após uma Conferência no Centro internacional da in-


fância sobre os “Efeitos da carência de cuidados maternos em ins-
tituições de acolhimento”, acompanhada do filme Monique!, uma
das participantes me chamou a atenção. Além do francês excelente
pelo qual se expressava, tudo que disse com um tom ponderado,
porém preciso, era inabitual e bem provocante. Intrigada, fui pro-
curá-la, Judit Falk se apresenta: ela vem da Hungria e é diretora ad-
junta ao lado de Emmi Pikler de um instituto em Budapestez. Con-
versamos e, estimulada pela responsável pelo estágio, Genevieve
Congy, convidei-a para visitar a instituição de acolhimento Amyot:.

Monique, ou les effets de la carence de solns maternels, filme de Jenny Roudinesco [depois Jenny Aubry,
po vgundo casamento, em 1953, NT.) e Genevitve Appell.
: Esse Instituto secebeu o nome de sua fundadora em 1986: Instituto Pikler.
3a Instituição de acolhimento Amyot (Pouponniêre BCG) onde, Myriam David e Genevitve Appell
Getam continuidade às suas pesquisas financiadas pela OMS, era então dirigido por Malou Klein.

Posfácio 181
Digitalizado com CamScanner
Essa visita ficará em nossas memórias como um 2 ereáncis
de harmonia de pontos de vista e, para Malou Klein « pasa eram +
momentos de perplexidade, até mesmo de estupetação Hero
quando trocamos opiniões sobre os nossos esforços para berrar te
duzir o número de cuidadoras para cada criança assegursnd: “q
estabilidade junto a elas. Esforços acompanhados de me sereia
para favorecer o engajamento como particularmente resrre ro

pelo bem-estar e evolução de um bebé. Em Lóczy, eles à chama 2


vam de cuidadora,
-

nós “primeira cuidadora”.


* e o . - “”

Harmonia ra ee
É : o |

* »
|
cupação em sustentar a palavra endereçada ao bebé es tí de
que fala Judit Falk quando conta que elas nunca colocam um "rag
em uma posição que ele ainda não sabe se colocar? Ou cias não
lhe oferecem um brinquedo para que ele pegue com suz mães e
consideram que é muito mais útil para o bebé deixar o ty gude -
ao lado dele? Que não lhe é dada nenhuma ajuda em cuz: expo
rimentações para andar porque para ele é bem mais proveitos
seguir em suas tentativas autônomas? Que um solo duro é predeai.
vel a um tapete acolchoado para um bebé colocado no crã ex
Ãos nossos porquês são dadas respostas irritantes porque colocam
em questão maneiras de fazer sobre as quais normaimens não
nos interrogamos. Como a argumentação é testemunha de ==
conhecimento, raramente encontrado, sobre as etapas do dess
volvimento de uma criança bem pequena, é difícil tratá-ia come.
sendo insignificante. Paradoxalmente, isso se acrescenta à tens
porém convida à atenção. Portanto, tentamos ultrapassar o se
recimento e escutar. Judith Falk não ignora e não nega cx pengs
das carências institucionais, simplesmente ela diz que em Lys
eles consideram que podem chegar a erradicá-las. Os mess esc
dos são no mínimo desconcertantes; ao mesmo tempo estão img
da falta de interesse: por exemplo, quando uma cuidadora está em
serviço, ela trabalha sozinha com o seu grupo. Ela fica menos ds
persa, ela consegue controlar melhor os acontecimentos,
mais segurança para as crianças que sabem a quem se endereçal
o grupo é mais calmo. Outras são assinaladas pelo bom senso. nas
taria apenas ter pensado: dar banho em quatro bebes pela
e quatro à noite, instaurar um rodízio regular disposto no

182 Maternagem Insólita

Digitalizado com CamScanner


, moment o de cuidado (banho,
"pro ma madeira ou refei-
qacasa 4qro 3),cadmen
a os tropeços,
E sejadaa mais: gratif
ficicante » para o
303703), beb» ê e
á » cuidadora etc.
pa à Edo que nos vem à cabeçaa: "E
: “Erradfic
icar car
aré nci
ênc a<?
ias ; U topiai
ox PE ter, tan
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a” instituição de acolhiment
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felizes e “passa
com as quais a equipe
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turbação orgânica » te
elas nos parecem

eoseu
a essa extraordi
nária

Posfácio | 83

Digitalizado com CamScanner


engenhosidade para tentar sair das práticas hospitalares e pré-es.
colares, frequentes em todos Os lugares. Como me parece que 0
conjunto se apoia em um trabalho sério, refletido, controlado, é
imperativo retornar a Budapeste para tentar compreender “o que
acontece ali”. Gostaria de retornar com Myriam David. Ela não
fica muito entusiasmada. Como todo mundo, ela não acredita
na possibilidade de se criar bebês durante anos em instituições
de acolhimento protegendo-os de carências afetivas. Entretanto,
em 1971, ela aceita dedicar quinze dias à condição de que as
observações possam levar a um estudo o mais aprofundado pos-
sível. O que Emmi Pikler nos concede com muita generosidade e
uma rara abertura.
Nos primeiros dias fomos tomadas pela mesma perplexidade
que a sentida quando da estadia com Malou Klein. Igualmente, fi.
camos desconcertadas, até mesmo irritadas, com o que escutamos
ao formularmos observações e questões, mas também ficamos re-
almente comovidas diante das crianças e de suas cuidadoras. Na
minha lembrança, não havia desacordo em relação às observações
que fazíamos, o mal-estar sempre aparecia diante das explicações
sobre “o porquê de como”, nas tentativas de interpretações ou em
discussões mais conceituais. Se no plano clínico nós nos encon-
tramos, já nossas culturas profissionais e nossas referências teóri-
cas diferem muito. Elas nos colocam dificuldades de compreensão
ainda maiores que a ignorância de nossas línguas maternas. (Com
Emmi Pikler, falávamos em inglês).
Penso que dos dois lados sentimos que conhecemos bem 0
assunto comum que nos ocupa e somos portadoras das mesmas
preocupações. Emmi Pikler fundou e dirige essa instituição des-
de 1946, após ter trabalhado como pediatra de família por 10
anos; Myriam David e eu havíamos concluído uma pesquis
conduzida na Fundação Parent de Rosan, no serviço de Jenny
Aubry em relação com a equipe de John Bowlby, sobre as carén-
cias de cuidados maternos, e acabáramos de publicar, no quadro
da pesquisa conduzida na instituição Amyot, Facteur de car
ces affectives dans une pouponniêre e La relation mere-enfant. ftude
de cing patterns d'interactions entre mêre et enfant à Váge de Lar

