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sínteses da cultura portuguesa
UMA HISTÓRIA
DE FOTOGRAFIA
PORTUGAL 1839 A 1991
António Sena
começou entretanto a fazer-me falta. Um lugar onde pudesse reunir de situações não previsíveis de início. A fotografia, em particular, é
toda a informação disponível, devidamente ordenada, de modo a responsável por ele.
permitir - até para mim - o perseguir de pistas, o aclarar de uma - A fotografia e a fotomecânica andaram sempre ligadas, justifi-
suspeita ou correr o perigo atraente das surpresas. Que pudesse ser o cando que as imagens originais estejam sempre, mesmo quando as
ponto final de uma tarefa, iniciada em 1973, também ela essencial- dificuldades dos seus autores foram enormes, interdependentes de
mente transitiva. uma actividade editorial, em periódicos ou livros. Desenhadores, gra-
Este livro é o resultado desse estado de saturação de documentos vadores, impressores e fotógrafos continuam indissociáveis.
e fotografias que outros não viram, ou não querem ver e uma alterna- - Procurei referir fotógrafos de todo o País que me pareceram
tiva à impossibilidade de fazer - com a regularidade mínima- todas
importantes, de modo a possibilitar que as comunidades locais sai-
as exposições e catálogos indispensáveis, dada a ingratidão tão portu-
bam preservar as suas imagens e ajudar, entretanto, a fazer as suas
guesa de não dar atenção ao que se passa mesmo ao nosso lado, nessa
merecidas monografias, sem se sujeitarem ao «canibalismo» incense-
mão e olho que acabam assim por nada semear. quente de Lisboa.
«Uma história de fotografia em Portugal» para servir de base a um
corpus, mesmo que provisório ou transitivo, é a ambição deste livro. - A fotografia em Portugal passa tanto por fotógrafos portugue-
Não procurei fazer um livro de divulgação mas uma síntese de refe- ses que trabalharam por aqui ou em viagem como por estrangeiros
rências. que por aqui passaram.
A escolha do artigo indefinido «uma» para o título foi deliberada. - Raramente houve um sincronismo participante com movimen-
Com ele, dou a entender que não só há várias histórias possíveis, tos artísticos, literários ou pictóricos, sendo quase sempre atitudes
como e sobretudo, é fascinante pensar desde já, nas que ficam por dispersas ou marginais. Em Portugal, a fotografia nunca chegou a ser
escrever. Esta história da fotografia em Portugal levou em conta o objecto de história, crítica ou estética regular e consistente. A própria
facto de não haver qualquer outra publicada até à data. Nesse sentido, imprensa nunca teve qualquer papel credível na sua função divulga-
em lugar de fornecer modelos de leitura ou de sugerir hipotéticas dora, pelo que as fontes são dispersas e inseguras.
conclusões, preferi construir uma história de fotografia, baseada
fundamentalmente em documentos referenciados cronologicamente. - As instituições oficiais ou empresas comerciais nunca apoiaram
É assim que se reúne pela primeira vez um conjunto antológico de claramente as poucas iniciativas inovadoras, de investigação ou expe-
textos e imagens, na sua grande maioria inéditos para o leitor contem- rimentação, que se produziram na fotografia. Pelo contrário, ficaram
porâneo, muitas vezes de difícil localização e consulta, apoiado por sempre presas a toda a espécie de compromissos. Desde 1900 que os
uma bibliografia específica de forma a possibilitar a pesquisa e as produtos fotográficos são considerados mercadoria de luxo. A tenta-
contaminações mais imprevisíveis. tiva para se comercializarem placas negativas portuguesas na década
O leitor poderá, assim, relacionando textos e imagens contempo- de 1900 falhou. No entanto, desde 1932 que se apoiam toda a espécie
râneos uns dos outros, procurar soluções, desenvolver conjecturas, de concursos e salões, sem qualquer critério selectivo.
