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UNIP – Universidade Paulista

Disciplina: ECONOMIA – 1º sem 2017


CURSO: DIREITO
Apostila 2a

HISTÓRIA OU A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO

HISTÓRIA DA ECONOMIA

Pode-se afirmar que o nascimento da economia como corpo teórico de estudo,


independente-mente da política e da filosofia, ocorreu em 1776, quando Adam Smith
publicou sua principal obra: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of
Nations (1776; Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das
nações).

Naturalmente, a economia existia antes: os gregos fizeram importantes


contribuições, assim como os escolásticos da Idade Média; do século XV até o
século XVIII, floresceu a escola de pensamento denominada mercantilismo; e,
durante parte do século XVIII, os fisiocratas franceses formularam um modelo
econômico.

Entretanto, foi Smith quem escreveu o tratado mais completo sobre economia, que
mais tarde deu lugar ao que se denominou ‘Escola de Economia Política Inglesa’.

Em 1817, a obra de David Ricardo Principles of Political Economy and Taxation


(Princípios de economia política e tributação) comentou criticamente a Riqueza das
nações em uma nova perspectiva: a economia política. Uma argumentação
essencial do sistema ricardiano é o princípio enunciado no Essay on Population
(1798; Ensaio sobre a População), de Thomas Robert Malthus.

Em 1848, John Stuart Mill, em Principles of Political Economy (1848; Princípios de


economia política), deu novo vigor à sua teoria. Em 1867, foi publicado o primeiro
tomo de Das Kapital (O capital), de Karl Marx, o último economista da escola
clássica, já que, em grande parte, sua obra se baseava nos ensinamentos de Smith
e Ricardo, que haviam enunciado a teoria do valor do trabalho.

Na década de 1870, surgiu a denominada revolução marginalista, desenvolvida pelo


inglês William Stanley Jevons, o austríaco Anton Menger e o francês Léon Walras.
Sua grande contribuição consistiu em substituir a teoria do valor do trabalho pela
teoria do valor baseado na utilidade marginal.

Durante as três últimas décadas do século XIX, os marginalistas ingleses,


austríacos e franceses foram afastando-se uns dos outros, criando três novas
escolas do pensamento: a austríaca, concentrada na análise da importância do
conceito de utilidade como determinante do valor dos bens, destacando-se Eugen
von Böhm-Bawerk; a inglesa, liderada por Alfred Marshall, que tentava conciliar as
novas idéias com a obra dos economistas clássicos; e a terceira, liderada por
Walras, o principal marginalista francês, que aprofundou esta análise, estudando o
sistema econômico em termos matemáticos.

1
Entre a publicação dos Principles of Economics (1890; Princípios de economia) de
Marshall e o crash de Wall Street de 1929, as três escolas foram se aproximando até
a criação de uma única corrente de pensamento: a neoclássica, liderada por
Marshall e Walras.

A teoria de Marshall foi desenvolvida por Alfred Pigou, fazendo uma distinção entre
custos privados e custos sociais e definindo as bases para a formulação da teoria do
bem-estar.

Paralelamente, os economistas Irving Fisher e Knut Wicksell desenvolveram uma


teoria monetária, que explicava como se determinava o nível geral dos preços,
diferenciando-os da fixação individual de cada preço.

Durante a década de 1930, a crescente unidade da economia foi rompida,


principalmente, pelo surgimento, em 1936, de The General Theory of Employment,
Interest and Money (Teoria geral do emprego, do juro e da moeda), de John
Maynard Keynes, surgindo, então, a teoria keynesiana.

Entretanto, a escola histórica alemã e a escola institucionalista norte-americana


haviam desenvolvido uma forte resistência para se protegerem dos ataques da
principal corrente ortodoxa.

A primeira rechaçava a idéia de criar uma economia, em termos abstratos, baseada


em supostas leis universais, considerando necessário estudar os fatos concretos em
cada contexto nacional. Já a escola institucionalista norte-americana, representada
por economistas como Thornstein Veblen, Wesley Clair Mitchell e John R.
Commons, mostrava seu desacordo com a tendência de separação da economia do
resto das ciências sociais e revelava a preocupação de encontrar um mecanismo de
ajuste automático dos mercados.

A esperança de que a economia institucionalizada pudesse criar uma nova ciência


social interdisciplinar desapareceu rapidamente, embora seu espírito permaneça
vivo em obras como The New Industrial (1967; O novo estado industrial) e The
Affluent Society (1969; A sociedade opulenta), de John Kenneth Galbraith.

