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GILBERTO SARFATI

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DIPLOMACIA CORPORATIVA

Sumário

Prefácio, ix
Introdução, l
1 O Planejamento dos Negócios Internacionais, 3
2 A Política Externa Corporativa e a Diplomacia Corporativa, 17
2.1 Definição da Política Externa Corporativa, 17
2.2 Dimensões da Política Externa Corporativa, 24
2.3 Papel do Diplomata Corporativo, 26
3 A Dimensão Mercado, 35
3.1 Análise da Empresa, 37
3.2 Identificando as Oportunidades de Negócios Internacionais, 53
3.3 Definição da Estratégia de Entrada, 58
3.4 Implementação e Gestão dos Negócios Internacionais, 67
4 A Dimensão Governo, 73
5 A Dimensão Sociedade, 93
6 A Dimensão Informação, 109
7 A Definição dos Objetivos da Política Externa Corporativa, 119
7.1 Avaliação da Sensibilidade Dimensional Corporativa, 119
7.2 O Balanced Scorecard International (BSCi), 125
8 O Monitoramento da Política Externa Corporativa, 139
8.1 O CAGE Framework, 139
8.2 O Monitoramento dos 5 Riscos dos Negócios Internacionais, 148
8.2.1 Risco geográfico, 149
viii Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

8.2.2 Risco econômico, 151


8.2.3 Risco legal, 155
8.2.4 Risco político, 159
8.2.5 Risco cultural, 165
8.2.6 Exemplo de análise dos 5 Riscos para uma em~resa
setor de queijos que pretende entrar na Argentina,
1~~
Anexo -Lista de links para negócios internacionais , 195
Referências , 201
Prefácio

abertura da economia brasileira é muito recente. No início da década

A dos anos 90, as barreiras comerciais começaram a ser desmontadas. Ao


longo dos últimos 17 anos, gradualmente as tarifas e as barreiras não
tarifárias (quem não se lembra dos produtos proibidos e das autorizações pré-
vias?) foram sendo eliminadas ou reduzidas de forma significativa.
As restrições ao livre fluxo de moeda passaram do completo controle por
parte do Banco Central à livre movimentação.
Hoje, o Brasil investe mais no exterior do que recebe investimento externo
em sua economia.
Cito apenas alguns exemplos para mostrar como o setor externo da econo-
mia brasileira está em acelerado processo de transformação.
A inserção externa brasileira, com o comércio exterior aumentando mais
de 100% nos últimos dois anos, chegando a superar a marca de US$ 240 bi-
lhões (cerca de 27% do PIB), abriu amplas oportunidades de negócios para a
empresa brasileira.
A internacionalização de companhias nacionais nos últimos quatro ou cin-
co anos ganhou impulso pelo baixo crescimento da economia, pelo dólar sobre-
valorizado e pelo grande dinamismo da economia mundial.
O desafio representado pelo mercado externo obriga necessariamente a
uma reflexão sobre a empresa que se interessa por explorar as oportunidades
fora de nossas fronteiras.
Uma empresa de porte médio ou grande que decida restringir o seu âm-
bito de atuação ao mercado interno poderá ter sucesso ocupando espaços que
outras empresas menos competentes não conseguiram, mas não conseguirá ga-
nhar escala necessária para competir em um mundo globalizado.
A internacionalização ocorre pelo início do processo de exportação ou pela
decisão de instalar-se no exterior.
X Manual de Diplomac·,a Corporativa • Sarfati

Essa decisão
empresa, visto que dev u;"ª atençao
requer ~ especial por parte da administração da0
mundo exterior. lsso er; requerer a criação de um setor voltado só para
lações internacionais vai emandar especialistas em comércio exterior, em re·
palavras, vai obriga;:: ~esso_al com o donúnio de outras línguas. Em outras
tanto também dever, e miçao de uma nova estratégia empresarial e para
de consultores de neg, a contar
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e observaçoes ,
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M . , uscan o oportun·d i a d es amp 1·ia d as de negocio
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gatóriamto oportuno
para todos ,; Manual de d.1P lamacia
. corporativa será uma leitura obn·.
da empresa nacionaf. que se preocupam com os rumos da internacionalização

Embaixador Rubens Barbosa


Consultor, presidente do Conselho
Superior de Comércio Exterior da FIESP,
foi embaixador do Brasil nos EVA
e na Grã-Bretanha.
Agradecimentos

ste livro é um empreendimento que contou com a colaboração de diver-

E sas pessoas ao longo do seu processo de elaboração. Agradeço ao Embai-


xador Rubens Barbosa pelo seu prefácio e a Fábio Rua, Marcelo Artel e
Marcos Rothenberg pelos seus depoimentos. Agradeço também a Marcela Ka-
rina Silva Menezes Gomes pela contribuição com o CAGE, a Jessica Bonfiglioli
Pelegio pela revisão e contribuição de novos links para a pesquisa em negócios
internacionais e a Eleonora Spinola, Fabiana Biazoti, Fabio Ottaiano e Flávia
Carrasco pela pesquisa aplicada de diversos conceitos de diplomacia corpora-
tiva (ainda que este nome não existisse na época). Meus agradecimentos tam-
bém ao Prof. Washington Franco Mathias, que sempre acreditou no meu tra-
balho e me ajudou no contato com diversas editoras. Acima de tudo agradeço
à minha esposa, Nara Nanae Sano, que mais uma vez me acompanhou nesta
jornada. Seu amor e incentivo são as únicas razões para este livro existir.
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Introdução

atividade da Empresa Multinacional moderna é essencialmente dife-

A rente da de sequer trinta anos atrás. A globalização impulsionou os


processos de internacionalização e, hoje, estas corporações cada vez
mais se parecem com Estados independentes, com suas próprias regras, e
também, por que não, têm a necessidade de uma política externa coerente
que articule as demandas dos negócios com as pressões governamentais e so-
ciais. Esta complexidade logicamente exige o desenvolvimento de um novo
profissional multidisciplinar capaz de articular os objetivos de negócios com
as complexas diferenças culturais, políticas e sociais que, todavia, persistem
no mundo.
Esse novo profissional multidisciplinar é o que chamo de diplomata corpo-
rativo, pois cabe a ele (você!) articular as necessidades estratégicas da empresa
com os desafios impostos pelos governos e sociedade, além de gerir a estra-
tégia da empresa em meio aos obstáculos políticos, culturais, econômicos etc.
que a corporação moderna deve enfrentar.
Este livro é um guia passo a passo de como o diplomata corporativo deve
desenvolver e monitorar a política externa corporativa de uma empresa e das
habilidades necessárias para tanto.
Começamos com o Capítulo 1 discutindo o ambiente contemporâneo do
planejamento dos negócios internacionais, pontuando em especial como a glo-
balização tem afetado a atividade das empresas.
Já no Capítulo 2 discutimos a definição da política externa corporativa
(PEC) e suas dimensões: mercado, governo, sociedade e informação. Em se-
guida, discutimos a definição e o papel do diplomata corporativo nos negócios
internacionais.
Os Capítulos 3 a 6 são dedicados ao detalhamento de cada uma das dimen-
sões da PEC, enquanto o Capítulo 7 mostra como avaliar a interconexão entre
as dimensões dentro de uma empresa, bem como a sensibilidade do negócio a
2 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati
. ovoS
truir os obJe
cada uma delas. O passo seguinte é a indicação de como cons ·carnente·
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. l d · · t umentos P 3
Fma mente, no último capítulo, indicamos 01s ms r . ue chamo ,
nitoramento da PEC: o framework CAGE de Ghemawat e aquilo q ~ mico poh·
'lº d S Riscos d os negócios intemac1ona1s:· · geo gráfico ' econo '
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tico, legal e cultural. -

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O Planejamento dos Negócios Internacionais

Brasil está entrando em uma nova era em sua história em que a cada

O dia que passa fica mais claro que não existe saída para o nosso cresci-
mento a não ser através da internacionalização de nossas empresas.
Por outro lado, apesar de vivermos a era da globalização, poucas empre-
sas, executivos e empreendedores entendem o que é de fato fazer negócios
internacionais. Não são poucos os que enxergam os negócios internacionais
simplesmente como o processo mecânico de exportação. Nesta categoria estão
os "exportadores de feira", que são as empresas brasileiras que descobriram as
feiras internacionais. Estas empresas saem à caça de feiras pelo mundo, armam
suas banquinhas e vendem para quem aparecer. Não existe a preocupação de
conhecer os mercados, as culturas locais, os competidores, se questionar sobre
alterações de produto para agradar o consumidor local etc. Desta forma es-
sas empresas perdem imensas oportunidades de negócios por desconhecerem
como se planejar para os negócios internacionais.
Pior ainda são os "exportadores de ocasião", aquelas empresas que quando
o dólar está em alta saem correndo para encontrar compradores para os seus
produtos no mercado externo e quando o dólar está em baixa revertem suas
vendas totalmente para o mercado interno. Não se desenvolvem mercados in-
ternacionais aproveitando altas da moeda. O empresário apenas acaba danan-
do a sua própria imagem nesses mercados.
A maior parte dos países do mundo tem uma longa cultura de negócios in-
ternacionais refletidas em centenas de cursos e no comportamento dos execu-
tivos por gerações. Por outro lado, durante décadas o brasileiro negligenciou a
palavra internacional frente à grandeza do mercado interno e às enormes bar-
reiras comerciais.
No entanto, o mundo mudou e o Brasil também está mudando. Dessa for-
ma este livro é destinado a estudantes, empreendedores e executivos que que-
rem atuar com sucesso em negócios internacionais.
4 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Neste sentido, devemos nos perguntar: afinal, o que são negócios interna-
cionais?

Negócios internacionais são relações comerciais internacionais


ou operações internacionais de investimento em empresas.

Relações comerciais internacionais basicamente são operações de expor-


tação e importação, enquanto que as operações de investimento são normal-
mente identificadas com as empresas multinacionais que acabam abrindo ou
comprando empresas em outros países.
Como veremos neste livro, nem sempre relações comerciais significam
uma empresa exportando um produto para outra empresa no exterior ou ope-
rações de investimento são a abertura de uma empresa subsidiária em outro
país. Existem outras alternativas de entrada nos mercados externos, como, por
exemplo, distribuidores, joint ventures, franchising etc.
Normalmente todas as empresas no mercado interno brasileiro compram
e vendem e portanto estão fazendo comércio, e também realizam investimen-
tos ao construir plantas de fábricas, abrir subsidiárias em outros Estados ou
constituir uma rede de franquia. Então, o que há de diferente nos negócios
internacionais?
Existem diversas diferenças entre negócios locais e internacionais que aca-
bam tornando O internacional bastante distinto e complicado. Podemos apon-
tar ao menos três diferenças básicas:

1. Deve-se aprender a lidar com diferenças profundas em termos de legislação


política e cultura locais '
o administrador no contexto internacional tem que ser capaz de entender
nuances culturais, o impacto de regulamentos e legislações diferentes, além
de ponderar os riscos e oportunidades políticas em ambientes completamente
distintos ao brasileiro. Ou seja, saber várias línguas estrangeiras é importante
nos negócios internacionais mas completamente insuficiente para lidar com
pessoas de negócio de várias partes do mundo.

