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Luria
Volume II
Sensações e Percepção
Psicologia dos Processos C ognitivos
Tradução de
P aulo B ezerra
Revisão técnica de
H elmuth R. ICrüger
Professor de Psicologia da
uprj e da uerj
civilização
brasileira
Titulo do original em russo:
OSCHUSCHÊNIYA I VOSPRIYATIE
Capa:
DOUNÈ
Revisão:
U mberto F. P into
c N ilo F ernandes
1979
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário
I — Sensações 1
O problema I
A sensação como fonte de conhecimento 2
Teorias receptora e reflectora das sensações 6
Classificação das sensações 8
Classificação sistemática da sensações 9
Tipos de sensações exteroceptivas 14
Interação das sensações e o fenômeno da
sinestesia 15
Níveis de organização das sensações 18
Medição das sensações. Estudos do limiar abso
luto das sensações 21
Estudo da sensibilidade relativa (diferencial) 27
Variação da sensibilidade (adaptação e sensi
bilização) 29
П — P ercepção 37
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I
Sensações
O problema
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Obtém-se resultado semelhante quando, durante algum
tempo, coloca-se o homem numa câmara à prova de som
e luz, que o isola do contato com o mundo exterior e ele
se mantém na mesma posição (deitado) durante certo
tempo. Essa situação a princípio provocava sono, toman
do-se mais tarde dificilmente suportável para os sujeitos
experimentais*.
Inúmeras observações demonstraram que a interrupção
da afluência de informação na tenra infância, suscitada por
surdez e cegueira, provoca bruscas contenções do desenvol
vimento psíquico. Se as crianças que nasceram cegas e sur
das ou perderam a audição e a visão em idade tenra não
receberem educação por métodos especiais, que compensem
esses defeitos à custa do tato, tornar-se-á impossível seu de
senvolvimento psíquico normal e elas não conseguirão desen-
volver-se com autonomia.
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Todas essas teses foram tomadas por base da filosofia
) do “idealismo subjetivo”, por afirmarem que o homem só
) pode conhecer a si mesmo e não dispõe de nenhuma prova
de que existe alguma coisa além dele. Essa teoria idealista
) recebeu o nome de “solipsismo” (do latim solus, só, e ipse,
)
eu próprio: existo só [um] eu próprio).
A teoria do idealismo subjetivo, inteiramente oposta às
) concepções materialistas da possibilidade de representação
) objetiva do mundo (particularmente a “teoria do reflexo"
de Lênin) foi a fonte de um profundo equívoco cuja essên
) cia se torna cada vez mais evidente com as sucessivas con
) quistas da ciência.
O estudo atento da evolução dos órgãos dos sentidos
) mostra de modo convincente que, no processo de um longo
) desenvolvimento histórico, formaram-se órgãos especiais de
percepção (órgãos dos sentidos ou receptores), que se espe
) cializaram em refletir tipos especiais de formas objetivamen
.) te existentes de movimento da matéria (ou “energias”); re
) ceptores da pele, que refletem as influências mecânicas;
receptores auditivos, que refletem as oscilações sonoras; re
) ceptores visuais, que refletem certos diapasões das oscila
ções eletromagnéticas, etc.
Examinemos os dados atinentes à elevadíssima especia
) lização dos órgãos receptores e aos tipos concretos de mo
) vimento da matéria que cada um deles percebe.
A tabela 1 apresenta dados gerais.
) Vemos que entre todos os possíveis tipos de movimen
to da matéria, dispostos em ordem de redução do compri
)
mento da onda e aumento do número de oscilações por
.) segundo, apenas alguns são refletidos por aparelhos altamen
te especializados dos órgãos dos sentidos. Assim, ondas me
)
cânicas de determinado diapasão são percebidas pela pele,
J provocando sensações de tato ou pressão; oscilações sono
ras com onda acima de 12mm de comprimento e freqiiência
) inferior a 20-30 oscilações por segundo e com onda de mais
) de 12mm de comprimento, freqiiência superior a 30000 os
cilações, não são percebidas, ao passo que oscilações sono
) ras com onda de 12-13mm de comprimento e freqiiência de
) 20 a 20000 oscilações por segundo são percebidas pelo ouvi
do humano e provocam sensações auditivas.
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TABELA 1
Característica das influências objetivas,
dos aparelhos perceptivos e das sensações
lógicas 0.0000008- 4. ЮТ
0.0000005 6.1010
5
pasão, o homem perceberia o calor do seu próprio corpo
como sensação visual e transformaria em sensações visuais
as influências que para ele não têm importância biológica.
O mesmo se refere ao funcionamento dos analisadores audi
tivos: se o homem percebesse com o ouvido oscilações ultra-
sonoras, suas percepções auditivas seriam acrescidas de mui
tos ruídos excessivos que dificultariam a distinção de exci
tações sonoras essenciais para ele.
É característico o fato de que os animais têm outros
limites de sensações: o morcego, por exemplo, ao voar na
escuridão e enfrentar obstáculos, o faz através do reflexo
de ondas ultra-sonoras, seu aparelho auditivo lhe serve de
radar e ele percebe oscilações ultra-sonoras que o homem
não percebe.
Assim, na evolução dos organismos surgiram aparelhos
especializados na percepção de diversos tipos de movimento
da matéria (diferentes “energias”) c nós, em realidade, não
possuímos “energias específicas dos órgãos dos sentidos”
mas órgãos específicos que refletem ohfetivamente diver
sos tipos de energia.
O fato de que, quando estímulos inadequados ao olho
ou ao ouvido agem sobre esses órgãos, surge uma sensação
“específica” (visual ou auditiva), alude apenas à alta espe
cialização desses dispositivos perceptivos e à incapacida
de de refletir as influências em cuja recepção cies não
são especializados.
Como veremos adiante, a alta especialização de diversos
órgãos receptores se baseia não só nas peculiaridades da es
trutura dos “receptores” periféricos (órgãos dos sentidos)
mas também na elevadíssima especialização dos neurônios
que integram a composição dos aparelhos nervosos centrais,
aos quais chegam os sinais percebidos pelos órgãos perifé
ricos dos sentidos. Este fato será novamente focalizado
quando abordamos os tipos especiais de sensações.
9
difusas e sempre conservam sua semelhança com os es
tados emocionais.
O caráter elementar e difuso dessa modalidade de sen
sações manifesta-se no fato de que, na Psicologia, não exis
te uma classificação precisa desses fenômenos. Situam-se en
tre as interoceptivas a sensação de fome, a “sensação de des
conforto”, que pode surgir como sintoma inicial de doença
dos órgãos internos, “a sensação de tensão” que surge com
frustração de uma necessidade qualquer e “a sensação de
calma” ou “conforto” que indica a satisfação das necessida
des ou o desenvolvimento normal dos processos viscerais.
Vemos que, em todos esses casos, as sensações intero
ceptivas se manifestam como o ponto intermediário entre as
sensações autênticas e as emoções; apesar de a Psicologia
ainda ter estudado de modo muito insuficiente as manifes
tações subjetivas dessas sensações, incluindo-as no campo das
“sensações obscuras”, o conhecimento destas é necessário
tendo em vista que a sua mudança pode desempenhar pa
pel decisivo para a descrição do “quadro interior da doen
ça” que surge nos estados patológicos dos órgãos interiores
e desempenha papel considerável no diagnóstico das doen
ças interiores (A. R. Luria). Essas sensações não-conscien-
tizadas podem manifestar-se muito cedo, podendo sua ex
pressão assumir formas originais: elas podem aparecer em
forma de “pressentimentos” que o homem não pode for
mular, podem manifestar-se nos sonhos que, às vezes, é
como se anunciassem a doença que está em início (em es
sência, elas apenas refletem mudanças que começaram cedo
e foram pouco conscientizadas, ou seja, mudanças das sen
sações interoceptivas, que surgem em fases iniciais da doen
ça). Elas se manifestam na mudança do estado de espírito
e nas reações emocionais, provocando na criança freqiientes
manifestações singulares no comportamento. Sabe-se, por
exemplo, que uma criança doente, que ainda não tem cons
ciência das mudanças interoceptivas, apresenta indícios de
mudança geral de comportamento, ou começa a acalentar e
dar remédio a uma boneca “doente", refletindo deste modo
mudanças em suas próprias sensações interoceptivas.
A importância objetiva das sensações interoceptivas é
muito grande: elas são fundamentais na regulação da balan
ça dos processos internos de metabolismo ou daquilo a que
se chama homeostase dos processos de troca no organismo.
Os sinais que surgem por via interoceptiva provocam um
comportamento voltado para a satisfação de inclinações ou
para a eliminação dos estados de tensão (“stress”) que po
dem manifestar-se em decorrência de fatores que perturbam
o funcionamento equilibrado dos órgãos internos. Por isto
a consideração das sensações interoceptivas desempenha pa
pel decisivo na parte da medicina denominada “psicossomá
tica”, que estuda a correlação dos processos somáticos e vis
cerais e dos estados psíquicos.
Os mecanismos fisiológicos, com a participação da in-
terocepção, foram minuciosamente estudados por К. M. Bi-
kov e V. N. Tchemigovsky, que descreveram os mecanismos
da atividade reflectora condicionada, que surgem à base de
sensações interoceptivas.
O segundo grande grupo é constituído pelas sensações
proprioceptivas, que asseguram os sinais referentes à posi
ção do corpo no espaço e, em primeiro lugar, à posição do
aparelho de apoio e movimento no espaço. Elas represen
tam a base aferente dos movimentos do homem e desempe
nham papel decisivo na regulação destes.
Os receptores periféricos da sensibilidade propriocepti-
va ou profunda encontram-se nos músculos e superfícies ar-
ticulatórias (tendões, ligamentos) e apresentam formas de
corpos nervosos especiais (corpos de Paccini). As excitações
que surgem nesses corpos refletem as mudanças que ocor
rem na distensão dos músculos e na mudança da posição das
articulações, passam pelos filamentos que compõem as co
lunas posteriores da substância branca da medula espinhal.
As excitações irrompem nas zonas inferiores dos núcleos de
Holl e Burdach e, passando para o lado oposto, avançam,
atingindo os nós subcorticais (do sistema talâmico-estriado)
e terminando na região parietal do córtex do hemisfério, opos
to (particularmente na região pós-central). Por isto o inter
valo entre os condutores da sensibilidade proprioceptiva ou
profunda, em qualquer ponto desta via (afecção das colu
nas posteriores dos núcleos de Holl e Burdach, das .vias con
dutoras ou do córtex da circunvolução pós-central), sem per
turbar a sensibilidade superficial (tátil), leva a perturbações
da sensibilidade proprioceptiva ou profunda cujos sintomas
são perfeitamente conhecidos pelos neuropatologistas. A pes
soa doente não é capaz de determinar a posição do seu braço
(ou perna) no espaço, sente às vezes indícios de mudança do
11
“esquema do corpo” (o tamanho dos membros. ou do corpo
começa a lhe parecer incomum, às vezes intensamente gran
de). É natural que em decorrência da perturbação ou queda
da sensibilidade proprioceptiva (ou profunda), ela comece a
experimentar grandes dificuldades nos movimentos: os im
pulsos que costumam partir dos receptores muscular-articula-
tórios e constituem a base aferente dos movimentos, neste
caso são perturbados e os movimentos, privados do apoio
sensorial, tornam-se in controláveis.
Na fisiologia e psicofisiologia modernas, o papel da pro-
priocepção como base aferente dos movimentos nos animais
foi detalhadamente estudado por A. A. Orbeli, P. K. Ano
khin; em relação ao homem, o problema foi estudado por
N. A. Bernstein.
Ainda voltaremos à análise do papel da sensibilidade
proprioceptiva na construção dos movimentos quando exa
minarmos, em caráter especial, a psicofisiologia dos processos
motores.
O grupo de sensações, que indica a posição do corpo no
espaço, tem entre seus componentes uma modalidade espe
cial de sensibilidade, denominada sensação de equilíbrio ou
sensação estática. Os receptores periféricos dessas sensações
estão situados nos canais semicirculares do ouvido interno,
que estão distribuídos em três superfícies mutuamente per
pendiculares: o líquido que enche esses canais muda de po
sição dependendo da posição do corpo, particularmente da
cabeça, excita células “capilares” específicas que se mistu
ram sob a influência do fluxo desse líquido (endolinfa) e,
deste modo, anuncia as mudanças da posição da cabeça no
espaço. A excitação, que surge como resultado dessas esti
mulações, é transmitida através dos filamentos que compõem
o nervo auditivo como parte especial deste (o chamado ner
vo vestibular) e se dirige às regiões têmpo-parietais do cór
tex cerebral e do aparelho do cerebelo.
Ao contrário dos aparelhos da sensibilidade sinestésica
(profunda), os aparelhos da sensibilidade vestibular estão
estreitamente relacionados com a visão, que também parti
cipa do processo de orientação no espaço. Por isto o cons
tante vislumbramento de excitações visuais (por exemplo,
quando se passa de carro ao longo de uma floresta densa)
pode provocar a sensação de perda do equilíbrio e enjôo.
Sensação análoga (acompanhada da mudança do esquema
do corpo) pode ser provocada também durante um vóo com
rápidas mudanças da posição do corpo no espaço. As mes-
mas perturbações da sensação de equilíbrio podem ser pro
vocadas também por processos patológicos (inchações, por
exemplo) localizados nas regiões têmporo-parietais do cére
bro ou no cerebelo.
O terceiro — e maior — grupo de sensações é consti
tuído pelas sensações exteroceptivas. Estas fazem chegar ao
homem a informação procedente do mundo exterior e são o
principal grupo de sensações que colocam o homem em con
tato com o meio exterior. É justamente entre esse grupo que
se situa o olfato, o paladar, o tato, a visão e a audição.
Convencionou-se dividir todo o grupo de sensações ex
teroceptivas em dois subgrupos: as sensações de contato e
distância.
Entre as sensações de contato, situam-se aquelas nas
quais a ação que provoca a sensação deve ser aplicada ime
diatamente à superfície de um corpo e ao respectivo órgão
perceptivo. O exemplo típico da sensação de contato pode
ser visto no tato e no paladar. É perfeitamente compreensí
vel que os dois tipos de sensação possam ser provocados por
ações à distância.
Entre as sensações de distância, ao contrário, situam-se
aquelas nas quais o estímulo provoca sensações que atuam
sobre os órgãos dos sentidos a partir de certa distância. A
estas pertencem o olfato, e especialmente a visão e a audi
ção. O estímulo situado às vezes à grande distância do
sujeito (por exemplo, o som de uma campainha, a luz de
uma lâmpada) pode provocar sensações mesmo que a fonte
destas esteja distante e as respectivas ações (por exemplo,
ondas sonoras ou luminosas) devam percorrer uma grande
distância antes de que possam atuar sobre os respectivos ór
gãos dos sentidos.