ou sonhar apenas. - A história em Portugal passa, tal como em muitos países, por
Gostava de referir algumas outras preocupações básicas que tive: uma periódica, e por vezes entediante, discussão sobre «ser ou não
Arte», sobre ser «Técnica» ou «Arte», sobre amadores e profissionais
- Todos os aspectos estéticos da fotografia estiveram -e ainda empenhados na mesquinhez dos concursos. As excepções só confir-
estão- ligados a uma técnica - química e física -, mesmo quando maram a regra.
essa técnica é voluntariamente desprezada, o que implica um vocabu-
- Apesar ·de todas as cíclicas discordâncias e disputas, nunca
lário especializado que não posso evitar sem correr o perigo da infor-
houve uma «secessão» em Portugal. Embora haja confrontações ou
mação superficial. É minha convicção de que as «máquinas», produto
diversidade de posturas estéticas, elas nunca se afirmaram por acções
de imaginação, constroem por sua vez um imaginário próprio através
8 Uma História de Fotografia
des, ruínas, bosques e desertos do mundo_- mas, se taes peregrina- substancia como a elle sonhára, tão sensível à acção immediata da
ções nos não custam nem fadigas nem perigos, nem dinheiro e lar- luz, que esta lhe deixa os vestígios evidentes do seu contacto, d'esse
gos annos, também a idéa que nos trazem das coisas apartadas é . contacto tão sub til e inapreciavel. Estes vestígios ficam representa-
por demais incompleta ou falsa_- e todos esses quadros de mão. dos por côres que teem em cada ponto uma relação perfeita com os
humana são imperfeitos com tudo que d'ella sae. A camara lumi- diversos gráus d'intensidade da mesma luz.
nosa levava grandes vantagens á camara obscura em um sentido_ «Não se cuide, comtudo, haver nesta estampa as proprias côres
se em outro lhes cedia,· porque, se ahi o artista cercado de trevas via do objecto que ellas representam; não, as diversas côres dos origi-
descer o seu papel alvo e nú, as formas perfeitas, córadas e vivas naes só são denotadas e significativas na copia com uma extrema
das coisas externas, e dessas, todas as que lá por fora senão leva- exactidão, pela maior ou menor força da luz, isto é, pelo maior ou
vam e fugiam, as prendia com o lapis e pincel, e compunha, ou menor effeito da impressão da luz: vae do original à copia uma
antes copiava natural e verdadeiro o seu quadro,· por outra parte differença a este repeito bem comparavel com a que Jaz uma gra-
o alcance desta sua magica era sempre mui limitado: e de mais, vura optima d'um painel a oleo cujo ella fôr perfeitíssimo tras-
dado que as formas e cores que primitivamente baixavam ao seu lado.[ .. ]
papel fossem, nem podessem deixar de ser completas e exactas, «A delicadeza dos traços, a pureza das fórmas, a exactidão e
como o prendê-las era trabalho de mão e instrumentos humanos_- harmonia dos tons, a perspectiva aeria, o primor das miudesas,
ahi vinham tambem forçosamente as differenças, os erros e quando isso tudo se representa com a suprema perfeição. A lente, malsim
menos os desprimores. Da camara obscura saiam lindas recorda- terrível das melhores obras de desenho, que em todas encontra
ções abreviadas do mundo circumstante_- mas esses paineis que senões e desares inevitaveis para a arte, gire quanto quizer sobre
mais eram formulas representativas do que emanações reaes dos estas figuras, fite n'ellas, quanto tempo lhe agradar, o seu olho ine-
corpos_- mais retratos levemente desfigurados do que reflexos pro- xoravel, desesperar-se-ha de não descubrir senão perfeições, depois
prios, inteiros e absolutos, esses paineis, requeriam tempo, pacien- perfeições, e sempre em tudo perfeições. Não ha porque nos espan-
cia, arte e uso e uma palheta carregada de todas as cores do íris. temos: a luz, a propria luz foi a pintora.[ . .] Todavia, diz o noti-
D'ora ávante porém, sem palheta, nem lapis, sem preceitos artísti- ciador do Seculo, estas admiraveis representações da natureza,
cos nem, dispendio de horas e dias, que digo, sem mover a mão_ sem certamente por passarem por ellas mãos humanas, carecem do que
abrir os olhos e até dormitando, poderá o viajante enriquecer a quer que seja como objectos d'arte. Coisa admiravel! aquella
sua pasta com todos os monumentos, edifícios e paizagens das lon- mesma potencia que as creou parece ausentar-se logo d'ellas: estas
ges terras, e o amante mais hospede nas bellas-artes, obter por si obras da luz carecem de luz. Nos proprios pontos mais directa-
mesmo o retrato dos seus amores_- tão ao natural como o traz debu- mente clareados ha uma fallencia de vivesa e de lustre: e na ver-
chado no coração, e mais natural ainda porque não lhe faltarão as dade são umas vistas, que a despeito de todas as harmonias de sua
miudesas mínimas que. a vista não alcança e que só a lente lhe impecavel perfeição, como que apparecem sob um ceu denso e
poderia revelar. Os nossos leitores nos estão pedindo impacientes a boreal que as está esmorecendo e esfriando: parece que ao
solução de tão incrível problêma_- o que podemos é apontar-lha, coroarem-se pelo aparelho optico do auctor; todas á uma se reves-
isso vamos fazer. tem do aspecto melancholico do horizonte quando quer anoitecer.