2. A amplitude dos problemas em negócios internacionais é bem maior, assim


como a complexidade das situações envolvidas

Como se não bastassem as diferenças culturais, políticas e legais, o admi-


nistrador internacional acaba se defrontado com uma gama muito mais ampla
e complexa de problemas em seu dia-a-dia. São pequenos problemas de comu-
nicação entre as equipes de vários países passando por entraves burocráticos
até a dificuldade no desenho da melhor estratégia de entrada e desenvolvi-
mento dos mercados externos.
O planejamento dos negócios internacionais 5

3. As operações internacionais envolvem invariavelmente moedas diferentes


e, portanto, devem-se tomar em conta as diferenças entre regimes cambiais
e conjunturas macroeconômicas

Além do risco, digamos, normal de qualquer negócio em qualquer país, o


administrador tem que levar em conta em suas decisões as diferenças cambiais
entre os países, além da conjuntura econômica do Brasil e do país estrangei-
ro, mesmo que se trate de uma simples operação de exportação, pois como os
negócios internacionais por definição envolvem países diferentes com moedas
diferentes sempre haverá riscos e oportunidades advindas de diferenças entre
as taxas cambiais e a conjuntura macroeconômica de cada um dos países en-
volvidos em uma transação internacional.
Podemos dizer que essas características dos negócios internacionais sem-
pre existiram. Se você pensar bem verá que a história da humanidade sempre
foi a história dos países, cidades-estados, aldeias etc. fazendo comércio entre
si. Ou seja, os negócios internacionais não são uma novidade: a história social
da humanidade é a história dos negócios internacionais.
Então, o que distingue os negócios internacionais do passado dos negócios
internacionais do século XXI? Não resta dúvida de que a grande diferença está
contida no significado da palavra globalização. Mas, afinal de contas, o que é
globalização?
Para entender a lógica da ação das Empresas Multinacionais (EMUs) nas
relações econômicas internacionais contemporâneas é preciso, em primeiro lu-
gar, entender por que as empresas se internacionalizam.
Diversas são as razões para que as empresas se internacionalizem, am-
plamente presentes na literatura sobre negócios internacionais (HILL, 2003;
KORTEN, 2001; LEVITT, 1983). Estas razões costumam variar essencialmente
em função do tipo de indústria que as empresas operam. Elas podem ser basi-
camente divididas em proativas e reativas. As razões proativas estão associadas
a motivações internas à empresa ou à lógica do segmento de atuação, enquan-
to que as razões reativas dizem respeito a uma reação a movimentos externos
à empresa, os quais ela não pode controlar:

Razões proativas

• produto único - a empresa possui um produto único e diferenciado e,


portanto, a internacionalização serve para aproveitar em escala global
esta diferenciação. Exemplo clássico desta categoria é a Coca-Cola;
• vantagem tecnológica - a empresa possui um modelo de negócios basea-
do no desenvolvimento tecnológico. O alto custo deste desenvolvimento
impulsiona a empresa a comercializar os seus produtos globalmente de
6 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfati

modo que ela possa continuamente reinvestir em inovações tecnológi-


cas. Exemplos de empresas desta categoria são 3M e Microsoft;
• benefícios fiscais - a empresa é atraída a entrar em um determinado
país fruto de isenções fiscais oferecidas por determinado governo;
• economias de escala - esta é uma das razões clássicas, ou seja, a em-
presa inicia uma operação internacional para, ao aumentar a sua es-
cala de produção, diluir os seus custos fixos, diminuindo assim o seu
custo unitário total de produção;
• estratégia anticíclica - muitas vezes o mercado interno pode sofrer
quedas bruscas de consumo que afetam radicalmente o resultado da
empresa. Uma forma de diminuir o impacto do ciclo econômico é di-
versificar os locais onde a empresa atua e, portanto, é possível que a
receita global da empresa possa ser eventualmente protegida por ou-
tros mercados que se encontrem em expansão;
• first mover advantage - uma empresa que possui um produto novo
deve se internacionalizar rapidamente para se tornar líder mundial
no mercado que de certa forma ela está criando. A primeira empresa
a entrar em novos mercados acaba criando importantes barreiras que
dificultam a entrada de novos concorrentes;
• teoria do ciclo-produto de Vernon - segundo Vernon (1966) os pro-
dutos passam por um ciclo de desenvolvimento n? qual s~o desenvol-
vidos e inicialmente vendidos no mercado do pais de ongem da em-
presa e com o passar do tempo o produto passa a ser exportado para
outro~ mercados. Quando o produto atinge a maturação ele é larga-
mente consumido em seu mercado natal e exportado, mas nesta fase
começa a ser interessante para a empresa produzir o produto fora do
seu mercado natal, uma vez que o processo de produção já é conside-
ravelmente dominado e há várias empresas competindo no mercado.
Dessa forma, a empresa abre ~ma plataf~rma de produção em um país
(especialmente em desenvolvimento) CUJOS custos de produção sejam
mais baixos do que em seu mercado de origem e passa a produzir 0
produto tanto para o consumo no país em desenvolvimento quanto
para a exportação para o país natal da empresa. Finalmente, o produ-
to altamente padronizado é quase que integralmente produzido em
outro país até que lentamente seu consumo passa a diminuir, primeiro
no país desenvolvido e depois no país em desenvolvimento, até que a
linha de produção é extinta. Normalmente, uma empresa competitiva
possui vários produtos em diferentes fases do ciclo de produção, de
modo a garantir o posicionamento da empresa no mercado. Veja resu-
midamente o ciclo pela Figura 1.1.
O planejamento dos negócios internacionais 7

Desenvolvido

Em
desenvolv imento Novo produto Produto em mat:ura çãf Produto padronizado

Prn<luto padronizado

FoNTe: Vernon (1966) .

Figura 1.1 Teoria do ciclo-produto de Vernon .

Razões reativas

• pressão da competição - frutos de queda de barreiras comerciais, as


empresas que antes viam os seus mercados cativos agora começam a
enfrentar a ameaça da entrada de concorrentes internacionais. Além
disso, seja por razões proativas ou reativas, novas empresas podem
entrar no mercado da empresa que, para enfrentar as novas ameaças,
procura internacionalizar-se, enfrentando assim diretamente os com-
petidores em todos os mercados;
• excesso de produção - dependendo do tipo de indústria, ocorrem às
vezes picos de produção que não são absorvidos pelo mercado inter-
no. O mercado externo pode ser visto como uma forma de escoar este
excesso de produção;
• declínio das vendas domésticas - da mesma forma a demanda interna
pode cair, fruto do ciclo econômico, e a empresa usa o mercado exter-
no como uma forma de compensar esta perda temporária. Nesse caso,
há uma diferença com a estratégia anticíclica, pois esta estratégia é de
longo prazo e devidamente planejada, enquanto que, no caso reativo,
costuma ser apenas um movimento temporário até que haja uma reto-
mada da demanda no mercado interno.

Globalização

Certamente não existe definição precisa para o termo globalização; no en-


tanto, pode-se afirmar que globalização refere-se ao processo no qual as tradi-
8 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

cionais barreiras entre Estados caem fruto do avanço tecnológico, o qual possi-
bilita intensa troca de informações entre as pessoas no mundo. Tal fenômeno é
observado virtualmente em todos os aspectos das relações humanas, incluindo
não somente a economia mas também educação, imprensa etc.
Ou seja, a globalização é normalmente identificada como um processo eco-
nômico, mas existem outros aspectos para os quais qualquer pessoa que traba-
lhe com negócios internacionais tem que estar atenta.
A globalização da imprensa significa, por exemplo, que redes internacio-
nais de 1V como a CNN e a BBC podem transmitir ao vivo para o mundo inteiro
os últimos lances da Guerra do Iraque com comentários de líderes mundiais,
economistas e cientistas políticos em tempo real. Isto não é mero entretenimen-
to - significa que o executivo tem que tomar as decisões com mais agilidade le-
vando em conta o que está acontecendo no mundo agora. Ou seja, digamos que
sua empresa esteja planejando importar um equipamento europeu de US$ 5
milhões. Qual o impacto da notícia de guerra sobre a decisão de importação?
Outro fator importante muitas vezes negligenciado em negócios internacio-
nais é a globalização cultural. O fenômeno diz respeito à formação de uma certa
cultura global especialmente de negócios. Através da massificação da imprensa
internacional podemos observar que marcas e costumes das boas práticas de
negócio se internacionalizaram, o que facilita bastante a comunicação entre ne-
gociantes do mundo todo. Por outro lado, este processo de massificação cultu-
ral tem levado também ao fortalecimento de culturas locais que são muito mais
fragmentadas que a cultura de um país. Assim, quando você estiver fazendo ne-
gócios na Espanha, não está lidando simplesmente com um espanhol. Esta pes-
soa é de Madri? Ela vem dos Países Bascos? Você deverá levar em conta o estilo
de negociação de cada uma das pessoas com que for se relacionar.

Globalização econômica

A globalização econômica, como afirmamos acima, é apenas uma das face-


tas deste fenômeno chamado globalização. Por sua vez, a globalização econô-
mica é uma composição das chamadas globalização produtiva e globalização
financeira.

Globalização produtiva

Digamos que você queira produzir camisas. O que, basicamente, você faz?
Compra máquinas e tecidos e começa a fazer as camisas, certo? Não, errado.
Você já checou o custo de produção das suas camisas? Qual o preço das cami-
sas no mercado com qualidade similar à sua? Não seria de estranhar se a sua
camisa provavelmente saísse mais cara que uma camisa importada da China.
Mas como isso é possível?
O planejamento dos negócios internacionais 9

Basicamente, há dois fatores envolvidos. O primeiro diz respeito à abertura


comercial. Nos últimos anos, não só o Brasil como uma grande parte dos países
no mundo diminuíram as suas barreiras comerciais em relação aos outros paí-
ses. Estas barreiras comercias são, por exemplo, tarifas e quotas que acabam
bloqueando a entrada do produto importado. O segundo fator diz respeito à
chamada vantagem comparativa. Cada país e região apresenta vantagens na
produção de determinado bem. No caso de camisas, por exemplo, sabemos que
o fator de produção mais importante é o preço da mão-de-obra. Desta forma,
aquele país que tem a mão-de-obra mais barata deve ter uma vantagem com-
parativa para produzir um bem intensivo em trabalho como a camisa.
Isto quer dizer que a globalização produtiva significa que onde não tiver-
mos produtos competitivos teremos que fechar as nossas fábricas? De certa for-
ma, sim. No entanto, como no caso de camisas, a China deve ser competitiva
para produzir camisas muito populares, mas há mercado para todo o tipo de
camisa e forma de produção. Vejamos algumas alternativas que a globalização
produtiva nos permite:

1. Você, como empresário, pode investir em uma confecção na China e


importar as camisas para o Brasil.
2. Você pode desenvolver uma marca como a Nike faz e deixar a produ-
ção terceirizada na China. Neste caso sua empresa somente vai pare-
cer que é uma confecção mas na verdade é uma empresa de marketing
focada no desenvolvimento de uma marca. A Nike estabelece padrões
rígidos de produção às confecções (não só na China mas também no
Brasil) e concentra as suas energias na promoção da imagem Nike.
3. Você pode fazer toda a sua produção no Brasil desde que você desen-
volva camisa diferenciada, como modelos e tecidos diferenciados e vol-
tados para públicos específicos. Aí estão centenas de empresas que ven-
dem camisas nos shoppings, como, por exemplo, a Richards.

Dessa forma, vemos que a globalização produtiva necessariamente intensi-


fica a competição produtiva entre os países, o que na verdade significa preços
mais baratos para o consumidor e maior diversidade de produtos acessível ao
consumidor.
Produtos diferenciados sempre terão espaço nos mercados interno e ex-
terno. Veja por exemplo o case da empresa de sapatos Tribo dos Pés: como
centenas de outras, em Franca, concorria por um espaço no mercado de sa-
patos. A empresa fundada em 1992 descobriu em 1999 o nicho dos sapatos
com estilo de esporte de aventura. Rapidamente, encontrou seu lugar ao sol
multiplicando sua produção e competindo de igual para igual com marcas es-
trangeiras estabelecidas no segmento, como a Timberland (que aliás é uma
marca americana mas usa países como Tailândia para produzir suas roupas e
1O Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

sapatos) e a Salomon (também americana, que produz seus calçados essencial-


mente na China).
o fato é que o capital produtivo deve procurar produzir os bens onde a
produção for mais compensadora. Neste sentindo, uma empresa pode ter os
diversos estágios da produção sendo desenvolvidos em países diferentes ou si-
multaneamente nos mesmos países e componentes diferentes do produto sen-
do fabricados em diferentes partes do mundo. Antigamente, estes tipos de for-
ma de produção estavam restritos às conhecidas grandes multinacionais, mas
hoje vemos minimultinacionais que são pequenas e médias empresas que estão
internacionalizando seu processo de produção.
Outro importante aspecto da globalização produtiva é a formação dos blo-
cos comerciais. Estes blocos comerciais quase sempre, em sua origem, apresen-
tam acordos de livre comércio ou união aduaneira.
Acordos de Livre Comércio (como, por exemplo, NAFTA e ALCA, que está
em discussão): neste tipo de acordo os países-membros zeram as tarifas entre
si mas mantêm suas tarifas externas em relação ao resto do mundo.
Neste caso, digamos que temos três países como Estados Unidos, México
e Brasil. As tarifas para um produto qualquer antes do acordo de livre comér-
cio são:

Estados Unidos em relação ao México - 10%


México em relação aos Estados Unidos - 7%
Estados Unidos em relação ao Brasil - 5%
México em relação ao Brasil - 3%

Estados Unidos e México decidem formar uma zona de livre comércio; te-
mos que para determinado produto o novo quadro de tarifas deve ser:

Estados Unidos em relação ao México (e vice-versa) - 0%


Estados Unidos em relação ao Brasil - 5%
México em relação ao Brasil - 3%

O atento leitor pode dizer que o Brasil, caso quisesse exportar este produ-
to aos Estados Unidos, poderia então exportar primeiramente ao México com
alíquota mais baixa de 3% e depois reexportar para os Estados Unidos aprovei-
tando-se da alíquota zero entre os dois. Acontece que todo acordo de livre co-
mércio é acompanhado pelas chamadas "Regras de Origem", que não são nada
mais que regras que impedem esta triangulação. Dessa forma, o Brasil somente
poderia exportar este produto aos Estados Unidos sem pagar a alíquota de 5%
se o produto passasse por um processo de transformação no México.
O planejamento dos negócios internacionais 11

