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85-95, 2008
PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia
e sustentabilidade na era da globalização. Trad. Rita Pereira. Porto Alegre: UFRGS,
2008. 372 p.
Por sua vez, para diferenciar o camponês do empresário não são invocados os
elementos diferenciais de classe, mas a dimensão das propriedades e os níveis de
incorporação de tecnologias exógenas. A situação de transição identificada pelo autor o faz
vislumbrar no modo empresarial de fazer agricultura uma condição paradoxal: ao mesmo
tempo em que se coloca como principal ameaça ao campesinato, pelo imperativo da
expansão contínua, também se apresenta como campo fértil para a recampesinização,
devido ao chamado squeeze na agricultura, traduzido pelo decréscimo da renda média na
atividade, em virtude da ação do Império. Para o autor, diversas foram as respostas ao
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Mostra que as redes que dão sustentação ao Império são, em grande medida,
virtuais, o que não retira a sua materialidade, por se instituírem com um fim explícito: o
controle sobre a riqueza produzida nas redes produtivas de fato. Isso impõe o controle dos
pontos de distribuição, de modo que para quem está fora do Império, cada vez é mais difícil
vender. Invoca, assim, a soma de esforços teóricos que evidenciem a importância dos
mercados locais, ainda que se saiba que é precisamente por meio da padronização
(travestida de normas sanitárias) que o Império procura bloqueá-los. A acessibilidade à
produção seria a palavra chave, razão pela qual cada vez mais os produtores têm que pagar
pelo direito de suas mercadorias chegarem ao consumidor.
Nesse contexto, o parâmetro que o faz tomar o modo camponês de fazer agricultura
como promissor é sua potencial autonomia produtiva em vista da capacidade singular de
mobilizar recursos em seu favor, culminando no que denomina de co-produção, ou seja,
manutenção e desenvolvimento continuado do chamado capital ecológico, leia-se condições
ambientais indispensáveis à atividade agrícola. É por isso que o campesinato estaria apto a
responder aos desafios da sustentabilidade, que supõem profundo conhecimento dos ciclos
da natureza e capacidade de coexistência com os mesmos. Advoga que enquanto os
camponeses podem potencializar os atributos da natureza, a agricultura empresarial
necessita submetê-la, uma vez que a variabilidade dos ciclos naturais afetos à agricultura
dificulta a padronização do processo de trabalho, criando obstáculos aos incrementos de
produtividade. Por isso, a tônica da agricultura empresarial é a artificialização, fundada na
incorporação de insumos externos, racionalização do trabalho, engenharia genética, entre
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outros. Isso supõe não apenas intensificação do capital em detrimento do trabalho, mas
desconexão com os ecossistemas, resultando em perda proporcional da eficiência.
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camponesa a um lugar no futuro, por ser mais poupadora de energia e insumos, além de
estabelecer uma relação mais parcimoniosa com a biodiversidade.
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O autor invoca o conceito de capital social (normas e redes que possibilitam a ação
coletiva) para demonstrar que a qualidade de vida no campo está estreitamente relacionada
com a diversificação camponesa e, mais, que se alimenta e se fortalece mutuamente dentro
dessa lógica. Nesse contexto, Ploeg identifica duas economias ditas morais, que pouco tem
a ver com a formulação conceitual de Thompson, dada a centralidade conferida ao fator
econômico. Para ele, a economia moral do campesinato se manifesta essencialmente na luta
permanente por distanciamento do mercado, o que acaba por soldar interações e trocas
estratégicas entre os pares e mesmo com a comunidade circundante. Já a dita economia
moral do empresariado estaria fundada nas estratégias individuais de inserção no mercado,
o que obviamente remete à competição, até porque haveria um consenso entre esses sujeitos
de que o mercado é excludente - apenas poucos sobreviverão. Para o autor, isso os faz
naturalizar as expressões perder e vencer, pois o entendem como uma arena de disputas em
que está em jogo a competência individual. Nessa visão, seria justo a eliminação dos
incompetentes: permanecer na competição pelo “futuro escasso”, leia-se mercado cada vez
mais seletivo, seria o prêmio para a superioridade de poucos. Nesse contexto, Ploeg procura
desconstruir o discurso do qual se valeram os neoliberais para consolidar as estratégias
imperiais nos países pobres, por meio do qual vinculava-se a superação da pobreza à
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como forma de se fomentar a especialização, coisa que vem sendo alterada em diversas
políticas públicas na Europa, que agora passam a evocar a pertinência da
multifuncionalidade e, com ela, das unidades camponesas. Contudo, de acordo com Ploeg,
as novas formas de fazer agricultura na Europa, em princípio atribuídas às políticas de
desenvolvimento rural são, na prática, expressões do processo de recampesinização
endógeno, promovido pelas próprias comunidades camponesas. Para ele, os projetos de
desenvolvimento rural, controlados pelo Estado, das instâncias locais às supranacionais,
colocam-se ora ao lado e, por vezes, contrariamente à luta por autonomia que o
campesinato empreende, porque sua orientação difere radicalmente, em vista do princípio
da controlabilidade intrínseco à ação do Estado.
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Entretanto, a eficiência a que refere-se Ploeg deve ser ponderada à luz dos fatos, já
que alguns setores da agricultura não são, por ora, passíveis de associação automática com
esse atributo, em virtude da equação tempo de trabalho e tempo de produção, como tão bem
elucidara Marx (1974), isso sem falar na própria superioridade produtiva, em termos
proporcionais, que a agricultura camponesa tem demonstrado na contemporaneidade, sendo
a obra profusa em evidências.
Concluindo, para o autor, a constituição do Império tem a ver com as atuais formas
de globalização, cuja essência é a ampla disseminação de normas e padrões, como forma de
assegurar a apropriação de riquezas. Nessa ordem, os lugares não passam de um conjunto
de coordenadas, já que as características locais, antes associadas a critérios de
autogovernabilidade são varridas em favor de padronizações e normas generalizadas que,
em última instância, são a alma do Império.
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Referências
FERNANDES, B. M. Formação e territorialização do MST no Brasil: 1979-2005. In:
MARAFON, G.; RUA, J.; RIBEIRO, M. A. Abordagens teórico-metodológicas em
Geografia Agrária. Rio de Janeiro: Eduerj, 2007.
MARX, Karl. O capital, Livro 3, Volume 6. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.