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ENTRE OS SONS DAS LETRAS E DOS PASSARINHOS: OS DESAFIOS

DO ENSINO REMOTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA COMUNIDADE DO


QUEBRA-POTE EM SÃO LUÍS-MA

Introdução

Ao nascer a criança se insere no mundo letrado. Através do convívio com seus


familiares e dos eventos sociais que participa, a criança vivencia as múltiplas práticas de
letramento. Ao entrar na escola, portanto, já percorreu um caminho que mobilizou leituras
do mundo antes mesmo de iniciar o seu processo de alfabetização. As práticas e eventos
de letramento vivenciados nas instituições de Educação Infantil tem contribuído para o
desenvolvimento da linguagem nas crianças pequenas, principalmente em comunidades
da zona rural, onde as possibilidades de interação com os elementos da natureza
possibilitam releituras significativas.
Contudo, perante uma Pandemia de Covid-19, houve a necessidade de buscar
novos mecanismos para dar continuidade ao processo educativo, pois as escolas
precisaram ser fechadas. A solução adotada pela maioria das escolas foi o uso das
tecnologias, que nesse novo contexto exigiu que os professores repensassem suas
práticas pedagógicas.
Em São Luís, capital do Estado do Maranhão, as escolas rurais reinventaram
suas propostas de educação das crianças na Educação infantil. Sob o desafio do Ensino
Remoto, orientado pela Secretaria Municipal de Educação como modalidade única de
ensino para a etapa, os educadores, coordenadores e gestores escolares tiveram que
buscar ferramentas de trabalho com base tecnológica para a continuidade do ano letivo.
Sob essa perspectiva, este texto visa analisar práticas e desafios de docentes, em
exercício durante a pandemia, atuante na Educação Básica, em uma escola pública
localizada na zona rural.
Este artigo é resultado de uma pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas
Infância e Brincadeiras (GEPIB), que neste momento muito têm contribuído na reflexão
sobre nossas práticas, nos trazendo questões norteadoras para registrar: o ensino remoto
se ajusta ao processo de desenvolvimento da linguagem das crianças que vivem na zona
rural, que possuem aparato tecnológico limitado? O distanciamento social vivido nesse
momento por causa da Pandemia impacta na aprendizagem da leitura e escrita das
crianças na Educação Infantil, que vivem em contextos rurais?
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Resultados e Discussões

O projeto Educacional de uma sociedade reflete suas buscas para alcançar


seus propósitos e responder a suas demandas; ou seja, um modelo educativo é fruto de
um conjunto de questões sociais, econômicas e culturais. Nesse sentido, diferentes
contextos levam o homem a criar novos métodos, novas tecnologias, novas maneiras de
se comunicar e trocar informações, de compartilhar conhecimentos, refletindo na
educação, no modo como ela é pensada e articulada, o ensino remoto é uma resposta a
um momento pandêmico vivenciado neste ano de 2020, é necessário explicar que ele foi
a alternativa possível para milhares de jovens não deixassem de ter acesso ao
conhecimento historicamente acumulado pela sociedade.
O ensino remoto na Educação Infantil, em especial traz muitas inseguranças e
incertezas, para educadores e familiares. As escolas enfrentam o desafio de evitar a
evasão das crianças e de garantir novas matriculas, a UEB MEUS AMIGUINHOS –
Quebra Pote, teve pouquíssima procura de matriculas nos anos de 2020/2021, as famílias
diante das dificuldades impostas pela pandemia (financeiras, perda de entes queridos,
mudança de rotina) ou até mesmo dificuldade de compreensão dos pais nas aulas
remotas ou mesmo a ausência de internet e aparelhos celulares mais avançados.
A maior dificuldade na execução do ensino remoto é como garantir as interações
entre as crianças? Como se dará a brincadeira? Uma que o brincar é elemento essencial
para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O novo panorama imposto pela
pandemia exigiu e continua exigindo das equipes das escolas uma adequação profunda
no planejamento das ações e reflexão constante para adquirir melhores formas para se
manter o contato com as crianças e as famílias.
De acordo com Linhares; Enumo (2020):

Além das grandes perdas do processo de aprendizagem formal,


as crianças estão sendo privadas da necessária socialização com
os pares, em que ocorrem aprendizados significativos para o
desenvolvimento humano. tais como: experiências lúdicas
compartilhadas, que implica em interações proximais face a face;
cooperação; convivência com as diferenças; compartilhamento de
decisões; enfrentamento de desafios; negociação de conflitos;
adiamento de gratificações; espera da sua vez; exercício controle

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de impulsos; entre outras habilidades. (LINHARES; ENUMO,


2020, p. 4).