DRI RIR RR. 1

| 84 Maternagem Insólita
Digitalizado com CamScanner
O mútuo reconhecimento de nossas competências, assim como
os pontos de convergência nos estimulam, Myriam e eu, a dar
continuidade a essa tentativa de “decodificação” do cuidado
oferecido e, sem dúvida, incitam nossas interlocutoras a nos
escutar. Desta vez tivemos tempo para observar e trocar e isso
se revelou capital. Torna-se claro para nós que a relação adul-
to-criança é objeto de muita atenção da parte de Emmi Pikler e
suas colaboradoras e que um conjunto de meios é acionado para
que um acompanhamento, passo a passo, garanta certa qualida-
de. Se espontaneamente isso não provoca um questionamento é
porque se trata de uma “evidência”. É possível cuidar de crianças
pequenas de outra maneira? Atitude evidente para essa equipe,
porém pouco comum e difícil de ser instaurada.
Em paralelo, a importância para o bebê do movimento livre,
que permanece para nós nessa etapa difícil de apreender plena-
mente, retorna de maneira recorrente. Emmi Pikler expõe sua des-
coberta: sem nenhum ensinamento nem ajuda, um bebê acolhido
em condições físicas e afetivas favoráveis passa, ele próprio, da
posição dorsal para andar na posição de pé. Suas pesquisas des-
crevem minuciosamente o desenrolar do processo com as etapas
intermediárias, assim como o desenvolvimento da manipulação
que espontaneamente se inscreve aí. Ela tem certeza de que a
criança ganha com esse desenrolar espontâneo de suas compe-
tências no plano afetivo e cognitivo. Apaixonada por esse tema,
nada mais legítimo que ela retorne a ele com frequência. Contu-
do, compreendemos que isso ultrapassa amplamente o único inte-
resse científico. Para Emmi Pikler, essa liberdade motora é, junto
com a relação, a pedra angular do cuidado. Isso se traduz pela
alternância minuciosamente regulada dos tempos de cuidados
próximos e íntimos, em que a criança goza aqui também de certa
liberdade, e do tempo de brincar do bebê com ele mesmo, estando
à uma pequena distância do adulto. No momento, é o que pode-
mos perceber. Ainda nos serão necessários muitos anos de trocas
para que possamos compreender plenamente a contribuição para
o bebê dessa liberdade psicomotora, sua influência na relação que
se tece com a sua cuidadora e a especificidade desta.

Seg aero o ai! eae me LT ND dp O Nana

Posfácio 185

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Emmi Pikler e Judit Falk aceitam nossas reticêr
questões por vezes incisivas sem conduta defensiva com
forço visível para “fazer algo disso”. A pertinência das re VIC
trazidas, por vezes no dia seguinte ou dois dias depois, mz: «rm
pre fundadas em fatos precisos e em uma reflexão aprof
ITrbads
não poderiam deixar de reter nossa atenção. Essas 4 lerância
seriedade e tenacidade suscitam nossa confiança, q
mas vermes
e
marcada de aborrecimento por essa ancoragem perma Neri r
ib
concretude, uma certa admiração!
Dessa maneira, ao cabo de duas semanas nasce um
Prazey em
trabalhar junto, uma estima recíproca. Embora não « Tyr 4
HOduzam
ligações com nossas teorias de referência, notadamente com a
psicanálise, consideramos que não há antinomia. Se n; ) tem |
x
uma resposta no que se refere à erradicação das carén
Cias, 4 Tua
a certeza de que há nesse lugar uma “realidade” que
Merece Tê.
flexão e transmissão.
Das duas partes existe o desejo de dar continuidade a essas
trocas. Ainda não sabemos que está começa
ndo o tempo de uma
rica e frutuosa colaboração que irá nos ultrapassar, nós mes
tas
e as nossas fronteiras!
Durante esses quinze dias, ficamos centradas no trabalho
com as crianças realizado na Instituição. Só posteriormente pro-
curamos conhecer melhor as duas outras funções que nesse mo
mento apenas vislumbramos:
— atividades de pesquisa: pesquisas centradas nos processos de
desenvolvimento do bebê e nas implicações de seus resultado
nos cuidados e no funcionamento institucional: pesquisas fun
dadas em observações “naturalistas” sem que nada seja mad
ficado na vida das crianças para fins de pesquisa nem que cias
fiquem submetidas a situações experimentais; pesquisas acom»
panhadas de um estudo bibliográfico, em cinco linguas. trabe
lhos conduzidos sobre os mesmos temas em outros paises
— atividades de formação: formação e suporte permanente de
pessoal no cerne da instituição de acolhimento, com uma dner
sidade de meios. Formações em escolas profissionais e, a portirde
1971, em outras instituições de acolhimento do pais, atendente —

ER se a

[86 Maternacem Insólira


Digitalizado com CamScanner
; demanda do Estado. Para o ensino, a Instituição possui uma
aca coleção de escritos e fotografias. Emmi Pikler deseja ofere-
cet uma representação visual daquilo que procura demonstrar.
Desde 1946, sua amiga Marian Reismann após ter fotografado
ne”

crianças de famílias que acompanhava como pediatra, fotografa


a da instituição. Rapidamente Emmi Pikler e suas colaboradoras
msmoduzem filmes.
po

Com o berçários, tema do livro, pesquisas e formação cons-


"gucm três funções essenciais, estreitamente coordenadas, cada
TT

uma estando a serviço das duas outras. A existência desse trípti-


co só confirma aquilo que Myriam David e cu mesma tínhamos
experimentado, tanto em Parent de Rosan quanto na instituição
Amvot. Tríptico tão importante naquilo que traz de abertura,
estímulo ao pensamento e à reflexão, o que nos parece deve ser
sempre colocado em prática em toda instituição que quer evitar
sore

os efeitos devastadores da rotina cotidiana.


