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Contos que valem a pena


Cada semana um novo grande conto

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Arquivo do blog quinta-feira, 7 de janeiro de 2016 Quem sou eu

► 2017 (2)
80 – A loteria – S. Jackson
▼ 2016 (20)
► Outubro (1)
► Setembro (1)
► Agosto (1) Shirley Jackson (1916-1965), escritora norte-americana, Marcelo
Antinori
► Julho (2) escreveu e publicou “A Loteria” em 1948 na Revista The New
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► Junho (2) Yorker. A história narra o que parece ser uma agradável festa completo
► Maio (2) comunitária em uma pequena cidade do interior – cheia de
► Abril (1)
simpáticos personagens – mas no final, uma grande surpresa,
► Março (2)
transforma completamente o conto. A Loteria causou uma
► Fevereiro (4)
reação – medida por cartas à redação – que nenhum outro
▼ Janeiro (4)
83 – conto havia provocado até então e se transformou em um conto
Felicidade –
K. clássico, presente em qualquer antologia de grandes contos
Mansfield norte-americanos. A versão publicada aqui foi escrita de acordo
82 – Carta da
Herdade – com o estilo linguístico de Portugal.
F. Espanca
81 – O
Analista de
Bagé – L. F.
Veríssimo
A Loteria
80 – A loteria
– S. Shirley Jackson
Jackson

► 2015 (52)
► 2014 (28) A manhã de 27 de Junho estava clara e soalheira, com o
fresco calor de um dia de pleno verão; as flores
desabrochavam em profusão e a relva estava de um verde
opulento. As pessoas da aldeia começaram a juntar-se na
praça entre o correio e o banco por volta das dez horas;
nalgumas cidades a gente era tanta que a loteria levava dois
dias, tendo de começar a 26 de Junho, mas nesta aldeia, onde
havia apenas cerca de trezentas pessoas, a loteria levava
menos de duas horas, e podia assim começar às dez da manhã
e estar acabada a tempo de permitir que as pessoas
estivessem de volta a casa à hora de almoço.

As crianças foram as primeiras a juntar-se, claro. A escola


tinha acabado ainda há pouco, para as férias de verão, e a
sensação de liberdade era ainda um tanto contida na maioria
delas; ficaram calmamente em grupo durante um bocado antes
de desatarem na turbulência da brincadeira, e as conversas
ainda eram sobre as aulas e o professor, sobre os livros e as
reprimendas. Bobby Martin já tinha enchido os bolsos de
pedras e os outros rapazes seguiram o exemplo, escolhendo as
pedras mais macias e redondas; Bobby e Harry Jones e Dickie
Delacroix—as pessoas da aldeia pronunciavam “Dellacroy”—
fizeram, por fim, um grande monte de pedras num dos cantos
da praça e ficaram a guardá-lo contra as investidas dos outros
rapazes. As raparigas ficaram à parte a falar umas com as
outras e a olhar por cima do ombro para os rapazes, e as
crianças mais pequenas rolavam na poeira ou mantinham-se
agarrados à mão dos irmãos ou irmãs mais velhos.

Pouco depois, os homens começaram a juntar-se, a


observar os filhos, a falar das plantações e da chuva, dos
tratores e dos impostos. Ficaram todos juntos, afastados do
monte de pedras, num canto, e as suas graças eram calmas
fazendo sorrir, mais do que rir. As mulheres, com vestidos ou
camisolas desbotados, de trazer por casa, chegaram pouco
depois dos homens. Cumprimentavam-se e trocavam
bisbilhotices enquanto se dirigiam para o grupo dos homens
para se juntarem aos maridos. Pouco depois, já junto dos
maridos, começaram a chamar pelos filhos e estes,
contrafeitos, acabavam por vir depois de chamados quatro ou
cinco vezes. Bobby Martin escapou-se da mão da mãe que o
segurava e foi a correr, a rir, para o monte das pedras. O pai
falou-lhe asperamente e Bobby voltou muito depressa tomando
o seu lugar entre o pai e o irmão mais velho.

