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quinta, 04 de fevereiro de 2021 | ISSN 1519-7670 - Ano 21 - nº 1123

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Feitos & Desfeitas


BOOK NA MESA NOTÍCIA
As ‘pérolasʼ de Paulo Coelho
Edição 347
por J. Milton Gonçalves
19 de setembro de 2005

! Aos leitores
Os artigos publicados nesta página não
refletem necessariamente uma opinião do
" Observatório da Imprensa, já que somos
‘Tratado a tapas e pontapés, nosso idioma ainda é mistério um fórum de opiniões. Procuramos
publicar os textos recebidos como parte de
% para muitos — mesmo para os que vivem dele!ʼ (Josué nosso compromisso com a diversificação
Machado) das fontes de informação. Como ninguém é
dono da verdade, a melhor forma de
& buscar a objetividade é através do contato
com perspectivas e opiniões diferenciadas,
A presente crítica mostra as duas faces de Paulo Coelho: o que nos permite neutralizar o discurso do
'
ódio e da intolerância.
escritor de imaginação fértil, mas que se revela medíocre no
manejo da linguagem escorreita.

A apreciação minuciosa do livro O alquimista (do referido ARTIGOS RECENTES

autor) não deve ser tomada como uma ofensa de caráter Atlas da Notícia de
2020 mostra o avanço
pessoal; o intuito é mostrar – principalmente aos leitores do digital nos
desertos de notícias
jovens e aos jornalistas – que nossa língua tem normas e
por Equipe Atlas da
regras que precisam ser obedecidas (sem as quais – quer Noticia
3 de fevereiro de 2021
queiram quer não queiram alguns – nossos objetivos jamais
serão alcançados), pois, como observa o gramático Sacconi,
Jornalismo digital
‘não há profissional sério que não sinta a necessidade de reduz abrangência de
desertos de notícia
utilizar a norma culta; não há profissional respeitado que não por Sérgio Spagnuolo

tenha suficientes razões para conhecê-laʼ. 2 de fevereiro de 2021

O avanço do digital
nos desertos de
notícias
O escritor Paulo Coelho, que diz já ter encontrado sua pedra
por Sergio Ludtke
filosofal, precisa urgentemente encontrar uma boa gramática, 2 de fevereiro de 2021

um bom dicionário, e, se preferir – é claro! – uma pitada


de mundrunga para resolver sua deficiência vernácula. Atlas da Notícia é
fonte de diversos
estudos sobre
jornalismo
por Jade Drummond
Numa entrevista à revista Playboy, o rei dos best-sellers disse 2 de fevereiro de 2021

que consegue separar nuvens com a força da mente, parar o


Centro-Oeste é a
tempo, fazer chover e até ficar invisível (entre outras coisas região com menor
concentração de
fantasmagóricas). Se nosso mago literário tem tantos poderes deserto de notícia
assim, bem que poderia invocar os espíritos dos grandes por Angela Werdemberg
2 de fevereiro de 2021
escritores brasileiros para expressar suas idéias, sem
maltratar tanto o nosso idioma.

Encontram-se, aqui, apenas algumas das ‘pérolasʼ extraídas OI NO FACEBOOK

do seu famoso livro O publicado pela Editora Rocco, edição de


Observatório da Imprensa
número 159. É isto mesmo: centésima qüinquagésima nona 288.852 curtidas

edição. Sinto um extraordinário dó pelos leitores da primeira


edição:
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***

1. ‘Lembrou-se da espada — foi um preço caro contemplá-la


um pouco, mas também nunca tinha visto algo igual antes.ʼ
(Pág. 71)

Preço caro é erro indecoroso. Caro já significa de preço


elevado. O correto é dizer que o produto está caro ou o preço
está alto, exagerado, excessivo (o que não é nenhuma
novidade hoje em dia).

2. ‘Haviam certas ovelhas, porém, que demoravam um pouco


para levantar.ʼ (Pág. 22)

Não há registro, em nossa literatura, de nenhum outro escritor


que tenha empregado haver no plural, com o sentido de
existir. Não se pode atribuir a culpa ao revisor, uma vez que
esse modelo de concordância aparece mais de dez vezes em
todo o livro.

Demorar, no sentido de tardar, custar, usa-se com a, e não


com para: Demorou a retornar à casa dos pais.

