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Domingo, 7 de Janeiro de 2024 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 12.

2.302 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

RUI GAUDÊNCIO
Fernando Alves
“Deixámos de ir ao
fim do mundo. E às
vezes nem [vamos]
ao fim da rua”
P4 a 11
2 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

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Entrevista A marca de sapatilhas Reportagem
Índice Fernando Alves
“A TSF foi tomada por um grupo
Veja quer ser “uma crítica
ao capitalismo actual”
O ofício
de estar preso
de gente que não é Äável”

O logótipo Desalinho
Cristina Sampaio
da República

Protopia
Graça Castanheira

N
o início do documen- razões, acerta com Portugal enquan-
tário, tudo era interes- to ideia. Ainda que com problemas
sante: ver uma perso- estruturais graves, somos uma demo-
nagem entrar por uma cracia vibrante. As quinas, os caste-
porta, dirigir-se a uma linhos e a esfera armilar, no universo
cadeira, sentar-se, pu- da representação política e governa-
xar de um caderno, escrever. Até mental, dão-nos um ar pomposo,
podia não se tratar de um plano se- como que medieval e monárquico
quência, mas havia um certo fascínio après la lettre. Já não somos só isso,
em representar estas ações, sem per- e é preciso comunicá-lo. Somos antes
der pitada. Hoje é comum que uma um país simpático e ativo, temos bri-
personagem entre pela porta, de se- lho, recorte e valor. Símbolo do po-
guida já pode estar a sentar-se e logo der executivo, o novo logótipo da
depois olhamos para o que escreve. República Portuguesa escolhe ser
Não se trata de velocidade, porque horizontal, inclusivo e lúdico, sem
cada um destes planos pode demo- perder seriedade institucional ou ri-
rar, mas a montagem é sobretudo gor gráÆco.
mais elíptica, elidindo aspetos da Se era necessário fazê-lo?, pergun-
ação que já conhecemos — e que não ta-se. Sim, porque o anterior tinha
deixam de estar subentendidos. borboto, responde-se. Se ao menos
O que acontece no documentário tivéssemos tido antes deste um logó-
dá-se um pouco por toda a cultura tipo que estilizasse a esfera armilar,
visual. Os ícones das apps dos tele- acompanhada de uns pontinhos a
móveis começaram por ser volumé- fazer de castelos. Mas não, talha-se
tricos, indicando que ali estava um à bruta e de uma só vez séculos de
botão. A informação partilhada de história gloriosa. Quando na realida-
que aquela forma é um botão permi- de se tratou de um gesto de grande
tiu a adoção do flatdesign onde as juventude, que aÆrma o presente
formas tendem a ser simpliÆcadas e sem se Æxar na fase das glórias lá
as cores, lisas, o que permite que os atrás. Mas sem as esquecer tão pou- A seguir
logos não se percam nas hoje inÆni- co: estão subentendidas.
tas formas de os inscrever. Sabemos O logótipo resulta daquilo que Ai- Greve geral no Global Media Group
estar perante um botão ativo sem res faz sempre com brilhantismo: lê
precisar de que isso seja graÆcamen- as forças em campo e conceptualiza-
te assinalado. as, operando “elipses” e sínteses ao Investidores desconhecidos; ex-director da TSF Domingos
Em 2014 realizei um documentário nível da Æguração. Esse trabalho, a direcções editoriais que Æcam Andrade na semana passada,
sobre a Quinta dos Murças, da marca que chamarei eloquência pela sim- meses nos cargos; accionistas durante uma audição na
Esporão, e o designer Eduardo Aires pliÆcação, tanto em design como em contra administradores; Assembleia, este lavar de roupa
explica-me que chegou ao logótipo documentário, deve-se a termos já administradores contra suja em público contribui
da Quinta a partir da inclinação do visto tanto, de estarmos mais cultos, accionistas; promessas também para a “destruição
terreno das suas vinhas. Pude cons- de sermos capazes de com pouco ver insuÇadas com resultado nulo; reputacional das marcas e
tatar como o desenho representava o todo — lessis more. Se alguma falha anúncios contraditórios com as redacções” do grupo. Perante
de facto as encostas por onde tinha se pode apontar ao novo logótipo, é promessas insuÇadas; anúncios tudo o que se está a passar, os
andado. Aires simpliÆca-as e, assen- o facto de ser demasiado culto, de de abertura de rescisões; trabalhadores decidiram marcar
te num jogo de graus de inclinação, tão simples. anúncios de salários em atraso; para o dia 10 de Janeiro uma
transforma-as no “M” de Murças, li- Mas se cultos é o que devemos ser anúncios disto; anúncios jornada de greve que engloba
mitado pela forma evocativa de um em democracia, é também isso que daquilo: o clima de instabilidade todos meios do GMG. Será não
brasão hiper-simpliÆcado. O logo, em o novo logótipo exige, e até nisso nos últimos meses no Global apenas um dia “de indignação
poucas linhas, aÆrma a originalidade acerta. O esforço de qualquer gover- Media Group (GMG), um dos pela falta de respeito da actual
e a tradição daquele território. no futuro deveria ser o de honrar o maiores grupos de media administração pelos mais
O logótipo que Eduardo Aires de-
senhou para o Governo da República
quanto à frente o seu atual logótipo
coloca Portugal.
Indignação portugueses, é sobretudo
penalizador para as centenas de
elementares direitos dos
trabalhadores”, como um dia de
Portuguesa partilha este grau de eÆ#
cácia porque, entre outras muitas Realizadora
e luta trabalhadores que dele fazem
parte, mas como bem notou o
luta pela pluralidade no
jornalismo. S.B.G.
NotíciasFlix

Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 3

In memoriam Ficha técnica

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Estar bem Crónica
Como deixar de René Metge Em busca da Director David Pontes
Directora de Arte Sónia Matos
fumar erva (ou largar O “cowboy de Montrouge” meteorologia Editor Sérgio B. Gomes
outros hábitos tóxicos que aproximou o Dakar punk perdida Designers Marco Ferreira e Sandra
de que está farto) das estrelas Silva Email sgomes@publico.pt

A opinião publicada no jornal respeita a norma ortográfica escolhida pelos autores

O dia em que escolhemos um lar

H
á mais ou menos foi cúmplice. Que saber de um lar comprar sapatos ou para passear a sua presença é sempre positiva.
uma semana ilegal e assobiar para o lado nos Tanto faz no centro da cidade. Lares que Já agora, tentem também
encerraram um lar retira do lado da solução e coloca não é resposta impedem a saída de idosos com certiÆcar-se de que as dietas dos
ilegal na minha do lado do problema. E, sim, capacidades para tal são lares que idosos são revistas/orientadas por
cidade. somos tão culpados como as Carmen Garcia não entendem que os seus alguém com formação superior na
Aparentemente a famílias que, em desespero, ali residentes são parte viva de uma área da Nutrição ou Dietética. E
ordem de encerramento tinha sido deixaram os seus familiares. comunidade e, portanto, são de conÆrmem que existe um
dada em 2019, mas foi ignorada Acontece que, a estes últimos, é evitar. Dito isto, a primeira questão animador no lar com formação
pelo proprietário. Nesse lar ilegal, muito mais fácil apontar o dedo. a colocar quando procuramos lar especíÆca na área,
mas conhecido por todos, viviam Infelizmente, a nossa sociedade para alguém autónomo é se os preferencialmente a tempo inteiro.
15 idosos. tende a ser conivente com estes residentes podem sair sempre que Acreditem quando vos digo que
Nas ruas da cidade, como em lares. E a verdade é que não pode. necessitarem — desde que, um animador competente tem a
qualquer terra pequena que se Não podemos. Porque nunca obviamente, num horário em que capacidade de fazer um bom lar.
preze, o burburinho foi grande. E à sabemos o que lá vai dentro, não perturbem o funcionamento E já que falamos de proÆssões
versão inicialmente veiculada pelos porque as famílias só vêem o que geral da instituição. que fazem a diferença, não resisto
meios de comunicação social os proprietários querem que seja a falar de uma classe proÆssional

A
depressa se foram juntando visto e porque as funcionárias, segunda questão que insistimos em desaproveitar e
pormenores. Acontece que os desesperadas pela necessidade de prende-se com os que é fundamental na gestão dos
pormenores são muitos e que a garantir uma remuneração, cuidados de saúde processos de envelhecimento
verdade e a mentira se fundiram de acabam por guardar para si aquilo prestados. E aqui dentro e fora dos lares. Dez pontos
tal forma que já nem o melhor dos que de errado se passa. E, sim, sei importa perceber de extras para os lares que tiverem
polígrafos consegue separar o trigo bem o quão difícil é encontrar quantas horas gerontólogos na equipa.
do joio. Diz-se que quem conta um respostas para os mais velhos num semanais de enfermagem dispõe o Finalmente, perguntem pelas
conto acrescenta um ponto e aqui, país onde a rede de cuidados lar. Idealmente existirão cuidados rotinas. Inquiram sobre as horas
receio, houve até quem continuados é curta, onde faltam de enfermagem todos os dias, para levantar, sobre se as higienes
acrescentasse umas quantas milhares de camas em lar e onde os ainda que não durante as 24 horas. começam ainda no turno da noite,
reticências. Ainda assim, uma coisa cuidados paliativos continuam a Ter médico, já agora, é outra sobre horários de refeições e de
é certa: estes 15 idosos não eram
bem tratados. E isto não quer dizer
ser pouco mais do que uma ideia
bonita. Mas não podemos deixar Alguma vez se importante vantagem. Devemos
ainda perguntar sempre quem
regresso à cama. E lembrem-se
sempre que horários demasiados
que fossem vítimas de agressões
físicas ou deixados à míngua. Mas
que valha tudo.
imaginaram prepara a medicação dos idosos e,
a esta questão, só duas respostas
rígidos só são aceitáveis na tropa e
na prisão. É evidente que as

S
os maus tratos a idosos são muito abem o cuidado com são admissíveis: a medicação já instituições precisam de ter
mais do que isto. A solidão, a falta que escolhemos uma num lar ruim? vem preparada da farmácia ou a horários deÆnidos, mas é
de estímulo físico e cognitivo, as creche para os nossos medicação é preparada na inaceitável que se forcem idosos a
oito horas com a mesma fralda, a
falta de privacidade e de condições
Ælhos? Sabem a
avaliação sistemática
O que é que instituição por um enfermeiro.
Avançando agora para um ponto
acordar às 6h para tomar banho ou
que todos tenham de jantar às 18h
físicas… Tudo isto são maus tratos.
Alguma vez se imaginaram num
que dela fazemos? A
escolha de um lar para os nossos
sentem quando mais delicado, não tenham medo
de questionar sobre rácios de
para estarem deitados às 20h. O
direito de organização das
lar ruim? O que é que sentem
quando pensam em passar um dia
mais velhos tem de seguir os
mesmos critérios. Na hora de
pensam em pessoal e sobre as diferentes
valências existentes no lar.
instituições termina onde começa
a dignidade dos seus residentes.
atrás do outro, sentados no mesmo
cadeirão decrépito, numa sala
escolher um lar, há perguntas que
devem ser feitas e critérios
passar um dia Perguntem quantas auxiliares
existem no período da noite. E
E por falar em dignidade: não
deixem que alguém que amam e
onde ninguém fala convosco?
Agora juntem a isto uma fralda
importantes que devem ser tidos
em conta. E, mesmo correndo o
atrás do outro fujam de lares com mais de dez
residentes que tenham apenas uma
que vos ama de volta resida num
local onde o amarram. Lares que,
ensopada de urina durante horas.
Pensem no cheiro e no
risco de que a qualidade literária
desta crónica caia para valores
sentados auxiliar neste período ou que
tenham menos de três para mais
em 2024, usam contenção física
nos membros frágeis dos idosos
desconforto. Adicionem as rotinas
que não são vossas, uma roupa que
negativos, nos próximos
parágrafos vou tentar resumir no mesmo de quarenta utentes. Lares onde as
dotações de segurança não são
não podem caber neste país. É
inaceitável que esta prática
não puderam escolher, a falta de
cuidados de saúde e reabilitação e
aquilo que devemos ter em conta
quando escolhemos um lar. cadeirão cumpridas diÆcilmente conseguem
prestar bons cuidados. O tempo
continue a perpetuar-se. E é ainda
mais inaceitável que as famílias
uma televisor com o volume
demasiado elevado em programas
Em primeiro lugar, é importante
perceber que os lares não são decrépito, não estica e cada cuidador dispõe
apenas de dois braços.
Ænjam não ver.
Elevemos a fasquia e
que nunca pediram para ver.
Começa a Æcar difícil, não começa?
prisões e, como tal, é obrigatório
que os idosos que assim o desejem, numa sala Depois questionem também a
existência de psicólogos,
aumentemos a exigência. Pelo bem
dos nossos idosos, mas também
Tem-se falado muito por aqui. tendo condições comprovadas Æsioterapeutas, proÆssionais de por nós próprios que, tendo sorte,
Mas sabem o que Æcou por dizer no
meio de tantas palavras perdidas?
para tal, possam sair sempre que
necessitarem. E essa necessidade
onde ninguém terapia ocupacional ou de
reabilitação psicomotora. Não
um dia lá haveremos de chegar.

Que cada um de nós, eu incluída, pode ser para tomar café, para fala convosco? sendo obrigatória a sua existência, Enfermeira
4 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

“A TSF foi
tomada por
um grupo
de gente que
não é Ɗável”
Entrevista Fernando Alves Amargurado com a nova gestão da Global
Media, deixou a rádio que ajudou a fundar e pediu a reforma em
Setembro. Há quem passe pela TSF “como se tivesse de se desinfectar
depois”, diz o autor e a voz da carismática crónica diária Sinais
Por Bárbara Reis texto e Rui Gaudêncio fotografia
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 5
6 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

F
ernando Alves, 69 anos, é um não tinha. Tinha morrido alguém com outro
dos fundadores da TSF, a nome e não foi dito que ele tinha morrido.
rádio criada por uma Porquê este exemplo? Porque com estes
cooperativa de jornalistas que produtos os ouvintes podem ser levados a
ganhou fama de ter sido “a confundir trabalho jornalístico puro e duro
rádio que mudou a rádio”. Foi com outra coisa. No Ænal é dito: “Com o
ele que inventou o célebre apoio de” ou “com o patrocínio de...”, mas
“até ao Æm do mundo, até ao são rubricas de dois ou três minutos em
Æm da rua” e foi ele o autor de Sinais, crónica espaços dignos. Isto é uma doença
que fez durante 30 anos, todos os dias, às contemporânea das rádios privadas, que não
nove menos dez. Chegava à redacção às 4h podem viver sem publicidade, a não ser que
da manhã. Porque não fazer na véspera? o dono tenha uma mina de água quente. Mas
“Ficava muito arrumadinho.” Gosta do o caudal demencial desses produtos cria
abismo, do Æo da navalha, de pensar “talvez ruído e fealdade. Às vezes é penoso. Vais no
me espalhe hoje”. Amargurado com a nova carro e ouves coisas que não querias ouvir.
gestão da Global Media, dona da TSF e de Coisas desinteressantes?
vários jornais — como o Diário de Notícias, Há coisas que têm validade e até são
Jornal de Notícias, O Jogo, Dinheiro Vivo e necessárias. Não me choca uma rubrica com
Açoriano Oriental —, pôs os papéis para a preocupações ambientais e que é
reforma em Setembro, no dia em foi patrocinada por uma empresa. Nenhum
demitido o novo director, um jornalista que problema. Mas há coisas tão técnicas e tão
lhe deu esperança. Saiu. O livro Sinais — As despidas de qualquer laivo de interesse
Últimas 50 Crónicas na TSF (Editora Âncora) público ou de beleza, o que quer que seja
é o pretexto para esta conversa. Uma que possa prender a minha atenção.
conversa em que os 35 anos de TSF ainda são São publicidade.
contados no presente. Que não é apresentada como um spot
Porque é que saiu da TSF? normal. Que se pretende travestir de coisa
Porque me fartei. Zanguei-me muito com o informativa.
rumo que as coisas estavam a tomar na TSF Na badana do livro, fala de uma
em Setembro. Nada que não se adivinhasse. “amargura crescente”. Que amargura é
A TSF foi tomada por um grupo de gente que essa e quando é que começou a crescer?
não é Æável e que trata deste assunto Começou a crescer nos últimos anos, não
sagrado, que é a rádio e os jornais, como tem que ver só com a recente administração.
miúdos que desmancham um brinquedo. Tem que ver com o desinvestimento na
Dá-se um brinquedo a um miúdo e ele pode redacção. Deixámos de ir ao Æm do mundo.
destruí-lo num ápice. É uma espécie de E às vezes nem vamos ao Æm da rua — como
volúpia destruidora. canta um spot da TSF que por acaso foi feito
É a única imagem que me ocorre quando por mim. O problema não é tanto deixarmos MIGUEL SILVA/ARQUIVO