A classificação de todos os tipos de sensações é repre
sentada no seguinte esquema:
Sensações interoceptivas
Sensações proprioceptivas
Sensações exteroceptivas — de contato
(paladar, tato)
de distância ,
(olfato, visão, audição)
3?
)
)
)
) Tipos de sensações exteroceptivas
)
)
capacidade de percepção dos matizes de cor pela pele da
mão ou das pontas dos dedos. Os fenómenos da fotossensi-
bilidade não específica foram descritos por A. N. Leontyev
c outros. Esse autor realizou um estudo preciso no qual a
superfície da mão recebeu luz colorida (verde ou vermelha),
sendo que, neste caso, a temperatura dos raios luminosos foi
igualada por um filtro de água. Após várias centenas de
combinações de determinado sinal colorido com o estímulo
de dor, foi demonstrado que, sob a condição de uma
orientação ativa do sujeito, era possível ensiná-lo a distinguir
os raios luminosos pela pele da mão, embora essa distinção
fosse dúbia e difusa.
A natureza da fotossensibilidade da pele continua obs
cura até hoje, embora se possa supor que ela esteja relacio
nada com o fato de o sistema nervoso e a pele terem sido
originados por um embrião de folha (ectoderma) e na pele
possam encontrar-se elementos fotossensíveis difusos e rudi
mentares que começam a agir com êxito sob condições es
peciais (particularmente sob excitação elevada dos sistemas
subcorticais, palâmicos).
Existem formas de sensibilidade ainda não suficiente
mente estudadas às quais pertencem, por exemplo, o “sentido
de distância” (ou o “sexto sentido”) dos cegos, que lhes per
mite perceber à distância o obstáculo que surge à sua fren
te. Há fundamentos para supor que a base do “sexto senti
do” é a percepção das ondas de calor pela pele do rosto ou
o reflexo das ondas sonoras do obstáculo distante (essas on
das atuam à semelhança do radar). No entanto essas formas
de sensibilidade ainda não foram suficientemente estudadas,
sendo ainda difícil falar dos seus mecanismos fisiológicos.
15
sentido pode estimular ou reprimir o funcionamento de outro
órgão do sentido. Por outro lado, existem formas mais pro
fundas de interação sob as quais os órgãos dos sentidos tra
balham em conjunto, condicionando uma nova modalidade
materna de sensibilidade que em Psicologia recebeu a deno
minação de Sinestesia.
Examinemos separadamente cada uma dessas formas de
interação. Os estudos efetuados pelos psicólogos (particular
mente o psicólogo soviético S. V. Kravkov) mostraram que
o funcionamento de um órgão dos sentidos não deixa de
influir no processo de trabalho de outros órgãos dos sentidos.
Verificou-se, por exemplo, que a irritação sonora (um as
sobio, por exemplo) pode aguçar o trabalho da sensação vi
sual, aumentando-lhe a sensibilidade aos estímulos lumi
nosos. Assim alguns cheiros também influem, aumentando
ou diminuindo a sensibilidade sonora e auditiva. Ao que
parece, semelhante influência de umas sensações sobre outras
ocorre no nível das regiões superiores do tronco cerebral e
no tálamo ótico, onde os filamentos que conduzem as excita
ções de diversos órgãos dos sentidos se aproximam, tornando
possível uma realização perfeita da transmissão das excita
ções de um sistema a outro. Os fenômenos do estímulo mú
tuo e da inibição mútua do funcionamento dos órgãos dos
sentidos constituem um grande interesse prático em situa
ções sob as quais surge a necessidade de estimular ou repri
mir artificialmente a sensibilidade desses órgãos (por exem
plo, nas condições de vôo na hora do crepúsculo quando
não há direção automática).
Em Psicologia são bastante conhecidos os fatos da “au
dição colorida", que é acionada em muitas pessoas e se ma
nifestam com nitidez especial em alguns músicos (em
Skryabin, por exemplo). Assim sendo, é fato amplamente
conhecido que os sons altos são considerados “claros” en
quanto os sons baixos são considerados “escuros”. O mesmo
ocorre eom os cheiros, pois, como é sabido, uns são consi
derados “claros” e outros, “escuros”.
Esses fatos não são casuais ou subjetivos; são regidos
por lei, o que foi demonstrado pelo psicólogo alemão Hom-
bostel que sugeriu aos sujeitos uma série de cheiros e pro
pôs compará-los a uma série de tons e uma série de tona
lidades de luz. Os resultados foram muito interessantes e de-
n
moristfaram uma grande permanência; ó que foi mais impor
tante porém é que os cheiros das substâncias cujas moléculas
continham um grande número de átomos de carbono foram
comparados a tonalidades escuras enquanto que os cheiros
das substâncias cujas moléculas continham poucas moléculas
de carbono foram comparados a matizes de luz. Isto mostra
que a sinestesia se baseia em propriedades objetivas (ainda
não suficientemente estudadas) dos agentes que atuam sobre
o homem.
É característico que o fenómeno da sinestesia nem de
longe se difunde em pessoas idênticas. Ele se manifesta com
nitidez especial nas pessoas de excitabilidade elevada das
formações subcorticais. Sabemos que ele predomina nos casos
de histerismo, pode aumentar visivelmente no período de
gravidez e ser artificialmente provocado pelo uso de várias
substâncias farmacológicas (a mescalina, por exemplo).
Em alguns casos, os fenômenos da sinestesia se mani
festam com absoluta nitidez. Um dos sujeitos com manifes
tação muito acentuada de sinestesia, o conhecido mnêmico S.,
foi estudado minuciosamente na Psicologia soviética (A. R.
Luria). Esse homem percebia todas as vozes como sendo
coloridas e dizia freqüentemente que a voz da pessoa que a
ele se dirigia era “amarela e dispersa”. Os tons que ele ou
via lhe provocavam sensações visuais de diversos matizes (de
amarelo-claro a negro-prateadò ou violeta). As cores perce
bidas eram por ele sentidas como “sonoras” ou “surdas”,
como “salgadas” ou “estaladas”. Semelhantes fenómenos são
encontrados em formas mais obliteradas com muita freqiiên-
cia como tendência direta a “pintar” os números, dias da se
mana, nomes dos meses em diferentes cores.
O fenômeno da sinestesia representa grande interesse
a psicopatologia, onde a sua análise pode adquirir im-
diagnóstica.
As formas descritas de interação das sensações são as
elementares e parecem ocorrer predominantemente no
do tronco superior e das formações subcorticais. No
existem formas mais complexas de interação dos
dos sentidos ou, segundo Pavlov, analisadores. Sabe-
às vezes, quase não percebemos as irritações táteis,
e auditivas isoladamente: ao percebermos os objetos
mundo exterior, nós os vemos com os olhos, sentimos
pelo contato, às vezes lhes percebemos o cheiro e o som,
etc. É natural que isso exige a interação dos órgãos dos
sentidos (ou analisadores) e é determinado pelo trabalho
sintético deles. Esse trabalho sintético dos órgãos dos sen
tidos ocorre com a participação imediata do córtex cerebral
e antes de tudo das zonas “terciárias” ou ("zonas de cober
tura”) nas quais estão representados os neurônios pertencen
tes a várias modalidades. Essas “zonas de cobertura” (a elas
já nos referimos) são as que asseguram as formas mais com
plexas de funcionamento conjunto dos analisadores, as quais
servem de base à percepção dos objetos. Adiante faremos
uma análise psicológica das formas básicas de funcionamento
desses analisadores.
21
Há dois métodos básicos de medição das sensações: o
primeiro deles é o método direto (ou método de avaliação
subjetiva), o segundo, o método indireto (ou método objeti
vo de avaliação dos indícios da existência da sensação).
O método direto (ou método das avaliações verbais das
excitações) consiste no seguinte: propõe-se ao sujeito um
determinado estímulo (um contato de pele, um som, uma
luz) que inicialmente tem uma intensidade mínima que em
seguida cresce paulatinamente. Propõe-se-lhe responder quan
do sentir a primeira respectiva sensação.
Para medir a sensibilidade da pele, aplica-se um dis
positivo especial denominado estesiômetro.
A sutileza da sensibilidade auditiva se mede por meio
de um gerador de som ou audiómetro, que permite definir
sons de intensidade variada, ou por meio de um mecanismo
mais simples no qual o som é provocado pela queda de uma
pequena esfera de diferentes alturas.
A sutileza da sensibilidade visual é medida por um ins
trumento que permite levar ao olho do sujeito, situado em
ambiente escuro, um raio de luz de intensidade variada, co
meçando com um de intensidade baixa ainda não percebida
que aumenta paulatinamente.
A sutileza das sensibilidades paladar e olfativa é medida
por meio de dispositivos especiais que permitem anunciar ao
sujeito crescentes excitações do paladar e do olfato, come
çando por dissoluções mínimas de uma substância saborosa
ou cheirosa com aumento paulatino da concentração dessas
dissoluções.
Variantes simples desses instrumentos são amplamente
empregadas na prática clínica.
O sujeito, com â qual se faz semelhante experimento,
deve observar o momento em que ele começa a perceber pela
primeira vez o estímulo. A excitação mínima, inicialmente
denominada sensação, que o sujeito ressalta no seu relató
rio verbal, denomina-se limiar inferior da sensação. O limiar
inferior das sensações da sensibilidade tátil é expresso em
bares (unidade de pressão), o limiar inferior da sensibilidade
auditiva se traduz em decibéis (unidades de intensidade acústi
ca), o limiar inferior da sensibilidade à luz mede-se em
luxos (unidade de intensidade da luz), etc. Quanto maior é a
agudeza da sensibilidade tanto menor é o seu limiar, em ou
tros termos, a agudeza da sensibilidade é inversamente pro-
porcional aos índices do limiar inferior em unidades de inten
sidade do respectivo estímulo.
I
23
rosas e constituem o limiar superior das sensações auditivas.
A mensuração dos limiares superiores e inferiores das
sensações são de grande importância prática: ela permite dis
tinguir as pessoas de sensibilidade reduzida de um ou outro
analisador, enquanto o sintoma de redução da sensibilidade
pode ser empregado para os diagnósticos da afecção (perifé
rica ou central). Assim, a perturbação da sensibilidade tá
til pode ser sintoma de afecção situada na circunvolução cen
tral posterior do hemisfério oposto ou numa das etapas de
suas vias condutoras. A redução da sensibilidade visual pode
sugerir a afecção da retina, das áreas centrais da via audi
tiva ou da região occipital (a redução da agudeza da visão,
vinculada a ocorrências de estagnação no fundo do olho, é
freqiientemente um sintoma de aumento da pressão craniana
interna, que surge nos casos de tumor no cérebro). A re
dução da sensibilidade auditiva em um ouvido pode indicar
afecção do receptor auditivo periférico (ouvido interno) ou
um foco patológico na área temporal dq hemisfério oposto.
Neste caso é essencial o fato (descoberto por G. V. Gershu-
nii, A. V. Baru e T. A. Karaseva) de que, nos casos de
afecção do lobo temporal, cai acentuadamente no doente a
sensibilidade aos sons breves (cuja duração é de 1 a 5 milisse-
gundos), ou seja, aumentam os limiares da percepção des
ses estímulos. A importância deste fato consiste em que ele
é, amiúde, o único sintoma a indicar a afecção da região
temporal do cérebro.
Não é menos importante a medição dos limiares supe
riores das sensações.
Um exemplo do valor prático dessas medições é o esta
belecimento de limiares superiores das sensações auditivas
nas pessoas de audição difícil.
É sabido que essas pessoas não percebem sons fracos.
Poderia parecer que para a superação desse defeito seria bas
tante aumentar a intensidade dos sons através de mecanismos
de intensificação. No entanto, a intensificação desmedida dos
sons que chegam aos duros de ouvido logo começa a pro
vocar sensações de dor, pois a “zona de conforto” (isto é,
o diapasão em cujos limites os sons começam a provocar
sensações auditivas plenas) é neles muito restrita. Por isto
a medição precisa dos limiares inferiores e superiores das
sensações auditivas permite indicar os limites nos quais se
devem intensificar os sons para que estes conservem o efeito
ASM»’-
2$
surgimemc ¿as mudanças descritas pode servir de indicador
objetivo Óqs Umiares inferiores da sensação,
É dig>io de atenção o fato de que quanto mais intensivo
é ° estímalo tanto mais forte é a reação vascular e eletro-
fisiológica qUe ele provoca. Isto dá fundamentos para em
pregar essis procedimentos com o fim de medir objetivamen
te a iniensdade das sensações, o que foi muito difícil quando
se aplicarían apenas os métodos subjetivos.
Cabe observar que as reações vasculares ou as eletro-
fisiológicas a estímulos mal distinguíveis (“pré-liminares”)
podem ser expressas de modo bem mais acentuado do que
aos estímaos comuns bem perceptíveis. Este fato reflete
objetívamele as dúvidas que o sujeito experimenta quando
se lhe propõem excitações dificilmente perceptíveis e o fun
do emocional em que ocorrem as tentativas de distinguir
nitidaraenU o estímulo dos sons neutros. Por isto a inten
sificação qas reações objetivas às excitações pré-liminares
(mal perceptíveis) pode ser utilizada como importante indi
cador compiementar do diapasão pré-liminar das sensações.
É fácil notar que os métodos objetivos de medição das
sensações £qUi descritos são de importância especialmente sé
rias nos C£SOs em que, por motivos desconhecidos, é impos
sível a obt2nção de dados mediante enquête direta aos sujei
tos (entre crianças pequenas, alguns doentes mentais ou sob
estímulo ir tencionai).
No entanto surge uma pergunta natural: qual é a rela
ção entre cs dados obtidos por questionário direto e os dados
obtidos pel0 estudo de indicadores fisiológicos objetivos? Da
resposta a essa pergunta depende a resposta a outra: sere
mos capazes de empregar com a suficiente fidedignidade índi
ces objetivas como sintomas seguros do surgimento de sen
sações subjetivas?
Pesqui£as realizadas pelo psicólogo soviético J. V. Guer-
shuni mostraram que é norma os indicadores objetivos dos
limiares dc¿ sensações corresponderem com precisão aos li
miares subjetivos, noutros termos, as mudanças descritas das
reações pele-galvânicas e eletroencefalográficas manifestam-se
justamente quando, no sujeito, as sensações subjetivas surgem
pela primeira Vez. As divergências entre os indicadores sub
jetivos e objetivos surgem apenas em alguns casos especiais,
por exempl0; nos estados inibitórios do córtex. Isto ocor
re, por exemp]0) nos casos da chamada queda pós-contusão
da audição ou surdez pós-contusão, que começa como resul
tado do golpe de uma onda de ar.