Segundo Soares (2009), é na Educação Infantil que começam a ser


desenvolvidas atividades que envolvem a alfabetização e as práticas sociais de escrita e
leitura, conceituadas como letramento. A autora enfatiza que o contato com a linguagem
escrita não se limita apenas ao processo de escrita das palavras, é também parte
indispensável do processo de leitura e prática da escrita. Com a Pandemia por Covid-19,
esse processo sofre forte impacto e que mediante exigência de isolamento social, sujeitou
educadores e crianças a processos de desigualdades e exclusão social.
De acordo com Nóvoa (2020):
De um modo geral, ninguém estava preparado para esta situação e
a avaliação que, hoje, já podemos fazer revela aspectos negativos,
como as desigualdades e o empobrecimento pedagógico, mas
também positivos, como a ligação com as famílias e a inventividade
de muitos professores. É preciso reconhecer os esforços para
manter uma ligação com os alunos e com as famílias. Os governos
deram respostas frágeis, e as escolas também. As melhores
respostas, em todo o mundo, foram dadas por professores que, em
colaboração uns com os outros e com as famílias, conseguiram pôr
de pé estratégias pedagógicas significativas para este tempo tão
difícil. (NÓVOA, 2020, pág. 08)

Para orientar essa nova perspectiva do trabalho pedagógico na Educação


Infantil, o Conselho Nacional de Educação através do parecer 05/2020 dava as seguintes
diretrizes:
Para as crianças da pré-escola (4 e 5 anos) as orientações são
similares: [...] atividades de estímulo às crianças, leitura de textos
pelos pais ou responsáveis, desenho, brincadeiras, jogos, músicas
infantis e algumas atividades em meios digitais quando for possível.
A ênfase deve ser em proporcionar brincadeiras, conversas, jogos,
desenhos, entre outras para os pais ou responsáveis desenvolverem
com as crianças. As escolas e redes podem também orientar as
famílias a estimular e criar condições para que as crianças sejam
envolvidas nas atividades rotineiras, transformando os momentos
cotidianos em espaços de interação e aprendizagem. Além de
fortalecer o vínculo, este tempo em que as crianças estão em casa
pode potencializar dimensões do desenvolvimento infantil e trazer
ganhos cognitivos, afetivos e de sociabilidade. (BRASIL, 2020, p. 10)

O futuro da educação do Brasil estava incerto, Secretarias de Educação de


todo país passaram a planejar e pensar sobre possibilidades para atuação das
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instituições de ensino. É neste contexto, em meio a críticas e discussões que surgiu a


