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DESIGUALDADE SOCIAL1

INTRODUÇÃO

A desigualdade está presente em todo processo da história humana. Conforme Harari (2016,
p. 144), a maior parte dos reinos e impérios humanos foi extremamente desigual, mas muitos foram
surpreendentemente estáveis e eficientes. No Egito antigo, o faraó se refestelava em almofadas
confortáveis num belo e suntuoso palácio, usando sandálias douradas e túnicas bordadas com
pedras preciosas, enquanto lindas serviçais despejavam uvas doces em sua boca. Pela janela aberta
ele podia ver os camponeses labutando nos campos em seus andrajos sujos sob um sol impiedoso, e
feliz seria o camponês que tivesse um pepino para comer ao fim do dia. Mas raramente os
camponeses se revoltavam.
Uma das formas de manter a Ordem social foi (e segue sendo) mediante a Religião. As
religiões teístas focam o culto aos deuses (por isso são chamadas “teístas”, da palavra grega para
deus, theos). As religiões humanistas cultuam a humanidade ou, mais corretamente, o Homo
sapiens. O humanismo é a crença de que o Homo sapiens tem uma natureza única e sagrada, que é
fundamentalmente diferente da natureza de todos os outros animais e todos os outros fenômenos.
Os humanistas acreditam que a natureza única do Homo sapiens é a coisa mais importante do
mundo e determina que o bem supremo seja o bem do Homo sapiens. O resto do mundo e todos os
outros seres só existem para o benefício dessa espécie (Harari, 2015).
Conforme o anterior autor, todos os humanistas cultuam a humanidade, mas eles não
concordam quanto à sua definição. Os humanistas se dividiram em três seitas rivais que disputam a
definição exata de “humanidade”, assim como seitas cristãs rivais disputaram a definição exata de
Deus. Hoje, a seita humanista mais importante é o humanismo liberal, que acredita que
“humanidade” é uma qualidade de indivíduos humanos, e que a liberdade de indivíduos é, portanto
sacrossanta. De acordo com os liberais, a natureza sagrada da humanidade reside em cada Homo
sapiens individual. A essência dos indivíduos humanos dá significado ao mundo e é a fonte de toda
autoridade ética e política. Os principais mandamentos do humanismo liberal visam a proteger a
liberdade dessa voz interior contra a intrusão ou o dano. Esses mandamentos são coletivamente
conhecidos como “direitos humanos”.
Embora o humanismo liberal santifique os humanos, não nega a existência de Deus e, com
efeito, se baseia em crenças monoteístas. A crença liberal na natureza livre e sagrada de cada
indivíduo é um legado direto da crença cristã tradicional em almas individuais livres e eternas. Sem
poder recorrer a almas eternas e um Deus Criador, fica embaraçosamente difícil para os liberais
explicar o que há de tão especial nos indivíduos sapiens.
Outra seita importante é o humanismo socialista. Os socialistas acreditam que a
“humanidade” é coletiva, e não individualista. Eles consideram sagrada não a voz interna de cada
indivíduo, mas da espécie Homo sapiens como um todo. Enquanto os humanistas liberais buscam
tanta liberdade quanto possível para os indivíduos humanos, o humanismo socialista busca a
igualdade entre todos os humanos. De acordo com os socialistas, a desigualdade é a pior blasfêmia
contra a santidade da humanidade, porque privilegia qualidades periféricas dos humanos em
detrimento de sua essência universal. Por exemplo, quando os ricos têm privilégios sobre os pobres,
significa que damos mais valor ao dinheiro do que à essência universal de todos os humanos, que é
a mesma para ricos e pobres. Como o humanismo liberal, o humanismo socialista também se
baseia no monoteísmo. A ideia de que todos os humanos são iguais é uma versão renovada da
convicção monoteísta de que todas as almas são iguais diante de Deus. A história da Rússia no
século XX foi significativamente moldada pela tentativa comunista de superar a desigualdade, mas
não foi bem-sucedida.

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Material didático preparado pelo Prof. Oscar A. Torres F. para a aula de Sociologia EAM1016 (primavera 2018),
curso de Eng, Ambiental e Sanitária UFSM/FW. Algumas partes onde se omite a referência bibliográfica derivam de
várias partes dos livros de Yuval N. Harari (Sapiens, 2015) e Homo deus (2016) concomitantemente a fontes de internet
e experiência empírica do autor.
2

A única seita humanista que rompeu com o monoteísmo tradicional é o humanismo


evolutivo, cujos representantes mais famosos são os nazistas. O que distinguia o nazismo de outras
seitas humanistas era uma definição diferente de “humanidade”, que era fortemente influenciada
pela teoria da evolução. À diferença de outros humanistas, os nazistas acreditavam que a
humanidade não é algo eterno e universal, e sim uma espécie mutável que pode evoluir ou se
degenerar: pode evoluir e se tornar um super-homem, ou degenerar e se tornar um sub-humano.

Igualdade e Liberdade

De acordo a Harari (2015) há dois textos para entendermos Igualdade e Desigualdade: o


Código de Hamurabi (1776 a.C. na Babilônia) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos
(1776). Em ambos os casos, referem-se a Mitos compartilhados ou Ordens imaginárias que servem
como Manual de cooperação para de milhares de estranhos2.
O Código de Hamurabi afirma que a ordem social babilônica tem origem em princípios
universais e eternos de justiça ditados pelos deuses. O princípio de hierarquia é de suma
importância (Princípio da desigualdade: as pessoas são decididamente desiguais). De acordo com o
código, as pessoas estão divididas em dois gêneros e três classes: os superiores, os comuns e os
escravos. Os membros de cada gênero e classe têm valores diferentes. Este código está baseado na
anterior Lei de Talião, que preconizava o princípio do “olho por olho, dente por dente”.
Aproximadamente 3,5 mil anos após a morte de Hamurabi, os habitantes de 13 colônias
britânicas na América do Norte consideraram que o rei da Inglaterra os estava tratando de maneira
injusta. Seus representantes se reuniram e, em 4 de julho de 1776, as colônias declararam que seus
habitantes já não eram súditos da Coroa britânica. Sua Declaração de Independência proclamou
princípios universais e eternos de justiça que, como os de Hamurabi, foram inspirados por um poder
divino. O princípio mais importante ditado pelo deus americano era bem diferente do princípio
ditado pelos deuses da Babilônia. A Declaração de Independência dos Estados Unidos afirma o
seguinte: “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados
iguais,3 que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a
vida, a liberdade e a procura de felicidade” (Princípio da Igualdade: “as pessoas são iguais”).
Tanto o Código de Hamurabi e a Declaração de Independência dos EUA prometem que, se
os humanos agirem de acordo com seus princípios sagrados, milhões deles serão capazes de
cooperar de maneira eficaz, vivendo em paz e segurança em uma sociedade justa e próspera. Ambos
os textos definem princípios universais e eternos de justiça, mas de acordo com os norte-americanos
todas as pessoas são iguais e conforme os babilônios as pessoas são decididamente desiguais.
Qualquer dos dois diria, é claro, que nos estamos certos e eles estão errados. Na verdade, ambos
estão errados.
Tanto Hamurabi quanto os pais fundadores dos Estados Unidos imaginaram uma realidade
governada por princípios universais e imutáveis de justiça, como igualdade ou hierarquia. Mas o
único lugar em que tais princípios universais existem é na imaginação fértil dos sapiens e nos
mitos que eles inventam e contam uns aos outros. Esses princípios não têm nenhuma validade
objetiva.
Tanto a ideia de aceitar a divisão das pessoas em “superiores” e “comuns” como a ideia de
que todos os humanos são iguais são mitos. De acordo com a ciência da biologia, as pessoas não
foram “criadas”; elas evoluíram. E certamente não evoluíram para ser “iguais”. A ideia de igualdade
está intrinsecamente ligada à ideia de criação (ideia de igualdade do cristianismo). E quais são as
características que evoluíram nos humanos? “Vida”, certamente. Mas “liberdade”? Isso não existe
na biologia. Assim como igualdade, direitos e empresas de responsabilidade limitada, a liberdade é
algo que as pessoas inventaram e que só existe em nossa imaginação. De uma perspectiva biológica,
não faz sentido dizer que os humanos em sociedades democráticas são livres, ao passo que os
humanos em sociedades ditatoriais não o são.
2
Detalhes no sub capítulo “Uma ordem imaginada “, páginas 108 a 116 do livro “Sapiens” (2015) de Y. N. Harari.
3
O princípio de Igualdade dos norte-americanos excluía mulheres, negros e indígenas, que eram considerados seres
inferiores.
3

Segundo Harari (2015, p. 116), os defensores da igualdade e dos direitos humanos talvez
fiquem escandalizados com essa linha de raciocínio. Sua reação provavelmente será: “Nós sabemos
que as pessoas não são iguais biologicamente! Mas se acreditarmos que somos todos iguais em
essência, isso nos permitirá criar uma sociedade estável e próspera”. O autor não tem nenhum
argumento contra isso; é exatamente isso: “ordem imaginada”. Acreditamos em uma ordem em
particular não porque seja objetivamente verdadeira, mas porque acreditar nela nos permite
cooperar de maneira eficaz e construir uma sociedade melhor. Ordem imaginada é a única forma
pela qual grandes números de seres humanos podem cooperar efetivamente.
Se as pessoas perceberem que os direitos humanos só existem na imaginação, nossa
sociedade não corre o risco de desmoronar? Harari comenta que, o Homo sapiens não tem direitos
naturais, assim como aranhas, hienas e chimpanzés não têm direitos naturais. Mas não conte isso às
pessoas para que eles não nos matem durante a noite. Tais temores são justificados. Uma ordem
natural é uma ordem estável. Não existe a menor chance de que a gravidade deixe de funcionar
amanhã, mesmo que as pessoas deixem de acreditar nela. Por sua vez, uma ordem imaginada está
sempre sob ameaça de colapso, porque depende de mitos, e os mitos desaparecem quando as
pessoas deixam de acreditar neles. Para salvaguardar uma ordem imaginada, são necessários
esforços árduos e contínuos. Alguns desses esforços assumem a forma de violência e coerção.
No entanto, uma ordem imaginada não pode se sustentar apenas por meio da violência.
Requer também que algumas pessoas realmente acreditem nela. O príncipe Talleyrand (1754-1838)
resumiu décadas de experiência governamental afirmando que “podemos fazer muitas coisas com
baionetas, mas é muito desconfortável sentar sobre elas”. Um único padre muitas vezes faz o
trabalho de uma centena de soldados – só que é muito mais barato e eficaz. Além do mais, não
importa quão eficientes sejam as baionetas, alguém precisa empunhá-las.
Por que os soldados, carcereiros, juízes e policiais manteriam uma ordem imaginada em que não
acreditassem? De todas as atividades humanas coletivas, a mais difícil de organizar é a violência.
Dizer que uma ordem social é mantida por força militar imediatamente levanta a pergunta: o
que mantém a ordem militar? É impossível organizar um exército unicamente por meio de coerção.
Pelo menos alguns dos comandantes e soldados precisam acreditar realmente em alguma coisa, seja
Deus, honra, pátria, coragem ou dinheiro. Uma ordem imaginada só pode ser mantida se grandes
segmentos da população – e, em particular, grandes segmentos da elite e das forças de segurança
– realmente acreditarem nela. O cristianismo não teria durado dois mil anos se a maioria dos bispos
e padres não acreditasse em Cristo.
A ordem norte-americana também consagrou a hierarquia entre ricos e pobres. A maioria
dos norte-americanos da época quase não tinha problemas com a desigualdade causada por pais
ricos que passavam seu dinheiro e negócios para os filhos. Na visão deles, igualdade significava
apenas que as mesmas leis se aplicavam a ricos e pobres.
Harari (2015, p. 173) discute sobre a ordem política moderna. Desde a Revolução Francesa
(1789), pessoas do mundo inteiro pouco a pouco passaram a ver a igualdade e a liberdade
individual como valores fundamentais. Mas os dois valores são contraditórios. A igualdade só pode
ser assegurada se forem diminuídas as liberdades daqueles que estão em melhores condições.
Garantir que cada indivíduo seja livre para fazer o que desejar inevitavelmente compromete a
igualdade. Toda a história política do mundo desde 1789 pode ser vista como uma série de
tentativas de superar essa contradição. O mundo moderno não consegue conciliar liberdade e
igualdade. Mas isso não é um defeito. Tais contradições são inerentes a toda cultura humana. Na
verdade, são aquilo que move a cultura, responsáveis pela criatividade e dinamismo da nossa
espécie. A dissonância em nossos pensamentos, ideias e valores nos compelem a pensar, reavaliar e
criticar. A consistência é o parque de diversões das mentes entorpecidas (Harari, 2015, p 174).