Entre os sujeitos desse grupo, cujo córtex auditivo en-
contra-se em estado de inibição patológica, a apresentação
de estímulos sonoros não provoca quaisquer sensações sub
jetivas, embora leve ao surgimento das mudanças fisioló
gicas objetivas das reações pele-galvânicas e eletroencefalo-
gráficas. Entre esses sujeitos, a apresentação do som (que o
dcente não registra) provoca um nítido reflexo cócleo-pupi-
lar (compressão da pupila em resposta à excitação sonora).
Essa divergência entre as reações objetivas e subjetivas às
excitações auditivas permitiu a Guershuni lançar a tese se
gundo a qual o homem tem um diapasão subsensorial espe
cial, que indica as reações fisiológicas não-conscientizáveis
e estímulos não sensíveis. À medida da evolução inversa
da doença, os limiares das sensações subjetivas se restringem
paulatinamente e no fim das contas começam a coincidir.
As pesquisas do diapasão subsensorial, realizadas por
Guershuni, são de grande importância teórica e prática para
o diagnóstico de algumas formas do estado inibitório do
córtex.
27
Isto significa que a sensibilidade relativa (ou diferencial)
pode expressar-se em medidas diferentes das que se empre
gam na sensibilidade absoluta. Se a sensibilidade absoluta se
expressa na intensidade de uma excitação mínima que gera a
primeira sensação, a sensibilidade relativa se manifesta no
acréscimo relativo ao fundo inicial, acréscimo esse que é su
ficiente para que o sujeito perceba a sua mudança.
É essencial que essa sensibilidade relativa, que pela pri
meira vez se torna distinguível, se manifeste em números va
riados para os diversos órgãos dos sentidos: para as sensa
ções visuais é bastante acrescentar 1/100 da iluminação an
terior para que a mudança desta seja perceptível; para o ou
vido esse acréscimo relativo deve superar em 1/10 o fundo
sonoro inicial; para o tato é bastante aumentar em 1/30 a
força do contato inicial.
Os pesquisadores tentaram traduzir essa lei numa fór
mula matemática única; esta foi encontrada pelos pesquisa-*
dores (os psicofisiologistas alemães Weber e Fechner) e foi
expressa na fórmula:
P
E = ------ (1)
Др
29
uma dor lancinante, ficamos “cegos” por um instante e é
necessário algum tempo para que os olhos se adaptem à cla
ridade intensa. No segundo caso, observa-se um fenômeno
inverso. Quando passamos de um ambiente intensamente ilu
minado ou de um recinto aberto com luz solar para um re
cinto escuro, inicialmente não enxergamos nada e precisamos
de uns 20-30 minutos para nos orientarmos bem na escuridão.
Isto mostra que, dependendo da situação ambiente (da
iluminação), a sensibilidade visual do homem muda brusca
mente. Como mostraram as pesquisas, essa mudança é mui
to grande e a sensibilidade dos olhos se aguça em 200 mil
vezes quando ele passa da iluminação intensa para o escuro!
A fisiologia conhece bem os mecanismos que servem de
base a essa grande mudança da sensibilidade. No funciona
mento dos olhos há vários mecanismos específicos dessa na
tureza.'Alguns destes, ao distinguirem a claridade, fazem mu
dar a faixa de luz da pupila (a pupila se expande na escuri
dão e se restringe na claridade, podendo mudar sua faixa de
luz em 17 vezes), regulando, desse modo, o fluxo global
de luz. Outro mecanismo consiste em que, na retina, ocorre
um deslocamento do pigmento, que é uma espécie de obstá
culo protetor contra a penetração excessiva de raios lumino
sos na camada sensível. É de igual importância para o au
mento da sensibilidade da retina na escuridão o processo de
restabelecimento da púrpura visual, essa importantíssima subs
tância fotossensível, que faz parte na composição das células
sensíveis à luz. Como mostraram estudos especiais (P. G.
Snyakh), a retina do olho possui ainda um mecanismo es
pecial de “mobilização” de um número máximo de elemen
tos fotossensíveis ativos na escuridão e de “desmobilização”
ou inclusão de um número considerável de elementos fotos
sensíveis na claridade; por este motivo, varia a sensibilidade
da retina em horas diferentes do dia e da noite e inclusive
em períodos diferentes do ano. Por último, ocorrem na reti
na importantes reorganizações funcionais que consistem em
que, sob as condições de claridade (de dia) entram em ação
aparelhos fotossensíveis menos sensíveis — “pequenas ma-
trazes” — que, não obstante, são capazes de distinguir as
cores. Continuam ativos outros aparelhos da retina — os
bacilos, que possuem maior sensibilidade mas não podem
discriminar as tonalidades das cores; é exatamente a isto que
se deve o fato de o homem deixar de distinguir as cores no
crepúsculo, embora sua visão se aguce.
Paralelamente aos mecanismos periféricos de mudan
ça da sensibilidade aqui descritos, existem mecanismos cen
trais que permitem regular a agudez da sensibilidade depen
dendo das condições ambientais. Situam-se entre eles os me
canismos que mudam o tônus do córtex sob a influência dos
impulsos que a estes chegam através dos filamentos da for
mação reticular.
As referidas mudanças da sensibilidade, que dependem
das condições do meio e são chamadas de adaptação dos
!órgãos dos sentidos às condições ambientes, existem também
no campo do olfato, do tato e do paladar (mudança da sen
sibilidade auditiva em condições de silêncio e ruído).
A mudança da sensibilidade, que ocorre segundo o tipo
de adaptação, não é imediata, requer certo tempo e muda
suas características temporais.
■ , O importante é que essas características temporais são
diferentes para os diversos órgãos dos sentidos. Sabemos
perfeitamente que para a visão adquirir a necessária sensibi
lidade no recinto escuro, deve passar-se cerca de 30 minu
tos e só após isto o homem adquire a capacidade de orien
tar-se bem na escuridão. O processo de adaptação dos ór
gãos auditivos é bem mais rápido. O ouvido do homem se
adapta ao fundo ambiente em 15 segundos. Com essa mesma
rapidez, ocorre a mudança da sensibilidade no tato (um con
tato fraco com a pele deixa de ser percebido em alguns
segundos).
São bem conhecidos os fenômenos de adaptação ao ca
lor (adaptação à mudança de temperatura); esses fenômenos,
entretanto, se manifestam com nitidez apenas numa faixa
média, quase não ocorrendo adaptação ao frio intenso ou
. ao calor forte assim como às excitações de dor. São conheci
dos tamb'ém os fenômenos de adaptação aos cheiros. Nestes
casos, a mudança da sensibilidade ocorre lentamente: o chei
ro de cânfora deixa de ser sensível em 1-2 minutos. Ê ca-
. racterístico que a adaptação aos cheiros intensos que provo
cam excitáções de dor (ou incluem o componente trigemi
nal) não ocorre de modo algum.
A adaptação é um dos tipos mais importantes da sen
sibilidade, que sugere uma grande plasticidade do organismo
em seu processo de adaptação às condições do meio.
Sensibilização. O processo de sensibilização difere do
processo de adaptação em dois sentidos. Por um lado, se
no processo de adaptação a sensibilidade muda em ambos os
sentidos, aumentando e reduzindo a sua agudez, já no pro
cesso de sensibilização muda apenas no sentido do aumento
da agudez. Por outro lado, se no processo de adaptação as
mudanças de sensibilidade dependem das condições do meio
ambiente, no processo de sensibilização elas dependem pre
dominantemente da mudança do próprio organismo — de
condições fisiológicas ou psicológicas.
Distinguem-se dois aspectos básicos do aumento da
sensibilidade conforme o tipo de sensibilização: um desses
aspectos tem caráter longo e permanente e depende predo
minantemente de mudanças estáveis que ocorrem no orga
nismo; o segundo tem caráter provisório e depende de in
fluências extraordinárias sobre o estado do sujeito — de
influências fisiológicas ou psicológicas.
Entre o primeiro grupo de condições que mudam a sen
sibilidade situam-se a idade, as condições tipológicas, os
deslocamentos endocrinos e o estado geral do sujeito relacio
nado com a estafa.
A idade do sujeito está nitidamente relacionada com a
mudança da sensibilidade. As pesquisas mostraram que a su
tileza da sensibilidade dos órgãos dos sentidos aumenta com
a idade, atingindo o seu ponto máximo na faixa de 20-30
anos para, posteriormente, decair em termos graduais. Esse
processo reflete o dinamismo geral do funcionamento do sis
tema nervoso do organismo.
As peculiaridades substanciais do funcionamento dos ór
gãos dos sentidos dependem do tipo de sistema nervoso do
sujeito. Ê sabido que pessoas dotadas de um forte sistema
nervoso apresentam grande resistência e estabilidade, ao pas
so que as pessoas dotadas de um sistema nervoso fraco são
dotadas de menor resistência e maior sensibilidade (В. M.
Teplov).
É de grande importância para a sensibilidade a balança
endócrina do organismo. É sabido que durante a gravidez a
capacidade olfativa pode aguçar-se acentuadamente, ao pas
so que a agudez da sensibilidade visual e auditiva decresce.
Devemos, evidentemente, mencionar os fenômenos essen
ciais do aguçamento da sensibilidade, que se verificam duran-
-|j f $
te alguns disturbios endócrinos, como, por exetrijSlo, na hl-
perfunção da tireóide.
Mudanças importantes da sensibilidade podem ocorrer,
por último, em estado de estoja. A estafa, que provoca esta
dos inibitórios (fásicos) do córtex, pode provocar inicial
mente o agravamento da sensibilidade para, em seguida,
com a evolução desse agravamento passar à redução da
sensibilidade.
É necessário indicar ainda que as mudanças longas e
estacionárias da sensibilidade podem começar durante o es
tado asténico do sistema nervoso conhecido como “debilida
de excitadora”, por um lado, e das manifestações clássicas de
histerismo, por outro.
Dessas mudanças estacionárias da sensibilidade depen
dem as formas de mudança (de agravamento) da sensibilida
de, provocadas por fatores extraordinários e que, via de re
gra, apresentam caráter relativamente breve.
Entre os fatores que provocam a sensibilidade extra si
tuam-se antes de tudo as influências farmacológicos. É sabi
do que existem substâncias que provocam o aguçamento da
sensibilidade. Entre tais fatores situa-se, por exemplo, a
adrenalina, cuja ingestão provoca excitação do sistema ner
voso vegetativo e através da formação reticular pode sus
citar um nítido aguçamento da sensibilidade. Ação análoga,
que aguça a sensibilidade dos receptores, pode ser provocada
por substâncias como fenalina (bengidrina) e várias outras
substâncias. Ao contrário, as substâncias cuja ingestão leva
a uma nítida queda da sensibilidade; entre estas situa-se a
pilocarpina.
Nos últimos decénios, a aplicação de meios farmacológi
cos como vias de regulação do funcionamento óo sistema
nervoso, particularmente de mudança da sensibilidade, acumu
lou grande experiência e hoje podemos mencionar vários pre
parados que exercem grande influência sobre a regulação do
funcionamento dos órgãos dos sentidos.
A ação farmacológica não é o único meio de provocar a
sensibilização extra das sensações. O segundo meio é a inte
ração das sensações. Já lembramos que a ação sobre o órgão
da percepção pode provocar aumento da sensibilidade de ou
tro órgão. Assim, o acadêmico P. P. Lazarev mostrou que, se
num auditório ecoa um som demorado, a inclusão da luz faz
com que a produção do tom comece a parecer maiS intensiva,
33
Ao contrário, a ação de um ruído forte pode provocar a re
dução da sensibilidade à luz. Estímulos bastante fracos de
analisador idêntico podem possuir capacidade sensibilizadora
para mudar a sensibilidade. Assim, se a iluminação da peri
feria da retina por luz fraca pode aumentar a sensibilidade de
outras áreas da retina, a iluminação de um olho aumenta a
sensibilidade do outro olho. Por último, foi demonstrado nu
ma série de experimentos que a excitação sonora e, às vezes,
a excitação da pele podem provocar aumento da sensibilida
de visual.
Todos esses experimentos não só mostram a estreita in
teração de formas particulares de sensação como também
abrem caminho para um aumento mais complexo da sensi
bilidade por reflexo condicionado. O famoso fisiologista so
viético A. O. Dolin mostrou numa série de experimentos
essa possibilidade.
Verificou-se que se dermos inicialmente ao sujeito um
som metronômico, este não exerce grande influência sobre a
mudança da sensibilidade à luz; mas se combinarmos este
som com a luz dos olhos várias vezes seguidas, dentro de
certo tempo a simples aplicação do som provocará uma que
da da sensibilidade.
É digno de nota que semelhantes mudanças da sensibili
dade podem ser provocadas se usarmos uma palavra qual
quer como estímulo condicionado. Esse efeito é sobretudo
nítido quando, antes de testar a sensibilidade do olho, pro
nuncia-se uma palavra que tivera sentido de luz no teste an
terior do sujeito. Dolin mostrou em seus experimentos que
mudança idêntica da sensibilidade ocorria quando ante a me
dição da sensibilidade o sujeito pronunciava a palavra “dra
ma”, não ocorrendo esse efeito quando o sujeito pronuncia
va uma palavra de som aproximado mas de significado dife
rente como, por exemplo, a palavra “trama”.
Todos esses experimentos mostram como são grandes as
possibilidades através das quais podemos provocar mudança
da sensibilidade, aplicando procedimentos fisiológicos (inclu
sive o reflexo condicionado).
Mudanças consideráveis da sensibilidade podem ser pro
vocadas por via psicológica, mudando-se os interesses ou os
“objetivos do sujeito”.
Já sabemos que o animal é especialmente sensível a
ações substanciais de importância biológica. O mesmo fe-
iiômeno podemos verificar no homem se, sem mudar as par
ticularidades físicas dos estímulos que atuam sobre ele, nós
lhe mudarmos o significado através da instrução verbal.
Podemos citar apenas alguns exemplos de como a mu
dança do significado do estímulo pode aumentar substan
cialmente a sensibilidade (ou reduzir os limiares absolutos
•da percepção da excitação).
Podem servir de exemplo ilustrativo os testes de labo
ratório do conhecido psicofisiologista soviético G. V. Guei-
shuni. Nesses testes propuseram-se ao sujeito dois quadra
dos iluminados entre os quais havia um ponto luminoso fra
co (imperceptível). Em condições habituais o sujeito não
percebia esse ponto. O ponto luminoso fraco começava
ser percebido pelo sujeito quando era reforçado por um estí
mulo de dor, enquanto a outra combinação dos dois qua
drados iluminados entre os quais não havia esse ponto lumi
noso, não era reforçada por nenhum estímulo e, conse-
qiientemente, as excitações luminosas subliminares pela inten
sidade se tomavam o único indício pelo qual era possível dis
tinguir a combinação acompanhada da dor da combinação
indiferente. É fácil perceber que esse experimento mostra de
maneira patente a possibilidade de aguçar a sensibilidade dan-
do-se à excitação subliminar fraca o valor de sinal.