Então digamos que o produto seja laranja. Somente conseguiríamos expor-


tar a laranja a 3% de alíquota se esta fosse por exemplo transformada em suco
em uma planta no México (considerando hipoteticamente que as alíquotas da
laranja e do suco de laranja sejam iguais).
União Aduaneira (como, por exemplo, a origem da Comunidade Européia
e o MERCOSUL): os países-membros zeram as tarifas entre si e encontram uma
tarifa comum em relação ao resto do mundo.
Digamos agora que tenhamos três países, como, por exemplo, a Argentina,
o Brasil e os Estados Unidos, e para determinado produto tenhamos as seguin-
tes taxas de importação antes da união aduaneira:

Argentina em relação ao Brasil - 10%


Brasil em relação à Argentina - 7%
Argentina em relação aos Estados Unidos - 5%
Brasil em relação aos Estados Unidos - 3%

Digamos então que a Argentina e o Brasil formem uma união aduaneira;


teremos então as seguintes tarifas:

Argentina em relação ao Brasil (e vice-versa) - 0%


Argentina e Brasil em relação aos Estados Unidos - 4%

A tarifa que a Argentina e o Brasil decidirem como a tarifa comum em re-


lação ao resto do mundo é conhecida como a Tarifa Externa Comum (TEC). No
exemplo apresentado, decidimos que a TEC é 4% por ser o ponto médio entre
as duas tarifas, no entanto, os países têm liberdade de decidir qual a alíquota
que deverá prevalecer. De acordo com a determinação legal da Organização
Mundial do Comércio (OMC), a tarifa do bloco após o acordo não pode signi-
ficar mais bloqueio ao comércio em relação à situação antes da formação da
união e, portanto, teoricamente, os membros desta união aduaneira teriam que
optar pela menor tarifa entre os países (no exemplo, 3%).
Quais os impactos da integração econômica sobre as empresas do bloco co-
mercial independentemente da opção por livre comércio ou união aduaneira?
Há diversos efeitos observados em um processo de integração econômica,
como, por exemplo:

• Crescente economia de escala


Como a tarifa intrabloco foi zerada, as empresas competitivas devem
aumentar sua escala de produção, ou seja, se antes uma empresa bra-
sileira produzia 100 peças de um determinado produto para vender
12 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

somente para o mercado brasileiro espera-se que, se esta empresa for


eficiente, aumente sua escala de produção para, digamos, 150 com a
formação do MERCOSUL. Isto quer dizer que esta empresa deve con-
seguir ter um custo unitário inferior à formação do bloco, isto porque
o seu custo fixo seria dividido por uma quantidade maior de peças do
mesmo produto. Dessa forma, a empresa poderá aumentar suas mar-
gens ou diminuir os seus preços para ganhar mais mercado.

• Crescente variedade de produtos produzidos


A competição empresarial intrabloco acaba trazendo também maior
diversidade de produtos para os consumidores. Hoje um consumidor
europeu pode escolher uma enorme gama de produtos diferentes dos
distintos países-membros da União Européia (UE).

• Arbitragem
A formação de um bloco comercial tende a gerar um efeito de arbitra-
gem dos preços de determinado produto. Ou seja, descontado o efeito
cambial, as diferenças fiscais e o custo de transporte, os preços entre
os países-membros do acordo tendem a enco~trar um denominador
comum. Assim, digamos que o preço de determma~o produto antes do
acordo era, no Brasil, $ 125 e, na Argentina, $ 75. E provável que ªPós
0 acordo o preço convirja para algo em torno de$ 100.

• Seleção natural
0 processo de integração nunca é um processo neutro. Invariavelmen-
te ele gera ganhadores e _perdedore~. Os ~anhadores_ são aqueles que
têm vantagens comparativas e por isso vao consegmr aumentar su
d d as
escalas de produçao. Ja os per e ores sao as empresas menos eficien-
N , N

tes que por diversas razões não têm uma vantagem competitiva mar-
cante em relação ao produtor estrangeiro. Dessa forma, se tomarmos
em consideração o exemplo do item anterior, pode ser que o produtor
brasileiro que antes da integração vendia seus produtos a $ 125 não
consiga baixar o seu preço a $ 100 sem ter grandes prejuízos. Assim
se esta empresa não for capaz de adaptar os seus custos, terminará fe~
chando as suas portas. Lógico que, dependendo da situação desta em-
presa, há outras alternativas, como ser adquirida ou entrar em proces-
so de fusão com outra empresa.

• Clustering
O processo de integração geralmente é acompanhado pelo fenômeno
de clustering, que nada mais é do que a concentração geográfica da
produção em determinada região. Digamos, assim, que a região de
O planeja mento dos negócios internacionais 13

Franca tenha uma determinada vantagem competitiva para produzir


calçados. Dessa forma a formação do MERCOSUL pode ocasionar a
concentração de toda a produção de sapatos apenas em Franca, pois
nenhuma outra região consegue tanta eficiência na produção de sapa-
tos. Lógico que isso significa enormes benefícios aos empresários de
Franca e um enorme prejuízo aos empresários e trabalhadores desa-
pato de outras regiões do bloco comercial.

Desta forma, vemos que o executivo e empresário deve estar extremamen-


te atento ao desenvolvimento das negociações dos blocos comerciais para po-
der estimar o impacto (oportunidades e ameaças) das negociações em curso.
Devemos destacar ainda que a integração econômica dos blocos pode se
desenvolver em outras fases.
Mercado Comum - nesta fase normalmente as barreiras comerciais entre os
países-membros são eliminadas. Ou seja, se na fase da união aduaneira essencial-
mente se trabalhou a "zeragem" das tarifas, nesta fase essencialmente se trabalha
no sentido da eliminação das chamadas barreiras não tarifárias. Estas represen-
tam uma infinidade de barreiras que são de difícil mensuração e transparência,
como, por exemplo, o excesso de burocracia na alfândega, regras fitossanitárias
e assim por diante. Nesta fase, também se eliminam barreiras ao comércio de ser-
viços, ao movimento de pessoas e de capital. Além disso, há ao menos um início
do processo de harmonização das políticas fiscais e monetárias.
Neste estágio, fica claro para o empresário que mora em um país dentro do
bloco que cada vez mais os países-membros estão próximos e por isso há um
acirramento da competição e o aparecimento de novas oportunidades e desa-
fios. Por outro lado, o empresário de fora do bloco comercial muitas vezes per-
cebe (se já não havia percebido na fase de união aduaneira) que muitas vezes
passa a ser mais interessante investir na abertura ou compra de uma empresa
dentro de um país do bloco do que continuar exportando.
Isto porque a produção dentro do bloco deve gozar dos benefícios descritos
acima, especialmente dos ganhos de escala e das facilidades de exportação in-
tra-bloco. Ou seja, o processo de integração econômica normalmente aumenta
o investimento direto estrangeiro e movimenta o mercado de aquisições e fu-
sões. Portanto, os executivos e empreendedores devem estar atentos às opor-
tunidades de compra e venda, ao risco de entrada de competidores internacio-
nais e à oportunidade de abertura de plantas no exterior.
A próxima fase do processo de integração é a união econômica, na qual
se deve ter uma moeda única no bloco e total harmonização das políticas
econômicas dos países-membros. Esta é a fase em que se encontra a União
Européia (UE), apesar de que nem todos os seus membros adotaram o euro
como moeda.
14 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Case Globalização e o MERCOSUL: AmBev

Um bom exemplo dos possíveis efeitos econômicos da integração regional é o


processo de fusão entre as cervejarias AmBev e Quilmes, a maior indústria de cer-
veja da Argentina. Em fevereiro de 2002 a AmBev havia finalizado o processo de
compra de 36, 1% das ações com direito de voto e de 37,5% da participação total
da Quinsa, a controladora da Quilmes, em uma transação estimada em US$ 596
milhões pelo jornal Valor Econômico. A transação incluiu as atividades industriais
na Bolivia, Uruguai e Paraguai.

A globalização produtiva é marcada basicamente por dois fenômenos:


as empresas transnacionais e a formação dos blocos comerciais.

Globalização financeira

Outro aspecto importante da globalização econômica é a globalização fi-


nanceira. Que tal aplicar suas sobras de caixa em títulos do governo chileno ou
investir parte de suas economias pessoais em uma empresa de tecnologia nos
Estados Unidos? A globalização tem se traduzido no incrível aumento de mo-
vimento financeiro entre os países. É lógico que há décadas grandes empresas
e aplicadores podem movimentar o dinheiro para outros países; no entanto, na
última década, principalmente em função do advento da Internet, essa possi-
bilidade foi estendida a um sem-número de investidores, pessoas físicas e jurí-
dicas, pelo mundo afora.
Ao mesmo tempo que a tecnologia da Internet trouxe ao mercado finan-
ceiro internacional novos investidores os países também abriram suas frontei-
ras tanto para receber investimentos diretos produtivos, aqueles destinados à
construção de fábricas, compra de empresas etc., quanto para os investimen-
tos chamados especulativos, ligados a compra e venda de ações, moedas e
outros títulos.
Qual o significado disso para o planejador de negócios internacionais? Tra-
dicionalmente os governos nacionais sempre controlaram suas economias atra-
vés dos tradicionais instrumentos de política econômica (políticas fiscais, mo-
netárias e comercial). No entanto, o vaivém do fluxo financeiro internacional
retirou dos governos centrais uma grande dose de poder sobre o controle das
economias locais. Parte deste poder foi divergida para o mercado internacio-
nal, que pode abençoar um país com grande fluxo de recursos em um momen-
to e no seguinte trazer o pesadelo, com a retirada destes recursos.
Desta forma, o planejador de negócios internacionais deve estar atento aos
vaivéns do mercado financeiro em basicamente dois níveis:
O planejamento dos negócios internacionais 15

1. sob o ponto de vista das aplicações financeiras no Brasil e eventual-


mente fora dele; e
2. o risco de crédito dos clientes que a empresa brasileira tem em negó-
cios no estrangeiro ou mesmo em relação aos parceiros de negócio no
estrangeiro.

Em relação ao primeiro nível o planejador deve acompanhar o movimen-


to do mercado financeiro local, bem como as notícias políticas e econômicas,
para assegurar a correta aplicação dos recursos. Na verdade, isto as tesourarias
das empresas sempre fizeram, só que agora elas deveriam se municiar mais de
informações relativas às relações econômicas internacionais em geral para me-
lhorar seu processo de decisão financeiro.
Já em relação ao segundo nível, imagine que você tivesse dinheiro a rece-
ber em função de uma exportação para uma empresa na Tailândia na véspera
da crise asiática ou de uma empresa argentina logo após o curralito (bloqueio
das contas correntes argentinas para conter uma crise de confiança no sistema
financeiro em 2002). Certamente, você poderia estar em sérios apuros. É por
isso que neste nível é importante também o planejador se municiar de infor-
mações sobre as relações econômicas internacionais para ter mais subsídios
para decisões de exportação e alianças no mercado externo. Da mesma forma,
o planejador deve se cercar de seguranças e colaterais adequados ao risco do
país envolvido na transação internacional.
Reconhecendo-se os profundos desafios que os negócios internacionais im-
põem hoje às empresas, faz-se necessária a criação de políticas específicas que
lidem com a internacionalização dos negócios, não só do ponto de vista de mer-
cado mas também quanto à forma com que a empresa se relaciona com as di-
mensões governo e sociedade. Além disso, é preciso um profissional treinado não
só para lidar com as diferenças entre os países mas também capacitado estrategi-
camente para construir e implementar estas políticas de internacionalização.
2
A Política Externa Corporativa e a
Diplomacia Corporativa

2.1 Definição da Política Externa Corporativa

Tradicionalmente, as relações internacionais sempre foram focadas nos Es-


tados como os seus atores fundamentais. Como nota Sarfati (2005, p. 88), este
tradicional modelo é baseado em duas premissas:

1. o foco no Estado-nação como único ator relevante das relações inter-


nacionais;
2. o foco no poder como motivador das ações dos Estados.