adoção do ensino remoto. De acordo com parecer, nº 05/2020, organizado pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), é autorizada a realização do ensino remoto na Educação
Infantil, dado às medidas de isolamento social diante à pandemia do COVID 19.
Medidas de isolamento social exigiram de todos uma reorganização social,
novas formas de se fazer e viver. Com a educação não foi diferente, tivemos diante de
nós o desafio de fazer ensino remoto, e o que seria isto? Como faríamos? Fomos todos
surpreendidos, sem dúvidas teríamos que fazer algo totalmente inovador, que exigia,
tecnologias, formação, apoio às famílias. Junto ao ensino remoto surgiram diversos
questionamentos. Como fazer educação infantil por meio remoto onde os eixos principais
são as interações e as brincadeiras? Que instrumentos tecnológicos iremos utilizar para
alcançar a todos? Antes de descrever algumas estratégias utilizadas, é importante
destacar que no ano de 2020 recebemos pouquíssimas orientações sobre ensino remoto
por parte de nossa rede de ensino, ou mesmo qualquer tipo de formação.
Conforme Santos (2020), a quarentena é um processo discriminatório, uma vez
que, os grupos sociais diferentes enfrentam a situação de maneiras distintas. Enquanto
para uns grupos é mais difícil, para um vasto grupo é impossível: “[...] São grupos que
têm em comum padecerem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e
se agrava com ela” (SANTOS, 2020, p. 15). Nesse contexto, destaca-se o contexto de
zona rural, que possuem limitações de acesso a internet e de aparelhos tecnológicos de
ultima geração. O trabalho desenvolvido, portanto, dentro das instituições educacionais
que estão inseridas nesse contexto, enfrentam diversas dificuldades como a evasão
escolar.
Não existe uma resposta única e a participação das crianças no ensino remoto
não é uma obrigação, é um convite, pois as realidades das famílias são diferentes, mas é
importante garantir que de certa forma o acesso ao patrimônio sócio cultural acumulado
continue sendo acessado e veiculado, no sentido de explorar o entorno, afinal a escola é
um espaço de socialização e privilegiado de interações que ocorrem fora da família, que
tem como compromisso a garantia de direitos para as crianças em fase de escolarização.

Posto isso, o desafio de organizar o ensino remoto na comunidade de Quebra Pote,


que cresceu às margens do Rio Tibiri, na qual a maior parte dos moradores vivem da pesca

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ou da agricultura familiar, produzindo frutas, verduras e legumes. Com grande frequência


ouvíamos em nossas aulas presenciais as seguintes frases: “amanhã irei pescar com
meu pai tia”, “lá na plantação professora” ou “as galinhas do meu quintal...”. Expressões
rurais tão repletas de significados. Essas famílias jamais imaginaram que teriam que
utilizar meios tecnológicos para dar continuidade a aprendizagem e desenvolvimento de
seus filhos.
No dia 17 de março de 2020, as aulas presenciais foram totalmente paralisadas,
logo uma série de medidas foram tomadas para se realizar um trabalho/ensino remoto
para as crianças. As professoras prepara, rotinas semanais, estas foram elaboradas com
base na BNCC, e continham atividades que contribuem para alcance dos objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento.
Além das rotinas, cada professor considerando as especificidades de suas
turmas, orientaram os pais, produziram vídeos, sugeriram atividades de vida diária e
elaboraram apostilas de acordo com os níveis de seus alunos, além de estimular
cotidianamente as famílias e se colocar a disposição delas. Para construção deste
relatório além da observação do professor, da avaliação das atividades, foram realizadas
entrevistas com os pais para saber como estaria o desenvolvimento das crianças.
As educadoras sentiram falta de aulas passeios, que podiam ser realizadas ali
mesmo no entorno, a poucos metros da sala de aula tinha uma árvore para abraçar, para
sentar, para recolher folhas secas e fazer artes, podiam ali mesmo sem precisar de
nenhum transporte colher gravetos para as produções, podiam ver barcos e pescadores
passar, não precisavam de tecnologia, de celulares de última geração etc... pois a
presença, a interação, era suficiente para educar, para ouvir as crianças e aprender com
elas. Alguns passos e podiam estar à beira do Rio Tibiri, aprendendo sobre o curso das
águas, sobre os diversos tipos de peixes, ou podiam ir até à Baía do Arraial com o ônibus
escolar.
Diante disto, entre as primeiras ações com o objetivo de organizar o ano letivo
remotamente, a escola entrara em contato com os pais via telefone, e cada professor
organizara sua lista com contatos, que já existiam no dossiê de cada criança. Primeiro
desafio: a grande maioria dos contatos ou estavam errados, ou não completavam a
ligação, e para conseguir o contato certo ou de algum familiar foi quase um mês, com o
apoio de toda comunidade escolar.