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

Um documento muito importante elaborado durante a Revolução Francesa recebe o nome de


Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão anunciada em 26 de agosto de 1789. Com este
documento se busca um ideal de âmbito universal baseado na Liberdade, na Igualdade e na
4

Fraternidade acima dos interesses de qualquer particular. Mediante isto se buscava a consciência
de que o povo deveria ser o interesse central no desenvolvimento de qualquer. A importância desse
documento nos dias atuais, por ser a primeira declaração de direitos, inspirou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1948
após da 2ª guerra mundial. Apesar da declaração elaborada pela ONU, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão permanece ainda como documento válido para os dias atuais, por pensar o ser
humano acima do poder particular em qualquer esfera.
Alguns dos princípios desta declaração foram a de legitimar o governo que se iniciava com o
afastamento do rei Luís XVI: foi preciso fundamentar o exercício do poder, não mais na suposta
ligação dos monarcas com Deus. O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, diz: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções
sociais só podem fundar-se na utilidade comum". O Artigo primeiro da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade".
A declaração de 1789 se concentra nos direitos sociais (direitos civis), que garantem a
liberdade individual (direitos do homem). Também fala sobre os direitos políticos, relativos à
igualdade de participação política, derivando logo no sufrágio universal como direito do cidadão.
Dos três princípios da revolução francesa, a igualdade era o mais importante: sempre que foi
necessário optar, sacrificou-se a liberdade em defesa da igualdade.

Desigualdade social em nível mundial

Nosso mundo moderno se orgulha de reconhecer, pela primeira vez na história, a igualdade
elementar entre todos os humanos, porém pode estar prestes a criar a sociedade mais desigual de
todas. Ao longo da história, as classes superiores sempre afirmaram ser mais inteligentes, mais
fortes e, em geral, melhores do que as classes inferiores. Normalmente, elas estavam se iludindo.
Um bebê nascido em uma família camponesa pobre tendia a ser tão inteligente quanto o príncipe-
herdeiro. Através da história, os ricos usufruíram de muitas vantagens sociais e políticas:
aristocratas medievais alegavam que um sangue azul, superior, corria em suas veias, e os brâmanes
hindus insistiam que por natureza eram mais inteligentes que todo mundo, mas tudo isso era pura
ficção.
No século XX a medicina beneficiava as massas porque aquele século abrigou a era das
massas. Os exércitos do século XX precisavam de milhões de soldados saudáveis, e a economia
precisava de milhões de trabalhadores saudáveis. Consequentemente, os Estados criaram serviços
de saúde públicos para assegurar a saúde e vigor dos seus cidadãos. Contudo, essa o pensamento
para beneficiar as massas está iniciando a deteriorar-se aos poucos.
No início de 2016, as 62 pessoas mais ricas do mundo valiam tanto quanto os 3,6 bilhões
de mais pobres! Como a população mundial é de cerca de 7,2 bilhões, isso significa que os 62
bilionários juntos detêm tanta riqueza quanto toda a metade de baixo do gênero humano4 (Figura 1).

4
Larry Elliott, “Richest 62 People as Wealthy as Half of World’s Population, Says Oxfam”, Guardian, 18 jan. 2016,
recuperado em: 9 fev. 2016, disponível em: <https://www.theguardian.com/business/2016/jan/18/richest-62-
billionaires-wealthy-half-world-population-combined> acesso 29/05/2018.
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Figura 1 O grau de concentração de renda que gera desigualdade (Riqueza global no ano 2015).

No mundo moderno 1 bilhão de pessoas ganham menos de um dólar por dia, e outros 1,5
bilhão ganham entre um e dois dólares diários 5; são os considerados pobres e pobres extremos. A
espécie humana e a economia global podem muito bem continuar crescendo, mas muito mais
indivíduos passam fome e privação.
Um livro de economia sobre a concentração de riqueza e a evolução da exacerbada
desigualdade em nível mundial é do economista francês Thomas Piketty: “O capital no século
XXI” (original Le capital au XXI siecle, 2013). Segundo o autor, os registros históricos demonstram
que o capitalismo tende a criar um círculo vicioso de desigualdade. Após coletar dados sobre a
evolução de 30 países, durante 300 anos, ele encontrou mecanismos que explicam a desigualdade
econômica e o desenvolvimento de uma sociedade de herdeiros.
Assim, a história econômica dos últimos séculos mostra que o capitalismo é um sistema de
produção que gera enormes desigualdades na repartição da riqueza. Isso se deve fundamentalmente
porque, no capitalismo, a “taxa de renda do capital” (r) tende a ser, em média e no longo prazo,
maior do que a “taxa de crescimento da produção” (g). Sendo assim, há uma mudança do antigo
regime capitalista onde D-M-D (dinheiro faz mercadoria, que faz dinheiro) para o novo regime D-
D (dinheiro gerando dinheiro) sem produzir mercadoria.
Piketty argumenta que a fatia da renda que fica nas mãos dos mais ricos veio se mantendo
intacta no Brasil. Conforme o economista, parte da explicação pode estar na história do Brasil que
foi o último país em abolir a escravidão no século 19. Claro, isso não é tudo. Ele é defensor das
reformas que tornem o sistema tributário mais progressivo, aumentando os impostos cobrados sobre
a renda e patrimônio dos mais ricos. O capitalismo é um enorme produtor de riqueza, de inovação,
de tecnologia e de bem-estar. Mas, por outro lado, o sistema tende a repartir a riqueza de um modo
demasiado desigual e, na verdade, injusto e antidemocrático. Uma situação de desigualdade social
extrema pode levar a um descontentamento geral e até ameaçar os valores democráticos.

5
Banco Mundial, World Development Indicators 2012 (Washington, DC: World Bank, 2012), p. 72, disponível em:
<http://documents.worldbank.org/curated/en/553131468163740875/pdf/681720PUB0EPI004019020120Box367902B.p
df > acesso 29/05/2018.
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Desigualdade social em nível mundial e no Brasil

No Brasil6, podemos ver também a concentração de Renda no estudo do Centro


Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, da ONU, que leva em conta dados da
Receita Federal. Para conseguir um retrato mais detalhado, o estudo utilizou dados do Imposto de
Renda 2014 (ano base 2013) junto com os da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD).
Alguns dados são mostrados na seguinte figura.

Figura 2 A elevada concentração de renda no Brasil.


Fonte: Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, da ONU (2015).

Segundo a Figura, o resultado mais assombroso diz: 10% dos brasileiros concentram 52%
da renda, entanto que os 10% mais pobres respondem apenas por 1% do total da renda no país.
Um 1% com maior renda recebe 23,1% da renda total, ou seja, temos no Brasil um grupo de
71.000 pessoas (um 0,05% da população) que recebe em média, uns R$ 350.000/mês. A
abordagem permite uma leitura mais detalhada nos rendimentos nas faixas mais elevadas, que
tendem a ser subestimados na PNAD devido a limitações de amostragem, do questionário, por
omissão na hora de responder ou por declarações imprecisas.

6
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/04/06/Desigualdade-10-concentram-52-da-renda-no-
pa%C3%ADs acesso 29/08/2016.
7

O outro lado da desigualdade brasileira

Há muitos estudos sobre os pobres, grupo que precisa de recursos, mas se conhece pouco o
grupo que vai ceder esses recursos. Marcelo Medeiros, no seu livro “O que faz os ricos ricos: o
outro lado da desigualdade brasileira” (2005), decorrente de sua tese doutoral7 (um estudo inédito
em nível país), analisa em detalhes os ricos de modo a entender por que o Brasil é um dos países
mais desiguais do mundo. O autor usa instrumentos criados para o estudo da pobreza para olhar os
ricos, pessoas que ocupam o topo da pirâmide social.
Medeiros menciona que ante a presente sociedade desigual como a do Brasil só há duas
escolhas: ou você aceita a desigualdade, ou aceita que é elite e tem a responsabilidade de reduzir a
desigualdade, o que vai implicar algum tipo de perda. Falar de redistribuição implica reduzir
privilégios, reduzir vantagens de quem está no poder. Se a gente quer de fato reduzir a
desigualdade, vamos ter de chegar ao grupo dos mais ricos. Não se trata de deixá-los sem renda
nenhuma, não vamos ter de fazer uma expropriação de todas as riquezas, mas eles vão ter de
ceder recursos.
Os resultados da tese doutoral de Medeiros permitem derrubar uma série de explicações
clássicas. Uma possibilidade forte é o fato de terem educação de elite e conseguirem ocupar os
melhores postos de trabalho. Mas seguramente não é só isso. Eles têm uma boa rede de relações, o
que permite o acesso aos melhores postos de trabalho, começar a carreira numa posição mais
elevada. Receberam uma série de heranças de patrimônio, não apenas a financeira, o que ajudou ao
longo das gerações. Comparado os padrões de mobilidade social em vários países do mundo, no
Brasil há pouca mobilidade: é muito difícil que alguém que não é rico se torne rico.
Conforme Medeiros existiam algumas ‘fantasias’ no Brasil sobre o que vai acabar com a
pobreza e reduzir a desigualdade. Uma delas é que ‘as mulheres são pobres porque têm muitos
filhos’. Só 3% das famílias brasileiras têm mais que 3 filhos com menos de 10 anos, sinal de que as
pessoas já têm poucos filhos, não é preciso aumentar o controle da população. Com isso se transfere
a responsabilidade da pobreza para os pobres: são pobres porque tiveram muitos filhos. Agora, você
pode justificar que é rico porque foi responsável e teve poucos filhos. Então, o que aconteceria se os
ricos tivessem mais filhos e os pobres menos filhos? O fato de sua família ser metade da família
do outro não explica porque você tem uma renda 27 vezes maior.
Algumas pessoas ainda insistem que a grande solução para a pobreza no Brasil é
crescimento. Isto é confortável, mas é insuficiente: crescimento é bom para o Brasil, mas é
insuficiente para reduzir desigualdade. Medeiros refuta um mito trivial de que a solução da
desigualdade no Brasil pode ser via educação (esse é o primeiro ponto forte): você não tem de dar
o peixe, mas ensinar a pescar. Mas há duas questões que precisamos entender: educação é crucial
para a sociedade brasileira, mas o impacto da educação sobre a desigualdade vai demorar
décadas para ser sentido porque é um investimento de longo prazo. Mesmo que a gente eduque as
crianças num sistema educacional perfeito, leva décadas até que essas crianças bem educadas sejam
maioria no mercado de trabalho. E a gente tem um problema de curto prazo para resolver.
Conforme Medeiros, a experiência das cotas para negros pode contribuir na redução da
desigualdade. Durante anos se afirmou que o Brasil vivia uma democracia racial, sendo que os
negros viviam radicalmente pior que os brancos. As cotas são um sinal de reconhecimento público
de que a desigualdade racial existe. Não vão resolver o problema do acesso da população negra ao
ensino superior. Para isso precisaríamos de uma expansão maciça, e não apenas abrir algumas
vagas. As cotas são importantes para aumentar o tamanho da elite negra, que vai mostrar tanto a
viabilidade da ascensão social dos negros como defender os interesses dos negros. É um passo na
construção de uma solução mais ampla.
Se controlar a população não adianta nada, se crescimento é bom, mas insuficiente, se
educação é importante, mas em longo prazo, só restou uma alternativa: redistribuição de renda.