Prosa

História do livro
De volta à França, manifestamos o desejo de testemunhar
sobre a originalidade do funcionamento dessa instituição de
acolhimento. A parte descritiva é a mais simples. Sintetizar a
onginalidade desse cuidado e analisar os seus efeitos já é mais
complexo. O método comparativo nos ajuda. Confrontamos o
que vimos em Lóczy com aquilo que assimilamos no âmbito
de nossas pesquisas. Assim, escrevemos o último capítulo “Dis-
cussão dos resultados” como uma espécie de “análise crítica”.
Comudo, faz falta uma conceitualização que permita ao leitor
perceber a coerência que existe entre os múltiplos componentes
desse cuidado e lhe confira, do nosso ponto de vista, esse poder
estruturante para a criança. Faltam igualmente os grandes ei-
15 sobre os quais essa equipe se apoia para tomar as múltiplas
decisões, anódinas em aparência e, no entanto, tão importantes
é presentes todos os dias em uma instituição a respeito de uma

É sego qo asteras se vefesero àu trabalho realizado diretamente com as crianças no Instítuto e não às
Aemuaas comi vtador destenpecthas pelos profissionais que lá atuam.

OMARA
pega DO UMa ride

Posfácio 187

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criança; decisões a serem tomadas sem reduzir essa coerência, ag
mesmo tempo preservando a inventividade. Nós relemos discus.
sões, observações, discutimos, a Myriam e eu, O que cada uma
selecionou e conseguimos formular “Quatro princípios direto.
res”. É um desses momentos fortes, no qual se tem a impressão de
ter organizado suas ideias, umas em relação às outras, momento
em que o mosaico se torna um conjunto harmonioso mais fácil
de compreender, posto que ganha sentido.
Uma questão de imediato nos vem à cabeça: 0 que pensa.
rão as nossas interlocutoras? Não podemos correr o risco de trair
ou deformar o pensamento delas, muito menos introduzir erros
na descrição da instituição. Então, submetemos toda a primeira
parte do livro a Emmi Pikler e a Judit Falk. A resposta é rápida ç,
exceto algumas correções de detalhe, muito positiva quanto às
questões de fundo. Ficamos contentes.
Germaine Le Guillant, redatora-chefe de Vers Véducation nou-
velle, propõe a publicação nas Editions du Scarabée (CEMEA). Isso
não é por acaso. Ela é uma entusiasta de novidades sobre a ativi.
dade espontânea de bebês e diante daquilo que percebe comoa
transposição para os muito pequenos do respeito pelos processos
de aprendizagem, tais como os que a educação nova os concebe.
Myriam David propõe o título do livro: Lóczy ou a maternagem

E fudido
insólita, Emmi Pikler aceita redigir o prefácio. Estamos em 1973.
O livro não é muito bem acolhido entre os nossos colegas
pedopsiquiatras, psicólogos, pediatras. Por ele se interessam os
aa ae dadd
educadores de crianças pequenas, puericultoras e auxiliares de
puericultura. Responsáveis de creches, equipes de instituições de
acolhimento, grupos de estudantes em EJEs [educação de crian-
ças pequenas] vão visitar Lóczys. Seminários ocorrem na região
de Val-de-Marne que se mostra receptiva a esse olhar sobreà
criança. Conduzidos por Judit Falk e Anna Tardos, para elaséa
ocasião de expor seus conhecimentos sobre múltiplas pequenas
——
3 Éducateur de Jeunes Enfants é um Certificado profissional obtido após dois anos de formação em
educação de crianças pequenas.
6 Os primeiros grupos a irem a Budapeste foram a equipe do Instituição de acolhimento da Cruz
Vermelha de Beauvais (1976), os alunos da escola de EJE de Aubervilliers (1977) e equipes do
Val-de-Marne, de creches e instituição de acolhimento.

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etapas do desenvolvimento do bebê. Ilustrados por fotografias «
filmes, esses seminários nos fazem tocar, “com os olhos”, a deli-
cadeza da observação delas. A organização da vida institucional
também faz parte dos temas.
Por iniciativa dos CEMEA” Judit Falk apresenta dois filmess no
Institut Pédagogique, rua de "Ulm, em Paris, em 1975. No ano se-
guinte, Emmi Pikler e Judit Falk vêm a Paris para conferências na
Unesco, no Centre Alfred-Binet e no Institut de Puériculture, de-
pois, em 1979, no Instituto Húngaro; Anna Tardos se junta a elas.
Todas essas ações só atingem um grupo restrito. Trocas apai-
xonantes ocorrem, revelando o quanto as proposições “pikle-
rianas” revolvem ideias comumente emitidas sobre a criança
pequena e o quanto o “estranhamento” das práticas em Lóczy
desconcerta, da mesma maneira que nos desconcertou.
Progressivamente, pudemos ter a dimensão do quanto essa
psicopedagogia da primeiríssima infância necessita ser elabora-
da através de múltiplas trocas para ser assimilada em profundi-
dade, e que as transformações que dela implicam sejam feitas
com sabedoria.
Já de longa data Emmi Pikler e Judit Falk estão em rela-
ção com outros: nos Estados Unidos com Magda Gerber, na
Alemanha com fisioterapeutas e alunos de Elsa Gindler e na
Bélgica, Espanha, Itália com educadores. Rapidamente o livro
é traduzido para o espanhol e italiano, mais tarde em alemão,
inglês e húngaro.