Aqui vemos que em primeiro lugar as relações internacionais são conduzi-


das por Estados que são entidades soberanas e unitárias. Isto implica dizer que
no campo internacional o Estado é visto independentemente de suas eventuais
divisões políticas internas e que, portanto, as ações do governo são as ações do
Estado. Além disso, o governo constituído é a única autoridade legítima dentro
de um país e, externamente, fala em nome dele em condições de igualdade em
relação aos outros países. Em última instância, o que importa na relação entre
os Estados é o poder e não o direito internacional, quer dizer, ignorar a relação
de poder entre os Estados é ignorar as motivações básicas da existência destes
Estados no sistema internacional, ou seja, a defesa de sua sobrevivência.
Dentro deste contexto poderíamos dizer que a política externa de um Es-
tado é definida como o conjunto de objetivos políticos que definem como um
país em particular se relaciona com outros países. Essa política geralmente é
desenhada para preservar a segurança nacional, o interesse nacional, objetivos
ideológicos e o desenvolvimento econômico. 1
Entretanto, contemporaneamente, devemos nos perguntar: outros atores

1
Veja < http://pt.wikipedia.org/wiki/ Pol%C3%ADtica_externa>, visitado em 24/10/2006.
18 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

não estatais seriam dotados de capacidade ou mesmo de necessidade de cons-


trução de uma política externa?
A resposta para esta pergunta é sim! Hoje, as EMNs não só são dotadas da
capacidade da construção de uma política externa como têm a necessidade da
construção de estratégias de política externa.
Dessa forma, em primeiro lugar, devemos analisar por que as EMNs hoje
são dotadas de capacidade de construção de política externa. Fundamental-
mente, isto ocorre porque o papel destas empresas nas relações internacionais
mundificou-se.
Historicamente, a Companhia das Índias Orientais2 pode ser considerada a
primeira grande corporação global, datada do início do século XVII. Suas ope-
rações iam do Japão, passando pela Índia, até o Brasil. Entretanto, este em-
preendimento foi um caso isolado. Na verdade, as primeiras multinacionais só
começaram a aparecer em meados do século XIX. A partir de 1820 as vias de
transporte começaram a melhorar na Europa em função da implantação de uma
rede ferroviária. Como virtualmente não havia barreira para o fluxo de capitais,
os investimentos diretos internacionais começaram a crescer. A partir daí come-
çaram a aparecer empresas com características multinacionais especialmente
em serviços financeiros, transporte e recursos naturais (commodities). A Revolu-
ção Industrial naturalmente fez da Inglaterra o lar destas empresas, já que o país
tinha a supremacia na produção de têxteis, carvão, aço e ferro (JONES, 2004).
No final do século XIX, quando o índice Dow Jones foi fundado (1896), a
maior parte das 30 empresas que compunham esse indicador estavam associa-
das à produção de commodities, como a American Sugar Company e a Ameri-
can Rubber Company. Entre estas primeiras grandes empresas norte-america-
nas, apenas a General Electric continua a existir. 3
Com a expansão do consumismo no pós-Segunda Guerra Mundial, as em-
presas multinacionais realmente começaram a se tornar grandes e passaram
então a ser o grande locus da produção e emprego das economias nacionais.
Não é de se estranhar, então, que ensino de negócios comece a centrar os esfor-
ços na administração destas empresas, ao mesmo tempo em que o ensino dos
MBAs surge para dar suporte ao processo de decisão nestas corporações.
Na verdade, inclusive, o próprio termo empresa multinacional só aparece
pela primeira vez em uma conferência em 1960, quando David Lilienthal refe-

2
A Companhia das Índias Orientais foi fundada em 1602 a partir do capital levantado junto
a seis câmaras de comércio na Holanda (o que toma na prática o empreendimento também a
primeira grande start up.) A empresa, desde o início, tinha o monopólio da exploração das rotas
comerciais holandesas, o que naturalmente a tomou a primeira grande EMN. Veja <http://
en.wikipedia.org/wiki/Dutch_East_India_Company>, visitado em 24/10/2006.
3
Veja < http:/ /www.dowjones.com/TheCompany/History/History.htm>, visitado em 24/10/2006.
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 19

re-se às empresas que têm origem em um país mas operam sob as leis de dife-
rentes países (KOBRIN in: KRUGMAN; BREWER, 2001).
A partir de meados da década da 1970 as EMNs começam a aparecer na
literatura (KEOHANE; NYE, 2001) como importantes atores das relações in-
ternacionais, atores com seus próprios interesses, que não mais poderiam ser
reduzidos a uma influência local, submetidas exclusivamente aos interesses
nacionais. A idéia de atores transnacionais sugerida por Keohane e Nye (1971)
mostrava que naquela época os Estados já não podiam mais ser vistos como
atores isolados das relações internacionais.
Entretanto, apesar do crescente tamanho destas empresas no período que
vai da década de 1960 até a de 1980, o tamanho relativo destas empresas (fa-
turamento) em relação à economia e sua lógica organizacional (consideravel-
mente centralizada na matriz) não justificavam o desenvolvimento de políticas
espec~ficas para lidar com vários governos ao mesmo tempo. No fundo, estas
corporações ainda eram empresas baseadas em um país de origem com filiais
em dezenas de países. Filiais estas que buscavam se adaptar às regras locais
sob a supervisão da matriz.
Por outro lado, o processo de internacionalização (na verdade, multina-
cionalização das empresas) passou a tomar um grande impulso a partir da
aceleração do processo de globalização, conforme discutido no capítulo pas-
sado. Segundo o World Investment Report 2002 produzido pela UNCTAD, o
crescimento das EMNs é bastante significativo: em 1992 havia cerca de 35.000
EMNs com 150.000 empresas afiliadas. Já em 2001, havia 65.000 EMNs com
850.000 empresas afiliadas, empregando 54 milhões de pessoas (contra 24 mi-
lhões em 1990). Além disso, suas vendas totalizaram US$ 19 trilhões (o dobro
do total das exportações mundiais). Em 2001, os investimentos diretos totali-
zaram US$ 6,6 trilhões contra US$ 1,7 trilhão em 1992. As empresas afiliadas
já dão conta de um terço do PIB mundial e um terço das exportações mundiais
(contra cerca de 20% em meados da década de 1980).
Essa espantosa expansão é justificada pela própria UNCTAD em função da:

• liberalização dos países - em 2001, 208 mudanças de leis em 71 países


favoreceram o investimento direto; 97 países estavam negociando 158
tratados bilaterais de comércio, elevando para 2.099 os tratados desse
tipo ao final de 2001. Além disso, 67 tratados bilaterais de dupla taxa-
ção haviam sido concluídos;
• tecnologia - os altos custos de investimento empurram a internaciona-
lização, ao mesmo tempo em que os custos de comunicação e trans-
porte continuam a cair, decretando a "morte da distância";
• competição - a conjunção dos dois fatores anteriores tem resultado em
um aumento brutal da competição em escala global, obrigando as em-
20 Ma nua l de Diplomacia Corporativa • Sarfati

presas a buscar novos mercados, novas associações e novas formas de


produção.

Esta situação tem levado inclusive a comparações equivocadas, como a de


rankings das maiores economias globais 4 onde, das 100 maiores economias no
mundo, 51 seriam EMNs. 5 O equívoco está na base de comparação entre o PIB e
0 faturamento das empresas. Estas não são medidas comparáveis entre si, pois
0 PIB é uma medida de valor adicionado, enquanto o faturamento inclui uma
medida de valor adicionado mas na verdade é uma medida do giro total. 6
O PIB seria uma medida comparável com a de valor adicionado pelas em-
presas. Isto implicaria em recalcular o faturamento das empresas com base na
soma dos salários e benefícios, depreciação e amortização e faturamento antes
dos impostos, conforme sugerido pela UNCTAD (2002). A partir então de medi-
das mais comparáveis, com base em dados de 2000, encontramos 21 empresas
entre as 100 maiores economias no mundo. Como a Tabela 2.1 mostra, a Exxon
Mobil é a primeira a aparecer no ranking, com U$ 63 bilhões adicionados.

Tabela 2.1 Quão grandes eram as EMNs na economia mundial em 2000? (Em
bilhões de dólares)

Nome da EMN/ Valor ª Nome da EMN/ Valorª


Rank economia Agregado
Rank Agregado
economia
1 Estados Unidos 9 810 14 Austrália 388
2 Japão 4 765 15 Países Baixos 370
3 Alemanha 1 866 16 Taiwan 309
4 Reino Unido 1 427 17 Argentina 285
5 França 1 294 18 Federação Russa 251
6 China 1 080 19 Suíça 239
7 Itália 1 074 20 Suécia 229
8 Canadá 701 21 Bélqica 229
9 Brasil 595 22 Turquia 200
10 México 575 23 Áustria 189
11 Espanha 561 24 Arábia Saudita 173
12 República da Coréia 457 25 Dinamarca 163
13 Índia 457 26 Honq Kong, China 163

4
Veja < http://www.corporations.org/system/ top100.html >, visitado em 24/ 10/ 2006.
5
A primeira EMN a aparecer neste ranking é a General Motors, em 23 2 lugar, logo à frente da
Dinamarca .
6
Em outras palavras, o PIB mede aquilo que foi produzido de "novo" na economia. Digamos que
uma empresa vende bauxita e uma outra a transforma em alumínio. O PIB deveria ser calculado
com base no valor gerado pela bauxita mais o valor do alumínio descontado o valor da bauxita,
ou seja, o valor adicionado. Por outro lado, o faturamento da empresa de alumínio embute em
si o custo de aquisição da bauxita e, portanto, não é comparável com o PIB.
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 21

Nome da EMN/ Valor• Nome da EMN/ Valorª


Rank Rank
economia Agregado economia Agregado
27 Noruega 162 66 Vietnã 31
28 Polônia 158 67 Líbia 31
29 Indonésia 153 68 BP 30
30 África do Sul 126 69 Lojas Wal-Mart 30c
31 Tailândia 122 70 IBM 27b
32 Finlândia 121 71 Volkswagen 24
33 Venezuela 120 72 Cuba 24
34 Grécia 113 73 Hitachi 24b
35 Israel 11 O 74 TotalFinaElf 23
36 Portugal 106 75 Verizon 23d
37 Irã 105 Communication
38 Egito 99 76 Matsushita Electric 22b
39 Irlanda 95 Industrial
40 Cingapura 92 77 Mitsui & Company 20'
41 Malásia 90 78 E. On 20
42 Colômbia 81 79 Omã 20
43 Filipinas 75 80 Sony 20b
44 Chile 71 81 Mitsubishi 20'
45 Exxon Mobil 63b 82 Uruguai 20
46 Paquistão 62 83 República 20
47 General Motors 56b Dominicana
48 Peru 53 84 Tunísia 19
49 Argélia 53 85 Phillip Morris 19b
50 Nova Zelândia 51 86 Eslováquia 19
51 República Tcheca 51 87 Croácia 19
52 Emirados Árabes 48 88 Guatemala 19
Unidos 89 Luxemburgo 19
53 Bangladesh 47 90 SBC 19d
54 Hungria 46 Communications
55 Ford Motors 44 91 ltochu 18'
56 Daimler Chrysler 42 92 Cazaquistão 18
57 Nigéria 41 93 Eslovênia 18
58 General Electric 39b 94 Honda Motors 18b
59 Toyota Motors 38b 95 Ehi 18
60 Kuwait 38 96 Nissan Motor 18b
61 Romênia 37 97 Toshiba 17b
62 Royal Dutch/Shell 36 98 Síria 17
63 Marrocos 33 99 Glaxosmithkline 17
64 Ucrânia 32 100 BT 17
65 Siemens 32
22 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

FONTE: UNCTAD.
aPIB para países e valor agregado para EMNs. Valor agregado é a soma de salários, lucros
antes dos impostos e depreciação e amortização.
b o valor agregado é estimado aplicando 30% das ações sobre o valor agregado no total de

vendas (2000) de 66 empresas para as quais as informações estavam disponíveis.


, o valor agregado é estimado aplicando16% das ações sobre o valor agregado no total de
vendas (2000) de 7 trading companies para as quais as informações sobre valor agregado
estavam disponíveis.
do valor agregado é estimado aplicando 37% das ações sobre o valor agregado no total de
vendas (2000) de 22 empresas do setor terciário para as quais as informações sobre valor
agregado estavam disponíveis.
NorA: Classificação segundo as 100 maiores economias/EMNs.

Outra medida interessante, sugerida pela Tabela 2.2, mostra que em 2000
as 100 maiores EMNs representaram 4,3% do valor adicionado ao PIB em nível
mundial, contra 3,5% em 1990, sugerindo a crescente importância destas em-
presas na economia global.
Tabela 2.2 fndice de concentração das 100 maiores EMNs no PIB mundial, 1990
e 2000 (Porcentagem).
Valor agre~ ado em porcentagem do PIB mundial
Número de EMNs 1990 2000
Top 10 EMNs 1 0,9
Top 20 EMNs 1,8 1,5
Top 50 EMNs 2,9 2,8
Top 100 EMNs 3,5 4,3
foNre: UNCTAD, base de dados sobre maiores EMCs.