Criada sobre as novas idéias que começaram a surgir durante a década de 1930, a
teoria da concorrência imperfeita ou monopolista é até hoje uma teoria polêmica. Os
primeiros economistas haviam se voltado para o estudo de duas estruturas de
mercado extremas: o monopólio e a concorrência perfeita.

Essa teoria reconhece uma ampla variedade de estruturas intermediárias, como o


oligopólio.

Durante os 50 anos posteriores à II Guerra Mundial, a economia sofreu grandes


mudanças. Atualmente, utiliza-se da análise matemática em quase todas as
especialidades, conhecida como econometria.

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História do pensamento econômico

As questões econômicas têm preocupado muitos intelectuais ao longo dos séculos.


Na antiga Grécia, Aristóteles e Platão dissertaram sobre os problemas relativos à
riqueza, à propriedade e ao comércio. Durante a Idade Média, predominaram as
idéias da Igreja Católica Apostólica Romana e foi imposto o direito canônico, que
condenava a usura (contrato de empréstimo com pagamento de juros) e considerava
o comércio uma atividade inferior à agricultura.

Como ciência moderna independente da filosofia e da política, destaca-se a


publicação da obra An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations
(1776; Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações), do
filósofo e economista escocês Adam Smith.

O mercantilismo e as especulações dos fisiocratas precederam a economia clássica.


Essa parte dos escritos de Smith é desenvolvida na obra dos economistas do
século XIX, como Thomas Robert Malthus e David Ricardo, e culmina com a síntese
de John Stuart Mill. Estes aceitaram a lei de Say sobre os mercados, fundada pelo
economista Jean Baptiste Say.

Nela, o autor sustenta que o risco de um desemprego maciço em uma economia


competitiva é desprezível, porque a oferta cria sua própria demanda, limitada pela
quantidade de mão-de-obra e os recursos naturais disponíveis para produzir, não
podendo, portanto, haver nem superprodução nem desemprego.

Cada aumento da produção aumenta os salários e as demais receitas necessárias


para a compra dessa quantidade adicional produzida.

A oposição à escola do pensamento clássico veio dos primeiros autores socialistas


do século XIX, como Claude Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon, e do utópico
Robert Owen. Porém, foi Karl Marx o autor das teorias econômicas socialistas mais
importantes.

Na década de 1870, aparece a escola neoclássica, que introduz na teoria clássica


as novas produções do pensamento econômico, principalmente os marginalistas,
como William Stanley Jevons, Léon Walras e Karl Menger. O economista Alfred
Marshall, em sua obra-prima, Principles of Economics (1890; Princípios de
economia), explicava a demanda a partir do princípio da utilidade marginal e a
oferta, a partir do custo marginal (custo de produção da última unidade).

John Maynard Keynes, defensor da economia neoclássica até a década de 1930,


analisou a Grande Depressão em sua obra The General Theory of Employment,
Interest and Money (1936; Teoria geral do emprego, do juro e da moeda), em que
formulou as bases da teoria que, mais tarde, seria chamada de keynesiana ou
keynesianismo.

Tanto a teoria neoclássica dos preços como a teoria keynesiana da receita tem sido
desenvolvida de forma analítica por matemáticos, utilizando técnicas de cálculo,
álgebra linear e outras sofisticadas técnicas da análise quantitativa. Na

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especialidade denominada econometria, a ciência econômica se une com a
matemática e a estatística.

O final da Idade Média e a Escolástica

O nascimento da economia política deu-se em um período de transformações


no mundo feudal e do surgimento de novos paradigmas filosóficos e culturais.
Na Idade Média, a vida econômica, social e política se organizavam em torno
dos feudos, que consistia em uma grande unidade agrícola auto-suficiente, povoada
por camponeses e servos e dominada por um senhor. O objetivo da produção seria,
basicamente, produzir para consumo próprio e proporcionar um excedente para o
senhor. Entretanto, com o surgimento de uma intensa atividade comercial, primeiro
dentro da sociedade feudal, e depois fora dela, impulsionou-se o desenvolvimento
de uma outra unidade político e econômica importante: as cidades.
Segundo Screcapanti e Zamagni1, força dos preceitos religiosos nas
proposições econômicas pode ser observada em relação à temática do "salário
justo": aqui o salário deveria ser tal qual aquele necessário para a subsistência do
trabalhador segundo sua condição social e o "preço justo" das mercadorias deveria
ser aquele que proporcionasse aos comerciantes a cobertura de seu custo de
produção e um lucro moderado, para satisfazer as necessidades de suas famílias e
dar-lhes a oportunidade de doações para obras caridade. Nesse sentido, o
pensamento escolástico desqualifica o comércio enquanto atividade puramente
mercantil voltado para o enriquecimento privado e acentua que sua legitimação
decorre apenas de suas funções comunitárias, como uma prestação de serviços.
Nesse sentido, o "lucro" pouco mais era do que um salário de direção e gastos de
representação.
Entretanto, outras vezes, o “preço justo" aparece não como um custo de
produção, mas pela capacidade que as mercadorias oferecem de satisfazer as
necessidades humanas. De qualquer forma, se não há uma clara definição de como