penso que esta gente que chegou — não sei de ir, se não temos maneira de comprar o
com que intuitos, se soubesse dizia — parece bilhete para o Æm do mundo — o problema é
desmantelar, com um prazer sádico, uma que muitas vezes deixámos de ter o desejo
coisa que demorou muito tempo a construir, de ir. Isso também toca à redacção. Mas
que foi perdendo o fulgor original, mas que lembro-me de um tempo em que os
foi ganhando outro alento. A TSF não foi administradores e os directores tinham uma
uma maravilha que perdeu o brilho. Teve paixão pela rádio, no caso dos directores,
momentos mais fugazes, outros menos; teve uma paixão assolapada, e eram os primeiros
grandes momentos de vibração, teve a motivar-nos a avançar com outras
períodos medíocres. possibilidades mais aliciantes de fazer.
Há é um tempo em que o editorial era Tivemos administradores que tinham
dominante na rádio, em que os jornalistas orgulho no património que ali estava.
que fundaram a rádio e os outros que se Lembro-me muito do coronel Luís Silva, que
juntaram tinham a palavra mais importante. foi meu patrão, um homem conservador,
E depois há um tempo em que o comercial austero, da Lusomundo — só não gostava que
passa a sentar-se em cima da cabeça do disséssemos mal das pipocas; de resto,
editorial, sem pedir licença. Não é de agora. podíamos dar pancada nos Ælmes — que me
Foi acontecendo. ligou várias vezes, sempre que peguei na
Hoje o comercial domina a TSF? edição da manhã, a agradecer. Liga às seis da
O departamento comercial comeu a cabeça manhã a agradecer. A agradecer o esforço.
de todas as redacções que conheço. Na TSF Não era esforço nenhum, era um gozo.
também, mas não é uma pecha da TSF. Não Era o seu trabalho.
aconteceu na Antena 1 porque é paga com o Ele ouvia a rádio militantemente. Essa marca
nosso dinheiro e não se coloca a questão do é decisiva. Não é que isso seja condição sine
caudal da publicidade. As redacções qua non, mas dá uma almofada de conforto. sobre o objectivo da Global Media e que Olhando para trás, essas pessoas são todas
encolheram e o peso das direcções O que fomos sentindo foi que os que tudo é simples: há um projecto para de uma grande qualidade. Houve um curso
comerciais cresceu desmesuradamente. decidiam a vida da rádio não gostavam expandir o grupo através da língua de formação inicial, dado pelo Adelino
Hoje, na rádio, um comercial pode ir à grelha muito de rádio. Pergunto-me porque é que portuguesa... Gomes e outros mestres, e jogávamos à
directamente pôr um PEP. quiseram ter aquela rádio. É claro que ... já ouvimos esse discurso quantas vezes, BenÆca: havia uma vertigem para o golo.
O que é um PEP? sabemos todos a resposta. de quantas direcções e administrações? Pegava-se numa história e não se largava.
Produto de Elevado Potencial. Uma Qual é a resposta? Chegam, despedem 20 ou 30 pessoas e têm Íamos ao osso com uma alegria tremenda.
designação da gíria. É um produto comercial Eles queixam-se sempre do prejuízo que dão um projecto galvanizador que vai levar Havia um espírito de grupo na redacção, um
disfarçado de rubrica noticiosa. É um os jornais e as rádios. Então porque é que os adiante a novos despedimentos e a novo hábito de crítica aberta. Lembro-me de
conteúdo patrocinado. Também há nos compram? Porque é que querem tê-los? encurtamento de mangas. Quantos nos discussões entre o Rangel e o João Almeida,
jornais. Algum ganho terão, ainda que não seja disseram já? Marco Galinha também disse que hoje está na Antena 2. A redacção parava
Nos jornais costumam ser identificados, contabilizável. Não são suicidas, não se isso. E antes. Reclamam o “espírito original”, a ouvi-los discutir, discutir amigavelmente.
às vezes com uma barra azul. metem nos negócios para perder. a “linha de Rangel” e tudo isso. Ouvimos Discutiam o quê?
Na rádio, não temos barras azuis. Esse crivo José Paulo Fafe, novo administrador da sempre esse discurso quando chegam. Às vezes critérios, o que fazer com aquela
pode não ser tão nítido para o ouvinte. Uma Global Media... Quando nasceu, a TSF tinha quantas notícia. Às vezes, uma frase. Discutir o “que”
vez alguém ligou para a rádio a desmentir ... não vou falar dele, é pessoa com quem pessoas? na frase. Discutir o lançamento de uma
que o professor Freitas do Amaral tivesse nunca falei, não conheço. Umas 30 pessoas, 40 no máximo. Era uma notícia. Discutir pelo prazer, discutir fazendo
morrido. A pessoa tinha escutado que o Numa entrevista recente, Fafe diz que rádio pequenina, uma rádio de jornalistas. pedagogia. Quando o Rangel ligava, as
professor Freitas do Amaral tinha morrido. E estão a inventar histórias mirabolantes Em termos numéricos, é como hoje. pessoas diziam: “O que é que eu Æz mal?”
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PEDRO CUNHA/ARQUIVO
brilhando muito sempre que alguém fazia em que ela conta só que não consegue
alguma coisa que ia para lá do que era avançar num check-point, mas que tem
previsível. Tinha saudades disso. muita força.
Há uma apatia? A rádio dá a ver. Pode parecer obsceno, mas
As redacções perderam qualidade média. Se muitas vezes a rádio consegue dar a ver com
vês gente que é sistematicamente levada pela maior eÆcácia, com maior verdade, do que a
concorrência, há um empobrecimento da televisão.
redacção. Se não podes pagar bem, não
podes ter os melhores. É heróico como O departamento Porquê?
Porque a rádio apela à cumplicidade e à
alguns aguentam ali. O Manuel Acácio, o
Nuno Domingues, a Cristina Lai Men. O comercial comeu capacidade do ouvinte de ver à distância. A
rádio tem uma profundidade de campo que
Felipe Santa-Bárbara. A Paula Dias. Temos é prima da do cinema. Ao contrário da
alguns dos melhores técnicos do mundo. a cabeça de todas televisão. Dá ao ouvinte uma margem de
Temos um tipo chamado André Pimentel liberdade. A televisão dá-nos a ver o que ela
que devia chamar-se General. E há gente que
quase tem de pedir por favor para que a
as redacções quer. “Vê.” “Não vês? És estúpido.” Se a
descrição do repórter for muito marcada
deixem fazer coisas. Pelo país fui
encontrando pessoas que iam mostrar-me ao
que conheço pela força visual das palavras — a rádio tem
essa capacidade. Hoje vêem-se repórteres
carro: “Olhe, está sempre na TSF.” Uma vez em frente a portões de palácios às sete da
o ministro Medina Carreira foi a uma manhã. O jornalista não mostra coisa
emissão e quando saímos perguntou:
“Diga-me lá, quem é a Maria de São José?”
O único mérito que nenhuma que não mostrasse se estivesse na
redacção. Porque é que foi apanhar frio?
Queria conhecer uma pessoa que ouvia
todos os dias. Há um trânsito afectivo, uma
tenho ao longo A rádio exige mais de nós?
Exige mais de nós que estamos a contar a
Æabilidade. Isso não tem preço. Temo que
isso se vá esvaindo. E isso torna inglório o
destes 50 anos é ter história e de nós que estamos a ouvir.
Como é que chegou à rádio?
trabalho persistente dos que continuam a
levantar-se às quatro da manhã para lá ir amadurecido uma Cheguei à rádio por causa de uma crónica
que escrevi para o jornal de um padre
fazer notícias.
A nova direcção da TSF tomou posse em escrita radiofónica, português de Benguela, um jornal quinzenal
chamado Prumo. Não era um jornal católico,
Setembro e demitiu-se em Dezembro. O
que é que se passa na TSF? uma coisa dançável mas era muito marcado pela circunstância
de o director e único redactor ser um padre.
Não sei. Vamos tomar que as declarações de Ele sacava aos alunos militância pela causa
uma pessoa cujo nome referiu há pouco são dele. Não era catequese. Íamos ajudá-lo a
certeiras, é tudo verdade, os seus fazer as cintas para mandar os jornais para
antecessores deixaram aquilo em ruínas. E
ele conta isso em público? Quer fazer crescer
Não há uma rádio os assinantes.
Era um miúdo.

Mas ele ligava muitas vezes para dizer


o projecto e mostra as tripas?
O comunicado da nova administração
onde eu não tinha Miúdo, 14 anos. Recebo o meu primeiro
salário no mês em que faço 16 anos, em 1970.
também: “Camarada, boa! É assim mesmo!”
Esse hábito foi-se perdendo. Voltou a surgir
quase dá como certa a morte do grupo.
Então foram lá fazer o quê? Não tinham de
dormido. Tirando Era quase tanto como o do meu pai.
O seu pai fazia o quê em Benguela?
alguma coisa vagamente parecida com isto
com alguém, curiosamente, em relação a
levar com o cadáver a cheirar mal. Deixavam
morrer. “Vai morrer longe”, como se dizia
a actual O meu pai tinha tido um grande desconforto,
uma promessa de um trabalho feita por um
quem nós tínhamos a expectativa oposta. antigamente. Não iam para lá assistir ao compadre milionário e acabou por receber
Quando se anunciou o nome de Domingos enterro. metade do que lhe tinham prometido.
Andrade para director da TSF, esperaríamos Disse que antes de Domingos Andrade Passeava muito pela casa durante a
— alguns de nós que não o conheciam — que havia na TSF uma “pasmaceira madrugada, zangado com a vida. Depois a
vinha um tipo tramado, de conÇito, difícil. instalada”. coisa compôs-se. Ele ia ser coordenador
Ele chegou com essa fama? Uma espécie de resignação. Aqui e além operacional de uma fábrica. Acabou por ir
Sim, mas eu também tenho essa fama. Antes havia laivos. Como quando uma repórter Abismo para outra e teve um salário decente e uma
essa fama do que de ser um molengo como a Dora Pires vai a Moçambique, na No topo, Fernando Alves em 2000: vida boa.
qualquer. E, surpreendentemente, ele é o altura do tufão, e faz aquele trabalho. Ainda “Gravo no próprio dia [o Sinais], até às A família foi toda para Angola?
tipo que, dia após dia, conhece melhor a bem que a temos e que é possível ter 08h00. Faço um contra-relógio; vou a O meu pai foi polícia durante parte da vida.
redacção e rapidamente percebe que rádio é trabalhos daqueles. Ela cria uma coisa que correr para o abismo. Muitas vezes às Cá e lá. Em Angola, comissariou uma
esta. E mais: atravessou-se em defesa desta parece física, uma espécie de cumplicidade cinco da manhã não tenho nada.” Ao esquadra com sete guardas em Ganda,
redacção como há muito tempo um director táctil entre ela e as pessoas com quem se lado e em baixo, redacção da TSF em oÆcialmente Vila Mariano Machado, a 100
não se atravessava. cruza. 1997, com a jornalista Eduarda Maio, quilómetros de Benguela. Em Ganda,
O que é que ele fez? Ouvia-a agora em Gaza, uma reportagem quando era produtora na mesma rádio quando o meu pai chegou, na terra batida
Resolveu situações absolutamente MIGUEL SILVA/ARQUIVO
onde passariam os veículos, havia capim até
miseráveis em que alguns camaradas viviam aos joelhos. Não havia prisão, ele foi abrir a
do ponto de vista salarial. E deu atenção às primeira esquadra. Nunca prendeu
pessoas. Há tipos que passam por aquela ninguém. Aos tipos que faziam distúrbios,
rádio como se tivessem de se desinfectar punha-os a capinar. E obrigou-os todos a
depois. tirar a carta de condução. Um dia, chegou a
Desinfectar? casa e disse: vocês podem deixar de ter
Sim. Há administradores que nunca falaram vergonha do vosso pai, passei à reserva. Nós
com as pessoas da rádio. não tínhamos vergonha nenhuma dele. Era
Fez coincidir a sua reforma com a saída um tipo incrível.
de Domingos Andrade. Porque é que foi Como é que ele foi para Angola?
a gota de água? Foi mobilizado ou qualquer coisa assim. Foi
Porque há muito tempo que não via um polícia de trânsito em Lisboa e em Viseu.
director assim. Criei com ele uma empatia Depois de ter saído da polícia, foi convidado
muito grande que decorre de uma atenção — pelo tal compadre.
às vezes, são pequenos gestos que revelam a Nasceu em Benguela?
grandeza de um homem, a carga de Nasci em Lisboa. Fui pequenino, teria uns
humanidade que ele transporta. Antes de cinco, seis anos.
começarmos esta conversa, falávamos sobre Lembra-se da primeira viagem?
os berros nas redacções. Quero uma Tenho memórias muito esfarrapadas. Há um
redacção onde haja um grito de vez em livro do José António Salvador sobre o Zeca
quando. Não quero uma redacção de veludo. Afonso, Livra-te do Medo [2014]. Sempre que
E aquele espalha-brasas... eu vi os olhos dele tento lembrar-me da primeira viagem c
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PEDRO CUNHA/ARQUIVO

de navio para Angola, a primeira de nove tempo para lhes dizer que a Matemática era
viagens de Lisboa — da Rocha do Conde de fracote e foi tudo varrido a negas por minha
Óbidos — para Angola (a última para cá foi de causa. Um tipo que tinha uma moto e era
avião), penso na história do Zeca, que viajou muito agressivo pôs-me a primeira alcunha.
para Moçambique a primeira vez em miúdo Havia um jornal de parede no Liceu de
e teve muita pena que um missionário de Benguela, o Vento Novo, e um dia estou a
barbas brancas saísse em Luanda, porque escrever uma história a gozar com um colega
ele passava horas a falar com ele. Não e o tal padre mandou: “Traz cá o que estás a
apanhei nenhum missionário, mas há escrever.” Era um tipo que nos dava varadas
alguma coisa mágica dessa primeira viagem nas orelhas, um tipo bravo. “Tu é que
que só voltei a encontrar em passagens do E escreveste isto?”, “Sim.” “Então escreve uma
la nave va, do Fellini. Mágicas mesmo. mais a sério, divertida também, mas com
Improváveis, surreais. menos disparates, que eu publico no jornal.”
Que coisas? Foi o meu primeiro texto para lá do jornal de
As coisas que aconteciam na passagem do parede. Um dia em que reajo mal a mais um
Equador. No Equador há sempre festas e murro nas costas do tal colega matulão, digo:
rituais de celebração, como nos equinócios. “Olha que eu faço-te uma crónica.”
Há aquela ideia da passagem para outro Denuncio-te.
hemisfério. Íamos todos a correr ver os “Escrevo uma coisa a gozar contigo.” Tinha a
peixes voadores; os concursos para os mania de que era cómico, que fazia escrita
miúdos promovidos pelas senhoras do satírica. E passei a ser o “Crónicas”. O que é
Movimento Nacional Feminino e que davam que acontece? Este jornal consegue meia
prémios — eu Æz o concurso de dar saltinhos hora semanal na rádio. Era um programa do
dentro de um saco de serapilheira, uns 50 ou liceu na rádio, mas fazíamos entrevistas e o
100 metros; havia cinema; havia os lanches, pivô era feito pelo António Quinta Cunha,
a campainha que vinha pelos corredores a um tipo formidável, muito à frente, que me
avisar para os lanches e havia uns pãezinhos ajudou muito a perceber coisas, escolhas e
de leite óptimos, era uma loucura, a leituras. Ele era o organizador de jogo, mas
campainha punha-nos a salivar. Nessa nós revezávamo-nos no embrulho Ænal e
primeira viagem, Æquei em último lugar na fazia pequenas coisas. “Queres vir aqui fazer
competição, era gorduchito. Fiquei muito discos pedidos porque não sei quem não
triste e a senhora: “Meu menino, não Æques vem?” Eu tinha uma voz com um registo de
assim. Como é que ele se chama?” E a minha graves sem catarro — tenho hoje a mesma
mãe: “Fernando Lopes Alves.” E a senhora: voz. Era estranho. Não tinha técnica, nem
“Lopes Alves... é alguma coisa ao senhor quem ma ensinasse, não sabia projectar a
governador-geral de Angola?” E a minha voz, não sabia respirar pelo diafragma, nem
mãe, naquela coisa das mulheres hoje sei. Durante anos disse um disparate
sobreviventes: “É aÆlhado.” E ela: “Então, aos estagiários que chegavam: “Tudo o que
não saiam daqui.” E foram buscar um aprenderem no Cenjor [centro de formação de criar o seu próprio ritmo. Nós dizíamos: papéis pelo ar. Ainda bem que isso me
comboio eléctrico, com a linha e tudo, o de jornalistas] façam ao contrário.” Depois quer ver um sinaleiro? E ele Æcava ali a olhar. acontecia. Não ter acontecido de cada vez
melhor prémio dos jogos todos. Foi a minha arrependi-me e deixei de dizer. Eles não Na rádio há muitas pausas artificiais: que voltava àquele pânico feliz do directo é
melhor prenda de infância, a coisa mais estavam preparados para perceber. Aquela “o”, pausa, “Fernando”, pausa, “Alves”. porque alguma coisa se tinha estragado em
formidável que tive. coisa de fazer voz de homem. Eu dizia: Parece que estão a macaquear-se. Alguém os mim, tinha Æcado demasiado descontraído.
Com uma pequena batota. façam ao contrário, falem com a vossa voz. ensinou: “Têm de ler de forma pausada.” Trabalhou cinco anos em rádios em
Foi a única vez que fui aÆlhado de alguém Faz sentido. Nas televisões, há um canal onde a opção era Angola.
importante. Na segunda vez, já tinha feito o Sim. Encontras tipos que são manequins da acentuar os Ænais de frases. Era patético. Era Em Benguela, Lubango e Luanda. No
primeiro ano no Liceu Gil Vicente, em Rua dos Fanqueiros, todos iguais, todos no a marca da estação. Faziam uma coisa Lubango trabalhei com o Emídio Rangel,
Lisboa, e cheguei no Ænal do ano a Angola. mesmo registo, confundimo-los na antena. chorada no Æm, um Æm de frases gemido. tinha uns 17, 18 anos.
Fui para a turma F, a turma dos repetentes, A sua voz é inconfundível. Como é que respira? Porque é que foi para o Lubango?
dos matulões, que tinham Ælhos da minha Há outros, felizmente, a voz do Sena, a voz Não sei. Se estiver enervado, se calhar não Casei e precisava de ganhar mais. Concorri
idade, tinham uns 20 anos e iam de moto do Manuel Acácio, que ninguém confunde. me corre bem. Mas no estúdio, se não estiver ao Concurso de Colocadores do Serviço de
para o liceu. Eu tinha 12. Cheguei com o ano Porquê? Marcelo Rebelo de Sousa ia gravar à nenhuma bárbara reis a ver, estou em casa, Emprego e fui colocado no Lubango. Só
em andamento e os matulões perguntaram: TSF aqueles programas semanais, no início, sou o peixe no aquário. Mas de todas as estive dois ou três meses, porque no dia em
“Que notas é que tiveste?” Eu disse as notas, e Æcava a olhar para o Acácio, porque o vezes que deixei de fazer directos — os Sinais que cheguei ao Lubango com a minha
que eram mais ou menos razoáveis, e todos Acácio faz gestos muito fortes. eram gravados — quando voltava, acabava os malinha...
queriam copiar por mim. Levava morraças À maestro? primeiros noticiários todo encharcado, a ... e a sua mulher?
nas costas para os deixar copiar. Não tive Parecia um sinaleiro de trânsito. É a maneira tremer, saltava parágrafos, mandava os ... ela Æcou a dar aulas em Benguela.
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 9

PEDRO CUNHA/ARQUIVO
sentir boy, mas um igual. Quando morreu,
morreu um irmão. Uma Ælha dele ainda hoje
me chama “sócio”. Ela tinha dois anos
quando fui morar para a tal casa ao lado e eu
chamava “sócia” à mãe das minhas Ælhas. As
portas das duas casas estavam sempre
abertas, é uma relação que não é explicável.
Nunca fui um soldado dele. E ele nunca se
armou em general — honra lhe seja feita.
No 25 de Abril, Rangel sai disparado para
Lisboa e o Fernando fica em Luanda.
A dado momento, há uma ocupação da rádio
onde nós emitíamos e eu digo adeus ao
Rangel e vou ocupar uma rádio com o
Celestino Leston Bandeira, o meu Guevara
vivo, o tipo mais corajoso que conheci. É um
jornalista reformado, 12 anos mais velho do
que eu, que dirigiu o jornal África. As
pessoas que enchem a boca de Áfricas
deviam ir ao arquivo do África ver o que é
uma relação independente com os poderes.
Porquê ocupar uma rádio se tinham uma
rádio?
A nossa não era uma rádio, era um estúdio
Onde é que conheceu Rangel? Gestos com um programa de três horas, à noite, que
Tinha-o conhecido numa transmissão de À esquerda, o jornalista Manuel Acácio tinha entrevistas, mas não noticiários. Não
corridas de automóveis em Benguela, nos durante a emissão do programa da fazia mover as pedras.
circuitos urbanos. Na altura, era o desporto manhã Fórum TSF, em Fevereiro de Que rádio ocuparam?
de massas em Angola. Ele achou-me graça, o 2003. Fernando Alves: “Marcelo Rebelo A Rádio Comercial do Lubango, de um
miúdo de cabelo comprido que ouvia o Zeca de Sousa ia gravar à TSF aqueles grande capitalista, sogro do [ex-ministro do
Afonso e o Adriano [Correia de Oliveira] e programas semanais, no início, e ficava PSD António] Cardoso e Cunha. Durou uns
pronto. “Vais fazer o programa já hoje.” Fiz a olhar para o Acácio, porque o Acácio meses. O Cardoso e Cunha dizia que não
logo o programa nesse domingo. Tivemos faz gestos muito fortes.” Em cima, queria que disséssemos bem dele, mas não
discussões bárbaras por causa da música. Na emissão da TSF em 1997 nos pagava para dizermos mal. Fomos
música, ele era mais recuado e eu queria despedidos e fomos fazer o jornal do
passar coisas abrasivas. É o saudável hábito Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e
da discussão. Não havia uma noite em que Indústria. Eu coordenei a primeira edição,
acabássemos o programa e não Æcássemos mas a direcção do sindicato proibiu que o
uma hora ou duas a discutir na rua. Ao Æm jornal fosse distribuído porque tinha um
de três meses, os tipos do serviço de punho fechado na capa. Pegámos na edição
emprego aconselharam-me a mudar de ramo e fomos levá-la à porta das fábricas. Daí o
porque eu empregava toda a gente. Aparecia Guevara. A direcção do sindicato era
lá um tipo com sete Ælhos, pedreiro. Eu não composta por gerentes de lojas. Foi preciso
tinha nada para pedreiros, tinha para accionar uma eleição, isto já meses depois
carpinteiros. Dizia: “Meu amigo, você tem do 25 de Abril, para pôr trabalhadores na
cuidado com os dedos, mas safa-se um mês direcção de sindicato.
ou dois.” Isso está errado, mas era o meu
critério.
A rádio consegue O 25 de Abril demorou a chegar às
colónias.
No 25 de Abril de 1974, está onde?
Estou com o Rangel na rádio. Um militar que
dar a ver com Meses. Até chegar o Rosa Coutinho. Havia
resistências muito fortes, no Sul da Angola
trabalhava connosco veio a correr como um
doido: “Houve uma revolução em Portugal!”.
maior eficácia, era tramado. O António Macedo — que hoje
diz as horas na TSF — tinha chegado a
O Rangel foi imediatamente para Lisboa e
entrava em reportagens do Rossio. O Rangel com maior verdade, Luanda um ano antes do 25 de Abril. É ele
quem vai virar do avesso um programa
era um gajo à frente do tempo. Jogos
Olímpicos de Munique: ele pega num do que a televisão clássico da noite em Luanda, com o
Sebastião Coelho, uma Ægura mítica da rádio
repórter e diz: “Arranca, já tens viagens angolana, chamado Café da Noite. “Café da
marcadas e alojamento.” E publicidade? Noite: uma xícara de bom café de Angola,
“Isso depois logo se vê. Chegas a Lisboa, com boa música e em boa companhia.” Eu
falas com o Joaquim Agostinho, ele dá-te as
credenciais.” Era assim. Esse espírito fez a
Tinha a mania tinha 16 anos e imitava o Macedo. Hoje não
temos nada que ver um com o outro. Quem

Eram os dois precoces.


