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VINUTO, Juliana.

Ecos da pandemia nos sistemas socioeducativos: masculinidades caricatas


e suas propagações securitárias. Reflexões na Pandemia. Dilema: Revista de Estudos de
Conflito e Controle Social - Reflexões na pandemia 2020. Niterói, Rio de Janeiro:
Universidade Federal Fluminense, 2020, pp. 1-13.

Fichamento: Leila Vertamatti

- situação do adolescente em internação socioeducativa;


- vulnerabilidade dos profissionais que atuam nos sistemas socioeducativos;
- masculinidade x irresponsabilidade dos servidores com relação ao uso de
equipamentos de segurança individual.

Por meio de vários, relatos, entrevistas, autores e notícias, a autora aborda questões
presentes nos sistemas socioeducativos, que se mostram intensificadas com a pandemia do
Covid-19 e que vão na contramão do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com relação aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de


internação, o ECA prevê internação em "estabelecimento educacional". Contudo, durante a
pandemia, os movimentos se deram na mesma direção que os sistemas penitenciários:
suspensão de visitas, medidas restritivas de desencarceramento, suspensão temporária de
medidas socioeducativas em meio aberto ou ainda de semiliberdade.

Além dessas medidas, outras se tornaram bastante frequentes, entre elas, a suspensão
de visitas familiares e para minimizar os efeitos negativos dessa decisão, algumas instituições
organizaram videochamadas ou telefonemas entre adolescente e sua família, sem contudo,
garantia de privacidade e periodicidade dessas ações. A autora ressalta que, apesar de
inadequada, é um meio de os familiares saberem se o adolescente está vivo.
Outra ação positiva, em meio a toda essa insegurança, é a existência de aulas e cursos
on-line, competições e até mesmo campeonato de xadrez on-line, em alguns estados.
Outros pontos positivo, em meio à atual situação caótica, observados pela autora, são:
- a "instalação de pias com água e sabão para reforçar os procedimentos de prevenção
ao contágio pelo vírus Sars-Cov-2" (OLIVEIRA, 22/05/2020. In: VINUTO, 2020, p.
2);
- audiências virtuais, contestada, contudo, como inconstitucional pela Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, pois: pode prejudicar o direito de defesa dos jovens
internados, uma vez que não há confidencialidade da conversa entre eles e os
advogados nem tão pouco o acompanhamento do processo por parte dos pais.
Simultaneamente, as audiências virtuais podem aumentar o encarceramento.

Apesar do ECA trazer em seu artigo 121 que a medida socioeducativa de internação
deve ser tratada como exceção e que a prioridade é para medidas socioeducativas em sistema
aberto, a privação de liberdade é o padrão encontrado nessas instituições e a superlotação
continua a ser um problema existente (VINUTO, 2020, p. 3).
De acordo com a autora, esses espaços são insalubres e com a pandemia, o contágio se
torna praticamente inevitável.
No intuito de diminuir a quantidade de profissionais na instituição, algumas delas
alteraram a jornada de trabalho dos servidores (p.1). Mesmo assim, são vários os casos
diagnosticados com Covid-19, os quais podem transmitir a doença tanto para suas famílias,
uma vez que ao final da jornada de trabalho retornam para suas casos, como para outras
pessoas comas quais convivem no centro de internação, seja adolescente, seja colega de
trabalho. Em caso positivo da doença, esses profissionais seguem com o tratamento em suas
casas, mas os adolescentes são separados em ambientes, segundo o autor, tão insalubres
quanto no que viviam (VINUTO, 2020, p. 3).
Soma-se a isso, a falta de equipamento adequado de proteção individual para esses
profissionais (máscaras, luvas, álcool em gel, etc), o que deixam os servidores em situação de
vulnerabilidade e aumenta o risco de transmissão da doença, seja entre seus familiares, seja na
própria instituição de trabalho (VINUTO, 2020, p. 3). O resultado é a maior contaminação
entre os profissionais do que entre adolescentes internados, como aponta a autora (MELO e
BORGES, 13/05/2020; FEITOSA, 19/05/2020; O DIA, 22/05/2020. In VINUTO, 2020, p. 4)
e que encontra justificativa para tal quadro, talvez o motivo de adolescentes não estarem entre
a população de risco e em caso de contágio, não desenvolvem quadros graves da doença.
Além das dificuldades materiais e estruturais para o enfrentamento da epidemia, há
ainda outra questão revelada nos relatos colhidos, que é a rejeição ao uso de equipamentos
individuais. Um dos relatos, assim descreve a situação: "tanta testosterona e fé no Messias
que creem mesmo que isso é só uma gripezinna" (servidor do Departamento Geral de Ações
Socioeducativas, RJ. In: VINUTO, 2020, p.4), o que evidencia questões relacionadas à adesão
política e ao modelo estereotipado de masculinidade " que se pauta pela virilidade e a
valorização da agressividade" (VINUTO, 2020, p.4).
Nesse tipo de conduta, entende-se que sentimentos e emoções são sinais de fraqueza.
O uso de equipamentos de segurança se traduz como medo de contrair a doença e, como o
medo representa fraqueza, contraria a "masculinidade agressiva", deve ser evitado (VINUTO,
2020, p.5). Além disso, a agressividade é ferramenta de controle a possíveis insubordinações
e de respeito profissional, pois é sinônimo de coragem (VINUTO, 2020, p.5).
Contudo, a autora, ao analisar esse tipo de conduta, a classifica como "masculinidade
caricata [...[ como uma versão exagerada, espalhafatosa e até grotesca do que poderia ser
pensada como o modelo hegemônico e masculinidade" (KIMMEL, 2005, CONNEL e
MESSERSCHMIDT, 2013. In: VINUTO, 2020, p.5). De acordo com Connel e
Messerschmidt essa conduta de masculinidade é hegemônica e normativa, uma vez que
demandam posicionamento por parte dos envolvidos, pois legitimam, segundo essa ideologia,
a subordinação. Todavia, essa conduta é vista como infantil e irresponsável, no meio
socioeducativo, pois aumenta o risco de contaminação.
A conduta reflete ainda a concepção adotada nos sistemas socioeducativos - de ordem
e controle, que é contrária ao objetivo de ressocialização normatizado pelo ECA. O controle
está acima de qualquer cuidado com os adolescentes, pois a concepção difundida entre os
servidores é a de que "bandido bom é bandido morto" (VINUTO, 2020, p.6) e, por esse
motivo, não são merecedores de cuidados.
Portanto, a concepção de masculinidade, se manifesta como coragem entre os
servidores, como controle entre servidores e adolescentes, como caricata e irresponsável, pois
favorece a propagação do vírus - e, portanto "um sintoma de adoecimento" (ARREO, 2017.
In. VINUTO, 2020, p.6).
São questões sérias que precisam ser analisadas e discutidas, a fim de que se produza
movimento em direção contrária e que se iniba contágios decorrentes de condutas
irresponsáveis.

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