Integração na clínica
Não posso me contentar com o livro. O que penso ter compre-
endido sobre as ideias de Emmi Pikler precisa passar pela prova
da realidade. Nessa época, sou psicóloga na creche de estudantes
dirigida por Colette de Saint-Sauveur. Graças à abertura de espí-
rito da equipe, acionamos certos funcionamentos institucionais

7 CEMEA é uma associação de educação popular e organismo de formação profissional do Movimento


de Educação Nova.
8 Indépendamment tout seul e Moi-même.

Posfácio 189

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descobertos em Lóczy, que nos parecem adequados para resolver
dificuldades até então sem respostas. Os resultados são espeta-
culares. Não se trata de receitas prontas, mas de meios concretos
para acionar o acompanhamento de cada criança o mais próxi-
mo do que compreendemos sobre suas necessidades. Acompa-
nhamento fundado em uma “atitude observante” que havia sido
estabelecida anteriormente.
É confortada por esse trabalho na creche que vislumbro re-
tornar à Assistência Social da criança e aceitar o posto
de psi.
cóloga na instituição de acolhimento do Foyer de Venfance
du
Val-de-Marne, em Sucy-en-Brie. Então eu percebo as proposições
de Lóczy como sendo um instrumento eficaz quando
acre sci-
do dos que eu dispunha anteriorme nte. Os profissionai
s que me
acompanham nessa estrutura que se instala, Patricia Morisset,
puericultora diretora, e Marie-Claude Leroux, pediatra, assim
como os auxiliares e educadores de crianças pequenas aceitam,
dubitativos no começo e em seguida cada vez mais interessados
ao se engajarem naquilo que proponho. Locais, equipame
ntos,
plano de equipe, desenrolar das jornadas c a vida institucio
nal se
elaboram em torno das concepções de Emmi Pikler,
Só mais tarde compreendi o quanto o trabalho de
reflexão
realizado com Myriam David, quando da
escrit a do livro, me
ajudou a dar sentido às minhas proposições quando da transmis-
são para os outros.
O respeito pelo movimento e atividade espontânea da crian-
ça é instaurado facilmente, não de maneira “perfeita”, mas mes-
mo assim o efeito benéfico sobre o seu desenvolvimento se faz
rapidamente sentir. Contudo, só ulteriormente tivemos a plena
dimensão do seu impacto profundo na estruturação da persona-
lidade do bebê e na qualidade das relações que a criança cons-
trói com os adultos. Sobre isso seremos ativamente ajudados por
Agnes Szanto, doutora em psicologia, aluna de Pikler, que vem
trabalhar na instituição. Da mesma forma serão necessários mui
tos anos de reflexão com nossas colegas húngaras e com outras
profissionais, como Myriam David para compreender em pro-
fundidade a natureza particular da relação cuidadora-criança€

MESES» TE 2d coma tom

190 Maternagem Insólita

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desenvolver as condições necessárias para o seu desabrochar, da
mesma forma que a sua “regulação”. Ligação diferente da relação
mãe-criança, pai-criança e de qualquer outro vínculo familiar
e, no entanto, próxima pelas emoções que um bebê suscita no
adulto/cuidador e que mobilizam os recursos que este deve bus-
car nele para ir ao seu encontro.
Nessa época, outros profissionais em creches e instituições de
acolhimento se aproveitam das proposições lóczyanas integran-
do-as em suas reflexões e práticas anteriores. Suas utilizações clí-
nicas são fundamentais para que essas ideias permaneçam por-
tadoras de dinâmicas de cuidados construtivistas.

E depois...
1984, criação da Associação Pikler-Lóczy da França, Por uma
reflexão sobre a criança».
Essa criação, por iniciativa de Agnês Szanto com um peque-
no grupo de profissionais, é ao mesmo tempo uma abordagem
para apoiar o Instituto Pikler em seu próprio país e uma resposta
à demanda crescente de informação e formação na França. A
associação propõe: estágios, jornadas científicas, tradução, con-
textualização e difusão de artigos e filmes. Ela também organiza
grupos de trabalho para aprofundar a compreensão das ideias de
Emmi Pikler, tendo em vista outras correntes de pensamento:
psicanálise, psicologia, genética e outras. Ela se engaja, junta-
mente com a equipe húngara, em produções comuns, artigos,
filmes e a preocupação com o futuro da transmissão e com a
educação de formadores.
Dois seminários internacionais são organizados, um em Es-
nicux (Bélgica) em 1985 por colegas belgas, outro em Noszvaj
(Hungria) em 1991 pelo próprio Instituto Pikler.
Às décadas de 1990 e 2000 vão trazer três evoluções de grande
importância:

7 Association Pikler-Lóczy France. Pour une réflexion sur Venfant. Presidida por Genevitve Appel
(1964-2002), pela Dra, Françoise Jardin (2002-2007) e depois, em 2007, pelo Pros. Dr, Bernard Guolse,
Dirigida por Miriam Hasse. 20, rue de Dantzig, 75015 - Paris, té: 01 53 68 93 50.
Nota do tradutor: Atualmente, à diretora é Catherine Peyrot.