7
Disponível em http://www.gestaopublicaemfoco.com.br/files/12.pdf, acesso 29/05/2018.
8

Políticas de transferência de renda = Programa Bolsa Família (PBF)

Segundo Medeiros, para reduzir a desigualdade social é preciso redistribuir a renda.


Política de assistência é crucial para o combate da pobreza no curto e médio prazo. As pessoas
precisam entender que por um bom tempo, vai ser fundamental e crucial “dar o peixe” enquanto se
ensina a pescar.
Antes de discutir este assunto é interessante analisar duas perspectivas teóricas da
Economia: o Keynesianismo e o Livre mercado. No primeiro caso, John Maynard Keynes (1883-
1946) apontou que o livre mercado, sozinho, não dava conta de pôr fim aos períodos de recessão e
desemprego; ele prescreveu intervenções do Estado para aumentar a demanda por bens e serviços,
por meio dos salários e dos investimentos públicos. Esta vertente teórica da economia foi base pós
2ª Guerra mundial para colocar em prática o Estado do Bem-estar também é conhecido por sua
denominação em inglês “Welfare state”, que inclusive ainda se prática em vários países da Europa.
Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de
educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos.
Em contraposição à intervenção do Estado na Economia temos a “Economia do Livre
Mercado” e sua defesa está presente no pensamento dos economistas mais influentes. Alguns deles
são Adam Smith, David Ricardo e Friedrich Hayek como defensores do livre mercado como a
melhor ordem social. Segundo esta teoria, haveria uma ‘mão invisível’ que guia o mercado para
satisfazer produtores e consumidores. Estes teóricos preconizam que o Mercado livre tendia ao
equilíbrio, e temia que um poder excessivo do Estado levasse à perda das liberdades individuais
(por isso denomina-se Liberalismo econômico). O liberalismo é base do capitalismo, onde se
defende que todos devem ser livres e a riqueza é mérito dos mais adaptados ao sistema.
Então, temos duas vertentes importantes para tratar a desigualdade: a intervenção do Estado
(Keynesianismo) e do Livre Mercado que preconiza que todos devem ser livres e a riqueza é mérito
dos mais adaptados ao sistema. Uma controvérsia a esta ideia se apresenta em quadrinhos em:
https://www.geledes.org.br/de-bandeja-se-voce-acha-que-todos-tem-as-mesmas-oportunidades-da-
uma-lida-nessa-historia-em-quadrinhos/ (acesso 29/05/2018).
A desigualdade é inevitável dentro de um mercado econômico, podendo ser gerada
voluntária ou involuntariamente à vontade do cidadão. Diante disso, cabe ao Estado desenvolver
uma forma de redistribuir os recursos de modo a reduzir essa desigualdade. Uma forma de
proporcionar uma maior igualdade, redistribuindo os recursos, pode ocorrer por intermédio da
tributação.
Para o objetivo da disciplina veremos a intervenção do Estado no combate à pobreza e
enfocaremos o Programa Bolsa Família (PBF). Lançado em 2003, o Programa foi criado para aliviar
a extrema pobreza e combater a fome no Brasil. Conforme dados do anterior Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é o maior programa de transferência de renda do
mundo. Desde 2003, o governo federal já transferiu R$ 186,5 bilhões para as famílias de baixa
renda; atualmente, o benefício médio pago às famílias é de R$ 161,69/mês, mas pode variar
conforme o perfil de cada núcleo familiar (Dados do MDS).
PBF é um Programa de transferência condicional de renda beneficiando famílias em
situação de pobreza e de extrema pobreza, criado para combater a miséria e a exclusão social e para
promover a emancipação das famílias mais pobres, sendo a primeira vez que o governo dirige
recursos financeiros para os mais pobres do País. É uma iniciativa que enfrenta o problema
secular da miséria.
O PBF possui três eixos principais: a) transferência de renda, que promove o alivio imediato da
pobreza; b) as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação,
saúde e assistência social o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza
entre gerações; e ) as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de
modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade social. São exemplos de
programas complementares: programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos,
de fornecimento de registro civil e demais documentos (Figura 3).
9

As famílias beneficiadas, com filhos entre 0 e 15 anos de idade, devem, como contrapartida,
matricular e garantir a frequência de seus filhos na escola, cumprir os cuidados básicos de saúde
(calendário de vacinações de menores a 7 anos, acompanhamento pré e pós natal) e participar de
ações educativas sobre aleitamento materno e alimentação saudável.

Figura 3 PBF programa de transferência condicional de renda para combater a pobreza e a extrema pobreza.
Fonte: MDS.

Em relação à Educação, o PBF mantêm crianças em situação de pobreza na escola exigindo


uma frequência de 85%. No passado, o abandono era um grande problema; hoje o programa
acompanha a vida de 15,1 milhões de crianças de adolescentes, sendo que o desempenho escolar e a
taxa de aprovação está no mesmo patamar que as demais crianças.
O intuito do PBF é: se uma criança se alimenta bem, cuida da saúde mediante as vacinas e
assiste normalmente às escolas, no longo prazo, este futuro cidadão poderão se profissionalizar e
inserir-se no mercado de trabalho. Além disso, é mais barato investir hoje nas crianças mediante
educação e saúde, que gastar dinheiro logo com pessoas doentes e analfabetas que apenas recriam a
pobreza e são alvos fáceis das elites regionais para manter-se no poder.
Segundo o 4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio (ODM)
das Nações Unidas de 2009, no Brasil houve uma queda da pobreza extrema de 12% (2003) para
4,8% (2008). Conforme a UNESCO (instância da ONU), o PBF é visto como um dos maiores
avanços da política social brasileira e um exemplo para o mundo, já que beneficia quase 50
milhões de pessoas.
Em 2014, o Brasil conseguiu sair do Mapa da Fome conforme o relatório da FAO
(Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) dependente das Nações Unidas.
Nos últimos 10 anos, o Brasil reduziu pela metade a parcela da população que sofre com a fome.
Com isso, alcançou um dos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que a ONU estabeleceram
até 2015. A taxa de desnutrição no Brasil caiu de 10,7% para menos de 5% desde 2003. Também
foi assinalado que a pobreza no país foi reduzida de 24,3% para 8,4% entre 2001 e 2012, enquanto a
pobreza extrema também caiu de 14% para 3,5%. Conforme o MDS, enfrentar e reduzir a pobreza
se conseguiu mediante a revalorização do salário mínimo, investimentos em agricultura familiar e
programas de transferência de renda como a PBF.
O PBF abrange e beneficia mais do que um quarto da população brasileira (25,9%). Essa
abrangência cria, no plano teórico, dificuldades: é impossível dizer que se está dirigindo recursos
para uma parcela residual da população. Os efeitos socioeconômicos do PBF são consideráveis, já
que uma parte significativa da população pode entrar no circuito comercial consumido e
principalmente evitando a fome das famílias.
Outra ação do governo Federal direcionado as famílias que vivem na pobreza chama-se
Plano Brasil Sem Miséria (PBSM). Este plano tem a difícil missão de incluir as famílias mais
pobres do Brasil priorizando aquelas cuja renda mensal é de no máximo R$ 70,00. Além de oferecer
bem estar e renda financeira, o PBSM vai se concentrar na documentação para os mesmos, pois
muitas dessas famílias não possuem se quer o registro de nascimento, ou seja, não existem perante a
lei. Outros pontos atendidos são: energia elétrica; combate ao trabalho infantil; Segurança
Alimentar e Nutricional com cozinhas comunitárias e bancos de alimentos; apoio à população em
situação de rua, para que saiam desta condição entre outros.
10

Efeitos diretos e indiretos do PFB

Os efeitos do PFB, conforme alguns observadores8 são interessantes. O efeito direto é a


melhoria da qualidade de vida dos mais miseráveis.
As pessoas que recebem o Bolsa família podem comprar alimentos e insumos básicos para a
vida digna. Como a maioria destas pessoas vivem em lugares muito pobres, estes produtos, em
geral, não são adquiridos em grandes supermercados, mas nos pequenos comércios, dinamizando
desta forma a economia local.
Na educação, a concessão da Bolsa exige a presença das crianças na escola, ele contribui
para uma melhoria na educação, embora não garante qualidade. A combinação da presença e
alimentação escolar é importante porque, ninguém aprende nada sem ir para a escola e, mesmo
indo, não aprende se estiver com fome. Os efeitos da desnutrição na capacidade de aprendizado são
vastos. Infelizmente isso não é garantia, porque a educação básica pública ainda é extremamente
deficiente. Contudo, um efeito já apontado em algumas análises é que, na medida que as condições
de vida das pessoas melhoram e a renda do Bolsa Família passa a não se mais tão importante na
alimentação, ela passa a ser utilizada na aquisição de livros e material escolar.
Muitas pessoas criticam que as famílias que recebem bolsa família apenas para comprar
bebidas alcoólicas em vez de alimentos, ou ainda, gastam em bens supérfluos. Um estudo realizado
pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), em 2008, revelou que
alimentação, material escolar e vestuário são os itens em que as famílias mais gastam o beneficio
mensal. A pesquisa pediu que os titulares do cartão apontassem até 3 itens em que aplicavam o
dinheiro do bolsa família. Um 87% das famílias disseram que gastam em alimentação (principal
gasto) sendo que no Nordeste esse percentual chegou a 91% e na região sul um 73%. O 2º item
refere-se a material escolar com 46% e os gastos em vestuário como 3º item atingindo 37%.
Em relação à Saúde, com alimentação, estudo e cuidados médicos básicos, temos um povo
mais saudável. Os efeitos de longo prazo de políticas proporcionadas pelas exigências do PBF
podem formar gerações não apenas mais saudáveis, mas pessoas mais conscientes de sua própria
saúde. A revista britânica Lancet (a mais tradicional publicação científica na área de saúde do
planeta desde 1823) publicou recentemente um estudo derivados de quase 3000 municípios
brasileiros (período entre 2004 e 2009) que relaciona de forma conclusiva o Bolsa Família com a
queda da mortalidade infantil. Nas cidades em que o programa tem alta cobertura, a queda geral
na mortalidade infantil foi de 19,4%. Cruzando o Bolsa Família com causas específicas de morte, o
impacto é ainda maior: queda de 65% nas mortes por desnutrição e 53% nas mortes por diarreia, tal
como descreve o artigo de “Lancet” de 2013 (texto na integra em
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673613607151 acesso 29/08/2016).
Outro efeito indireto do PBF refere-se à queda na taxa de fertilidade. Segundo o IBGE, hoje
é de 1,8 filhos por mulher, a mesma que o Chile, menos que os Estados Unidos (1,9) e está abaixo
do nível mínimo de reposição da população que é 2,1%. Conforme os Censos do IBGE de 2000 e
2010, o grupo de mulheres mais pobres apresentou recuo de 30% no número médio de filhos,
enquanto que a média nacional foi de 20,17%. Esses dados estão no artigo da Economist
(http://www.economist.com/news/americas/21578710-traditional-demographic-patterns-are-
changing-astonishingly-fast-autumn-patriarchs acesso 29/08/2016).
Por outro lado, em meio a tantos críticos fervorosos e entusiastas, uma pesquisa realizada ao
longo de 5 anos pela antropóloga Walquiria Domingues Leão Rêgo lança luzes para compreender o
impacto do programa. O estudo feito com mais de 100 beneficiárias do PBF revela o efeito do
auxílio na vida dessas mulheres de algumas das regiões mais pobres do país, como o interior do
Piauí, o litoral de Alagoas, o Vale do Jequitinhonha, em Minas, e a periferia do Maranhão.
A principal constatação é que o dinheiro do Bolsa-Família trouxe mais do que acesso a bens:
oportunizou pela primeira vez poder de escolha para mulheres acostumadas a ter seus desejos
sufocados pelo machismo e pela pobreza. E isso teve um efeito revolucionário em suas vidas:

