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módulo
literatura professor
Abaurre • Pontara • Cesila

ROMANTISMO: ORIGENS
E CHEGADA A PORTUGAL

kunsthalle, hamburgo, Alemanha


Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ossian na margem do Lora invocando os deuses ao som de sua harpa, 1801, de François Gérard. Óleo sobre tela, 184,5 x 194,5 cm. Os poemas
épicos fecundaram a imaginação dos românticos, que buscavam reconstruir, em verso e prosa, indivíduos heroicos movidos pela paixão.

1
CAPÍTULOs

O nascimento da estética romântica


2 O Romantismo em Portugal

1 • 2 • 3 • 4 • 5 • 6 • 7 • 8 • 9 • 10 • 11 • 12 • 13 • 14 • 15 • 16 • 17 • 18 • 19 • 20 • 21 • 22 • 23 • 24 1
Ventos de mudança
sopram na Europa

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


As revoluções burguesas mudam
o perfil da sociedade europeia no
início do século XIX. Liderando
as transformações sociais e
econômicas, a burguesia ganha
poder político e passa a buscar uma
arte na qual possa reconhecer-se. O
movimento romântico nasce para
responder a esse anseio.

Professor: Consulte o Plano de Aulas. As orienta-


ções pedagógicas e sugestões didáticas facilitarão
seu trabalho com os alunos.

2
Objetivos
Ao final deste módulo,
você deverá ser capaz de:
■ saber o que foi o
Romantismo;
■ identificar as principais
características de um
texto romântico;
■ reconhecer os autores
portugueses que
se destacaram na
produção literária do
período;
■ diferenciar as
tendências definidoras
das três gerações
românticas em Portugal.
Vista como um todo, esta literatura valorizava
as emoções sentidas e a atmosfera pressentida
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em paisagens vistas ou imaginadas, enquanto


negava subjetivamente as regras clássicas. O
seu constante retorno às mais diversas eras e
culturas refletia uma ânsia de criar laços e elos
universais (...).
O principal objetivo [dos autores românticos]
era suplantar a visão científica e empírica do
mundo por uma outra, “poética”. (...) Apenas
o ser criativo era capaz de medir o infinito. A
natureza desempenharia um importante papel
mediador neste processo.
Adaptado de WOLF, Norbert. Ideais na pintura
do século XIX. Em: WALTHER, Ingo F. (ed.)
A pintura da era romântica.
Lisboa: Taschen, 1999. p. 17. (Fragmento.)
Tate gallery, londres

Tempestade de neve: Aníbal e seu exérci-


to cruzando os Alpes, c. 1812, de William
Turner. Óleo sobre tela, 146 x 237,5 cm.

3
Capítulo


1 O nascimento da
estética romântica

Fundação Gulbenkian, Lisboa

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 • A destruição de
um navio de transporte,
1810, de William Turner.
Óleo sobre tela, 173 ×
245 cm. A violência da Leitura da imagem
tempestade retratada
pelo artista é característi-
ca das obras românticas, 1 Descreva a cena retratada na tela de William Turner.
em que as emoções são
sempre apresentadas em O quadro registra o naufrágio de um navio. Enquanto a embarcação virada afunda,
primeiro plano.
alguns passageiros tentam salvar-se em uma espécie de “jangada” feita de destroços.

Ondas altas os ameaçam.

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2 Como o artista caracteriza a natureza? E os seres humanos, como são retratados?
A natureza, representada pelo mar agitado, mostra-se tempestuosa. As ondas altas

e batidas pelo vento ameaçam a sobrevivência dos náufragos. Seu poder de

destruição pode ser observado no navio que afunda em meio às ondas. As pessoas

aparecem minúsculas, frágeis, impotentes diante das forças da natureza.

3 As cores utilizadas contribuem para criar uma atmosfera dramática? Justifique


sua resposta.
Sim. De modo geral, predominam cores escuras e frias. A pouca luminosidade é

sugerida pelo branco da espuma das ondas violentas; o céu foi pintado em tons

cinzentos e azulados. A atmosfera criada é a de um dia “escuro”, tempestuoso, e


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isso aumenta a sensação de drama vivido pelos náufragos. A ausência de cores

mais vibrantes contribui para passar uma sensação de negatividade, compatível

com a destruição retratada.

Leitura do texto
Agora leia uma cena do romance O morro dos ventos uivantes, da escritora e poe-
tisa britânica Emily Brontë (1818-1848). Ela mostra o reencontro de dois amantes
separados na juventude, Catherine e Heathcliff. A cena ocorre momentos antes da
morte da moça.

Catherine e Heathcliff
(...) Catherine fitava a porta do quarto com uma intensidade ávida. E
como Heathcliff não atinava logo com a entrada do aposento onde estáva-
mos, ela me fez um gesto para o introduzir. Quando, porém, me aproximei
da porta, já ele a alcançara; num ou dois passos chegou ao lado da moça e
a tomou nos braços.
Durante uns cinco minutos Heathcliff não falou nem soltou sua pre-
sa; e naquele momento gastou decerto mais beijos do que todos que
já dera antes, na vida inteira. Fora, porém, Catherine que o beijara
primeiro; vi claramente que ele mal podia suportar olhá-la no rosto,
consumido de dor. No instante em que a abraçou, convenceu-se, igual
a mim, “de que não havia ali esperança de cura”, de que ela já estava
irremediavelmente fadada à morte.
– Oh, Cathy! Oh, minha vida! Como hei de suportar isto? – foi a pri-
meira frase que ele disse, sem cuidar em esconder o seu desespero. Depois

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olhou-a com tal intensidade que, pensei, tanta força de olhar lhe haveria
de encher os olhos de lágrimas; seus olhos, porém, queimavam de angústia
e não se umedeceram.
(...) Heathcliff dobrara um joelho a fim de abraçá-la. Procurou erguer-se;
ela, entretanto, o segurou pelos cabelos, mantendo-o preso.
– Queria mantê-lo assim – continuou amargamente – até que nós dois
morrêssemos! Não me importava que você sofresse. Pouco me importo com
os seus sofrimentos. Por que não há de você sofrer? Eu sofro! Quer me es-
quecer? Há de ser feliz depois que eu estiver debaixo da terra? (...)
– Não me torture, até me pôr tão louco quanto você! – bradou ele, li-
bertando a cabeça e rilhando os dentes. Para um espectador indiferente,
compunham os dois um quadro estranho e assustador. (...) As faces bran-
cas, os lábios exangues, o olhar faiscante, exprimiam uma selvagem sede
de vingança; nos dedos crispados ainda tinha um pouco dos cabelos que
agarrara. Quanto a Heathcliff, erguera-se apoiado a uma das mãos, mas
com a outra lhe segurava o braço; ao soltá-lo, deixou quatro marcas bem

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nítidas na pele descorada: bem precária era a sua reserva de doçura em
relação à fragilidade do estado de sua amada.
– Será que um demônio a possui – prosseguiu ele, num furor de paixão –
fazendo-a falar desse modo, quando já está morrendo? Então não compreen­
de que todas estas palavras me ficarão gravadas a ferro em brasa na lembran-
ça, e me hão de eternamente corroer por dentro, depois que você me deixar?
Bem sabe que é mentira quando diz que eu a matei; e também sabe, Cathe-
rine, que me seria mais fácil esquecer a própria vida do que me esquecer de
você! Não basta ao seu egoísmo diabólico que eu me debata nos tormentos
do inferno quando você já estiver em paz?
– Não hei de estar em paz! – gemeu Catherine, que voltara a ter consciên-
Glossário cia da sua fraqueza física ante o violento e desigual pulsar do coração que, sob
Rilhando. Ran­ aquela agitação extrema, audível e visivelmente lhe tumultuava no peito.
gen­d o.
Exangues. Sem san­
E nada mais disse, até que o paroxismo cedeu; aí, continuou com
gue; descorados. brandura:
Crispados. Frisa­ – Não quero que você sofra tormento maior do que o meu, Heathcliff.
dos, enrugados.
Paroxismo. Auge
Queria apenas que não nos separássemos nunca.
de uma dor ou de BRONTË, Emily. O morro dos ventos uivantes. Trad. Rachel de Queiroz. 3. ed.
um acesso. Rio de Janeiro: Record, 1994. p. 191-193. (Fragmento.)

4 Como pode ser caracterizado o comportamento de Catherine e de Heathcliff?


Os dois comportam-se de modo exagerado, arrebatado. Há uma impaciência em

se verem e, depois que se encontram, o desespero por constatarem que não

poderão permanecer juntos, porque a vida de Catherine está chegando ao fim.

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5 Identifique, no diálogo entre Catherine e Heathcliff, as diferentes emoções e
sentimentos experimentados pelas personagens.
Catherine é tomada pelo desejo de vingança: quer que Heathcliff sofra tanto

quanto a fez sofrer. No fim, manifesta certo desconsolo por saber que não pode

evitar a morte e, portanto, terá de se separar definitivamente do homem que ama

(“Queria apenas que não nos separássemos nunca”). Ele mostra-se desesperado,

agarra-se a Catherine, cobre-a de beijos, depois a acusa de desejar enlouquecê-lo

e atormentá-lo, mesmo depois de morta.

6 No quadro de Turner, os seres humanos se mostram impotentes diante de


uma situação que foge ao seu controle. Isso também acontece no texto lido?
Por quê?
Sim. O texto mostra duas personagens dominadas pela força de suas emoções,
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provocadas por uma situação fora de seu controle (a aproximação da morte de

Catherine), o que as fragiliza. Nesse sentido, podemos afirmar que os sentimentos

humanos também são vistos como tão arrebatadores quanto as forças

incontroláveis da natureza.

Sala de cinema

Paramount Pictures/Zuma Press-Keystone


Nessa história de amor infeliz, obstáculos sociais e econô-
micos separam os jovens apaixonados. Mas nem a morte
é capaz de dar fim ao amor passional que eles sentem um
pelo outro. A paisagem, sempre tempestuosa, das inós-
pitas charnecas do condado inglês de Yorkshire funciona
como eco das emoções turbulentas que dominam as per-
sonagens principais: Cathy e Heathcliff.

Figura 2 • Cena do filme O morro dos ventos uivantes,


direção de Peter Kosminsky. EUA, 1992.

1 A Revolução Francesa
O dia 14 de julho de 1789 amanheceu nublado em Paris. Sinal da tempestade
que viria quando a multidão, reunida na frente do Hôtel de Ville, sede da prefeitu-
ra e local de reunião dos revoltosos, marchasse em direção à Bastilha.
Símbolo do despotismo, a prisão do Estado representava o poder da nobreza,
que, graças às cartas assinadas em branco pelo rei, para lá enviava seus desafetos.
Muitos deles nem chegavam a ser informados de seus “delitos”. A massa humana
que marchou rumo à Bastilha era composta de guardas, marceneiros, sapateiros,
diaristas, escultores, operários, negociantes de vinhos, chapeleiros, alfaiates e ou-
tros artesãos. Era o povo parisiense que pegava em armas e, à força, transformava
em realidade os ideais defendidos pelos filósofos iluministas.

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A Revolução Francesa havia começado. Suas consequências mudariam o perfil
político, social e cultural da Europa. O Século das Luzes chegara ao fim.
Professor: No filme há
cenas fortes e violentas Sala de cinema

Reprodução
que podem causar des-
conforto por sua bruta- Filme apontado pela crítica especializada como a mais didáti-
lidade. ca produção sobre os primeiros anos da Revolução Francesa.
Danton, um dos artífices da Revolução, era chefe do grupo
denominado Indulgentes, que pedia o fim das perseguições
políticas. Ao criticar as ações de Robespierre e os rumos do
movimento, ele transformou-se em mais uma vítima do pe-
ríodo do “terror”.

Figura 3 • Cartaz do filme Danton: o processo da revolução,


direção de Andrzej Wajda. França/Polônia, 1982.

1.1 Nós, o povo, e o nascimento do cidadão


A Revolução Francesa destaca uma nova personagem na cena europeia: o povo.

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Os heróis solitários tornaram-se elementos do passado. Agora, quem faz a história,
pela força de seus braços e pela convicção de seus ideais, é o indivíduo.
Em meio a todos os acontecimentos desencadeados pela tomada do poder na
França, a Assembleia Nacional Constituinte começou a elaborar os artigos da nova
Constituição. Uma pequena comissão de deputados decidiu redigir, para a futura
carta francesa, uma introdução intitulada Declaração dos direitos do homem e do ci-
dadão. Nela, estariam definidos os principais anseios da revolução.
Aprovado em 1789, o texto resumia os direitos básicos da sociedade moder-
na. Em todos eles se pode identificar o desejo de autonomia da burguesia, que,
como classe universal, falava em nome do povo inteiro e tomava para si a tarefa de
emancipar o mundo do feudalismo e dos privilégios da monarquia.

Declaração dos direitos do homem e do cidadão


Art. 1o – Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distin-
ções sociais só podem ter como fundamento a utilidade comum.
Art. 2o – A finalidade de toda associação política é a preservação dos di-
reitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a
prosperidade, a segurança e a resistência à opressão. (...)
Art. 6o – A lei é a expressão da vontade geral. (...) Todos os cidadãos são
iguais, a seus olhos, e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares
e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que
não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. (...)
Disponível em: <www.ambafrance.org.br>.
Acesso em: 6 fev. 2005. (Fragmento.)