Elevação análoga da sensibilidade pode ser obtida, en
tretanto, por meio de uma simples instrução verbal, na qual
se dá o valor de “sinal” ao indício fracamente distinguido.
Neste sentido os psicólogos soviéticos A. V. Zaporojets e
T. V. Endovitskaya fizeram um experimento interessante com
crianças de idade pré-escolar e estudaram a maneira pela
qual a atribuição de significado a um certo estímulo aumen
tada agudez da percepção visual. Foram tomados como mé
todos de avaliação da agudeza da percepção visual círculos
não fechados, nos quais a ruptura se encontra ora em cima,
ora embaixo (os chamados círculos de Lamdoldt, aplicados
pelos oculistas). Num experimento propõe-se às crianças
avaliar a posição da ruptura apertando um botão se a ruptu
ra estiver situada embaixo, apertando outro botão se a rup
tura estiver na parte superior. Noutro experimento a avalia
ção da posição da ruptura era incluída num jogo: colocava-
se o círculo de Lamdoldt sobre portões dos quais saía um
automóvel de brinquedo quando a avaliação da posição da
ruptura era correta. O experimento mostrou que, se a íns-
Jí
i i í ;(
37
mais elementar de sensibilidade pertencem antes de tudo o
olfato e o paladar, bem como as formas mais simples de
sensibilidade tátil; à forma de sensibilidade epicrítica estru
turalmente mais complexa pertencem a visão, a audição e os
tipos mais complexos de atividade tátil.
Vimos, por último, que os processos de reflexo de in
dícios particulares que atuam sobre o homem a partir do
meio exterior ou interior ou os processos das sensações po
dem ser objetivamente medidos; tomamos conhecimento dos
meios de medição da sensibilidade absoluta e relativa c
dos fenômenos da variação dessa sensibilidade.
Nada do que falamos no capítulo anterior foi além dos
limites do estudo das formas mais elementares de reflexo ou
dos limites do estudo de elementos particulares de reflexo
do mundo exterior ou interior. Mas os processos reais de re
flexos do mundo exterior vão muito além dos limites das for
mas mais elementares. O homem não vive em um mundo de
pontos luminosos ou coloridos isolados, de sons ou conta
tos, mas em um mundo de coisas, objetos e formas, em um
mundo de situações complexas; independentemente de ele
perceber as coisas que o cercam em casa, na rua, as árvores
e a relva dos bosques, as pessoas com quem se comunica, os
quadros que examina e os livros que lê, ele está invariavel
mente em contato não com sensações isoladas mas com ima
gens inteiras; o reflexo dessas imagens ultrapassa os limites
das sensações isoladas, baseia-se no trabalho conjunto dos
órgãos dos sentidos, na síntese de sensações isoladas e nos
complexos sistemas conjuntos. Essa síntese pode ocorrer tan
to nos limites de uma modalidade (ao analisarmos um qua
dro, reunimos impressões visuais isoladas numa imagem inte
gral) como nos limites de várias modalidades (ao perceber
mos uma laranja, unimos de fato impressões visuais, táteis e
gustativas e acrescentamos os nossos conhecimentos a respei
to da fruta). Somente como resultado dessa unificação é que
transformamos sensações isoladas numa percepçâo integral,
passamos do reflexo de indícios isolados ao reflexo de obje
tos ou situações inteiros.
Seria profundamente erróneo pensar que esse processo
de transição de sensações relativamente simples a sensações
complexas é um simples processo de soma de sensações iso-
lada ou, como costumam dizer os psicólogos, o resultado de
simples “associações” de indícios isolados.
Em realidade, o processo de percepção (ou o reflexo de
objetos inteiros ou situações) é bem mais complexo.
Esse processo requer que se discriminem do conjunto de
indícios atuantes (cor, forma, propriedades táteis, peso, sa
bor, etc.) os indícios básicos determinantes com a abstra
ção simultânea de indícios inexistentes. Requer a unificação
do grupo dos principais indícios e o cotejo do conjunto de
indícios percebidos e despercebidos com os conhecimentos an
teriores do objeto. Se no processo dessa comparação a hi
pótese do objeto proposto coincidir com a informação que
chega, ocorrerá a identificação do objeto e o processo de per
cepção deste se concluirá; se como resultado dessa compa
ração não ocorrer a coincidência da hipótese com a informa
ção que realmente chega ao sujeito, a procura da solução
adequada continuará enquanto o sujeito não encontrá-la, nou
tros termos, enquanto ele não identificar o objeto ou não
incluí-lo em determinada categoria.
Na percepção de objetos conhecidos (um copo, uma gar
rafa, uma mesa), esse processo de identificação do objeto
ocorre com muita rapidez, bastando ao homem unir dois-três
indícios perceptíveis para chegar à solução adequada. Na
percepção de objetos novos ou desconhecidos, o processo de
sua identificação é bem mais complexo e assume formas bem
mais desenvolvidas.
Imaginemos que o homem examina um dispositivo his
tológico desconhecido para a obtenção de delicadíssimos cor
tes de tecidos; o micrótomo. Inicialmente ele percebe uma
complexa construção instalada numa pesada base de ferro
fundido, em seguida distingue partes metálicas isoladas e
pode ter a súbita impressão de tratar-se de uma balança. No
entanto ele não vê os pratos indispensáveis à balança ou as
escalas que representam o peso. Ele continua a examinar
esse objeto desconhecido até que seus olhos distinguem a su
perfície plana do aparelho, e uma lâmina muito afiada. En
tão ele pode lembrar-se de que viu algo semelhante numa
mercearia e que esse aparelho era empregado para cortar
presunto ou salame em fatias finas. Somente depois disto a
lâmina aguda, contígua à superfície metálica, toma-se indí
cio determinante e o sujeito começa a formar a idéia de que
39
o objeto percebido tem relação cora os instrumentos de cor
te cujas hélices micrmétricas parecem assegurar uma regu
lação precisa da espessura dos cortes. Deste modo, a per-
cepção plena do objeto surge como resultado de um com
plexo trabalho de análises e síntese, que ressalta os indícios
essenciais e inibe os indícios secundários, combinando os de
talhes percebidos num todo apreendido.
É a esse processo complexo de reflexo de objetos ou
situações inteiras que em Psicologia se chama sensação.
Vê-se facilmente que a sensação é o processo complexo
e ativo que às vezes requer um considerável trabalho de
análise e síntese.
Eis porque a percepção, num grau ainda menor do que
a sensação, pode ser considerada reflexo passivo da realida
de, registro passivo da informação que chega ao organismo.
Esse caráter complexo e ativo da percepção manifesta
se em toda uma série de indícios que requerem uma análise
especial.
O processo de informação não é, de modo algum, o
resultado da simples excitação dos órgãos dos sentidos e da
simples chegada ao córtex cerebral das excitações que sur
gem nos receptores periféricos (a pele, os olhos). No pro
cesso de percepção estão sempre incluídos componentes mo
tores em forma de apalpação do objeto, de movimento dos
olhos que distingue os pontos mais informativos, de emis
são de sons correspondentes que desempenham papel essen
cial no estabelecimento das peculiaridades mais importantes
do fluxo sonoro. Ainda abordaremos essa tese básica quando
analisarmos os diversos tipos de percepção. Por isso é mais
correto considerar o processo de percepção como atividade
receptora do sujeito.
A seguir o processo de percepção está intimamente liga
do à reanimação dos remanescentes da experiência anterior,
à comparação da informação que chega ao sujeito com as
concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as con
cepções do passado, com a discriminação dos indícios essen
ciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da in
formação que a ele chega e com a sintetização dos indí
cios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de deci
são) a respeito da categoria a que pertence o objeto per-
ceptível. Noutros termos, a atividade receptora do sujeito se
assemelha aos processos de pensamento direto e essa seme
lhança será tanto maior quanto mais novo e mais complexo
for o objeto perceptível.
Por isto é natural que a atividade perceptiva quase
nunca se limita a uma modalidade mas compreende o resul
tado do trabalho conjunto dos vários órgãos dos sentidos
(analisadores) em cujo processo formaram-se as concepções
do sujeito. Por último é essencial, ainda, a circunstância de
que o processo de percepção do objeto nunca se realiza em
nível elementar e sua composição tem sempre como inte
grante o nível superior de atividade psíquica, particularmen
te a fala (discurso).
O homem não contempla simplesmente os objetos ou
lhes registra passivamente os indícios. Ao discriminar e reu
nir os indícios essenciais, ele sempre designa pela palavra os
objetos perceptíveis, nomeando-os, e deste modo apreende-
lhes mais a fundo as propriedades e as atribui a determina
das categorias. Ao perceber o relógio e nomeá-lo mental
mente com essa palavra, ele abstrai indícios secundários como
a cor, o tamanho, a forma e põe em destaque o traço funda
mental representado no nome relógio, destaca a função de
indicar o tempo (as horas); ao mesmo tempo, ele situa o
objeto perceptível em determinada categoria, separa-о de ou
tros objetos exteriormente semelhantes mas pertencentes a
outras categorias (o telefone, por exemplo, que também tem
mostrador com os respectivos números mas sua função é in
teiramente distinta). Tudo isso torna a confirmar a tese se
gundo a qual a atividade receptora do sujeito pode, pela es
trutura psicológica, aproximar-se do pensamento direto. O ca
ráter complexo e ativo da atividade receptora do homem leva
a uma série de particularidades da percepção humana que
pertencem, no mesmo grau, a todas as formas dessa per
cepção,
O primeiro traço peculiar da percepção consiste em seu
caráter ativo e imediato. Como já lembramos, a percepção do
homem é mediada pelos seus conhecimentos anteriores, decor
rentes da experiência anterior e constitui uma complexa ativi
dade de análise e síntese que compreende a criação da hipó
tese do caráter do objeto perceptível e a decisão acerca da
correspondência do objeto perceptível a essa hipótese.
-
41
•■Л.
A segunda peculiaridade da percepção do homem consis
te em seu caráter material e genérico. Como já indicamos, o
homem percebe não só o conjunto de indícios que lhe che
gam mas também analisa esse conjunto como um objeto de
terminado, não se limitando a estabelecer os traços indicado
res desse objeto mas sempre atribuindo-o a certa categoria,
considerando-o “relógio”, “mesa”, “edifício”, "animal”, etc.
Esse caráter generalizado da percepção evolui com a idade
e o desenvolvimento mental, tomando-se cada vez mais níti
do e refletindo o objeto perceptível com profundidade cada
vez maior, englobando todo o grande número de traços essen
ciais que caracterizam o objeto e as conexões e relações cm
que este entra.
A terceira peculiaridade da percepção humana consiste
em sua constância e correção (ortoscopicidade). A experiên
cia com objetos nos dá uma informação bastante precisa das
suas propriedades fundamentais; sabemos que o prato é re
dondo, que a caixa de fósforo é retangular, que o lírio é
branco, o rato é pequeno e o cavalo é grande.
Esse conhecimento anterior do objeto incorpora-se à sua
percepção direta e torna esta mais constante e mais correta
(ortoscópica); compreende certa correção às peculiaridades
que a percepção do objeto pode adquirir em condições va
riáveis.
É fato conhecido que se girarmos um prato para o qual
o sujeito está olhando, a marca desse objeto na retina muda
rá, assumindo paulatinamente um caráter oval ou até de um
retângulo alongado; mas continuamos por muito tempo a per
ceber a forma que muda a posição do prato como "redondo”
fazendo a respectiva correção do conhecimento real da forma
desse objeto.
O mesmo ocorre na percepção da cor. É sabido que um
pedaço de carvão colocado num ambiente de iluminação cla
ra, reflete mais raios luminosos do que um pedaço de papel
branco ao crepúsculo. No entanto continuamos a perceber o
carvão como negro, corrigindo imediatamente a impressão
imediata que muda em decorrência da situação. Em suma, a
última peculiaridade da percepção humana consiste em set
ela móvel e dirigível.
O processo de atividade perceptiva é sempre determi
nado pela tarefa que se coloca diante do sujeito. Ao exanii-
nar um quadro, visando a determinar o método de trabalho
do pintor, o homem ignora o conteúdo e destaca a maneira
da distribuição da tinta no quadro; propondo-se a tarefa de
determinar o tempo a que pertence o quadro, ele destaca as
maneiras do desenho, a roupa dos personagens representados,
a forma arquitetônica dos edifícios; tentando analisar a ima
gem do quadro ou o acontecimento nele representado, ele
amplia o círculo de informações que vai recebendo e analisa
todo o quadro em conjunto; ao contrário, propondo-se a ta
refa de captar a mímica das pessoas representadas no qua
dro, ele restringe aparentemente o volume de sua percepção e
se concentra em detalhes isolados do quadro.
É natural que esse determinismo da percepção pela ta
refa que se coloca diante do homem ou do seu objetivo tor
na a percepção elástica e dirigível, e essas peculiaridades da
percepção humana dependem altamente do papel que na ati
vidade receptora desempenha a experiência prática do su
jeito e o seu discurso interior, que permite formular e mudar
as tarefas.
É perfeitamente compreensível que tudo isto distingue
essencialmente a atividade receptora do homem da percepção
do animal, que, apesar de. toda a sua mobilidade, carece das
qualidades dirigíveis e arbitrárias que caracterizam a ativida
de perceptiva consciente do homem.
Todas as referidas peculiaridades da atividade receptora
do homem permitem compreender melhor as condições das
quais ela depende.
É natural que a percepção correta dos complexos obje
tos não depende apenas da precisão do funcionamento dos
nossos órgãos dos sentidos mas também de várias outras con
dições essenciais. Situam-se entre estas a experiência ante
rior do sujeito e a amplitude de profundidade das suas con
cepções, a tarefa a que ele se propõe ao analisar determina
do objeto, o caráter ativo, coerente e crítico da sua atividade
receptora, a manutenção dos movimentos ativos que inte
gram a atividade receptora, a capacidade de reprimir a tempo
as hipóteses do significado do objeto perceptível se estas não
corresponderem à informação afluente.
A complexidade do desempenho perceptivo ativo permite
explicar também as falhas que se verificam na percepção da
43
criança nas etapas tenras do desenvolvimento bem como as
peculiaridades do distúrbio da percepção que podem surgir
nos estados patológicos do cérebro. Essas peculiaridades po
dem assumir caráter variado dependendo do elo da atividade
receptora insuficientemente desenvolvido ou perturbado.