1
As considerações que se seguem no texto apresentam um resumo dos autores (Ver Screpanti e Zamagni, 1997).

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o "preço justo" é medido, não há dúvida de que ele é uma propriedade intrínseca às
mercadorias e deve corresponder a preceitos comunitários.

"(...) o preço justo deve ser tal para garantir a justiça commutativa  a saber, o
intercâmbio geral , de modo que nada pudesse obter-se mediante a troca de
mercadorias mais do que lhe é dado (...)"

As proposições não-mercantis dos preceitos escolásticos atingiam inclusive a


moeda, que, diferentemente das outras mercadorias, não teria um valor em si, mas
um valor convencional imposto pelo príncipe. Em São Tomás de Aquino (1221-
1274), a moeda representa apenas uma invenção humana para medir o valor das
mercadorias e facilitar as relações de intercâmbio. Como a moeda é um bem que se
consome no seu uso imediato, a usura (processo de enriquecimento baseado
apenas na manipulação da moeda, como o entesouramento ou lucros advindos de
empréstimos) é condenada. Dentro da escolástica, a crítica a formulação crítica em
relação à origem dos juros é notável: dado que os lucros resultantes de empréstimo
são proporcionais ao tempo pela qual aquele que empresta abre mão do dinheiro,
São Tomás de Aquino aponta que os usurários fazem uso de forma ilegítima de um
bem comum que foi outorgado por Deus as todos os homens, ou seja, fazem uso
do tempo e se apropriam privadamente de seus benefícios. E assim deve ser
também em relação à propriedade privada, na medida em que essa só é justificada
na medida em que se coloque como uma forma de concessão que a comunidade faz
ao indivíduo, que deve cultivá-la com vista a sua reprodução e não ao seu
enriquecimento.
Segundo Screpanti e Zamagni, a subordinação dos preceitos mercantis as
diretrizes morais colocadas pelas teorias escolásticas tinham um objetivo: moldar,
dentro de regras normativas religiosas, a nova ordem econômica e social, mantendo
sob o controle da comunidade a "nova riqueza" - os lucros comerciais, a
manipulação dos preços, a usura e a propriedade da terra.
Entretanto, a teoria econômica não ficaria atrelada aos vínculos escolásticos
em um mundo que, ainda que lentamente, se transformava. Entre os séculos XV e
XVII importantes transformações sociais, políticas, econômicas e culturais atingiriam
o mundo europeu de forma a criar as condições prévias para o desenvolvimento do
capitalismo industrial. A enorme afluência de ouro provinda das Américas entre 1500
e 1650 detonou um processo inflacionário que teve um forte impacto negativo na

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condição das classes sociais que vivam das rendas fixadas pelo "costume" - como o
clero e a aristocracia. Por outro lado, aumentava os ganhos da burguesia mercantil
cujas rendas originavam-se dos lucros comerciais. Nesse mesmo período, a
atividade dos comerciantes se diversificava, com objetivo de garantir a estabilidade
do fornecimento de produtos manufaturados, sobretudo na indústria têxtil.
De outro lado, afirma-se o surgimento de uma classe de trabalhadores que,
despojados dos meios de prover sua própria subsistência, passaram a depender a
venda da força de trabalho no mercado para sua sobrevivência.
Dois últimos aspectos devem ser ressaltados: 1) o aparecimento dos Estados
Nacionais, sobretudo na Inglaterra, França e Espanha e, 2) uma revolução cultural
chamada Renascimento, que afirmava a condição do homem como o centro do
universo, emancipava o pensamento ocidental da escolástica e afirmava o primado
da razão para o conhecimento da sociedade e das leis do universo; no tocante a
vida espiritual, a Reforma Protestante, movimento em oposição ao catolicismo,
afirmava a fé como o fundamento do ato livre dos indivíduos e legitimava a riqueza
como conseqüência legítima do trabalho. No plano científico, entre os séculos XVI e
XVII dá-se uma forte expansão das universidades livres, ou seja, fora do controle
intelectual da Igreja. Os cursos de filosofia moderna ganham proeminência cada vez
maior sobre os cursos tradicionais de teologia, direito e medicina e, com ela,
desenvolve-se a investigação científica. Os resultados podem ser observados,
sobretudo na física e na matemática e os nomes de expressão nesse período são
Copérnico, Kepler, Galileo, Bacon, Leibniz, Descartes e, sobretudo, Newton.