8
Parte do artigo escrito por Daniel Caetano e disponível em http://www.caetano.eng.br/pecado/showpost.php?post=984
(acesso 29/05/2018).
11

como o cartão estava em seu nome, e não no nome do marido, assumiram o protagonismo nas
compras. E isso marcou mudanças significativas, desde o aumento no consumo de Danoninho para
os filhos até de batom para colorir a autoestima delas. Vale lembrar que 93% dos titulares do
PBF são mulheres e das quais 68% são negras.
Mas o que mais chamou a atenção foram alterações mais profundas, como uma maior
procura por anticoncepcionais (reflexo da vontade de cuidar do próprio corpo e da própria saúde) e
um maior encorajamento para pedir divórcio, algo incomum numa cultura patriarcal que as ensina
desde crianças a obedecer sem questionar, mesmo quando maltratadas. É evidente que, se tratado
como uma política isolada e sem o amparo de outros programas sociais, o Bolsa família oferece o
risco de estimular a dependência financeira, a cultura das mãos estendidas.
Walquíria Leão Rego conclui dizendo que principal impacto do PBF deve-se ao fato do
Bolsa Família ser entregue em dinheiro, sem a intromissão de autoridades locais como prefeitos ou
vereadores. “Se fosse uma cesta básica, aí sim teríamos espaço para o assistencialismo, porque não
seria possível desenvolver certas capacidades e competências que o dinheiro, em sua função
comunicativa e simbólica, acaba estimulando”.
Na política, uma consequência curiosa é que, nos locais onde o coronelismo era muito forte,
o PFB ajudou a tirar o poder das oligarquias locais. Historicamente as elites agrárias dominavam a
política local através da compra do voto com coisas pequenas e que não lhes custavam nada, mas
que lhes permitiam governar uma cidade ou estado, receber verbas federais e desviar recursos à
vontade. Isso porque o povo - mantido ignorante e necessitado - via neles com seus ‘salvadores’.
Assim, comprar o voto tornou-se uma prática naturalmente mais cara - ou seja, o PBF inflacionou a
compra de votos, dificultando ou até mesmo impossibilitando a prática.
Um recente trabalho sobre PBF aborda o empoderamento da mulher sertaneja pelo Bolsa
Família (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=RTSXuuSeNV0 , acesso 25/09/2016).
Neste trabalho mulheres beneficiadas pelo programa esclarecem a necessidade e as melhorias que o
benefício proporcionou para suas vidas e suas famílias, garantindo mínimas condições de
alimentação e estrutura financeira para os estudos de seus filhos. Os relatos retratam as mudanças
que o projeto pôde garantir para essas mulheres que, agora, com uma quantia mensal, podem
alcançar uma estrutura básica e, enfim, começar a sonhar com uma herança para os filhos: o estudo.
Enfim, não se pode esquecer a importância da fiscalização, para garantir que o benefício
chegue realmente a quem mais precisa e que este destinatário retribua com as contrapartidas
exigidas, como a frequência dos filhos na escola e manter a saúde da família.
Uma questão muito discutida no ambiente político e entre acadêmicos refere-se o custo de
manter o PBF. Contudo, o custo de manter uma família de duas pessoas, recebendo beneficio de R$
152,00 (ano 2013) é muito baixo comparado com outras despesas (impacto financeiro de R$ 24
bilhões para atender 13,9 milhões de famílias).
Vejamos alguns mitos/ficções presentes no cotidiano e são consideradas verdades. Conforme à
Figura 2 (p. 6) um 10% dos brasileiros concentram 52% da renda, entanto que os 10% mais
pobres respondem apenas por 1% do total da renda no país. Um 1% com maior renda recebe
23,1% da renda total, ou seja, temos no Brasil um grupo de 71.000 pessoas (um 0,05% da
população) que recebe em média, uns R$ 350.000/mês. O passado escravocrata e a manutenção
do poder oligárquico que fundamentaram a sociedade brasileira ainda são signos da sociedade.
Desse modo, Privilégio e Justiça social são dois temas que geram inúmeras discussões.
Marcelo Medeiros menciona que para superar a desigualdade social no Brasil deve começar
por uma melhor distribuição de renda. O grave problema disso radica na forma de convencer os
mais ricos a ceder parte de sua riqueza, principalmente se levarmos em conta que as elites
econômicas também são as elites políticas. Para o autor, já existe uma redistribuição de renda no
Brasil a partir do Imposto de Renda. Entretanto, a estrutura tributária tem de acompanhar o
desenvolvimento geral da sociedade.
12

Causas e consequências da desigualdade no Brasil

Desigualdades sociais não são inevitáveis. São, antes produto da ação ou inação de
governos e empresas ao longo da história, em benefício de poucos indivíduos com muito poder.
Desta forma, seu combate também exige políticas sustentadas ao longo do tempo, levadas a cabo
por sucessivos governos, bem como mudanças estruturais na forma pela qual as sociedades
distribuem renda e riqueza. São diversos os fatores que explicam a situação de desigualdade
extrema no Brasil. Nossa bagagem histórica de quase quatro séculos de escravidão e nosso largo
passado colonial criaram profundas clivagens entre regiões, pobres e ricos, negros e brancos,
mulheres e homens. Tal distanciamento marcou a forma com a qual organizamos nossa sociedade,
nossa economia e nosso Estado, diminuindo sua capacidade redistributiva. Em outras palavras, não
só nossa economia beneficia poucos, mas também nosso Estado e nossa organização social
contribuem para perpetuar desigualdades.
Não obstante termos logrado avanços importantes nas últimas décadas são ainda frágeis as
políticas de combate à pobreza e à desigualdade. A maior parte da riqueza produzida no País tem
sido apropriada por poucos, regra que se manteve mesmo nos anos de pleno emprego. Em 2015, a
pobreza voltou a crescer, quebrando uma sequência de cerca de dez anos de queda contínua. Esta
situação tenderá a se exacerbar a partir do atual contexto, em que reformas radicais que retiram
direitos e medidas de austeridade orçamentária são empurradas à revelia da opinião pública.
O combate às desigualdades passa pela revisão da forma com a qual o Estado arrecada e
distribui recursos, da forma com a qual ele cuida das pessoas de hoje e prepara os cidadãos e
cidadãs de amanhã. A seguir, lançaremos um olhar para as políticas que distribuem ou concentram
renda, riqueza e serviços – os caminhos e descaminhos na redução de desigualdades.

a) A injustiça tributária

Reclamar dos impostos é hábito comum do brasileiro. O sistema tributário brasileiro é


injusto e contribui para a perpetuação e o aprofundamento das desigualdades sociais. A injustiça
tributária está no fato de que quem ganha menos (trabalhadores assalariados e pobres) paga mais,
favorecendo proprietários e aplicadores, que, proporcionalmente, recolhem menos impostos.
Nosso sistema tributário reforça desigualdades. Conforme a publicação de 2016 Tributação
e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das declarações tributárias das
pessoas físicas9, o efeito da tributação no Brasil é, no geral, de aumentar a concentração da renda
ou, no mínimo, não a alterar. Trata-se de uma situação já resolvida na maioria dos países
desenvolvidos (onde a tributação, de fato, distribui renda), e que compõe barreira estrutural na
redução de desigualdades no Brasil. Apesar de nossa carga tributária bruta girar em 33% do PIB –
nível similar ao dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) ela é mal distribuída, de modo que os mais pobres e a classe média pagam muito mais
impostos proporcionalmente que pessoas com rendas muito altas.

Figura 4 O sistema tributário sistema tributário reforça desigualdades.


Fonte: Uma reforma tributária para melhorar a vida do trabalhador (201?)10.

9
Disponível em: http://www.ipc-
undp.org/pub/port/WP136PT_Tributacao_e_distribuicao_da_renda_no_Brasil_novas_evidencias_a_partir_das_declarac
oes_tributarias_das_pessoas.pdf (acesso 29/05/2018)
10
Disponível em https://rest.formacontrolesocial.org.br/materials/cartilha-reforma-tributaria.pdf (acesso 29/05/2018)
13

O sistema tributário brasileiro é injusto porque impõe sacrifício elevado para aqueles que
têm renda baixa ou média e alivia aqueles que têm altas rendas e são ricos, milionários ou até
bilionários. A grande injustiça começa pelo fato de que a maior parte da arrecadação vem de
impostos cobrados quando compramos algum objeto, seja um eletrodoméstico, seja um pacote de
macarrão. No ato da compra, o pobre e o rico pagam o mesmo imposto. Embora o valor do imposto
seja o mesmo, para o pobre essa cobrança representa sacrifício, para o rico é uma taxação nem
percebida.
Os impostos são basicamente de 2 tipos: diretos e indiretos. Os impostos diretos são
aqueles recolhidos pelo próprio “contribuinte”, como o Imposto de Renda (IR), o IPTU, IPVA etc.
que é recolhido por aquele que tem renda. Já os impostos indiretos, um outro agente recolhe o
imposto e repassa o custo adiante. A desigualdade do sistema tributário brasileiro não se dá pela
quantidade de tributos cobrados, mas, principalmente, por seu caráter regressivo, indireto e focado
na taxação sobre o consumo. Um exemplo é o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), um dos impostos com maior arrecadação no Brasil. Ele é repassado ao
consumidor final, atingindo em igual proporção tanto dos mais ricos quanto dos mais pobres.

Figura 5 Distribuição da arrecadação de impostos no Brasil.