Assim, a insuficiente agudez da sensibilidade (visual ou
auditiva) pode acarretar erros de percepção que, não obstan
te. podem ser compensados com êxito com o emprego de
aparelhos de reforço da sensibilidade ou pela concentração
da atenção do sujeito.
As falhab, relacionadas com a distorção da síntese dos
indícios perceptíveis (verificadas na afecção das zonas ter
ciárias e sintéticas do córtex cerebral), podem levar a que
alguns indícios do objeto visível continuem a ser bem perce
bidos enquanto o sujeito se mostra incapaz de perceber o
objeto no conjunto e é forçado a fazer angustiantes conjetu
ras tentando descobrir o que pode significar a combinação
dos indícios por ele percebidos.
É inteiramente distinto o caráter das falhas da percepção
durante a perturbação do processo de percepção ativo. Nes
tes casos, todo o complexo processo de discriminação dos in
dícios essenciais do objeto e a comparação da hipótese que
surge com a informação que realmente chega pode ser per
turbado e o homem pode limitar-se a fazer suposições impul
sivas do significado do objeto perceptível com base nos indí
cios particulares deste e, às vezes, com base em detalhes mais
nítidos ou que mais saltam à vista, sem comparar a sua hi
pótese com a informação que recebe nem corrigir as suas
conjeturas erróneas.
Por último, podem adquirir novamente outro caráter as
falhas da percepção nos casos em que o objetivo do homem
adquire inércia patológica e ele começa a perceber não o que
corresponde às peculiaridades do objeto que atua sobre ele
quanto o que ele espera ver e que corresponde aos seus obje
tivos inertes preconcebidos. Algumas fprmas de engano da
percepção, que ocorrem em determinados grupos de doentes
com patologia cerebral, adquirem justamente esse caráter.
Analisamos as teses mais gerais da psicologia da ativida
de perceptiva do homem e agora podemos passar ao exa
me de algumas formas isoladas de percepção humana.
Formas simples de percepção tátil
45
de receptores de dor, calor e frio. O mesmo se verifica na
pele das costas.
TABELA 2
Ponías dos
dedos 60 120 0 0
Do antebraço 203 15 6 0.4
Costas _L +
Lingua + +
(Segundo Anancv.)
47
esticamento da pele (quando a pele do antebraço é esticada,
no sentido da mão ou a partir desta) e a sensação da forma
feita pelo contato de urna lámina que produz na pele urna fi
gura de círculo, triángulo, número ou letra (esta última é
freqüentemente chamada em neurologia de “sensação de Fors
ter”). Situam-se entre as formas complexas também a sensi
bilidade profunda (sinestésica) que permite identificar a posi
ção em que se encontra o braço direito que se move passiva
mente, ou dá ao braço direito a posição que se dá passiva
mente ao esquerdo (e vice-versa). Percebe-se facilmente que
as últimas modalidades de sensibilidade são de caráter espe
cialmente complexo e de sua realização participam as com
plexas zonas secundárias das áreas pós-centrais do córtex.
Por isto, se a supressão das formas elementares de sensibi
lidade tátil pode ocorrer com a afecção de quaisquer áreas
da via tátil do lado oposto do cérebro, a perturbação das
formas superiores de sensibilidade tátil com a conservação
de suas formas elementares pode servir de sintoma da afec
ção de áreas secundárias mais complexas do córtex pós-central
do cérebro. Eis porque o estudo separado de diversas for
mas de sensibilidade tátil é de grande importância para o
diagnóstico tônico das afecções cerebrais.
Para estudar os diferentes tipos de sensibilidade tátil ou
proprioceptivas, empregam-se procedimentos simples que hoje
integram sólidamente o exame neurológico dos doentes.
Para estudar a sensibilidade tátil simples, toca-se uma
área da pele com a ponta afiada ou rombuda de um alfinete
ou de um lápis e propõe-se ao sujeito responder se sente o
contato, qual o caráter deste e em que lugar ele sente a picada.
¡Numa pesquisa exata, emprega-se o estenciômetro ou um
conjunto de fios de diferentes comprimentos.
Para estudar a sensação de localização, aplica-se a ponta
a várias áreas do antebraço e propõe-se ao sujeito indicar o
lugar que foi tocado pelo pesquisador.
Para estudar a sensibilidade distintiva, aplica-se o esten
ciômetro de Weber cujas hastes são colocadas em distâncias
diferentes. Um índice da sutileza da sensibilidade distintiva
é a distância mínima na qual o sujeito distingue não um mas
dois contatos separados.
Outro procedimento muito importante é o teste de Talher,
no qual o pesquisador toca simultaneamente dois pontos si
métricos do peito e do rosto. A afecção de um dos hemisfé-
rios manifesta-se rio fato de que o doente que percebe bem
cada contato isolado, ignora um dos contatos com os pontos
simétricos caso esses contatos sejam simultâneos. Neste caso,
costuma cessar a sensação de contato com ponto oposto ao
hemisfério afetado. Por último, é muito importante o estudo
da sensibilidade pele-sinestésica (para cuja análise conduz-se
a pele do antebraço no sentido da mão ou a partir desta, de
vendo o sujeito determinar o sentido do deslocamento passivo
da pele) ou o estudo da sensibilidade profunda; aqui o pes
quisador curva (ou descurva) o braço ou um dedo do sujeito,
propondo-lhe determinar em que sentido foi feito o movi
mento, ou coloca o braço numa posição e propõe ao sujeito
colocar o outro nessa mesma posição. A perturbação da sensi
bilidade profunda em um dos braços sugere a afecção das
áreas sinestéticas complexas do córtex do hemisfério oposto.
Por último, o estudo do sentido espacial bidimensional
(ou sentido de Forster) é feito da seguinte maneira: o pesqui
sador desenha com a ponta de uma agulha ou de um fósforo
uma figura (ou número) na pele do antebraço e propõe de
terminar o tipo de figura ou número que foi desenhado. A
impossibilidade de executar essa tarefa com tentativas ativas
do sujeito sugere a afecção das áreas secundárias do córtex
parietal do hemisfério oposto.
49
plexa do objeto. Para passar da avaliação de traços isolados
à percepção tátil de todo o objeto, é necessário que a mão
esteja em movimento, isto é, que a percepção tátil passiva
seja substituída por apalpamento ativo do objeto.
É por isto que o estudo da maneira pela qual se desen
volve o processo de tateamento do objeto e de como neste
processo o homem passa paulatinamente da avaliação de in
dícios isolados à identificação do objeto tateado constitui uma
das questões mais importantes da Psicologia da percepção tátil.
Na percepção tátil do objeto, a questão mais importante
é a transformação paulatina da informação que recebemos
sucessivamente acerca de indícios particulares do objeto em
sua imagem integral (simultânea).
Suponhamos que tateamos de olhos fechados um objeto
qualquer, uma chave, por exemplo. A princípio temos a im
pressão de tocarmos algo frio, liso e comprido. Nesta fase po
demos supor que tateamos uma haste metálica ou um tubo
ou mesmo um lápis metálico. Em seguida, nossa mão se des
loca e começa a tatear apenas o anel da chave; o primeiro
grupo de suposições é imediatamente afastado mas ainda não
surge uma hipótese nova. Continuamos a tatear e o nosso
dedo se desloca no sentido do palhetão da chave com seu
corte característico. Aqui distinguimos os pontos mais infor
mativos, a reunião de todos os indícios sucessivamente percep-
tíveis e então surge a última hipótese: “é uma chave!” ; esta
hipótese será confirmada pela verificação posterior.
Vemos facilmente que o processo de identificação da
imagem do objeto, que ocorre de imediato na visão, no tato
tem caráter desdobrado e ocorre por meio de uma cadeia su
cessiva de testes com a discriminação dos indícios particulares,
a criação e a formação de várias alternativas e a obtenção
da hipótese definitiva.
Por isto o processo de percepção tátil (ativa), a qual sur
ge no processo de apalpação, pode servir de modelo de qual
quer percepção cujos elos particulares são aqui desdobrados
e especialmente acessíveis à análise.
O processo de percepção tátil foi minuciosamente estuda
do pelos psicólogos soviéticos B. G. Ananev, P. F. Lomov,
L. M. Vekker. As pesquisas desses autores revelaram vários
fatos essenciais.
Confirmaram, antes de tudo, que a percepção da forma
do objeto sem uma apalpação ativa e sucessiva deste é abso
lutamente inacessível.
Mostrou ainda a pesquisa que a mão do sujeito deve apal
pai ativamente o objeto, tentando distinguir os pontos que
oferecem maior informação e reuni-los numa só imagem. A
passagem passiva do objeto pela mão ou da mão sobre o obje
to, excluindo movimentos ativos de procura, não leva ao devido
resultado, possibilitando um reflexo do objeto apenas parcial
e por isto falso.
Por isto, a apalpação ativa é realmente necessária para
identificar os traços do objeto e reuni-los numa imagem única.
A pesquisa posterior mostrou ainda que a apalpação ativa do
objeto é um processo complexo.
A estrutura sutil dos movimentos tateantes permitiu um
conhecimento mais aproximado do processo destes. Verificou-
se que os movimentos de apalpação se realizam com o papel
determinante do dedo médio, que, no processo de evolução,
apenas no homem começa a opor-se aos outros dedos, e do
indicador, que no homem adquire mobilidade especial. Em
seguida os movimentos de apalpação se alternam com inter
valos, sendo que o tempo gasto com o movimento é uma vez
e meia maior do que o movimento de retenção ou parada.
Esses fatos levam a pensar que durante essas paradas distin
guem-se os componentes menores ou “quantas” da informa
ção tátil (Ananev).
Cabe notar que, na percepção tátil do objeto, os movi
mentos de apalpação são heterogéneos, que neles podemos dis
tinguir os mínimos deslocamentos dos dedos (de 2 a 100mm),
que param nos pontos “críticos” (ou mais informativos), du
rante os quais o sujeito continua a receber uma informação
fracionada dos traços do objeto, podendo-se distinguir gran
des movimentos que reúnem os indícios isolados e têm a fun
ção de verificar as hipóteses surgidas.
Ё importante que esse caráter dos movimentos se man
tém inclusive nos casos em que o sujeito tateia não com o
dedo mas com uma haste (um lápis, por exemplo), ou nos
casos em que, tendo sido amputada a mão, a apalpação é fei
ta por outras partes do braço, por exemplo pelo antebraço
estilhaçado (as chamadas “pinças de Krukenberg”) .
Na medida em que se desenvolve o exercício, o processo
de apalpação, indispensável à identificação tátil do objeto,
51
pode ' reduzir-se paulatinamente; se nas primeiras etapas era
necessário comparar muitos dos indícios discriminados para
identificar o objeto, numa segunda apalpaçâo o número des-
sses indícios diminui cada vez mais, de forma que, ao térmi
no do processo, é bastante um indício mais informativo para
que o objeto possa ser identificado. É interessante que esse
processo de redução paulatina do número de testes, nos quais
se destacam os indícios informativos necessários, ocorre de
modo relativamente mais lento nas crianças pequenas e co
meça a ser mais expressivo nas crianças de 6 a 7 anos de ida
de. Nos adultos é especialmente rápida essa redução ou "re
tardamento” dos movimentos de busca, indispensáveis à iden
tificação tátil do objeto. Na tabela 3 apresentamos dados
acerca da redução paulatina dos testes de orientação, duran
te a percepção tátil do objeto; esses dados foram obtidos pelos
psicólogos soviéticos V. P. Zintchenko e B. F. Lomov em
pesquisas com crianças de diversas faixas etárias.
TABELA 3
S3
objeto, que surgem nos casos de afecção dos lobos frontais
do cérebro. Nestas circunstâncias, que, via de regra, provo
cam uma brusca queda da atividade do paciente e a impossi
bilidade de cotejar o efeito da sua ação com a intenção ini
cial, é diferente o caráter da natureza da dificultação na per-
cepção tátil do objeto. Nestes casos, o doente não tenta ta
tear ativamente o objeto ou não faz tentativas sistemáticas
suficientes neste sentido, interrompendo em fase inicial o
processo de orientação e lançando prematuramente uma hi
pótese baseada simplesmente numa distinção fragmentária do
objeto. Observações atentas permitem perceber o elo preciso
em que foi perturbado o processo de identificação tátil do
objeto e tirar desse fato conclusões diagnósticas.
Percepção visual
54
ção da Imagem, que antes se reflete na retina e depois se re
pete sem mudança nas formações subcorticais e no córtex
visual. Por último, ficou obscura a via de realização do pro
cesso de seleção dos componentes necessários da percepção
visual bem como a plasticidade da imagem perceptível, que
permite distinguir uns elementos, abstrair outros e adaptar a
imagem refletível à tarefa que o sujeito coloca para a sua
percepção.
Para compreender melhor os mecanismos internos da per
cepção visual e destacar a posição nela ocupada pela repre
sentação integral das formas e dos objetos, por um lado, e a
possibilidade de discriminar os menores indícios e recodificá-
los em quadros sintéticos elásticos, precisamos analisar, ini
cialmente, em maiores detalhes, a estrutura do sistema visual
(ou do “analisador” visual) para, em seguida, passarmos à
descrição das formas básicas de funcionamento desse sistema.
59
>
)
)
)
surgem com a sua afecção, e as perturbações da percepção
) visual, que surgem com essa afecção, são bem conhecidos na
) clínica como fenômenos de agonia visual. Esses fenômenos
consistem em que o doente, com os campos visuais secundá
) rios afetados, não perde a agudez da visão, distingue bem cer
tos detalhes do objeto mas é incapaz de sintetizá-los num todo
I
único, experimentando as mesmas dificuldades que experimen
) ta o doente com afecção das áreas secundárias do córtex sen
sível e com ocorrências de asteriognose, que surgem quando
) ele tateia o objeto.
) As vias do sistema visual não se esgotam com as etapas
de organização da percepção visual que acabamos de descre
) ver. O aparelho periférico da visão tem, entre seus compo
1 nentes, tanto dispositivos básicos (propriamente visuais) como
dispositivos complementares (óptico-motores), sendo que estes
) últimos também têm uma organização funcional absolutamente
determinada.
)
É sabido que os filamentos dos nervos, que orientam
) tanto a redução e a ampliação da pupila, como o processo de
convergência, contatam os nervos do olhos com os aparelhos
) centrais das áreas superiores do tronco, em cuja afecção sur
) gem ocorrências de perturbação de reações da pupila à clari
dade e fenômenos da “bifurcação” dos olhos.