TSF.
Ambição, rapidez?
de que era cómico, me chama para Luanda é o Macedo, a
primeira voz que se ouve na TSF: “Bom dia,
A mãe das minhas Ælhas era dois anos mais
velha. Mas atenção, eu já tinha 18 anos.
É rapidez, é ver adiante. São as duas regras
da TSF. Chegar primeiro e chegar de outra
que fazia escrita são sete da manhã.”
Não está gravado?
Chego ao aeroporto do Lubango com uma
malinha e vejo o Quarteto 1111, lembra-se?
maneira. Havia uma coisa um pouco
arrogante, mas era movida por um
satírica. E passei Ele está lá às 7h a dizer: “Bom dia, são sete
da manhã.” É o Macedo que me manda
José Cid...
... Mike Sergeant. Ele estava a trazê-los ao
entusiasmo genuíno, que era “a pergunta
TSF”. Era discutida na redacção. Agora vejo
a ser o ‘Crónicas’ apresentar em Luanda na emissora oÆcial,
mais tarde Rádio Nacional de Angola, a 1 de
aeroporto. Tinham feito uma actuação no os microfones esticados, parecem próteses. Janeiro de 1975. Soube-se que um jornal de
Estádio do Lubango, contratados pelo Todos fazem a mesma pergunta, que é a Lisboa, o Sempre Fixe, tinha publicado uma
Rangel, o estádio cheio. O Rangel tinha um
estúdio independente, com sete pessoas,
pergunta para o sound bite. Sangue, sangue,
sangue. Outro ângulo, o ângulo inesperado,
Falta inverter coisa pequenina a dizer que “há dois tipos
do Lubango ameaçados de morte”. Era eu e
locutores e técnicos, e fazia um programa de
três horas à noite, que ia por cabo. E ele: “O
o ângulo que deixa desarmado o tipo a quem
perguntamos. a ordem. Porque o Bandeira. Temia-se que nos Æzessem mal.
Havia umas brigadas da juventude
que é que fazes aqui?”, “vim trabalhar para
os serviços de emprego”, “já tens casa?”,
Quem é que participava?
Quem estava. Os editores, a equipa. O é que a Cultura revolucionária de FNLA que apareciam em
várias cidades. Escape livre, rajada.
“não, vou Æcar numa pensão”, “vais o tanas,
vais Æcar numa casa ao lado da minha”. Um
repórter ia municiado de uma pergunta
nossa. Esse espírito conheci em Angola. Fico vai sempre no fim Escape livre?
Escape dos motores dos carros. A malta
militar tinha-se mudado e Æquei logo nessa irritado quando dizem “os Rangel boys”. atirava-se para o chão quando ouvia o
noite ali a dormir. Houve alguns. Eu não fui. Ele nunca me fez dos noticiários? rá-tá-tá dos escapes soltos. Os militares c
10 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

portugueses diziam-nos: “Atirem-se para o no JN e andava com um gravador, um tijolo Setembro de 1975.
chão se ouvirem o rá-tá-tá de um carro. Não com um microfone incorporado, ia muito Regressaram em pleno PREC.
tenham medo do ridículo.” Era usado para comovido porque ia ver a cidade onde Cheguei no dia em que o Vasco Gonçalves
abafar o som de rajadas. nasceu. Fizemos parelha. Ao Æm de dois larga os papéis no ar em Almada, aquela
Alguma vez se atirou para o chão? dias, percebemos que a direcção do MPLA coisa operática. No Hospital de Santa Maria,
Uma vez, mas não era nada. não queria que fôssemos fazer nada na onde a miúda nasce, uma médica põe a
Macedo contratou-o para o proteger? semana toda. Aldemiro da Conceição, que hipótese de ela ter hipotiroidismo. Isso
Claro. Também nos tínhamos encontrado tinha sido meu colega na rádio e mais tarde amarrou-a a estar ali de 15 em 15 dias para
em corridas de automóveis e tínhamos uma esteve na embaixada em Lisboa, disse-nos: reavaliação.
relação muito forte. Ele percebe que está ali “Agora façam praia, estejam à vontade.” Mas A ideia de voltar...
um miúdo que é um alvo e dá-me emprego. nós queríamos assistir a uma troca de ... morreu aí. Ando desempregado uns
Cheguei com a minha mala, pus a mala prisioneiros. Conseguimos ir a meses. No Rossio, há uns tipos de direita, os
debaixo da mesa, e comecei a trabalhar. Nambuangongo, cantada pelo Alegre, que é que tinham perdido o império, a reclamar
Trabalhei lá seis meses. Foi quando apanhei o lugar mítico da guerra em Angola. Fomos postos de trabalho e a fazer
escorbuto. levados de helicóptero, o helicóptero pousou abaixo-assinados. Entre eles, há jornalistas
Porquê a mala, não tinha casa? no meio da aldeia, uma clareira desminada, ou aparentados. Nisto, um tipo que tinha
Não. A casa era a rádio. É uma rádio, um tipo e assistimos aí à primeira troca de começado connosco no Lubango passa a
precisa de casa para quê? prisioneiros. A Torre Sineira, crivada de palavra: “Estão a meter malta na RDP, Rua
As pessoas costumam ter uma cama balas de alto abaixo, tinha palavras de ordem Sampaio e Pina.” Eu aviso o Rangel; o Rangel
onde dormem, uma cozinha onde fazem de todas as guerras: contra o Exército avisa o David Borges. Já estamos todos cá.
café. português em 1961; MPLA-UNITA; FNLA, Enquanto a rapaziada da direitola estava no
Não há uma rádio onde eu não tenha tudo. E eles queriam que nós Æzéssemos Rossio, há o passa-palavra e fomos à RDP. O
dormido. Tirando a actual. praia. Para não incomodar. Estava feito o tipo que me recebeu disse que era director
Dormia onde? essencial: a chegada triunfal a Luanda de de onda curta. “Então você de onde é que
Onde calhasse. No estúdio. Estar a montar o José Eduardo dos Santos depois de assinar o veio?”, “de Angola”, “quando é que quer
programa e adormecer e o técnico continuar acordo. Lembro-me de ver o Luís Alberto começar?”, “amanhã?”, “amanhã!”. Foi
a montá-lo sozinho. Aconteceu dezenas de Ferreira a chorar diante da casa onde tinha assim com todos. Foi assim que entrámos.
vezes. Na TSF também. Dormi no Quelhas. nascido porque escorria cocó na parede. Tinham saneado a malta de esquerda no 25
Cheguei a dormir em cima das mesas. Havia Regressa a Portugal em 1975. O que o fez de Novembro e precisavam de pessoas.
um espaço de três horas com as luzes sair de Luanda? Quando se apercebem de que meteram os
desligadas e ninguém a trabalhar. Deitava-me Há um momento em que já não quero voltar. tipos errados e não nos podem despedir,
em cima da mesa e dormia. As senhoras da Ainda fui à Vila Alice, era militante do MPLA, fazem um concurso público — eles nunca
limpeza tapavam-me com os jornais, o Diário um MPLA onde cabiam todos, de admitirão, mas foi assim que aconteceu —
de Notícias era muito grande. Ouvia-as a sociais-democratas a anarcas, o meu caso. onde a rapaziada que estava no Rossio
dizer: “Este senhor anda numa má vida, mas Eu não tinha catecismo ideológico, era um concorre, grande parte chumba, mas foram
ele é amigo.” Às vezes, eu levava o lixo e vadio. Esse MPLA não existe há muitos anos. directores, chefes de redacção e directores.
atravessava a Rua do Quelhas, íngreme, que Tornou-se uma coisa burocrática e Os resultados estiveram um mês para sair.
escorrega no Inverno. As senhoras tinham repressiva, um coio. Eu Æquei em primeiro lugar, o Rangel em antes. Mas ia para lá todos os dias.
varizes, uma era velhota, umas vidas Quando é que deixou de acreditar? segundo, o David em terceiro. Eles não Acordava a que horas?
desgraçadas. “Dê cá isso que eu levo.” E elas, Foi mais quando cheguei a Portugal. queriam. Um dos gajos no júri era o Três. Chegava até às quatro. Abro o
em retorno, vinham tapar-me com jornais. Começaram a chegar amigos que escapavam Jerónimo Bragança, que fazia letras de fado, computador, vejo coisas... Os jornais
Dormiu em todas as redacções? do 27 de Maio, que vamos buscar ao um tipo de direita. Mas a Maria Leonor, uma acabaram de chegar. Costumo chegar antes
Todas. Esporadicamente. Em Luanda é que aeroporto e dizem: “Estou farto de fascismo voz do outro regime, uma senhora de direita do senhor da segurança, que traz os jornais.
vivi seis meses na rádio. negro.” Quando uma pessoa como o Leston mas séria, e uma grande proÆssional, disse: Às vezes ajudo-o até a rebentar as cintas. E
Como é que isso é possível? Bandeira diz isto, está resolvida a questão. “Não. Eles ganharam o concurso, têm de leio.
Estava sozinho. Venho do Lubango, o Até o seu Che Guevera desistiu. Æcar, se não, eu denuncio esta porcaria.” Se Que jornais?
Macedo diz “Æcas nesta mesa”. Não tinha Ele combateu por eles, andou a matar não é esse gesto corajoso dela, não sei o que Quase todos. Apanhei muitas histórias no JN.
casa, pousei a mala e Æquei. Comia no bar da sul-africanos por eles. Quando gloriosos teria acontecido. Eles tentaram não Uma das coisas que me deixam triste é que
rádio, na cave, uns pregos, e dormia num comandantes batiam a sola, ele Æcou. homologar o resultado do concurso. Fui aquele jornal cumpriu uma função: nunca
dos 400 estúdios. Em 1973, a Phillips Mas, antes, há um momento em que dirigido por um tipo que chumbou nesse resvalou para coisas nojentas, ranhosas, mas
montou uma cidade de vidro com dezenas decide: “Vou apanhar um avião.” concurso. Na Sampaio e Pina, íamos ao bar sentou-se com os vagabundos. À sua
de estúdios, alguns ainda nem tinham sido A mãe das minhas Ælhas estava grávida da Coice, onde convivíamos com os malditos maneira, desceu ao nível do chão para ver o
utilizados. Tomava banho na casa de banho e minha Ælha mais velha e eu vinha trazê-la, esquerdistas que tinham mandado embora e mundo. Nas 50 histórias deste livro, há
pendurava a roupa na corda de um jardim estava cá um mês ou dois e voltava. Não que estavam em litígio com a RDP. quatro ou cinco que apanhei no JN. Se eu
interior. trouxemos nada, Æcou lá tudo. Estava já Eles continuavam a ir ao bar? estivesse a fazer o Sinais hoje, imagine que vi
Ninguém disse: “Está na hora de arranjar muito turbulento, mas eu convivia bem com Era um lugar de resistência e de encontro. o Dias Perfeitos, no dia seguinte estaria a falar
uma casa?” a turbulência. Eles estavam suspensos, não despedidos: o de árvores, do olhar daquele homem que
Era o que faltava! E o que eu produzia?! Em que mês nasceu a sua filha? Adelino Gomes, o Joaquim Furtado, o Luís vive sozinho em Tóquio e que olha da forma
Falou de escorbuto, a doença nos navios Felipe Costa. Alguns entraram na mais amável, que capta a linguagem poética
da expansão portuguesa. cooperativa que dá origem à TSF. do mundo.
Sim, falta de vitaminas. Nada que não se Os suspensos são dos melhores O Sinais era um diário?
curasse com umas injecções fortíssimas de jornalistas de Portugal. É meio diarístico, sim. Elegendo sempre um
carga vitamínica. Para mim, o Adelino é o Papa. tópico. Às vezes, aquilo vai por ali fora, uma
Não havia laranjas? Onde é que a TSF foi inventada? coisa puxa a outra, Æca ali, pronto, não tem
Eu tinha o que mais gostava, bitoque com Na RDP, onde trabalhávamos. Não quero lições a dar, nem coisa nenhuma.
batatas fritas. Só atravessava a rua para falar desse tempo, essas pessoas cindiram-se Mas a recomendar coisas boas.
comprar tabaco. Aquela rádio foi o em dois grupos, foi uma coisa fratricida. A levantar poeira.
Estado-maior, o Rossio, o ponto de onde
partiam todas as manifestações da sociedade
Para escrever a Hoje, felizmente, porque isto está tudo tão
mal, estamos no mesmo lado da barricada.
É a obsessão: “Isto dava uma crónica.”
Estou sempre a pensar nisso. Andava sempre
civil. Os partidos demoraram a instalar-se. As
direcções dos partidos chegam bastantes
história [de Sinais] Zangaram-se porquê?
Por concepções diferentes e por causa das
com um caderninho, mas não tenho
nenhum programa. O [fotógrafo] Duarte
meses depois do 25 de Abril. A seguir a
Bicesse [acordos de paz de 1991], voltei a basta-me uma políticas de alianças. Eu estou muito
convencido de uma coisa, outros estão
Belo é um dos meus grandes amigos. Ele
sabe que risquei os livros do pai a vida toda.
Angola em reportagem, integrado num
grupo de jornalistas, uma coisa organizada hora. O problema genuinamente convencidos de outra. É uma
ferida que não cicatrizou. Hoje sou tentado a
Devo ser o tipo que mais leu o Ruy Belo na
rádio. Em todas as rádios o passei. O Ruy
pelo MPLA. Foi o Rangel que me meteu
nesse comboio. Eu ia para trabalhar e outros é onde é que dizer assim: de um lado estão os que não
ganharam nada a não ser, mais tarde, o
Belo escreveu para a rádio. Sem saber, em
nenhum lugar ele o disse. Mas é uma escrita
iam passar uma semana de férias. O MPLA salário da TSF. radiofónica. Ele mandou-me uma coisa que
queria que Æzéssemos a chegada do José eu pego e onde Vamos ao Sinais. Disse que gravava e eu encontrou nas coisas do pai. É uma receita
Eduardo dos Santos depois dos Acordos de imaginei-o sempre em directo. de um oftalmologista com o timbre
Bicesse. O Luís Alberto Ferreira, que estava é que eu largo Gravava. Às vezes uma hora antes, meia hora “Fernando Alves”.
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 11