Após séculos de segregação, exploração e sofrimento nas mãos da monarquia,


o homem comum tem sua liberdade e igualdade afirmadas e, mais importante,
transforma-se em cidadão. Agora ele é súdito das leis que existem para assegurar
seus direitos, desde que elas sejam a expressão da vontade geral.
Por trás dos artigos, podem ser identificadas as ideias do filósofo iluminista
Jean-Jacques Rousseau, que defendera anos antes o estabelecimento de um contra-
to de igualdade de todos perante as leis.

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A liberdade guiando o povo
A tela de Eugène Delacroix ilustra a importância do povo para os artistas românticos.
Empilhados sob os pés de uma mulher sensual que simboliza a liberdade, os corpos lem-
bram que o movimento transformador do cenário social europeu custou a vida de muitos
cidadãos parisienses. O olhar decidido das pessoas registra a escolha de viver e morrer
pelo direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade.

Museu do Louvre, Paris


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Figura 4 • A liberdade
guiando o povo, 1830,
de Eugène Delacroix.
Óleo sobre tela, 260 ×
325 cm.

1.2 Da revolução política à revolução econômica


A queda da monarquia, na França, abalou as monarquias absolutistas europeias
e desencadeou uma série de transformações políticas em outros países.
Na Inglaterra, onde a monarquia era mais estável, as mudanças aconteceram no
terreno econômico. Em meados do século XVIII, o país começou a acompanhar
a passagem do modo de produção artesanal para o fabril. A máquina a vapor, os
motores movidos a carvão e os teares mecânicos multiplicaram o rendimento do
trabalho e aumentaram muito o ganho do burguês dono do capital: depois de fazer
fortuna com o comércio, ele investiu seu dinheiro nas fábricas e passou a acumular
lucros cada vez maiores.
Com isso, alteram-se as relações sociais, que colocam, de um lado, os empre-
sários (capitalistas), detentores do capital, dos imóveis, das máquinas, da matéria- Glossário
-prima e dos bens produzidos pelo trabalho, e, de outro, o proletariado, que vende Antigo Regime.
Sistema de governo
sua força de trabalho e produz mercadorias em troca de salários. característico dos
No início do século XIX, a Inglaterra estava em plena Revolução Industrial. países europeus
Ferrovias foram construídas para melhorar a distribuição da produção fabril pelo na Idade Moderna.
Centrava-se na fi-
país. A instalação das fábricas próximas aos centros urbanos atraiu um significativo gura de um rei que
número de camponeses, que abandonaram as áreas rurais em busca da promessa tinha poderes abso-
de prosperidade associada ao crescimento do comércio na zona urbana. lutos. Na economia,
vigorava o mercan-
A onda do progresso tecnológico se expande da Inglaterra para outros países da tilismo, que previa o
Europa e consolida as chamadas revoluções burguesas do século XVIII. Juntas, a comércio de merca-
Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial dorias e o acúmulo
de metais preciosos
determinaram a queda do Antigo Regime e consolidaram o capitalismo como (ouro e prata).
novo sistema econômico.

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2 Romantismo: a força dos sentimentos
Até o século XVIII, a arte sempre esteve voltada para os nobres e seus valores.
Quando o burguês conquista poder político, precisa criar suas referências artísti-
cas, definir padrões estéticos nos quais se reconheça e que o diferenciem da nobre-
za deposta. É nesse contexto que o movimento romântico surge, provocando uma
verdadeira revolução na produção artística.
Para romper com a postura racional da estética árcade, o Romantismo interpre-
ta a realidade pelo filtro da emoção. Combinada à originalidade e ao subjetivismo,
a expressão das emoções definirá os princípios da nova produção artística.
O romântico considera a imaginação superior à razão e à beleza, porque ela
não conhece limites. Por esse motivo, a originalidade toma o lugar da imitação,
que desde a Antiguidade clássica orientava o olhar do artista para o mundo, no
processo de criação. Livres da influência passada, os novos artistas encontram na
própria individualidade, traduzida pelas emoções que sentem, as referências para
a interpretação da realidade.

Isto é essencial!

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O termo Romantismo faz referência à estética definida pela expressão da imaginação,
das emoções e da criatividade individual do artista. Representa uma ruptura com os
padrões clássicos de beleza.

A estética romântica substitui a exaltação da nobreza pela valorização do indiví-


duo e de seu caráter. Em vez de louvar a beleza clássica, que exige uma natureza e
um físico perfeitos, o novo artista elogia o esforço individual, a sinceridade, o tra-
balho. Pouco a pouco, os valores burgueses vão sendo apresentados como modelos
de comportamento social nas obras de arte que começam a ser produzidas.

3 O projeto literário do Romantismo


O filósofo que inspirou boa parte dos princípios românticos foi Jean-Jacques
Rousseau. Quando ele afirma, na autobiografia As confissões, que deseja mostrar a
seus semelhantes “um homem em toda a verdade de sua natureza”, ilumina o grande
projeto literário a ser cumprido pelo Romantismo: criar uma identidade estética para
o burguês. Assim, esse movimento pode ser definido como uma arte da burguesia.
O primeiro passo para alcançar tal objetivo é valorizar, na obra literária, o indi-
víduo e toda a sua complexidade emocional, abolindo o controle racional. Em lu-
gar da origem nobre que assegura o direito à distinção e ao reconhecimento social,
os textos literários traçarão o perfil de heróis que precisam agir, sofrer, superar
obstáculos de toda natureza para se qualificar como exemplares. Na sociedade ca-
pitalista que remunera o trabalho, sacrifício e esforço passam a valer mais do que
a nobreza herdada.
A literatura será mais importante do que nunca para difundir os valores bur-
gueses. Os escritores românticos assumem essa função e povoam seus poemas e
romances com figuras honradas, trabalhadoras, sinceras, heroicas. Cada trama que
envolve dois jovens apaixonados é uma oportunidade para mostrar que o senti-
mento verdadeiro, puro, transforma o indivíduo e lhe dá condições para enfrentar
a hipocrisia da sociedade. Nos poemas, o amor à pátria e os símbolos nacionais são
exaltados e idealizados como expressão de beleza e bondade.

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3.1 Os agentes do discurso
O contexto de produção modifica-se muito durante o movimento romântico.
O desaparecimento da figura do mecenas contribui para a profissionalização dos
artistas. Os escritores românticos, pela primeira vez na história, escrevem para so-
breviver. Por esse motivo, procuram conciliar dois objetivos distintos: divulgar os
valores da burguesia e ao mesmo tempo divertir os leitores.
Esse é também um novo contexto de circulação para a literatura. Como vimos,
nos séculos XVII e XVIII, o número de leitores era bem limitado, e muitas vezes
os textos eram lidos somente pelos nobres e por outros escritores. Com a possibi-
lidade de publicação em veículos de grande circulação, como os jornais e revistas,
o alcance da literatura se amplia bastante.

Do rodapé ao romance

Album/AKG-Images/Latinstock
Para aumentar as vendas dos jornais franceses,
que enfrentavam uma crise por volta de 1830,
surgiu uma nova forma de narrativa: o folhetim.
Publicadas no rodapé (feuilleton, em francês) dos
jornais, as narrativas apresentavam muitas peripé-
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cias e aventuras, das quais participavam um gran-


de número de personagens. Logo o espaço do
rodapé passou a ser o mais lido, e as vendas cres-
ceram imediatamente. O mais famoso folhetim foi
O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas.
Para prender a atenção dos leitores e garantir que
continuassem a comprar o jornal, os folhetins, pu-
blicados aos pedaços, exploravam técnicas narrati-
vas específicas. A mais conhecida era a interrupção
da história em um momento de suspense, criando
um gancho que seria retomado no capítulo se-
guinte. Até hoje as novelas de televisão, realização
contemporânea dos folhetins do século XIX, fazem
uso dessa estratégia.
Honoré de Balzac, Alexandre Dumas, Walter Figura 5 • Folhetim de O conde de Monte Cristo,
de Alexandre Dumas, v. 1, n. 1, 1860.
Scott, Camilo Castelo Branco, Joaquim Manuel
de Macedo, José de Alencar, todos eles escreveram suas obras sob a forma de folhetins e,
desse modo, conquistaram um leitor fiel. Quando, mais tarde, reuniam os capítulos das
histórias sob a forma de livro, já tinham garantia de sucesso.

3.2 O Romantismo e o público


O público que lê os textos românticos tem um perfil bem mais heterogêneo do
que o público de séculos anteriores, que vivia nos salões da Corte e no ambiente
restrito das academias e das arcádias.
Os burgueses que leem jornais e folhetins não contam com a mesma formação
dos nobres. Não conhecem os autores clássicos, têm dificuldade em decifrar as
referências à mitologia greco-latina. Por isso, preferem uma linguagem mais direta,
passional, que não se ligue necessariamente aos padrões da herança literária.
Esse novo perfil fará com que se estabeleça um outro tipo de relação entre escri-
tor e leitor. Com a necessidade de conquistar o interesse dos leitores para vender
as histórias e garantir sua sobrevivência, os escritores procurarão atender ao gosto
pelo pitoresco, pela aventura, de modo que a leitura seja também um momento de
diversão e entretenimento.

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As narrativas do século XIX cativam ainda um público específico: as leitoras,
mulheres burguesas que se beneficiam do acesso à escola, facilitado pelo proces-
so de urbanização crescente. Ao lado das aulas de música, costura e bordado, a
leitura passa a ser mais uma atividade constante nos ambientes familiares.
Esse público também é considerado por quem escreve romances. As his-
tórias das heroínas e dos amores idealizados alimentam a imaginação das
jovens sonhadoras em relação ao casamento e à criação de suas próprias
famílias. Nesse sentido, os romances românticos realizam a educação senti-
mental das mulheres e ajudam a divulgar a imagem da família como base da
sociedade burguesa.

The Bridgeman/Keystone

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Figura 6 • Leitura em voz alta, 1883, de Julius Leblanc Stewart. Óleo sobre tela, 96,5 × 130,8 cm. Os romances alimentam a
imaginação das jovens.

3.3 A exaltação da imaginação e dos sentimentos


Os românticos acreditavam na capacidade individual para determinar a forma e
o conteúdo de uma criação artística. Assim, libertaram-se da necessidade de seguir
formas e padrões já consagrados, abrindo espaço para a manifestação da individua­
lidade, muitas vezes definida por emoções e sentimentos.

3.4 A fuga do presente e da realidade


O autor romântico escreve para uma sociedade formada sob a influência dos
filósofos iluministas e que, por isso, valorizava os processos racionais e as posturas

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coletivas. É essa mentalidade que ele deseja mudar e contra a qual se manifesta.
De certa forma, seu sentimento de desajustamento social é verdadeiro e nasce do
confronto entre os valores que defende, centrados no subjetivismo e na emoção, e
os que organizam a sociedade em que vive. O embate entre esses dois sistemas de
valores ganha forma em um dos temas mais explorados pela literatura romântica:
a fuga da realidade.
Nesse contexto, a morte passa a ser vista como possibilidade de escapar do
real e, por isso, é idealizada. Ela se manifesta como opção de alívio para os
males do mundo ou para o encontro definitivo dos amantes, separados pelos
obstáculos da realidade.
Além da morte, o mundo dos sonhos torna-se um espaço de fuga para o
romântico. Nele, o escritor projeta suas utopias (pessoais e sociais). O passa-
do, apresentado de modo completamente idealizado, também desempenha a
mesma função: acolhe o olhar subjetivo desse autor que se sente deslocado em
seu ambiente social.
Os temas medievais ressurgem com força total. A Idade Média representa para
os românticos uma época em que a sociedade estava repleta de feitos heroicos,
sentimentos nobres e harmonia.
Recuperar o passado histórico significava, de certa forma, reconstruir os pas-
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sos de um povo e reconhecer os símbolos de sua identidade, aquilo que o torna


único e incomparável. Importantes romances românticos portugueses e brasilei-
ros exploram essa tendência.

3.5 Os filhos de uma mesma nação


O nacionalismo é uma das mais importantes características do Romantismo.

Isto é essencial!

Nacionalismo é a consciência partilhada por um grupo de indivíduos que se sente li-


gado a uma terra e possui uma cultura e uma história comuns, marcadas por eventos
(gloriosos ou trágicos) vividos em conjunto.

A transformação política decorrente do processo revolucionário que aboliu o


Antigo Regime estabeleceu um novo princípio muito importante: a soberania não
tem existência em si mesma. Ela deriva da nação, do povo como um todo.
O indivíduo deixa de se ver como súdito de um rei e torna-se cidadão de uma
pátria. Essa relação entre as esferas coletiva e individual passa a ser objeto de re-
flexão do artista. Veja o que diz, por exemplo, o escritor e poeta norte-americano
Walt Whitman (1819-1892).