<<Eis aqui o que o Senhor Arago relatou á academia franceza de [ ... ]
cuja é secretário: o Senhor Daguerre_ famigerado pintor de Diapo". «É inegável á vista do que levâmos apontado, que este invento,
rama, andava, largos annos havia, todo embebido em procurar um dos mais admiráveis de nossos tempos, terá largas consequen-
alguma substancia com todas as suas modificações e circumstan- cias em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o pro-
cias_- para este fim andou batendo à porta das varias materias e gresso do luxo util e ajormoseador da sociedade_ mas tambem para
interrogando todos os corpos e invocando toda a natureza. Em o maior aproveitamento das viagens, quer sejam scientificas, ou
tudo é a diligência mãe da boa ventura. Encontrou ao cabo uma artísticas, ou moraes, quer de simples divertimento e recreação.
12 As Primeiras Notfcias 13
Uma História de Fotografia
O auctor, porém, ainda não declarou o seu segredo; e esta immensa descoberto, antes de ler a tal memoria, o meio de vencer tamanha 21
revolução, para arrebentar e espalhar-se por todo o mundo, só difficuldade, e de fixar a imagem de maneira que elle podesse
guarda uma pallavra d'elle, o seu fiat lux. » expor-se á luz sem se destruir ou deteriorar.[... ] !e
«Architectura e Paisagem. A applicação do meu methodo aos í-
O Panorama, Lisboa, 16 de Fevereiro de 1839. casos de que aqui vou faltar é talvez a mais admirável; pelo menos
foi a que assombrou mais as pessoas que examinárão a minha col- ,,
lecção de desenhos feitos à luz do sol. ~
DEZENHO OBTIDO PELA LUZ, «Não há ninguem que ignore os bons effeitos que se obtem da
OU PROCESSO SEGUNDO O QUAL OS OB]ECTOS camara obscura, e que não tenha admirado a facilidade com ella
POR SI MESMOS SE DEZENHARÃO reproduz com todas as cores os objectos collocados da parte de
SEM SOCORRO DE LAPIS.(*) fora: muitas vezes meditava eu no irtteresse que este apparelho offe-
receria se chegassem a fixar-se no papel as engraçadas vistas que
«Na primavera de 1834, diz M Talbot, comecei eu a ensinar um por momentos nelle se pintão, ou mesmo se somente fosse poss{vel
methodo, que ja ha mais tempo eu tinha tenção de experimentar, fixar os contornos e as sombras dos objectos ainda que privados de
com o intento de applicar a um objecto util a propriedade tão todas as cores que os matizão. A facilidade com que eu tinha che-
curiosa que tem o nitrato de prata de corar quando se expõe aos gado a fixar as imagens engradecidas pelo microscopia solar, deu-
raios violentos da luz do sol. Eis o que eu me propuz fazer para -me esperanças de poder pelo mesmo processo obter a imagem dos
aproveitar esta propriedade, que os chimicos ja desde muito tempo objectos co !locados fora da camara obscura, posto que fossem illu-
Unhão descoberto. minados por uma luz muito menos viva. Como na aldea eu não
«Pareceu-me que devia primeiramente estender sobre uma folha tivesse camara obscura fil'-a d'uma grande caixa a que adaptei
de papel sufficiente quantidade, de nitrato de prata, e expor uma uma lente objectiva, a qual enviava a imagem dos objectos exter-
sombra bem Umitada. A luz cahindo, no resto do papel devia faze l- nos para o lado opposto ao em que estava situada. Este apparelho
-o negro, em quanto as partes assombradas se conservarão brancas. provido d'uma folha de papel sensitivo foi collado a 100 varas
Esperava eu que daqui resultasse um dezenho ou imagem que repre- pouco mais ou menos de distancia d'um edifício favoravelmente
sentasse até certo ponto o objecto que a tinha produzido; mas ao allumiado por um sol, de verão ao meio dia. Passada uma hora