PAULO PIMENTA
eu me espalho”? cá.” O medo do ridículo tem mais força do
Várias vezes. Com os técnicos a gozarem que o meu peso. Mas dentro de uma
comigo. fronteira que eu estabeleço. Gravo no
É a adrenalina do motorista da próprio dia, até às 8h. Faço um
ambulância? contra-relógio; vou a correr para o abismo.
Preciso de correr esse risco. Sou mau Muitas vezes às cinco da manhã não tenho
improvisador, defendo-me muito com a nada.
escrita. O único mérito que tenho ao longo Se gravasse num horário mais
destes 50 anos é ter amadurecido uma tradicional...
escrita radiofónica, uma coisa dançável, ... não era mesmo.
cadenciada, um balanço. Perdia o brilho?
O amadurecer na rádio é ter de dançar? Perdia a urgência.
Tem de dançar. Não quer dizer que seja Nunca leu em directo?
palavrosa. Às vezes percebo que tenho Nunca.
adjectivos a mais. Há a velha discussão sobre Porquê?
se os adjectivos são para mandar fora. Porque se espalho, aquela cama sonora
Alguns são excelentes. parece um divã. Uma coisa daquelas não
Como nasceu o Sinais? aguenta que um tipo se espalhe, que se
Há um momento em que começo a fazer o engane, que salte um parágrafo.
Sinais. Ninguém me encomendou o Sinais. É procurar a perfeição?
Não foi decidido: “Agora vais fazer uma Uma perfeição, uma coisa limpa. Mesmo
crónica.” Não. Um dia, por qualquer razão, que o poema seja sujo. Isto não tem muito
Æz. Lá está: pela mesma razão que dormimos segredo.
nas rádios. “Já que estou aqui, olha que coisa Fui à procura dos doidos das crónicas
engraçada. Queres esta coizinha?” Coisas diárias, são poucos.
que não encaixam no noticiário. Não sou É uma pancada. Mas digo: o mais tramado é
capaz de dizer se foi o Rangel que disse “faz o esqueleto. Perceber: é isto. O resto vai.
mais”, sempre às nove menos dez, sempre Para escrever a história, basta-me uma
com aquela base fantástica, o suporte hora. O problema é onde é que eu pego e
musical. onde é que eu largo.
Quem é que o descobriu? Ter a ideia.
Um sobrinho do David Borges, o Luís Paulo A ideia e a ossatura. Onde é que isto
Borges, animador da TSF, muito reservado, encaixa? E encontrar a curva paradoxal, o
gastava 20 palavras por dia fora da antena, espanto. Não é tirar uma lição. Embora, no
um dos tipos com mais bom gosto musical início, posso e devo ter caído nessa
que conheci. Aquela base é extraordinária! armadilha.
ANTÓNIO SILVA Dá para tudo, tensões dramáticas, coisas “Vou ensinar-vos uma coisa.”
doces, tudo. Cheguei ao estúdio e disse: Sim, que estupidez. É mais o escancarar o
“Não me arranjas uma coisa que dê para paradoxal. Onde é que esta coisa me
tudo, que aguente uma crónica de dois espantou? Esta coisa enriqueceu-me,
minutos com um registo que pode ser fez-me andar uma hora ou duas a
intimista ou abrasivo?” Ele pegou num CD e esgadanhar e encontrar links possíveis, mas
disse: “Esta serve?” Assim, na hora. onde é que ela é verdadeiramente me
Que disco é? perturba?
Não faço ideia. E preÆro não saber. Às 4h da manhã estava a ler os jornais à
Como é que a poesia entra no Sinais? Ia à procura de uma frase que o espantasse?
procura da actualidade por causa de um Sim. Uma frase com a qual, se fosse editor,
verso ou era ao contrário? podia ter aberto o noticiário.
Pode acontecer pelas duas razões. A Uma coisa da actualidade?
primeira crónica deste livro foi das coisas Uma coisa da actualidade que é sempre
que nos últimos tempos mais gozo me deu. A relegada para o caixote do lixo, que não tem
história do ladrão que roubou o mealheiro peso em si mesma. Pode ser uma frase forte
de um miúdo de sete anos que estava a do tipo que ganhou as eleições ontem.
juntar dinheiro para comprar um bezerro. Não vai começar o noticiário da TSF
E mete lá um poeta. com a frase do menino cujo mealheiro
Meto lá o Guimarães Rosa. Uma passagem de foi roubado no Brasil.
um conto de Sagarana. Talvez pudesse. É o milagre da TSF, o
A poesia aparece em Benguela? milagre inicial. É um pouco como as
Estabeleço uma relação com o tipo da Lello fotograÆas da primeira página do PÚBLICO.
em Benguela que é estranha: ele passava-me Quantas vezes aquela fotograÆa em si
livros proibidas. Eu tinha 16 anos. Fiz um mesma, fora do contexto, não seria
Sinais sobre ele 30 anos depois. relegada para o lado e, noutro contexto,
Como se chama? ganha uma força. A história do menino:
O oftalmologista de Ruy Belo tem o seu Crónicas do tempo Era o Manel, “Manel da Lello”, da Livraria imagine que era o Dia da Criança.
nome. No topo, Fernando Alves lê uma Lello, na rua principal de Benguela. Não sei Falta poesia?
Exacto. E eu comecei logo a pensar: o Ruy crónica durante a representação da se é vivo, estava muito doente. Passava-me Falta inverter a ordem, inverter a escala.
Belo é dos tipos que mais têm referências a peça de teatro Eu Nunca Vi Um Herberto Helder, coisas assim. Foi por causa Porque é que a Cultura vai sempre no Æm
olhos na poesia. Era um trabalho de casa. Helicóptero Explodir, de Catarina dele que li o Espaços em Volta, o Ruy Belo. dos noticiários? Porquê? A não ser quando
Num caso destes, eu ia para casa na véspera Ferreira de Almeida e Joel Neto, com Se gravava o Sinais, porque não gravar é o Nobel da Literatura. Abrem às vezes
vasculhar as coisas de Ruy Belo: olhos, olhos, encenação de Luísa Pinto, numa na véspera? com banalidades completamente patéticas,
olhos. co-criação de Luísa Pinto e António Seria muito arrumadinho. Ia ter a tentação uma coisa que um político disse na véspera
Está a contar como é que constrói os Durães, na ilha Terceira, Açores, em de mais uma citaçãozinha, mais não sei o e que já foi dita 20 mil vezes e tens ali um
textos. Março de 2021. Em cima, Fernando quê, mais perfeitinho. É esta coisa do Æo da tipo a descobrir pólvora de outro calibre e
Muitos são do próprio dia. Se tenho esta já Alves, o segundo a contar da navalha, de pensar, “talvez me espalhe Æca para o Æm? É a velha paginação do
aboborada e pinga ali uma coisa na hora, esquerda, durante uma entrevista a hoje”. Isso dá-me para esticar a corda, antes do 25 de Abril: Presidente da
esta Æca para o dia seguinte. PreÆro correr Jorge Sampaio em Luanda, em 1975 inventar palavras, correndo o risco de cair República, Governo, Estrangeiro, Desporto
para o abismo. Entrar em pânico. São sete e no trocadilho fácil. Uma vez perguntei ao e Cultura nem conta. Porque é que estamos
ainda não acabei esta porcaria, como é que Carlos Andrade: “Achas que às vezes posso prisioneiros dessa arrumação?
eu ligo isto agora, como é que isto liga com resvalar para o ridículo, para o piroso?” E O jornalismo está muito igual?
quê? ele: “Às vezes, estás no gume da coisa, mas Está muito sentado. Se eu tenho uma Dora,
Chegou ao abismo e pensou “é hoje que consegues sempre aguentar-te do lado de tenho de abrir com a Dora.
12 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

MICHAEL DALDER/REUTERS

C
hove em Paris. Tocamos à por- Se até agora a produção era no Brasil — o
ta do número 146 da Rue du
Faubourg Poissonnière, pas-
samos a portaria, depois o
espaço de refeições e, de se-
A marca de sapatilhas algodão orgânico é brasileiro e peruano; já a
borracha chega da Amazónia —, desde o ano
passado que nasceu o projecto Aegean, que
tem como objectivo produzir sapatilhas em

Veja
guida, entramos num edifício Portugal. Este investimento foi anunciado oÆ#
onde a luz do dia entra do tec- cialmente nesta semana. Deste modo, abre-se
to envidraçado e uma escada- a porta à produção local, ou seja, num país
ria branca domina o espaço. Manhã cedo e, europeu para distribuir para a Europa. Ao P2,
como numa fábrica, os trabalhadores vão en- em Novembro, sem ainda levantar o véu sobre
trando. A maioria dos 250 a 300 funcionários o projecto em terras portuguesas, mas dando
é jovem, com um ar descontraído e, nos pés, algumas pistas de que seria por cá, Kopp ex-
calça sapatilhas Veja. Estamos na sede da mar- plicava a importância de desenvolver uma “se-
ca francesa que, embora aposte na sustentabi- gunda cadeia de fornecimento” a partir da
lidade desde sempre, reconhece que são pou- Europa, devido à responsabilidade ambiental
cos os clientes que conhecem esta sua faceta, que a sua empresa assumiu, desde sempre. O
comprando o seu produto porque está na moda responsável adiantava que também estão a ser
e não pelo que poderá contribuir para um pla- pensadas novas fontes de matérias-primas mais
neta mais saudável, reconhece o fundador próximas, de modo a que o Brasil continue a
Sebástian Kopp. produzir para todo o continente americano e
A Veja nasceu em 2005, eram Sebástian na Europa se encontre uma resposta local.
Kopp e François-Ghislain Morillion, amigos de Para já, em Portugal está a ser produzido um
infância, dois jovens de 24 anos, acabados de único modelo, o V-90, mais de 80 mil pares,
sair da faculdade e decididos a correr mundo. diz a agência de comunicação da marca. Este
Então, apostaram numa organização que ofe-
recia um serviço a grandes empresas de têxteis
e calçado: perceber como eram as condições
de trabalho das fábricas no Sudeste asiático,
quer ser “uma crítica é um modelo que foi lançado em Setembro e
que é “caracterizado por um estilo retro e mo-
derno que combina a estética atlética old-school
dos anos 90 e conforto”, disponível em três
entre outros pontos do globo, onde essas em-
presas compravam. Foi assim que chegaram
ao Brasil; foi assim que desistiram do primeiro
plano, ao constatarem o desinteresse das em-
ao capitalismo actual” combinações de cores, acrescenta a agência.
Do quinto e último andar do edifício pari-
siense, onde se escondem dos olhares mais
curiosos as propostas para as próximas esta-
presas em saber o que se passa na cadeia de ções, vê-se a Basílica do Sacre Couer. À medida
produção e partiram para um novo projecto:
fazerem eles próprios aquilo em que acredi- Com fábricas do outro lado do Atlântico, que vamos descendo, há caixas de cartão es-
palhadas que dizem made in Brazil. No último
tavam. Assim nasceram as sapatilhas conhe-
cidas pelo “V” lateral, meio deitado. Um “V” a marca francesa aposta na sustentabilidade andar estão os criativos, assim como as equipas
de vídeo e fotograÆa. Ali são feitas todas as
de “veja”, uma palavra portuguesa “curta” campanhas e imagens que podem ser vistas
para dizer “veja através dos sapatos”, explica e escolhe Portugal para produzir sapatilhas no site da marca. Kopp diz que não gastam
Kopp, em português do Brasil. Trata-se de um dinheiro em marketing e é um facto que não
produto criado de maneira sustentável, com para o mercado europeu se vêem outdoors nas cidades ou anúncios em
base em “projectos sociais, justiça económica meios de comunicação social. “Decidimos não
e materiais ecológicos”, enumera. Por Bárbara Wong, em Paris fazer publicidade. As grandes multinacionais
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 13

gastam imenso em publicidade e patrocínios ganhar para não nos tornarmos dependentes rados pela Log’ins, uma associação de integra-
e isso é 80% do preço do sapato. Esse custo de alguém. Podíamos ser dez vezes maiores, ção económica e social, criada há 32 anos e que
nós pomos no início da cadeia.” mas seríamos uma empresa diferente.” Este se dedica à integração de pessoas com proble-
modo de estar é uma crítica ao capitalismo mas sociais, deÆciência, problemas de mobili-
selvagem?, pergunta o P2. O empresário Æca dade; e que colabora com a Veja desde 2005.
Segunda mão
em silêncio para responder: “A Veja é uma crí- O programa prevê que as pessoas trabalhem
O edifício que foi a antiga gráÆca e redacção tica ao capitalismo actual...” dois anos nos armazéns, ajudá-las a deÆnir um
do jornal do Partido Comunista Francês, o L’Hu-
manité, albergou outras empresas até chegar
As condições nas fábricas brasileiras são
“boas”, com horários das 7h30 às 16h. A Veja Muita gente fala projecto proÆssional e integrá-las no mercado
de trabalho. Ali, recebem o salário mínimo.
a Veja, há cerca de um ano. Por isso, há mobi-
liário que foi herdado (esquecido por outros);
nasceu e cresceu no país de Lula. “O Brasil de
Lula, de 2004 a 2014, era um sonho, as pessoas de circularidade, Fechar o ciclo
outro foi comprado em segunda mão; há car- eram muito pobres no Nordeste, Fortaleza,
petes recicladas, nada é novo. Há cozinhas em Recife; vimos as pessoas passar pelo programa sustentabilidade... Depois de chegadas as caixas de sapatilhas ao
todos os andares, para quem não vai ao espaço Fome Zero que mudou as suas vida, um pro- armazém, são distribuídas pelos vários entre-
de refeições onde tudo é feito recorrendo ao
comércio local e aos ingredientes da estação.
grama que obrigava as crianças a ir à escola.
Bolsonaro foi terrível para o Brasil. É o que
Nós estamos postos e é também ali que é feita a expedição
online. Recebem o stock, cinco a sete conten-
No Ænal do dia, o que sobra é deixado em cima
de uma mesa e quem sai pode levar para casa
penso, desculpem.”
E o algodão, a sua produção não esgota os
focados na tores semanais, na época das festas; durante
o ano, são quatro. Cada contentor traz sete mil
(em recipientes que tenha levado para o escri-
tório para esse propósito). A iluminação é adap-
solos? Kopp responde que não. “Estamos a
fazer isto há 20 anos. Para evitar o esgotamen-
realidade e na pares. Todas as caixas são veriÆcadas e saem
para as lojas, em média 300 pares para cada.
tada à luz do sol para poupar, tal como o ar
condicionado pode ser reciclado e só é ligado
to dos solos, os agricultores fazem várias cul-
turas (sésamo, milho, etc.), a produtividade
transparência A Veja é vendida em lojas multimarca, como o
El Corte Inglés; e tem lojas próprias em Paris,
quando estritamente necessário.
Sentados no rés-do-chão do quartel-general
é menor, mas os solos estão protegidos”, ex-
plica, acrescentando que esta é uma fórmula
e esperamos que Bordéus, Berlim, Madrid e Nova Iorque. Kopp
não sabe quando chegarão a Portugal com loja
da marca, ao lado de uma enorme caixa de
acrílico com as palavras clean, repair, collect,
que está a ser seguida por outras empresas.
E os agricultores recebem “acima do preço
as pessoas julguem. própria. “É uma possibilidade.”
Por semana, saem do armazém cerca de dez
onde os trabalhadores podem depositar sapa-
tilhas velhas que podem ser arranjadas, Sebás-
de mercado”, garante. E quanto ao couro?
Houve a preocupação de escolher gado uru- Um projecto onde mil pares para e-commerce. É também ali que
chegam as devoluções. É feita uma veriÆcação
tian Kopp conta a história da empresa a jorna-
listas portugueses, ingleses, belgas e alemães.
guaio que vive ao ar livre e come pasto, nada
de rações, informa. Mas, lamenta, “menos de não haja amor e, se não houver problema, o par é integrado
— por exemplo, há muitos clientes que com-
A dada altura, pára, olha para a iluminação e
aponta para a quantidade de focos naquele es-
1% dos clientes sabe isto”. E diz: “É frustrante
que as pessoas não saibam, mas decidimos que já sabemos onde pram dois pares iguais com números diferen-
tes, Æcam com os que servem e devolvem os
paço, um gasto óbvio, critica. As suas palavras
são apontadas por um elemento da equipa.
o fazíamos por nós.” Contudo, toda essa infor-
mação está em cada caixa de sapatos compra- vai acabar outros, explica a responsável do armazém. Se
houver defeito, vão para o sapateiro — ao lado
Kopp fala português desde 2004, obrigado da, assim como no site da marca. E, feitas as do armazém —, onde são arranjados e voltam
pelas suas incursões (e do seu amigo e sócio
François-Ghislain Morillion) pelo Brasil. An-
contas, este é um sapato caro? Kopp rejeita que
o seja. Um par de sapatilhas custava entre 100
Sebastián Kopp a ser postos numa caixa. Nada se estraga.
À medida que estavam a produzir, surgiu um
davam pelos campos de algodão e pelas fábri- e 110 euros, há três anos; hoje anda pelos 130 problema: o que acontece às sapatilhas depois
cas, onde ninguém falava inglês e muito menos a 140. “Outras marcas são mais caras, quando de vendidas? Daniel Schmitt, chefe de projec-
francês, recorda. Cada um tinha 6500 euros sabemos o preço a que o produto sai das fábri- tos, recebe-nos no contentor dos sapateiros,
e partiram de mochila às costas. “Foi uma cas”, diz, fazendo referência a conhecidas mar- onde há dois proÆssionais a trabalhar. Schmitt
aventura e mantivemos esse espírito: não ter cas norte-americanas que produzem na Ásia. explica que reciclar a espuma, os atacadores,
medo de nada”, diz. Para produzirem, preci- “Qual é o ordenado de um trabalhador no Viet- a lona... seria insustentável e o impacto am-
savam de dinheiro e pediram um empréstimo name? O que interessa não é o que dizem, mas biental seria “enorme”. Por isso, “antes de re-
a um banco que apoiava produções ecológicas. o que fazem”, diz, quase zangado. ciclar, podemos reparar e usar as sapatilhas o
Quando chegaram a França, venderam toda Sebástian Kopp rejeita que a sua competição mais tempo possível”, diz com entusiasmo. Foi
a produção, cinco mil pares de sapatos, em sejam essas marcas e compara: “É a analogia em 2018 que começaram a pensar nisso, mas
Paris e Lyon. O nome Veja pegou deste lado entre um jornal e alguém que escreve fake confrontaram-se com a diÆculdade de um sa-
do Atlântico, mas do outro não, aÆnal existia news.” O empresário dá como exemplo o ar- Vejam pateiro tradicional não saber arranjar sapati-
uma revista com o mesmo nome, por isso, no mazém aonde chegam os sapatos vindos do Ao lado, calçado da Veja numa feira lhas — aliás, de esta ser uma proÆssão em vias
Brasil (onde a marca tem escritório) as sapa- Brasil, onde no início trabalhavam pessoas que de moda e equipamento desportivo de extinção. “O padrão de consumo leva a que
tilhas são vendidas com o nome “Vert”, o mes- tinham saído da cadeia e que precisavam de em Munique, Alemanha, em 2020. as pessoas deitem fora, em vez de reparar”,
mo “V” para “verde”, em francês. Produzir ser integradas. Actualmente, trabalham pessoas Em baixo, produtores de borracha lamenta. Portanto, foi preciso fazer formação.
no Brasil não é o mesmo que produzir na Chi- doentes ou com deÆciência (física ou mental). de Feijó, estado do Acre, Brasil, à volta Foi em 2020 que abriram o serviço de repara-
na, adianta. A preocupação da Veja é que to- É fora de Paris, que Æcam os armazéns explo- de uma sapatilha da Veja ção na loja de Bordéus — o espaço eleito para
dos os trabalhadores tenham salários justos, PER-ANDERS PETTERSSON/CORBIS NEWS/GETTY IMAGES
fazer as experiências da Veja, como vender
por isso, discutem esse tema com cada um sapatos em segunda mão ou protótipos.
dos elementos da cadeia de produção, como Depois, as Galerias Lafayette pediram para
por exemplo, os seringueiros que exploram a ter um espaço desses, no ano passado seguiu-
borracha da Amazónia. se a loja de Berlim e neste ano foi a vez de
Questionada sobre se há queixas relativas à Madrid. “Reparamos tudo, mesmo sapatos de
exploração naquela Çoresta, a directora de co- outras marcas”, continua Schmitt. “Não temos
municação Roxane Cruchandeau garante que a pretensão de que todos os clientes tenham
são inexistentes e que o trabalho da Veja é “en- Veja”, brinca. “No futuro, outras marcas vão
corajar as pessoas a manter as árvores, de modo pensar no mesmo”, acredita. O arranjo custa
a travar a exploração de gado”, referindo que 40 euros, “a margem [de lucro] é pequena”,
o director da empresa no Brasil é um “antigo garante. “Muita gente fala de circularidade,
seringueiro” e acrescentando que pagam a bor- sustentabilidade... Nós estamos focados na
racha a um preço mais alto precisamente para realidade e na transparência e esperamos que
que as árvores se mantenham de pé. “O nosso as pessoas julguem. Um projecto onde não
trabalho é educar, educar”, declara. haja amor já sabemos onde vai acabar”, diz
“Crescemos sem investidores, não com o Kopp. O que a Veja faz pode inspirar outros a
foco no lucro mas nas pessoas”, diz Kopp ao seguir os seus passos? Novo silêncio. “Não
P2, referindo que a empresa tem tido ofertas sei... Às vezes tentam imitar-nos, mimetizam
para ser comprada; e que ele e o seu sócio po- o nosso design mas não são como nós, não
diam ser ainda mais ricos, mas “para quê?...”. copiam a nossa cadeia de fornecedores, as
Aos jornalistas esplana a ÆlosoÆa por detrás nossas práticas, o que é uma pena.” Depois
da marca: “Somos prudentes como os avós, da conversa com os jornalistas, Sebastián
não queremos ser os maiores mas os melhores. Kopp pega na sua cadeira e arruma-a.
Queremos que as pessoas tenham bons salários
porque não temos investidores, mas temos de O P2 viajou a convite da Veja
14 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

Na cidade
Entrada do
Estabelecimento
Prisional
de Coimbra. Esta
cadeia destina-se
a reclusos
condenados
a penas de prisão
superiores a dois
anos e aos
condenados por
crimes
considerados
graves e muito
graves.
O crescimento da
cidade acabou por
assimilar a cadeia
para a malha
urbana de Coimbra
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 15