(...)
Esta é a cidade e eu sou um dos cidadãos. O que interessa aos outros a
mim interessa, políticas, guerras, mercados, jornais, escolas.
O presidente da câmara e os conselhos, bancos, tarifas, navios, fábricas,
mercadorias, armazéns, bens públicos e privados.
WHITMAN, Walt. Canto de mim mesmo. Trad. José Agostinho Baptista.
Lisboa: Assírio & Alvim, 1992. p. 117. (Fragmento.)

É da união de duas ideias – a soberania do povo e seu vínculo a uma mesma


nação – que nasce o ideal nacionalista.

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3.6 Linguagem: a liberdade formal
A linguagem dos textos românticos é marcada pela liberdade formal. As fórmu-
las literárias, com rigorosos esquemas métricos e rimas, são abandonadas.
Para expressar o arrebatamento que caracteriza o olhar romântico para a reali-
dade, os escritores recorrem à adjetivação abundante. Outro recurso importante
para traduzir os sentimentos é a pontuação. Nos poemas e romances românticos, o
uso de exclamações, interrogações e reticências procura fazer com que o leitor re-
conheça as emoções, angústias e aflições que tomam conta de quem as expressa.
Todas essas características apontam para a preocupação em traduzir a subjetivi­
dade, de maneira que caracterize o olhar específico de um autor para o mundo e as-
segure que ele se manifeste de modo único, diferente de todos os outros escritores.

4 Três países, três correntes românticas


Alemanha, Inglaterra e França foram o berço das três tendências mais fortes
da estética romântica: o nacionalismo, o gosto pelo pitoresco e pelo grotesco e a
temática social.

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4.1 Alemanha: a alma do povo
O nacionalismo romântico originou-se na Alemanha, onde surgiu o conceito
de alma do povo. Segundo esse conceito, cada povo é único e criativo e expressa
seu gênio na linguagem, na literatura, nos monumentos e nas tradições populares.
Muitos escritores românticos cantaram, em verso e prosa, as qualidades de sua
terra natal, como Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).

Mignon
Conheces o país onde os limões florescem
E laranjas de ouro acendem a folhagem?
Sopra do céu azul uma doce viragem
Junto ao loureiro altivo os mitos adormecem.
Conheces o país?
É onde, para onde
Eu quisera ir contigo, amado! Longe! Longe!
Glossário (...)
Viragem. V e n t o Conheces a montanha e a vereda de bruma,
fresco e suave que A alimária que busca a enevoada senda?
sopra do mar; brisa
marinha.
Nas grutas ainda vive o dragão da legenda,
Bruma. Nevoeiro, A rocha cai em ponta e à roda a onda espuma,
névoa, neblina. Conheces a montanha?
Alimária. Qual­ É onde, para onde
quer animal, espe-
cialmente quadrú- Nosso caminho, pai nos chama. Vamos. Longe.
pede. GOETHE, W. Mignon. Em: CAMPOS, Haroldo de.
Senda. Caminho O arco-íris branco: ensaios de literatura e cultura. Rio de Janeiro: Imago, 1997. (Fragmento.)
estreito usado pelo
gado de tamanho
pequeno. Goethe desenha o retrato da pátria idealizada por meio de seus elementos carac-
Legenda. Lenda. terísticos: a vegetação define o espaço que dá identidade ao eu lírico e ao qual deseja
retornar. Lá, em meio a limoeiros e laranjeiras, a promessa de felicidade é maior.

14
A temática de valorização da pátria e de busca no passado histórico dos símbo-
los de identidade de um povo se espalhou da Alemanha para o resto da Europa.
Na Inglaterra, Sir Walter Scott (1771-1832) deu forma ao romance histórico,
narrativa em que a recriação do passado funciona como pretexto para associar os
valores burgueses aos símbolos da nacionalidade.
Em Portugal, a onda nacionalista coincidiu com as mudanças decorrentes da
vinda da família real para o Brasil e as sanções sofridas após a decretação do Blo-
queio Continental por Napoleão. No Brasil, o sentimento nacionalista foi impul-
sionado pela proclamação da Independência, contexto mais do que favorável para
a afirmação da noção de pátria e a criação de uma identidade nacional.

4.2 Inglaterra: exagero e exotismo


Além do romance histórico, os autores ingleses escreveram longos poemas so-
bre países desconhecidos e exóticos e exploraram a mitologia celta e as tradições
irlandesas e escocesas. Quanto mais pitoresco e singular fosse o tema, melhor.
A onda nostálgica desencadeada pelos romances históricos promoveu o resgate
do gótico medieval, que, associado à melancolia romântica, acentuou a expressão
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de sentimentos e emoções. O interesse dos escritores ingleses pela morte, pelos


cemitérios, pelas ruínas ficou evidente em uma série de romances que

Reprodução
exploraram temas sobrenaturais. As mais célebres histórias de terror ti-
veram origem nessa tendência romântica: O médico e o monstro, do es-
cocês Robert Louis Stevenson (1850-1894), e Frankenstein, da inglesa
Mary Shelley (1797-1851). A eles se juntaram os contos do alemão E. T.
Hoffman (1776-1822) e do norte-americano Edgar Allan Poe (1809-
1849), que se filiaram à tradição inglesa do romance gótico.

Sala de cinema
Essa adaptação para o cinema do livro de Mary Shelley conta com um elenco de
celebridades, no qual se destaca Robert de Niro como a criatura monstruosa trazi-
da à vida pelos experimentos do doutor Victor Frankenstein. Em uma época em que
os limites éticos da ciência voltam a ser objeto de discussão com as extraordinárias
descobertas no campo da genética e da reprodução humana, a história do cientis-
ta que procura meios para vencer a morte ganha nova vitalidade.
Figura 7 • Cartaz do filme Frankenstein de Mary
Shelley, direção de Kenneth Branagh. EUA, 1994.

4.3 França: consciência social


De todos os países onde o movimento romântico se manifestou inicialmente,
era natural que na França ele assumisse uma feição mais voltada para as questões
sociais, já que esse país havia sido o berço da revolução que tinha como lema li-
berdade, igualdade e fraternidade entre os homens.
Victor Hugo (1802-1885) é o grande nome do Romantismo francês encarregado
de criar os cenários literários para tematizar as grandes questões sociais do momen-
to. Poeta, dramaturgo, romancista, ele escreve romances em que o povo da cidade
aparece com participação destacada, como é o caso de Notre-Dame de Paris.
Hugo registra também o desejo de transformação das estruturas sociais em obras
como Os miseráveis, um quadro sugestivo do drama humano que se desenrola na
nova sociedade europeia. A personagem Jean Valjean é um homem comum que faz

15
um esforço extraordinário para sobreviver e resga-

Reprodução
tar sua dignidade após passar dezenove anos preso
pelo roubo de um pão. A história mostra a trajetó-
ria desse anti-herói que vive como um mártir da lei
e morre como um mártir da própria consciência.

Sala de cinema
Adaptação de Hollywood para o romance de Victor
Hugo. O Bem enfrenta o Mal numa típica relação ro-
mântica. O cenário instigante do filme é o das ativida-
des revolucionárias de 1832. O drama estabelecido no
enredo responsabiliza a Justiça e outras instituições
pelas desigualdades sociais.

Figura 8 • Os miseráveis, direção de Billie August. EUA, 1998.

Os miseráveis é um marco na literatura romântica porque apresenta um libelo


Glossário contra o sofrimento humano, a pobreza e a ignorância. Ao escrevê-lo, Victor Hugo

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Libelo. Texto (ge- assumiu que a função política da literatura pode ser tão importante quanto a literá-
ralmente jurídico)
de natureza acusa-
ria. Inspirados por seu exemplo, poetas e romancistas fazem do tema da liberdade
tória. sua maior inspiração.
Vários outros romancistas merecem figurar ao lado de Victor Hugo. Entre eles,
Alexandre Dumas (1802-1870), que se consagrou como o mestre do romance
escrito em capítulos e publicado nos folhetins. Com suas narrativas de aventu-
ra histórica, conquistou um público fiel, que se encantava com romances como
O homem da máscara de ferro e Os três mosqueteiros. Seu filho, Alexandre Dumas
Filho (1824-1895), é autor de um dos mais conhecidos romances românticos,
A Dama das Camélias, história de uma prostituta que se transforma ao se apaixonar
por um jovem da elite. O livro comoveu os leitores e escandalizou a sociedade da
época por tratar de um tema considerado imoral.
Merecem destaque também poetas como Alphonse de Lamartine (1790-1869),
François-René de Chateaubriand (1768-1848) e Alfred de Musset (1810-1857), que
ganharam a admiração do público e de outros autores ao compor poemas líricos e
filosóficos. Entre os poemas românticos brasileiros,
será muito comum encontrar citações da obra des-
ses autores, um testemunho eloquente da influên-
cia que exerceram entre os seus contemporâneos.

Sala de cinema
Entertainment Pictures/
Zuma Press/Keystone

O filme foi inspirado no romance de mesmo nome, do


francês Alexandre Dumas, que alcançou grande suces-
so de público no século XIX.

Figura 9 • Cena de O homem da máscara de ferro,


direção de Mike Newel. Reino Unido, 1976.

16
Exercícios dos conceitos
Sala de cinema

MGM/Zuma Press/Keystone
O filme narra a história de um sentimento tão forte que
enfrenta as barreiras sociais e morais de sua época. A pai-
xão entre Marguerite Gautier, bela cortesã dos salões pa-
risienses, e Armand Duval, rapaz dividido entre o amor
e o preconceito, é o tema desse romance de Alexandre
Dumas Filho, narrado em primeira pessoa por um narra-
dor-testemunha. Apaixonados, os jovens lutam contra a
hipocrisia da sociedade burguesa da época. Por Armand,
Marguerite abandona sua vida pregressa. Mas a felicida-
de dos dois não dura muito: os obstáculos levam à se-
paração dos amantes, e Marguerite, enfraquecida pela
tuberculose, morre longe de seu amado.
Cena do filme A Dama das Camélias, direção de George Cukor. EUA, 1937.
Greta Garbo imortalizou a personagem de Alexandre Dumas Filho ao
interpretá-la no cinema.
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O texto a seguir, extraído de A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, é


uma carta da protagonista a seu amado, quando já estavam separados, envia-
da pouco antes de a moça morrer. Leia o trecho atentamente para responder às
questões de 1 a 5.

A Dama das Camélias


Meu querido Armand, recebi a sua carta (...). Sim, meu amigo, estou
doente, e doente de uma dessas doenças que não perdoam. Mas o interesse
que você ainda tem por mim diminui bastante o meu sofrimento. Certa-
mente não viverei tempo suficiente para segurar a mão que escreveu a gentil
carta que acabo de receber e cujas palavras me curariam, se algo pudesse
me curar. Não o verei, pois estou muito perto da morte e centenas de léguas
separam você de mim, pobre amigo! A sua Marguerite de antigamente está
bem mudada, e que você não a torne a ver talvez seja melhor do que vê-la
tal como ela está. Você me pergunta se eu o perdoo. Oh, de todo o coração,
querido, pois o mal que você quis me fazer nada mais era do que uma prova
do amor que tinha por mim. Faz um mês que estou na cama, e tenho tanto
apreço à sua estima que cada dia escrevo o diário da minha vida, desde o
momento em que nos separamos até o momento em que não mais terei for-
ças para escrever.
Se o interesse que tem por mim é verdadeiro, Armand, na sua volta, vá à
casa de Julie Duprat. Ela lhe entregará o diário. Nele você encontrará a razão
e a explicação daquilo que se passou entre nós. (...)
Caso você não mandasse notícias, ela estava encarregada de entregar-lhe
estes papéis quando de sua chegada na França. Não fique agradecido. Este
retorno cotidiano aos únicos momentos felizes de minha vida me faz um
bem enorme, e se você encontra nesta leitura a explicação do passado, eu
mesma encontro nela um contínuo alívio.
Queria deixar para você alguma coisa que me trouxesse sempre à sua
mente, mas tudo se encontra na minha casa, e nada me pertence.

17
Compreende, meu amigo? Vou morrer e do meu quarto ouço caminhar
no salão o guarda que meus credores lá colocaram para que nada seja levado
e para que nada me reste, caso eu não morra. Espero que eles aguardem pelo
meu fim para iniciar a venda.
Oh, os homens são impiedosos! Ou, talvez me engano, é Deus que é justo
e inflexível.
Pois bem, meu amado, você virá ao meu leilão, e comprará alguma coisa,
pois, se eu separar para você a menor coisa que seja, e se alguém souber dis-
so, serão capazes de acusá-lo por desvio de objetos confiscados.
Triste a vida que eu deixo!
Deus seria bom, se permitisse que eu o visse novamente antes de morrer!
Segundo todas as probabilidades, adeus, meu amigo. Perdoe-me se não es-
crevo mais longamente, mas aqueles que dizem que me curarão me esgotam
com sangrias e minha mão se recusa a escrever mais.
Marguerite Gautier
DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama das Camélias. Trad. Caroline Chang.
Porto Alegre: L&PM, 2004. p. 32-34. (Fragmento.)