A loteria era dirigida—tal como os bailes na praça, o clube


dos jovens e o programa do Dia das Bruxas—por Mr. Summers,
que tinha tempo e energias para se devotar a atividades
cívicas. Era um homem jovial, de cara redonda, e tinha o
negócio do carvão, lamentavam-no por não ter filhos e por ter
de aturar uma mulher rabugenta. Quando ele chegou à praça
com a caixa negra de madeira houve um burburinho geral entre
os aldeãos, e ele acenou e disse: «Estou um bocado atrasado,
gente.» O chefe dos correios, Mr. Graves, vinha atrás com um
banquinho de três pés, que foi colocado no meio da praça. Mr.
Summers pôs a caixa em cima do banco. As pessoas da aldeia
mantiveram-se à distância, deixando um espaço entre elas e o
banco, e quando Mr. Summers perguntou «Alguém me pode
dar uma ajuda?», hesitaram até que dois homens, Mr. Martin e
o filho mais velho, Baxter, avançaram para segurar a caixa
sobre o banco enquanto Mr. Summers baralhava os papeis que
se encontravam lá dentro.

A parafernália original da loteria perdera-se há muito


tempo e aquela caixa negra que agora ali estava sobre o banco
já começara a ser utilizada ainda antes de o velho Warner, o
homem mais velho da terra, ter nascido. Mr. Summers dizia
muitas vezes que era preciso fazer uma caixa nova, mas
ninguém queria alterar a tradição que aquela caixa negra
representava. Corria uma estória que dizia que aquela caixa
tinha sido construída com bocados da que a precedera, a que
fora feita quando as primeiras pessoas que fundaram a aldeia
ali se estabeleceram. Todos os anos, após a loteria, Mr.
Summers falava outra vez na caixa nova, mas também todos
os anos deixavam morrer o assunto sem nada fazer. A caixa
negra estava cada ano mais estragada; agora já não era
completamente negra; de um dos lados estava toda estalada e
deixava ver a cor original da madeira, e noutros sítios estava
desbotada ou manchada.

Mr. Martin e o filho mais velho, Baxter, mantiveram a


caixa negra bem firme sobre o banco até Mr. Summers acabar
de baralhar os papeis com a mão. Como uma grande parte do
ritual tinha sido esquecido ou posto de lado, Mr. Summers
conseguira que os bocados de madeira usados durante muitas
gerações fossem substituídos por pequenos quadrados de
papel. Argumentava Mr. Summers que os bocados de madeira
serviam muito bem quando a aldeia era muito pequena, mas
agora que a população já ultrapassava as trezentas pessoas, e
provavelmente ia continuar a aumentar, era necessário utilizar
qualquer coisa que coubesse bem na caixa negra. Na véspera
da loteria, à noite, Mr. Summers e Mr. Graves preparavam os
bocados de papel e metiam-nos na caixa e depois esta era
levada para o cofre da empresa de Mr. Summers, onde ficava
fechada até este a levar para a praça na manhã seguinte.
Durante o resto do ano a caixa ficava guardada ora num lugar
ora noutro; um ano ficara no celeiro de Mr. Graves, noutro, no
correio e às vezes punham-na numa prateleira da mercearia de
Martin e lá ficava.

Havia uma série de pequenas coisas a fazer antes de Mr.


Summers declarar aberta a loteria. Tinham de fazer-se listas—
dos chefes das famílias, dos chefes dos vários núcleos de cada
família e dos elementos que faziam parte de cada núcleo.
Havia ainda o juramento de Mr. Summers como presidente da
loteria perante o chefe dos correios, uma ladainha formal que
todos os anos era devidamente despachada; uns diziam que o
presidente da loteria costumava ficar apenas de pé a recitá-la
ou a cantá-la; outros, que ele devia andar entre as pessoas,
mas já tinham deixado cair esta parte do ritual no esquecimento
há muitos muitos anos. Havia também uma saudação ritual que
o presidente da loteria tinha de dirigir a cada pessoa que vinha
tirar o papel da caixa, mas também isto tinha mudado com o
tempo e agora só se esperava do presidente que falasse com
cada pessoa que se aproximava. Mr. Summers era bom em
tudo isto; de camisa branca e calças de ganga, uma mão
descuidada pousada sobre a caixa negra, estava com um ar
muito digno e importante enquanto falava interminavelmente
com Mr. Graves e com os Martin.

