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ENTREVISTA

ALEX BATTISTEL

envolvidos em um esforço global,


com pesquisa sobre o aftermarket
também na Europa e nos Estados
Unidos. Não é fácil fazer um estudo
dessa dimensão de forma indepen-
dente, tanto que aqui no Brasil nos
juntamos ao Sindipeças, assim como
na Europa foi feita uma parceria
com a Associação Europeia dos For-
necedores da Indústria Automotiva
(Clepa). Tem também uma motiva-
ção natural de perceber o cenário
brasileiro, entender as dores e criar
conhecimento que seja relevante
para as pessoas envolvidas.

RP – E quais são as principais ten-


dências verificadas nesse estudo?
Felipe Fava – Tem dois temas que
de certa forma surpreendem. O
primeiro é a intensidade da digita-
lização, crescendo de modo con-
tundente e criando uma avenida

É preciso
enorme de oportunidades. Quando
a gente traça paralelismos com os
estudos europeus e americanos,
percebemos o quanto o nível médio

começar já
de desenvolvimento na indústria
brasileira está bem atrás nesse sen-
tido. As empresas ainda trabalham
tirando pedido, envolvendo grande
Sócio da filial brasileira da consultoria McKinsey & Company volume de pessoas operacionais, fa-
e estudioso da mobilidade do futuro, Felipe Fava comenta zendo visita para converter a venda.
o movimento de disrupção que vai impactar o aftermaket E isso num mundo que já é digital.
automotivo brasileiro até 2040 – para ele, quem está Basta ver a nossa vida, como a gente
no mercado deve agir e rápido. resolve hoje questões de banco,
dificilmente vamos a uma agência,
Por Raquel Alves e, mesmo para as compras, a expe-
riência hoje é muito mais virtual.
Revista Pellegrino – Quais são as mo- futuro. Basicamente, antecipar ten- O segundo é o tema da eletrificação,
tivações da McKinsey para articular dências e ver como elas vão afetar o que vai mudar nosso jeito de pensar
um estudo antecipando cenários futuro da mobilidade de forma mais sobre a oficina, vai impactar a quan-
para o aftermarket brasileiro? ampla, seja no equipamento origi- tidade de peças e exigir uma sofis-
Felipe Fava – Eu lidero um grupo que nal, seja na reposição ou no serviço, ticação do serviço prestado muito
estuda justamente a mobilidade do é o nosso foco. Dessa vez, estamos maior, impondo uma mudança im-

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portante do perfil do atendimento. fiador, do ponto de vista tanto de o cliente compra o óleo e o filtro e
Ter o custo mais competitivo pode imagem quanto de volume. faz a troca na garagem da casa dele.
não ser a garantia da venda, mas sim Mas a verdade é que todo mundo
o serviço especializado. RP – Significa então que estamos vai passar pelas mesmas transforma-
defasados para encarar um futuro ções tecnológicas e mudanças nos
RP – O serviço especializado seria que já está despontando? hábitos de consumo. Diferente é a
então a chave para não perder o Felipe Fava – O que me surpreende velocidade com que as coisas vão
passo das mudanças? é que todo mundo pensa que a acontecer lá e aqui. Lá fora já tem
Felipe Fava – Serviço especializado cadeia automotiva é um problema bastante coisa acontecendo.
é talvez a mais importante resposta para daqui a 10 anos. Não é. É
para muitos negócios. A oficina vai preciso começar já. É certo que o RP – O estudo também mostra que
ficar cada vez mais sofisticada, não aftermarket tem uma defasagem os novos hábitos de consumo, como
basta ter elevador, uma chave de natural em relação ao mercado de veículos por assinatura e veículos
boca e uma chave de fenda. Se o equipamento original, o que cria compartilhados, vão impactar os
cliente aparecer para trocar uma um certo conforto, dá a sensação setores de peças e serviços.
lâmpada do farol, ele precisa ter de que é possível esperar mais um Felipe Fava – Todo ano fazemos uma
um leitor de ECU [eletronic con- pouco. O problema é que tem muita pesquisa com o consumidor médio
trol unit], porque a lâmpada tem gente só esperando. brasileiro, todo ano fica mais eviden-
também um sistema eletrônico, e te o uso e não a posse do carro. Ou
o fabricante da lâmpada será acio- RP – Em relação aos outros merca- seja, um carro serve a mais clientes.
nado no instante da troca. Essas dos, Europa e Estados Unidos, os Para o aftermarket, a boa notícia é
tecnologias vão tornar a vida do desafios são diferentes? que aumenta a taxa de utilização, en-
reparador mais e mais complicada. Felipe Fava – Nos Estados Unidos, a tão um carro que, antes, no primeiro
Além da parte técnica, a digitaliza- digitalização de balcão é bastante ano rodava 30 mil quilômetros, agora
ção poderia ajudar muito no rela- evoluída. A Amazon é o principal provavelmente vai rodar 60 mil. Essa
cionamento com o cliente. Ajuda na canal de venda de peças e não é um aceleração no uso tende a gerar mais
venda cruzada e ajuda na gestão de player tradicional desse mercado. demanda de peças e serviços, ainda
todo o processo. Exemplo: aquela Mas eles têm soluções como o My que o mercado como um todo fique
oficina sempre comprava filtro Car, uma plataforma em que o clien- mais concentrado.
comigo e não tem comprado mais. te cadastra o chassi e o aplicativo
Preciso saber o que houve. E se eu indica a peça específica daquele
demorar seis meses para saber por carro. No Brasil, quem faz esse papel Raio X
que aquele cara deixou de comprar, é o distribuidor. O distribuidor sabe McKinsey & Company é
eu não fiz nada, eu simplesmente qual é exatamente a junta homoci- uma empresa de consultoria
perdi seis meses de negócios. nética do Gol 2007 que muitas vezes empresarial americana que
Geralmente, a digitalização ajuda nem o varejista ou a oficina sabem. aconselha empresas, governos
a mapear isso muito rápido. Agir Sem dizer que são culturas bem di- e outras organizações. Está
significa ser muito mais proativo ferentes. A Europa é mais parecida presente em 60 países, com
em relação à venda do que reativo. com o Brasil em alguns aspectos, lá mais de 30 mil colaboradores.
É o que eu chamo de digitalização impera o modelo Do it for me, ou
atrás do balcão, que vai mapear seja, o cliente final delega o serviço
as oportunidades. Enfim, tem uma e a compra de peças para o distribui- SAIBA MAIS
série de ações que podem ser feitas, dor ou para a oficina. Já nos Estados O estudo "Mercado de autopeças deve dobrar de
por exemplo, pelos varejistas, para Unidos, o modelo é mais na linha Do tamanho até 2040 – mas precisa inovar" está
encarar um cenário bastante desa- it yourself, sendo que muitas vezes disponível em mckinsey.com.br

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Setembro – 2023 7

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