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1 Marguerite, a cortesã por quem Armand se apaixona perdidamente, separa-se
dele para não comprometer o futuro do jovem. A moça toma essa atitude em
nome do amor que sente pelo rapaz.
a) Que elementos da carta revelam o amor de Marguerite por Armand?
O tom carinhoso da carta e o tratamento afetuoso que Marguerite dispensa a

Armand (“meu amigo”, “querido”, “pobre amigo”), além das declarações sobre a

alegria que sente por ter recebido uma carta de seu amado e o desejo de revê-lo

ainda uma vez antes da morte, são evidências do amor que ela sente por ele.

b) De que maneira o fato de Marguerite abandonar Armand, apesar do senti-


mento que tem por ele, revela a força desse amor e o caráter da moça?
Sendo uma cortesã, Marguerite sabe que poderia comprometer o futuro e a

posição de Armand na sociedade preconceituosa da época. A decisão de

abandoná-lo e renunciar à sua paixão, pondo a felicidade dele acima da sua,

demonstra a força de caráter e a pureza do amor da moça pelo rapaz.

2 No trecho citado, a situação em que se encontra Marguerite, física e financeira-


mente, contribui para intensificar o tom “dramático” da narrativa, algo típico dos
romances românticos. Explique.
Nessa passagem, Marguerite está morrendo e, mesmo nessa situação, é “vigiada”

pelos credores que confiscaram seus bens em nome das dívidas contraídas por ela.

Essas circunstâncias conferem à trama e à história de amor impossível o tom

“dramático” que tanto agradava os leitores da época.

18
3 Depois de abandonado por Marguerite, sem saber os motivos que a levaram a
tomar tal atitude, Armand fica cego de ódio e tenta vingar-se, humilhando-a em
virtude de sua condição de cortesã. Depois, escreve à jovem pedindo perdão.
Releia a resposta dela ao pedido dele.

Você me pergunta se eu o perdoo. Oh, de todo o coração, querido,


pois o mal que você quis me fazer nada mais era do que uma prova do
amor que tinha por mim.

Considerando o trecho transcrito, explique como Marguerite avaliou a conduta


de Armand.
Marguerite vê, nas tentativas de Armand de fazê-la sofrer, uma prova do amor que

o jovem nutre por ela. Por isso, perdoa-o e parece, inclusive, alegrar-se com o “mal”

que ele lhe quis impingir. O perdão sincero da moça ao rapaz prova, mais uma vez,

a grandeza do amor que os une.


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4 Desde o agravamento de sua doença, Marguerite passa a registrar seus dias em


um diário.
a) Com que objetivo ela faz isso?
Marguerite escreve o diário para que Armand conheça “a razão e a explicação”

de ela o ter abandonado. Depois de sua morte, esses registros seriam

entregues ao rapaz por uma amiga dela para que ele pudesse compreender

o abandono da cortesã, a despeito do amor que sentia por ele.

b) Que tipo de sentimento a escrita do diário gera na personagem?


Em sua carta, Marguerite deixa claro que escrever o diário faz-lhe um bem

enorme, já que garante a ela o “retorno cotidiano aos únicos momentos felizes”

de sua vida. Se Armand encontrará nos registros “a explicação do passado”,

a Dama das Camélias afirma encontrar na leitura do que escreveu “um

contínuo alívio”.

5 A Dama das Camélias abandona a vida de cortesã em nome de seu amor por
Armand, mas é obrigada a separar-se do rapaz. No final, morre distante dele
sem poder desfrutar da felicidade dessa paixão. De que maneira tal desfecho
revela a concepção moralista do romance, determinada pelo contexto em que
o autor viveu?
No romance, o amor é apresentado como o sentimento capaz de regenerar o

ser humano. Marguerite encontra sua redenção no amor de Armand, mas não a

possibilidade de desfrutar dele. Sua morte, no final do romance, revela que a

sociedade da época, da qual Dumas é a voz nesse momento, não aprovaria um

final feliz para uma cortesã, ainda que ela tivesse sido purificada pelo amor.

19
Retomada dos conceitos Professor: Consulte o Banco de Questões e incentive
os alunos a usar o Simulador de Testes.

1 (Enem-MEC) No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a personagem, critica


sutilmente um outro estilo de época: o Romantismo.

Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era


talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais
voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre
as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor so-
bredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também
não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.
Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço,
precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins
secretos da criação.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
Rio de Janeiro: Jackson, 1957.

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Ao usar o verbo so- A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao Romantismo está
bredourar, Machado transcrita na alternativa:
refere-se à profunda
necessidade que ti- a) ... o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas...
nham os românticos
de idealizar a caracte- b) ... era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça...
rização das heroínas
que protagonizam c) Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e
as narrativas dessa
estética.
eterno...
d) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos...
e) ... o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.

2 (UFPA)

Senhora Dona Sancha


Antigamente, quando eu era ainda criança,
Cantava com os meninos da vizinhança alegremente:
Senhora Dona Sancha, coberta de ouro e prata,
Descubra o seu rosto, que nós queremos ver...

Depois, veio a mocidade, foi-se-me toda a esperança


De achar a felicidade do meu tempo de criança.

Quando eu ouço, na minha rua, os meninos a cantar,


Vou depressa sem tardança e fico olhando, a escutar.
(Ah! Se eu fosse ainda criança) sem poder acompanhar...
Aqueles meninos todos satisfeitos a gritar:

Senhora Dona Sancha, coberta de ouro e prata,


Descubra o seu rosto, que nós queremos ver...

Felicidade, senhora Dona Sancha, de rosto lindo, mas velado,


Busquei-te por toda parte, procurei ver teu rosto,

20
Devagarinho, com cuidado, atrás daquela bonança
Do meu tempo encantado de criança...

Agora nem mais um sonho.


Não é como antigamente.
Canto à toa, canto a esmo,
Baixinho pra mim mesmo,
Tristemente...
Para não esquecer.

Senhora Dona Sancha, coberta de ouro e prata,


Descubra o seu rosto,
Que eu tanto quero ver.

Os versos acima foram escritos pelo poeta paraense Gastão Vieira e musicados
pelo compositor Waldemar Henrique, em 1932. Esse poema apresenta sobrevi-
vências do Romantismo. Leia-o com atenção e explique, pelo menos, duas dessas
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sobrevivências do estilo romântico, presentes nos versos do escritor nortista.


Gabarito oficial. A resposta deverá destacar, por exemplo, expressões que mostrem

a presença do lirismo, de referências medievais, do idealismo feminino. Podemos

apontar a referência saudosista à infância em “a felicidade do meu tempo de

criança” ou “Ah! Se eu fosse ainda criança”. A repetição de um refrão, por sua vez,

vincula o poema à tradição medieval. Também podem ser considerados elementos

do Romantismo a idealização da figura feminina, que aparece de maneira

encoberta, velada, como se fosse num sonho, e a expressão da tristeza

e angústia do eu lírico.

3 (Uesb-BA) É correto afirmar que a natureza, na estética romântica, é vista Para o poeta românti-
co, a natureza é uma
como: espécie de confiden-
a) uma confidente, que se modifica de acordo com o estado emocional do poe- te, que se modifica de
acordo com seu esta-
ta, dividindo com ele seus pesares e suas alegrias. do emocional, ima-
gem que contrasta
b) um pano de fundo, livre das agitações mundanas, que não interfere propria- com a natureza cons-
mente nos estados de alma dos poetas. truída pelos árcades,
para os quais o cená-
c) o elemento mais importante do quadro desenhado, pela precisão e pelo rigor rio natural era apenas
com que ela é descrita, de acordo com a realidade brasileira. decorativo, sem refle-
tir o momento vivido
d) um santuário onde se deposita a religiosidade do poeta, mostrada de forma pelo poeta.
subjetiva por meio de símbolos sacros.
e) um cenário estável e equilibrado, geralmente diurno e campestre, em que os
pastores cumprem suas funções e também descansam.

21
Esta crônica antecede de cerca de três anos o desfecho de Canudos, que seria
assunto de Os sertões, de Euclides da Cunha. Utilize-a para responder às ques-
tões 4, 5 e 6.

22 de julho de 1894
Canção de piratas
Telegrama da Bahia refere que o Conselheiro está em Canudos com 2000
homens (dous mil homens) perfeitamente armados. Que Conselheiro? O
Conselheiro. Não lhe ponhas nome algum, que é sair da poesia e do mis-
tério. É o Conselheiro, um homem, dizem que fanático, levando consigo a
toda a parte aqueles dous mil legionários. (...) Jornais e telegramas dizem
dos clavinoteiros e dos sequazes do Conselheiro que são criminosos; nem
outra palavra pode sair de cérebros alinhados, registrados, qualificados cé-
rebros eleitores e contribuintes. Para nós, artistas, é a renascença, é um raio
de sol que através da chuva miúda e aborrecida, vem dourar-nos a janela e
a alma. É a poesia que nos levanta do meio da prosa chilra e dura deste fim

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de século. Nos climas ásperos, a árvore que o inverno despiu, é novamente
enfolhada pela primavera, essa eterna florista que aprendeu não sei onde e
não esquece o que lhe ensinaram. A arte é a árvore despida: eis que lhe re-
bentam folhas novas e verdes.
Sim, meus amigos. Os dous mil homens do Conselheiro, que vão de vila
em vila, assim como os clavinoteiros de Belmonte, que se metem pelo sertão,
comendo o que arrebatam, acampando em vez de morar, levando moças na-
turalmente, moças cativas, chorosas e belas, são piratas dos poetas de 1830.
Poetas de 1894, aí tendes matéria nova e fecunda. Recordai vossos pais;
cantai, como Hugo, a canção dos piratas: (...)
O romantismo é a pirataria, é o banditismo, é a aventura do salteador que
estripa um homem e morre por uma dama.
Crede-me, esse Conselheiro que está em Canudos com os seus dous mil
homens, não é o que dizem telegramas e papéis públicos. Imaginais uma
legião de aventureiros galantes, audazes, sem ofício nem benefício, que de-
testam calendário, os relógios, os impostos, as reverências, tudo que obriga,
alinha e apruma. São homens fartos desta vida social e pacata, os mesmos
dias, as mesmas caras, os mesmos acontecimentos, os mesmos delitos, as
mesmas virtudes. Não podem crer que o mundo seja uma secretaria de Esta-
do, com o seu livro do ponto, hora de entrada e de saída, e de desconto por
faltas. O próprio amor é regulado por leis; os consórcios celebram-se por um
Glossário regulamento em casa do pretor, e por um ritual na casa de Deus, tudo com
Clavinoteiro. etiqueta dos carros e casacas, palavras simbólicas, gestos de convenção. Nem
“Diz-se do bandi-
do sertanejo ou a morte escapa à regulamentação universal; (...). Os partidários do Conse-
soldado armado lheiro lembraram-se dos piratas românticos, sacudiram as sandálias à porta
de clavinete; fací-
nora.” (Dicionário da civilização e saíram à vida livre.
Houaiss da língua ASSIS, Machado de. Em: BOSI, Alfredo et al.
portuguesa.)
Machado de Assis: antologia e estudos. São Paulo: Ática, 1982.

22
4 (Ibmec-SP) Ao comparar o Conselheiro e seus seguidores aos piratas das can- Machado de Assis,
ções românticas, Machado de Assis: ao idealizar Antônio
Conselheiro e seus
a) desconsidera a importância da guerra dos Canudos. seguidores, revela
uma visão positiva
b) mostra-se mais compreensivo com os sertanejos, ao conferir-lhes uma feição desses homens e de
idealizada. suas ações.

c) reforça, por meio da ironia, a visão negativa dos criminosos.


d) ironiza a irrelevância da temática dos poetas românticos.
e) reforça por meio da metáfora o primitivismo do Conselheiro e de seus segui-
dores.

5 (Ibmec-SP)

O romantismo é a pirataria, é o banditismo, é a aventura do salteador


que estripa um homem e morre por uma dama.

Das características do Romantismo apontadas abaixo, assinale a que melhor A definição de Ma­
explica a definição de Machado em sua crônica. chado associa ao
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

banditismo e à pi-
a) Busca de uma nova ordem social, moral, religiosa e econômica. rataria o interesse
pelo exótico e pela
b) Busca das razões do coração em lugar do racionalismo. aventura que tanto
caracterizou as obras
c) Ênfase à vida sentimental, valorização do indivíduo. românticas.

d) Interesse pela religião, pela pátria e pela união entre as pessoas.


e) Anarquismo, interesse pelo exotismo e pela aventura.

6 (Ibmec-SP) Assinale o excerto de Os sertões que apresenta características seme- Na alternativa assi-
nalada, a resistência
lhantes às do herói romântico. dos que permane-
ceram em Canudos
a) “Nem um rosto viril, nem um braço capaz de suspender uma arma, nem um até o último instante,
peito resfolegante de campeador domado: mulheres, sem-número de mu- sacrificando-se pelo
lheres, velhas espectrais, moças envelhecidas, velhas e moças indistintas na ideal em que acredi-
tavam, assemelha-
mesma fealdade, escaveiradas e sujas, filhos escanchados nos quadris des- -se às características
nalgados, filhos encarapitados às costas. Velhos, sem-número de velhos; raros presentes nos heróis
homens, enfermos opilados, faces túmidas e mortas, de cera, bustos dobra- românticos.
dos, andar cambaleante.”
b) “(...) o jagunço é tão inapto para apreender a forma republicana como a mo-
nárquico-constitucional. Ambas lhe são abstrações inacessíveis. É espontanea­
mente adversário de ambas. Está na fase evolutiva em que só é conceptível o
império de um chefe sacerdotal ou guerreiro.”
c) “Paranoico indiferente, este dizer, talvez, mesmo não lhe possa ser ajustado
inteiro. A regressão ideativa que patenteou, caracterizando-lhe o tempera-
mento vesânico, é certo, um caso notável de degenerescência (...).”
d) “(...) Espécie de grande homem pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no
misticismo doentio todos os erros e superstições que formam o coeficiente de
nossa nacionalidade (...).”
e) “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao
Glossário
esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defenso- Vesânico. Pertur­
bado mental.
res, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e
uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

23
7 (UFRJ) O sofrimento amoroso é frequente nas obras dos poetas românticos,
como se pode observar abaixo.