A
trás de um enorme para dar alojamento aos frades que panóptico de Bentham: uma torre sobrelotada, raramente se mantendo
portão de ferro verde há quisessem seguir estudos superiores. Em inacessível, cuja cúpula está a uma altura de abaixo dos 560 reclusos na sua população.
um largo de calçada 1556 seria abençoada e desterrada a 40 metros, onde um só guarda consegue Este número, claro, oscila com os que vão
portuguesa onde em primeira pedra do edifício, mas a sua vigiar todos os reclusos. saindo e os que entram para o seu suplício
simetria possível se construção tornar-se-ia num exemplar A estrutura da antiga Cadeia dentro daquele labirinto. Há quem entre
encontram duas perfeito da informal arquitectura de Santa Penitenciária, destinada a reclusos novo e de lá saia velho. Vidas inteiras ali
laranjeiras, com as copas Engrácia, sendo inaugurado quase um condenados a longas penas e aos Æcam, como memórias assinaladas no
aparadas em griffe de século e meio depois, em 1713, próximo do denominados “delinquentes de difícil anonimato das celas, como se tivesse por ali
jardineiro. Atrás do portão, há outro, mais Convento de Santa Ana de Coimbra. correcção”, mantém-se intacta. O passado um qualquer Steve McQueen no
pequeno, com grades. É como um posto O colégio seria extinto em 1834 e, durante Estabelecimento Prisional de Coimbra tem a papel de Papillon, Æcção das Æcções, que
fronteiriço para outro mundo, onde o tempo mais de cinco décadas, votado à maldição mesma lógica de segurança, destinando-se a alumia quem cumpre penas mais longas do
passa devagar, tem outro peso, outra do abandono. O edifício e o terreno onde se reclusos condenados a penas de prisão que vidas.
relatividade. encontrava seriam cedidos à superiores a dois anos e aos condenados por O tempo foi criando uma estranha
Contam-se os dias, as horas, os passos que municipalidade, para a construção da crimes considerados graves e muito graves. relação entre os estudantes e os reclusos,
ecoam nos silêncios próprios da reclusão, Cadeia Penitenciária de Coimbra, que nessa O crescimento da cidade acabou por uma espécie de diálogo metafísico entre
percorrendo os longos corredores, altura se encontrava bastante afastada da assimilar a cadeia para a malha urbana de dois mundos perfeitamente antagónicos, da
aracnídeos, que conÇuem numa cúpula malha urbana da cidade. A penitenciária Coimbra, dando-lhe uma centralidade que absoluta liberdade à sua absoluta privação,
majestosa, no centro do octógono que começou a ser construída em 1889, Æca sempre entre o estranho e o indesejável como uma barreira só transponível pelo
forma o Estabelecimento Prisional de entrando em funcionamento em 1901. Era para um estabelecimento prisional. som. O som da chamada dos reclusos pelos
Coimbra, outrora o Colégio da Nossa um verdadeiro baluarte da reclusão, de A proximidade da Universidade de seus números ouve-se na universidade. O
Senhora da Conceição da Ordem de Cristo, construção celular, oito alas dispostas em Coimbra criou improváveis laços com esta mesmo acontece na cadeia com o som da
erigido nos seculares terrenos da Eira da estrela, ao melhor estilo “FiladélÆa”, velha cadeia, com uma capacidade máxima “Cabra”. Dos quatro relógios da icónica
Pata, nas cercanias da Universidade de adoptado em cadeias consideradas de alta de 540 reclusos que, como é apanágio do torre, do século XVIII, do edifício da
Coimbra. O colégio, aliás, foi construído segurança, com o chamado sistema sistema prisional português, se encontra Universidade de Coimbra, a gíria c

O ofício de
estar preso
Reportagem O Estabelecimento Prisional de Coimbra é um exemplo
raro. As suas oÄcinas funcionam sem interrupções há mais de um
século. É aqui que se fazem as encadernações mais luxuosas do país,
que ali se fez arte. Uma história longa, seguida por gerações de reclusos
Por Luís Pedro Cabral texto e Pedro Medeiros fotografia
16 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

estudantil baptizou com o nome de “Cabra” onde terá sido feita a manutenção das suas
o relógio virado para o rio Mondego, que é máquinas. Quando se visita o Museu de
como uma batuta que marca o ritmo dos Conímbriga, quando se frequenta ou se está
estudantes. Como deve ser estranho para de passagem pela universidade ou quando,
um estudante ouvir a chamada dos por alguma razão, se está de recurso
reclusos... Como deve ser doloroso para os marcado para o Tribunal da Relação de
reclusos ouvir a vida a chamar, a cada Coimbra, não se imagina onde foi
quarto de hora... Nada mais os une senão restaurado o seu mobiliário. A resposta:
Coimbra, que um dia tornou central esta oÆcinas do Estabelecimento Prisional de
cadeia periférica. Visto de dentro, os seus Coimbra, classiÆcado como de “alta
muros são reais. Cada um dos reclusos sabe segurança” e grau de complexidade de
que estes separam muito mais do que o gestão de nível “elevado”. No caso das
concreto. oÆcinas, estas são geridas por duas
mulheres, o que só causa estranheza para
quem não acompanha de perto o seu
As oficinas do tempo
trabalho, que é fulcral nesta instituição. Para
Tal como a universidade, o Estabelecimento o exterior, a gestão das oÆcinas tem carácter
Prisional de Coimbra (EPC) também já leva empresarial. No interior, esta gestão tem de
longas as suas tradições. Das cadeias ser feita com pinças do universo prisional.
portuguesas, é a que mais produz para o Dentro, as oÆcinas funcionam como uma
exterior. As suas oÆcinas, de diversas artes e espécie de pacto social.
ofícios, estão a produzir ininterruptamente
há mais de um século. Em Portugal, nenhum
A arte da reclusão
outro estabelecimento prisional produz
tanto, tão diversiÆcado, há tanto tempo. É Dos múltiplos ofícios que ali se praticam, a
uma outra forma de relacionamento com o encadernação de livros tornou-se numa
exterior. Para os reclusos, de pouco vale. arte. Às mãos dos reclusos da cadeia de
Quando chegar o “santo dia” da liberdade Coimbra chegam exemplares raríssimos de
condicional, que, dependendo dos crimes coleccionadores, outros de carácter oÆcial,
por que foram condenados e do outros de inestimável valor sentimental. A
comportamento na “sociedade” prisional, maior parte é para restauro, embora
pode ser a meio, a dois terços ou a cinco também ali se aceitem encomendas para
sextos da pena. Esse dia nem sempre chega edições de luxo.
em tempo útil de vida. Se algo os reclusos Na base da cúpula do EPC, que é como o
aprendem é que, ali, não há para onde ir. A coração do seu sistema de segurança,
ilusão desse dia é o que os alimenta, mas assegurado por 140 guardas prisionais em
atenção: no ano passado, o recluso mais regime de rotatividade, frente ao barbeiro
velho do EPC tinha 81 anos. Isto ensina mais da cadeia, Æca a bancada do emérito guarda
do que qualquer cartilha do prisioneiro. Carlos Pereira, que durante mais anos do
No Estabelecimento Prisional de Coimbra que muitas penas que ali se cumprem foi
há diversas oÆcinas especializadas, algumas oÆcial e mestre encadernador, acumulando
em ofícios que no imenso “lá fora” estão em com as suas funções de guarda prisional. Ali
vias de extinção. O mesmo não acontece está pendurada a sua bata de trabalho, Hospital
com a procura. As oÆcinas desta prisão, que como no desporto se penduram as dos livros
ocupam em permanência mais de uma camisolas de alguém que se tornou excelso. Em cima
centena de reclusos, raramente têm quebras Durante quase quatro décadas, foi ele quem e ao lado,
de produção. E geram lucros para o Estado. assegurou que aquela arte passasse de mãos mesas de
É uma espécie de reintegração no mercado em mãos. Ainda o conhecemos no posto, trabalho e
de trabalho, sem impostos, sem direitos quando ele era mais mestre do que guarda, ferramentas
laborais, sem descontos para a Segurança sendo que na sua aparência não se da Oficina
Social. Com sorte, os únicos descontos são distinguia muito dos seus condenados de
no cumprimento de pena. discípulos. Talvez apenas pelo seu sorriso Encaderna-
Em teoria, os reclusos aprendem aqui genuíno, um bem raro numa prisão. O Æel ção e
uma proÆssão que os pode ajudar num guardador das memórias daquela cadeia, Gravura do
horizonte de liberdade. Na rotina onde passou grande parte da sua vida até à EPC. Em
melancólica dos seus dias, é algo que os reforma, recordava com saudade os tempos Portugal,
mantém ocupados, retiram-lhes o foco de em que a então OÆcina da Encadernação e nenhum
coisas piores na escola secreta da prisão. Douração estava a abarrotar de gente e de outro
Este trabalho não é para todos, só para trabalho. Hoje, já são poucos os que se estabeleci-
quem quer e reúne condições de interessam pelo ofício. Actualmente, só mento
comportamento para isso. Há oÆcinas de alguns livreiros e conhecedores mais prisional
marcenaria, de carpintaria, de estofaria, de exigentes procuram os serviços produz
serralharia, de mecânica de automóveis, de especializados da oÆcina de encadernação. tanto, tão
serração, de restauro de mobiliário, O prestígio conquistado pela oÆcina de diversifi-
alfaiataria, cestaria. Aprendem-se ofícios encadernação mantém-se intacto. Recordou cado e há
quase perdidos, como o de entalhador, de o mestre, com os olhos cintilantes que, tanto
sapateiro, de empalhador. Há cursos de embora os não pudesse nomear pelo dever tempo. Às
formação de carpintaria de limpos, de sigilo, já tinham passado pela sua oÆcina mãos dos
arruamentos e pavimentos, de “livros raríssimos, de valor incalculável”. reclusos da
reconhecimento e validação de Essa era, e é, seguramente uma das razões cadeia de
competências, de instalação e reparação de pela qual a oÆcina de encadernação se Coimbra
computadores. destina a um grupo restrito de reclusos. Nas chegam
O seu trabalho está mais presente no palavras do mestre: “Era só a elite da prisão exemplares
quotidiano exterior do que se possa pensar, que vinha trabalhar aqui na oÆcina.” Uma raros,
em detalhes de que ninguém se dá conta. certa estirpe de reclusos, com a têmpera sobretudo
Quando se come uma queijada de Tentúgal, adequada, que não se enquadrava para
ninguém pergunta onde são feitas as facilmente nas especiÆcidades da população restauro
formas. Quando se bebe um café de uma geral. “Pessoas com alguma cultura, com
certa marca de Campo Maior ou de uma graus académicos, eram Æltrados para
cerveja à pressão de alta tiragem em aqui.” Em 40 anos naquele espaço exíguo,
Portugal, nenhuma alminha se põe a pensar mais pequeno do que uma cela do EPC,
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 17

o idioma e a linguagem. Só por ordens muito Horizonte de liberdade trabalho à OÆcina da Encadernação. A
especíÆcas se viola a boa regra. Por essa À esquerda, panóptico octogonal máquina do Estado — tribunais, repartições
lógica, a página três é o frontispício. do EPC; à direita, corredor de celas. de Finanças, registos civis, cartórios
Há muitas coisas da nomenclatura de um Em baixo, capuz antigo numa oficina notariais e aÆns —, que era um dos seus
livro que são do métier de um encadernador — em teoria, os reclusos aprendem melhores clientes, deixou de fazer ali as suas
artesanal, que passam a milhas do vulgo aqui uma profissão que os pode publicações. Os alunos da universidade,
leitor. Folhear é simples quando é correcta a ajudar num horizonte de liberdade assim como os docentes, a mesma coisa. Só
serrotagem na lombada, abrindo sulcos, já alguns professores universitários mais
onde será colocado o requife, a tira estreita velhos, outros jubilados, se mantêm Æéis à
que se coloca no corte. Os encaixes para a encadernação tradicional. Actualmente, os
capa, os nervos falsos, se forem clientes mais comuns da oÆcina de
consequência da costura, e os verdadeiros, Encadernação da cadeia de Coimbra são
se forem feitos depois desta, com agulhas mesmo os livreiros resistentes e os
próprias para costura de papel, semelhantes particulares, que ali encomendam
às dos bordados de lã, para coser a Æo ou a encadernações especiais, personalizadas.
arame. O processo tradicional, como é feito Do Estado, restam as séries mais luxuosas
no EPC, envolve utensílios hoje obsoletos. do Diário da República, que continuam a sair
Uma chifra, para adelgaçar as peles em
pedra litográÆca, dobradeiras em buxo de No Estabelecimento das mãos destes artesãos, que seguem a
tendência das encomendas: cada vez são
aquele guarda prisional, com a modéstia dos
mestres, garantia que tanto tinha ensinado
latão e em osso, ágatas de polir, caldeiras de
cobre, serrotes de entalhe, numa lista Prisional de menos. Os tempos são outros e os reclusos
também. De cada vez que um mestre
como aprendido. Para os que lhes seguissem inÆnita de artefactos que ali são encadernador formado entre grades parte
as pisadas, apenas um conselho, que é como
o primeiro mandamento da encadernação:
ferramentas. Coimbra há para a liberdade, é como se deixasse
naquela oÆcina um vazio de conhecimento.
“Um bom encadernador tem que ser
paciente e meticuloso.” Aquela sensação
Ossos do ofício diversas oficinas Hoje em dia, parece que os reclusos que ali
chegam jovens se interessam mais em
inÆnita de tempo, própria da reclusão, serve
a este ofício como uma luva. Se fosse só isso,
A OÆcina de Encadernação e Douração foi
criada em 1930, sendo que aquela cadeia
especializadas, coleccionar cursos técnicos, em vez de se
dedicarem de corpo e alma a um só ofício.
qualquer recluso se qualiÆcava para as
funções. Para a encadernação, como se faz
recebeu os primeiros reclusos em 1902. Os
tempos podem ser outros, mas um
algumas em ofícios Sobre a arte da encadernação, são
pouquíssimos os que manifestam interesse.
na oÆcina do EPC, não basta. Por paradoxal
que possa parecer, aquele trabalho exige
encadernador artesanal com a escola do
Estabelecimento Prisional de Coimbra
que no imenso DiÆcilmente nascerão no EPC mestres-
reclusos como aqueles que ao longo da
algo que os reclusos, por questões de
manutenção de sanidade mental, preferem
mantém os seus pergaminhos. Algumas
práticas são diferentes, mas o saber
‘lá fora’ estão em longa história da oÆcina de encadernação ali
deixaram os seus nomes presos para
reprimir: sensibilidade. A capacidade de
desenvolver com as obras que ali chegam
continua a transmitir-se como dantes, nem
que não passe de uma aula de História.
vias de extinção sempre. Entre outros, “o Carabina” (não
vale a pena questionar a origem do epíteto),
uma relação de alma, algo de toque, de Já não se dá muito uso ao couro da Rússia. que naquela prisão cumpriu os seus 70 anos
perfume, que poucos sabem reconhecer, tão Poucos saberão que alguns materiais de vida, tendo cumprido quase 20 de uma
especial quanto a substância das palavras utilizados no seu curtume libertam pena que se foi agravando, e mais uns
contidas em alguns desses livros. substâncias que afastam insectos e quantos no Estabelecimento Prisional de
Coisas da feitura, não da leitura. Dos roedores, históricos inimigos dos livros. O Lisboa, por questões de têmpera e de
livros, um mestre encadernador tem de chagrin, normalmente em pele de cabra, comportamento. O “Carabina” era um
conhecer a sua anatomia, dominar as caiu igualmente em desuso. A carneira, a encadernador de excelência. Gostava tanto
texturas, saber como domar o seu nervo, camurça, que proporciona maleabilidade. A do que fazia, que na oÆcina de
folha sobre folha, caderno após caderno, capicua e a pelica, que são muito moldáveis. Encadernação cumpria oito horas por dia
como deixar as dobras em harmonia no O pergaminho inglês, o “marroquim”, que como se estivesse em liberdade precária. O
festo, onde se faz a junção. À esquerda, a ainda é utilizado nas encadernações de luxo. problema era o que fazia nas horas vagas.
lombada. A parte superior do livro é a Alguns por razões de consciencialização Por regra geral dos reclusos, os crimes
cabeça, a sua parte inferior abrevia-se “pi”. ecológica, outros por razão de consciência que os conduziram para aquela prisão são
O lado direito é a goleira (se não for em matéria de direitos dos animais, outros como relapsos do tempo, capítulos
côncavo, pois nessa forma denomina-se pela sua raridade de mercado, tornaram-se esquecidos de um livro que nenhum recluso
caneleira). Não se deve cair na tentação de artigos em via de extinção. gosta de abrir. Se algum dia as memórias se
chamar primeira página ao ante-rosto, nem Os tempos são outros, em tantos aspectos escrevessem sozinhas, já sabiam onde
cometer a imprudência de interromper o que só um encadernador observa, entre encaderná-las.
branco prosaico da segunda e última página estes, a tecnologia, que neste ofício faz tanta
de um livro — guardas brancas —, seja falta como um roedor. Por exemplo: a era Texto publicado originalmente
erudito ou de carácter técnico, prosa ou digital em geral e em particular os bancos de no Contacto, jornal luxemburguês
poesia, do latim ao português, seja qual for dados informatizados tiraram muito em língua portuguesa
18 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

Semana de lazer
Por Cláudia Alpendre Marques
lazer@publico.pt

Música
Virtuosismo e “pura poesia” ao piano
A abrir o Ciclo de Piano, está o jovem talento António Areal, creditado PORTO Casa da Música
como “uma das promessas do pianismo em Portugal”. Não é trunfo único De 9 de Janeiro a 23 de
nas contas nacionais. Deste que é o país em destaque no programa da Novembro. Programa detalhado
Casa da Música para 2024, vêm também os consagrados Maria João Pires em casadamusica.com
(na imagem) e Mário Laginha. O sul-coreano Seong-Jin Cho, os russos Bilhetes de 8€ a 45€
Grigory Sokolov e Olga Kern, e os croatas Lovre MarušiĿ e Martina Filjak
completam o alinhamento dos oito recitais que compõem o ciclo.

soldados nas trincheiras Vamos Mudar o Mundo começa a próprio Afonso Cruz, “devemos
inspirado no conto de Boris Vian. desfiar-se numa loja de pássaros cozinhar crianças resignadas com
Entre o caos, a loucura, a lama, o em zona de guerra. Com bombas o mundo ou devemos criar
desespero, a devastação e o a cair lá fora, e apesar do contexto crianças criativas?”.
cheiro a morte do cenário pedir o contrário, continua a ser TONDELA Novo Ciclo ACERT
bélico, questiona-se (e lugar de refúgio e Dias 13 e 14 de Janeiro. Sábado,
repudia-se) a “normalidade” da deslumbramento de uma família. às 21h45; domingo, às 16h.
guerra, a desumanização e a Findo o conflito, é tempo de abrir Bilhetes a 7,50€
“fragilidade humana diante da a porta a um mundo novo, cenário
brutalidade do campo de que pode ser desafiador quando Ópera
batalha”, sublinha o grupo. “o medo impera e tudo é Árias que
Bruno Pardo, Jorge Cruz, Pedro quantificado”. A solução passa
Diogo e Pedro da Silva por comprar um poeta que, com a
acabam mal
Teatro compõem o elenco. A Teatro sua “delicadeza e forma It’s Not Over Until The Soprano
A humanidade encenação vem assinada por Resignar ou mudar, inspiradora de ver o mundo”, Dies é um manifesto. Hasteado e
José Carlos Garcia. abala as estruturas e sacode os aqui estreado pela Mala Voadora,
d’As Formigas LISBOA
eis a questão medos do coração, que muito apresenta-se como uma “ópera
E se todos se recusassem a fazer Chapitô O imaginário literário de Afonso vivem das memórias. Com feminista” centrada nas árias
a guerra? É esta a pergunta que De 11 de Janeiro a 11 de Fevereiro. Cruz acerta o passo à nova peça dramaturgia de Pompeu José e finais de obras que acabam mal
ecoa na nova criação da Quinta a sábado, às 21h; do Trigo Limpo Teatro ACERT. Catarina Requeijo, um exercício (que são muitas), mais
Companhia do Chapitô (a 40.ª), domingo, às 17h. Estreada em Dezembro passado, de reflexão sobre a educação das especificamente na subjugação,
que leva às tábuas um retrato de Bilhetes a 12€ Museu do Esquecimento ou gerações futuras. Ou, no repto do no sofrimento e na morte das
personagens femininas (também
em doses generosas). É
precisamente na quantidade, na
vertigem e na brutalidade dessas