Segundo Ohmae (1989), as empresas têm aprendido que a globalização


tem tornado as alianças uma ferramenta básica para a sobrevivência em um
ambiente cada vez mais instável. O autor considera que as alianças são essen-
ciais, pois as preferências dos consumidores têm convergido, significando que
cada vez mais eles têm estilos de vida parecidos independentemente do país em
que vivem. O mesmo se aplica às necessidades de consumo das empresas, que
não podem ser diferenciadas em termos das fronteiras nacionais. Além disso,
mais uma vez se enfatiza que o desenvolvimento tecnológico tem se tornado
disperso, significando que as empresas, para produzirem seus próprios produ-
tos, dependem do desenvolvimento tecnológico de outras centenas de empre-
sas espalhadas pelo mundo que não estão sob o seu controle. Esses fatores jun-
tos indicam que as empresas enfrentam custos fixos altíssimos e crescentes. Na
indústria farmacêutica, o desenvolvimento de uma nova droga pode custar US$
50 milhões. Como o negócio da empresa depende de novos medicamentos, isso
não poderia ser considerado mais um custo variável.
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 23

Dessa forma, os executivos têm que amortizar os seus custos fixos em uma
base maior de mercado consumidor, o que empurra as empresas a formarem
alianças. As alianças globais podem ir desde o compartilhamento da base de
distribuição com competidores, passando por joint ventures em países específi-
cos, até processos globais de aquisição e fusão.
Consideramos então que as EMN hoje:

• têm uma lógica multinacional de organização, ou seja, as equipes são


multinacionais tanto quanto a decisão de investimento se dá em nível
multinacional;
• são organizações extremamente complexas, frutos desta verdadeira
multinacionalização imposta pela globalização;
• são organizações que, visando a sua sobrevivência, definem multina-
cionalmente políticas para lidar com a competição, relacionar-se com
fornecedores e compradores e, ainda, encontrar formas de construir
barreiras de entrada para outras multinacionais que tentarem penetrar
em seus nichos ou mercados cativos;
• têm que lidar com contextos regulatórios definidos tanto ao nível na-
cional quanto ao nível intergovernamental;
• devem-se adaptar ao constante escrutínio público fruto de uma im-
prensa que não tem fronteiras e que tem uma enorme facilidade de
levantar informações e divulgar estas informações;
• são obrigadas a escutar a demanda de diversos grupos sociais que vão
desde grupos de consumidores, passando pela comunidade médica e
científica, até as críticas de grupos ambientalistas.

Podemos então entender por que hoje se justifica a construção de um con-


junto de políticas específicas para lidar com estes desafios. A este conjunto de
políticas damos o nome de Política Externa Corporativa .

p .ti c:'ól)junto de o jetlvos que definem


como nos, mercado e sociedades. Essa polf-
tica dev.e. sição global da empresa e assegurar
a defesa dOS' iri

O objetivo fundamental da PEC é garantir que, através da coordenação


de diversas políticas, executadas hoje com ou sem planejamento ou mesmo
não executadas, se garanta a sobrevivência da empresa no médio e longo
prazo, ou seja, através de uma ação coordenada de internacionalização pos-
samos ter a geração de valor para o acionista que é a verdadeira raison d'être
das corporações.
24 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

2.2 Dimensões da Política Externa Corporativa

Portanto, a PEC apresenta quatro dimensões fundamentais na geração do


valor para o acionista: governo, mercado, sociedade e informação (Figura 2.1).

Externa
Corporativa
Informação
Batalha global de
percepções
Figura 2.1 Dimensões da Política Externa Corporativa.

Resumidamente, temos que:

• dimensão mercado - identificação de fatores globais de mercado


que podem afetar a cadeia de valor da empresa e como lidar com isso;
• dimensão governo - identificação de como os Estados podem afe-
tar a cadeia de valor da empresa e como lidar com isso;
• dimensão sociedade - identificação de como a sociedade organi-
zada pode afetar a cadeia de valor da empresa e como lidar com isso;
• dimensão informação - definição de estratégias globais de comu-
nicação nas dimensões mercado, governo e sociedade.

Como se vê, o estabelecimento de uma PEC é fundamental, pois cada uma


das dimensões afeta a cadeia de valor empresarial. A cadeia de valor, conforme
Porter (1998), desagrega uma empresa nas suas atividades de relevância estra-
tégica para que se possa compreender o comportamento dos custos e as fontes
existentes de potenciais diferenciações. A cadeia de valor exibe o valor total,
e consiste em "margem" e "atividades de valor". As atividades de valor são as
atividades física e tecnologicamente distintas, através das quais a empresa cria
um produto valioso para seus compradores. A cadeia de valor pode ser mais
bem visualizada pela Figura 2.2:
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 25

Infra-estrutura interna
Gestão d recursos h manos

Desenvol 1imento tec~ológico


l compras
1

Logística Logística Marketing Serviços


lnbound Operações Outbound & Vendas Pós-vendas

Atividades primárias

FONTE: Porter (1998, p. 41 ).

Figura 2.2 Cadeia de valor de Porter.

Podemos resumidamente indicar que a cadeia de valor é composta de ati-


vidades primárias e de apoio, sendo que:

Atividades primárias

• logística Inbound - recebimento, armazenagem e distribuição de insu-


mos;
• operações - transformação dos insumos em produtos, como trabalho
com máquinas, embalagens, montagem, manutenção de equipamen-
tos, testes e operações de produção;
• logística Outbound - coleta, armazenamento e distribuição física de
produtos para os compradores;
• marketing e vendas - meios pelos quais os compradores possam com-
prar o produto e serem induzidos a fazer isto;
• serviço pós-vendas - fornecimento do serviço para intensificar ou man-
ter o valor do produto (instalação, treinamento do cliente, assistência
técnica etc.).

Atividades de apoio

• infra-estrutura interna - gerência geral, planejamento, finanças, con-


tabilidade, jurídico, questões governamentais e gestão da qualidade;
26 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

• gestão de recursos humanos - recrutamento, contratação, treinamen-


to, desenvolvimento e compensação de todos os tipos de pessoal;
• desenvolvimento tecnológico - atividades que podem ser agrupadas, em
termos gerais, em esforços para aperfeiçoar o produto e o processo;
• compras - função de compra de insumos empregados na cadeia deva-
lor da empresa.

2.3 Papel do Diplomata Corporativo

Uma vez discutidas a definição, as dimensões e a formulação da PEC, é


preciso identificar o perfil do profissional capaz de desenhar a estratégia de
atuação internacional e de gerenciar e monitorar esta política.
Podemos dizer que um diplomata de um Estado tem essencialmente a
função de negociar em nome de seu país, informar o seu governo sobre a evo-
lução dos acontecimentos (políticos, econômicos etc.) em relação a um deter-
minado Estado e, finalmente, representar o seu país perante as autoridades
dos outros países.
Em outras palavras, o diplomata de Estado é a pessoa responsável tanto
pela execução quanto por alimentar o governo com as informações necessárias
para a formulação de sua política externa.
E o que é o diplomata corporativo?

Em outras palavras, o diplomata corporativo deve:

• contribuir no processo de formulação da PEC alimentando a empresa


de informações e análises em relação às dimensões governo, mercado,
sociedade e imprensa;
• executar os objetivos da PEC através de:
desenvolvimento e manutenção do relacionamento com os gover-
nos em seus três níveis (local, estrangeiro, intergovernamental);
desenvolvimento e manutenção do relacionamento com os canais
sociais pertinentes ao negócio da empresa;
desenvolvimento dos canais de cliente e fornecedor, monitora-
mento e políticas da atual e potencial competição internacional (5
forças de Porter);
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 27

monitoramento e estabelecimento de políticas de informação em


nível internacional que contribuam com os objetivos estabelecidos
nas dimensões governo, sociedade e mercado;
• negociar em nome da empresa em cada uma das quatro dimensões da
PEC.

Portanto, estamos falando de um profissional multidisciplinar capaz de rea-


lizar cruzamentos complexos de informações que vão desde diferenças cultu-
rais, passando pela capacidade de avaliação de ambientes políticos e econômi-
cos, até a capacidade de transformar isso em resultados financeiros.
Este profissional com habilidades multidisciplinares (veja Quadro 2.1) é
fundamental para o sucesso e sustentação dos processos de internacionaliza-
ção de absolutamente qualquer empresa. Entretanto, logicamente é um pro-
fissional difícil de ser encontrado. Certamente, uma graduação em Relações
Internacionais deve oferecer uma base interessante para a formação de um di-
plomata corporativo, dada a multidisciplinaridade característica do curso.
Entretanto, mesmo o graduado em RI não tem condições suficientes de ser
um bom diplomata corporativo, tendo que, após a conclusão de seu curso, de-
senvolver habilidades específicas, como conhecimento técnico relativo ao setor
de atuação da empresa ou mesmo aprofundar alguma dimensão de conheci-
mento que não foi tratada em sua graduação ou o foi de maneira superficial.
Ou seja, o estudante de RI normalmente tem disciplinas de Política, Eco-
nomia, Direito, História e Cultura, mas logicamente o conhecimento de Direito
deste graduado costuma ser inferior ao de um formado em Direito tanto quanto
seu conhecimento de Economia em relação ao de um graduado de Economia.
Portanto, mesmo este graduado em RI, dependendo da ênfase que sua faculda-
de deu a alguma área7 e das necessidades específicas da empresa, terá que bus-
car suprir suas deficiências através de mais cursos de pós-graduação e MBA.
Da mesma forma, é lógico que de nenhuma forma a diplomacia corpora-
tiva está restrita aos graduados de RI. Literalmente qualquer graduado, do Di-
reito, passando pela Administração e Economia e até o engenheiro, pode fazer
parte da diplomacia corporativa.ª
Logicamente que, se por exemplo o candidato à diplomacia corporativa for
graduado em Engenharia, isto lhe dá uma grande vantagem do ponto de vista
7
Geralmente os cursos de graduação em RI costumam dar ênfase a alguma área, como direito,
economia, política ou negócios, até mesmo como forma de diferenciação e competição entre
eles. De qualquer forma, o graduado em RI não pode ser confundido com o de Comércio Ex-
terior. O graduado em RI é um estrategista internacional, dada a sua base nas áreas já citadas,
enquanto que o graduado de Comércio Exterior é especialista em execução dos procedimentos
administrativos relativos a uma operação internacional.
8
Tanto quanto para fazer parte da diplomacia do Brasil não há nenhum pré-requisito em termos
de formação, a não ser o fato de ser graduado em qualquer curso.
28 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

de habilidade técnica (quando os produtos e serviços da empresa são altamen-


te especializados, isto pode ser essencial). Entretanto, ele terá que complemen-
tar sua formação em habilidades fundamentais para as quais ele não foi treina-
do em sua graduação, corno, por exemplo, Direito, Finanças e Cultura.
O Quadro 2.1 mostra as habilidades fundamentais que um diplomata cor-
porativo deve buscar desenvolver:
Quadro 2.1

Habilidades do Diplomata Corporativo


O candidato a diplomata corporativo deve desenvolver uma série de habilida-
des, entre as quais:
• Negociação
• Economia (micro e macro)
• Política Internacional
• Diferenças Culturais
• Idiomas
• Finanças
• Direito (contratos internacionais}
• Marketing Internacional
• Gerenciamento de Crise

O diplomata corporativo, assim corno o diplomata do Estado, pode traba-


lhar na coordenação e execução estratégica da PEC na matriz da empresa (as-
sim corno o diplomata brasileiro que pode estar baseado no Itamaraty em Bra-
sília), ou pode ser enviado em missão ao exterior para ocupar algum posto
estratégico. Dessa forma, todo expatriado de alguma forma é um diplomata
corporativo, pois ele sempre será visto como um representante do país de ori-
gem desta multinacional.
Dessa forma, se, por exemplo, um gerente de logística trabalha na opera-
ção de logística de uma empresa brasileira no Brasil, ele não faz parte da di-
plomacia corporativa; mas se ele é enviado temporariamente para a Argentina
para implementar um projeto, está saindo em uma missão diplomática corpora-
tiva. Ele deve estar ciente da responsabilidade que isto significa. Da mesma for-
ma, se este gerente é realocado para o Chile, então, como expatriado em uma
posição estratégica, ele passa a ser parte da diplomacia corporativa. 9

9
Nem todo expatriado pode ser considerado parte da diplomacia corporativa. Se, por exemplo,
uma construtora leva a uma operação no exterior um grupo de operários para construir uma hi-
droelétrica, eles não fazem parte da diplomacia corporativa porque sua função não envolve deci-
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 29

Certamente, o foco deste livro não é corno a empresa deve lidar com os ex-
patriados. Entretanto, através de seu RH é preciso que a empresa crie políticas
específicas sobre a realocação de seus funcionários globalmente.
A atividade da diplomacia corporativa, seja em missões internacionais,
seja vivendo no exterior, é emocionalmente extremamente desgastante, espe-
cialmente em relação ao relacionamento deste diplomata com narnorado(a)s
ou/ e cônjuge e/ ou filhos. A ausência em longas viagens internacionais ou a
vida em um ambiente muito diferente do país de origem pode levar ao colapso
estes relacionamentos.
Isto de nenhuma forma é simplesmente urna questão de foro íntimo do fun-
cionário, pois a empresa indiretamente é responsável por estas tensões. Funcio-
nário infeliz produz menos e representa mal a empresa na arena internacional,
porque é humanamente impossível separar totalmente a vida particular da vida
pública. Urna área certamente influencia a outra em qualquer situação, ainda
mais quando adicionamos o componente internacional. Assim, é fundamental
que a empresa que queira ter sucesso em sua operação internacional assessore
adequadamente os seus funcionários que atuam internacionalmente.