Precisamente nessa altura, quando Mr. Summers


acabava a conversa e se voltava para as pessoas ali reunidas,
apareceu Mrs. Hutchinson, de camisola sobre os ombros, a
correr apressada pelo caminho que levava à praça, tomando
depois lugar atrás do ajuntamento.

— Com as limpezas, esqueci-me que dia era hoje —


disse ela a Mrs. Delacroix, que estava a seu lado, e ambas se
riram baixinho. — Pensei que o meu homem andava fora a
empilhar madeira — continuou ela — e então olhei pela janela
e vi que os garotos não estavam e lembrei-me que hoje era o
dia 27 de Junho e vim a correr — Limpou as mãos ao avental e
Mrs. Delacroix disse:

— E ainda chegou a tempo. Eles ainda estão para ali a


conversar.

Mrs. Hutchinson esticou o pescoço para espreitar através


do ajuntamento e viu o marido e os filhos quase na frente. Deu
uma pancadinha de despedida no braço de Mrs. Delacroix e
abriu caminho pelo meio das pessoas; duas ou três disseram
suficientemente alto para serem ouvidas por toda a gente:
«Vem aqui Mrs. Hutchinson» e «Bill, afinal ela sempre veio».
Mrs. Hutchinson chegou junto do marido, e Mr. Summers, que
estivera à espera, disse alegremente:

— Já estava a pensar que tínhamos de continuar sem ti,


Tessie. — E Mrs. Hutchinson respondeu com um risinho:

— Com certeza que não querias que eu deixasse a louça


no lava-louça, pois não, Joe? — E gargalhadas baixinhas
correram o ajuntamento enquanto as pessoas se acomodavam
nos seus lugares depois da chegada de Mrs. Hutchinson.

— Bem, agora — disse Mr. Summers com ar sério —


acho que era melhor começarmos com isto, para depois
voltarmos para o trabalho. Falta alguém?

— Dunbar — disseram alguns — Dunbar, Dunbar.

Mr. Summers consultou a sua lista.

— Clyde Dunbar — disse. — Está certo. Ele partiu uma


perna, não foi? Quem tira a sorte por ele?

— Acho que sou eu — disse uma mulher, e Mr. Summers


voltou-se para ela.

— A mulher tira pelo marido — disse. — A senhora não


tem um filho adulto que o faça por si? — Embora Mr. Summers
e toda a outra gente soubesse muito bem a resposta, era
obrigação do presidente da loteria fazer formalmente a
pergunta. Mr. Summers esperou delicadamente pela resposta
de Mrs. Dunbar.

— Horace ainda só tem dezesseis anos — lamentou Mrs.


Dunbar. — Acho que este ano tenho de ser eu a tomar o lugar
do meu homem.

— Muito bem — disse Mr. Summers, e tomou nota na


lista que tinha na mão. Depois perguntou:

— O filho do Watson vem tirar a sorte este ano?

Um rapaz alto, no meio do ajuntamento, levantou o braço.

— Estou aqui — disse ele. — Vou tirar pela minha mãe e


por mim — Piscou os olhos nervosamente e baixou a cabeça
quando várias vozes no meio das pessoas disseram coisas
como, «Um bom rapaz, este Jack» ou «Ainda bem que a tua
mãe tem um homem para o fazer».

— Bom — disse Mr. Summers — parece-me que está


toda a gente. O velho Warner está?

— Estou aqui — disse uma voz, e Mr. Summers fez que


sim com a cabeça.

As pessoas ficaram subitamente em silêncio quando Mr.


Summers pigarreou e olhou para a lista.

— Estão todos prontos? — perguntou. — Ora agora vou


chamar pelos nomes—primeiro, os chefes das famílias—e os
homens vêm tirar um papel da caixa. Guardem o papel dobrado
na mão e não o abram sem que toda a gente tenha tido a sua
vez. Entendido?