Levantar é sinônimo de erguer; levantar-se é que significa


pôr-se de pé.

3. ‘Há dois dias atrás você disse que eu nunca tive sonhos de
viajar.ʼ (Pág. 86)

A impressão que fica é que PC adora brincar de escrever


português. Qualquer pessoa com dois dedinhos de leitura
descontraída sabe que há e atrás não combinam.

‘Há dois dias atrásʼ é expressão redundante, pois a idéia de


passado já está contida no verbo haver, sendo desnecessário
o uso do advérbio atrás. Só um cego não vê que os dois
termos estão brigando. A excrescência também ocorre nas
páginas 103, 133, 161, 210, 242…

4. ‘O teto tinha despencado há muito tempo, e um enorme


sicômoro havia crescido no local que antes abrigava a
sacristia.ʼ (Pág. 21)

‘Fazia aquilo há anos, e já sabia o horário de cada pessoa.ʼ


(Pág. 76)

Definitivamente o verbo haver é uma enorme pedra no sapato


do nosso alquimista. Quando o verbo haver é usado com
outro no tempo imperfeito (ou mais-que-perfeito), emprega-
se havia, e não há: ‘Quando você chegou, eu já estava na sala
havia cinco minutosʼ. (Arnaldo Niskier)

O mesmo erro encontra-se ainda nas páginas 22, 83, 133, e


157…

5. ‘Em 1973, já desesperado com a ausência de progresso,


cometi uma suprema irresponsabilidade. Nesta época eu era
contratado pela Secretaria de Educação de Mato Grosso…ʼ
(Pág. 8)

Nesta época refere-se ao período em que o escritor estava


escrevendo, e não a 1973. Nessa é que se usa com referência
a tempo passado ou futuro. Naquela seria outra opção
ajuizada. Os erros se repetem nas páginas 50, 54, 77, 119,
143, 238…

6. ‘— Então, nas Pirâmides do Egito, — ele falou as três


últimas palavras lentamente, para que a velha pudesse
entender…'(Pág. 37)

O verbo falar é intransitivo (não pede complemento); o verbo


dizer é que se usa transitivamente. Falar só se usa com objeto
em expressões como falar verdade, falar inglês, francês etc.

Veja outros casos em que o verbo falar foi usado


indevidamente:

‘Por isso lhe falei que seu sonho era difícil.ʼ (Pág. 38)

‘O velho, entretanto, insistiu. Falou que estava cansado, com


sede…ʼ (Pág. 42)

Antes da palavra que, usa-se dizer, e não falar.

7. ‘E quero que saiba que vou voltar. Eu te amo porque…ʼ (Pág.


189)

Fazer alquimia com as pessoas de tratamento, parece ser a


diversão preferida de Paulo Coelho. O próximo exemplo é
ainda mais dramático:

‘— Eu te amo porque tive um sonho… Eu te amo porque todo o


Universo conspirou para que eu chegasse até você.ʼ (Pág.
190)

Sei que é covardia comparar PC com um dos clássicos de


nossa literatura. Mas confesso que não resisti à tentação.
Compare este trecho de Machado de Assis, extraído de Dom
Casmurro: ‘Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a,
fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me
com ela a vossos pés…ʼ

8. ‘Por isso costumava às vezes ler… ou comentar sobre as


últimas novidades que via nas cidades por onde costumava
passar.ʼ (Pág. 22)

Não se diz comentar sobre alguma coisa , mas sim comentar


alguma coisa: ‘Todos comentavam o desastre.ʼ (Aurélio)

Dizer últimas novidades é chover no molhado. Novidade já


pressupõe algo novo ou acontecimento recente. Não vou dizer
que a expressão às vezes deveria estar entre virgulas, para
não me tacharem de ranzinza. Veja outros deslizes
semelhantes:

‘O pastor contou dos campos de Andaluzia, das últimas


novidades que viu nas cidades onde visitara.ʼ (Pág.24)

‘A gente sempre acaba fazendo amigos novos, e não precisa


ficar com eles dia após dia.ʼ Pág. 40)

‘O alquimista enfiou a mão dentro do buraco, e depois enfiou


o braço até o ombro.ʼ (Pág. 184)

Últimas novidades… fazer amigos novos... enfiar dentro…


Por que será que os alquimistas gostam de fazer isso com a
gente? Por quê?!