Eme mr ca ni 6 P rea

Posfácio 191

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- ampliação das pessoas interessadas. De um lado € discutida 3
oportunidade de transmitir essas ideias aos pais e os meios para
isso como lugares de acolhimento bebê-pais; de outro, pessoas de
outros lugares, além das creches ou instituições de acolhimento,
que se interessam pelo tema: proteção materno-infantil, centro;
maternos, serviços de neonatologia, estruturas para Crianças

PN
portadoras de deficiências e mesmo para equipes de instituições

DT NDT DA
que cuidam de adultos dependentes.
— uma nova orientação da atenção prestada às contribuições
de Emmi
Pikler e de suas colaboradoras se impõe. Desta ve Z, pedops
iquiatras,
psicólogos em número mais significativ pro
o curam utilizar esses

NE
novos enfoques sobre o cuidado e acompanh
amento. M as, Sobre-
tudo, após terem ficado sensibilizados pelo asp
ecto institucional
inovador, os especialistas são estimu
lados pelas contribuições que
os “bebês de Lóczy”, tendo cresci
do nesse contexto tão particu.
lar, trazem para a nossa compreensão dos pro
cessos dos prime iros
desenvolvimentos. Este é um momento capital , as
pesquisas do
Instituto Pikler sobre os grandes movimentos,
a manipulação, as
diferentes formas de atenção, a aquisi
ção do controle esfincteria-
no, as relações dos bebês entre eles etc., são
então objetos de (re)
leituras, apresentações, debates e grupos de trabalho.
Essa junção com a pedopsiquiatria, da qual Myri
am Davidé
uma das principais artesãs, é frutuosa. Ela dá lugar
a uma série
de trocas ricas, franco-francesas, franco-húngaras e enfim
in-
ternacionais. Citemos de memória o colóquio APLF-GERPENs
sobre “Valor de observação no acompanhamento do primeiro
desenvolvimento da criança: que observação?”. Ele ocorreu em
1987 em Paris, com ares de precursor. As jornadas de março de
1994 “Do corpóreo ao psíquico” em Paris são dedicadas ao con:
fronto do corpo de ideias subjacentes ao trabalho do Instituto
Emmi-Pikler com outras teorias, notadamente as de Winnicott
Após essas jornadas, grupos de estudos passam a trabalhar. Por
iniciativa do Prof. Serge Lebovici, eles apresentam suas reflexões
pa

em fevereiro de 1996, no contexto de um simpósio europeu em


pa mit dl co Di

10 GERPEN: Groupe d'études et de recherche pour la psychanalyse de Venfantet du nourrisson


po Di

Digitalizado com CamScanner


Budapeste, “A criança autora do seu próprio desenvolvimento”,
em seguida o Congresso internacional de psiquiatria do bebê em
Chicago e em Tampere (Finlândia), organizado pela WAIMHn,
Os membros do Instituto Pikler expressam o enriquecimento
e o estímulo que encontram em suas ações. Sobre diversos pon-
tos, falamos de afinidades mútuas de pensamento;
Ameaças pesam sobre o futuro do Instituto Pikler. Uma mudan-
ça de orientação política na direção da primeiríssima infância
conduz às autoridades húngaras a pensar no fechamento das
instituições de acolhimento. A isso se acrescentam reestrutura-
ções administrativas que atingem o Instituto Pikler e ameaçam
fazê-lo desaparecer. Considerando que existe uma comunidade
internacional convencida do valor do trabalho clínico e cientí-
fico buscado nesse lugar, parece urgente mobilizá-lo. Em 1997, é
criada a Associação Internacional Pikler (Lóczy)12.
Essa associação busca e recolhe fundos destinados ao Instituto
Pikler. Ela apoia as atividades de formação dispensadas no Institu-
to, garante as atividades de informação. Ela edita um boletim que
informa seus membros sobre esses resultados e fornece as novida-
des sobre a difusão das ideias de Emmi Pikler em diferentes países.
Durante essa mobilização, Bernard Martino começa a filmagem
do seu filme, Lóczy, uma casa para CRESCER, que estreia em 1999,
seguido de seu livro Les enfants de la colline des rosei3 em 2001.

O que se tornou o Instituto Emmi Pikler ao longo desses


anos? (entre 1968, quando da primeira visita, e 2008)
Algumas datas
1971: a instituição torna-se Instituto piloto para outras insti-
tuições de acolhimento e muda seu nome para “Instituto meto-
dológico das instituições de acolhimento para crianças peque-
nas”, Com essa função a equipe fica encarregada de um trabalho

LH WAIMH: World Association for Infant Mental Health.


12 AJP(L), Sécrétalre Générale Raymonde Caffari, Chemin de Grand-Vennes 3, 1010 - Lausanne - Suiça;
sede: Istvan Szanto, 2ter, rue de la Cerisale, 92310 - Sêvres - França, tel. 01 46 26 26 52,
13 Bernard Martino, Lóczy, une Maison pour GRANDIR, 1999 VHS e 2007 (DVD + bonus), produção
Association Pikler-Lóczy France. Les enfants de ta colline des roses, Paris, J.-C. Lattês, 2001.

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novo, ao mesmo tempo pesado e apaixonante: visitas regulares
a outras instituições de acolhimento com ações de formação,
organização, no Instituto, estágios individuais de observação,
redação e distribuição de textos metodológicos, organização de
reuniões, consultas e jornadas anuais.
1972: o serviço das “amas de leite” não é mais usado.
1976: devido à passagem da duração do trabalho semanal de
48h para 40h, o número de cuidadoras de um grupo passou de
três para quatro.
1979: Judit Falk, agora diretora, introduz um trabalho mais
intenso com os
pais e o confia à sua adjunta, Maria Vi
incze. O
Instituto busca facilitar o restabelecimento ou
à continuidade do
elo entre a criança e seus pais, estando ao mesmo tempo atento
para protegé-la contra as dificuldades que se manifestam duran-
te ou após os encontros.
1983: com a finalidade de evitar uma mudança de institui-
ção, as crianças, cujo futuro não pode se r acordado de maneira
segura na idade de 3 a 4 anos recebem autorização das autorida-
des tutelares para permanecer no Instituto até O mome
nto da en-
trada na escola primária. Essas novas missõe s int
roduzem uma
dimensão que enriquece o campo da experié ncia do Instituto e
o saber psicopedagógico da equipe.
1986: 0 Instituto recebe o nome da sua fundadora e se torna
“Instituto Pikler”.
1991: Gabriella Púspôóky é nomeada diretora.
1998: 0 estatuto
jurídico do Instituto Pikler é modificado.
De serviço do Estado, ele se torna fundação pública do Estado.
Embora continuando a dispor dos mesmos terrenos e locais, assim
como de um valor de diária por criança acolhida, ele se vê privado
de cerca da metade dos recursos necessários ao seu funcionamen-
to. Conjuntamente a essa transformação, Anna Tardos é nomeada
diretora do Instituto e Gabriela Púspóky, diretora adjunta.