Quadro 2.2

Checlcllst do RH para o Expatriado da Diplomacia Corporativa

• O candidato a expatriado é capaz de se adaptar para viver em um ambiente


cultural e social diferente do seu?
• A famflia do candidato será capaz de se adaptar em um ambiente social e
cultural diferente do seu?
• Quais treinamentos devem ser pferecidos ao empregado e à famma que fa-
rão a realocação (idiomas, cultura, informaÇÕ6!5 básicas de como conduzir a
vida neste lugar, regras de etiqueta como representantes da empresa etc.)7
• Uma vez em missâo, como da, suporte ao empregado e sua família {apoio
psicológico ao c6nJL.19f: e fHhos, a~llo nos. estudos e adaptação na esco-
la etc.)?
• Qual a polftica de remut,eraçãó fora do pais e qual caminho a carreira deste
funcionário poderâ tomar apm a missão em determinado paJs7

sões estratégicas e representação da empresa. Por outro lado, certamente o engenheiro expatriado
que comandar a obra poderá ser considerado parte da diplomacia corporativa da empresa.
30 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Depoimento de um Diplomata Corporativo


Fábio Rua
Gerente de Relações Internacionais
da Companhia Vale do Rio Doce*

o termo diplomacia pode ser definido como uma prática de construção de


alianças e negociações entre representantes de Estados. Mas guarda também,
em sua aplicação, uma série de outras atividades e interpretações. A ação di-
plomática, com vocação claramente universal, tem como principais objetivos
a formulação e a coordenação da política externa em benefício dos interesses
nacionais e em sintonia com a realidade global. Para isso, busca persuadir,
pressionar e vincular os diversos atores internacionais - governamentais e não
governamentais 10 - à luz dos interesses de um Estado. Reconhecido como há-
bil com as palavras e incansável na busca dos interesses comerciais, políticos,
econômicos e sociais de seu país, o diplomata é freqüente e corretamente asso-
ciado à "personalização política do Estado". 11
Ao cunhar a expressão soft power, Joseph Nye, um proeminente pensador
liberal da Universidade Harvard, fornece uma boa pista para a compreensão do
papel do diplomata, que tem como tarefa diuturna a busca pela representação
dos interesses de um Estado de modo a influenciar o comportamento de outros
por meio de seus valores, suas idéias e sua cultura.
É essencial que a diplomacia não se baseie apenas em ideologias e tradi-
ções. Num mundo em acelerada mudança, faz-se imperiosa uma constante rea-
valiação da estratégia da política externa formulada por aqueles que dela fa-
zem parte, de modo a permitir ajustes que deixem o peso da tradição trabalhar
em favor dos interesses contemporâneos. 12
Walter Laqueur, presidente do conselho internacional de pesquisas do Cen-
tro de Estratégia e Estudos Internacionais, de Washington, DC (CSIS, na sigla
em inglês), vai mais longe e diz que "sempre haverá lugar para a diplomacia,
mas, na forma como é aplicada nos dias de hoje, ela não passa de uma relíquia
do século XVIII que claramente precisa ser repensada e remodelada".
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Gostaria de deixar as citações e are-
tórica de lado e tentar mostrar que a prática da diplomacia não está restrita à

* Os pontos de vista expressos neste depoimento são de responsabilidade de seu autor e não
expressam necessariamente as opiniões da empresa à qual está vinculado.
10
Danese, Sérgio. Diplomacia empresarial. Prefácio de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Topbooks,
1999. p. 13-14.
11 Idem.

12
Cardoso, Fernando Henrique. A arte da política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
p. 604.
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 31

esfera pública. O setor privado, cada vez mais independente das ações do Es-
tado para a concretização dos seus negócios no exterior, tem papel relevante
no crescimento e desenvolvimento dos países, assim como na formulação de
políticas que venham ao encontro dos seus interesses.
Conceituo a diplomacia corporativa como a arte de pensar estrategicamen-
te e conectar as dimensões operacionais e comerciais de um negócio com as
sociais, ambientais, culturais e econômicas do mercado-alvo. Para colocá-la em
prática, o diplomata empresarial é fundamental, e tem como principal objeti-
vo defender os interesses do seu empregador junto a governos, comunidades,
imprensa, academia, organizações não governamentais, comunidades e enti-
dades estrangeiras, entre outras.
No Brasil, a defesa de interesses costuma ser associada à atividade de lo-
bby, palavra que, ao ser incorporada ao vocabulário local, ganhou uma cono-
tação negativa que remete a favorecimento, corrupção e conflito de interesses.
Esse significado é uma deturpação do conceito legítimo e transparente de defe-
sa de interesses como ela ocorre em países desenvolvidos, e, desde o primeiro
momento, coloca em xeque a disseminação de uma prática fundamental para a
transposição das fronteiras por empresas dispostas a se tomarem globais.
Para contornar o conceito negativo da atividade de representação institu-
cional, e valendo-se, de modo geral, da credibilidade e "nobreza" atribuídas às
funções diplomáticas, a expressão diplomacia corporativa se apresenta como
uma das mais apropriadas para descrever uma função de extrema importância
para o setor privado.
Para prosperar no mercado internacional não basta dispor de um bom pro-
duto ou serviço, de um bom centro de distribuição ou de benefícios fiscais; é
fundamental que se compreendam as dimensões sociais, políticas, culturais e
institucionais do país/região que se quer atingir. O chamado diplomata corpo-
rativo precisa conhecer muito bem o contexto em que o seu setor se insere no
país em vista e, com isso, traçar a melhor estratégia para a entrada e perma-
nência de sua empresa. Planejamento e pesquisas de mercado são apenas al-
guns dos elementos desse complexo plano de trabalho.
De nada adianta uma empresa investir num país que conta com recursos
naturais abundantes ou com poder de consumo gigantesco para produtos ele-
trônicos se ele não oferecer o mínimo de segurança jurídica e previsibilidade
política. Não se trata aqui de uma foto do momento, mas de uma análise pro-
funda das forças que governam o país e das que podem vir a conquistar o poder
pelas mais variadas vias. Para isso, apenas Internet e relatórios anuais de or-
ganismos internacionais não são o bastante. É preciso contato direto, viagens,
estabelecimento de uma rede de relacionamentos confiável e dinâmica. Mesmo
porque a balança do poder se altera de tempos em tempos e contatos ocasio-
nais não têm a menor chance de prosperar.
32 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

E se, ao investir num determinado país, a empresa percebe que a natureza


do seu negócio e as características socioeconômicas da região são claros indu-
tores de pobreza, favelização e/ou problemas ambientais? É função do diplo-
mata corporativo liderar o processo de detecção dos principais riscos associa-
dos a um eventual investimento, bem como propor soluções para extinguir ou
minimizar o problema.
Para que aplicar uma lupa sobre o mercado a ser atingido e, ao mesmo
tempo, ignorar questões cruciais para o fluxo logístico de produtos ou a preser-
vação do parque instalado da companhia? O que pode acontecer com o escoa-
mento da produção de uma empresa caso ocorra uma guerra e os portos, aero-
portos e estradas do país fiquem fechados por tempo indeterminado? Cabe ao
diplomata corporativo, conhecendo a realidade dos países em que sua empresa
concebe negócios, liderar a elaboração de planos de contingência e, se necessá-
rio, de evacuação dos seus empregados, fornecedores e clientes.
Como fica o mercado consumidor e os empregados de uma empresa com
operações em países atingidos por pandemias? Sistemas de vigilância e mo-
nitoramento constante devem ser instalados previamente para que se possa
detectar o problema com antecedência e, se necessário, sejam implementadas
estratégias de reordenamento logístico. Nesse caso, o diplomata corporativo
raramente terá o conhecimento técnico necessário para liderar as ações neces-
sárias para a garantia do escoamento da produção, mas, por conhecer a região,
acompanhar a evolução do problema e se relacionar com autoridades e outros
interlocutores relevantes, terá condições de aconselhar uma saída e, com a an-
tecedência possível, minimizar os efeitos negativos da eventual crise.
Uma empresa global - que normalmente é a que conta com profissionais
como os descritos acima - não pode se preocupar apenas com suas vendas,
seus ativos e seus empregados. Empresas globais possuem responsabilidades
globais e, portanto, não podem ficar alheias às questões estruturais que têm
impacto nas populações afetadas por sua presença. O diplomata corporativo
deve, utilizando um termo em moda, se preocupar com a "sustentabilidade"
do negócio que representa. Para isso, precisa conhecer as comunidades afeta-
das, positiva ou negativamente, pelas atividades da sua empresa e, ao cons-
truir uma relação de confiança, se certificar de que está sendo dada a devida
atenção às suas necessidades. Ao utilizar mão-de-obra local, garantir que pro-
gramas de treinamento e educação sejam adotados. Ao trazer algum tipo de
impacto ambiental à região, se certificar de que haja a reposição dos recursos
afetados por meio de ações concretas e resultados mensuráveis.
O mesmo vale para profissionais de organizações não governamentais e
entidades associativas ou de classe que exerçam funções de interlocução com
públicos externos. O estabelecimento de barreiras tarifárias e não tarifárias por
países consumidores de produtos do setor representado deve ser alvo de pre-
ocupação e de definição de planos de mitigação dos potenciais prejuízos. Para
A política externa corporativa e a diplomacia corporativa 33

isso é necessário que se conheça a legislação local, a razão pela qual a medida
foi adotada e as alternativas legais que podem ser tomadas para influenciar po-
sitivamente a melhoria do ambiente de negócios no país em questão.
E a ameaça terrorista? Os efeitos das mudanças climáticas para os negócios
e as populações por elas afetadas? O fundamentalismo religioso? O crescimen-
to da pirataria? O desrespeito aos direitos humanos? ... De nada adianta uma
empresa global investir consideráveis somas de dinheiro num país ou numa re-
gião sem antes atentar, estudar e procurar respostas para tais questões.
É evidente que o diplomata corporativo não é a solução para esses proble-
mas, mas profissionais multidisciplinares, flexíveis e conhecedores profundos
dos principais temas e das mais relevantes culturas internacionais são, sem a me-
nor dúvida, um diferencial competitivo e um grande ativo para empresas e insti-
tuições interessadas em manter uma posição de destaque no mercado global.
L
3
A Dimensão Mercado

A
dimensão mercado da PEC diz respeito à estratégia global de mercado
de atuação da empresa. Na verdade, esta dimensão talvez seja a mais
tradicional em qualquer planejamento estratégico de uma empresa.
Dessa forma, a dimensão mercado diz respeito ao processo de internacio-
nalização das empresas. Resumidamente, temos que o planejamento dos ne-
gócios internacionais é um processo longo que envolve desde investigações
detalhadas sobre o mercado externo até mudanças em processos internos para
adaptar produtos e pessoal para o relacionamento externo.
O diagrama da Figura 3.1 mostra as fases do processo de internacionali-
zação.

Investigação Avaliação das


Análise da das opções Implementação e
empresa oportunidades estratégicas gestão
globais

o @ t) e
Figura 3.1 Fases do planejamento da internacionalização.

Cada uma destas fases é detalhada de acordo com o diagrama da Figura 3.2.
36 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

1 A na' I'1se .interna I


1
r Análise externa l o
l
Determinação
de critérios
Levantamento
de dados
Estudo detalhado
de mercado(s)
~

e
Critérios de Pesquisa
competitividade de mercado

Fontes
Critérios de
secundá rias
acesso
(publicadas)

Critérios de
demanda

Estratégias de
preço e produto
Estratégias
de entrada
Estabelecimento
dos obstáculos
estratégicos
>--
o
1
1
1

e
Administração
Implementação dos negócios
internacionais

Figura 3.2 Detalhamento do planejamento dos negócios internacionais.