Os filamentos do aparelho, que dirige os movimentos or
) ganizados da vista, estão incluídos num sistema bem mais com
plexo e terminam no córtex cerebral. Constitui o maior inte
) resse o fato de existir no córtex cerebral não um “centro mo
tor dos olhos” mas dois "centros" especiais que dirigem os
)
movimentos da vista. Entre estes, o centro posterior está si
) tuado nas áreas parietal-occiptais do córtex cerebral e, ao que
parece, serve à regulação refletora dos movimentos da vista,
) assegurando o ato de fixação e acompanhamento do ponto em
) movimento. O centro ântero-motor dos olhos está situado nas
áreas intermediárias da zona pré-motora (campo 8 de Broad-
) man) e, segundo todos os dados, é um aparelho que regula
) o deslocamento arbitrário dos olhos e ativos movimentos de
busca da vista. Esse fato é confirmado pela circunstância
) de сше. nas pessoas com afeccão das áreas parietal-occioital
) posteriores do córtex, perturba-se o ato de fixação do pon
to imóvel e do acompanhamento refletor do ponto móvel pe
) la vista, enquanto o deslocamento ativo dos olhos é bem
mais estável. Ao contrário, nos doentes com afecção do cen-
)
) 60
)
)
tro ântero-motor dos olhos, tanto o ato de fixação como o
ato de acompanhamento do ponto móvel continuam rela
tivamente estáveis mas se perturba grosseiramente o deslo
camento arbitrário do olho segundo o comando visual, afe
tando-se fortemente os movimentos ativos de busca dos
olhos.
61
Isto foi observado reiteradamente na literatura especializa
da e antes de tudo nos experimentos dos psicólogos america
nos K. Lashley e H. Kiiver.
Esses pesquisadores treinaram um animal (um rato ou um
macaco) para reagir positivamente a uma figura de um triân
gulo negro em fundo branco, verificando que, após o treina
mento, o animal reage imediatamente de modo positivo ao
triângulo branco em fundo negro, a um triângulo hachurado
ou pontilhado, reagindo inclusive às linhas que formam um
ângulo agudo.
É evidente que o animal abrange não só os traços da
figura mas todà a estmtura; aqui, o caráter integral da per-
cepção constitui o traço fundamental da atividade receptora
do animal.
Experimento análogo foi realizado por Matilda Herz, dis-
cípula de Kõhler. Nesse experimento ela colocou num lugar
vários vidros, colocando uma noz sob um deles. Um pássaro
era treinado para voar até os vidros, virá-los com a asa e apa
nhar a noz. Se os vidros estivessem distribuídos de maneira
desordenada, virava-os ao acaso, se estivessem distribuídos em
ordem circular, com um deles separado, o pássaro derrubava
invariavelmente este, talvez percebendo todos os outros como
uma estrutura fechada.
‘ A percepção da cor tinha esse mesmo caráter integral.
Num conhecido experimento de Kõhler, treinou-se uma gali-
riha para bicai grãos de fundo pardo-claro, colocando-se grãos
num fundo pardo-escuro. Se à galinha dava-se um teste de
controle, no qual o quadrado pardo-escuro (antes reforçado
negativamente) era colocado ao lado do quadrado negro, ela
começava imediatamente a bicar os grãos nesse quadrado par
do-escuro. Ê evidente que a galinha percebia os matizes co
loridos não isoladamente mas em determinadas relações entre
si, noutros termos, em determinada estrutura.
Os gestaítistas descreveram várias leis às quais se subor
dina a percepção da forma.
A primeira delas é a lei da nitidez da estrutura, segundo
á qual a nossa percepção distingue antes de tudo as estrutu
ras mais nítidas pelas propriedades geométricas.
Assim sendo, se ao sujeito propõe-se uma complexa es-
rfutura geométrica, o primerro- que ele distingue nestas são as
Imagens mais nítidas. A lei da nitidez da percepção visual de
sempenhou importante papel na técnica de defesa, quando, ao
tentar-se camuflar uma figura complexa, era bastante ocultá-la
em estruturas mais fortes.
A segunda lei da percepção visual das formas, formulada
pelos gestaltistas, foi a lei do fechamento (lei da complemen-
tação do todo estrutural). Segundo essa lei, as estruturas ní
tidas mas não acabadas eram sempre ampliadas até atingi
rem o todo geométrico nítido. 4
As duas referidas leis permitiram explicar o processo de
unificação de vários fenômenos da percepção visual cuja ex
plicação continua difícil.
O primeiro desses fenômenos pode ser o fato da unifica
ção de figuras geométricas isoladas.
O caráter estrutural da percepção visual explica o fato
de que, se percebemos as estruturas como dispostas numa su
perfície, percebemos outras trldimensionalmente como folhas
que ultrapassam a superfície plana.
O caráter estrutural da percepção explica também um
fenômeno denominado imagem dupla.
Por último, as leis da percepção estrutural integral ex
plicam ainda algumas das chamadas ilusões ótico-geométricas.
Todas essas peculiaridades das ilusões geométricas de
vem-se ao fato de que a nossa percepção geométrica não é
constituída de elementos isolados mas tem todos os traços de
úma percepção integral estruturalmente organizada.
A teoria da Psicologia estrutural (Psicologia da Gestalt)
deu contribuição importante e inovadora à análise da percep
ção integral das formas. Mas ela tem também as suas limita
ções. Concebendo as leis da percepção das estruturas como o
reflexo natural das leis integrais dos processos fisiológicos e;
MISéIí
até físicos, ela abstrai o fato de que, todos os fenômenos da í
percepção humana, por ela descritos, formaram-se. em deter
minadas condições históricas e não podem ser interpretados
definitivamente sem se levarem em conta essas condições, - Eis 1 Ш ! 1
porque, como mostram os fatos, as leis da nitidez da pcr-
cepção”, “da conclusão do todo” (fechamento), а^гсзепtildas
pelos partidários do gestaltismo como leis naturais dé coda
percepção, na realidade revelaram-Se plenamente úteis apenas
para a percepção do homem, formada nas condições de uma
determinada cultura; elas não são confirmadas no estudo da
percepção dos homens daquelas formações históricas nas quais
a percepção das formas geométricas não tem o caráter abs
trato que a distingue atualmente. As pesquisas histórico-com-
63
parativas, realizadas nos últimos decénios, limitaram substan
cialmente as leis descritas na Psicologia da Gestalt e permi
tiram que nos convencêssemos de que, em diferentes etapas do
desenvolvimento histórico e da prática social, os processos de
percepção podem subordinar-se a diferentes leis. Um exem
plo disto pode ser visto no fato de que, em certas culturas, um
círculo não fechado não é percebido como um círculo não
acabado mas como um “bracelete”, percebendo-se um triân
gulo nio fechado não como um triângulo não acabado mas
como um “amuleto” ou uma “medida de querosene”, etc.
Um estudo da maneira pela qual se estrutura a percep
ção das figuras geométricas nas condições do pensamento con
creto direto ainda fará, indubitavelmente, correções substan
ciais das leis da percepção estrutural, estabelecidas pelos psi
cólogos gestaltistas.
65
do olho por solução de novocaína e o sujeito pode manter
um espelhinho colado à esclerótica por uma fração de tempo
muito pequena (de 3-4 minutos). Por isto na prática da pes
quisa psicológica foram propostos outros métodos de re
gistro dos movimentos do olho.
Um desses métodos consiste na filmagem dos movimentos
do olho do sujeito que examina a imagem e na análise dos
quadros sucessivos. A dificuldade desse método consiste em
que o processamento dos resultados obtidos (transferência da
posição do olho em alguns quadros para uma curva) requer
longo trabalho.
Essa dificuldade é evitada por dois outros métodos que
entraram sólidamente na literatura especializada.
O primeiro destes consiste em colar nos nervos do olho
eletrodos fixados nas áreas temporal, nasal, superior e inferior
da pele; as mudanças nas correntes da ação, que surgem com
sucessivos movimentos dos olhos, são registradas numa película
correspondente. Esse método pode apresentar precisão sufi
ciente, embora as curvas assim obtidas possam ser observadas
durante período relativamente curto e necessitem de correção.
O segundo método, proposto por A. D. Vladimirov, con
siste no seguinte; sobre o olho do sujeito deitam-se raios de
luz que passam por um filtro infravermelho; o olho não per
cebe a ação seguinte desses raios, sentindo apenas o calor. A
diferença entre o reflexo da luz a partir de uma pupila escura
e uma íris clara se transforma em diferença de potenciais e
deslocamento do ponto que separa a pupila da íris; essa di
ferença é registrada em película. A vantagem desse método
consiste em que ele não requer nenhuma fixação da ventosa à
esclerótica do olho, dando imediatamente o registro da traje
tória dos movimentos e esse registro pode ter longa duração.
Os testes com registro do movimento do olho durante o
exame de objetos complexos permitiram que nos convencêsse
mos de que, no processo de exame atento do objeto, ocorrem
pelo menos dois tipos de movimentos dos olhos.
O primeiro deles são micromovimentos dos olhos, que
deslocam a imagem para os pontos contíguos da retina; esses
movimentos são notados até na fixação de um ponto imóvel
pelo olho. Sua importância para- a conservação de uma ima
gem estável fica clara graças ao teste acima descrito, que
mostra que a imagem imóvel em relação ao olho se mantém
na retina apenas durante um tempo muito breve.
O outro tipo de movimento é de caráter bem diferente e
tem outra importância funcional: consiste em grandes movi
mentos do olho, que o deslocam de um ponto a outro e en
globa tanto movimentos em forma de salto como movimentos
cadenciados (de deriva) do olho. Há fundamentos para con
siderar que esses movimentos asseguram uma função suces
siva do olho em pontos isolados do objeto perceptível e per
mitem discriminar sucessivamente os pontos mais informativos
(indícios do objeto), compará-los entre si e sintetizar um con
junto definitivo de indícios indispensáveis à identificação do
objeto. ■'
O estudo dos movimentos dos olhos, através dos quais o
sujeito se orienta no objeto que examina, tornou-se um dos
importantes métodos de estudo da percepção dos Objetos e
imagens complexas.
Os fatos mostraram que o olho, ao examinar um objeto
complexo, nunca se movimenta sobre ele de maneira unifor
me mas sempre procura e discrimina os pontos mais infor
mativos que atraem a atenção de quem os examina.
Constitui interesse especial a aplicação desse método ao
estudo do processo de análise da composição de quadros com
plexos. Os dados assim obtidos mostram que o sujeito, ao
examinar um quadro complexo, não só destaca neste os de
talhes essenciais como também muda o sentido do seu exame
e a discriminação de detalhes particulares, dependendo da ta
refa que lhe foi proposta. :
• Uma análise atenta mostra que mudam nitidamente os mo
vimentos dos olhos da pessoa que analisa um quadro com
instruções variadas, que o olho começa a “tatear” a situação
em uns casos, as roupas, em outros, e os intensivos movi
mentos do olho, que fazem uma comparação visual de figuras
isoladas, surgem com as sucessivas instruções.
r Tudo isto leva a entender o grande trabalho executado
pelo olho no processo de percepção e o quanto esse trabalho,
depende da complexidade da tarefa. ' ¡
.• Esta última circunstância se torna especialmente nítida
nos casos em que se dá ao sujeito a tarefa de fazer um com
plexo trabalho mental como, por exemplo, avaliar no olho-,
quantas vezes o tamanho de um corte cabe numa determina
da figura. ¡Nesses testes, realizados por U. B. Hippenreuder,,
foi demonstrado que os movimentos dos olhos ратесет fixar.
67'
certa medida na superfície do objeto examinado, tornando as<
sim possível a realização da tarefa.
69
Via de regra eles também a perceberam como um barco; em
outras condições se observava tal ilusão.
O fenômeno que acabamos de descrever é muito conhe
cido em Psicologia como apercepçâo e pode ser observado
em muitos exemplos. Assim, por exemplo, a inscrição “ não
conservar”, pendurada num auditório, é habitualmente lida
pelas pessoas como “não conversar”. São conhecidos casos
em que o homem muito faminto e procurando refeitório numa
cidade estranha lê o letreiro “obuv” (calçados) como “obedr
(almoços). Um grande número de erros de percepção, veri
ficados em casos de elevada prontidão e reduzida crítica do
sujeito tem caráter análogo.
O fator da influência da experiência prática sobre a per
cepção serviu de base às conhecidas pesquisas do psicólogo
austríacos I. Kohler com a reestrutura da organização espacial
da percepção. Este psicólogo pôs no sujeito óculos com len
tes prismáticas, que reviravam a imagem perceptível “de per
nas para o ar” ou da direita para a esquerda. A princípio os
sujeitos não conseguiam, de maneira nenhuma, orientar-se no
meio ambiente, permanecendo internamente imobilizados; mas
com o uso demorado e permanente de semelhantes óculos,
eles se adaptaram de tal forma a estes que a imagen» assim
obtida deixou de influenciar os seus movimentos e eles não
ntais perceberam a irregularidade do quadro percebido pelos
seus olhos.
A influência de uma sólida experiência anterior sobre a
percepção pode levar a ilusões evidentes.
Podem servir de exemplo típico os famosos testes do psi
cólogo americano Ames. Este sugeriu ao sujeito a maquete
de um quarto onde as relações reais das paredes haviam
sido modificadas de tal modo que a sua projeção coincidia
com a projeção das partes distantes e próximas do quarto na
retina. A noção das correlações reais das paredes do quarto
dominou de tal forma que as suas correlações distorcidas na
maquete não foram percebidas e o sujeito que foi colocado
junto à parede distante começou aparecer bem menor do que
o colocado junto à parede de entrada. No entanto, a influên
cia da experiência anterior pode levar não apenas a ilusões,
como indicamos no início do presente capítulo, mas também
assegurar elevada constância e dar legitimidade (caráter ortos-
cópico) à percepção.
70
н
71
Essas diferença? da percepção podem manifestar-se niti
damente quando se examinam manchas indefinidas de tinta.
Esse método, aplicado em seu tempo pelo psicólogo suíço
Rorshach (amplaménte conhecido como “manchas de Rors-
hach”), permitiu mostrar que, se uns sujeitos manifestam a
tendência a discrim*nar pequenos detalhes e, via de regra,
ignoram o todo, oiltros avaliam nas manchas de Rorshach
apenas os contorne15 genéricos, omitindo detalhes isolados e
não se detendo nestes-
O método da percepção das manchas do Rorshach foi
amplamente difundido na prática do diagnóstico, revelando
peculiaridades essei^ia’5 da percepção indireta e detalhada dos
epilépticos, da perPePSao emocional e variável dos histéricos,
etc.
É natural que 0 processo de percepção sofre influência
muito séria do n‘vel intelectual do sujeito.