Dando continuidade às atividades que se tornaram tradicionais


Ão longo dos anos, o múmero de crianças institucionaliza-
das vem diminuindo assim como o numero de vagas. As causas

194 Maternagem Insolta

o
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da institucionalização vêm mudando, as crianças chegam com
mais idade e algumas permanecem mais tempo. Elas vêm de
suas famílias de origem ou diretamente do hospital, com uma
pesada vivência de sofrimento. À porcentagem de bebês nascidos
com pouco peso é mais importante. O número de bebês com
deficiência aumenta.
O hábito de reunir egressos, cada ano, na primavera se per-
petua e faz sucesso a ponto de não parar de crescer. As crian-
ças esperam por isso e costumam vir com seus pais - biológicos,
adotivos ou de acolhimento. Antigos companheiros de grupo se
encontram. Adolescentes ou jovens adultos vêm acompanhados
de seus namorados ou namoradas para lhes apresentar a casa,
onde eles cresceram e as pessoas que os conheceram quando
eram crianças. Como as cuidadoras atuais e antigas participam
dessas reuniões, os encontros acontecem manifestadamente de
maneira prazerosa. Após essas reuniões ou independentemen-
te delas, alguns egressos solicitam condições mais privativas de
visitas ao Instituto.
A equipe de Lóczy responde a numerosas demandas de for-
mação no próprio Instituto, de diversos países europeus e fora
da Europa. Assim se ampliaram as trocas com uma grande di-
versidade e um número rapidamente crescente de profissionais
na Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Holanda, Itália, Suíça,
outros países da Europa, América do Norte e do Sul, Atualmente
existem 13 associações Pikler.
Para facilitar os encontros e enriquecimento mútuo, o Instl-
tuto Pikler, sob a direção de Anna Tardos, organiza novamente
dois simpósios em Budapeste: em 2003 “Crescer sem violência”
e em 2007 “Sentir, compreender, observar, transmitir”. Com tra-
dução simultânea em quatro línguas, eles reúnem cerca de 300
pessoas de vinte e um países. Conferências e ateliês reveladores
dos diferentes ângulos de apreensão das ideias de Emmi Pikler
em função de cada país, mas também da diversidade de setores
de atividades nas quais elas são utilizadas.

34 Bernardo Martino, bônus do DVD Une Maison pour GRANDIR.

pasa = rep porn PAES Ape

Postácio 195

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Abertura de novas atividades clínicas

Novas atividades clínicas são estabelecidas sob os mesmos


princípios de base e sempre com a mesma importância atribuída
à formação e ao acompanhamento das cuidadoras.
Em 2002, um, depois dois e em seguida sete grupos de acolhi.
mento bebês-pais foram abertos para crianças ao longo dos seus

DSd
dois primeiros anos. Em um espaço especialmente preparado,

diiiin
de seis a oito bebês são deixados livres para que cada um Siga a

Crnd
atividade de sua escolha sob o olhar de sua mãe, na maior parte

daé
das vezes, mas também do pai ou de ambos. Duas profissionais
através de intervenções discretas mantêm ao mesmo tempo o

aca
bem-estar das crianças e o interesse dos pais. O objetivo é fa-
zer com que os pais percebam todas as potencialidades do seu
filho, assim como sua capacidade de exercê-las sozinho em um
ambiente adaptado e não longe da sua presença atenta, porém
respeitosa. Tempos de diálogo são previstos, independentes do
tempo dos grupos.
Em 2006, vimos a abertura de uma seção da creche para uma
dezena de crianças com idade entre 1 e 3 anosis. O sucesso foi
tamanho, que uma segunda seção é aberta em 2007.
Em 2008, está prevista a abertura de um lugar de consulta
para os pais.

E a vida continua...

No nosso livro, falamos do “método Lóczy” e me arrependo.


A palavra método é redutora em vista de novos conhecimentos
e pistas de trabalho que a obra de Emmi Pikler e de suas colabo-
radoras nos traz e nos oferece. A dificuldade está em encontrar
TM in

o termo satisfatório para defini-lo. Em 1993, René Clément su-


geria que a sociedade elaborasse coletivamente “uma filosofia
a mitictanisaad
ira bia A

clínica do humano fundada no saber compartilhado de realida-


des psíquicasis”. Emmi Pikler seria uma das primeiras autoras!
asa

15 Na Hungria, a maior parte das mães utiliza durante o primeiro ano do seu filhoa licença matemidade.
possível até os seus 3 anos. Dessa maneira, a criança entra na creche com cerca de 1 ano.
16 Rent Clément. Parents en souffrance. Paris: Stock-Laurence Pernoud, 1993.