Foi nesse contexto que a economia, na tentativa de emancipar-se da filosofia


política e da ética, começa a construir seus alicerces científicos. Esse processo,
entretanto, requeria dois movimentos importantes.
Em primeiro lugar, romper com a concepção escolástica, segundo a qual a
economia não passava de um "governo da casa", com âmbito restrito a ação dos
indivíduos e das famílias e de caráter unicamente prático. Seu caráter não científico
decorre da forma como a filosofia escolástica concebia o conhecimento, isto é, como
um ato especulativo baseado na dedução, em que, a partir de um objeto de estudo,
se possa formular proposições e juízos de caráter universal. Na política, a
universalidade se mostrava possível em função de que o consenso popular em torno
dos atos dos governantes provinha da vontade de Deus e, na ética, do fato de que a

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ação humana deveria coincidir com os ideais divinos que moldavam a espécie
humana. Daí, como bem pontuam Screpanti e Zamagni, "todas as ações das células
sociais individuais se restringiam, ou bem à ética, ou bem a política; e as que não
pudessem se encaixar em uma ou outra não seriam dignas de estudo científico.
Outras palavras, a economia não era uma "ciência", porque não era nem política
nem ética “2
Desta forma, a economia, para definir um objeto, teria que fazê-lo no âmbito
de uma dimensão pública. Para tanto, explicitava-se que, enquanto a ciência política
se ocuparia do poder, a economia se ocupa da acumulação e gestão da riqueza
a partir do comportamento dos agentes sociais coletivos subordinados a
nação. Posto que a legitimação do poder estatal passará a se dar fora do campo
eclesiástico e imperial, a teoria econômica passa a ser formalizada com a finalidade
de dar sentido às ações visassem o bem-estar público.
O segundo ponto importante consistiu no abandono da metafísica escolástica,
que afirmavam que o conhecimento se fundava no processo de especulação
mediante um processo de abstração da realidade, pela qual se alcançariam
princípios ordenadores da realidade com a atividade da razão. Com o aparecimento
do empirismo inglês (...), os princípios essenciais da realidade não eram universais,
já que nasciam não da razão, mas da experiência - e dado que essa não se
constituía como uma atividade universal, os filósofos empiristas passam a buscar o
conhecimento nos aspectos individuais e particulares das coisas.
O Iluminismo, ao conceber a razão o papel para a condução da vida social,
concebe a economia como um elemento de transformação da natureza conforme a
vontade humana.
Mas, como dar o passo na direção da construção de um objetivo público para
a legitimação da economia enquanto ciência? Como definir o "bem público"? As
primeiras respostas a essas questões seriam dadas pelas teorias políticas e
comerciais mercantilistas.

O Mercantilismo

Apesar de não ter existido uma escola de pensamento que se autodefinisse


como "mercantilista", existe um conjunto de preceitos econômicos relativamente
generalizado dominou o cenário europeu durante os séculos XVI, XVII e boa parte
2
Idem, pag.33.

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do século XVIII. É possível apontar a existência de um núcleo teórico comum e uma
política econômica homogênea entre os vários Estados Absolutistas ao longo
daquele período.
O núcleo teórico consistia na tese de que a riqueza residia no acúmulo de
metais preciosos, mais particularmente, do ouro. A moeda, única riqueza que tinha
um valor em si mesma, era um meio para aumentar a riqueza e o poder. Aumentar a
riqueza seria produzir saldos positivos na balança comercial, na qual se vendia mais
ao exterior do que dele se comprava. Porque os mercantilistas se fixavam nesses
objetivos? Para Screpanti e Zamagni, a explicação provinha do fato de que os
economistas mercantilistas, quando não eram comerciantes, eram administradores
das finanças privadas dos reis mais do que funcionários públicos. O mercantilismo
expressa uma conjunto de argumentações em que o interesse de uma classe
particular, os comerciantes, deixa de ser doméstica (gestão privada dos negócios) e
torna-se política ou, como seja, uma questão da administração pública. A nação
seria uma grande companhia comercial.
Do ponto de vista das políticas, em consonância com aquele núcleo teórico, o
receituário mercantilista implica num forte protecionismo, privilégios as companhias
de navegação e o reforço das marinhas mercantes (por exemplo, em 1651, a
Inglaterra proibia a importação de produtos se estes não fossem desembarcados em
navios ingleses). Havia uma política de fomento a indústria através da concessão de
privilégios monopolistas, subvenções estatais e isenções de impostos, quando não a
criação de indústrias estatais. E, finalmente, uma política expansionista agressiva
com a finalidade de garantir um fluxo constante de matérias-primas a baixo custo e
metais, além de garantir um mercado cativo para exportações das metrópoles.
A importância do pensamento mercantilista acompanhava as controvérsias
sobre a economia e a política econômica, sobretudo entre os séculos XVII e XVIII,
mas se importância deve-se menos a sistematização de um corpo teórico coerente
do que ao fato de explicitarem as discussões em torno dos preços, do comércio
exterior, da moeda e das finanças públicas, "pano de fundo para o posterior
desenvolvimento da reflexão sistemática em economia" (Coutinho; 1993; p.99).