As pessoas já tinham feito aquilo tantas vezes que já mal


escutavam as instruções; a maioria estava em silêncio a molhar
os lábios, sem olhar à volta. Depois Mr. Summers levantou o
braço bem alto e disse:

— Adams.

Um homem saiu o meio das pessoas e avançou.

— Olá, Steve — disse Mr. Summers. E Mr. Adams


respondeu:

— Olá, Joe. — Sorriram um para o outro sem graça e


nervosamente. Depois Mr. Adams meteu a mão na caixa e tirou
um papel dobrado. Segurou-o firmemente por um dos cantos
enquanto se virava para se dirigir rapidamente de volta ao seu
lugar no meio do ajuntamento, onde ficou um pouco afastado
dos seus sem olhar para baixo para a mão.

— Allen — disse Mr. Summers. — Anderson…


Bentham…

— Dá a impressão de que já não passa quase tempo


nenhum entre as loterias — disse Mrs. Delacroix para Mrs.
Graves na fila de trás. — Parece que ainda foi ontem a última.

— Realmente o tempo passa mesmo depressa — disse


Mrs. Graves.

— Clark… Delacroix.

Lá vai o meu homem — disse Mrs. Delacroix, e susteve a


respiração enquanto o marido avançava.

— Dunbar — disse Mr. Summers, e Mrs. Dunbar dirigiu-


se decididamente para a caixa, enquanto uma das mulheres
dizia «Força, Janey», e outra, «Lá vai ela».

— A seguir somos nós — disse Mrs. Graves, e ficou a ver


Mr. Graves dar a volta à caixa, saudar Mr. Summers com ar
grave e tirar um papel da caixa. Nesta altura viam-se por todo o
ajuntamento homens com pequenos papeis dobrados na mão,
virando-os de um lado e doutro nervosamente. Mrs. Dunbar e
os seus dois filhos estavam juntos, ela com o papel na mão.

— Harburt… Hutchinson.

— Despacha-te, Bill — disse Mrs. Hutchinson, e as


pessoas ali ao pé riram-se.

— Jones.

— Dizem que na aldeia lá em cima no norte — disse Mr.


Adams ao velho Warner, que estava junto dele — andam a falar
em acabar com a loteria.

O velho Warner bufou e respondeu:

— São um bando de idiotas. Se se vai dar ouvidos ao que


os jovens querem, nada lhes basta, e mal damos por isso já
eles querem voltar a viver nas cavernas, sem trabalhar, a viver
assim por uns tempos. Dizia-se antigamente que «Loteria em
Junho feita, sinal de boa colheita». Em pouco tempo
estaríamos todos a comer bolota. Sempre houve a loteria —
acrescentou com irritação. — E não é nada bom ver aquele
rapaz, o Joe Summers, a brincar com toda a gente.

— Nalguns lugares, já acabaram mesmo com as loterias


— disse Mrs. Adams.

— Isso só traz problemas — respondeu o velho Warner


determinado. — Um bando de idiotas.

— Martin.

E Bobby Martin viu o pai avançar

— Overdyke… Percy.

— Era bom que se despachassem — disse Mrs. Dunbar


para o filho mais velho.

— Já foram quase todos — respondeu o filho.

— Prepara-te para ir a correr dizer ao teu pai — disse-lhe


Mrs. Dunbar.

Mr. Summers chamou pelo seu próprio nome e avançou


escrupulosamente, tirando um papel da caixa. Depois
continuou:

— Warner.

— É o meu septuagésimo sétimo ano de loteria — disse


ele enquanto ia pelo meio das pessoas. — A septuagésima
sétima vez.

— Watson.

O rapaz alto aproximou-se desajeitado pelo meio das


pessoas. Alguém disse, «Não fiques nervoso, Jack» e
Summers acrescentou, «Tem calma, rapaz».

— Zanini.

Depois disto, houve uma longa pausa, uma pausa


ofegante, até que Mr. Summers, com o seu papel no ar, disse:

— Muito bem, meus amigos — Por momentos ninguém


se mexeu, e depois todos os quadrados de papel foram
abertos. De repente, todas as mulheres começaram a falar ao
mesmo tempo, dizendo, «Quem foi?», «Quem é que o tirou?»,
«Foram os Dunbar?», «Foram os Watson?». Então começaram
a ouvir-se vozes que diziam, «Foi o Hutchinson. Foi o Bill.»,
«Foi o Bill Hutchinson que o tirou.»