Se se morre de amor!
(...)
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
(...)
DIAS, Gonçalves. Poemas de Gonçalves Dias. São Paulo: Cultrix, [s.d.].

Os versos transcri- A característica que situa o fragmento dentro da poética romântica é:


tos retratam o amor
idea­l izado que não a) evasão no espaço, transportando o eu lírico para um lugar ideal, junto à

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


necessita da presença natureza.
física para ser pleno e
intenso. b) forte subjetivismo, revelando uma visão pessimista da vida.
c) idealização do amor, transcendendo os limites da vida física.
d) realização de poemas lírico-amorosos, valorizando o idioma nacional.
e) idealização da mulher, conduzindo o eu lírico à depressão.

8 (Cesgranrio-RJ)

Pátria minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei (...)
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo (...)

24
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Vinicius de Moraes (Trechos)

Apesar de modernista, Vinicius apresenta, no texto, características da estética


romântica.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Assinale a única característica romântica não presente nesse texto: No poema não há
menção a problemas
a) Preocupação com o eu lírico, através da expressão de emoções pessoais. sociais brasileiros.
b) Valoração de elementos da natureza, como forma de exaltação da terra brasi-
leira.
c) Sentimentos de saudade e nostalgia, causados pela dor do exílio.
d) Preocupação social, através da menção a problemas brasileiros.
e) Abandono do ideal purista dos neoclássicos na prevalência do conteúdo so-
bre a forma.

Texto para a questão 9.

Pra ti, formosa, o meu sonhar de louco


E o dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira achares pouco,
Pede-me a vida, porque tudo é teu.
Se queres culto – como um crente adoro,
Se preito queres – eu te caio aos pés,
Se rires – rio, se chorares – choro,
E bebo o pranto que banhar-te a tez.
(...)
Vem reclinar-te, como a flor pendida,
Sobre este peito cuja voz calei;
Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
Toda a paixão que para ti guardei.
Do morto peito vem turbar a calma,
Virgem, terás o que ninguém te dá;
Em delírios d’amor dou-te a minha alma,
Na terra, a vida, a eternidade – lá!
Casimiro de Abreu, Obras de Casimiro de Abreu.

25
9 (UFF-RJ) Justifique, em pelo menos uma frase completa, por que esse poema
pertence ao Romantismo.
Gabarito oficial. Trata-se de um poema confessional, em que o eu lírico confessa

o seu amor à sua musa; essa é uma das faces do subjetivismo característico do

Romantismo.

10 (UEL-PR, adaptada) Leia o fragmento abaixo. A seguir, aponte uma característica


que indique ser este um poema do Romantismo.

Na minha terra
Amo o vento da noite sussurrante
A tremer nos pinheiros
E a cantiga do pobre caminhante
No rancho dos tropeiros;
E os monótonos sons de uma viola

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


No tardio verão,
E a estrada que além se desenrola
No véu da escuridão;
A restinga d’areia onde rebenta
O oceano a bramir,
Onde a lua na praia macilenta
Vem pálida luzir
(...)
E o longo vale de florinhas cheio
E a névoa que desceu,
Como véu de donzela em branco seio,
As estrelas do céu.
Álv­ares de Azevedo

A apreciação da noite como lugar convidativo, o apelo à escuridão e à monotonia,

a menção à palidez da lua e da donzela como ideais de beleza são traços típicos

do Romantismo.

26
Capítulo


2 O Romantismo
em Portugal

Coleção Particular
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 • Os amantes, 1874,


de John Atkinson Grimshaw.
Óleo sobre tela.
Leitura da imagem
1 Observe atentamente o quadro e descreva os elementos presentes nele.
Várias árvores se destacam no cenário. Tem-se a impressão de que está

anoitecendo. A luz do sol é fraca e está um pouco encoberta pela folhagem.

No fundo da imagem, vê-se um casal abraçado, provavelmente amantes, como

sugere o título do quadro.

27
2 Compare os espaços ocupados pela natureza e pelas pessoas no quadro. O que
se pode concluir a respeito do cenário natural nessa comparação?
No quadro, é destinado à natureza um espaço bem maior que aos seres humanos.

Isso sugere que ela tem um papel importante na arte romântica. Embora o foco da

imagem sejam os amantes (título da pintura), é o cenário natural que predomina

na tela.

Leitura do texto
Agora leia este trecho de um romance do autor português Camilo Castelo Branco.

Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da


Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas
232, o seguinte:

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Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na
Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de
sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Cor-
reia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária,
cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão
azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei
– Filipe Moreira Dias.
A margem esquerda deste assento está escrito:
Foi para a Índia em 17 de março de 1807.
Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que
o degredo de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó. Dezoito anos!
O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração
que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flo-
res! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família,
dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da
virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos
aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria,
do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade, nem
Glossário irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É
Fiar. Acreditar, con­ triste! O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe dissessem em
fiar. menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria! Amou,
Degredo. Exílio,
banimento.
perdeu-se, e morreu amando.
Arrebol. Alvorada, É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a
amanhecer. criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz
Louçanias. Os vi- consigo do céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora,
gores da juventude,
a jovialidade. a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que
Sazão. Estação do o pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe,
ano.
vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir
Compungiria. Sen­
sibilizaria. de inocentes desejos?!

28
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que Glossário
me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura Acarear enojos.
e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo ver-se-ão se é Cau­sar repulsa.

perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma
história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração, e das
sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárba-
ros, em nome da sua honra.
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de perdição.
São Paulo: Moderna, 1994. p. 21-22.

3 O autor apresenta, nessa introdução ao livro Amor de perdição, algumas informa-


ções acerca do destino de um dos protagonistas: Simão Botelho. O que ocorreu
ao rapaz?
Segundo o trecho, Simão foi para a Índia, como degredado, aos dezoito anos.


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4 Por que Simão teve esse destino?


O autor explica que o rapaz sofreu tal pena porque “Amou, perdeu-se, e morreu

amando”. Isso significa que, provavelmente, seu triste destino foi desencadeado

por um amor impossível.

5 O autor busca um diálogo com seus leitores, sobretudo com suas leitoras. Que
características ele atribui a esse público? Justifique.
Segundo Camilo, tanto os leitores quanto as leitoras chorariam ao conhecer a

história do rapaz em questão (“O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe

dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!”).

Ele pressupõe, portanto, que seus leitores são muito emotivos e se solidarizariam

com o sofrimento de Simão Botelho.

6 Observe novamente a imagem de abertura do capítulo. Que elementos pode-


riam aproximá-la da história de Simão Botelho retratada por Camilo Castelo
Branco?
No quadro vemos um casal, solitário, envolto pelas sombras da natureza.

O encontro dos dois parece ser algo feito às escondidas, como se seu amor fosse

proibido ou perigoso, como no caso da personagem Simão Botelho, do romance

de Camilo Castelo Branco.

29
1 O Romantismo português
No início do século XIX, Portugal precisava enfrentar uma séria crise político-
-econômica. Vinha da França a ameaça imediata: o imperador Napoleão decretara
o Bloqueio Continental e exigia que a Coroa portuguesa rompesse relações comer-
ciais com a Inglaterra, sua aliada histórica.
A desobediência portuguesa trouxe a certeza da invasão do país pelas tropas fran-
cesas. Para o rei, Dom João VI, e sua corte, a única saída era o mar: embarcados em
caravelas, os nobres portugueses fugiram para o Brasil. Para abrigar a Coroa portu-
guesa, a colônia foi elevada à condição de Reino Unido a Portugal e Algarve.
A mudança da família real para a
Kunsthistorisches Museum, Gemaeldegalerie, Viena, Áustria

ex-colônia fez com que o comércio entre


Brasil e Inglaterra ganhasse força com a
abertura dos portos às nações amigas.
Em Portugal, a burguesia, que vivia das
exportações para o mercado brasileiro,
entrou em crise.
Para tentar compensar a perda de mer-

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cado, os burgueses decidiram investir na
terra. A solução fracassou, porque Portu-
gal ainda tinha, nesse momento, uma es-
trutura feudal bastante arraigada, e gran-
de parte dos direitos sobre a terra estava
nas mãos do clero. Essa situação só foi
alterada com a edição de leis que aboli-
ram os direitos senhoriais e confiscaram
os bens da Igreja.
É nesse cenário agitado por crises polí-
ticas e econômicas que a estética romântica
chega a Portugal para definir novos temas e
dar voz à sociedade, que, transformada pela
Revolução Liberal do Porto (1820-1822),
aos poucos se torna laica.
Figura 2 • Napoleão no des-
filadeiro de São Bernardo, Isto é essencial!
[s.d.], de Jacques-Louis
David. Óleo sobre tela, O poema “Camões”, de Almeida Garrett, publicado em 1825, é considerado o primeiro
246 × 231 cm. A ameaça texto romântico português. A data é apenas uma referência cronológica, porque a pro-
do exército do imperador
francês obriga a Corte dução de textos românticos só começa a ocorrer em Portugal a partir de 1836, quando
portuguesa a fugir para o a consolidação da Revolução Liberal do Porto facilita a penetração das ideias românti-
Brasil em 1808. cas no país, vindas da França e da Inglaterra.

1.1 A recriação de um passado glorioso


De maneira geral, a primeira geração romântica será marcada pela permanência
de alguns traços clássicos, principalmente na poesia de Antônio Feliciano de Cas-
tilho (1800-1875).
Os outros dois representantes dessa geração, Almeida Garrett (1799-1854) e
Alexandre Herculano (1810-1877), procuram assegurar que suas obras tenham
um caráter educativo e formativo, defendendo a literatura mais autêntica, entendi-
da, nesse contexto, como mais nacional.

30
Por essa razão, embora ambos os autores sejam também influenciados pela forma-
ção clássica, priorizarão seus interesses para a recuperação do passado histórico portu-
guês, eminentemente medieval, que acentuará o caráter nacionalista de suas obras.

2 Almeida Garrett e a dualidade do amor


Garrett notabiliza-se no panorama literário como o primeiro autor a publicar
um texto romântico em língua portuguesa, Camões. Esse poema, dividido em dez
cantos e escrito em decassílabos brancos, é uma espécie de biografia romântica de
Luís Vaz de Camões, destacando seus amores com Natércia.
Em 1826, publica um segundo poema, Dona Branca, também de inspiração
romântica, cuja principal novidade consistirá em desenvolver um tema medieval e
utilizar o folclore nacional em lugar da mitologia clássica.
A maturidade poética de Almeida Garrett como autor romântico chega somente
em seu último livro de poemas, Folhas caídas. No momento de produção dessa
obra, sua paixão por uma mulher casada provoca escândalo na sociedade e dá
origem a versos de tom confessional que impulsionam o romantismo intimista na
obra do poeta português.
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Não te amo
Não te amo, quero-te; o amar vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai! não te amo, não!
Não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.


Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado Glossário
Este indigno furor.
[Versos] brancos.
Mas oh! não te amo, não. Sem rimas.
Jazigo. Sepultura.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Fero. Selvagem,
Que de mim tenho espanto, rústico.
De ti medo e terror... Aziaga. De mau
Mas amar!... não te amo, não. agouro, azarenta.
GARRETT, Almeida. Em: SARAIVA, Antonio José (Intr., sel. e notas). Azado. Oportuno,
Folhas caídas e outros poemas. 4. ed. Lisboa: A. M. Teixeira, 1978. p. 73-74. propício.

31
Garrett tematiza, nesse poema, a oposição amor × desejo, por meio de um
eu lírico que associa o último à perdição e à má sorte. O jogo de imagens pro-
posto no poema é bem interessante, porque mostra o empenho racional do eu
lírico em repelir um sentimento mais forte que ele próprio. Assim, entende-se
sua insistência em definir o que sente como querer e não amor, pois experi-
menta na alma a mesma ausência de vida que há em um jazigo. Afirma que
amor é vida, é sentimento do coração, e a sensação que o domina provoca nele
apenas medo e terror.
O Romantismo valoriza o amor espiritualizado e vê o desejo como uma mani-
festação dos baixos instintos do ser humano, devendo, portanto, ser condenado.