Fonte: Relatório de Carga Tributária no Brasil 2013 – Receita Federal.

Segundo a figura anterior, mais da metade da arrecadação brasileira vem de tributos


cobrados no ato da compra de bens ou serviços (chamados impostos sobre consumo ou indiretos): a
sua arrecadação deriva de itens como alimentação, medicamentos, vestuário, transporte, aluguel
etc., onera de maneira injusta os mais pobres, que gastam a maior parte de sua renda nestes itens.
Em linguagem didática: no ato do consumo, o rico, o pobre e a classe média pagam o mesmo
imposto.
Se o imposto é elevado, pior ainda, porque o pobre pagará uma carga desproporcional à sua renda.
No caso do imposto sobre a renda, mais justo, ele é responsável por apenas 25% da arrecadação
total. Como consequência, a carga tributária pesa mais nas menores rendas.
A tributação seria mais justa se existissem mais impostos que incidissem de forma
significativa sobre a renda e o patrimônio de cada um. O raciocínio é simples: no supermercado,
quando estamos diante do caixa, não há ricos nem pobres, todos somos iguais, reconhecidos como
consumidores. Mas quando declaramos o Imposto de Renda sabemos quem é quem: quanto cada
um recebe e quais são suas propriedades e riquezas. Portanto, a tributação sobre a renda e o
patrimônio pode identificar quem pode pagar impostos elevados e quem deveria ser aliviado.
O relatório OXFAM “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras”,
publicado em setembro de 201711 comenta que a injustiça tributaria se deve a quatro razões: perda
de progressividade nas faixas de renda mais altas do imposto de renda, má distribuição da carga
entre impostos diretos e indiretos, baixa tributação do patrimônio e elisão e evasão fiscais.

11
Disponível em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Relatorio_A_distancia_que_nos_une.pdf
(acesso 29/05/2018).
14

Sistemas justos de tributação da renda se apoiam em uma lógica simples: quem tem
mais paga mais, quem tem menos, paga menos, e quem tem muito pouco não paga nada. No
caso do imposto sobre a renda brasileiro, esta lógica não vale para o topo da pirâmide. Pessoas que
ganham 320 salários mínimos mensais pagam uma alíquota efetiva de imposto (ou seja, aquela
realmente paga após descontos, deduções e isenções) similar à de quem ganha cinco salários
mínimos mensais, e 4 vezes menor em comparação com declarantes de rendimentos mensais de 15
a 40 salários mínimos conforme a figura 6.

Figura 6: Alíquotas efetivas de Imposto de Renda por faixa salarial – 2015.


Fonte: Fonte: SRF/Grandes números das DIRPF 2015 in OXFAM (2016, p. 44).

A progressividade das alíquotas efetivas cresce até a faixa dos 20 a 40 salários mínimos de
rendimentos, passando a partir daí a cair vertiginosamente, justamente nos grupos mais ricos do
País. Esta inversão é produto de duas distorções no imposto de renda: a isenção de impostos sobre
lucros e dividendos e a limitação de alíquotas no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Este tipo
de sistema tributário chama-se “sistema regressivo”, pois quanto mais o cidadão ganha menos ele
paga.
Em outros países, principalmente na Europa existem impostos diretos fortemente
progressivos, que tributam mais as grandes rendas e os bens acumulados (os mais ricos pagam mais
da metade de seus rendimentos em impostos). Enquanto no Brasil a maior tributação recai sobre o
consumo, em tais países o Imposto de Renda é um dos impostos mais importantes, e atinge de
forma efetivamente progressiva todas as rendas, que são formalizadas, enquanto no Brasil ele atinge
basicamente os assalariados.

b) Lucros e Dividendos

A lei No. 9.294 de 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, instituiu-se a
isenção total de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros a pessoas físicas. Desta forma,
lucros que saem da pessoa jurídica para a pessoa física não teriam impostos a pagar. E foi eliminado
o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os lucros e dividendos distribuídos para sócios
residentes no país ou no exterior. A alíquota de IRRF era de 15% antes dessa mudança de regra.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada12 (Ipea), de 2015 mostra que os
71.440 brasileiros que ganham mais de R$ 1,3 milhão por ano declararam uma renda média de R$
4,2 milhões e pagaram apenas 6,7% sobre toda a sua renda. Já as pessoas que ganham entre R$
162,7 mil e R$ 325,4 mil pagaram em média 11,8%. O que acontece é que um servidor público
que ganha R$ 5 mil paga IR de 27,5%. Um grande empresário que recebe R$ 300 mil a título
de distribuição de lucros e dividendos, não paga nada. Ou seja, na medida em que vai subindo

12
Fonte: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/14/imposto-sobre-lucros-e-dividendos-geraria-r-43-bi-
ao-ano-diz-estudo acesso 02/09/2016.
15

na faixa de renda, a renda do capital passa a ser dominante e como não incide imposto, isso faz com
que as alíquotas caem para os muito ricos.
Conforme (OXFAM, 2016, p. 46) lucros e dividendos são justamente os “salários” dos
super-ricos. Desde 1996, donos ou acionistas de empresas deixaram de pagar qualquer imposto
sobre os dividendos recebidos na distribuição de lucros das empresas, política de isenção que existe
somente em dois países no mundo: Brasil e Estônia. Tal medida beneficia justamente os mais ricos
do Brasil, que têm aí suas principais fontes de rendimento. Dados da Receita Federal de 2016
apontam que as pessoas com rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (R$ 63.040,00)
têm isenção média de 66% de impostos, podendo chegar a 70% para rendimentos superiores a 320
salários mínimos mensais (R$ 252.160,00).
Por outro lado, a isenção para a classe média (considerando as faixas de 3 a 20 salários
mínimos, R$ 2.364,00 a R$ 15.760,00) é de 17%, baixando para 9% no caso de quem ganha 1 a 3
salários mínimos mensais (R$ 788,00 a R$ 2.364,00). Em resumo, as menores rendas e a classe
média pagam proporcionalmente muito mais imposto de renda que os super-ricos. Além da isenção
de lucros e dividendos, tributam-se pouco as grandes rendas de salário.
Sobre a isenção de lucros e dividendos, a recente noticia (30-04-2018) Famílias donas do Itaú
receberam R$ 9 bilhões em dividendos na crise13 Ou seja, na pior recessão da história do Brasil teve um
lado bom para três das famílias mais ricas do país e– os clãs Setubal, Villela e Moreira Salles.
Conforme noticiado, neste período, tradicionais pagadoras de dividendos, como Vale e Petrobras,
foram atingidas por crise econômica, escândalos e queda de preços do minério de ferro. Já a taxa de
desemprego subiu de 5,6 por cento em março de 2013 para 12,4 por cento, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O trabalha dor recebe seu salário e é tributado na fonte, é descontado em folha. O
empresário retira o lucro da sua empresa para gastar, tal como o trabalhador. Mas o lucro que saiu
da empresa e foi para o bolso do empresário está isento. Muitos alegam que o lucro já pagou
imposto na pessoa jurídica, dentro da empresa. Então, tributar o empresário seria bitributação.
Dizem que seria fazer a mesma renda pagar imposto duas vezes porque já houve tributação sobre o
lucro na atividade da empresa. Isso não é verdade. Quem pagou o imposto de renda foi a empresa, e
não o empresário, a pessoa física. Tanto faz se o ganho chega na forma de lucro ou na forma de
dividendos no bolso do dono da empresa, nenhuma das duas formas paga imposto de renda.
A isenção de impostos sobre lucros e dividendos também vale para o caso de remessas ao
exterior. Se uma multinacional resolve retirar os lucros de sua empresa no Brasil e enviá-los para a
matriz nada paga em impostos também. Em 2013, foram enviados ao exterior US$ 26 bilhões na
forma de lucros e dividendos. Em 2014, esse volume aumentou um pouco mais, US$ 26,5 bilhões.
São bilhões de dólares!!! Essa isenção têm estimulado as multinacionais a não reinvestir seus lucros
no Brasil e a enviar dinheiro para as matrizes. Fazem o que querem com os lucros gerados aqui:
pagam suas dívidas no exterior, investem no seu país de origem ou distribuem esses lucros aos seus
proprietários.
Na seguinte figura um comparativo do pagamento de impostos em alguns países do mundo.

13
Fonte: https://exame.abril.com.br/negocios/familias-donas-do-itau-receberam-r-9-bilhoes-em-dividendos-na-crise/
acesso 29/05/2018.
16

Figura 7: Distribuição dos impostos em alguns países


Fonte: OCDE

c) Impostos sobre Patrimônio

Nos países mais desenvolvidos, a tributação sobre o patrimônio e a renda corresponde a


cerca de 2/3 da arrecadação. A eficácia redistributiva da política tributária brasileira é baixa, pois
ela não tributa o patrimônio e os rendimentos mais elevados, não originários do trabalho – aluguéis,
aplicações financeiras, lucros e dividendos das empresas (% sobre lucros e dividendos recebidos por
donos e acionistas de empresas). No Brasil, a tributação sobre o patrimônio e a renda não atinge
nem 1/3 dos impostos, favorecendo a elite econômica.
De novo nos deparamos com uma enorme injustiça tributária e social. Aquele trabalhador
que comprou seu carro popular - e que muitas vezes o adquiriu pagando inúmeras prestações - tem
que arcar com o IPVA todos os anos. Mas o se você tivesse um helicóptero, uma lancha, um iate ou
um jatinho, nada pagaria. Há nesse caso uma enorme injustiça tributária e social. Aquele
trabalhador que comprou seu carro popular - e que muitas vezes o adquiriu pagando inúmeras
prestações - tem que arcar com o IPVA todos os anos. Mas o milionário que possui um helicóptero
para evitar engarrafamentos e economizar tempo não paga IPVA. Proprietários de embarcações
luxuosas, jatinhos e helicópteros não pagam IPVA.
A injustiça é social porque proprietários desses veículos são pessoas ricas. E o indivíduo que
comprou um carro popular é uma pessoa da classe média, um trabalhador. Quem decidiu que
lanchas, iates, helicópteros e jatinhos não pagariam IPVA foi o Superior Tribunal Federal (STF). A
Constituição autoriza os estados e o Distrito Federal a cobrarem IPVA de veículos automotores. O
STF não considerou que tais veículos são “veículos automotores”, talvez por não circularem em
ruas e estradas. Ora, essa argumentação é, no mínimo, nebulosa. Outro argumento é que esses
veículos isentos de IPVA estariam sujeitos à jurisdição federal, que já pagariam taxas à Capitania
do Portos e ao Ministério da Aeronáutica. Existem taxas, é verdade. Mas taxas são para fins
específicos, por exemplo, taxa de incêndio, taxa de iluminação pública. Taxas são pagas pelo uso da
coisa e não por deter sua propriedade. As taxas não são impostos. Impostos têm objetivo
arrecadatório e de realização de justiça tributária e social.
São Paulo é a capital mundial dos helicópteros. Possui mais de 400 aeronaves. Tem mais
helicópteros que Nova York ou Tóquio. O trafego aéreo é intenso: são mais de 2.000 decolagens e
pousos diários. A arrecadação com impostos patrimoniais no Brasil representa apenas 4,5% do total
enquanto em países da OCDE como Japão, Grã-Bretanha e Canadá essa taxa é de mais de 10%. Nos
EUA, ela chega a 12,15%.
Em termos rurais e conforme ao Informe da OXFAM (2016) ‘Terrenos da desigualdade:
Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, historicamente, a desigualdade tem relação
17