PAREDE ASS E «PRA; Dee tn pa

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Myriam David, em 1996, falava da “arte do cuidado” e para.
ela, as cuidadoras de Lóczy eram verdadeiras artistas!?. Bernard
Golse e Agnês Szanto-Feder, por sua vez, escolheram Paradigma
para título de um livrors,
Filosofia, arte, paradigma? É tudo isso ao mesmo tempo. En-
contramo-nos diante de um conjunto que eu decomporia facil-
mente em quatro elementos:
- uma representação da criança: cada uma como um ser único, de-
pendente do adulto para a sua sobrevivência e, ao mesmo tempo,
portadora de uma força de desenvolvimento dotada de habilidades
que a tornam uma parceira ativa em suas interações com o seu am-
biente humano e físico e autora do seu próprio desenvolvimento.
- um corpo de conhecimentos explorando até em suas micro-eta-
pas, o desdobramento do desenvolvimento nos seus diferentes
campos levando em conta os processos de aprendizagem € pro-
pondo em função desses dois primeiros pontos, respostas refleti-
das da parte do ambiente;
— uma atitude de base no adulto feita de confiança e respeito pelo
desenvolvimento próprio de cada criança. Não é apenas a criança
que é respeitada, mas o próprio processo do seu desenvolvimento
e os caminhos de sua aprendizagem: seu modo de “ser bebê”. Isso
leva a um exame original do cuidado/educação e a uma pesquisa
permanente sobre o seu ajustamento para cada criança. À respon-
sabilidade do adulto não é menor que a de uma visão habitual
de “criação” de um bebê, mas seu posicionamento em relação à
criança é diferente. Um posicionamento que seja fonte de prazer
tanto para um quanto para outro de ambos os parceiros e evite essa
relação de força que se insinua tão facilmente entre uma criança e
seu cuidador, seja qual for a estrutura na qual se encontram.
— um conjunto institucional, “Lóczy”, pensado nos seus detalhes
pode acolher, em coletividade, bebês privados de suas famílias
ao possibilitar um “tecer” tão harmonioso quanto possível dos
elementos acima.
17 Myriam David, em Bernard Martino. Une Maison por GRANDIR, op.cit.
18 Agnês Szanto-Feder (dir.). Lóczy: un nouveau paradigme? L'Institut Pikler dans un miroir à facettes
multíples, Paris: PUF, col. « Le fil rouge », 2002.

Posfácio 197

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É em relação aos três primeiros elementos que nos referimos
quando falamos de proposições “piklerianas” disponíveis para
múltiplas utilizações, ao passo que falamos com facilidade de
proposições “lóczyanas” quando acrescentada a dimensão insti-
tucional e coletiva.
Se em vários países, as proposições de Emmi Pikler e suas co-
laboradoras existem, embora retomadas em contextos diferen-
tes, é claro que pontos sombrios permanecem sobre a sua com-
preensão. Essa pode ser superficial e se contentar com alguns
empréstimos de práticas, que se tornam receitas vazias do sen-
tido profundo que levou à sua elaboração. Então, elas perdem
totalmente o interesse.
Também se constata
que certas dimensões passam parcial-
mente despercebidas desequilibrando assim o cuidado oferecido.
Explico-me: parece-me que na França é necessário aprofundar
e melhor compreender os caminhos pelos quais essas crianças
educadas em instituição desenvolvem a capacidade de se expres-
sar sobre elas mesmas, a serem empáticas com o outro, a res-
peitar as regras da sociedade na qual vivem e ao mesmo tempo
conservando seu livre arbítrio e liberdade de pensar. Em outros
termos, como se constrói a socialização sem alienação, ou ainda,
como se opera a orientação de suas pulsões sem oposição repres-
siva da parte do adulto, sem que seja ferida essa imagem que
estão construindo delas mesmas, nem obliterando o lugar que
estão tentando encontrar no seio do grupo sentindo-se gentil
e apreciada? Construção de sua história, de sua identidade? O
princípio diretor nº 4, que provavelmente ainda não consegui-
mos precisá-lo, embora espalhado por toda parte, o tempo todo.
Ao iniciar este posfácio, eu pedia ao leitor para que ficasse
atento à importância que podem ter os detalhes. Penso que ele
compreendeu que sem as respostas minuciosas de Judit Falk,
quando do nosso primeiro encontro, nunca teríamos ido à
Lóczy, Malou Klein e eu. Ora, se pudemos perceber suas respos-
tas como sendo pertinentes em relação ao nosso conhecimento
de bebês, é porque eram precisas, refinadas e detalhadas! Eu já
disse isso, elas nos obrigaram a ficar atentas. Quarenta anos mais

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tarde, com a chegada de uma nova geração de colegas na posição
de “transmissores” é a essa partilha de detalhes no conhecimen-
to do bebê e no conteúdo desse cuidado (educativo/terapêutico)
que eu gostaria de dedicar meus esforços.
Para ser precisa, eu também vou citar alguns: por exemplo,
o adulto observa com cuidado para que a fralda não venha a
limitar os movimentos dos quadris; se o macacão dos bebês está
incomodando os movimentos dos braços de um deles, assim que
a cuidadora estiver disponível ela irá ajeitá-lo e não vai se esque-
cer, quando da próxima troca, de enviá-lo à costureira para que
seja ajustado ao tamanho da criança. Isso também é liberdade
de movimento. Ou ainda retirar uma criança da sua cama para
lhe dar o banho ou de seu cercado para pô-la para dormir não é
feito da mesma maneira. É necessário ficar bem atento porque os
gestos, exatidão, doçura, são os mesmos; a cuidadora procura O
olhar e é sempre bom encontrá-lo, mas alguma coisa na atitude
do adulto muda que permite ao bebê ou lhe permitirá quando
chegar o momento, distinguir que no primeiro caso ele pode se
preparar para um longo momento a passarem juntos, enquanto
que no segundo caso trata-se apenas de uma mudança de lugar
para mais conforto. Não apenas as palavras, mas alguma coisa no
tom de voz, na energia da cuidadora que lhe permite alegrar-se e
começar a se entregar, ou ao contrário de não ficar decepcionado
quando se vê na sua cama. Ele só é deixado na cama depois de
um curto período de tempo de despedida. Operar cada desloca-
mento do corpo do bebê, cada transição de uma coisa para outra,
explicando-lhe pode ser visto como um elemento construtivo de
uma relação confiável? Para mim, sim.
Outro registro: à criança que sujou sua fralda não lhe será
dito que ela está suja, mas que fez cocô — a precisão sempre e sem
julgamento, no qual não há lugar para isso; à criança que pega O
guardanapo da vizinha, o adulto não diz a ela para que não faça
isso, ele lhe oferece um guardanapo limpo. Ou ainda se a criança
deve devolver um objeto que está com ela, este não é retirado
da sua mão, o adulto lhe pede, com a mão estendida, as palmas
abertas. A negociação pode ser longa, o adulto cuidadosamente

