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Livro “As Três Marias”, Rachel de Queiroz

Olá, sejam bem-vindos ao podcast [nome], eu sou [nome] e hoje iremos


falar sobre o romance de 30 do modernismo brasileiro, principalmente com
enfoque em Rachel de Queiroz e na sua obra “As Três Marias”. Antes de tudo,
é preciso falar sobre a própria escritora, que, além de cearense, foi uma mulher
fascinante e um tanto quanto misteriosa.
Rachel nasceu em Fortaleza em 1910, filha de Daniel e Clotilde Queiroz e é
parente do José de Alencar. A sua família morou durante grande parte de sua
infância numa fazenda em Quixadá, mas em certos períodos tiveram que se
mudar devido a secas na região. Ao passar dos anos, em 1921, Rachel de
Queiroz ingressou no Colégio Imaculada Conceição, diplomando-se professora
de história, em 1925, ainda muito jovem. Em 1937, foi presa pelo governo
de Getúlio Vargas, acusada de ser comunista e esquerdista, após escrever
“Caminho de Pedra”. Décadas depois, Rachel de Queiroz, em 1964, apoiou
a ditadura militar brasileira, sendo essa opção contraditória um dos principais
motivos de questionamento dos estudiosos até hoje.
Ela foi a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras e
também a primeira a receber o Prêmio Camões. Além de seu destaque como
escritora, foi também jornalista, tradutora e teatróloga, contribuindo
imensamente para todas essas áreas, mas tratada, lamentavelmente, com
muita hostilidade em sua época. Em seu primeiro romance, “O Quinze” já
recebeu prêmios da literatura como o da Fundação Graça Aranha, depois de
ter sido questionada, porque acreditavam que o livro teria sido escrito por um
homem, por causa da qualidade da obra. Depois, recebeu mais prêmios, até
mesmo o Jabuti na literatura nacional e alinhou-se a escritores renomados
como Graciliano Ramos e Jorge Amado, com o intuito de denunciar a seca e
miséria nordestinas.
Além dos romances, a autora escreveu peças de teatro, livros infanto-
juvenis e, principalmente, dedicou boa parte da vida escrevendo crônicas para
jornais. Ela também foi responsável por ser uma das escritoras que mais
levaram a literatura nordestina a âmbito nacional. De acordo com Mário de
Andrade, renomado escritor modernista brasileiro, a linguagem de Rachel era
perfeita e ela possuía uma extraordinária capacidade de observação.
Após conhecer a biografia da autora, vamos tratar do quarto romance
escrito por ela – “As Três Marias”, publicado em 1939 - que extrapola as
perspectivas da época, trazendo também alguns trechos dele. Muitos temas já
haviam sido abordados em suas obras anteriores, todavia Rachel de Queiroz
se dedicou ainda mais em escrever sobre o papel da mulher na sociedade
nesse livro. Cativante, belo, transparente e um tanto quanto transgressor, “As
três Marias” traz, como o próprio nome já sugere, a vida de três garotas: Maria
Augusta, ou Guta, que é a protagonista narradora; Maria da Glória; e Maria
José. Depois da morte da mãe e do casamento do pai com uma madrasta
correta e bondosa, mas com a qual ela não se identifica, Guta é enviada para o
colégio interno. A história é permeada desde a infância dessas meninas dentro
do internato, até a fase adulta, na qual cada uma vai descobrindo qual o melhor
caminho a seguir a partir de então.
O título da obra faz referência à constelação Orion, na qual as três marias,
estrelas alinhadas que são referência no céu do hemisfério sul, têm brilhos
diferentes. Uma irradia uma luz mais firme, outra é mais hesitante: assim
também é a personalidade das três amigas que compõem o romance mais
autobiográfico da brasileira Rachel de Queiroz. O apelido é dado logo no início
do livro por uma freira do colégio interno em que se passa a primeira metade
da história: por estarem sempre juntas, em todos os cantos, chamaram-nas de
três marias. Numa passagem do livro, (nome da personagem que eu acho que
deve ser a guta mas não tenho certeza) fala:
(pensei em colocar voz de outra pessoa nos trechos do livro só p ficar diferente
bonitin mesmo mas tanto faz.. assim da p mostrar tbm que a gente leu o livro
SIM kkkkkkkkk)
(…) nossa comparação com as estrelas foi como uma embriaguez nova, um
pretexto para fantasias, e devaneios. (…) À noite, ficávamos no pátio, olhando
as nossas estrelas, identificando-nos com elas. Glória era a primeira, rutilante e
próxima. Maria José escolheu a da outra ponta, pequenina e tremente. E a
mim me coube a do meio, a melhor delas, talvez; uma estrela serena de luz
azulada, que seria decerto algum tranquilo sol aquecendo mundos distantes,
mundos felizes, que eu só imaginava noturnos e lunares.
No começo da narrativa, as meninas convivem por anos no internato e se
unem não só pela afinidade que demonstraram logo no primeiro encontro, mas
também pela vida sofrida que cada uma tem, marcada por perdas e dores que
criança alguma deveria suportar. Glória é órfã de mãe e pai, e veste seu luto
com uma naturalidade que chega a espantar. Já Maria José teve a família
abandonada pela figura paterna, que foi viver com outra mulher e deixou a
esposa sozinha para sustentar os filhos pequenos. A autora faz questão de
detalhar a explosão de sentimentos dessas meninas, sabendo escolher
perfeitamente as palavras usadas para isso.
(outra voz)
"A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses
dramas não escolhem oportunidade nem observam direção, exibem-se, nus e
pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente."
Com o passar do tempo, Maria da Glória se transforma em uma dedicada