mesmo tempo me lembrava que tinha de conservar estes desenhos em achei sobre o papel uma imagem bem distincta d'est edifício,
uma pasta, e que não os podia ver senão a uma luz artificial. excepto das partes que estavam á sombra. Em bem pouco tempo
«Tal foi o meu primeiro projecto antes de ser ampUado e corri- vim a conhecer por experiencia que com pequenos apparelhos era
gido pela experiencia. Só passado tempo, e já depois de ter obtido o effeito produzido em menos tempo, e desta sorte cheguei a obter
resultados inteiramente novos, é que me lembrei de indagar se este com pequenas caixas, e com pequenas lentes muito convexas, dese-
methodo tinha ja sido practicado ou proposto por alguem: soube nhos de notavel exactidão, mas em tão pequenas proporções, que
que com effeito ja tivera sido tentado, mas sem perseverança, e em parecia não poder ser senão o resultado do trabalho d'algum
pequeno numero de cazos: nem mesmo pude descobrir documentos artista lilliputiano, sendo precizo serem examinados com uma
satisfactorios, que foi uma memoria de Sir Humphrey Davy publi- lente para distinguir todos os objectos mínimos que em si se encer-
cada no primeiro Volume do Jornal da Royal lnstitution. A primeira ravão.·
idea destes ensaios parece ser devida a Wedgwood, que, junto com «NO verão 1835 obtive grande número de desenhos da minha
Sir H. Davy, fez grande numero de experiencias, todas baldadas. casa de campo. O methodo que adaptei era o seguinte. Depois de
Um dos maiores obstaculos que estes dous experimentadores en- adaptar uma folha de papel sensitivo ao foco de cada uma destas
contrárão, foi o não poderem jazer com que se deixasse de fazer pequenas camaras obscuras, levava comigo umas poucas que ia
suppor inexequivel o meu projecto, se por fortuna eu não tivesse collocar em differentes posições ao redor da caza; depois de meia
14 Uma História de Fotografia As Primeiras Notfcias 15
hora tirava-as todas achando em cada uma desenhados em minia- «Outra descoberta minha conhecida tambem nesta villa, e por
tura os objectos diante dos quaes esteve collada. algumas pessoas no Rio de janeiro, é a Photographia; o escripto
«Esta descoberta parece-me que deverá ser util aos viajantes que que foi enviado a Paris (1839) levava no fim estes dois títulos: Des-
não souberem desenho, ou também ao artista que nem sempre pode coberta da Photographia, ou impressão pela luz solar. Indagações
ter tempo para reproduzir com o seu (apis todos os objectos, que sobre a fixação das imagens na camara escura pela acção da luz. Um
elle reputa dignos de fixarem a attenção. Posto que a imagem desenho photographado por mim foi apresentado ao Príncipe de
obtida por este trabalho de natureza diffira da que o artista deze- ]oinville e posto no seu album por uma pessoa a quem devo este
nharia, e não possa realmente substituil-a, todavia deve ella ter-se favor. Acabo de ser informado que na Allemanha se tem imprimido
em muitos cazos por feliz podendo obter em tão curtos momentos pela luz, e que em Paris se está levando a fixação das imagens a
a representação d'ojectos, de que nem a lembrança poderia conser- muita perfeição. Como eu tratei pouco da photographia, por preci-
var.[ .. ]» sar de meios mais complicados, e de sufficientes conhecimentos
chimicos, não disputarei descobertas a ninguem, porque uma
Revista Litteraria, Porto, Março de 1839. mesma idéa póde vir a duas pessoas, porque sempre achei
precaridade dos factos que eu alcançava, e a cada um o que lhe é
devido; mas antecipo esta declaração a respeito da Polygraphia,
DESCOBERTA DA POLYGRAPHIA que tem tão bellas propriedades, para que a todo o tempo se con-
heça o seu inventor.» (Diário do Brasil.)