2.1 A prosa de ficção


A prosa de ficção de Garrett é representada por três romances: O arco de
Sant’Ana, Viagens na minha terra (o mais conhecido e considerado o mais bem-
-acabado) e Helena.
Biblioteca Nacional, Portugal

2.2 O teatro

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O teatro garrettiano é marcado por duas fases: uma de
tons evidentemente clássicos (Catão e Mérope), inspirada
nos modelos greco-latinos e renascentistas; e outra, de ins-
piração romântica, inaugurada pela peça D. Filipa de Vilhena.
Sua obra-prima, porém, é Frei Luís de Sousa (1843).
O enredo da peça é construído em torno da figura histó-
rica do frei Luís de Sousa, nome religioso adotado por Ma-
nuel de Sousa. Casado com Dona Madalena de Vilhena, com
quem tem uma filha, Maria de Noronha, ele vê-se envolvido
em um triângulo amoroso com a volta do rei D. João I de
Portugal, primeiro marido de Dona Madalena, desaparecido
na batalha do Alcácer. O reaparecimento do monarca pro-
voca um drama familiar insolúvel: Maria, filha de Madalena
e Manuel, passa a ser fruto de uma união adulterina e, por-
tanto, bastarda.
Telmo Paes, fiel escudeiro de D. João I, vê-se torturado
por sua devoção ao antigo amo e pela afeição que sente pela
Figura 3 • Dom João I, de inocente menina. A tragédia chega ao fim com a morte de Maria, no momento em
Miguel Lupi. A ilustração
mostra o momento em que seus pais entram para a vida monástica.
que, na peça Frei Luís de
Sousa, o romeiro (que na
verdade é o próprio D.
João I) afirma que esse rei
não está morto, apontando 3 Alexandre Herculano: entre o romance
para o retrato do monarca.
e a história
Alexandre Herculano desenvolveu um programa estético que objetivava a re-
construção da cultura portuguesa.
Consciente da crise de identidade por que passava o país desde 1580, com o trá-
gico desaparecimento de D. Sebastião e a perda da soberania para a Espanha, Hercu-
lano acredita ser chegado o momento de investir na reconstrução dos valores nacio-
nais. E é isso que fará em sua extensa obra. Em sua produção literária predominam
os temas políticos e religiosos e a reconstituição do passado histórico português.

32
Autor de novelas e contos, a maioria publicada em periódicos, Alexandre Her-

Biblioteca Nacional, Portugal


culano usava suas pesquisas históricas para a construção do enredo de suas nar-
rativas. Com ele, o Romantismo português conheceu o desenvolvimento máximo
de uma de suas características definidoras: a reconstituição do passado como base
para a construção de uma identidade nacional.
Dentre os vários romances que escreveu, destacam-se: O bobo (1843), Eurico, o
presbítero (publicado em volume no ano de 1844) e O monge de Cister (1848); esses
dois últimos, por abordarem o celibato clerical, foram reunidos pelo autor sob o tí-
tulo de O monasticon. Além da prosa ficcional, Alexandre Herculano publicou uma
série de documentos (nobiliários, anais, crônicas, memórias etc.) de um período
que se estende do século VIII ao XV. Essa coleção é conhecida como Portugaliae
Monumenta Historica.

Figura 4 • Alexandre Her­

4 A segunda geração romântica: do romance cu­lano

histórico ao exagero sentimentalista


A segunda geração romântica portuguesa é marcada por uma postura de exa-
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

gero sentimental que a torna inconfundível. Inspirados pela literatura inglesa, os


novos autores admiram poetas como Lord Byron (1788-1824), que exalta os sen-
timentos arrebatadores ao mesmo tempo que apresenta o poeta completamente
isolado da sociedade, incompreendido por defender valores morais e éticos. A ima-
gem do herói romântico que luta por valores incorruptíveis como a honestidade, o
amor e o direito à liberdade povoa a imaginação de muitos poetas.

4.1 Uma natureza soturna e ameaçadora

Albany Institute of History and Art

Figura 5 • Paisagem român-


tica com uma torre em ruí-
nas, 1832-1836, de Thomas
Cole. Óleo sobre madeira. O
céu cinzento e um cenário
de certa desolação marcam
a soturnidade da natureza
romântica.

33
Uma natureza tempestuosa e soturna: assim se define o cenário preferido pe-
los poetas ultrarromânticos para a expressão de seus arroubos sentimentalistas.
Com a segunda geração romântica, a natureza assumirá basicamente duas carac-
terísticas: será paradisíaca, quando vislumbrada pelos amantes em um momento
de sonho (jamais como realidade), ou soturna, ao servir de refúgio final para os
desesperados sofredores.

4.2 O “mal do século” e o fascínio pela ideia de morte


O fascínio pela morte, pela escuridão, pela enfermidade (a tuberculose, tam-
bém conhecida como “tísica”, considerada a mais romântica das doenças), pela
bebida, por drogas como o ópio e o haxixe, pelo tédio, identificava um tipo de
atitude que se espalhou como um verdadeiro mal entre os jovens românticos,
ávidos por fugir da realidade, fosse pela bebida ou pela droga, ou mesmo pela
morte. Passou-se a dizer, então, que os jovens identificados com tais comporta-
mentos sofriam do “mal do século”.

Isto é essencial!

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


O arrebatamento sentimental característico dos autores da segunda geração românti-
ca fez com que ficassem conhecidos como ultrarromânticos.

5 Camilo Castelo Branco: mestre


ultrarromântico
Principal autor do Ultrarromantismo português, Camilo Castelo Branco nasceu
Biblioteca Nacional, Portugal

em 1825. A enorme quantidade de romances e novelas que escreveu representa o


que significava ser um escritor profissional durante o Romantismo.
O conjunto de suas novelas pode ser organizado em alguns tipos característicos,
a depender do enredo desenvolvido.
■ Romance-folhetim: inspirado nos folhetins dos escritores franceses Eugène
Sue (1804-1857) e Alexandre Dumas, focaliza as aventuras de uma perso-
nagem misteriosa (um condenado de regresso à pátria, por exemplo) e dá
origem a narrativas múltiplas e a evocações históricas. Exemplos: Mistérios
de Lisboa; Livro negro do padre Dinis.
■ Romance de amor trágico: história de personagens apaixonadas cuja rea-
lização amorosa é impedida por obstáculos sociais ou familiares. Exemplo:
Amor de perdição.
■ Romance-sátira: caricatura de um determinado tipo social, como o burguês
Figura 6 • Camilo Castelo
Branco rico ou o provinciano deslocado no grande centro urbano. Exemplos: Cora-
ção, cabeça, estômago; A queda de um anjo; O que fazem mulheres.
■ Romance de costumes provincianos: narrativas que focalizam a vida no
campo, caracterizando a realidade local de modo idealizado. Exemplos: No-
velas do Minho; A brasileira de Prazins.
■ Romance histórico: narrativas ambientadas principalmente no século XVIII,
resgatando alguma figura da história portuguesa. Exemplos: O judeu; O olho
de vidro.

34
Camilo também desenvolveu, em Portugal, um gênero que fazia grande sucesso
na Inglaterra: os romances de mistério, de terror. O macabro, o enredo complexo,
a intriga, a história de separações, reconhecimentos, vinganças, o excessivo e o
inverossímil marcam tais narrativas. Coisas espantosas (1862), O esqueleto (1865)
e O demônio de ouro (1874) são exemplos desse tipo de produção camiliana que
alcançou enorme popularidade junto aos leitores da época.
De modo geral, o ambiente narrativo criado por Camilo é a vila ou a aldeia
da província, onde se destaca o solar de um fidalgo representativo da nobreza
portuguesa anterior à Revolução Liberal do Porto. Em muitas narrativas, as
moças são enclausuradas por suas famílias em um convento. Há ainda a ta-
berna, onde circulam os tipos mais populares e onde são planejados assaltos
e assassinatos.
As personagens das novelas camilianas são sobreviventes de um Portugal an-
tigo: o comerciante com negócios no Brasil, o ferrador que trabalha para o fi-
dalgo e por ele arrisca a própria vida, um proprietário rural que vai para Lisboa
atuar como deputado. Sua caracterização é estereotipada, e isso favorece uma
identificação imediata entre os leitores e as personagens que povoam as muitas
narrativas do autor.
Foi nas novelas passionais que o talento de Camilo Castelo Branco atingiu o
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ponto máximo. Ao apresentar histórias de amor impossível entre dois jovens,


o autor é capaz de contextualizar o enredo para traçar alguns importantes cená-
rios de Portugal. Geralmente o impedimento ao amor é de ordem social, motiva-
do pela diferença de classes entre os apaixonados ou por inimizades familiares.
Nessas histórias, é enaltecido o sofrimento amoroso, que transforma comple-
tamente o caráter das personagens, fazendo com que os jovens amantes sejam
envolvidos por uma aura de pureza e abnegação que os santifica. O fim trágico
é a punição definitiva para essas personagens que transgridem os princípios de
uma sociedade interesseira e corrupta.
Como exemplo da maestria do autor em desenvolver esse tipo de enredo ro-
mântico, destaca-se o romance Amor de perdição.

6 A terceira geração romântica: Júlio Dinis


Biblioteca Nacional, Portugal

Os romances desenvolvidos após a década de 1860 marcam uma nova pers-


pectiva: desaparecem os traços mais exagerados da segunda geração e é pos-
sível identificar indícios de maior aproximação com a realidade. Júlio Dinis
(1839-1871) foi um dos autores responsáveis por esse novo panorama assumi-
do pela narrativa romântica. Na poesia, destacam-se os versos de João de Deus
(1830-1896).
Júlio Dinis é, na verdade, um pseudônimo literário do médico Joaquim Guilher-
me Gomes Coelho, que morreu aos 32 anos, mas deixou uma produção literária
significativa, da qual se destacam os romances As pupilas do senhor reitor (1867),
Uma família inglesa (1868), A morgadinha dos canaviais (1868) e Os fidalgos da Casa
Mourisca (1871).
Em seus romances, observamos sinais evidentes da tentativa de aproximação
da visão romântica à realidade que inspira o autor a escrever. Exemplo claro desse
processo é o romance As pupilas do senhor reitor, que retrata a vida em uma típica
aldeia portuguesa, onde convivem personagens completamente idealizadas, como
Margarida e Daniel, e tipos de inspiração popular, como beatas fofoqueiras e a
família interesseira do dono da venda. Figura 7 • Júlio Dinis

35
Exercícios dos conceitos
Leia o texto transcrito para responder às questões de 1 a 5.

Amor de perdição
Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que pare-
cia absurda reforma aos dezessete anos.
Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira,
regularmente bonita e bem-nascida. Da janela de seu quarto é que ele a vira
pela primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida
que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade
que o usual de seus anos. (...)
O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa [de Albuquerque],
por questões de litígios, em que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra.
(...) É , pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtem-
perar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte.

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


E este amor era singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três
1
Sem se denunciar. meses, sem darem rebate1 à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias.
O destino que ambos se prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para
sustentá-la, se não tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho pai fale-
cesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande patrimônio. (...)
Na véspera de sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-
Glossário -se da suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela.
Incólume. Ilesa, O alucinado moço ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes,
inalterada. soluçava comovida por lágrimas de saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça;
Litígios. Disputas contorceu-se no quarto como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula.
legais.
Declinando. Re­
Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la. As restantes horas
cusando-se, ti- daquela noite passou-as em raivas e projetos de vingança. Com o amanhecer
rando (de si). esfriou-lhe o sangue, e renasceu a esperança com os cálculos.
Obtemperar. Quando o chamaram para partir para Coimbra, lançou-se do leito de tal
Pôr-se de acordo,
concordar. modo transfigurado, que sua mãe, avisada do rosto amargurado dele, foi ao
Despersuadi-lo. quarto interrogá-lo e despersuadi-lo de ir enquanto assim estivesse febril.
Fazê-lo mudar Simão, porém, entre mil projetos, achara melhor o de ir para Coimbra, espe-
de opinião; dis- rar lá notícias de Teresa, e vir a ocultas a Viseu falar com ela. Ajuizadamente
suadi-lo.
discorrera ele; que a sua demora agravaria a situação de Teresa.
Viseu. Cidade
por­t uguesa. BRANCO, Camilo Castelo. Amor de perdição. São Paulo: Ática, 1994. p. 26.

1 Nesse trecho, o narrador apresenta o nascimento do amor entre Teresa e Simão


Botelho.
a) Como surge esse sentimento?
Simão vê Teresa pela primeira vez da janela de seu quarto e por ela se apaixona

“irremediavelmente”, sendo correspondido em seu amor. Durante três meses,

o contato dos jovens se dá dessa forma, revelando a pureza e a inocência do

sentimento: veem-se pelas respectivas janelas de seus quartos, trocam juras de

amor e fazem promessas de um futuro juntos.

36
b) O que, no trecho, revela que esse amor é um sentimento arrebatado, caracte-
rístico dos romances românticos? Justifique.
O fato de ambos se apaixonarem à primeira vista de maneira irremediável,

como sugerem os trechos a seguir: “ele a vira pela primeira vez, para amá-la

sempre”; “amou-o também, e com mais seriedade que o usual de seus anos”.

O arrebatamento desse amor pode ser identificado, ainda, no desespero de

Simão diante da violência com que sua amada é retirada da janela através

da qual os jovens se despediam.

c) Há, no trecho, elementos típicos que fizeram esse modelo de narrativa cair no
gosto do público. Quais são eles?
O amor impossível entre um rapaz e uma moça pertencentes a famílias

“inimigas”; a força do sentimento que leva Teresa e Simão a ignorar as


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oposições familiares; a separação do casal e o sofrimento que isso gera

nos dois jovens.