pbeso Ages Cu CRC A A ipa vas

Posfácio 199

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aproveita a primeira manifestação de abertura, ainda que pegue.
na, e agradece. Sem crítica, um pedido, uma linguagem falada e
gestual e a criança aprende. De maneira interessante, as Crianças
não são repreendidas, mas sim disciplinadas.
Ainda outro registro: esses gestos não refletidos, tão frequen.
tes, como o de empurrar com a ponta dos dedos a cabeça da
criança para que ela avance. Note o seu efeito na criança e o
imagine em você mesmo. Eficaz? Não. Agradável? Não. Minivio-
lência? Sim. Se observarmos nossos gestos sob esse ângulo, será
que não encontraremos muitas dessas miniviolências?
Estamos falando da atenção dada à criança cuidada individu-
almente e do equilíbrio do grupo. A cuidadora deve realizar os
dois, de onde “a importância do seu olhar circular no periodo
entre os cuidados”. Esses mini-reajustes que ela opera quando
deixa uma criança antes de pegar a outra. Mini-reajustes que são
mensagens anunciadas ou implícitas para as crianças. Que ela
deve se levantar, deitar-se? Que brinquedo dar, aproximar E o
sol, onde está o sol? Tudo isso para que os vinte próximos minu-
tos durante os quais ela vai cuidar de uma criança sejam agradá-
veis e proveitosos para todos.
E tudo isso ao infinito. Para mim, estamos no cerne do bom-
“tratamento, com um hífen como escrevem Danielle Rapoports
e Marie-Jeanne Reichen.
Eu adoraria pesquisar com nossas amigas húngaras como
elas poderiam nos apresentar esses famosos detalhes, o que pa-
rece não ser muito fácil. Como elas também podem nos ajudar
a compreendê-los, o que também não é fácil. Para isso, prec-
samos trabalhar com elas o papel que ocupam e como fazem
em todas as interações diretas e indiretas criança-adulto. Papel
imperceptível e, no entanto, decisivo na elaboração da relação 3
adulto-criança, no desenvolvimento da atividade autônoma do 4
bebê, na elaboração das suas relações com outras crianças, na sua &
percepção dela mesma, na construção de sua identidade, de su
inscrição no grupo etc.
19 9 .
Danielle Rapoport, La bien-traitance envers Venfant. Des racines et des ailes Paris Bela co
* Naitre, grandir, devenir +, 2006

200 Maternagem Insólita

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Imediatamente ligada a essa questão vem a da capacitação do
pessoal para realizar essa tarefa.
É apenas assim, me parece, que poderão ser evitadas as sim-
plificações € deformações que a ameaçam. E também a partir
daí que poderão ser feitas sobre bases precisas todas as reflexões
teórico-clínicas que ainda precisam ser feitas.
Aqui nos encontramos em fevereiro de 2008. Dessa longa his-
tória, Emmi Pikler e Myriam David atualmente estão ausentes.
Outros ainda estão por aqui e, sobretudo, novos estão presentes,
nova geração apaixonada como estivemos outrora. É através de-
ks que o trabalho continua e o prefácio de Bernard Golse à nova
edição deste livro abre perspectivas promissoras, por isso tenho
muito a agradecê-lo.

Cem mira VEDRAS a


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Postício 201

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compra pelo correio a ser endereçada
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Association Pikler Lóczy de Fra
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75015 — Paris ;
ation: 01 53 58 93 53
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5. Textos de autores sobre esses temas
ou temas próximos
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Made Éditions.

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6. Videografia
PIKLER, E, e sua equipe.

1959, La joie du mouvement.


1966. Le plaisir du bain. j
1966. Indépendance — tout seul.
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1967. Plus que du jeu.

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1969. Moi-même.

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1970. La promenade.

Coprodução Associação Pikler Lóczy (Hungria) e Associação


Pikler Lóczy da França
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des jeux.

TARDOS, A.; APPEL, G. (1992). Attentifs Fun à Pautre: le bébé e

Dead sad
Vadulte au cours du bain.

TARDOS, A.; SZANTO, A. (1994). Se mouvoir en liberte.

Instituto Emmi Pikler: dezesseis documentos em vídeo (12 a 29


min.), sem comentários, editados pelo Symposium Européen
de Budapeste, 1996.

Esses filmes estão disponíveis para compra na Associação Pile


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ROBERTSON, James et Joyce:

1952. Laura, un enfant de 2 ans va à Vhóôpital.


1958. À WYhópital avec maman.
1967. Kate, 2 ans 5 mois, en famille d'accueil pendant 27 jours.

1968. Jane, 17 mois, en famille d'accueil pendant 10 jours.

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1969, John, 17 mois, en pouponntêre pendant 9 Jours.
p974. Lucy, 21 mois, en famille d'accueil pendant 19 jours.
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LEMAY, M. Un entretien avec Michel Lemay: Carence affective:


du préjudice à la réparation. Colection parole donnée.
Prodution Anthéa/TNDI de Chateauvallon/ADSEA du Var,
Ressources enfance.

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Toulouse: Erês, mars, 2000.

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Brochuras

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nº 25 — Avec Myriam David: quel accueil pour les jeunes enfant
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partie: enfants de O a 6 mois). Sollicitude, empathie, savoir-faire,
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222 Maternagem Insolita

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