9. ‘Todos os dias o rapaz ia para o poço esperar Fátima.ʼ (Pág.


157)

A preposição a indica deslocamento rápido, provisório; para,


permanência definitiva: Quem vai à praia vai passear; quem
vai para o litoral vai morar lá.

10. ‘Entretanto, à medida em que o tempo vai passando,


…‘(Pág. 47)

Não existe a expressão à medida em que, mas sim à medida


que.

11. ‘O rapaz deu uma desculpa qualquer para não responder


aquela pergunta.'(Pág. 25)

‘Então ele sentiu uma imensa vontade de ir até lá, para ver se
o silêncio conseguia responder suas perguntas.ʼ (Pág. 161)

Quem responde responde a alguma coisa: (responder àquela


pergunta, responder a suas (ou às suas) perguntas)

12. ‘O rapaz assistiu aquilo tudo fascinado.ʼ (Pág. 207)

O verbo assistir no sentido de observar exige a preposição a.


A expressão àquilo tudo equivale a a tudo aquilo.

13. ‘Mas tinha a espada em sua mão.ʼ (Pág. 175)

‘…Um cavaleiro todo vestido de negro, com um falcão em seu


ombro esquerdo.ʼ (Pág. 173)

Não se emprega o possessivo quando se trata de parte do


corpo, qualidade do espírito ou peças do vestuário. Nesse
caso, usa-se apenas o artigo: (na mão, no ombro).

14. ‘A menina ficava deslumbrada quando ele começava a lhe


explicar que as ovelhas devem ser tosquiadas de trás para
frente.ʼ (Pág. 41)

‘— Daqui para frente você vai sozinho — disse o Alquimista.ʼ


(Pág. 229)

A expressão correta é para a frente (sempre com a presença


do artigo). Qualquer gramática elementar registra isso.

15. ‘Ao invés de encontrar um homem santo, porém, o nosso


herói entrou numa sala e viu uma atividade imensa…ʼ (Pág. 58)

‘Ao invés do aço ou da bala de fuzil, ele foi enforcado numa


tamareira também morta.ʼ (Pág. 178)

A locução ao invés de só se usa quando há idéias opostas;


significa ao contrário de: Ao invés de atacar, o time só joga na
retranca. Quando as alternativas não são contrárias, utiliza-se
em vez de, que quer dizer em lugar de: Em vez de jogar com
dois atacantes, o time jogou apenas com um.

16. ‘Tinham-se passado onze meses e nove dias desde que ele
havia pisado no continente africano.ʼ (Pág. 95)

O verbo pisar é transitivo direto; rejeita, pois, a preposição


em. (Corrija-se para: …havia pisado o continente)

‘O chão estava coberto com os mais belos tapetes que já


havia pisado, e do teto pendiam lustres de metal amarelo
trabalhado, coberto de velas acessas.ʼ (Pág. 167)

Aqui o verbo pisar foi empregado corretamente. O exemplo só


perde o brilho devido ao erro que aparece na última palavra. É
culpa do revisor.

17. ‘Quase ia falando do tesouro, mas resolveu ficar calado.


Senão era bem capaz do árabe querer uma parte…ʼ (Pág. 65)

Na linguagem escorreita não se usa capaz por provável (nem


possível), fato comum na comunicação descontraída, em
portas de botequins: (…era bem provável que o árabe
quisesse).

18. ‘A África ficava a apenas algumas horas da Tarifa.ʼ (Pág.


43)

‘Ah, se eles soubessem que a apenas duas horas de barco


existem tantas coisas dife- rentes.ʼ (Pág. 71)

‘Estamos há apenas duas horas da Espanha.ʼ (Pág. 65)

O advérbio apenas não deve ficar entre a preposição e o


termo regido.Corrija-se para apenas a.

Não se deve dizer da Tarifa, como está no primeiro exemplo, e


sim de Tarifa. Com exceção de Cairo, Rio de Janeiro e Porto,
nomes de cidade não exigem artigo.

A presença da palavra há exercendo o papel de preposição, no


terceiro exemplo, é um pecado inominável. Não é coisa de
gente sóbria.

Desculpe-me de minha franqueza, meu prezado alquimista,


mas quem redige dessa maneira não deve ter a menor
consideração para com seus leitores.