— Vai dizer ao teu pai — disse Mrs. Dunbar para o filho


mais velho.

As pessoas começaram a procurar os Hutchinson com os


olhos. Bill Hutchinson ficou calado a olhar para o papel que
tinha na mão. E subitamente Tessie Hutchinson gritou para Mr.
Summers:

— Tu não lhe deste tempo para ele tirar o papel que


quisesse. Eu vi. Não está certo.

— Não sejas injusta, Tessie — disse Mrs. Delacroix.

E Mrs. Graves:

— Todos tivemos as mesmas possibilidades.

— Cala a boca, Tessie — disse Bill Hutchinson.

— Bom, pessoal — disse Mr. Summers — isto andou


muito depressa e agora temos de continuar para acabarmos a
horas. — Consultou a lista seguinte.

— Bill — disse ele — tu tiraste pela família Hutchinson.


Há mais alguns lares Hutchinson?

— Há o Don e a Eve — gritou Mrs. Hutchinson. —


Façam-nos tentar a sua sorte!

— As filhas tiram a sorte pelas famílias dos maridos,


Tessie — disse Mr. Summers delicadamente. — Sabes isso tão
bem como eu.

— Isto não foi justo — disse Tessie.

— Acho que não, Joe — disse Bill Hutchinson pesaroso.


— A minha filha tira pela família do marido, e isso está certo. E
eu não tenho mais família além dos miúdos.

— Então, no que diz respeito a famílias és tu — explicou


Mr. Summers — e no que respeita a lares também és tu. Certo?

— Certo — respondeu Bill Hutchinson.

— Quantos miúdos são, Bill? — perguntou Mr. Summers


formalmente.

— Três — respondeu Bill Hutchinson. — O Bill Jr., a


Nancy e o pequeno Dave. E a Tessie e eu próprio.

— Muito bem — disse Mr. Summers. — Harry, já tens os


papeis?

Mr. Graves fez que sim e mostrou os papeis.

— Então, mete-os na caixa — disse ele. — Pega no do


Bill e mete-o lá também.

— Eu acho que devíamos começar outra vez do princípio


— disse Mrs. Hutchinson tão calmamente quanto lhe foi
possível. — Volto a dizer-te, isto não foi justo. Tu não lhe deste
tempo suficiente para ele escolher. Toda a gente viu.

Mr. Graves tinha já selecionado os cinco papeis e meteu-


os na caixa, deixando cair todos os outros no chão, onde o
vento os apanhou e espalhou pelo ar.

— Ouçam todos com atenção — dizia Mrs. Hutchinson


para os que estavam à sua volta.

— Estás pronto, Bill? — perguntou Mr. Summers, e Bill


Hutchinson com um rápido olhar para a mulher e os filhos, fez
que sim com a cabeça.

— Não se esqueçam — disse Mr. Summers. — Tirem os


papeis e guardem-nos dobrados até que todos tenham tirado o
seu. Harry, ajuda aí o Dave.

Mr. Graves pegou na mão do garoto, que o acompanhou


de boa vontade até à caixa.

— Tira um papel da caixa, Davy — disse Mr. Summers.

Dave meteu a mão na caixa e riu-se.

— Tira só um — disse Mr. Summers. — Harry, guarda-lhe


o papel.

Mr. Graves tirou-lhe o papel da mão fechada e guardou-o,


enquanto o pequeno Dave continuava junto dele a olhá-lo
intrigado.

— Agora a Nancy — disse Mr. Summers.

Nancy tinha doze anos e os seus companheiros da escola


sustiveram a respiração quando ela avançou, de saia a abanar,
e tirou graciosamente um papel da caixa.

— Bill Jr. — disse Mr. Summers.

E Billy, de rosto corado e pés grandes, quase derrubou a


caixa ao tirar o papel.

— Tessie — disse Mr. Summers.