É fato conhec'do que o sujeito normal percebe o objeto
que lhe é proposto* discriminando neste uma infinidade do
traços, incluindo-c em diferentes situações e general izando-o
numa categoria com objetos exteriormente diferentes mas es
sencialmente semejantes. Como mostrou o conhecido psicó
logo soviético I. Solovêv, os sujeitos intelectualmente atra
sados discriminam no objeto examinado um número conside
ravelmente inferior de traços, incluem com dificuldade o obje
to em exame em diferentes contextos e, por isto, sua percep
ção é bem mais pobre e indireta do que a percepção do su
jeito normal.
73
O estudo da possibilidade de imaginar mentalmente a cor»
relação das partes no espaço é efetuado com êxito através de
um teste no qual se propõe ao sujeito a imagem esquemática
de uma figura composta de cubos, sugerindo-lhe indicar o
número total de cubos incluídos nessa figura (testes de
Yerkes).
Para o estudo da percepção e do nível de seu desenvol
vimento, são de grande importância os testes de avaliação de
quadros temáticos. A finalidade desses testes é fazer uma aná
lise das ligações que o sujeito estabelece entre os elementos
particulares de uma complexa situação evidente, da maneira
pela qual ele procura os detalhes mais informativos, cria hi
póteses, compara estas com a imagem real e chega a uma
solução correspondente. Pelo seu conteúdo, esse estudo da
percepção se assemelha ao estudo do pensamento direto.
Para esse fim, a Psicologia emprega dois procedimentos:
o procedimento da análise de um quadro temático e comple
xo e o procedimento de análise de uma série de quadros.
Para o êxito da aplicação do primeiro procedimento em
pregam-se quadros temáticos cujas idéias não possam ser per
cebidas de imediato, de maneira unívoca, e para cuja inter
pretação correta é necessário examinar atentamente detalhes
isolados, compará-los entre si, distinguir os mais importantes
e criar hipóteses correspondentes do sentido geral do quadro
que, posteriormente, devem ser comparadas ao conteúdo real
do quadro.
A avaliação prematura, sem base numa análise minuciosa
do conteúdo do quadro, pode levar a conjeturas inadequadas.
A análise de semelhantes quadros pode produzir matéria im
portante para avaliação do nível geral de desenvolvimento
mental da criança. Pode ser uma indicação disto a limitação
da atividade pela simples nomeação de objetos isolados ou
ações isoladas que se verificam nas etapas tenras de desen
volvimento e se mantêm numa idade mais tardia em caso de
retardamento mental.
Um procedimento útil de estudo das formas complexas
de percepção, situadas na fronteira com o pensamento direto,
é a análise de uma série de quadros nos quais as etapas de
um tema ordenado se refletem na série de quadros isolados.
O desvio no desenvolvimento mental, bem como o distúrbio
do pensamento direto manifestam-se facilmente no fato de que
cada um desses quadros começa a ser avaliado separadamente
74
e o sujeito se revela incapaz de descrever tun tema integral
cm desenvolvimento, incluindo nesses quadros partes não re
presentadas em quadros isolados.
O estudo da avaliação dos quadros temáticos e de suas
séries é amplamente empregado na prática e na Psicologia
clínica.
75
i
trazer qualquer figura de porcelana ou uma bola com uma
ponta fina (“o bico”), etc. Somente depois que o objeto co
meça a ser designado pela palavra (“urso”, “pato”) é que a
percepção da criança adquire caráter material constante e ela
deixa de cometer os erros aqui descritos.
Os testes, realizados pelo psicólogo soviético A. A. Lyu-
blinsky, mostraram que a incorporação da palavra transforma
radicalmente o processo de percepção, permite distinguir mais
nitidamente as imagens com base não em indícios isolados mas
no seu caráter material complexo (após assimilar a represen
tação verbal do objeto, a criança deixa de cometer erros de
percepção, elabora um processo bem mais preciso, rápido e
constante de diferenciação). Por conseguinte, sob a influên
cia da linguagem, a percepção da criança se transforma radi
calmente numa percepção material complexa e concreta.
Pesquisas posteriores mostraram que, a par com a lin
guagem, participam da formação da percepção complexa os
movimentos (movimentos da mão que tateia o objeto) táteis
e os movimentos dos olhos, que distinguem os traços informa
tivos essenciais do objeto e os sintetizam. Esses movimentos
têm inicialmente caráter amplamente desdobrado e caótico e
só paulatinamente se tornam organizados e cada vez mais re
duzidos.
Deste modo, o desenvolvimento da percepção é essencial
mente o movimento das ações voltadas para a descoberta das
particularidades essenciais dos objetos e a sua identificação.
A identificação rápida e simultânea dos objetos visualmente
perceptíveis é, de fato, o resultado do desenvolvimento paulati
no de uma atividade desdobrada de orientação e pesquisa e
sua transformação em “ação perceptiva” interna.
Processo análogo de redução dos movimentos analisadores
e identificadores dos olhos, que se manifesta no processo de
desenvolvimento, pode ser visto também no estudo do pro
cesso de análise de complexos quadros temáticos.
Dados igualmente essenciais foram obtidos no estudo do
desenvolvimento de formas mais complexas de atividade per
ceptiva nas crianças. Como mostraram os experimentos de
A. V. Zaporojets e seus colaboradores, atos como a avaliação
de uma magnitude, da forma e até da cor dos objetos não
são funções congénitas simples mas se formam através de uma
atividade de orientação e pesquisa que se “desprende” da ati
vidade prática e começa paulatinamente a apoiar-se na apli-
cação de “medidas” ;ou “padrões” conhecidos e elaborados
pela criança, sendo que a aplicação destes “padrões” começa
a ter caráter cada vez mais reduzido.
Tudo isto mostra que a percepção material do homem
sc forma no processo de uma ampla atividade perceptiva, sen
do a própria percepção material um produto "reduzido" dessa
atividade.
Ao estudarmos o desenvolvimento da percepção na infân
cia, não podemos omitir um importante episódio da história
desse problema.
Em seu livro sobre Psicologia infantil, o famoso psicólogo
alemão William Stern lançou a hipótese de que a percepção de
quadros e situações na criança revela quatro estágios básicos:
no primeiro a criança percebe apenas objetos isolados, no se
gundo, ações, no terceiro, as qualidades da coisa, no quarto,
as complexas relações entre as coisas.
Essa concepção das vias de desenvolvimento da percepção
manteve-se na Psicologia durante um período muito longo. Mas
em meados da década de 20 do nosso século o psicólogo so
viético S. Vigotsky mostrou que essa hipótese estava em con
tradição com o fato de que a criança percebe inicialmente si
tuações inteiras e só depois é capaz de separar nela os com
ponentes isolados. Vigotsky demonstrou essa afirmação pro
pondo a crianças não narrar mas representar ativamente o te
ma de um quadro. A criança, que através das palavras podia
designar apenas alguns objetos isolados, conseguia entender
facilmente e “representar” o tema do quadro.
Isto levou Vigotsky a levantar a hipótese de que os está
gios descritos por Stem em realidade não são estágios de de
senvolvimento da percepção mas estágios de desenvolvimento
do discurso infantil, no qual, como se sabe, predominam ini
cialmente os substantivos e só mais tarde discriminam-se as
palavras que significam ações, qualidades e relações.
Esse fato (que analisaremos adiante) indica o grande pa
pel desempenhado na percepção da criança pela linguagem
e constitui um dos fatos mais importantes da Psicologia atual.
7T
cional, compreende-se perfeitamente que em estados patoló
gicos ela possa apresentar distúrbios variados.
Em diversos estados patológicos do cérebro, esse proces
so pode apresentar distúrbios em diferentes níveis: em uns ca
sos o distúrbio é resultado do fato de que a informação senso
rial não chega ao córtex ou provoca excitações apenas insufi
cientemente estáveis e excitações insuficientemente limitadas;
noutros casos, as excitações que chegam ao córtex deixam,
devidamente, de unificar-se em sistemas e codificar-se; em
terceiros, o distúrbio atinge o elo ativo da atividade percepti
va e o doente ou não começa um ativo trabalho de procura,
destinado a discriminar os pontos mais informativos, ou não
mantém a “tomada definitiva da decisão” a respeito do obje
to que se encontra ã sua frente e toma uma decisão prematu
ra partindo apenas de um fragmento parcial do quadro perce
bido. Por último, podem ocorrer formas de patologia nas quais
o doente é incapaz de separar as influências estranhas das
propriedades fundamentais do objeto examinado e começa a
cometer erros, confundindo o esperado com o real ou as exci
tações casuais com os objetos autênticos.
Essa patologia da percepção pode ser observada tanto nas
afecçôes locais do cérebro como nas clínicas de doenças psí
quicas. Mencionaremos apenas os dados mais importantes que
permitem responder a essa pergunta.
A afecção das áreas occiptais do cérebro (áreas primá
rias do córtex visual) elimina a possibilidade de perceber o
objetivo visual, tendo em vista que as excitações que partem
da retina do olho não chegam, neste caso, ao córtex cerebral.
Se essa afecção é de caráter parcial e leva à abolição do ponto
limitado do campo de visão, o sujeito pode compensar esse
defeito por meio de um ativo movimento dos olhos. São co
nhecidos os casos em que o doente, com restrição muito gran
de do campo visual, pode executar com êxito o trabalho de
arquivista, reunindo ordenadamente manuscritos e em segui
da reunindo desenhos complexos.
Distúrbios consideravelmente graves da percepção de ob
jetos e imagens complexas surgem durante o distúrbio das
áreas secundárias do córtex (campos 18 e 19 de Broadman).
Nestes casos, o doente continua a perceber bem detalhes iso
lados do objeto ou de sua imagem mas é incapaz de sinteti
zá-los num todo único, razão pela qual ele não percebe todo
o objeto e é forçado a conjeturar do significado da imagem
por indícios isolados. Alguns doentes, ao examinarem o de
senho de um óculos, podem dizer: " . . . o que é isto?.. . é um
círculo e mais um círculo, . . e uma barra. . . na certa é uma
bicicleta?”; ou examinando o desenho de um galo ele pode
dizer: “ ...m as o que é isto ?... aqui tem um c la ro ... um
vermelho... um verde... não serão Iingüetas de fo g o ?...”
Os ativos movimentos dos olhos, incluídos por esses doentes
no processo de exame dos objetos, freqüentemente não os aju
dam a identificar o desenho complexo justamente porque,
neste caso, está deformada a síntese dos indícios isolados numa
imagem integral.
Uma forma original de distúrbio da percepção visual sur
ge durante a afecção das áreas parietal-occiptais do cérebro,
que provoca os fenômenos da chamada “agnosia simultânea”
(A. R. Luria). Nestes casos, o doente é capaz de identificar
bem objetos isolados ou imagens destes; no entanto, o volume
da percepção visual se reduz como resultado da patologia do
córtex visual que o doente fica em condições de operar simul
taneamente com apenas um ponto excitado, ficando os pontos
restantes como que inibidos. Por isto esses doentes podem
perceber apenas uma das duas figuras que se lhes mostram
simultaneamente e só após várias exposições rápidas (de um
triângulo e um círculo, por exemplo) eles declaram: “ora,
eu sei que aqui há duas figuras, um triângulo e um círculo,
mas vejo cada vez apenas u m a ...”.
É característico, que nesses casos, as dimensões da figura
percebida não têm importância para a sua percepção e o doen
te pode perceber do mesmo modo uma agulha ou um cavalo
mas é incapaz de perceber simultaneamente duas ou várias
imagens. É natural que um doente como este não pode atin
gir o centro de um círculo com um lápis porque ele vê si
multaneamente ou a ponta do lápis ou o círculo, cometendo,
por isto, eiTos característicos. Por esse mesmo motivo ele não
consegue traçar o contorno que lhe foi proposto nem ir além
de uma linha ao escrever uma carta. Os movimentos dos olhos
desse doente são desorganizados e ele, ao acompanhar facil
mente um ponto em movimento, não pode transferir a vista
de um ponto a outro. Compreende-se que para deslocar o
olhar de um ponto a outro é necessário conservar a capacida
de de perceber simultaneamente dois pontos: um, para o qual
o homem está olhandò, e o outro, que se encontra na periferia
do campo de visão e para o qual o olhar deve ser deslocado.
79
Essa condição é abolida durante o estreitamento da percepção
visual e sua limitação a um foco acessível de excitação, tor
nando-se impossível o deslocamento organizado do olhar de.
um objeto a outro.
É natural que se torne acentuadamente complexa para
esses doentes a análise de quadros temáticos difíceis. Eles dei
xam de “abranger” todo o quadro, percebem-lhe apenas frag
mentos isolados e são forçados a “conjeturar” o seu conteúdo
onde o homem normalmente o percebe.
Uma forma especial de perturbação da percepção visual
surge com a afecção unilateral (mais freqiientemente do lado
direito) das áreas occiptal-parietais do cérebro. Nestes casos,
pode-se observar um fenômeno sul generis, que na clínica re
cebeu o nome de agnosia ótica unilateral. Este fenômeno
consiste em que o doente deixa de perceber um lado (habi
tualmente o esquerdo) do desenho ou da imagem complexa
que se lhe apresenta. As peculiaridades dessa forma consis
tem em que, diferentemente da percepção unilateral do cam
po visual primário, provocada pela hemianopsia, esses doentes,
não recebendo sinais do respectivo lado do campo perceptível,
simplesmente ignoram esse lado; por isto não conseguem
contar o número de figuras representadas no quadro e nos
casos mais graves chegam a ignorar até o lado esquerdo de
dado objeto. É característico que, diante disto, nos movimen
tos dos olhos de semelhantes doentes aparecem várias pertur
bações. Ao fixar o lado direito do objeto que examina e fa
zendo um movimento complementar do olho no sentido desse
lado direito, tais doentes não passam a vista sobre o lado es
querdo do quadro, o que sugere uma original “diaferentação”
da metade esquerda da visão.
É inteiramente distinto o quadro do distúrbio que surge
nos doentes com afecções maciças dos lóbulos frontais do cé
rebro. Esses doentes conservam a percepção de detalhes isola
dos e imagens inteiras. No entanto os movimentos ativos dos
olhos, que efetuam a busca dos detalhes mais informativos,
são aqui grosseiramente perturbados e às vezes cessam intei-
ramente; o doente deixa de examinar o quadro e não tenta
orientar-se nele; pode sugerir uma hipótese do seu conteúdo
sem verificá-la, sem comparar os detalhes isolados do qua
dro e os erros de sua percepção não estão vinculados a fa
lhas da síntese visual mas de sua atividade de procura. Tudo
isto se manifesta no fato de que os movimentos de seus olhos
80
são passivos e caóticos e em que as diversas instruções que
lhes são dadas não mudam o sentido e o caráter desses mo
vimentos dos olhos.