19. ‘Já não havia mais a esperança e a aventura…ʼ (Pág. 79)

O uso simultâneo de já e mais constitui redundância. Elimine


um dos dois termos, e a oração ficará irrepreensível.

‘Se a gente não for como elas esperam ficar, chateadas.ʼ (Pág.
40)

Tarefa ingrata é tentar descobrir o sentido dessa frase.


Cabeça de mago e bumbum de criança sempre têm coisas
estranhas, muito estranhas…

20. ‘‘O pipoqueiroʼ, disse para si mesmo, sem completar a


frase.ʼ (Pág. 55)

Ora, se a frase não foi concluída, então a expressão deve


terminar com reticências. Pois a função dos três pontos é
exatamente indicar a omissão intencional de uma coisa que se
devia ou podia dizer:

Correção: ‘O pipoqueiro…ʼ

21. ‘Depois de vencidos os obstáculos, ele voltava de novo…ʼ


(Pág.113)

Obstáculos não se vencem; superam-se. Os desafios é que


são vencidos.

22. ‘E que tanto os pastores, como os marinheiros, como os


caixeiro-viajantes, sempre conheciam…ʼ (Pág. 26)

Nas palavras compostas por substantivo + adjetivo,


flexionam- se os dois elementos.

23. ‘Assim que sentaram na única mesa existente, o Mercador


de Cristais sorriu.ʼ (Pág. 78)

Sentar na mesa deve ser muito engraçado mesmo. Os


alquimistas, assim como os políticos, talvez tenham por
hábito sentar na mesa; pessoas normais, contudo, sentam-
se à mesa.

24. ‘Naquela época não havia imprensa… Não havia jeito de


todo mundo tomar conheci-mento da Alquimia.ʼ (Pág. 133)

Devemos empregar todo o e toda a quando essas expressões


equivalerem a o …inteiro e a …inteira: Não havia jeito de o
mundo inteiro tomar conhecimento da Alquimia. Todo e toda
(sem o artigo) significa qualquer. Toda gramática ensina isso.

25. ‘A visão logo sumiu, mas aquilo lhe deixou sobressaltado.ʼ


(Pág. 162)

Segundo mestre Aurélio, o verbo deixar no sentido de ‘fazer


que fique (em certo estado ou condição); tornar é transitivo
direto: Deixei-o alegre; A transação deixou-o ricoʼ.

Na página 167, PC escreveu com rara sobriedade: ‘O que viu


deixou-o extasiadoʼ.

26. ‘Para quê tanto dinheiro?ʼ (Pág. 203)

O acento só se justificaria se o que estivesse no final da frase:


‘Tanto dinheiro para quê?ʼ.

27. ‘Mas de repente a vida me deu dinheiro suficiente, e eu


tenho todo o tempo que preciso.ʼ (Pág. 100)

Na linguagem apurada, o verbo precisar não abre mão da


preposição de: (todo o tempo de que preciso), a menos que
ele venha antes de infinitivo.

Sem querer me parecer ranheta, acho que ‘de repenteʼ ficaria


bem entre vírgulas. É só uma questão de estilo…

28. ‘As pessoas preferem casar suas filhas com pipoqueiros


do que com pastores.ʼ (Pág. 49)

O correto é preferir uma coisa a outra, e nunca do que


outra. (Corrija-se para: …pipoqueiros a casá-las com
pastores.)

29. ‘Então os guerreiros viviam apenas o presente… e eles


tinham que prestar atenção em muitas coisas.ʼ (Pág. 164)

‘No presente é que está o segredo; se você prestar atenção


no presente, poderá melhorá-lo.ʼ (Pág. 166)

Presta-se atenção a alguém ou a alguma coisa, e não em.

30. ‘Ninguém disse qualquer palavra enquanto o velho falava.ʼ


(Pág. 170)

‘O camelos são traiçoeiros: andam milhares de passos, e não


dão qualquer sinal de cansaço.ʼ (Pág. 181)

Qualquer se usa nas orações declarativas afirmativas; nas


negativas, usam-se nenhum e suas variações: ‘Veio duma
cidade qualquer, sua vida não foi boa nem má; foi como a dos
homens comuns, a dos que não fizeram nenhum destino…ʼ
(Cecília Meireles)

31. ‘A velha pediu para que ele repetisse o juramento olhando


para a imagem do Sagrado Coração de Jesus.ʼ (38) (Correção:
…pediu que ele…)

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