Os Fisiocratas

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Os fisiocratas (de fisiocracia, ou seja, "governo da natureza") constituíram-se
em uma verdadeira escola, cujo centro de propagação era a França, país com
desenvolvimento industrial atrasado em relação à Inglaterra, e seu principal
representante, François Quesnay (médico). O livro de maior divulgação, Table
Économique (1757).
A compreensão dos fisiocratas sobre o universo social deriva de um forte
naturalismo, isto é, "as leis naturais, instituídas por Deus, forma um arcabouço
abrangente para a ação humana. A legislação positiva deveria ater-se a fixar regras
adequadas a elas. Bem governar consistiria em deixar a sociedade fluir livremente,
no ritmo das leis naturais" (Coutinho; 1993; p.60).
Nesse sentido, os erros do governo, não sintonizados com a razão e a ordem
natural, seriam capazes de promover desacertos da "máquina econômica". As teses
liberais defendem um espaço próprio para a ação livre dos indivíduos e, do ponto de
vista do Estado, caberia a esse zelar pelas leis naturais. Conforme as palavras do
próprio Quesnay:

" Il mondo va da se, dizem os italianos, palavras de grande senso. Que se


restabeleça a ordem e a fidelidade da administração, e que se deixem cada coisa
seguir o seu curso natural e ver-se-ão imediatamente todos os nossos princípios
postos em prática pela ordem ingênua das coisas. Os únicos cuidados do governo
serão então os de facilitar as vias, de arrumar as pedras no leito da estrada, e de
deixar os concorrentes moverem-se livremente; porque são eles que asseguram as
riquezas da nação."3

Para os fisiocratas, a riqueza se apoiava na agricultura - somente a terra tinha


capacidade de gerar riqueza e somente a natureza seria capaz de reproduzi-la. O
excedente se constituiria como uma espécie de "dom natural" da terra. A indústria,
por sua vez, não criaria riqueza, pois sua única tarefa seria transformar insumos e
produtos.
Entretanto, a centralidade da natureza não decorre de um naturalismo
romântico ingênuo, mas de uma teoria da reprodução centrada no papel do
excedente econômico (excesso de produção frente aos custos de subsistência) em
que se encadeia um fluxo de mercadorias e rendimentos inter-setoriais. Para
Quesnay, apenas a atividade agrícola gera excedente e, nesse sentido, apenas ela
é produtiva, no sentido de que é a única que produz um excedente sobre os custos.
A ausência de excedente no trabalho não-agrícola deriva do fato de que,
3
Quesnay, F. Filosofia rural, citado em Coutinho, pag. 61, nota 14.