Dança Dentro de uma caixa transparente, de


corpo ora suspenso ora equilibrado, uma
estranha Ægura testa o espaço que a
mortes — “à facada, queimadas,
por doença, afogadas,
envenenadas, de medo ou de

não encerra, evocando arquétipos e


geometrias, abraçando a metamorfose
em Ægurinos vários que remetem para o
causa desconhecida”, detalham
— , aspectos que vão muito além
da “sedução operática”, que se

dança, imaginário coreográÆco da criadora. É


neste balanço Çuido que se movimenta
Idiota, a performance criada por Marlene
foca este mosaico. Com produção
partilhada pelo São Luiz Teatro
Municipal, o Coliseu do Porto e o
teatro alemão Landesbühnen
dentro Monteiro Freitas em 2022 e aqui
apresentada pela primeira vez em solo
nacional, depois de se ter estreado num
Sachsen, vai a cena pelas mãos
da Orquestra Metropolitana de
Lisboa, com arranjos e direcção

ou fora antigo armazém recuperado em


Bruxelas, cortesia do belga
Kunstenfestivaldesarts. Nesse lugar,
de Nuno Côrte-Real. No elenco
estão nomes como Bárbara
Barradas, Cátia Moreso, Eduarda

da caixa como na escadaria principal da


Fundação Calouste Gulbenkian onde
agora se abre ao olhar português, a
Melo, Marco Alves dos Santos,
Carlota Lagido, Danilo da Matta,
Francisco Rolo, Jorge Andrade ou
bailarina e coreógrafa cabo-verdiana dá Tânia Alves.
corpo a um solo que vem calibrado entre LISBOA São Luiz Teatro Municipal
o mito da caixa de Pandora e o diálogo De 12 a 14 de Janeiro. Sexta
com a obra do artista plástico e sábado, às 20h; domingo,
às 17h30.
compatriota Alex Silva (1974-2019). Da
Bilhetes de 12€ a 15€
tela de pintura à caixa “translúcida,
reÇectora e permeável, [que] é
simultaneamente vitrine e espelho”, faz
notar a sinopse, este é um lugar “de
aprisionamento e libertação”. Integrada
no ciclo Dança Não Dança — Arqueologias
LISBOA da Nova Dança em Portugal, a peça vem
Fundação Calouste Gulbenkian complementada com Miquelina e Miguel
Dias 9 e 10 de Janeiro, às 20h. do coreógrafo Miguel Pereira, reservada
Bilhetes a 10€ na agenda para 4 de Fevereiro.
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 19

Cartaz, críticas, trailers


e passatempos em
Dia de sair
cinecartaz.publico.pt

Minus One M12. 13h50, 16h40, 19h30, 18h; Todos Menos Tu M12. 13h50, 16h10, 21h40; Ferrari M12. 13h30, 16h10, 18h50, Reino Perdido M12. 14h, 16h30, 19h,

CINEMA 22h30; Masha e o Urso: Diversão a Dobrar


11h30, 14h, 16h10 (VP); Godzilla Minus One
Imax - 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, 00h10
18h50, 21h30; Hypnotic - Arma
Invisível M14. 22h10; Águas Negras M14.
13h40, 16h20, 19h, 21h40; Ferrari M12.
21h30; Masha e o Urso: Diversão a
Dobrar M6. 11h05, 14h30 (VP); Cães do
Espaço: Aventura Tropical M6. 11h10 (VP)
21h30; Som da Liberdade M14. 21h20; Mãe
Fora, Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12.
19h20; Todos Menos Tu M12. 19h20,
Lisboa Cinemas Nos Vasco da Gama 12h30, 15h20, 18h10, 21h; A Pequena M12. 21h30; Águas Negras M14. 17h,
Parque das Nações. T. 16996 22h20; Godzilla Minus One M12. 12h45, 21h20; Ferrari M12. 13h40, 16h20, 19h,
Cinema City Alvalade Napoleão 21h10; Wish 11h, 13h30, 16h10, 15h30, 18h20, 21h10; Masha e o Urso:
Cascais 21h40; A Pequena M12. 19h10; Godzilla
Av. de Roma, 100. T. 214221030 18h40 (VP); Wonka M6. 10h50, 13h40, 17h Diversão a Dobrar M6. 10h50, 13h10, 15h15, Cinemas Nos CascaiShopping Minus One M12. 21h30; Masha e o Urso:
O Sol do Futuro M12. 13h15; O Rapaz e a (VP), 20h50 (VO); Patos! M6. 10h40, 13h20, 17h10, 19h10 (VP); Godzilla Minus One M12. Alcabideche. T. 16996 Diversão a Dobrar M6. 12h, 13h40, 15h20
Garça M12. 19h25; O Pub The Old Oak M14. 15h50, 18h20 (VP); Aquaman e o Reino Sala 4DX - 13h30, 16h20, 19h, 22h Wish: O Poder dos Desejos M6. 11h15, (VP); Cães do Espaço: Aventura Tropical
17h15; Napoleão 21h30; Wish: O Poder dos Perdido M12. Sala Atmos - 13h10, 16h, 18h55, 12h30, 14h45, 17h (VP); Wonka M6. 11h, 14h, 11h50, 13h40, 15h20, 17h20 (VP)
Desejos M6. 13h20 (VP); Wonka M6. 11h20, 21h50, 23h40; Todos Menos Tu M12. 13h50, 16h45 (VP), 20h15 (VO); Patos! M6. 11h30,
13h50 (VP); Maestro M14. 15h15, 17h50; Dias 16h30, 19h, 21h30; Ferrari M12. 14h, 17h30,
Amadora 13h, 15h30, 17h45 (VP); Aquaman e o Reino
Perfeitos M12. 14h50, 21h50; Patos! M6. 21h, 24h; Godzilla Minus One M12. 20h30, Cinema City Alegro Alfragide Perdido M12. 14h15, 17h15, 20h; Som da
Loures
11h15, 16h20 (VP); Viagem ao Sol M12. 23h30 C.C. Alegro Alfragide. T. 214221030 Liberdade M14. 19h30; Todos Menos Cineplace - Loures Shopping
15h10, 19h; Anselm - O Som do Tempo Medeia Nimas Patrulha Pata: Super Filme M3. 11h35 Tu M12. 13h30, 16h, 18h30, 20h45; Águas Quinta do Infantado, Loja A003.
M14. 19h35; Ferrari M12. 18h40, 21h20; Av. 5 Outubro, 42B. T. 213142223 (VP); Assassinos da Lua das Flores M14. Negras M14. 19h15, 22h10; Ferrari M12. Trolls 3 - Todos Juntos! M6. 14h30
O Processo Goldman M12. 17h20; As Ervas A Flor à Beira do Pântano 19h30; Anselm 21h; Trolls 3 - Todos Juntos! M6. 11h40, 12h45, 15h45, 18h45, 21h30; Godzilla Minus (VP); Wish M6. 13h10, 15h10, 17h10
Secas M14. 20h25; Masha e o Urso: - O Som do Tempo M14. 17h30; Ferrari M12. 13h45 (VP); O Rapaz e a Garça M12. One M12. 19h45; Godzilla Minus One M12. (VP); Wonka M6. 17h10; Patos! M6. 16h40
Diversão a Dobrar M6. 11h15, 13h15 15h; O Processo Goldman M12. 21h45; 17h10; The Hunger Games: A Balada dos Sala Imax - 13h30, 16h15, 19h, 21h45; Masha (VP); Patos! M6. 13h10, 15h10
(VP); Cães do Espaço: Aventura As Ervas Secas M14. 11h Pássaros e das Serpentes M14. e o Urso: Diversão a Dobrar M6. 10h45, (VP); Aquaman e o Reino Perdido M12.
Tropical M6. 11h25 (VP) UCI Cinemas - El Corte Inglés 21h10; Napoleão 21h15; Wish: O Poder dos 13h45, 16h30 (VP) 16h30, 19h, 21h30; Som da Liberdade M14.
Cinema City Campo Pequeno Av. Ant. Aug. Aguiar, 31. T. 213801400 Desejos M6. 11h35, 13h40, 15h45, 17h50, 21h10; Dança Primeiro, Pensa Depois M12.
Centro de Lazer. T. 214221030 Napoleão 14h50, 18h10, 21h30; Wish M6. 19h55 (VP); Wonka M6. 13h35, 15h55, 18h40, 21h40; Todos Menos Tu M12. 19h10,
Napoleão 18h15; Wish M6. 11h35, 13h40, 11h, 13h50, 16h (VP); May December M14. 21h20 (VO); A Vingança do Professor
Caldas da Rainha 21h20; Águas Negras M14. 19h10,
15h45, 17h50 (VP); Wonka M6. 11h40 (VP), 14h10, 19h15; Wonka M6. 11h30, 13h25, Poutifard M12. 15h15; Patos! M6. 11h15, Cineplace La Vie 21h30; Ferrari M12. 13h30, 16h10, 18h50,
15h50, 18h40, 21h15 (VO); Maestro M14. 16h10, 18h55, 21h40; A Vingança do 13h20, 15h25, 17h30, 19h35 (VP); Aquaman C.C. La Vie. 21h30; A Pequena M12. 19h40; Godzilla
21h10; O Rapaz e a Garça 13h35; Patos! Professor Poutifard M12. 16h45, 21h45; e o Reino Perdido M12. 11h50, 15h40, 18h50, Wish: O Poder dos Desejos M6. 15h10 Minus One M12. 18h40; Masha e o Urso:
M6. 11h15, 13h20, 15h25 (VP); Aquaman Dias Perfeitos M12. 13h20, 16h05, 18h45, 21h40; Som da Liberdade M14. 22h; Mãe (VP); Wonka M6. 19h, 21h30; Patos! M6. Diversão a Dobrar M6. 12h40, 13h20, 15h
e o Reino Perdido M12. 15h25, 17h50, 19h, 21h35; Patos! M6. 11h25, 14h15, 16h35 Fora, Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12. 15h, 17h (VP); Aquaman e o Reino (VP); Masha e o Urso: Diversão a Dobrar M6.
21h20; Som da Liberdade M14. 21h25; (VP); Aquaman e o Reino Perdido M12. 19h35; O Próximo a Marcar Ganha M12. Perdido M12. 16h40, 19h10, 21h40; Som da 13h20, 15h (VP); Cães do Espaço: Aventura
O Próximo a Marcar Ganha M12. 16h40, 22h; Som da Liberdade M14. 18h50, 19h25; Todos Menos Tu M12. 17h15, 19h20, Liberdade M14. 19h; Todos Menos Tu Tropical M6. 13h40, 15h30, 17h20 (VP)
13h15; Todos Menos Tu M12. 17h40, 19h45, 21h50; Dança Primeiro, Pensa Depois M12. 21h25; Águas Negras M14. 13h, 15h20, M12. 21h40; Ferrari M12. 16h10, 18h50,
21h50; Águas Negras M14. 11h40, 13h40, 11h10, 14h05, 16h25, 18h50, 21h20; Mãe 17h20, 19h, 21h30; Ferrari M12. 15h50, 21h30; Masha e o Urso: Diversão a
15h40, 19h55, 21h55; Ferrari M12. 15h20, Fora, Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12. 18h30, 21h30; Godzilla Minus One M12. Dobrar M6. 15h (VP); Cães do Espaço:
Odivelas
18h30, 21h30; Godzilla Minus One M12. 16h, 13h55, 19h; O Próximo a Marcar Ganha M12. 11h20, 21h35; Masha e o Urso: Diversão a Aventura Tropical M6. 17h10 (VP) Cinemas Nos Odivelas Strada
18h50, 21h25; Masha e o Urso: Diversão a 13h45, 18h40; Todos Menos Tu M12. 14h, Dobrar M6. 11h20, 13h10, 15h25 (VP); Cães Estr. da Paiã. T. 707 CINEMA
Dobrar M6. 11h20, 13h15 ; Cães do Espaço: 16h30, 19h, 21h30; Viagem ao Sol M12. do Espaço: Aventura Tropical M6. 11h15, Napoleão 21h; Wish: O Poder dos
Aventura Tropical M6. 11h20, 13h15, 15h15, 14h30, 19h30; Águas Negras M14. 14h20, 13h10, 15h15, 17h10 (VP)
Carcavelos Desejos M6. 10h45, 13h10, 15h30, 18h10
17h10 (VP) 16h50, 19h25, 21h55; Anselm - O Som do UCI Cinemas - Ubbo Atlântida-Cine (VP); Wonka M6. 14h, 17h (VP), 21h15
Cinema Ideal Tempo M14. 19h10, 21h15; Ferrari M12. 11h15, Estrada Nacional 249/1, Venteira. CC. Carcavelos. T. 214565653 (VO); Patos! M6. 11h, 13h30, 16h, 18h30
Rua do Loreto, 15/17. T. 210998295 13h35, 16h20, 19h05, 21h50; O Processo Trolls 3 - Todos Juntos! M6. 11h, 14h, 16h20 Maestro M14. 15h, 17h45; Dias (VP); Aquaman e o Reino Perdido M12. 13h,
Fechar os Olhos M14. 13h45; Goldman M12. 11h20, 16h15, 21h25; As Ervas (VP); Wish: O Poder dos Desejos M6. 10h45, Perfeitos M12. 15h, 17h45 15h45, 18h40, 21h35; Todos Menos Tu M12.
Dias Perfeitos M12. 19h; Viagem ao Sol Secas M14. 15h; A Pequena M12. 11h05, 13h35, 15h50 (VP); Wonka M6. 13h20, 15h55, 18h, 20h35; Águas Negras M14. 20h
M12. 21h15; Anselm - O Som do Tempo 16h25, 21h15; Godzilla Minus One M12. 18h40, 21h25; Patos! M6. 11h15, 14h20,
M14. 16h45; 18h25, 21h10 16h40 (VP); Aquaman e o Reino
Sintra
Cinemas Nos Alvaláxia Perdido M12. 13h15, 18h35; Aquaman e o Castello Lopes - Alegro Sintra
Oeiras
R. Francisco Stromp. T. 16996 Reino Perdido M12. 13h20, 16h05, 18h50, Alegro Sintra, Alto do Forte. T. 219184352 Cinemas Nos Oeiras Parque
Assassinos da Lua das Flores M14.
Almada 21h30; Som da Liberdade M14. 18h10, Trolls 3 11h20 (VP); O Rapaz e a Garça M12. C. C. Oeirashopping. T. 16996
20h55; O Rapaz e a Garça M12. 13h30, Cinemas Nos Almada Fórum 21h10; O Próximo a Marcar Ganha M12. 19h, 12h05; Wish M6. 11h05, 13h15, 15h30, 17h45 Napoleão 21h15; Wish: O Poder dos
16h20, 19h10, 21h50; The Hunger Games R. Sérgio Malpique 2. T. 16996 21h20; Todos Menos Tu M12. 16h15, 18h45, (VP); Wonka M6. 13h40, 16h20 (VP), 11h10, Desejos M6. 11h, 13h40, 16h15, 18h40
13h40, 17h10, 21h; Napoleão 13h45, 17h05, Napoleão 13h20, 17h, 20h45; Wish: 21h15; Águas Negras M14. 14h10, 16h, 19h, 21h30 (VO); Patos! M6. 11h, 14h40, (VP); Wonka M6. 18h, 20h45
20h40; Wish: O Poder dos Desejos M6. O Poder dos Desejos M6. 11h, 13h40, 16h, 16h45, 19h15, 21h25, 21h45; Ferrari M12. 16h50 (VP); Aquaman e o Reino (VO); Patos! M6. 11h15, 13h, 15h20, 17h50
10h40, 13h15, 15h45 (VP); Wonka M6. Sala 18h20 (VP); Feriado Sangrento M18. 20h20, 13h25, 16h10, 18h55, 21h40; Godzilla Minus Perdido M12. 13h35, 16h10, 18h45, (VP); Aquaman e o Reino Perdido M12.
Atmos - 13h20, 15h55, 18h30, 21h10; A 22h45; Wonka M6. 10h40, 13h, 15h50 (VP), One M12. 13h15, 18h45, 21h35 21h20; Som da Liberdade M14. 21h10; Mãe 13h10, 16h, 18h50, 21h45; Som da
Vingança do Professor Poutifard M12. 18h35, 21h35 (VO); The Hunger Games Fora, Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12. Liberdade M14. 20h30; Dança Primeiro,
18h40, 21h20; Patos! M6. 11h, 13h50, 16h10 20h50; A Vingança do Professor 21h35; Todos Menos Tu M12. 13h10, 15h15, Pensa Depois M12. 18h35, 21h; Mãe Fora,
(VP); Aquaman e o Reino Perdido M12. Poutifard M12. 12h50, 15h25, 17h30,
Barreiro 17h20, 19h25, 21h35; Águas Negras M14. Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12. 13h20,
13h10, 16h, 19h10, 21h55; Som da 20h; Patos! M6. Sala Atmos - 10h30, 12h45, Castello Lopes - Fórum Barreiro 17h20, 19h30, 21h40; Ferrari M12. 13h30, 15h40; O Próximo a Marcar Ganha M12.
Liberdade M14. 13h25, 16h15, 19h05, 15h10, 17h30, 19h50 (VP); Aquaman e o Campo das Cordoarias. T. 212069440 16h10, 18h50, 21h30; Godzilla Minus 13h50, 16h10; Ferrari M12. 12h45, 15h30,
22h; Todos Menos Tu M12. 13h35, 15h50, Reino Perdido Atmos - 12h40, 15h30, Wish: O Poder dos Desejos M6. 14h50 One M12. 19h; Masha e o Urso: Diversão a 18h25, 21h30
18h35, 21h05; Águas Negras M14. 14h, 18h30, 21h20; Som da Liberdade M14. (VP); Wonka M6. 12h15 (VP), 19h10 Dobrar M6. 11h15, 13h30, 15h25 (VP); Cães
16h30, 19h, 21h30; Ferrari M12. 13h15, 21h15; Dança Primeiro, Pensa Depois M12. (VO); Patos! M6. 11h, 17h (VP); Aquaman e o do Espaço: Aventura Tropical 11h30 (VP)
16h05, 18h55, 21h40; Godzilla Minus 21h50; Mãe Fora, Dia Santo em Casa... Reino Perdido M12. 16h25, 19h, 21h35; Som
Torres Novas
One M12. 18h50, 21h35; Masha e o Urso: Outra Vez! M12. 14h, 16h30, 19h; O Próximo da Liberdade M14. 21h35; Águas Castello Lopes - TorreShopping
Diversão a Dobrar M6. 11h20, 13h55, 16h25, a Marcar Ganha M12. 13h15, 15h40, Negras M14. 13h10, 15h15, 17h20, 19h30,
Leiria Bairro Nicho - Ponte Nova. T. 249830752
18h45 (VP) Cinema City Leiria Wish: O Poder dos Desejos M6. 11h, 15h05
Cinemas Nos Amoreiras Ponte das Mestras. T. 244845071 (VP); Wonka M6. 16h55 (VP); Patos! M6.
Av. Engº Duarte Pacheco. T. 16996 Cães do Espaço: Aventura Tropical Napoleão 18h30; Wish M6. 11h15, 13h20, 11h05, 14h45, 17h15 (VP); Aquaman e o
Napoleão 13h50, 17h10, 20h30; Wish M6. 15h25 (VP); Wonka M6. 11h40 (VP), 13h40, Reino Perdido M12. 21h15; Águas
11h, 13h30, 16h10, 18h30 (VP); Wonka M6. 16h10, 21h40 (VO); The Hunger Games Negras M14. 19h30, 21h40; Ferrari M12.
20h40 (VO); Maestro M14. 14h, 17h20, 21h25; A Vingança do Professor 13h35, 16h15, 18h55, 21h35; Masha e o Urso:
21h; Patos! M6. 10h40, 13h20, 15h40, 18h20 Poutifard M12. 19h40; Patos! M6. 11h20, Diversão a Dobrar M6. 13h10 (VP); Cães do
(VP); Aquaman e o Reino Perdido M12. 13h25, 15h30, 17h35 (VP); Aquaman e o Espaço: Aventura Tropical M6. 11h10 (VP)
13h10, 15h50, 18h50, 21h30; Som da Reino Perdido M12. 15h15, 19h25, 17h20,
Liberdade M14. 21h10; Dança Primeiro, 21h50; Som da Liberdade M14. 21h55; Mãe
Pensa Depois M12. 19h10, Fora, Dia Santo em Casa... Outra Vez! M12.
Santarém
21h50; Ferrari M12. 13h40, 17h, 21h20; 17h30, 19h45; Todos Menos Tu M12. 17h25, Castello Lopes - Santarém
A Pequena M12. 14h10, 16h30 19h30, 21h35; Águas Negras M14. 11h20, Largo Cândido dos Reis. T. 243309340
Cinemas Nos Colombo 13h20, 15h20, 19h, 21h45; Ferrari M12. Wish: O Poder dos Desejos M6. 11h20,
Av. Lusiada. T. 16996 15h40, 21h30; Godzilla Minus One M12. 14h15, 16h30 (VP); Wonka M6. 10h55, 13h40,
The Hunger Games M14. 18h25, 19h30; Masha e o Urso: Diversão a 16h20 (VP), 11h, 19h, 21h30 (VO); Patos! M6.
21h50; Wish M6. 10h30, 13h, 15h15, 17h40, Dobrar M6. 11h25, 13h15, 17h40 (VP); Cães 11h05, 13h20, 15h35, 17h45 (VP); Aquaman e
19h30 (VP); Wonka M6. 20h50, 23h30 do Espaço: Aventura Tropical M6. 11h35, o Reino Perdido M12. 18h45, 21h20; Todos
(VO); Patos! M6. 11h, 13h30, 15h50, 18h35 13h35, 15h35 (VP) Menos Tu M12. 19h30, 21h40; Águas
(VP); Aquaman e o Reino Perdido M12. Cineplace - Leiria Shopping Negras M14. 13h10, 15h15, 17h20, 19h30,
12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 24h; Som da C.C. Leiria Shopping. T. 244826516 21h40; Ferrari M12. 13h30, 16h10, 18h50,
Liberdade M14. 22h; Todos Menos Tu M12. Trolls 3 - Todos Juntos! M6. 14h30 21h30; Godzilla Minus One M12.
13h20, 16h, 18h50, 21h30, 23h50; Águas (VP); Napoleão 21h10; Wish: O Poder dos 21h20; Masha e o Urso: Diversão
Negras M14. 13h40, 16h20, 19h, 21h40, Desejos M6. 12h30, 13h, 15h, 17h a Dobrar M6. 11h15, 13h10, 15h05,
00h20; Ferrari M12. 12h30, 15h20, 18h10, (VP); Wonka M6. 16h30, 19h; Patos! M6. 12h, 17h (VP); Cães do Espaço: Aventura
21h, 00h05; Godzilla 13h20, 15h20, 17h20 (VP); Aquaman e o Tropical M6. 11h10 (VP)
20 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