particular com a concentração de terra. No Brasil, há um vínculo entre a propriedade da terra e


o exercício do poder político. Conforme esse estudo há práticas de sonegação fiscal e o papel do
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) que estariam no aprofundamento da
desigualdade no campo. O ITR é o principal tributo com relação à terra no meio rural brasileiro.
Instituído há mais de um século, foi mantido pela Constituição Federal de 1988 com a justificativa
de que contribuiria para manter os preços da terra em níveis baixos, além de agir como um dos
instrumentos da política de reforma agrária e da função social da propriedade. A perspectiva era que
os impostos que têm como fato gerador a propriedade da terra poderiam representar incremento nos
custos dos proprietários e, portanto, coibiriam a especulação.
O funcionamento do ITR se dá por ato declaratório, por meio da Declaração do Imposto
sobre Propriedade Territorial Rural (DITR), sob responsabilidade do contribuinte, proprietário de
imóvel rural, ou seu titular de domínio público. É durante o preenchimento de dados cadastrais do
imóvel, no Documento de Informação e Atualização (DIAC), que se apura a área tributável,
excluindo as áreas de preservação permanente, reserva legal e de interesse ecológico. O valor do
imposto a ser pago é calculado a partir de alíquotas compostas pela variação do tamanho da
propriedade e do Grau de Utilização da mesma.
Contudo, conforme o último levantamento realizado pelo Sindicato Nacional dos Peritos
Federais Agrários (SindPRA), o ITR foi responsável por apenas 0,0887% da carga tributária
nacional em 2014, com uma redução de 2,59% em relação ao ano anterior. Este baixo percentual é
constante desde os anos 1990. Analisando a tabela do SindPRA, a partir de dados da Secretaria da
Receita Federal (SRF), houve crescimento da arrecadação do ITR a partir de 2009, quando da
municipalização da cobrança e fiscalização do imposto. Apesar das receitas do ITR terem crescido
3,8% ao ano entre 2003 e 2008, e 8% de 2009 a 2015, esse crescimento não representa um aumento
real, já que, historicamente, a arrecadação permanece em torno de 0,7% dos impostos totais. A
injustiça fiscal está materializada no ITR pela baixa arrecadação em um país de dimensões
continentais e com um setor agroexportador de competitividade global.
Sendo assim, se a tributação for mais equitativa, as grandes propriedades rurais (com ITR
muito baixo) e os veículos de luxo como helicópteros e iates (que hoje não pagam IPVA) deveriam
pagar mais impostos. Deste modo podemos observa que a carga tributária, além de ser injusta é
excessiva; com isso se perpetua a desigualdade, desestimula os investimentos produtivos e é
moderada sobre o patrimônio. Para reverter essa injustiça tributária é necessário aumentar os
chamados impostos diretos (sobre renda, propriedade, fortuna) e diminuir os indiretos.
Numa estrutura de renda justa, a tributação deveria atuar de forma redistributiva, não
concentradora. No Brasil, ocorre justamente o contrário – nosso sistema tributário penaliza os
pobres e alivia os super-ricos, que acumulam renda e, com isso, patrimônio – outro território pouco
habitado por impostos.

d) Impostos sobre Heranças, doações e Grandes Fortunas

Imposto sobre heranças e doações é recolhido pelos estados e pelo Distrito Federal. A
alíquota máxima que pode ser cobrada é 8%. Essa alíquota máxima foi decidida pelo Senado
Federal. O imposto sobre herança, por exemplo, representa cerca de 0,6% da arrecadação nacional,
valor baseado em alíquotas baixas e, por vezes, sequer aplicadas.
Mas muitos países adotam alíquotas bem maiores e têm também uma tabela progressiva, isto
é, quanto maior o valor da herança ou da doação maior será a alíquota. Sendo assim, os Estados
Unidos têm alíquotas diferentes para cada estado: em Nebraska, a alíquota máxima é 18%; na
Pensilvânia, é 15% e em Maryland, é 16%. Na Inglaterra, a alíquota máxima é 40%; no Japão é
55%; na França, é 60% e no Chile, é de 35%.
Aqui no Brasil, essa alíquota máxima de 8% com tabela progressiva só é utilizada em
poucos estados, como por exemplo, Ceará, Santa Catarina e Bahia. No estado do Rio e em São
Paulo, onde mora a maioria dos milionários brasileiros, cobra-se no máximo 4%.
Cobrar imposto sobre grandes heranças e doações com alíquotas maiores e com uma tabela
progressiva seria mais justo socialmente. Um primeiro argumento importante é que as grandes
18

heranças e doações são responsáveis por parte significativa das desigualdades sociais e de renda
existentes. É simples, uma pessoa que recebe dezenas de milhões de reais na forma de herança ou
doação terá mais possibilidades e oportunidades de concorrência na sociedade utilizando meios
acumulados por seus parentes/antecessores.
Um segundo argumento segundo argumento é que com o imposto recolhido sobre grandes
heranças e doações poderia haver mais investimento em educação, o que espalharia oportunidades e
deixaria a sociedade mais igualitária e qualificada. É óbvio que valores modestos transmitidos
através de heranças e doações devem estar isentos já que tais valores não vão agravar desigualdades
de oportunidades existentes.
No Brasil, o artigo 153, inciso VII da Constituição Federal de 1988 define o Imposto
sobre Grandes Fortunas e tramita no Congresso Nacional. A Constituição de 1988, estabeleceu
que a União pode cobrar 8 diferentes tipos de impostos. Mas um deles não é cobrado: o imposto
sobre grandes fortunas (IGF). Tal imposto teria que ser regulamentado por um projeto de lei
complementar a ser apresentado e aprovado no Congresso Nacional por deputados e senadores.
Cabe nos perguntar: por que até hoje ainda não temos imposto sobre as fortunas dos ricos?
Apesar de já terem sido apresentados alguns projetos, nenhum prosperou. Ficam quase
parados, são engavetados e não tramitam. Nunca chegaram à votação em plenário. O motivo para
esta paralisia e a consequente inexistência do imposto sobre grandes fortunas é óbvio. Aqueles que
possuem grandes fortunas têm muito poder político também. Eles têm muita influência sobre a
maioria de deputados e senadores.
É diante dessas circunstâncias que percebemos quanto o poder econômico é capaz de se
transformar em poder político. Os milionários e bilionários brasileiros, embora sejam poucos, tem
influência sobre a maioria dos votos no Congresso Nacional. Além disso, muitos congressistas,
inclusive, estariam enquadrados na categoria de milionários, o que aumenta a resistência ao
estabelecimento do IGF.
Mas ao final quem exatamente pagaria o Imposto sobre Grandes Fortunas?
Há alguns brasileiros que possuem dezenas de milhões ou até bilhões de reais em imóveis,
obras de arte, automóveis de alto luxo, lanchas, iates, helicópteros, jatinhos e volumosas aplicações
financeiras. O IGF é o imposto cobrado sobre o total do valor da fortuna. São estabeleci das
alíquotas em uma escala crescente. Então, quanto maior é o valor da fortuna maior é a alíquota que
sobre ela incide. Na França, por exemplo, as alíquotas variam de 0,55% a 1,8%.
O valor da grande fortuna é fácil de ser calculado. É a soma de todos aqueles bens que são
transmissíveis em caso de morte ou que podem ser doados legalmente. Se todo o herdeiro de grande
fortuna sabe o que pode herdar, a Receita Federal também saberá calcular o valor dos bens que
poderão ser transformados em herança. A revista Forbes estima que as fortunas dos 10 brasileiros
mais ricos somaria a quantia de R$ 266 bilhões. Eles são donos de meios de comunicação, bancos,
instituições financeiras, redes de fast-food, cervejarias, empreiteiras, frigoríficos e fábricas de
massas e biscoitos.
O IGF não atingiria a classe média e nem mesmo aqueles que são chamados de alta classe
média. Só alcançaria a riqueza acumulada por aqueles que são realmente ricos, somente aqueles que
possuem dezenas de milhões de reais em bens móveis, imóveis e aplicações financeiras. Segundo o
relatório de 2014 do Banco UBS em parceria com a X-Weathy, que é uma instituição especializada
em coletar informações sobre fortunas, São Paulo é a sexta cidade no mundo que têm mais pessoas
ricas. Já a revista Forbes informa que o Brasil tem 65 pessoas que possuem fortunas avaliadas em
mais que R$ 1 bilhão.
Vários países possuem IGF: A França, a Argentina e o Uruguai são alguns exemplos. É
comum que exista uma tabela com alíquotas crescentes para valores maiores de riquezas. Paga
alíquota maior quem é mais rico. A despeito das alíquotas mais elevadas não serem tão altas, ano
após ano, a arrecadação proveniente do imposto sobre fortunas somente tem aumentado nesses
países. Representam arrecadação significativa. E auxiliam a fiscalização porque correlacionam
renda com a riqueza acumulada. Além disso, fazem pagar imposto aqueles potenciais contribuintes
que têm patrimônio acumulado, muitas vezes através de heranças, e não trabalham. Vivem da venda
19

de partes pequenas das enormes fortunas que possuem. Esses ricos que não trabalham não pagariam
imposto de renda, mas pagariam IGF.
Muitos dizem, de forma incorreta, que tal imposto faz com que os ricos retirem suas
riquezas do país. E a arrecadação seria irrisória. Não é verdade. Na França, o número de pessoas
declarantes e os valores arrecadados têm aumentado ao longo tempo. Em 2001, foram 244 mil
declarantes e a arrecadação foi de 2,6 bilhões de euros. Em 2010, foram 594 mil declarantes e o
imposto recolhido foi da ordem de 4,5 bilhões de euros.

e) Evasão, elisão e renúncias

Em termos rurais e conforme ao Informe da OXFAM (2017) ‘A distância que nos une’ traz
como assunto de discussão. Além dos desequilíbrios do sistema tributário, existe uma grande
quantidade de impostos que simplesmente não são pagos. Isto ocorre tanto por elisão quanto por
evasão fiscal – ou seja, legal e ilegalmente. O setor mineral no Brasil, por exemplo, lança mão do
uso de técnicas legais que reduzem a base de cálculo de tributos – elisão que reduz em até 23% a
quantidade de recursos recebidos pelos cofres públicos129. Ademais, estudos realizados pelo
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (SINPROFAZ) indicam que a arrecadação
tributária brasileira poderia se expandir, sem aumento de impostos, caso fosse possível eliminar a
evasão tributária.
A estimativa mais conservadora da entidade aponta para uma sonegação tributária da ordem
de R$ 275 bilhões em 2016. Há também uma enorme quantidade de recursos que deixaram de ser
arrecadados pelo Estado como instrumento de incentivo econômico – as renúncias fiscais ou, como
são oficialmente chamados, gastos tributários. Trata-se de exceções que viraram regras ao longo dos
últimos anos, alcançando R$ 271 bilhões em 2016.
A sonegação de impostos é um grave problema. É perda de arrecadação que poderia ser
direcionada, por exemplo, para a educação ou para a saúde. O SINPROFAZ, avalia que em 2014,
foram sonegados R$ 518 bilhões, o que corresponde a uma cifra sete vezes maior do que custo
anual médio da corrupção no Brasil. É pouco provável que parte da sonegação no Brasil seja feita
pelos pobres e trabalhadores: pobres pagam basicamente impostos quando compram uma
mercadoria ou utilizam o transporte público. E além disso, hoje, mais da metade dos trabalhadores
tem emprego formal: são estatutários ou possuem carteira assinada. A formalização tanto do
trabalho quanto de empresas tem aumentado no Brasil. Isso reduz a sonegação. Mas a sonegação é
muito alta. É provável que parte da sonegação seja feita na economia informal. E, mais
provavelmente, por aquelas empresas formalizadas que movimentam recursos bastante volumosos.
Quando se fala de impostos, as entidades de classe dos empresários e a mídia em geral
distorcem a informação para a sociedade. Desse modo o ‘Impostômetro’ e, mais recentemente, a
campanha da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) “não vou pagar o pato”
(figura 9) contra aumento e a criação de impostos escondem realidades sobre a tributação e a
sonegação fiscal.