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eqüivalendo o valor dos produtos transformados pela indústria em dois custos
fundamentais, salários e matérias-primas, o seu preço será exatamente a
composição desses dois elementos (salários+matérias-primas), não acrescentando
nenhuma riqueza ao estoque de riqueza existente.
Nesse aspecto, as classes produtivas seriam aquelas cujos gastos fossem
reprodutivos, enquanto as "classes estéreis" seriam as que dispõem de capacidade
para transformar a matéria em produtos, mas não contribuem para a reprodução ou
expansão do sistema econômico. Nesse sentido, essas dependeriam dos gastos da
classe produtiva e do gasto de uma outra classe: a "classe distributiva", que seria
composta pelos proprietários, que receberiam a renda da terra, pela Igreja, pelo
Estado e outros.
Vale apontar a importância das classes proprietárias: apesar do trabalho
produtivo ser oriundo da atividade de agricultores que arrendam as terras e
produzem um excedente, é a classe de proprietários entretanto que, auferindo um
renda provinda da posse da terra, ordenaria o processo de reprodução social com
seus gastos de duas maneiras:
a) Sendo o primeiro ato de reprodução do sistema o pagamento de renda ao
proprietário esses, desprovidos da necessidade de bancar a própria subsistência,
acionam os gastos para a compra de mercadorias necessárias para seu modo de
vida. Esses gastos, nesse sentido, se convertem em receita para quem vende
essas mercadorias (tecidos, roupas, móveis, utensílios, alimentos etc.) quer
dizer, fonte de ganho para classe estéril e para a classe produtiva. Nesse último
caso, o gasto dos proprietários com a produção agrícola garantiria os preços dos
produtos comercializados e estimulariam um círculo virtuoso de crescimento
econômico: maiores gastos dos proprietários  maior demanda  melhores
preços  maior produção agrícola  maior renda transferida para os
proprietários  maiores gastos dos proprietários ...
b) Dado que os proprietários poderiam optar por destinarem parte da renda
fundiária para obras de drenagem e transporte, esses investimentos teriam papel
fundamental para acelerar o crescimento econômico ao possibilitarem a
incorporação de novas terras ao processo de produção agrícola.
Outro elemento fundamental para o crescimento são as medidas do governo
na área comercial (garantindo o livre comércio) e tributária (impostos que não

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comprimissem a renda fundiária), capazes de criar um quadro favorável para o
desenvolvimento nacional se motivadas pela intenção de beneficiar a produção
agrícola
Considerando o que foi colocado até agora, os fisiocratas foram importantes
por pelo menos quatro aspectos:
1. Generalizam a utilização a idéia de excedente como um conceito central
para o funcionamento do sistema econômico

2. Introduzem a diferenciação entre trabalho produtivo e improdutivo


Para os fisiocratas, havia na sociedade três classes:

1. Os agricultores - formavam a única classe produtiva, pois eram capazes produzir


um excedente sobre os custos de reposição.

2. A classe "estéril" - segmentos ligados ao setor manufatureiro.

3. A classe dos proprietários - incluía, além dos proprietários de terra, a Igreja,


Estado etc. (classe distributiva).

3. Criam uma representação das trocas econômicas como fluxos circulares de


moedas e mercadorias entre os diversos setores da economia.
O total da produção de um ano circulava entre as três classes: a classe estéril
trocava suas manufaturas e manufaturados por alimentos para seus trabalhadores e
matérias-primas para produção. Entretanto, o que a indústria fazia era apenas trocar
um equivalente em manufaturas e alimentos e matérias-primas de forma a cobrir
seus custos de reposição. A agricultura, por outro lado, troca uma fração de seus
produtos pelas manufaturas de que necessita para o sustento de suas populações
(roupas, por exemplo) e utensílios para o prosseguimento da produção (arados, pás,
enxadas etc.). Mas, além disso, repassa uma fração do produto para as mãos da
classe latifundiária em forma de renda, sem obter, em troca, nenhum equivalente.
Neste sentido, a única classe que produz um excedente é a classe dos agricultores.
4. Constróem uma visão sobre a interdependência entre os diversos setores
econômicos e preconizam a idéia de equilíbrio macroeconômico
Ou seja, dado o funcionamento de trocas, cada segmento produziria para os
outros setores precisamente a quantidade de mercadorias requerida por estes.
Estas relações de natureza funcional seriam como aquelas existentes nos
organismos naturais. Entretanto, conforme alerta Coutinho (1993; p.78), Quesnay
estava menos preocupado em apontar para o equilíbrio do sistema do que para as

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possibilidades de crescimento através do entendimento dos elementos dinâmicos do
sistema econômico e das possibilidades de retrocesso advindas dos equívocos na
condução da política econômica.

Adam Smith e a "Riqueza das Nações"