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Em cada lar poderíamos observar que apenas 1 celular estava disponível para
receber as informações escolares de 2 ou 3 filhos. Existiram casos de nenhum também. A
internet utilizada era de dados móveis e não wi-fi. Logo após a organização das crianças
em grupos de WhatsApp, a plataforma mais utilizada por todos, conversou-se sobre a
possibilidade de propostas interativas nessa rede social, e ficou acertado que seria a
melhor forma de alcance da maioria das crianças. Preservar a identidade da Educação
Infantil foi algo que não se abriu mão, pois logo inicialmente foram relembradas as
músicas prediletas, as brincadeiras e o compartilhamento com a família.
Lembrando sempre às crianças que elas fazem parte do grupo identitário da
escola e a sensação de pertencimento naquele espaço ainda que não fisicamente no
momento. As professoras sempre avisavam com antecedência o que ocorreria a cada
semana, para que os pais pudessem se organizar. E ainda havia a possibilidade de por
certo período que o pai não teria acesso à internet, levaríamos as propostas impressas,
para aqueles que não possuíam telefones e recebiam os recados por vizinhos e amigos.
Nesses momentos de diálogo percebemos que a escola nesses tempos difíceis
poderia contribuir com as famílias, até para salvaguardar a sanidade mental das crianças.
Gravação de histórias em áudio e vídeo para compartilhar com elas, orientações sobre o
brincar em casa, estratégias de leituras, momentos lúdicos com músicas, poemas,
advinhas entre outros.
Não podemos falar em avaliação da Educação Infantil nessas circunstâncias,
assim como não podemos negar que mesmo dentro de todas as impossibilidades,
ficamos felizes quando nossos alunos nos mandavam áudios, dizendo que estavam com
saudade da escola, quando recebíamos vídeos das crianças brincando em seus quintais,
produzindo brinquedos juntamente com seus familiares, escrevendo seu nome, fazendo
seus desenhos, e até mesmo mandando desafios, como um aluno que pediu para uma
professora recitar um trava-língua e mandar em áudio para ele.
A escola se tornou uma rede apoio, até para informar a comunidade escolar
sobre a situação que agravou a pobreza no nosso país. Era preciso dar suporte com a
distribuição de cestas básicas e informações diversas, sem romantizar o ensino na
modalidade remota, por não atender a educação infantil em suas singularidades e
complexidades, mas que no período de pandemia tem aproximado muito as famílias da
gestão escolar e dos professores de Educação Infantil.

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Considerações finais

Diante do relato, observou-se que, a inclusão de uma proposta pedagógica que


considere a diversidade de contextos das comunidades e povoados que compõem um
município, em situações distintas de letramento, se transformou em um verdadeiro desafio
para as instituições de educação infantil, pois as dificuldades são potencializadas no
cenário inusitado do isolamento social. Assim, a realização de práticas letradas que
atendam aos anseios de uma sociedade cada vez mais tecnológica exige várias
reflexões.

No período de um longo isolamento social, a criação de políticas públicas que


atendam às realidades e suas diversidades para suprir a lacuna deixada pela ausência de
aulas presenciais - com a simples transposição das tradicionais práticas pedagógicas
para o universo digital - não constitui garantia de que o processo de ensino e
aprendizagem aconteça de forma efetiva. Seria preciso as mobilizações nas comunidades
na luta pela garantia de direitos à educação das crianças, filhos das comunidades rurais,
respeitando os saberes da terra.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020. Presidência da


República. Brasília/DF, 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização.


PNA Política Nacional de Alfabetização/Secretaria de Alfabetização. –
Brasília: MEC, SEALF,2019. 54 p

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

LINHARES, Maria Beatriz Martins;Enumo Sônia Regina Fiorim. Reflexões


baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia COVID-19 no
desenvolvimento infantil. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 37, 2020.

NÓVOA, António. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação. Revista Com Censo:


Estudos Educacionais do Distrito Federal, [S.l.], v. 7, n. 3, p. 8-12, ago. 2020. ISSN
2359-2494. Disponível em:
<http://periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/905>. Acesso em: 23 mar.
2021.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições


Almeidina. Recuperado em 20 de Abril, 2020, disponível em:
https://www.cpalsocial.org/documentos/927.pdf

SOARES, Magda. Como fica a alfabetização e o letramento durante a pandemia?


Entrevista no canal Futura. 08/09/2020. Disponível em
https://www.futura.org.br/como-fica-a-alfabetizacao-e-o-letramento-durante-a- pandemia/.
Acesso em: 10 de março de 2021.

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