«Ao que acaba de ler-se ácerca dos trabalhos de Breyer em Liege,
devemos accrescentar o artigo seguinte, que, debaixo do titulo de O Recreio, Lisboa, Abril de 1841.
<<Descoberta da Polygraphia>> se lê na Phenix de S. Paulo de 26
d'Outubro, onde apparece assignado por Hercules Florence, genro
do nobre Deputado o Sr. Alvares Machado. Comparem os leitores as
datas, e decidão se o Mundo deve a descoberta da Photographia, ou
pelo menos da Polygraphia, à Europa ou ao Brasil.
«Ha nove anos que trabalho neste novo modo de imprimir, e ha
mais de seis que o exercito nesta villa, tendo tambem desempenhado
encomendas da capital e de outros pontos da província. É pois bem
conhecida esta descoberta entre os Paulistas. Mesmo no Rio de janeiro,
algumas pessoas que tem alta representação publica, alguns distinc-
tos artistas e negociantes bem conhecidos, estão informados de que
inventei a Polygraphia, e, se fosse preciso, daria o nome de muitas pes-
soas respeitáveis. Não tenho dado ampla publicação a esta descoberta,
por querer aperfeiçoa-la, e é bem claro que nesta villa de S. Carlos eu
devia precisar de muitos recursos para adianta-la mais depressa.
Senefelder teve que trabalhar muito anos sem fructo, na Allemanha, • O interesse que estão actualmente excitando as experiencias de M. Daguerre
tão abundante de recursos, luctando com a perspectiva da miséria; sobre a arte de fixar os desenhos na camara obscura faz com que copiemos a memoria
e lithographia levou 17 annos para passar daquelle paiz à França! de M. Talbolt, em que nos dá a história de todos os ensaios que sobre este objecto
tinha feito. Se, como parece, ele obteve resultados menos brilhantes que os que
«A Polygrapbia é já um Jacto averiguado que as artes vão chegou a alcançar o sabio artista francez, tem todavia o merito de reconhecer que
adquirir; a prova é, como já disse, que jazem 6 annos que imprimo havia muito campo a descobrir de indicar o caminho que seguio, e por onde se devia
por ella para o publico desta província. [ ..f marchar. - N. dos RR.
11
1850-1879
OS PIONEIROS DA TÉCNICA DO CÍCLOPE:
TÉCNICAS, ARTES E CIÊNCIAS
As grandes tiragens ainda não se tinham tornado possíveis. Devem-se a José Júlio Rodrigues as primeiras fotografias tiradas à
No seguimento de José A. Bentes e das pesquisas químicas de luz do magnésio, nos túneis de lava da ilha Terceira, nos Açores, em
António Augusto de Aguiar, José Júlio Rodrigues (1843-1893), lente de Março de 1891.
química da Escola Politécnica, desenvolve a heliogravura lithogra- Realizar uma imagem fotográfica era, então, um processo com-
phica e typographica (traço) aplicando a fotografia aos trabalhos de plexo e dispendioso, que exigia paciência, destreza com aparelhos
levantamento físico-geográfico do país. As instalações situavam-se pesados, e rudimentos químicos e físicos nem sempre acessíveis.
r;mma «imensa» oficina de 700 m z no antigo Convento de Jesus (Aca- O seu «modo de usar» era extenso e difícil.