A questão da criação da riqueza é tão importante para os clássicos que o
nome completo do livro a Riqueza das Nações de Adam Smith é "Uma indagação
sobre a natureza e as causas da riqueza das nações", publicado em 1776. Segundo
Coutinho (1993), "A Riqueza das Nações possui o significado de manifesto de
lançamento de uma nova ciência".
A obra é um ataque a sociedade que permanecia amarrada as convicções
mercantilistas, as regulamentações que disciplinavam o trabalho dos artesãos, o
monopólio das companhias de exploração e toda a sorte de leis que controlavam a
mobilidade da força de trabalho. Mas sua importância crucial reside, em primeiro
lugar, no fato de que ser uma obra capital em uma século que assistia o triunfo do
liberalismo e, em segundo, por ter assimilado e sistematizado, de forma inédita, os
temas abordados pela reflexão econômica nos séculos XVII e XVII. Em Smith, a
economia torna-se a ciência da riqueza material privada, entendida como
abundância de mercadorias, e afasta-se das questões a ela confiadas pelo
mercantilismo, como disciplina atrelada aos negócios do Estado e as finanças
públicas, pois a riqueza passa a ser entendida como decorrência da ação de capitais
individuais (Coutinho, 1993; p.103). A Revolução Industrial na segunda metade do
século XVIII na Inglaterra constituí-se como pano de fundo que contextualiza partes
importantes da obra.
Questões básicas
 Que fatores são responsáveis pelas riquezas das nações e como se dá o
crescimento econômico, ou seja, o crescimento da riqueza?

 Como explicar a questão da coesão social em um mundo onde os indivíduos


agem segundo seus próprios interesses e são "egoístas por natureza"?

Para Smith, a riqueza é produzida pelo trabalho humano e a "opulência


universal" significa a possibilidade de dispor de trabalho excedente alheio. O fator
determinante para o crescimento desse excedente e, consequentemente, da riqueza
é a divisão do trabalho. Esta resultaria de uma tendência inata no homem: a
propensão para a troca, pela qual qualquer um, sem a necessidade de exercer um

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poder coercitivo sobre o outro, seria capaz de se beneficiar do trabalho alheio. A
divisão do trabalho seria altamente favorável para o aumento da produtividade:
melhoria a destreza pessoal; economia de tempo; aprendizado; condições mais
favoráveis para o aperfeiçoamento das máquinas e ferramentas de trabalho etc.
No primeiro capítulo das riquezas das nações, Adam Smith ilustra a
virtuosidade da divisão do trabalho com o exemplo de uma fábrica de alfinetes. O
trecho citado é extenso, mas vale ser transcrito na íntegra.

"Tomemos, pois, um exemplo tirado de uma manufatura muito pequena, mas na


qual a divisão do trabalho muitas vezes tem sido notada: a fabricação de alfinetes.
Um operário não treinado para essa atividade (que a divisão do trabalho transformou
em uma indústria específica) nem familiarizado com a utilização de máquinas ali
empregadas (cuja invenção provavelmente também se deveu à mesma divisão do
trabalho), dificilmente poderia fabricar um único alfinete em um dia, empenhando o
máximo de trabalho; de qualquer forma, certamente não conseguirá fabricar vinte.
Entretanto, da forma como essa atividade é hoje executada, não somente o trabalho
todo constituí uma indústria específica, mas ele está dividido em uma série de
setores, dos quais, por sua vez, a maior parte também constituí provavelmente um
ofício especial. Um operário desenrola o arame, um outra endireita um terceiro corta,
um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do
alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se três ou quatro operações
diferentes: montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é
outra: a própria embalagem dos alfinetes também constituí uma atividade
independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em
aproximadamente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas são
executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às
vezes executa duas ou três delas. Vi uma pequena manufatura desse tipo com
apenas 10 empregados, e na qual alguns desses executavam duas ou três
operações diferentes. Mas, embora não fossem muito hábeis, e, portanto não
estivessem particularmente treinados para o uso das máquinas, conseguiram,
quando se esforçavam, fabricar em torno de 12 libras de alfinetes por dia. Ora, uma
libra contém mais do que quatro mil alfinetes de tamanho médio. Por conseguinte,
essas 10 pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por
dia. Assim, já que cada pessoa conseguia fazer 1/10 de 48 mil alfinetes por dia,
pode-se considerar que cada uma produzia 4.800 alfinetes diariamente. Se, porém,
tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles
tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não
teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo um, ou seja: com
certeza não conseguiria produzir a 240ª parte, e talvez nem mesmo a 4.800ª parte
daquilo que hoje são capazes de produzir, em virtude de uma adequada divisão do
trabalho e combinação de suas diferentes operações “ 4