Um dos fatores essenciais, que serve de base à patologia
da percepção visual nos doentes com afecção dos lóbulos
frontais do cérebro, é a inércia patológica, que se manifesta
tanto na avaliação dos objetos visuais como no movimento dos
olhos desses doentes.
A segunda fonte de perturbação da percepção visual de
objetos complexos em doentes com afecção dos lóbulos fron
tais do cérebro é a perturbação do processo de comparação
da informação real com a hipótese, informação essa que re
presenta um fragmento de mate
a causa do distúrbio da perce
atividade perceptiva e a
da “ação aceptora”.
Os distúrbios da percepção visual podem ocorrer taW vm
nos estados patológicos de atividade, provocados por uma afèc-
ção geral do córtex cerebral e pelos deslocamentos funcionais
que estão relacionados com a patologia geral na estrutura da
atividade psíquica.
Deste modo, entre os doentes com retardamento mental e
demência orgânica, podemos observar atraso ou desintegração
da análise de uma situação complexa com degradação da per
cepção visual de um quadro difícil até a enumeração de ob
jetos isolados; por isto o experimento de análise de um qua
dro temático tornou-se um dos pontos de apoio mais impor
tante no diagnóstico do retardamento mental.
Podemos observar distúrbios substanciais também nos
casos de psicose, particularmente nos casos de esquizofrenia.
As peculiaridades típicas da percepção consistem em que
a influência da experiência anterior sobre a análise de um
quadro polissêmico pode ser consideravelmente perturbada nes
te caso; se na pessoa normal essa análise ocorre sob a in
fluência reguladora da experiência anterior, graças à qual as
relações pouco prováveis são abandonadas e as altamente pro
váveis determinam a avaliação do sentido do quadro, já no es
quizofrénico essa influência desaparece, ele pode avaliar o sen»,
tido do quadro através de detalhes diretos, revelando-se sem
condições de controlar as hipóteses pouco prováveis qu®**"
afloram na mente.
0 estudo psicológico do distúrbio da percepção dos esta
dos patológicos do cérebro é de grande importância tanto
para o diagnóstico prático das afecções cerebrais como para
um estudo mais aproximado da estrutura da atividade percep
tiva de um homem normal.
Percepção do espaço
85
diagnóstico dos focos patológicos nas áreas subparietais do
córtex e nas respectivas formações subcorticais.
Percepção auditiva
87
Deste modo, cada som que chega ao aparelho do recep
tor auditivo provoca oscilação de uma ou várias séries de
cordas e essas oscilações excitam as células capilares corres
pondentes e provocam excitações dos nervos. Neste caso, os
sons altos provocam oscilações das cordas mais curtas e os
sons baixos, das cordas mais longas; as excitações nervosas
daí resultantes são conduzidas através dos respectivos fila
mentos do nervo auditivo.
A “teoria da ressonância do ouvido”, proposta em seu
tempo pelo notável fisiologista alemão Helmholtz, é adotada
pela maioria dos pesquisadores; só últimamente ela recebeu
correções do famoso fisiologista do ouvido Bekeshy, que in
dicou que a membrana fundamental da cóclea não é alonga
da e as cordas a ela fixas reagem às oscilações do líquido
segundo leis hidrodinâmicas.
O fato de o processo fundamental que ocorre no corte
periférico do receptor auditivo ser realmente a transforma
ção das oscilações mecânicas em complexos fenômenos ner
vosos (elétricos) é demonstrado pelo chamado efeito tele
fónico (ou microfónico), descrito pelos fisiologistas ameri
canos Wyver e Brain. Se desviarmos as correntes da ação do
nervo auditivo de um gato e, após aumentá-las, desviá-las
para um microfone situado numa sala contígua, pronuncian
do em seguida uma palavra no ouvido do gato, poderemos
ouvir essa palavra pelo microfone. Esse teste mostra que o
receptor auditivo funciona pelo princípio do microfone, que
traduz as oscilações mecânicas do som em oscilações elé
tricas. Os filamentos do nervo sonoro, que partem do órgão
de Kortiv, fazem parte da “via auditiva”. Neste caso, os fi
lamentos que partem de ambos os nervos auditivos, ao pro
duzir o ramo que segue para o corpo quadrigémeo inferior,
seguem na composição do “nó interior” no sentido dos apa
relhos centrais dos dois hemisférios. Eles cessam no corpo
caloso interno (aparelho subcortical do ouvido), de onde se
dirigem para a circunvolução transversal da área temporal (cir
cunvolução de Geshel), que é a zona auditiva primária (ou
de projeção) do córtex. Como ocorre em outras zonas de
projeção, os filamentos que conduzem impulsos de diferentes
freqiiências dispõem-se nessa zona de projeção em ordem
rigorosa: nas áreas internas (mediais) da circunvolução de
Geshel terminam os filamentos que conduzem os impulsos dos
tons altos e nas áreas laterais da circunvolução de Geshel
terminam os filamentos que conduzem os impulsos dos tons
baixos. . . .
Via de regra, a afecção da circunvolução de Geshel de
um hemisfério leva apenas è redução parcial da audição no
ouvido oposto (como já foi lembrado, os filamentos oriun
dos dos dois receptores periféricos da audição chegara tan
to ao hemisfério direito como ao esquerdo).
É essencial o fato descoberto pelo psicólogo soviético
Guershuni, segundo o qual a afecção do córtex da área tem
poral, sem se refletir nitidamente nos limiares da percepção
dos tons longos, leva a uma nítida elevação dos limiares (ou
a redução da sensibilidade), sons ultracurtos (de 1 a 5m.seg.),
que se manifestam no ouvido oposto. Esse fato leva a pen
sar que o papel do córtex auditivo não consiste apenas em
perceber os sinais sonoros que chegam ao receptor periférico
mas também em estabilizá-los, permitindo ao homem levar
em conta componentes mais fracionados e mais curtos desses
sinais, ...
As excitações que chegam à circunvolução de Geshel são
sucessivamente transmitidas aos aparelhos das áreas extemas
(conveccionais) do córtex temporal (campo 22 de Broadman)
que constituem a zona auditiva secundária. O predomínio dos
neurônicos da II e III camada, que distinguem essa zona, bem
como as suas íntimas ligações com outras áreas (motoras) do
córtex convertem a zona auditiva secundária no aparelho mais
importante, que permite discriminar os elementos essenciais
da informação auditiva, sintetizar os indícios desta e codificar
os sons em sistemas complexos, noutros termos, permitem
realizar processos de uma complexa percepção sonora.
91
Examinaremos mais detalhadamente os códigos fonemá-
tícos da língua quando analisarmos a psicologia da fala; aqui
nos limitaremos a breves comentários.
A codificação dos sons para sistemas correspondentes de
audição musical ou discursiva não é um processo passivo.
Como o sistema de percepção tátil ou visual do objeto,
a complexa percepção auditiva constitui um processo ativo,
que engloba componentes motores. A diferença entre a per
cepção auditiva e a tátil e visual consiste apenas em que se
na percepção tátil e visual os componentes motores estão
incluídos no mesmo sistema de analisadores (os movimen
tos de apalpação da mão, os movimentos de busca dos
olhos), na percepção auditiva eles estão separados do siste
ma auditivo c reunidos distintivamente num sistema especial
de canto vocal p ara.audição musical e de pronunciação para
audição do discurso.
O trabalho dos psicólogos soviéticos (A. N. Leôntyev,
О. V. Ovtchinnikova), bem como a experiência de músicos-
pedagogos que ensinam a língua estrangeira mostra que 6
justamente a produção dos tons necessários que constitui a
condição que permite distinguir e precisar a altura necessá
ria do tom, sendo a produção dos sons do discurso a condi
ção importante que permite precisar-lhe a composição sono
ra, abstraindo em cada caso os componentes sonoros es
tranhos.
Uma boa prova disto são os testes de Leôntyev; aqui
nestes ргорбе-se ao sujeito avaliar a altura dos tons a ele
apresentados num timbre suplementar dos sons “i” e “u ”.
O teste mostrou que tons de altura idêntica, apresentados
com essas diferenças de timbre são sempre percebidos como
diferentes pela altura; o tom apresentado no timbre “i” foi
avaliado como o mais alto, o tom apresentado no timbre
“u”, como mats baixo.
Foi necessário incluir no processo de análise da altura
do tom o próprio canto do sujeito para que este fosse capaz
de abstrair os traços secundários dos timbres e sua sensibi
lidade à altura do tom aumentasse bruscamente.
Ê característico que tais fenômenos da redução da audi
ção altamente sonora sobre o efeito do timbre tenham sido
observados em pessoas que falavam línguas “tímbricas” (rus
so, inglês, francês), não se observando em pessoas que fa
lam línguas “tonais” (o vietnamita), nas quais não é o tim-
bre mas a altura do tom que constitui o traço semântico
distintivo.
Deste modo, a observação aqui descrita mostra a gran
de importância que tem para a sutileza do ouvido a sua
inclusão no sistema da língua e o papel que o componente
motor “solfejo” do tom desempenha na abstração desses in
dícios estranhos.
Papel análogo é desempenhado pelo componente motor
na precisão do ouvido fonemático, com a única diferença
de que o solfejo é aqui substituído pela pronúncb dos sons
do discurso. As pessoas que lecionam língua estrangeira sa
bem perfeitamente que é o pronunciamento ativo que per
mite distinguir os traços fonemáticos necessários, dominar o
sistema fonemático objetivo da língua e deste modo precisar
essencialmente a audição fonemática do discurso.
93
ta excitação auditiva). A supressão desse reflexo constitui
uma importante prova objetiva da perturbação da função au
ditiva onde outras vias e métodos de estabelecimento de sua
patologia são inacessíveis.
A afecçSo das áreas primárias (projetoras) do córtex
auditivo leva a um nítido distúrbio da audição (a chamada
“surdez central") apenas nos raríssimos casos de afecção si
multánea das áreas de projeção dos dois hemisférios. No
caso de afecção unilateral das áreas de projeção do córtex
auditivo, a audição não sofre acentuadamente e só através
de um minucioso estudo experimental consegue-se constatar
certa elevação dos limiares (noutros termos, a redução da
sensibilidade auditiva) em sinais muito curtos (Guershuni).
Surgem nítidos distúrbios das formas complexas de per-
cepçào auditiva com a afecção das áreas secundárias do cór
tex auditivo mas essas perturbações apresentam caráter íntei-
ramente distinto durante a afecção da área temporal no he
misfério esquerdo (dominante) e do direito (subdominante).
A afecção das áreas posteriores da circunvolução tem
poral superior do hemisfério esquerdo não perturba, via de
regra, a complexa audição musical mas leva à perturbação
da capacidade de distinguir sons semelhantes (fonemas) da
fala. Doentes com essa afecção são incapazes de distinguir
fonemas semelhantes como “b” e “p", “d" e “p” ou “z” e
“s”, razão pela qual começam a ter dificuldades de entender
o discurso a eles dirigido. Esse fenômeno, conhecido na prá
tica clínica como “afasia sensória” não é acompanhado da
redução da sensibilidade auditiva geral nem da capacidade de
distinguir os sons dos objetos (as badaladas do relógio, os
sons de louça, o ruído dos automóveis); isto sugere que as
áreas secundárias do córtex auditivo do hemisfério esquerdo
estão intimamente ligadas ao sistema da linguagem. Foram
descritos casos em que músicos e compositores, com grave
afecção dessa área, mantiveram a capacidade não só de per
ceber a música mas também de continuar a sua atividade de
músico e compositor.
Um sintoma importante da afecção central desse tipo de
audição 6 a impossibilidade de captar e reproduzir ritmos
complexos (por exemplo, !!...!! . . . ou !. .!.). Esses dis
túrbios, a par com a perturbação da capacidade de captar
e reproduzir relações altamente sonoras, são importantes in
dícios de afecção do córtex auditivo.
94
A neurologia ainda sabe pouca coisa a respeito dos apa
relhos cerebrais que asseguram audição musical normal. Al
guns dados sugerem que na organização cerebral da audição
musical participa a área temporal direita (subdominante) e
possivelmente as áreas anteriores da região temporal.
Cabe observar que a afecção auditiva tenra de qualquer
origem pode criar dificuldades essenciais para o desenvolvi
mento intelectual da criança. As crianças que em idade tenra
tiveram reduzida a audição, começam a experimentar visí
veis dificuldades de percepção do discurso que lhes é dirigido
e como resultado a comunicação verbal dessas crianças é di
ficultada e perturba-se a formação do seu próprio discurso
e, simultaneamente, o desenvolvimento intelectual geral. É
por isto que as crianças duras de ouvido e com. atraso se
cundário do discurso são freqiientemente confundidas com
crianças mentalmente retardadas. O diagnóstico diferencial
do atraso secundário das crianças duras de ouvido com
atraso mental primário representa dificuldades consideráveis
e requer procedimentos especiais.
Com a afecção das áreas têmporo-parietais do córtex,
podem surgir formas especiais de distúrbio da audição. Nes
tes casos, os sons procedentes dos dois receptores periféri
cos começam a chegar irregularmente ao córtex, resultando
daí a perturbação do “efeito binário”, que permite localizar
nitidamente os sons no espaço.
Os sintomas que acabamos de descrever são sintomas de
queda ou redução da junção desse ou daquele elo do anali
sador auditivo. No entanto, não são menos importantes os
sintomas de irritação desses aparelhos.
Esses sintomas, que acompanham a irritação tanto da
parte condutora como da parte central como da via auditiva,
manifestam-se nos fenômenos das alucinações auditivas: sur
gimento de sensações de tons, ruídos, sons de música ou
fala na ausência de causas reais. Esses fenômenos podem ser
provocados por via experimental. Como mostraram observa
ções de neurologistas (Forfoerster, Penfield), a irritação das
áreas primárias (projetoras) do córtex auditivo pode provocar
a sensação de ruídos ou tons, enquanto a irritação das áreas
secundárias do córtex auditivo leva a pessoa afetada a ouvir
música, falas, etc. Semelhantes ocorrências podem ser pro-
95
ИИШЙЙЙSK'íffi'W ■М ' Я Ш Ш » » » * *
Percepção do tempo
97
podem surgir durante as afecções de algumas áreas do cére
bro (por exemplo, durante as afecções das zonas profundas
do lobo temporal e das formações subcorticais, relacionadas
com a regulação dos processos vegetativos) e servir de sin
tomas de apoio para o diagnóstico dessas afecções.
Formas especiais de perturbação da percepção do tempo
podem surgir também nos estados psicóticos, nos quais, se
gundo alguns autores, elas se constituem num índice da per
turbação das funções vitais profundas.
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