Figura 8: Campanha da Fiesp (esq.) e a mídia em relação a impostos ou temas de interesse social (dir).
Fonte: Google imagens.
20

Certamente a campanha foi criada para conscientizar a sociedade sobre a carga de impostos
e evitar novo aumento da carga tributária. Contudo, o centro da atenção ainda é sobre o consumo
e não sobre as rendas e a concentração das riquezas que gera a desigualdade.
Além da questão tributária, uma das causas da desigualdade refere-se à sonegação. Os 2
dois escândalos de sonegação vieram à tona no Brasil e pouco destacado na mídia são : Operação
Zelotes; e o das contas de brasileiros no HSBC da Suíça envolvendo grandes empresas brasileiras;
inclusive, empresas que controlam a grande imprensa brasileira. A sonegação estimada é de cerca
de R$ 19 bilhões.
No escândalo do HSBC, foram identificados 8.667 correntistas brasileiros que possuíam, em
2006 e 2007, cerca de US$ 7 bilhões depositados na filial suíça do HSBC, o que corresponde a R$
21 bilhões. Ou seja, R$ 21 bilhões é o orçamento previsto para o Bolsa Família em 2015. Os
‘ilustres brasileiros’ podem ter sonegado um orçamento do PBF na Suíça.
São três os crimes nesses escândalos são: evasão fiscal, lavagem de dinheiro e sonegação,
inclusive tráfico de drogas ou tráfico de pessoas. No total, estamos falando de R$ 40 bilhões
sonegados. O mais impressionante é que a maior parte da mídia está calada e os parlamentares não
se incomodam com esta situação.
Apesar do forte conteúdo político que uma tributação sobre a riqueza pode gerar, os
argumentos utilizados pelos parlamentares para rejeitarem os projetos em 2000 e 2010 foram
desfavoráveis para a sociedade. Tanto a proposta de aumentar a alíquota do IR de forma progressiva
como a taxação da renda e do patrimônio (sobre grandes fortunas, patrimônio, heranças etc.) gera
uma grande disputa e debate. O governo sequer faz as propostas porque não conseguiria aprovar
devido a forte resistência que existe no Congresso Nacional, onde uma grande parte dos
parlamentares poderia ser atingida pela reforma tributária.
Marcelo Medeiros menciona que, se tivesse escolha entre tributar quem gera emprego e
quem não gera, iria tributar quem não gera: esse é um passo crucial para a redistribuição de
renda. Há uma parte gigantesca dos recursos do Estado que é gasta com operações financeiras.
Menos de 1/3 do governo federal é direcionada para questões sociais, sendo 2/3 gastos com
atividades financeiras. A estrutura tributária é injusta, carrega sobre o consumo, o sistema industrial
e os trabalhadores e é quase nula sobre o sistema financeiro.
Concomitantemente ao ‘Impostômetro’, há um site muito interessante que mostra em tempo
real a sonegação de impostos no Brasil: www.quantocustaobrasil.com.br/.

e) A dívida ativa da União

A dívida ativa da União é o conjunto de dívidas de pessoas físicas e jurídicas com órgão
federais. São dívidas de natureza tributária e não-tributária. Após processo legal de averiguação e
que foi atestada a existência da dívida, o governo Federal através da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional abre um processo de execução fiscal contra aquele que é comprovadamente um devedor.
Infelizmente, o governo Federal somente consegue recuperar por ano em média 1,3% da dívida
ativa. Mas a dívida cresce muito a cada ano que passa. Estima-se que em torno de 90% da dívida
ativa sejam dívidas tributárias.
Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o setor
agrícola ocupa o décimo lugar entre os maiores devedores com a União, com um montante de R$ 19
bilhões em dívidas. De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em 2015,
18.602 pessoas físicas e jurídicas possuíam dívidas de mais de R$ 10 milhões com a União. Juntas,
essas dívidas somavam R$ 1,2 trilhões. Entre os devedores, 4.013 pessoas físicas e jurídicas,
também detentoras de terras, possuíam dívida acima de R$ 50 milhões – totalizando mais de R$ 906
bilhões em impostos devidos (OXFAM, 2016).
Conforme o mesmo informe, na contramão de uma possível cobrança desses e outros
débitos, o Executivo Federal editou a Medida Provisória nº 733, em 15 de junho de 2016 (aprovada
no Senado em 20 de agosto de 2016), concedendo mais uma facilidade. A MP permite que
produtores rurais inscritos em Dívida Ativa da União e com débitos originários das operações da
21

securitização e do Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA) liquidem o saldo devedor


com bônus entre 60% a 95%, dependendo do valor da dívida. Por exemplo, dívidas acima de R$ 1
milhão devem ter descontos de 65%. As regras da MP também preveem a suspensão do
ajuizamento e do prosseguimento das execuções fiscais em andamento até o final de 2017, segundo
informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (OXFAM, 2016, p18-19).

A Dívida Pública14
Um tema pouco debatido no ambiente acadêmico refere-se à Dívida Pública. Os dados
oficiais do CODIV (Coordenação Geral do Controle da Dívida Pública) mostram a evolução da
dívida interna do Brasil: em Janeiro de 1995 era de R$ 31 bilhões e 668 milhões. Logo, conforme
dados do Tesouro Nacional, dependente do Banco Central, a dívida pública do ano 2011 fechou em
R$ 1,87 trilhão. Conforme a página da auditoria cidadã da Dívida Pública15 em 2015, até 30/out, a
dívida consumiu R$ 939 bilhões = 49% do gasto federal.
Em 2017, o valor destinado à Dívida Pública correspondeu a 39,7% de todo o orçamento, e
equivaleu a R$ 986.110.833.381,14, ou seja, quase 1 trilhão de reais. O estoque da Dívida Pública
INTERNA brasileira já superou os 5 trilhões de reais em 2017 o que consome a maior parte do
Orçamento da União. A seguinte figura pode esclarecer mais ainda sobre o tema.

Figura 9: Distribuição dos gastos públicos - pagamento de juros e amortizações da dívida interna
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida (2018) in https://auditoriacidada.org.br/conteudo/os-numeros-da-divida/ .

Quase 40% dos gastos públicos destina-se ao pagamento de juros e amortizações da dívida.
Nos últimos anos, o investimento público para atividades produtivas e/ou sociais foi muito baixo
quando comparado ao volume de dinheiro destinado aos bancos para pagar a dívida pública. Dados
mencionam que os lucros dos bancos subiram 11 vezes mais que a renda do trabalhador desde

14
Grande parte das informações derivam de https://auditoriacidada.org.br/conteudo/auditoria-da-divida-publica-2/
acesso 29-05-2018.
15
https://auditoriacidada.org.br/conteudo/auditoria-da-divida-publica-2/
22

2003. Conforme o Banco Central, o lucro do sistema bancário cresceu 250%, enquanto isso, o
salário do trabalhador subiu apenas 22,24%.
O ajuste fiscal proposta e discutida pelo atual governo federal de M. Temer (2016) busca
criar superávit primário (gastos menores que a arrecadação). Segundo Maria Lucia Fattorelli16,
auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida”,
enquanto o Brasil caminha em direção à austeridade, em outros países se busca investigar os
acordos, esquemas e fraudes na dívida pública. A utilização da Dívida pública como veículo para
desviar recursos públicos em direção ao sistema financeiro é um fato que a sociedade precisa
conhecer segundo Fattorelli.
As perguntas que a sociedade deveria fazer são: Que dívida é essa que não para de crescer
e que leva quase a metade do Orçamento? Qual é a contrapartida dessa dívida? Onde é aplicado
esse dinheiro?
Em 2014, por exemplo, os juros da dívida subiram de 251,1 bilhões de reais para 334,6
bilhões de reais no Brasil. Para onde está indo esse dinheiro de fato? Sabe-se quem compra esses
títulos da dívida porque essa compra direta é feita por meio dos leilões. Sabemos que não tem
nenhuma aplicação do mundo que pague mais do que os títulos da dívida brasileira: É a aplicação
mais rentável do mundo. Interessante observar que, nem mesmo na CPI da Dívida Pública (entre
2009 e 2010), que tem poder de intimação judicial, o BC informou que não sabiam que são os
detentores da dívida brasileira porque esses títulos são vendidos nos leilões. Se você tem uma
dívida e não sabe quem é o credor, para quem você vai pagar? Em outro momento chegaram a falar
que essa informação era sigilosa. Seria uma questão de sigilo bancário. O que é uma mentira
também. A DÍVIDA É PÚBLICA, A SOCIEDADE É QUE ESTÁ PAGANDO. Conforme
Fattorelli há uma campanha nacional para saber quem é que está levando vantagem em cima do
Brasil e provocando tudo isso.
Sobre se existe uma relação entre os juros da dívida pública e o ajuste fiscal, em curso hoje
no Brasil, Fattorelli menciona: “Todo mundo fala no corte, no ajuste, na austeridade e tal. Desde o
Plano Real, o Brasil produz superávit primário todo ano”. O que significa superávit primário? Que
os gastos primários estão abaixo das receitas primárias. Gastos primários são todos os gastos, com
exceção da dívida, ou seja, é que o Brasil gasta em saúde, educação... exceto juros. Tudo isso são
gastos primários. Se você olhar a receita, o que alimenta o orçamento são basicamente os tributos
(impostos). Então superávit primário significa que se arrecada (tributos) está acima do que se gasta,
isso para que sobre dinheiro. E esse dinheiro que sobra é para pagar os juros dívida pública, ou
pelo menos paga uma pequena parte dos juros porque, no Brasil, nós estamos emitindo nova dívida
para pagar grande parte dos juros.
Dívida elevada tem justificado um continuo processo de privatização. Ou seja, entrega de
patrimônio cada vez mais estratégico, cada vez mais lucrativo. O que no fundo esse poder
econômico mundial deseja controlar o patrimônio nacional tal como se demonstra no documentário
“Assassino econômicos - John Perkins” 17. Já dizia John Adams (1735-1826): “há 2 formas de
subjugar e escravizar uma nação e seu povo: um é pela Força e, outro controlando suas
Dívidas”. Sendo assim, a estratégia do sistema da dívida é: você cria uma dívida e essa dívida torna
o país submisso. O país vai entregar patrimônio atrás de patrimônio. Assim, o Brasil já perdeu as
telefônicas, as empresas de energia elétrica, as hidrelétricas, as siderúrgicas. Tudo isso passou para
propriedade desse grande poder econômico mundial. É a aplicação de receituário das Políticas
Neoliberais realizadas na década de 1990.
Então, existe uma mentira contada tantas vezes que já virou verdade: que se deve cortar
gastos públicos em educação e saúde, privatizar as empresas públicas, reformar a Previdência social
e as leis trabalhistas de modo a criar superávit primário. Ou seja, se sacrifica-se setores estratégicos
de um país, a sociedade com um todo para ajudar a pagar juros e amortizações aos bancos que
detém títulos da dívida pública. Mas como isso acontece?