Dia de Äcar

CINEMA
Odisseia, 16h
Televisão Os mais vistos da TV
Sexta-feira, 5
RTP1 12,3%
% O biólogo britânico-ganiano
Patrick Aryee é o anÆtrião desta
Marcha Sobre Roma
O Preço Certo
% Aud. Share
RTP1 9,7 20,3
RTP2 0,7 série documental, um original da
TVCine Edition, 19h
Mark Cousins, que fez
Jornal da Noite SIC 9,3 18,0 SIC 15,4 Sky Nature. Nela, Aryee viaja pelo
mundo, por sítios como Costa Rica
TVI
Casados no Paraíso SIC 8,8 17,7
documentários sobre a história do Casados no Paraíso SIC 8,6 16,7 13,1 ou a Colúmbia Britânica, para
cinema, a história das mulheres
Cabo analisar as ligações entre as mais
Casados no Paraíso SIC 8,3 20,3
40,6
realizadoras, Orson Welles ou FONTE: CAEM variadas espécies diferentes. O
Alfred Hitchcock, assinou em 2022 primeiro episódio é sobre
este documentário sobre a bisontes.
ascensão do fascismo. O título RTP1 RTP2 TVCINE TOP
refere a célebre marcha de 17.00 One Shot - Missão de Resgate Factos do Inexplicável
Outubro de 1922, quando Benito 6.00 Espaço Zig Zag 8.00 Bom Dia 7.00 Folha de Sala 7.04 Caminhos 7.31 18.35 Pecado Cósmico 20.00 Apex — HIstória, 22h15
Mussolini foi nomeado Portugal Fim de Semana 10.30 70x7 7.58 Espaço Zig Zag 13.59 Stalk A Presa 21.30 Então... e o Amor? 23.15 O que são os ovnis? Serão uma
primeiro-ministro da Itália. Ainda Eucaristia Dominical 11.31 10.º Festival 14.54 Folha de Sala 15.00 Desporto 2 Crimes do Futuro ameaça? Esta série documental
sob o mote Itália, a seguir passa o Internacional do Circo de Bayeux 16.46 Afazeres do Mês 16.53 olha para eles, falando com
documentário Umberto Eco — A 12.59 Jornal da Tarde Basquetebol: Campeonato Nacional especialistas, testemunhas e
Biblioteca do Mundo, de Davide de Basquetebol Liga Betclick FOX MOVIES tentando perceber do que se
Ferrario, e Seca, de Paolo Virzì. 2023/2024 19.17 Replay 19.20 Temos 18.15 Quo Vadis 21.15 Correio de Droga tratam ao certo. No primeiro dos
14.27 Missão: 100% Português 15.17 Programa 19.48 Folha de Sala 23.05 O Virtuoso 0.55 Apocalypse Now dois episódios mostrados nesta
Signs — Sinais Masterchef Portugal17.49 I Love Redux 0.18 Jackass 2.5 1.25 Jackass 3 noite, uma cidade americana é
SyFy, 21h30 Portugal19.59 Telejornal assolada por uma nave estranha,
M. Night Shyamalan assinou em 19.52 Zoe um australiano é alvejado por um
2002 este Ælme inquietante. Nos HOLLYWOOD objecto bizarro e há um avião no
anos 1970, apareceram sinais nos 21.20 The Voice Portugal 17.45 Harry Potter e os Talismãs da Triângulo das Bermudas.
campos. Serão obra improvável de Morte - Parte 2 19.50 Senhor do Crime
humanos, que apenas numa noite 21.30 Warcraft: O Primeiro Encontro de Secrets of Prince Andrew
conseguem realizar tamanha 0.51 Best-Sellers Dois Mundos 23.35 Hitman — Agente AMC Crime, 22h30
proeza, ou serão sinais, deixados 47 1.10 Heat — Cidade Sob Pressão André, Duque de Iorque, o
pela passagem de extraterrestres príncipe britânico que é o terceiro
no nosso planeta? Tudo aquilo em Ælho de Isabel II, caiu em relativa
que Graham Hess (Mel Gibson) AXN desgraça pela associação ao
acredita é posto em causa quando 21.30 Jornal 2 22.01 Paquete 23.56 18.33 Free Fire 20.10 Percy Jackson e o traÆcante sexual Jeèrey Epstein.
nos seus campos aparecem estes BBC Proms: Carnaval dos Animais de Mar dos Monstros 21.55 Resident Evil: Esta é a sua história.
sinais-padrões de curvas e linhas Camille Saint-Saens 0.36 Voz do Bem-Vindo a Raccoon City 23.51 Max

MÚSICA
esculpidas nas suas colheitas. Cidadão 0.54 Cinemax 2.01 Payne 1.35 Harry Potter e a Câmara dos
Confinado na Aldeia 2.22 A Casa da Segredos
Um Mundo Perfeito Música: História do Conservatório —
Cinemundo, 22h30 Escola das Artes 3.28 Dia Santo 4.19 BBC Proms: Carnaval dos
Há um sabor a clássico nesta 2.36 Ressuscitar Alves dos Reis, um Seu Criado 5.02 FOX Animais de Camille
trágica história de passagem de o Éden — Ajuda Humana para XXV Concerto Comemorativo do COA 18.00 Bastille Day - Missão Antiterrorista Saint-Saëns
testemunho, um Ælme de Clint a Resiliência da Natureza 6.35 Temos Programa 19.45 Boyka: Undisputed 4 21.20 RTP2, 22h55
Eastwood de 1993. Kevin Costner Missão: Vingança 23.10 Blood Father — O narrador Michael Morpurgo
acaba involuntariamente por se O Protector 0.40 O Homem dos Punhos juntou-se, em 2021, à família
tornar uma Ægura tutelar para um SIC TVI de Ferro Kanneh-Mason, liderada pelo
rapazinho que rapta após ter violoncelista Sheku
fugido da penitenciária. Com uma 6.00 Camilo, o Presidente 6.40 Uma 6.15 Diário da Manhã 7.15 Campeões e Kanneh-Mason, para interpretar,
secura de tom que contrasta com Aventura 7.35 Passadeira Vermelha Detectives 8.00 Inspector Max 10.00 DISNEY CHANNEL O Carnaval dos Animais, de
o manancial poético presente, a 9.10 Casa Feliz 12.10 Vida Selvagem: As Baleias com Steve Backshall 11.00 17.05 Hamster & Gretel 17.50 A Maldição Camille Saint-Saëns, nos cem anos
rebeldia e o desespero dos Wild Scandinavia 13.00 Primeiro Missa de Molly McGee 19.00 Os Green na da morte do compositor francês.
anti-heróis surge aqui cansada e Jornal 14.10 Fama Show Cidade Grande 20.30 Miraculous

DESPORTO
apaziguada. — As Aventuras de Ladybug
12.00 Querido, Mudei a Casa
Best-Sellers 14.30 Domingão
RTP1, 00h51 DISCOVERY Basquetebol:
Quando Lucy Skinner herda a 12.58 TVI Jornal 18.21 Aventura à Flor da Pele: Náufragos Oliveirense-Benfica
editora do pai, acha que vai 19.57 Jornal da Noite 20.07 O Segredo das Coisas 21.00 A RTP2, 16h53
torná-la um grande sucesso. Mas Febre do Ouro 22.46 À Pesca de Ouro O Oliveirense recebe o BenÆca
após uma série de livros mal 14.00 Somos Portugal para este jogo do Campeonato
recebidos pela crítica 21.45 Isto é Gozar Com Quem Nacional.
especializada, ela percebe que Trabalha HISTÓRIA

INFANTIL
está em vias de perder tudo. 19.58 Jornal Nacional 16.09 O Preço da História 20.12 Os
Seleccionada para competir no Maiores Mistérios da História 22.15
Festival de Cinema de Berlim, uma Factos do Inexplicável 23.46
comédia agridoce realizada por 21.30 Big Brother Os Maiores Mistérios da História The Incredibles
Lina Roessler, na sua estreia em — Os Super-Heróis (VP)
longa-metragem. O elenco inclui Disney Channel, 11h
Aubrey Plaza e Michael Caine. 1.30 Doida por Ti ODISSEIA Realizado por Brad Bird e feito
17.33 A Aventura dos Elefantes 18.22 pela Pixar, um Ælme de animação

DOCUMENTÁRIOS
Pesca Extrema Abaixo de Zero 19.05 Os que conta uma história de
22.15 Era Uma Vez na Quinta 0.15 Terra 3.00 Mistura Fina Caçadores de Lagostas 20.35 Clima aventura cheia de acção sobre um
Nossa 2.40 Casados no Paraíso Letal 22.13 O Universo 23.41 O Fim do casal de super-heróis que se
Planeta Selvagem: Espécies Mundo reformou para formar família e é
Interconectadas obrigado a voltar ao activo.
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 21

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13º
Braga
Bragança

8º 11º 7º 12º
semicondutores tradicionais. -4 º
Alojamento Local. 5 - “Gato de 13 º

fora (...) à porta e vai embora”. Vila Real
Vinho obtido pela destilação dos Porto Índice UV Baixo Índice UV Baixo
cachos de palmeira. 6 - Terra 14º 8º Vento Fraco Vento Fraco
13 º -2º
cultivada ou arável. Tecido de 1,2m Humidade 70% Humidade 71%
arame. 7 - Sociedade Anónima. 2º
Viseu
Patuscada (regional). 8 - Que vê Guarda
com dificuldade (pop.). 9 - 13 º Quarta-feira, 10 Quinta-feira, 11
Aveiro 0º 9º
-3º
12º 12º
Agência Portuguesa do
Ambiente. Saquei. 10 - Michael 2º
13º 4º 5º
(...), realizador do filme “Ferrari”.
Suspirar. 11 - Que causa erosão.
Interjeição que designa dúvida Coimbra
ou menosprezo.
13º Índice UV Baixo Índice UV Baixo
VERTICAIS: 1 - Pátria (fig.). 3º Vento Fraco Vento Fraco
Cordame do navio. 2 - Castelo Branco Humidade 70% Humidade 72%
Numeração romana (4). Cesta Leiria
larga e baixa. Casal. 3 - Cortar 12 º
14º -1º
com serra ou serrote. Parte da 3º
bota acima do artelho. 4 -
Segunda lavra no Outono MEDIDOR DE CO2
(Trás-os-Montes). Base aérea Santarém Portalegre
portuguesa. Símbolo de Mauna Loa, Havai
nanossegundo. 5 - Ordem dos 14 º 11 º
Advogados. Interjeição que 3º 0º Partes por milhão
designa nojo ou desprezo. Ligue. (ppm) na atmosfera
6 - Coser sem deixar sinal da Valores por semana
costura. Avenida (abrev.). 7 - Lisboa
Irmã. Terreno em que há
13 º Semana de 31 Dez. 422,40
vegetação espontânea. 8 - 6º Évora
“Morte e (...)”, novo livro de José
Gil. 9 - Sufixo que termina Solução do problema anterior: Setúbal 13º Há um ano 419,34
HORIZONTAIS: 1 - Epifania. As. 2 - Mamata. Rico. 3 - Ir. Ré. Agora. 4 - Cs. Afalar. 5 - Claudine. 14º 2º
ingredientes utilizados em Há dez anos 397,73
alimentos ultraprocessados. 6 - Aro. Rima. 7 - Veneza. Zuca. 8 - Mete. Sei. 9 - PE. Medusa. 10 - Olheiras. 11 - Meloal. Alor. 5º
Associação de Estudantes. Semana de 24 Dez. 421,86
Equívoco. 10 - Burra. Magistrado VERTICAIS: 1 - Emir. Av. PPM. 2 - Par. Creme. 3 - Im. Clone. Ol. 4 - Farsa. Etilo. 5 - Até. Urze.
superior das antigas repúblicas Ha. 6 - Na. Adia. Mel. 7 - Afim. Lei. 8 - Arganaz. Dra. 9 - Iole. Usual. 10 - Acra. Acesso. Beja
11 - Soara. Aia. Sines Nível de segurança 350
de Veneza e Génova. 11 -
Distinção. Tontura. 17º 13º Nível pré-industrial 280
14º 3º
0,8m 8º

QUALIDADE DO AR
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Sagres 15º
Solução do problema 12.371 7º Excelente
16º Porto
11º Faro 18º Razoável
Mau Coimbra
0,5m
Não é
Açores saudável
Corvo Nada Lisboa
Graciosa saudável
18º Perigoso Évora
Flores
São Jorge 16º Terceira 2,5m
17º 16º 11º
13º
4,2m Faro
Faial
Pico São
Miguel
SOL
18º 18º
14º
Problema 12.373 3,2m
Ponta Delgada
Dificuldade: Muito difícil Sta Maria
Nascente Poente
Madeira 7h55 17h31
Porto Santo
22º
20º Madeira 18º LUA
Problema 12.372 3,2m 21º 21º
Dificuldade: Fácil
17º 1,2m Nova 11 Jan. 11h57

Funchal Crescente 18 Jan. 03h53


Cheia 25 Jan. 17h54
Solução do problema 12.370
Minguante 2 Fev.
MARÉS Preia-mar Baixa-mar *de amanhã
23h18

Leixões m Cascais m Faro m

11h32 2,7 11h08 2,7 11h15 2,7


17h49 1,2 17h23 1,3 17h16 1,2

00h04 2,8 23h41 2,9 23h46 2,8 Nascente Poente


03h51 13h45
06h16* 1,2 05h55* 1,3 05h48* 1,2 de amanhã
Fontes: AccuWeather; Instituto Hidrográfico; NOAA-ESRL
22 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

Estar bem

Como deixar de fumar erva (ou largar


outros hábitos tóxicos de que está farto)
Deixar de fumar e de beber exigiu muito mais esforço do que a autora esperava, mas partilha o que aprendeu
Susan Shapiro