demia das Ciências). A originalidade dos processos de José Júlio Só grandes fortunas (como a de Carlos Relvas) ou uma actividade
Rodrigues baseava-se no aproveitamento combinado das tintas gordas profissional intensa (como a de Camacho ou Rocchini) podiam sus-
e das propriedades da gelatina bicromatada, em 1874. Estes serviços tentar uma pretensa actividade fotográfica diletante ou criativa.
viriam a terminar por dificuldades orçamentais, apesar do apoio ini- Dos textos ou discussões técnicas e de doutrina, começam a
cial do Estado. Prosseguiram-se assim durante c. 28 anos as tradições renascer, depois das primeiras notícias de 1839/40, as preocupações
da cartografia portuguesa. especulativas sobre a natureza da fotografia, sobre as suas relações
com arte e a ciência, sobre arte e técnica:
PORTUC,lJÊS
Técnicas, Artes e Ciências DE FOTOGRAFIA 25
24 A História da Fotografia
,----
muito cedo para Angola, c. 1863, onde o pai teve o primeiro estabele-
cimento fotográfico de Luanda. Começou a fotografar a partir de
1877. É o período das grandes explorações do continente africano
por Serpa Pinto, Ivens e Capela. Com um método invulgar e pioneiro
no rigor científico, etnográfico, antropológico, corográfico e topo- 111
gráfico, publicou África Occidental - «álbuns e collecções de vistas 1880-1898
:IIJJ
e costumes affricanos». Em 1897 voltou para Lisboa e colaborou com AS TÉCNICAS DA ARTE DE VER LENTAMENTE.
Marques Abreu em A Ilustração Moderna, em 1898, e com Emílio I NATUREZAS MORTAS E NATUREZAS VIVAS
Biel em A Arte e a Natureza, em 1902. i
No ano seguinte, em 1880, o Daily Graphic, de New York, publi-
!'
cava a primeira reproduçaõ fotográfica <<tramada» (<<halftone») 'l
enquanto em Portugal continuavam as gravuras em madeira para
sugerirem fotografias ou albuminas coladas, como acontece no
~Ii! Cerca de 1873, Emílio Biel (1838-1915) comprou a Casa Fritz, um dos
primeiros ateliers fotográficos do Porto e iniciou um dos mais impor-
Mundo I/lustrado, em 1878, e n'O Algarve /Ilustrado, em 1880/81. ~: tantes trabalhos de levantamento e documentação do país durante o
século XIX.
1
1882/83 são os anos decisivos para a edição fotográfica com a
utilização da fototipia por Emílio Biel e Carlos Relvas. A fototipia
li revelava-se nas suas qualidades <<neutras» de descrição objectiva -
sem cair na dureza dos contrastes não perdia o recorte dos objectos.
Era o processo ideal para o levantamento de um país virgem que Emí-
dio Biel faria no campo da engenharia e da arquitectura, que Carlos
Relvas faria na paisagem e nas obras de arte, e Cunha Moraes na
África Ocidental.
Em 1883, a Casa Biel edita o catálogo/livro em fototipia para a
Exposição Distrital de Aveiro e começa a documentar a expansão da
implantação do Caminho-de-Ferro (do Douro) a partir de 1884.
No mesmo ano de 1883 Carlos Relvas fotografou e editou, por sua
iniciativa e a suas expensas, a Exposição Retrospectiva de Arte
Ornamental em Portugal. Fizeram-se quatro edições distintas: uma,
encadernada, com 55 fototipias impressas por]. Leipold (este viria a
colaborar com excelentes fototipias no modesto Boletim do Grémio
dos Amadores Photographicos em 1890), outra em duas pastas con-
tendo 123 e 202 fototipias, e outra (única, ao que suponho) com mais
de 500 assinadas pelo autor. A publicação oficial do catálogo original
da exposição (Imprensa Nacional, 1882), com desenhos toscos e
imprecisos, ao contrário da capacidade descritiva das fototipias dos
mesmos objectos, gerou viva revolta e controvérsia na altura.
Carlos Relvas participou com Ildefonso Correia na fundação do
primeiro periódico de fotografia em Portugal: A Arte Photographica