Ela hesitou por momentos a olhar à volta em ar de


desafio e depois apertou os lábios, dirigiu-se para a caixa, tirou
um papel lá de dentro e guardou-o atrás das costas.

— Bill — continuou Mr. Summers.

E Bill Hutchinson meteu a mão na caixa, tateou lá dentro


e por fim retirou a mão, onde vinha um papel.

As pessoas calaram-se. Uma rapariga sussurrou:


«Espero que não seja a Nancy.» E aquele sussurro chegou até
às franjas do ajuntamento.

— Isto já não é como dantes — disse o velho Warner bem


alto. — As pessoas já não são como eram.

— Muito bem — disse Mr. Summers. — Abram os papeis.


Harry, abre tu o do pequeno Dave.

Mr. Graves desdobrou o papel e houve um suspiro de


alívio geral quando ele o mostrou e toda a gente viu que estava
em branco. Nancy e Bill Jr. abriram os deles ao mesmo tempo e
ambos irradiaram alegria e se riam, voltando-se para as
pessoas a exibir os papeis por cima das cabeças.

— Tessie — disse Mr. Summers. Houve uma pausa e


depois Mr. Summers olhou para Bill Hutchinson, e Bill
desdobrou o papel e mostrou-o. Estava em branco.

— É a Tessie — disse Mr. Summers, e a sua voz saiu


abafada. — Mostra o papel dela, Bill.

Bill Hutchinson dirigiu-se para a mulher e arrancou-lhe o


papel da mão. Tinha um ponto negro, o ponto negro que Mr.
Summers lhe tinha posto na véspera à noite com o lápis grosso
no escritório da empresa de carvão. Bill Hutchinson ergueu-o
no ar e a multidão agitou-se.

— Muito bem, gente — disse Mr. Summers. — Vamos lá


acabar com isto depressa.

Embora tivessem já esquecido os rituais e perdido a caixa


negra original, os aldeões ainda sabiam atirar pedras. O monte
das pedras que os rapazes tinham feito mais cedo estava
pronto; havia pedras no chão juntamente com os papeis que
tinham saído da caixa. Mrs. Delacroix escolheu uma pedra tão
grande que teve de a apanhar com ambas as mãos, e dirigiu-se
a Mrs. Dunbar:

— Vamos lá — disse — Despache-se.

Mrs. Dunbar tinha pedras pequenas nas duas mãos e


disse respirando fundo:

— Eu não posso correr. Vai tu à frente que eu já te


apanho.

As crianças já tinham as pedras e alguém deu ao


pequeno Dave alguns seixos.

Tessie Hutchinson estava agora no meio de uma clareira


e levantava os braços desesperadamente à medida que as
pessoas apertavam o cerco.

— Não é justo — dizia.

Uma pedra atingiu-a num dos lados da cabeça.

O velho Warner dizia:

— Vamos lá, vamos lá, toda a gente.

Steve Adams estava na frente de todos com Mrs. Graves


a seu lado.

— Não é justo, não é justo — gritava Mrs. Hutchinson, e


eles atiraram-se a ela.

Postado por Marcelo Antinori às 13:26

Um comentário:

@nelsonteixeira.com 7 de janeiro de 2016 14:38

Digno de um tempo onde dessas sombras, os castigos saiam e os motivos a eles se


convergiam, prontos afinal, para o conto 2,3,4,5,6,7,8,9, e no final conto 10...
Por que mentiram e em corpos se vestiram?
Afinal, de que mal e tempero queriam ser julgados, por eles mesmos, os comparsas haja
em que o céu não decidiu-se por julgamento algum a presenteá-los!?
Em meu livro, SERES PERCORRENTES<>O ANDARILHO VIVE! -, no Tempo e Espaço de
Fora, Hitler e os seus se enlouqueciam porque igualmente o suposto Deus não aparecia
para julgá-los, em tempos que choravam a ser medidos ou aliciados, em pura memória de
dor, de à cada um com sua tormenta, por que Deus não vivia a julgá-los?
Lógico que nada igual, apenas uma vertente pode ter o mesmo olhar, se não sofrer e
imolar-se junto aos seus.
De, Nelson Teixeira
Por, Nelson Alexander Balder de Teixeira Terceiro

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