mãe de família e Maria José se entrega por completo à religião, mostrando de
certa forma os desafios das mulheres diante das esparsas opções que tinham
diante de si, entre o matrimônio e a vida religiosa. Guta, por outro lado, não se
sente capaz de seguir os passos de nenhuma de suas velhas companheiras.
Apesar de sua formação conservadora e rígida, ela sempre desejou ir muito
além dos portões e muros daquele internato, ela era cética, queria se
desprender da culpa da religião e tinha curiosidade pela vida. Seus instintos a
instigavam a procurar e explorar novos mundos. Num trecho do romance, Guta
fala:
(outra voz)
"A falta da prática foi me mostrando a fraqueza de minha fé. Deixei de crer
porque deixava de orar. Fui abandonando a prática - a oração da noite, a
missa, a confissão - e perderam as convicções. Tentei segurá-las, talvez me
doesse um pouco sair da trilha em que as outras andavam, perder aquele
apoio místico, que é como as muletas morais de muita gente. Mas não lutei
muito, ou não lutei nada, deixei a crença me fugir do coração como um pouco
de água livre me escorrendo entre os dedos."
Assim, Guta termina o colégio e corre em busca de sua independência. A
realidade, no entanto, se mostra muito diferente daquilo que estava descrito
nos romances açucarados e livros de poesia que passavam de mão em mão
entre as adolescentes sonhadoras. Guta descobre o amor, mas através dele é
também apresentada à desilusão e à morte. Ela, Maria Augusta, se envolve
com um pintor mais velho, enfrenta o suicídio de um amigo próximo, se
apaixona no Rio de Janeiro, em uma vida mais livre do que imagina possível.
Neste romance de uma geração de mulheres, Queiroz já mostrava o poder da
emancipação feminina, décadas antes que esse fosse um tema debatido pela
sociedade.
Dessa forma, a personagem Guta é um alter ego da própria autora, uma
mulher corajosa, ousada e forte mesmo em meio a um contexto de machismo
na sociedade dos anos 30. As personagens, de fato, são bastante
progressistas, assim como o foi colocar as mulheres no centro de um romance
e tratar questões sociopolíticas na primeira metade do século passado, quando
a literatura era toda dominada por vozes masculinas. Mais interessante ainda
neste livro, em que as mulheres são protagonistas, é o fato de que os papéis
masculinos na vida das três garotas estão quase sempre relegados a segundo
plano. A todos os homens que aparecem nesta narrativa falta determinação:
parecem repetir as mesmas histórias de traição e derrocada que ouvimos há
décadas, enquanto as mulheres descobrem que podem ter destinos diferentes,
solteiras, crentes, casadas, amadas, amantes, emancipadas. Nas palavras de
Mário de Andrade, As Três Marias era uma das obras mais belas e ao mesmo
tempo mais intensamente vividas da literatura do momento, denunciando as
dificuldades da vida social e explorando a falta de firmeza psicológica das
personagens. Nesse livro triste, o apuro formal se casava com o vigor da
observação, sob a ótica da feminilidade.
Voltando a nossa atenção para Rachel de Queiroz, vale ressaltar que por
mais que não gostasse que a inserisse no movimento feminista, escreveu esta
obra que se enquadra em diversos ângulos nas lutas revolucionárias. A
escritora faleceu em 2003, no Rio de Janeiro, aos 92 anos de idade, deixando
muitos trabalhos impactantes para o nosso país. Como já fora mencionado, ela
foi uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, pertencente à
geração modernista de 1930. No entanto, infelizmente, as problemáticas
evidenciadas em suas narrativas ainda permeiam o contexto hodierno.
Como conclusão do trabalho, sob tal perspectiva, há a reflexão sobre o que
é ser mulher no Brasil, ocupando lugar de vulnerabilidade sem abrir mão da
força e coragem. As descrições de Queiroz foram além da imagem
conservadora de uma mulher recatada e do lar. De maneira análoga, muitas
mulheres, na década atual, lutam pela independência e igualdade de direitos. O
preconceito contra a mulher, a violência doméstica, os relacionamentos
abusivos e a falta de representatividade em cargos públicos são apenas alguns
dos muitos exemplos de casos que as mulheres contestam no mundo todo. Na
região da autora, o Nordeste, os resquícios do machismo e da sociedade
patriarcal são acentuados até hoje em dia, embora os avanços sociais já sejam
notáveis se comparados ao cenário do século anterior.
A estudiosa e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda, em sua carta
escrita para Rachel, após sua morte, traz toda uma carga sentimental
vivenciada por ela em contato com as obras da autora:
(outra voz)

“[…] Será que agora, Rachel, você, afinal, fragiliza-se e deixa-se levar pela
narrativa intimista que acompanha, via de regra, os relatos em primeira
pessoa, das vivências de meninas-moças? Surpreendentemente, não. Nem as
Marias, nem os sentimentos adolescentes, nem os ecos da memória
imprimiram qualquer desvio no ofício literário árduo, na pesquisa disciplinada
de linguagem, no exercício artesanal rigoroso, na economia de uma linguagem
quase transparente. […]”
Assim, o honorável trabalho de Rachel de Queiroz deve ser reconhecido,
sobretudo numa sociedade tão diversa e fragilizada como a nossa, de modo
que as “Marias” brasileiras sejam verdadeiramente valorizadas. Bom, por aqui
finalizamos o nosso podcast, obrigado a todos que ouviram e espero que
tenham gostado de saber um pouco mais sobre essa incrível escritora.

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