2 O narrador descreve a jovem por quem Simão se apaixonou.


a) Que características de Teresa ele destaca?
O narrador descreve Teresa como uma jovem de “quinze anos, rica herdeira,

regularmente bonita” e pertencente a uma boa família (“bem-nascida”).

b) De que maneira algumas dessas características revelam a sociedade da época


retratada nos romances românticos?
A referência ao fato de Teresa ser uma rica herdeira e “bem-nascida” revela

que a moça e sua família têm prestígio e pertencem à burguesia, grupo social

geralmente retratado nos romances românticos.

3 No momento em que Simão e Teresa se despedem em razão da partida do jo-


vem para Coimbra, a moça é “arrancada” da janela.
a) Que sentimentos esse fato desperta em Simão?
Ao ver sua amada ser “arrancada” da janela, Simão é tomado por despespero,

fúria e impotência, já que nada pode fazer para “resgatá-la”. Nessa noite ele

perde o sono, pensando em “projetos de vingança” contra quem impõe tal

sofrimento a Teresa.

37
b) O narrador descreve a reação do jovem diante desse fato. Como essa des-
crição revela a natureza arrebatada e passional do amor que ele sente por
Teresa?
O narrador descreve com exagero as reações de Simão por meio de adjetivos

(“o alucinado moço”) e comparações (“contorceu-se... como o tigre contra as

grades”). Isso revela o desespero do jovem ao se ver separado de Teresa e,

depois, no momento de partir (“lançou-se do leito... transfigurado”). Os gestos

e pensamentos do rapaz, na cena, enfatizam a natureza arrebatada de seus

sentimentos.

4 Simão Botelho, antes de se apaixonar por Teresa, era um jovem de tempera-


mento violento, cercado por más companhias e constantemente envolvido em
brigas. Leia este outro trecho do romance:

No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes

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de Simão. As companhias da ralé desprezou-as. Saía de casa raras vezes,
ou só, ou com a irmã mais nova, sua predileta. (...) Em casa encerrava-se
no quarto, e saía quando o chamavam para a mesa. (...)
Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que
parecia absurda reforma aos dezessete anos.
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de perdição.
São Paulo: Ática, 1994. p. 25-26.

a) O narrador revela que o amor provoca em Simão uma grande transformação.


Qual é ela?
Simão passa a ter uma vida calma, abandona as más companhias e a vida

desregrada, tornando-se quase um recluso.

b) Explique de que modo essa transformação confere a Simão as características


que o definirão como um herói romântico.
O amor por Teresa promove uma espécie de purificação em Simão, apagando

os indícios do comportamento desregrado que teve antes de conhecer a

jovem. Ao adotar uma vida tranquila, distante de brigas e de companhias

inadequadas, o jovem passa a agir de acordo com os valores positivos que

se associam ao herói romântico: recolhimento, caráter nobre, correção moral.

5 A transformação vivida por Simão é exigida por uma concepção de amor que
define os romances românticos. Que concepção é essa? Explique.
No trecho, o amor é apresentado como o meio para a transformação e redenção

do indivíduo. É esse sentimento que regenera o ser humano quando a razão se

mostra incapaz de fazê-lo. No caso de Simão, é o amor por Teresa que o torna uma

pessoa melhor, merecedora do afeto de sua amada.

38
Professor: Consulte o Banco de Questões e incentive
os alunos a usar o Simulador de Testes. Retomada dos conceitos
As questões 1 e 2 tomam por base o fragmento seguinte.

Sim, leitor benévolo, e por esta ocasião te vou explicar como nós hoje em
dia fazemos a nossa literatura. Já me não importa guardar segredo; depois
desta desgraça, não me importa já nada. Saberás, pois, ó leitor, como nós
outros fazemos o que te fazemos ler.
Trata-se de um romance, de um drama. Cuidas que vamos estudar a His-
tória, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios,
as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o
somos. Desenhar caracteres e situações do vivo da natureza, colori-los das
cores verdadeiras da História… isso é trabalho difícil, longo, delicado; exige
um estudo, um talento, e sobretudo um tato!... Não, senhor; a coisa faz-se
muito mais facilmente. Eu lhe explico.
Todo o drama e todo o romance precisa de:
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Uma ou duas damas,


Um pai,
Dois ou três filhos de dezanove a trinta anos,
Um criado velho,
Um monstro, encarregado de fazer as maldades,
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios.
Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eugénio Sue, de
Vítor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa,
gruda-as sobre uma folha de papel da cor da moda, verde, pardo, azul –
como fazem as raparigas inglesas aos álbuns e scrap-books; forma com elas
os grupos e situações que lhe parece; não importa que sejam mais ou menos
disparatados. Depois vai-se às crónicas, tiram-se uns poucos de nomes e
palavrões velhos; com os nomes crismam-se os figurões; com os palavrões
iluminam-se…(estilo de pintor pinta-monos). – E aqui está como nós faze-
mos a literatura original.
Almeida Garrett, Obra completa – I.

1 (Vunesp) Almeida Garrett (1799-1854), que pertenceu à primeira fase do


Romantismo português, é poeta, prosador e dramaturgo dos mais importantes
da literatura portuguesa. Em Viagens na minha terra (1846), mistura, em prosa
rica, variada e espirituosa, o relato jornalístico, a literatura de viagens, as diva-
gações sobre temas da época e os comentários críticos, muitas vezes mordazes,
sobre a literatura em voga no período. Releia o texto que lhe apresentamos e, a
seguir, responda:
a) a que gêneros literários se refere Almeida Garrett?
Os gêneros literários a que Almeida Garrett faz referência no texto apresentado

são o romance e o drama. O romance é um gênero narrativo em prosa.

O drama é um gênero teatral que funde elementos da tragédia e da comédia.

39
b) quais os principais defeitos, segundo Garrett, dos escritores que elaboravam
obras de tais gêneros?
Garrett apresenta, ironicamente, os seguintes defeitos encontrados nas obras

dos escritores de tais gêneros: padronização de tipos e situações (“... Uma ou

duas damas (...) e algumas pessoas capazes para intermédios”); imitação de

modelos literários franceses (“... vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de

Eugénio Sue, de Vítor Hugo”); sujeição ao modismo (“gruda-as sobre uma folha

de papel da cor da moda”); falta de originalidade (“ – E aqui está como nós

fazemos a nossa literatura original”).

2 (Vunesp) No texto apresentado, Garrett se dirige mais uma vez ao leitor, de ma-
neira informal e descontraída, como se estivesse dialogando com ele. Baseado
nesta observação, demonstre de que modo o tom de informalidade se revela

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também nas formas de tratamento gramatical que o escritor usa para dirigir-se
ao leitor.
A informalidade com que Garrett se dirige ao leitor manifesta-se também no

âmbito gramatical. Verificamos que, além do emprego da segunda pessoa do

singular – que já cria um efeito de informalidade –, existe a prática intencional da

incoerência de tratamento gramatical ao longo do texto, típica da espontaneidade

da linguagem oral. O autor começa por tratar o leitor em segunda pessoa (“te vou

explicar”). No segundo parágrafo, Garrett passa a tratar o leitor em terceira pessoa

(“Não seja pateta” / “Eu lhe explico”).

Leia os textos abaixo para responder à questão 3.

Texto I
O Vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios
amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa har-
monia suavíssima e perfeita; não há ali nada grandioso nem sublime, mas há
uma como simetria de cores, de sons, de disposição em tudo quanto se vê e
se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o
repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e bene-
volência. (...) Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou
com a sua inocência e com a virgindade do seu coração.
À esquerda do vale, e abrigado do norte pela montanha que ali se
corta quase a pique, está um maciço de verdura do mais belo viço e va-
riedade. (...)

40
Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um claro das árvores
a janela meio aberta de uma habitação antiga, mas não dilapidada – (...) A
janela é larga e baixa; parece mais ornada e também mais antiga que o resto
do edifício, que todavia mal se vê...
Almeida Garrett, Viagens na minha terra.

Texto II
Depois, fatigado do esforço supremo, [o rio] se estende sobre a terra, e
adormece numa linda bacia que a natureza formou, e onde o recebe como
um leito de noiva, sob as cortinas de trepadeiras e flores agrestes.
A vegetação nessas paragens ostentava outrora todo o seu luxo e vigor;
florestas virgens se estendiam ao longo das margens do rio, que corria no
meio das arcarias de verdura e dos capitéis formados pelos leques das pal-
meiras.
Tudo era grande e pomposo no cenário que a natureza, sublime artista,
tinha decorado para os dramas majestosos dos elementos, em que o homem
é apenas um simples comparsa. (...)
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Entretanto, via-se à margem direita do rio uma casa larga e espaçosa,


construída sobre uma eminência e protegida de todos os lados por uma mu-
ralha de rocha cortada a pique.
José de Alencar, O guarani.

3 (Unifesp) Lendo-se atentamente os textos I (de Almeida Garrett) e II (de José de Em sua descrição
Alencar), percebe-se que ambos os narradores se identificam quanto à atitude da natureza, Garrett
valoriza a quietude,
de admiração e louvor à natureza contemplada. Entretanto, verifica-se também, a serenidade, uma
entre os dois, uma diferença profunda e marcante no seu ato contemplativo, harmonia entre os
quanto aos valores atribuídos a essa natureza. Essa diferença é marcada: elementos, que é
tomada como está-
a) pela existência da vegetação. tica. Já Alencar põe
ênfase na potência,
b) pela avaliação da magnitude e da beleza do cenário. na grandiosidade,
no vigor dinâmico da
c) pela inclusão, na paisagem natural, da habitação humana. natureza. Assim, a di-
ferença atribuída aos
d) pelo predomínio das referências ao mundo vegetal sobre as referências ao cenários correspon-
mundo mineral (terra, rocha, montanha etc.). de à diversidade de
valores com base nos
e) pela explicitação da perda do paraíso terrestre. quais são julgados.

4 (Unicamp-SP, adaptada)

Quando o coração é de gelo, a razão dirige desafogada, imperturbá-


vel, em linha reta, o caminho da vida; quando a razão abdica e o coração
domina, o movimento é irregular, mas livre; caprichoso, mas resoluto;
funesto, mas incessante; porém, se o coração e a cabeça medem forças
iguais, a cada momento param para lutar, como atletas destemidos. De
qualquer lado que tenha de se decidir a vitória, será disputada, até o
último instante, pelo contendor vencido; a pausa terá sido inevitável; a
reação, enérgica; e a crise, violenta.

O narrador faz essa consideração no capítulo XVI de As pupilas do senhor rei-


tor, de Júlio Dinis. Sabendo que o romance pertence ao terceiro momento do
Romantismo português, responda que importante característica da novela

41
campesina de Júlio Dinis aparece no fragmento transcrito, considerando o mo-
mento em que foi escrita.
O fato de esse romance estar inscrito na terceira geração romântica portuguesa,
momento em que já há indícios do Realismo, resulta na “atenuação” dos traços
mais exagerados da segunda geração. Nele, nota-se a fusão entre a subjetividade
ultrarromântica, o idealismo romântico e a capacidade de observação realista que
inspirou o autor a escrever. Há nessa novela um idealismo atenuado, esvaziado dos
destemperos sentimentais presentes, por exemplo, em Amor de perdição, de Camilo

Castelo Branco.

5 (Unicamp-SP, adaptada) No prefácio da quinta edição portuguesa do romance


Amor de perdição, Camilo Castelo Branco afirmava ironicamente:

Eu não cessarei de dizer mal desta novela que tem a boçal inocência
de não devassar alcovas, a fim de que as senhoras a possam ler nas salas,

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em presença de suas filhas ou de suas mães, e não precisem de esconder-
Glossário
-se com o livro no seu quarto de banho. Dizem, porém, que o Amor de
perdição fez chorar. Mau foi isso. Mas agora, como indenização, faz rir:
Barrufando. Va­
riante de “borri- tornou-se cômico pela seriedade antiga (...). E por isso mesmo se reim-
fando”. prime. O bom senso público relê isto, compara com aquilo, e vinga-se
Aljofarava. Orva­ barrufando com frouxos de riso realista as páginas que há dez anos aljo-
lhava. farava com lágrimas românticas.

Como você pode notar, o autor faz referência a duas escolas literárias, o
Romantismo e o Realismo, para explicar como Amor de perdição produziria no
público leitor, por ocasião de sua reimpressão, uma reação completamente di-
ferente daquela produzida ao ser publicado pela primeira vez.
a) Identifique qual a reação do público leitor de cada uma das escolas, segundo
Camilo Castelo Branco.
O público do Romantismo comovia-se com a obra (“aljofarava com lágrimas
românticas”); o público realista considerava a obra cômica (“barrufando

com frouxos de riso realista”).

b) O Realismo (estética da segunda metade do século XIX) procura retratar a rea­


lidade de forma mais crítica e objetiva que o Romantismo. Considerando tais
informações sobre os movimentos estéticos, procure explicar as diferentes rea­-
ções dos leitores diante da mesma obra.
Os leitores do Romantismo esperavam encontrar no romance certas
características que os agradassem: sentimentalismo, personagens idealizadas
(heróis e mocinhas), complicações amorosas. Já os leitores das obras realistas
queriam um romance sem idealizações. Assim, quando o leitor do Realismo se
deparava com uma obra romântica, certamente se divertia com as situações

inverossímeis ou exageradamente sentimentais ali mostradas.