Na fase 1, a análise da empresa inclui o estudo da situação atual da opera-


ção local, sua atual capacidade financeira e o comprometimento e objetivos da
direção, enquanto que a análise externa inclui a investigação da situação mer-
cadológica, das vantagens e desvantagens do produto, bem como da situação
competitiva da empresa.
Na fase 2, determinam-se critérios para selecionar mercados internacio-
nais a serem explorados. Após a seleção de países em específico, é preciso le-
vantar dados sobre eles através de pesquisas diretamente junto ao consumi-
dor ou através das chamadas fontes secundárias, que são relatórios prontos e
estatísticas que podem ser obtidos gratuitamente ou pagos. Com os dados em
mãos é possível conduzir um estudo detalhado de mercado, o qual deverá re-
A dimensão mercado 37

sultar em uma radiografia das condições daquele mercado específico para os


seus produtos e serviços.
Com os resultados da fase 2 em mãos, na fase 3 se investigam os obstácu-
los estratégicos para o sucesso do seu produto no mercado externo. Com estes
subsídios é possível desenhar uma estratégia de entrada, incluindo aí a investi-
gação da melhor estratégia de posicionamento mercadológico e de preço.
Na fase 4, executa-se o plano de implementação, o que inclui toda admi-
nistração da operação internacional.

3.1 Análise da Empresa

Em relação à fase 1, a análise externa diz respeito ao estudo do ambiente


externo à empresa, que envolve uma profunda análise da estrutura da indús-
tria, da atual situação de mercado, bem como das condições de competitivida-
de. Já a análise interna foca a identificação das fortalezas e forças da empresa
visando aproveitar as oportunidades externas.

Análise Externa Análise Interna

Análise da Análise de
indústria 1-------1 mercado
SWOT

Análise da Processo
competitividade interno

Figura 3.3 Análise da empresa.

A análise externa

Análise da indústria

O objetivo da análise da indústria é descrever a lógica estrutural do setor.


A análise pode ser conduzida através das seguintes questões:

1. Estrutura do setor - Quais os componentes da cadeia produtiva?


Como funciona o relacionamento entre fornecedores e compradores?
38 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

2. Segmentação - Que segmentos existem nesta indústria? De que for-


ma eles se relacionam?
3. Tecnologia - Como se dá o desenvolvimento tecnológico? Qual o
atual estágio de desenvolvimento? Quais as tendências?
4. Logística - Como funciona o processo de distribuição e entrega do
produto ou serviço?

Análise de mercado
A análise de mercado deve dar um retrato das condições conjunturais do
mercado. Normalmente, quando há vários segmentos no qual a empresa atua,
se conduzem estudos separados por segmento.
Do ponto de vista mercadológico podemos conduzir o trabalho através da
análise do clássico 4 Ps:

• produto;
• promoção;
• preço;
• ponto de distribuição .

Além disso, devemos buscar dados quantitativos de mercado que indi-


quem:

• evolução e tendência de vendas e consumo;


• evolução e tendência de marketshare (participação de mercado das
empresas);
• evolução e tendência de preços.

Análise de competitividade internacional

A análise de competitividade internacional é extremamente importante


para situar a empresa em relação aos seus competidores internacionais. Den-
tro do plano de negócios internacionais isto pode ser importante como critério
de entrada em mercados específicos e para analisar como combater os compe-
tidores ou como estabelecer e combater barreiras de entrada. 1

1 Barreiras de entrada são obstáculos construídos pelos competidores para entrar em um de-

terminado mercado. As fontes da barreira de entrada podem ser bastante diversas, tais como
tecnologia diferenciada, base de clientes, intervenção governamental etc. Toda empresa quando
entra em um mercado deve conhecer as barreiras à entrada e também montar estratégias que
levantem barreiras à entrada de competidores no mercado.
A dimensão mercado 39

O modelo de cinco forças proposto por Porter (1998) tem a vantagem de


nos dar uma boa foto da situação de determinado mercado. Para cada produto
e em cada país foco deve ser conduzida esta análise. Logicamente a primeira
análise a ser conduzida é em relação ao seu mercado no Brasil.
As cinco forças enunciadas por Porter são:

1. entrantes potenciais - empresas que podem entrar no mercado e


competir com as empresas que já atuam no mercado;
2. produtos substitutos - produtos que podem servir de alternativas
ao produto foco;
3. poder dos clientes - análise do poder de compra do consumidor do
produto;
4. poder dos fornecedores - análise do poder dos vendedores;
5. rivalidade entre os competidores - grau de severidade de com-
petição entre as empresas do setor.

Os fornecedores podem influenciar uma indústria na medida em que dete-


nham poder de negociação suficiente para, através de uma elevação no nível
de preços ou redução da qualidade dos bens e serviços fornecidos, afetar nega-
tivamente a rentabilidade da referida indústria. As condições que determinam
o poder de pressão de um grupo de fornecedores são o grau de concentração
e oligopolização, presença ou não de produtos substitutos na venda para a in-
dústria, grau de importância do produto fornecido para o negócio do compra-
dor, grau de diferenciação ou de custos de mudança dos produtos fornecidos e
ameaça de integração para frente por parte dos fornecedores.
Os compradores, por sua vez, exercem pressão sobre a indústria ao forçar
uma redução dos preços, ao exigir melhor qualidade e ao instigar os concor-
rentes uns contra os outros. Entretanto, o poder de um grupo de compradores
depende diretamente do grau de concentração ou do volume adquirido em re-
lação às vendas do vendedor, da facilidade de troca de fornecedor, da ameaça
de integração para trás por parte dos compradores, do grau de conhecimen-
to das condições de mercado por parte dos compradores e do baixo nível de
influência do produto da indústria na qualidade dos produtos ou serviços do
comprador.
Os concorrentes existentes alteram a estrutura industrial ao competirem por
uma posição mais privilegiada no mercado. A rivalidade é tanto maior quanto
seja a percepção que os concorrentes têm sobre a oportunidade de melhorar a
sua posição. O grau de rivalidade da concorrência existente está diretamente
relacionado com a quantidade de concorrentes, com custos fixos ou de armaze-
namento altos; com barreiras de saída elevadas; e com a ausência de diferen-
ciação ou custos de mudança.
40 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Os concorrentes potenciais modificam a estrutura industrial porque, ao ten-


tar entrar no mercado, podem forçar uma redução dos preços ou um aumento
dos custos dos participantes.
Os produtos substitutos, por sua vez, influenciam a indústria oferecendo
uma alternativa de preço-desempenho capaz de afetar o nível de lucratividade
das empresas participantes.
Os principais determinantes de cada uma das forças são os seguintes:

Barreiras de Entrada
• economias de escala;
• diferenças de produtos patenteados;
• identidade da marca;
• custo de mudança;
• exigências de capital;
• acesso à distribuição;
• vantagens de custo absoluto;
• curva de aprendizagem;
• acesso a insumos necessários;
• projeto de produtos de baixo custo;
• política governamental;
• retaliação esperada .

Poder dos Fornecedores


• diferenciação dos insumos;
• custos de mudanças dos fornecedores e das empresas na indústria;
• presença de insumos substitutos;
• concentração dos fornecedores;
• importância do volume para o fornecedor;
• custos relativos a compras totais na indústria;
• impacto dos insumos sobre custos ou diferenciação;
• ameaça de integração para frente .

Substitutos
• desempenho do preço relativo dos substitutos;
• custos de mudança;
A dimensão mercado 41

• propensão do comprador a substituir.

Poder do Comprador
• concentração dos compradores versus concentração de empresas;
• volume do comprador;
• custo de mudança do comprador em relação aos custos de mudança da
empresa;
• informação do comprador;
• possibilidade de integração para trás;
• sensibilidade ao preço;
• diferença dos produtos;
• identidade da marca .

Rivalidade na Indústria
• crescimento da indústria;
• custos fixos/valor adicionado;
• excesso de capacidade crônica;
• diferença de produtos;
• identidade da marca;
• custos de mudança;
• concentração;
• diversidade de concorrentes .

A rede de valor está relacionada com as cinco forças de Porter (1998); con-
forme apresentado na Figura 3.4.

Análise interna

Análise SWOT

A Análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats - Forta-


lezas, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças) é um excelente instrumento para
a investigação das forças e fraquezas da empresa no contexto competitivo.
42 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Ameaça de
novos entrantes

Poder dos
compradores
-- Poder dos
fornecedores

Substitutos

FONTE: Porter (1998).


Figura 3.4 Forças de Porter.

Algumas perguntas que podem ser feitas para conduzir a SWOT seguem
abaixo:
Fortalezas
• Quais são as suas vantagens em termos de produto? Administração?
Conhecimento de mercado?
• O que sua empresa sabe fazer melhor?
• O que seus clientes identificam como força?
Fraquezas
• O que sua empresa não faz bem?
• O que seus clientes identificam como negativo em sua empresa?
Oportunidades
• Quais as oportunidades de mercado que sua empresa enxerga?
• Quais as tendências de mercado que sua indústria vem enfrentando?
Ameaças
• Quais as dificuldades que sua empresa enfrenta?
• Como seus competidores podem ameaçar o seu negócio?

A análise SWOT geralmente é apresentada em um quadro sintético como


o da Figura 3.5.
A dimensão mercado 43

Fortalezas Fraquezas

Oportunidades Ameaças

Figura 3.5 Análise SWOI

Processo interno

A investigação do processo interno é importante para identificar de ante-


mão onde haverá gargalos para o processo de internacionalização e onde será
mais fácil conduzir esse processo. Uma empresa que tem sérios problemas re-
lativos a processo interno dificilmente poderá ter sucesso em seu processo de
internacionalização. Dessa forma, se identificados sérios problemas é melhor
buscar saná-los antes de seguir com a internacionalização.
Diversas perguntas chaves podem ajudá-lo a conduzir a investigação sobre
o processo interno, tais como:

• A empresa tem pessoas especializadas na área internacional?


• A direção da empresa está comprometida com o processo de interna-
cionalização?
• A empresa tem alguma experiência com a área internacional?
• A empresa tem flexibilidade organizacional para comportar uma área
internacional?
• A empresa tem uma cultura aberta capaz de lidar com demandas de
clientes e parceiros de culturas bastante diferentes?
• A internacionalização é complementar ao posicionamento da empresa?
• A empresa possui um modelo de negócios diferenciado?
• A empresa tem processos administrativos bem desenhados e claros a
todos?

O passo seguinte é desenvolver uma avaliação de benchmarking. O bench-


marking é uma técnica que avalia as práticas que levaram determinadas empre-
sas, concorrentes diretos ou não, a se tomarem líderes de mercado ou exem-
plos distintivos em determinado setor. Em outras palavras, o processo contínuo
44 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

de avaliação de benchmarking significa identificar os erros e acertos das em-


presas pioneiras e líderes de modo a não repetir seus erros e, sim, repetir os
seus sucessos.
Resumidamente podemos dizer que o processo de benchmarking tem, em
geral, cinco fases: planejamento, coleta de dados, análise, adaptação e imple-
mentação ou, conforme Camp (1998):

1. identificar os marcos de referência;


2. identificar empresas comparativas;
3. definir método e coletar os dados;
4. determinar a lacuna de desempenho;
5. projetar níveis de desempenho futuro;
6. comunicar descoberta dos marcos de referência e obter aceitação;
7. estabelecer metas funcionais;
8. desenvolver plano de ação;
9. implementar ações específicas e monitorar progresso;
10. recalibrar marcos de referência.

Há várias formas de conduzir esta avaliação, dentre as quais as mais sim-


ples são:

• avaliação qualitativa de benchmarking;


• avaliação matricial.

Em uma avaliação qualitativa você deve levantar vários aspectos relativos


à competição e, em função destes aspectos, estabelecer uma comparação das
vantagens e desvantagens do competidor. Alguns dos aspectos que podem ser
abordados em sua análise qualitativa são:

• preço;
• localização;
• distribuição;
• diferenças do produto ou serviço;
• atendimento ao cliente;
• tecnologia;
• barreiras de entrada estabelecidas;
• ações estratégicas previstas e tomadas;
A dimensão mercado 45

• posicionamento mercadológico;
• qualidade do produto;
• qualidade administrativa;
• qualidade e quantidade da força de vendas .

Já a análise matricial ajuda a colocar em um ranking os competidores em


relação aos parâmetros considerados mais importantes para a análise competi-
tiva em determinado mercado analisados em urna escala de 1 a 10 em relação
ao resto do mercado. Vejamos o exemplo da Tabela 3.1.

Tabela 3.1 Análise matricial de benchmarking.


Atributos Peso Empresa A Empresa B Empresa C
Preço 20% 5 8 9
Qualidade 15% 6 7 3
Tecnologia 25% 9 6 4
Serviço ao 40% 7 4 5
consumidor
Total 100% 6,95 5,75 5,25

Dentro desta análise matricial, ternos que a empresa A tem urna maior
competitividade, pois dentro dos parâmetros estabelecidos conseguiu obter
maior nota ponderada.
Novamente é interessante dizer que estas duas formas podem ser integra-
das para se obterem melhores resultados analíticos.