16
Ver entrevista na integra em http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2015/07/a-divida-publica-e-um-
mega-esquema-de-corrupcao-institucionalizado.pdf acesso 02/09/2016.
17
Documentário disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vO8vPa_H71g acesso 29-05-2016.
23

Um tema escondido atrás da Dívida interna e que afeta à totalidade da sociedade, tem que
ver com a conformação do atual parlamento. O financiamento privado de campanha: é só você
entrar no site do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e dar uma olhada em quem financiou a
campanha: ou foi grande empresa ou foi um banco privado.

Figura 10: A composição do Congresso Nacional do Brasil (2016) e sua relação com a sociedade.
Fonte: internet (2016).

Conforme a esta figura, no Congresso Nacional brasileiro de 2014, mais de 80% do quadro
atual representa a interesse que pouco ou não interessa à sociedade. Mais da metade representa
interesses de grandes empresas (que não representam nem 5% da população) e que financiara suas
campanhas eleitorais. E dai cabe a pergunta: estariam legislando a favor da população ou a favor
das empresas (como os bancos) que financiaram suas campanhas políticas?. Dai a importância e a
conscientização de todos/as para saber escolher entre aqueles que defendem realmente à sociedade e
aqueles que defendem os interesses das empresas/bancos.
Quando se fala de PBF, as pessoas esquecem que existem algumas minorias que se
beneficiam do dinheiro público sem ser incomodados. Neste caso, a União gastou em 2015 R$ 3,8
bilhões com pagamento de pensões vitalícias a filhas de militares este ano, beneficiando 185.326
pessoas. Desde o ponto de vista operativo, os valores supracitados são baixos ao orçamento do PBF
quando se compara o número de pessoas atendidas. Ainda, se observamos os valores pagos para os
bancos como juros e amortizações da Dívida pública (quase 40% do gasto federal) PBF ainda é
muito baixo comparado com um Orçamento (2016) de R$ 26,9 bilhões para atender mais de 13
milhões de famílias.
O atual ministro de Fazendo H. Meirelles18 já avisou que limitará os gastos com Saúde e
Educação de modo a criar mais superávit primário, ou seja, destinar mais dinheiro público para
pagar a dívida pública. Isto é, fortalecer ainda mais os ricos e poderosos deste país. As
medidas poderão afetar a qualidade dos serviços para uma grande parte da população mais pobre.
Contudo, não há nenhuma mobilização nacional para discutir isso.
Por último, é importante mencionar alguns aspectos da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 214, cujas medidas que podem afetar drasticamente o cotidiano das pessoas.
Esta proposta essencialmente determina o engessamento dos investimentos e as despesas correntes
da União (excetuando-se as despesas financeiras com o serviço da dívida pública) para os próximos
20 anos. Ou seja, congelam por duas décadas as despesas com saúde, educação, segurança
pública, saneamento, infraestrutura, habitação sem importar o crescimento e a demanda da
população. O Estado brasileiro será posta para pagar a dívida que consome hoje cerca da metade do
orçamento da União.
Terminamos o capítulo com 2 frases exemplares do ex presidente de Uruguai Pepe Mujica
(tradução livre): - “as pessoas que comem bem, dormem bem e têm boas casas pensam que se gasta
demasiado e Política Social”;
- “dizem que não se deve dar o peixe ao povo, que se deve ensiná-lo a pescar.... mas, se lhe
tiramos o barco, os anzóis, a vara de pescar, temos que começar por lhe dar o peixe”.

18
Em http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/teto-para-gastos-limitara-despesas-com-saude-e-educacao-diz-
meirelles.html (acesso 29 de maio de 2016).
24

Considerações finais

A questão das Desigualdades que gera o sistema capitalista atual foi bem colocada,
atendendo aspectos teóricos e empíricos sobre a questão. A violência é menor quando há
homogeneidade: todos pobres; todos ricos. Observou-se aspectos relacionados à transferência
condicional da renda (PBF), a concentração de renda, o regime tributário e suas problemáticas e a
Dívida pública interna. A distribuição de renda mediante o PBF foi nos últimos anos uma ação
federal muito efetiva para reduzir as desigualdades sociais. Certamente o PBF não é a salvação de
todos os males sociais criados em mais de 500 anos de colonização, mas pode causar impactos
importantes na vida das pessoas.
Conforme a mídia e a visão de mundo de muitas pessoas, hoje o principal problema do
Brasil seria a corrupção e não a Desigualdade Social, uma mazela secular que persiste na atual
conjuntura. A partir da leitura, análise e discussão do capítulo, podemos concluir que, haveria um
conluio entre a elite econômica e política que está no ápice da pirâmide social, a mídia e o poder
Judiciário de modo a servir aos interesses oligárquicos desconhecendo as necessidades das classes
populares. Qualquer política distributiva é objeto de críticas aqui e em qualquer lugar do mundo: o
preconceito é contra os pobres, fruto da imensa cultura do desprezo pelos pobres e que incomoda
à classe média e os poucos privilegiados milionários que existe no Brasil.
As ideias em boga do Neoliberalismo da década de 1990, com a entrega de patrimônio cada
vez mais estratégico e lucrativo para as empresas multinacionais, o afastamento do Estado nacional
dos serviços essenciais para a população e as informações tergiversadas por parte da mídia sobre
gastos públicos coloca em dúvidas a atual conjuntura social e política. É importante discutir com a
sociedade as fontes de financiamento do setor público: um governo se financia com impostos e
taxas, que ele próprio pode aumentar ou diminuir. Portanto, a decisão de conter gastos públicos
diante de supostas necessidades de melhorar os resultados das contas públicas é uma decisão
política (decorrente de uma ideologia liberal conservador).
Crescimento econômico é desejável para o Brasil, mas é insuficiente para reduzir
desigualdade. Se controlar a população não adianta nada, se crescimento é bom, mas insuficiente, só
resta a redistribuição de renda (dar o peixe) durante um bom tempo. Para isso é importante uma
profunda Reforma tributária e auditoria da Dívida pública.
O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e um dos sistemas mais perversos
e injustos de recolher impostos. Como se não bastasse cobrar demais pelo que não entrega, exige
maior contribuição justamente da parcela da população que tem a menor renda e que mais precisa
dos péssimos serviços públicos oferecidos pelo governo com o dinheiro dos contribuintes. Em
outras palavras, paga mais quem ganha menos. A classe média também é penalizada, porque, além
de ser fortemente taxada, gasta com serviços privados de saúde, educação e segurança para não
depender de escolas de baixíssima qualidade, hospitais precários e um sistema de proteção ineficaz
e perigoso.
Os principais problemas e distorções do nosso sistema tributário e aponta soluções para que
a cobrança de impostos seja progressiva, justa e gere recursos suficientes para o financiamento da
estrutura econômica e social necessária para atingirmos um novo patamar civilizatório.
O Brasil passa por um momento de definições importantes. Neste momento nos
perguntamos que rumos tomar, que políticas adotar, qual a estratégia ou o projeto capaz de nos
colocar novamente nos trilhos do avanço social. Precisamos ter a coragem necessária para defender
as reformas necessárias para nos tornamos uma nação mais justa, igualitária e solidária. Reforma
política que garanta maior controle e participação popular, democratização dos meios de
comunicação, reforma agrária, expansão dos serviços públicos gratuitos e de qualidade, reforma
tributária são exemplos de ações que devem ser articuladas na formação de uma estratégia nacional.
Como universitário e como cidadão, cada um de nós devemos procurar as mudanças no
sistema político mediante debate amplo com a sociedade, no sentido de aprofundar nossa
democracia, possibilitando a concretização das suas três dimensões, representativa, participativa e
direta. Sendo assim, o papel de cada um(a) e o papel de todos/as aponta estas direções: O poder
público deve propor mudanças no sistema tributário, ampliar recursos orçamentários para a
25

realização progressiva de direitos, assegurar políticas educacionais inclusivas, lutar contra a


violência institucional no seu próprio âmbito e oferecer espaços de participação amplos para a
definição de suas prioridades, agindo com transparência e eficiência. As Empresas devem cumprir
suas obrigações legais de pagar impostos, promover a inclusão social em seu próprio ambiente de
trabalho, formalizando a mão de obra contratada e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. E
Nós, cidadãos e cidadãs brasileiras, devemos acompanhar e cobrar mudanças de políticas e práticas
de governos e empresas. Temos responsabilidade por quem elegemos!!!.
Após de todas as leituras e discussões deixo 2 frases para refletir e fazer um autoanálises:
1) O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos
(Simone de Beauvoir);
2) Se você é neutro em situações de Injustiça, você está escolhendo o lado do opressor
(Desmond Tutu – Prêmio Nobel da Paz 1984).
26

Bibliografia consultada

CARTA CAPITAL A Dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado. Disponível


em: http://www.cartacapital.com.br/economia/201ca-divida-publica-e-um-mega-esquema-de-corrupcao-
institucionalizado201d-9552.html acesso 29-05-2016.

HARARI, Y.N. Homo sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. L&PM:
Porto Alegre, 2015.

_____________ Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução Paulo Geiger. Companhia das letras:
São Paulo, 2016.

WUL GOBETTI S.; ORAIR R.O. Tributação e distribuição da renda no Brasil: novas evidências a partir das
declarações tributárias das pessoas físicas. International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG).
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OXFAM. Terrenos da desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural. Informe da


OXFAM BRASIL, Novembro de 2016. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/publicacoes/terrenos-da-
desigualdade-terra-agricultura-e-desigualdade-no-brasil-rural. Acesso 29/05/2018.

_______A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. OXFAM, Brasil 2017.
Disponível em:
https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/Relatorio_A_distancia_que_nos_une.pdf. Acesso
29/05/2018.

Páginas de internet

Cartilha “Uma reforma tributária para melhorar a vida do trabalhador”, material redigida pelo economista
João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Disponível em: http://spbancarios.com.br/Uploads/PDFS/933_cartilha_ref_tributaria.pdf. Acesso
29/05/2018.

FATTORELLI, Maria Lucia em ‘Auditoria Cidadã da Dívida’. Disponível em:


https://auditoriacidada.org.br/conteudo/auditoria-da-divida-publica-2/ Acesso 29/05/2018.

Vídeo complementar
- Assassino Econômico - John Perkins. Sobre como as grandes empresas multinacionais subjugam
as nações em desenvolvimento e seus efeitos socioeconômicos. Documentário disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=vO8vPa_H71g.

Link de interesse (acesso 29 de maio 2018)

- Os 10 anos do Bolsa Família, em http://bolsafamilia10anos.mds.gov.br/node/33276


- Operação Zelotes:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150414_carf_corrupcao_ms_rb
- Sonegação atinge marca de R$ 500 bilhões em 2017: http://www.sindifiscal-
es.org.br/noticias/515/sonegacao-atinge-marca-de-r-500-bilh%C3%B5es-em-2017.html

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