42
Leia os textos abaixo para responder às questões 6 e 7.

Eurico, o presbítero
Os raios derradeiros do sol desapareceram: o clarão avermelhado da tar-
de vai quase vencido pelo grande vulto da noite, que se alevanta do lado de
Septum. Nesse chão tenebroso do oriente a tua imagem serena e luminosa
surge a meus olhos, ó Hermengarda, semelhante à aparição do anjo da espe-
rança nas trevas do condenado.
E essa imagem é pura e sorri; orna-lhe a fronte a coroa das virgens; sobe-
-lhe ao rosto a vermelhidão do pudor; o amículo alvíssimo da inocência,
flutuando-lhe em volta dos membros, esconde-lhe as formas divinas, fazen-
do-as, porventura, suspeitar menos belas que a realidade.
É assim que eu te vejo em meus sonhos de noites de atroz saudade: mas,
em sonhos ou desenhada no vapor do crepúsculo, tu não és para mim mais
do que uma imagem celestial; uma recordação indecifrável; um consolo e ao
mesmo tempo um martírio.
Não eras tu emanação e reflexo do céu? Por que não ousaste, pois, volver
os olhos para o fundo abismo do meu amor? Verias que esse amor do poeta
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é maior que o de nenhum homem; porque é imenso, como o ideal, que ele
compreende; eterno, como o seu nome, que nunca perece.
Hermengarda, Hermengarda, eu amava-te muito! Adorava-te só no san-
tuário do meu coração, enquanto precisava de ajoelhar ante os altares para
orar ao Senhor. Qual era o melhor dos dois templos?
Foi depois que o teu desabou, que eu me acolhi ao outro para sempre.
Por que vens, pois, pedir-me adorações quando entre mim e ti está a Cruz
ensanguentada do Calvário; quando a mão inexorável do sacerdócio soldou
a cadeia da minha vida às lájeas frias da igreja; quando o primeiro passo
além do limiar desta será a perdição eterna?
Mas, ai de mim! essa imagem que parece sorrir-me nas solidões do espa-
ço está estampada unicamente na minha alma e reflete-se no céu do oriente
através destes olhos perturbados pela febre da loucura, que lhes queimou as
lágrimas.
HERCULANO, Alexandre. Eurico, o presbítero. Edição crítica, dirigida e prefaciada
por Vitorino Nemésio. 41. ed. Lisboa: Livraria Bertrand, [s.d.].

O missionário
Entregara-se, corpo e alma, à sedução da linda rapariga que lhe ocupara
o coração. A sua natureza ardente e apaixonada, extremamente sensual,
mal contida até então pela disciplina do Seminário e pelo ascetismo que
lhe dera a crença na sua predestinação, quisera saciar-se do gozo por muito
tempo desejado, e sempre impedido. Não seria filho de Pedro Ribeiro de
Morais, o devasso fazendeiro do Igarapé-mirim, se o seu cérebro não fosse
dominado por instintos egoísticos, que a privação de prazeres açulava e
que uma educação superficial não soubera subjugar. E como os senhores
padres do Seminário haviam pretendido destruir ou, ao menos, regular e
conter a ação determinante da hereditariedade psicofisiológica sobre o cé-
rebro do seminarista? Dando-lhe uma grande cultura de espírito, mas sob
um ponto de vista acanhado e restrito, que lhe excitara o instinto da pró-
pria conservação, o interesse individual, pondo-lhe diante dos olhos, como
supremo bem, a salvação da alma, e como meio único, o cuidado dessa

43
mesma salvação. Que acontecera? No momento dado, impotente o freio
moral para conter a rebelião dos apetites, o instinto mais forte, o menos
nobre, assenhoreara-se daquele temperamento de matuto, disfarçado em
padre de S. Sulpício. Em outras circunstâncias, colocado em meio diverso,
talvez que padre Antônio de Morais viesse a ser um santo, no sentido pu-
ramente católico da palavra, talvez que viesse a realizar a aspiração da sua
mocidade, deslumbrando o mundo com o fulgor das suas virtudes ascéti-
cas e dos seus sacrifícios inauditos. Mas nos sertões do Amazonas, numa
sociedade quase rudimentar, sem moral, sem educação... vivendo no meio
da mais completa liberdade de costumes, sem a coação da opinião pública,
sem a disciplina duma autoridade espiritual fortemente constituída... sem
estímulos e sem apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacer-
dócio, sob a influência enervante e corruptora do isolamento, e entregara-
-se ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e rebaixando-se ao
nível dos indivíduos que fora chamado a dirigir.
Esquecera o seu caráter sacerdotal, a sua missão e a reputação do seu
nome, para mergulhar-se nas ardentes sensualidades dum amor físico, por-
que a formosa Clarinha não podia oferecer-lhe outros atrativos além dos seus

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frescos lábios vermelhos, tentação demoníaca, das suas formas esculturais,
assombro dos sertões de Guaranatuba.
SOUSA, Inglês de. O missionário. São Paulo: Ática, 1987.

6 (Vunesp, adaptada) A visão que o amante tem de sua amada constitui um dos
temas eternos da literatura. Uma leitura comparativa dos dois fragmentos apre-
sentados, que exploram tal tema, nos revela dois perfis bastante distintos de
mulher. Considerando esta informação:
a) aponte a diferença que há entre Hermengarda e Clarinha, no que diz respeito
ao predomínio dos traços físicos sobre os espirituais, ou vice-versa, segundo
as visões de seus respectivos amantes.
Na caracterização de Hermengarda predominam os traços espirituais; na

de Clarinha notam-se exclusivamente traços físicos. No primeiro texto,

a personagem feminina tem sua pureza associada à de um anjo: para Eurico,

Hermengarda não é “mais do que uma imagem celestial”. Já no segundo texto,

o narrador mostra somente os atrativos da beleza física de Clarinha – “frescos

lábios vermelhos”,“formas esculturais”–, pois “Clarinha não podia oferecer-lhe

outros atrativos”.

b) justifique a caracterização de Hemengarda com base nos fundamentos do


estilo de época – o Romantismo – em que se enquadra o romance de que é
personagem.
O Romantismo caracteriza-se pela idealização e subjetividade, tal como se pode

observar no retrato de Hermengarda. A imagem da amada, assim, configura-se

como uma projeção do imaginário de Eurico, de sua subjetividade,

de acordo com seus sentimentos exacerbados.

44
7 (Vunesp) Em cada fragmento apresentado encontramos o protagonista envolvido
por fortes sentimentos de amor e de fé religiosa. Com base nesta observação:
a) descreva o que há de comum nas reações dos dois religiosos ao viverem tais
sentimentos.
Os dois religiosos encontram-se em crise, entre as censuras do espírito (fé

religiosa) e os apelos do coração (amor físico, o desejo carnal). A fé é entrave

à realização amorosa – em ambos os casos, o amor carnal é visto como

“perdição”, “tentação demoníaca”.

b) explique as razões pelas quais, no quinto parágrafo do texto de Herculano, a


personagem se refere a dois templos.
Os dois templos a que a personagem se refere são o do desejo carnal, o
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“santuário do coração” em que adorava Hermengarda, e o da fé religiosa,

em cujos altares orava ao Senhor. Assim, a personagem revela sua crise

entre o amor físico e a fé, voltando-se ao último templo depois que

o primeiro desabou.

Leia os textos transcritos para responder às questões 8 e 9.

Texto I
Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura,
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljôfar, em rubi cravados.

Fios de ouro, que enredam meus cuidados,


Alvo peito, que cega de candura,
Mil prendas; e (o que é mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.

Mil extremos de preço mais subido


Encerra a linda Márcia, a quem of’reço
Um culto, que nem dela inda é sabido.

Tão pouco de mim julgo que a mereço,


Que enojá-la não quero de atrevido
Co’as penas que por ela em vão padeço.
Filinto Elísio

45
Texto II
Este inferno de amar
Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?
Almeida Garrett

Não é verdadeiro o 8 (Unifesp) Considere as afirmações:


que se afirma, em II,
sobre o poema de I. No poema de Garrett, o amor é apresentado como um sentimento que acon-
Garrett; nem em III, tece na vida de alguém independentemente de sua vontade.
no que diz respeito
a Filinto Elísio, cujos II. No poema de Filinto, vê-se que o amor não se realiza fisicamente; no de Gar-
versos não represen- rett, explora-se o amor pelo seu aspecto físico e sensual.
tam uma visão de
amor sôfrega e in- III. Tanto no poema de Filinto quanto no de Garrett, há uma linha tênue entre o

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tensa. utópico e o real, resultando numa visão de amor sôfrega e intensa, prestes a
tomar formas plenas na realidade vivida pelos amantes.
Está correto somente o que se afirma em:
a) I. c) III. e) I e III.
b) II. d) I e II.

As metáforas e hipér- 9 (Unifesp) Assinale a alternativa correta.


boles estão presentes
no poema de Filinto. a) O poema de Filinto é uma narrativa na qual o poeta conta sua desilusão
Quanto às demais amorosa.
afirmações, são todas
incorretas. b) Na descrição de Márcia, o poeta vale-se de metáforas (rubi, nevada alvura) e de
hipérboles (mil prendas, mil agrados).
c) Nos versos de Garrett, o amor se mostra como um sentimento confuso, o que
transparece no uso de eufemismos.
d) Em Quem mo pôs aqui n’alma... quem foi?, não é possível identificar o referente
textual do pronome o [em mo].
e) Nos versos de Garrett, as orações interrogativas revelam a predisposição do
poeta para viver intensamente o sentimento descrito.

No Romantismo, são 10 (Unifesp) Tema bastante recorrente nas literaturas românticas portuguesa e
características funda- brasileira, o amor impossível aparece em personagens que encarnam o modelo
mentais o sentimen-
talismo e a idealiza- romântico, cujas características são:
ção do amor.
a) o sentimentalismo e a idealização do amor.
b) os jogos de interesses e a racionalidade.
c) o subjetivismo e o nacionalismo.
d) o egocentrismo e o amor subordinado a interesses sociais.
e) a introspecção psicológica e a idealização da mulher.

46
Exercício de integração
O trecho a seguir analisa a origem do termo Romantismo e a relação entre as nar-
rativas românticas e as manifestações literárias produzidas durante a Idade Média.

O uso da palavra Romantismo e seus derivados (...) remonta ao século


XVII na França e na Inglaterra, com referência a certo tipo de criação poética
ligado à tradição medieval de “romances”, narrativas de heroísmo, aventuras
e amor, em verso ou em prosa, cuja composição, temas e estrutura (...) eram
sentidas em oposição aos padrões e regras da poética clássica. (...) Da palavra
francesa roman (romanz ou romant), as línguas modernas derivaram o senti-
do corrente no século XVIII, e que penetrou no Romantismo, designando a
literatura produzida à imagem dos “romances” medievais, fantasiosos pelos
tipos e atmosfera.
COUTINHO, Afrânio (Dir.); COUTINHO, Eduardo de Faria (Codir.).
A literatura no Brasil: era romântica. v. 3. 4. ed. rev. e atual.
São Paulo: Global, 1997. p. 4. (Fragmento.)
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Redija um parágrafo argumentativo analisando a afirmação de Afrânio Couti-


nho de que os romances românticos foram produzidos “à imagem dos ‘romances’
medievais”.
Antes de desenvolver seu parágrafo:
■ relembre os elementos que estruturam as narrativas românticas e que as fizeram

cair no gosto do público;


■ compare dois textos, um medieval e um romântico, procurando identificar a se-

melhança entre as narrativas românticas e medievais no que se refere à criação


de tipos e à construção de tramas marcadas por grandes aventuras de amor e
heroísmo.
Professor: Ao corrigir ou comentar a resposta dos alunos a esta proposta, verifique se eles perceberam que
as personagens heroicas, as tramas repletas de aventuras e os amores impossíveis, presentes nas narrativas
medievais, serão recriadas nas narrativas românticas. A idealização do sentimento amoroso como fonte de
transformação individual, tão cara aos românticos, já se manifestava nas produções literárias medievais. E
é justamente essa idealização dos sentimentos, dos cenários e das personagens, à imagem das narrativas
medievais, que fará dos romances românticos um sucesso de público.

47
Navegando no módulo

romantismo

Valores
Idealização
burgueses

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Trabalho, sacrifício Valorização
pessoal, honestidade, do indivíduo
sinceridade

Maria Luiza M. Abaurre • Marcela Pontara •


da pátria do amor da representacão

LITERATURA
(nacionalismo) (sentimentalismo) feminina

Demoníaca,

Juliana Sylvestre Cesila


Resgate
Transformação Inadaptação Angelical, associada
do passado
individual social inacessível aos prazeres
histórico
da carne

Fuga do real
Comportamento
para um
heroico
mundo onírico

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