A divisão do trabalho traria um circulo virtuoso de desenvolvimento:


quanto mais ampla a divisão do trabalho, maior crescimento da produção, maior

4
Smtih (1983; pp.41-42)

13
extensão dos mercados, mais intensificação da divisão do trabalho e assim
sucessivamente.
Mas se é a divisão do trabalho que põe em marcha o crescimento, é a
acumulação de lucros que o alimenta. E a acumulação depende de como as
classes se apropriam do excedente e como gastam suas rendas. Em Smith, a
sociedade se dividiria em trabalhadores, latifundiários e capitalistas e o elemento
central deste triângulo no processo de acumulação seria o capitalista. Por quê?
Os trabalhadores gastam tudo que ganham no processo de subsistência,
portanto não tem excedente para fomentar seus negócios. Os latifundiários, para
Smith, gastam sua renda no consumo conspícuo e tem uma propensão nula para
investir e acumular, sobrevivendo das rendas como proprietários e das
transferências do Estado (pensões, regalias etc.). Os capitalistas, dispondo de
capital produtivo, seriam os únicos que, desejando a acumulação, teriam motivação
para investir, contribuindo para o aumento da riqueza nacional.
Neste esquema, os segmentos produtivos seriam aqueles alocados na
indústria e, os improdutivos seriam aqueles vinculados, sobretudo ao setor de
serviços (médicos, padres, professores, escritores). Atenção: improdutivo não
significa que estes segmentos não eram úteis, mas sim que não seriam capazes de
promover o crescimento do excedente diretamente.
Diferentemente dos fisiocratas, a produção da riqueza vincula-se a indústria,
pois a divisão do trabalho se aplica com mais profundidade nos setores
responsáveis pela transformação dos bens manufaturados

O processo de coesão e a "mão invisível"


Para Smith, os indivíduos têm suas ações motivadas pelo seu interesse
pessoal. Como, a partir deste pressuposto, o processo de competição traria a
coesão social e não a constante quebra da ordem estabelecida?
Essa problemática para Adam Smith levou-o explorar a tensão em que busca
encontrar "uma solução para uma questão do pensamento filosófico alicerçado no
campo disciplinar da economia” 5. Em um mundo em que as teorias eclesiásticas
5
Gananem (1998). A importância das questões filosóficas para as disciplinas científicas no século XVIII está
intimamente vinculada à trajetória do pensamento Iluminista, que introduz um novo significado para a reflexão
social. Conforme o clássico trabalho de Cassier sobre o Iluminismo “(...) A filosofia já não significa, à maneira
dessas novas perspectivas fundamentais, um domínio particular do conhecimento situado a par ou acima das
verdades da física, das ciências jurídicas e políticas etc., mas o meio universal onde todas essas verdades
formam-se se desenvolvem e consolidam-se. Já não está separada das ciências da natureza, da história, do
direito, da política; num palavra, ela é o sopro tonificante de todas essas disciplinas, a atmosfera fora da qual

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perdiam força como elemento de coesão social, sua teoria do mercado apontava um
caminho original frente à filosofia moral e política de Maquiavel até Hume. Nos
marcos do liberalismo, a viabilidade da vida social no funcionamento do mercado
dada por Smith criava "uma solução superior à do contrato e da à economia uma
possibilidade de resolução da política e da regulação social".
É o interesse privado e o amor próprio dos indivíduos que desejam progredir
que cumpre papel essencial na construção da ordem social, e não normas
comunitárias baseado em ações cooperativas voltadas para o bem comum. Nas
palavras do próprio Adam Smith

"Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que devemos


esperar nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse”
6

Ao interagirem no mercado segundo seus interesses, os homens, como


agentes autônomos vendendo mercadorias ou sua força de trabalho, perseguiriam o
melhor preço das mercadorias, fazendo com que os outros indivíduos não
conseguissem vantagens em proveito próprio. Desta forma, dentro das regras da
oferta e da demanda, o mercado produziria precisamente aquelas quantidades de
mercadorias que fosse capaz de satisfazer a demanda final de cada segmento.
Radicaliza-se o lema francês fisiocrata do Laissez-Faire e eleva-se como verdade a
proeminência do indivíduo e do seu desejo de ganho. Desta forma os vícios privados
seriam transformados em virtudes públicas, e o mercado seria capaz de regular a
produção social de forma a aumentar a riqueza e distribuí-la entre os indivíduos.

Funções do Estado
 Proteger a sociedade contra agentes externos
 Garantir a justiça e os contratos
 Emissão de moedas e controle da taxa de juros
 Empreender obras não lucrativas

nenhuma delas pode viver. Já não é a substância separada, abstrata, do espírito; oferece o espírito como um todo,
em sua verdadeira função, no modo específico de suas investigações e de seus problemas, em seus métodos, no
próprio curso do saber. Passaram da condição de objetos prontos e acabados para a de forças atuantes, da
condição de resultados para a de imperativos. Tal é o sentido verdadeiramente fecundo do pensamento
iluminista" (1997; Prefácio).
6

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