Fumei erva e tabaco durante 27 anos go especializado em toxicodepen- de dieta por dia), não conseguia li- va a poupar por deixar de comprar po com aqueles que eram sensíveis
até que Ænalmente decidi deixar de dência. dar com as reuniões gratuitas dos dois maços de tabaco por dia (um às mudanças que eu estava a fazer.
o fazer. Agora, que estava decidida, Deixe de procurar a “única” Alcoólicos Anónimos e dos Marijua- valor anual de 10.000 dólares a pre- Em vez de sair para jantar ou ir a ba-
pensei que não teria problemas em solução na Anónimos, onde muitos mem- ços de hoje), marijuana e álcool. res, onde me sentiria tentada, fazia
deixar de fumar sozinha, mas estava Os centros de reabilitação podem bros fumavam ao ar livre, comiam Para não falar das despesas médicas horas de trabalho e marcava encon-
muito enganada. ser locais seguros para recuperar, os donuts fornecidos e bebiam café subsequentes que teria de suportar tros com camaradas e estudantes
Em vez disso, tentei várias vezes e alguns ex-consumidores de drogas e refrigerantes. Achei as minhas ses- devido a doenças relacionadas com sóbrios, e sentia-me realizada por
tive repetidas recaídas antes de Ænal- foram ajudados por antidepressivos sões semanais individuais com um o tabaco. No Ænal, o meu seguro de também ter dado os meus 10.000
mente abandonar os meus maus há- e conheço viciados em tabaco que especialista em toxicodependência saúde cobriu algumas das minhas passos por dia.
bitos, há 20 anos. juram que conseguiram com O Mé- muito mais eÆcazes, embora tivesse despesas com a terapia e acabei por Nunca se recupera completa-
Aqui estão algumas das lições que todo Simples para Deixar de Fumar, de pagar do meu bolso, o que muitas publicar vários livros sobre como mente
aprendi: de Allen Carr. No entanto, descobri pessoas não podem fazer. lidar com os vícios (um deles com o A maioria dos viciados nunca ter-
Desistir no Ano Novo não faci- que um único método não era suÆ# O tratamento pode ser mais meu antigo terapeuta). mina o processo de abstinência. Se
lita as coisas ciente para combater uma compul- económico do que pensa Pode não ser capaz de o fazer baixar a guarda, pode ser fácil voltar
As férias e os aniversários não são, são a longo prazo. Por Os 125 dólares que o meu especia- sozinho aos seus antigos hábitos. Durante a
de facto, boas alturas para iniciar isso, adoptei uma lista em toxicodependência cobrava Algumas pessoas conseguem dei- pandemia, comecei a comer grandes
mudanças ou para publicar as suas combinação que, por cada sessão de 50 minutos xar de fumar a frio. Mas, para muit
muitas, tigelas de pipocas enquanto via pro-
promessas no Instagram e no TikTok, segundo os espe-spe- pareciam astronómicos, espe- isso é mais difícil do que parece, se gramas de televisão e, mais tarde,
ou no Facebook. Muitas pessoas que cialistas, pode ser cialmente porque ele queria não mesmo impossível. Estou gratagr Æquei surpreendida ao descobrir que
tomam resoluções para o dia 1 de muito útil. O que
ue que eu me comprometesse a por ter contado com uma mão-ch
mão-cheia tinha engordado 25 quilos. Assim, 17
Janeiro desistem delas no Ænal do funcionou para ra vê-lo durante um ano. Até de “pilares fundamentais”, que in- anos depois de ter deixado de fumar
mês — e os especialistas dizem que a minha per-- que Æz as contas ao que esta- cluíam o meu terapeuta, familia
familiares e de beber, continuava a substituir
isso se deve ao facto de os dias que sonalidade e colegas, que também não fu- involuntariamente um vício por ou-
rodeiam as celebrações estarem re- particular- sóbri
mavam e estavam sóbrios, tro. Deixando de comer pipocas,
pletos de expectativas emocionais e mente vicia- e um cônjuge encoraja-
encora perdi peso. Também me apercebi de
irrealistas. da foi um ata- dor (que só era depen-
depe que talvez nunca conseguisse deixar
Anunciar as suas intenções nas re- que total: ade-- dente de mim). de fumar e que precisava de me
des sociais pode aumentar a pressão sivos de Não conte com o manter vigilante para evitar outras
e pode levá-lo ao fracasso. Então, nicotina, terapia
apia apoio de todos na sua s dependências pouco saudáveis. Isso
talvez seja melhor escolher uma al- de conversação ão se- vida signiÆcava escrever diariamente
tura diferente? Depois de anos de manal, uma rotina
otina Infelizmente, a sua s num diário e manter uma rotina mo-
tentativas e erros, tive sorte em dei- diária de exercí-
ercí- abstinência pode ser um u derada de alimentação, sono, exer-
xar de fumar no domingo 7 de Outu- érie
cios e uma série espelho de hábitos seme-
sem cício e trabalho. E, embora tenha
bro de 2001, uma data aleatória que de mudanças ças lhantes que outros têm e deixado de fazer terapia semanal há
se adequava à minha agenda e que comportamen- en- podem Æcar ressentid
ressentidos muito tempo, volto a fazer sessões
agora comemoro. tais, que incluía
uía consigo. Por vezes, os telefónicas de emergência sempre
A mudança de substâncias pode evitar bares e fes- meus amigos e familia
familiares que necessário.
adicionar novos obstáculos tas com bebedores
dores e pressionavam-me para pa Não espere felicidade instantâ-
Quando se deixa de ter um mau riar o seu
fumadores. Criar que me juntasse a e eles nea
hábito, é frequente começar a usar próprio plano no multicamadas para tomar uma bebi
bebida, Estará melhor a todos os níveis por
outro para o substituir. Quando dei- pode trazer mais sucesso. fumar ou “apenas” co- ter desistido. O que mais me ajudou
xei os cigarros, dei por mim a fumar Não parta do princípio de mer uma goma ou u um psicologicamente foi ter baixas ex-
um charro todas as noites. Quando que os grupos os são melho- browniee (com mamari- pectativas e desistir da ideia de alívio
deixei a erva, comecei a beber dema- res juana). Ou queixa-
quei imediato. Na verdade, senti-me mal
siado. Quando decidi não consumir Embora os programas de vam-se de que eu durante um ano inteiro depois de
álcool, comecei a consumir açúcar e 12 passos e oss centros de me tornara “d“de- deixar a erva, os cigarros e o álcool.
a engordar, o que me deixou mais reabilitação cheios de fun- masiado intensa”
inten Mas parte do meu processo de cura
desesperada por um cigarro, um co- cionários disponíveis
sponíveis sejam, depois de ter d
dei- foi descobrir formas de adiar a gra-
nhecido inibidor de apetite. muitas vezes, considerados o padrão xado de fumar. Para
Pa tiÆcação e aprender a “sofrer bem”,
Mas eu estava determinada a con- de ouro no tratamento,
ratamento, não o são evitar sucumbir à prpres- como diz o meu terapeuta. Isso levou
tinuar a não fumar. Demorei algum para toda a gente.
ente. Como tinha ten- são dos colegas, socializei
sociali a uma maior paciência e a um suces-
tempo a perceber que tinha de pa- dência para ganhar peso depois de menos e passei mais tem-te so na minha carreira e nos meus re-
rar de procurar outra solução e deixar o tabacoco e tinha de ter cuida- lacionamentos também. Quando
aprender a Æcar quieta e a lidar do com a cafeí-eí- abandonei os hábitos tóxicos, tive
com o desconforto subjacente que na que inge- espaço para que algo mais bonito
tinha estado a evitar com as sub- ria (para tomasse o seu lugar.
stâncias. “Subjacente a todos os não Æcar
problemas com substâncias que já ansiosa Exclusivo PÚBLICO/The
vi está uma depressão profunda por beber Washington Post
que parece insuportável”, alerta uma dúzia
Frederick Woolverton, um psicólo- de refrigerantes
tes NLSHOP/GETTY IMAGES/ISTOCKPHOTO Tradução: Bárbara Wong
Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024 • 23

In Memoriam
ALAIN DENIZE/ GETTY IMAGES

O “cowboy
de Montrouge”
que aproximou
o Dakar
das estrelas
Pioneiro e tricampeão do rally raid mais
famoso do mundo, despediu-se antes
da 46.ª edição da competição que decorre
na Arábia Saudita e pediu para só ser
sepultado no Änal do rali África Eco Race
Augusto Bernardino
Morreu René Metge, tricampeão famoso do mundo, considerado o
do Paris-Dakar. A notícia do Everest do automobilismo, se viu
desaparecimento, aos 82 anos, de forçado a emigrar para a América
um dos pioneiros da mais do Sul em 2009 antes de chegar à
emblemática corrida de rally raid Arábia Saudita em 2020, muito do
do planeta — como consequência fascínio do autêntico e puro
de um AVC (acidente vascular Paris-Dakar perdeu-se na
cerebral) —, silenciou o universo transição de paisagens e mutação
do automobilismo a menos de 48 das dunas.
horas do arranque do agora Para a história, Æcam as se considerarmos as conquistas lugar novo. Fico com a impressão
denominado Rali Dakar, mesmo
que desde 2007 não “desague” no
conquistas, com destaque para os
três Paris-Dakar, primeiro ao
René Metge posteriores a 2008, ano em que o
Paris-Dakar se converteu numa
de ser a minha primeira vez”,
declarou, lembrando que “o
Lac Rose.
Porém, no calendário de Metge,
volante de um Range Rover com
as cores do arco-íris (1981) e
1941-2024 corrida não-africana.
René Metge distinguiu-se
Dakar é uma corrida tão difícil do
ponto de vista técnico como
a referência mais signiÆcativa, e
que jamais poderia ignorar, era o
depois dos Rothmans Porsche 911
Carrera 3,2 4x4 e 959 (1984 e
Piloto igualmente no papel de director e
organizador de provas. Primeiro
humano” e que representa “uma
escola de vida”, que “nos
início do África Eco Race, 1986), entre incontáveis do Paris-Dakar (1987 e 1988), confronta com a humildade”.
competição iniciada um dia antes participações em competições sucedendo ao criador da A humildade que moldou o
do adeus de um dos grandes como as 24 Horas de Spa e de Le Em Fevereiro de 2022, a editora competição, Thierry Sabine, conceito do Eco Race, uma
responsáveis — juntamente com Mans (seis participações, uma das Le Voyageur publicou a biograÆa falecido em 1986 num acidente de corrida centrada na segurança e
Jean-Louis Schlesser e Hubert quais ao lado do baterista dos René Metge Pilote de 7 a 77 ans com helicóptero. Tudo para não deixar na sustentabilidade que pretende
Auriol — pela concepção da prova Pink Floyd, Nick Mason) ou a prefácio de Jacky Ickx morrer o Paris-Dakar. despertar as consciências e a
que partilha o ADN e se assume Fórmula Renault Europa, rampa (companheiro de equipa em Posteriormente, organizou responsabilidade ecológica e em
como legítima herdeira do de lançamento para a Fórmula 1, 1984), onde se conta a história do provas de moto-esqui no Canadá que todos os participantes se
original Paris-Dakar. onde privou com alguns dos mecânico, aÆnador, piloto, (Raid Harricana) e o famoso Rali comprometem em preservar o
A autenticidade de Metge, um nomes mais relevantes do país da co-piloto e director. Uma vida Paris-Moscovo-Pequim (1992), meio ambiente e deixar uma
dos traços agora enfatizados pelos época, como Didier Pironi, moldada pelo asfalto e pelas predecessor do Rali marca positiva nos países que
seus admiradores, repousa Patrick Tambay ou René Arnoux. areias na grande época dos Transiberiano, em 2008 — Paris-S. visitam. Como? Contribuindo
juntamente com o último desejo Dos tempos da primeira pioneiros dos rally raid. Uma Petersburgo-Pequim —, antes de para o desenvolvimento das
do francês nascido nos subúrbios conquista da Taça R12 Gordini, história que começou ao volante criar o África Eco Race. populações através da criação de
de Paris, na comuna de em 1972, à estreia do Paris-Dakar de um Bugatti antes da breve Além da Ælha, Elodie, René projectos capazes de gerar
Montrouge, um ano após a em 1979, Metge mostrou passagem para as duas rodas, Metge transmitiu a paixão dos energia através de painéis
ocupação nazi, durante a II igualmente aptidões em Super onde provou a ambição dos ralis aos primos mais jovens fotovoltaicos, como os concebidos
Guerra Mundial, e que ganhou a Turismos, com a conquista de campeões. Adrien e Michael Metge, dois na Mauritânia para fornecer uma
alcunha de “cowboy de títulos em 1976 e 1978. Depois do Mas Metge não se destacou motociclistas que transportam o escola na capital e uma biblioteca
Montrouge”: Metge pediu para ser sucesso no Dakar e de cinco anos apenas como piloto de eleição e apelido Metge pelas paisagens de em Chinguetti, ou a plantação de
sepultado apenas no Ænal do de pausa, Metge regressou em que no Paris-Dakar continua a ser África e junto dos habitantes que três mil eucaliptos em 2011.
África Eco Race, agendado para o 1994 ao volante de um camião, um dos mais vitoriosos nos carros tanto encantavam o patriarca, Para Jacky Ickx, Metge
dia 14, em Dakar. E isso diz muito tendo participado ainda em 2003 (mais concretamente o quarto, a como deu conta numa das últimas distinguiu-se sempre pelo trato e
do piloto e organizador de com a Ælha Elodie como par de Pierre Lartigue e Carlos entrevistas, à revista francesa facilidade de tornar-se amigo das
algumas das corridas mais “navegadora”, concluindo a Sainz), apenas superado por Ari Auto-Hebdo. estrelas, como as a que agora se
relevantes dos últimos 50 anos. sequela dos Dakar com 13 vitórias Vatanen (4), Nasser Al-Attiyah (5) “Sempre que regresso ao juntou para guiar os novos
No fundo, desde que o rali mais em “especiais”. e Stéphane Peterhansel (8). E isto, continente africano, descubro um cowboys do deserto.
24 • Público • Domingo, 7 de Janeiro de 2024

Crónica

Em busca da meteorologia
punk perdida

A
o regressar a eÆcaz, um tratado de cooperação menos isso”), e ilustrado numa A ideia, na verdade, é mais
Combray durante a entre espectadores e objecto em Trabalhos de casa cena memorável, que o mostra a antiga. Surge no jazz,
quadra festiva,
ofereceram-me,
que os primeiros se comprometem
a desligar 70% do cérebro, e o
Rogério Casanova perscrutar o horizonte ventoso,
pressentindo o boletim das horas
originalmente para acusar alguns
músicos (negros) de se suavizarem
contra o meu hábito, segundo estimula os restantes 30% seguintes nas extremidades para agradar a um público (branco)
um telecomando e até a diferença não ter qualquer nervosas. Mas não é isto que torna mais alargado. O uso
um pacote TV Cabo. Era um importância. O realizador era um Twister um dos Ælmes mais anos 90 generalizou-se nos meios folk
daqueles canais monotemáticos e daqueles holandeses meteóricos dos anos 90. A chave está numa puristas, quando foi preciso reagir
rechonchudos, Nos Estúdios, ou
Fox Movies, ou Mox Films, com um
que Hollywood engolia e
regurgitava, responsável pela
A anátema de das frases ocultas na sinopse do
quarto parágrafo deste texto, “dois
histericamente ao facto de Bob
Dylan ter ligado a guitarra a um
logótipo de estrias que parecia
moldado na valva de uma concha
direcção de fotograÆa em meia
dúzia de Verhoevens, e depois por comprometer grupos de meteorologistas rivais”,
que seria logo uma pista para
ampliÆcador. A acusação tornou-se
parte integrante da língua franca
de Santiago. Mecanicamente,
abatido pelo dia sombrio, levei o
Speed, onde aperfeiçoou o estilo
bater & mexer (o seu nome era princípios desconÆar que algo
profundamente cómico está a
falada entre músicos e fãs, mais
urgente à medida que o prazo de
conteúdo audiovisual às retinas,
deixando amolecer as seguintes
Bont, Jan de Bont).
O cocktail aqui segue uma receita e vender acontecer. validade de cada subcultura ia
sendo encurtado pela tecnologia,

Q
palavras: “Já a seguir: Tornado um pouco diferente, mas não ue clivagem pronta a ser disparada sempre que
(1996)”. menos matemática: duas doses de a integridade ideológica seria hoje uma banda obscura se rendia a
Estremeci, invadido por uma licor Cameron, variante Abismo responsável por uma grande editora, ou fazia
amálgama de sensações
desconexas que o cérebro se
(uma equipa de rústicos
idiossincráticos especializados
artística em dividir “grupos de
meteorologistas
acordes mais aprazíveis para as
rádios comerciais. Mas, pouco
esforçou por traduzir em imagens:
Bill Clinton a tocar saxofone, as
numa qualquer actividade
excêntrica e perigosa); uma dose
favor de rivais”? Uma equipa
acredita em
depois da viragem do século, a
noção eclipsou-se, e hoje quase
Spice Girls a tocar no Príncipe
Carlos, Game Boys, Nirvana, All
de His Girl Friday (com Helen Hunt
a fazer o papel de Cary Grant); e
vantagens tornados e a outra não? Em 1996,
nessa década abençoada, a
precisa de nota de rodapé.
As gerações, tal como as
Star da Converse, blusões de penas
da Duffy, uma infusão onde a actriz
várias colheres de chá de
Spielberg, cujo armário pessoal
comerciais era diferença é mais inocente: uma
equipa é composta por rebeldes de
décadas, são convenientes Æcções
taxonómicas, boas para organizar
Téa Leoni mergulhava os anos 90,
uma década inteira com a camisa
consegue de algum modo aparecer
em tudo o que toca, mesmo
uma ideia tão garagem para quem a meteorologia
é punk, a outra por “vendidos” que
memórias e começar conversas,
mas também é fácil ceder ao
de flanela aos quadrados
firmemente amarrada à cintura.
quando é, como neste caso, apenas
produtor executivo (pais ausentes,
comum que angariaram fundos para adquirir
equipamento topo de gama.
impulso de as tratar como
astrologia — Woodstock, OPEP ou
“Tornado”, repeti em voz baixa,
não no mesmo tom com que
cinemas ao ar livre, prodígios
vindos do céu, perseguições
não ocorreu “Costumávamos trabalhar no
mesmo laboratório, mas depois
Flanela, em vez de Sagitário ou
Mercúrio Retrógrado. Ainda assim,
poderia ter evocado outros pavores
desvanecidos de uma infância
frenéticas alternadas com tableaux
vivants de comédia doméstica, a ninguém eles arranjaram patrocínios
empresariais”, explica um dos
em retrospectiva, o que é
interessante na brevíssima
mediada (“areias movediças”, ou
“maldição de Tutankhamon”), mas
grandes planos de rostos a olhar
Æxamente para um qualquer achar que seria cientistas, com imenso ar de
desprezo, como se estivesse a falar
trajectória do conceito é quão
dependente parece (como tantos
com o que usamos ao identificar
triunfantemente uma memória
prodígio do outro lado da câmara).
absurdo aplicá- de um ex-vocalista da banda que
tivesse assinado contrato a solo
outros nevoeiros culturais) de
condições transitórias, neste caso

M
sintética: eis um artefacto etade do guião com a Valentim de Carvalho. de uma viável alternativa exterior
exemplar do seu tempo, a
arrebanhar um pedaço coerente de
consiste em
instruções
la à previsão E estava, no fundo. Uma das
funções utilitárias da cultura
ao que se estava a rejeitar: a
possibilidade de acreditar na
cronologia.
O filme acompanha dois grupos
gritadas em
maiúsculas
meteorológica g popular é servir de repositório aos
press
pressupostos consensuais do seu
sustentabilidade a longo prazo de
uma boémia desenrascada, ao
de meteorologistas rivais ao longo (“RÁPIDO”, temp
tempo – a pressão atmosférica de invés de uma precariedade com
de um dia invulgarmente atarefado “ACELERA”, “CUIDADO”, tudo o que nem sequer precisa de termo indeÆnido. Abdicar de
nas planícies do Oklahoma, onde “PREPAREM-SE”, “BAIXA-TE”, ser dito.
d A anátema de óbvias vantagens materiais em
perseguem (ou fogem de) vários “CORRE!”), com alguns truques comp
comprometer princípios e vender função de um princípio ético
tornados, até conseguirem chegar bem executados pelo meio — como mo a integridade
inte artística em favor de nebuloso e vagamente infantil
à distância optimizada para o
fazer um silêncio parecer sinistro vanta
vantagens comerciais era uma pode ser feito em qualquer altura,
inseminar o fenómeno eólico com com uma pequena brisa a soprar, r, ideia tão comum que não ocorreu a mas é preciso uma economia
instrumentos científicos que ou o expediente de tratar o ning
ninguém achar que seria absurdo robusta para tornar o gesto
elucidem finalmente um mistério tornado como um predador alfa,, aplic
aplicá-la à previsão meteorológica. consensualmente reconhecível, e o
antigo: qual a motivação com ruídos em conformidade, e Tão ccomum, aliás, que a sociologia seu contrário censurável.
traumática que leva um tornado a uma dieta à base de actores de bolso
bo que hoje se vai fazendo No próximo Verão, uma
exibir aquele comportamento secundários. E temos ainda a sobr
sobre o período continua a “sequela” oÆcial de Twister vai
agressivo? Pelo meio, dois dos dádiva inestimável de ver Bill atrib
atribuir-lhe lugar de destaque. estrear-se Ænalmente, 28 anos
cientistas (outrora um casal, agora Paxton tratado como um Chuc
Chuck Klosterman, na sua recente depois. Será muito diferente do
separados) perseguem também a “barómetro humano”, com um biogr
biografia da década (The Nineties, primeiro, mas transportará dentro
melhor forma de regressarem aos talento inato e intransmissível, 2022 dedica metade do primeiro
2022), de si um dos códigos invisíveis do
braços um do outro, contornando insistentemente reiterado pelo capí
capítulo ao conceito, nosso tempo, demasiado
outro obstáculo natural (a actual resto do elenco (“Estás a am
americanamente baptizado como atmosférico para percebermos
noiva de um deles). dizer-me que ele consegue “s
“selling out”, que identiÆca agora quão efémero será, uma
Twister — o título original — saber o que a tempestade está c
como chave psíquica da camisa de Çanela para o futuro
permanece um entretenimento a pensar?” “Sim, é mais ou Geração X. descodiÆcar, em 2052.

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