Quadro 3.1

A falácia do empreendedor

Antes de mais nada é preciso tomar extremo cuidado com aquilo que cha-
mo da falácia do empreendedor. Muitas vezes, quando as empresas desenvolvem
seus planos de negócio, tendem a minimizar a importância dos competidores até
o ponto de considerar que o produto ou serviço simplesmente não tem competi-
ção alguma.
De fato, este erro freqüente é fruto de algo positivo que é a crença do empreen-
dedor ou executivo em seu próprio negócio. A origem da falácia também pode ser
atribuída à procura por negócios altamente diferenciados. No entanto, é preciso
esclarecer, não existe tal coisa como um produto ou serviço sem competição.
Vamos considerar hipoteticamente que eu invente um aparelho que através
de asas possibilita a cada um de nós voar pequenas distâncias. Logicamente que
46 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

o fruto do meu invento é único e diferenciado e, portanto, não tem com


direto. No entanto, meu invento terá que enfrentar centenas de competido
diretos. A competição indireta é gerada por aquilo que chamamos em
de bens substitutos. No caso, meu aparelho pode ser substituído em pri
gar por qualquer outro aparelho que possibilite voar, como aviões, helicó
balões etc. Caso meu aparelho não tenha grande autonomia, ou seja ca
tenha pequena velocidade, terei que comparar com outros meios de loco
tais como carros, motos e até bicicletas.
Dessa forma, sua análise competitiva irá destacar as vantagens e des
gens de seus competidores indiretos em relação ao seu produto.

Exemplo resumido das cinco forças de Porter, benchmarking


e SWOT para uma empresa do setor de queijo 2
Cinco Forças de Porter

Entrantes potenciais: média


É considerado um risco médio pelo fato de que existem empresas de me,
gaescala no setor de laticínios que mantêm a barreira de entrada no mercadC)
alta, ou seja, limitam a entrada de concorrentes por essas empresas que já s~
encontram instaladas no setor. Além disso, o mercado de exportação de produ,
tos perecíveis exige grandes investimentos, devido ao transporte apropriado ~
condições de armazenamento do produto. Ainda, graças aos custos de expor,
tação, o preço do produto é mais caro que seus substitutos do mercado local.
Esse conjunto de fatores faz com que o risco de entrantes potenciais seja médio
no setor de laticínios.

Produtos substitutos: alta


As barreiras do mercado são baixas, devido à quantidade de tipos de de-
rivados de leite que podem servir como substitutos dentro do setor de laticí-
nios. Muitos desses substitutos contam com fatores de produção mais baratos
e, conseqüentemente, preços mais baixos. A soma desses fatores faz com que
os substitutos sejam uma ameaça alta para a entrada no setor.

Poder dos compradores: média


A razão de o risco ser médio é o fato de que os produtos perecíveis, como
os laticínios, possuem uma diferenciação de preços e qualidade dentro de qual-

2
Esta análise foi conduzida com a colaboração de Eleonora Spínola, Fabiana Biazoti, Fabio Ot-
taiano e Flávia Carrasco.
A dimensão mercado 47

quer mercado, além da fidelização de um cliente com uma marca. Trocar de


fornecedor, tratando-se de produtos comestíveis e que exigem uma grande
qualidade, é um ato arriscado, além do fato de os clientes, de modo geral, não
possuírem muitas informações em relação à fabricação do produto.

Poder dos fornecedores: baixa

Existem muitos fornecedores de leite que sobrevivem basicamente das in-


dústrias de laticínios, não havendo muita diferenciação no leite e sim nos pro-
cessos de ordenha. Por essa razão, o risco que os mesmos representam é baixo,
sendo difícil a integração desses fornecedores para frente, devido ao alto custo
da produção de laticínios.

Rivalidade entre competidores: média

A razão de o risco ser considerado médio é o fato de que existem vários


competidores num mercado que sofre com crescimento lento da indústria, obri-
gando as empresas a competirem por uma parcela de mercado que já existe.
Todavia, existe certa diferenciação entre os produtos em termos de quali-
dade e preço e falta de interesses estratégicos.

Ameaça de novos Entrantes:


Média
Barreira alta de entrada
devido à concorrência com
empresas de megaescala
locais e estrangeiras

Rivalidade entre Competidores: Poder dos Fornecedores:


Poder dos Compradores:
Média Baixa
Média
Grande número de ~ Grande número de
Pouca informação sobre
competidores numa indústria fornecedores de leite que
o produto e grande risco
de crescimento lento, com dependem da indústria de
ao trocar de fornecedor
produtos diferenciados laticínos para sob reviver

Substitutos:
Alta
Grande varied ade de
derivados de leite, muitos
deles com custos de
produção mais baixos

Figura 3.6 Forças de Porter relativas a uma empresa de queijos.


48 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Benchmarking
Grupo Lactalis

Origem francesa

O grupo francês Lactalis, com uma estrutura familiar, foi fundado no final
de 1933. O grupo começou com um empregado e 35 litros de leite coletados,
Em 1947 possuía 25 empregados e em 1955 já estava com 50 empregados~
uma coleta anual de leite de sete milhões de litros.
Em 1967, sua coleta passou para 110 milhões de litros e no ano seguinte()
grupo lançou o queijo camembert Président. Em 1970, produzia 180 milhõe~
de camembert e possuia 7 regiões de fabricação, todas na França. Em 1980,
passou a 27 regiões produtoras, adquiriu uma filial do grupo Nestlé e, nessa_
mesma década, estabeleceu uma usina na Califórnia. Na década de 90 come,
çou a abrir filiais e já possuia 10 usinas na França e 1 nos Estados Unidos. Fe~
a aquisição do grupo Valmont, com cinco usinas dessa marca.
Em 1991, lançou o ementai Président, que em seis anos tornou-se líder de
mercado. Em 1994, fundou duas novas usinas, sendo uma nos Estados Uni-
dos. Retomou atividades com a Cooperativa de Nikola'iev, na Ucrânia, e com a
Polser, na Polônia. Em 1997, faz um acordo com a Cooperativa UCANEL para
melhoria das atividades industriais e comprou da Nestlé a fábrica de queijos
de Locatelli, na Itália. Em 1999, faz a aquisição de duas importantes empresas
de queijos dos Estados Unidos, Concord Marketing e Simplot Dairy. Em 2002 o
grupo funda sua primeira usina de queijos na Rússia. Neste mesmo ano a cole-
tagem da Lactalis era de 6,9 bilhões de litros de leite.
Líder na França, a marca Président estava difundida em 128 países, bern
como sua gama de produtos. Em 2003, adquiriu a Invernizzi, filial italiana do
grupo Kraf; deu um novo impulso à aquisição com o desenvolvimento de uma
gama de produtos dietéticos e a marca Primevere. Em 2004, resgatou os interes-
ses espanhóis pela 3A com cinco usinas de leite na Espanha; adquiriu uma par-
te da sociedade FoodMaster Internacional, presente no Cazaquistão e Ucrânia,
tendo essa marca como líder nesses mercados, trabalhando com 100 milhões de
litros de leite e comercializando leite, kefir, creme de leite, iogurte e queijos.
Em 2004 reforçou a gama de produtos nos Estados Unidos. Adquiriu a coo-
perativa Kurow na Polônia para produzir um tipo de queijo fresco muito consu-
mido no Leste Europeu. No mercado espanhol possui as marcas Chufi (marca
de bebidas lácteas) e Lauki (leite), sendo esta última líder de mercado, e, na
Escócia, a marca Seriously Strong. É vice-líder de mercado de cheddar no Rei-
no Unido. O grupo francês comprou a sociedade escocesa McLelland, com ca-
pacidade de produção de 45.000 toneladas de cheddar, cinco usinas na Escócia
e uma no País de Gales.
A dimensão mercado 49

Resgatou na Itália a sociedade Cademartori, especializada em queijos tra-


dicionais. Tomou o controle da empresa UFIC, com a marca Pride na Arábia
Saudita, e da empresa ACFFI, no Egito, ambas fabricantes de queijos. Criou
umajointventure com a Nestlé na qual detém 60% da nova sociedade e comer-
cializa as marcas B'A, Bridélice, La Laitiere, Sveltesse, Yoco, Munch Bunch, Ski,
Fruttolo. Em 2006, resgatou a Galbani, líder de queijos na Itália e de queijos
tipo italiano na Europa.
Podemos observar que o grupo Lactalis tem uma política que prega cada
vez mais a internacionalização, permitindo-lhe responder aos desafios postos
pela globalização. Capacidade de inovação, dinamismo de grupo, planejamen-
to tecnológico e de marketing permitem que o grupo assegure-se em uma forte
posição no mercado. A aquisição de empresas desacreditadas e a política de
resgate das mesmas com novos produtos e, principalmente, o estabelecimento
de marcas fortes fazem com que se tornem líderes do mercado em que a em-
presa atua, bem como sua localização permite atender mercados de produtos
específicos, como, por exemplo, cheddar, e reduzir os custos de logística, aten-
dendo assim a outros mercados.
As integrações de novas filiais são feitas respeitando a cultura de cada uma
das empresas e a decisão de manter o grupo familiar tem o intuito de preservar
a independência na tomada de decisões.
A internacionalização do Grupo Lactalis começou com a exportação, e a
expansão fora do' território francês iniciou-se pelos Estados Unidos, diversifi-
cando-se para outros países, como Polônia, Rússia, Itália, entre outros.
No mercado internacional trabalha com as marcas Président, Sorrento, Pre-
cious, Valbrezo e Invernizz, utilizando-se de políticas para solidificá-las cada
vez mais e assim assegurar a preferência do consumidor. Ainda neste merca-
do, apesar de a marca Président ser o carro-chefe, detém a comercialização de
diversos produtos, tais como bebidas lácteas, iogurtes e outros. Sendo assim,
seus produtos atingem 140 países.
Em todos os mercados nos quais atua, utiliza um marketing estratégico
para fidelizar os consumidores, criando sempre marcas fortes e muito conhe-
cidas, procurando torná-las líderes de mercado em pelo menos uma categoria,
como, por exemplo, Lauki, marca de leite líder no mercado espanhol. Também
utiliza-se de constantes lançamentos e inovações para ganhar fatias maiores
de mercado.
Em 2003, coletou 6,6 bilhões de litros de leite, sendo 4,5 bilhões de li-
tros na França e o restante em países como Bélgica, Alemanha, Polônia, Itália,
Ucrânia, Países Baixos, Luxemburgo e Estados Unidos; mostrou assim a forte
ligação entre a matéria-prima e a instalação de indústrias, para atender mer-
cados em potencial, cujo intuito é reduzir os custos da produção. Para termos
a dimensão do grupo Lactalis, podemos comparar a recepção de 6,6 bilhões de
50 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

litros com a produção argentina, que é de 7,8 bilhões de litros. Atualmente,


possui 20.600 empregados e 120 unidades industriais no mundo, sendo 70 na
França e 34 em outros países. É o segundo maior grupo agroalimentar francês,
sendo o segundo grupo de leite europeu, o sétimo mundial e líder na produção
de queijo na Europa.

FORTALEZAS FRAQUEZAS

. Variedadc de produtos • Caráter tradicional dos produtos


• Administração especificada por setores • Falta de inovação nos produtos
• Credibilidade no mercado • Falta de ílcxibilidadc cm relação aos interesses
• Satisfação do consumidor dos clientes

OPORTUNIDADES AMEAÇAS

.• Oportunidade de expansão para o exterior


Tendências de novas tecnologias e know-how


Abertura de mercados
Novos concorrentes internacionais
• Competitividade interna

Figura 3. 7 Análise SWOT de uma empresa de queijos.

Análise interna

FORTALEZAS

A empresa possui uma larga gama de produtos, incluindo derivados de


leite de búfala, ou seja, queijos mais específicos, e derivados de leite de vaca,
incluindo uma seleta produção de queijos especiais.
A empresa possui uma série de departamentos específicos responsáveis por
atendimento a restaurantes, a supermercados, varejo, financeiro, fiscal, de lo-
gística, relacionamento com distribuidores, clientes e fábricas.
Por estar há 35 anos no mercado, a empresa conta com um vasto conheci-
mento dos seus concorrentes, público-alvo e necessidade de seus consumidores.
A sua grande preocupação é a satisfação do cliente, ou seja, possui um de-
partamento responsável pelo atendimento ao consumidor com o objetivo de
saber a opinião do mesmo, a respeito do produto e dos serviços prestados e, a
partir de tal relacionamento com o cliente, aprimorar a qualidade da empresa
de um modo geral.
A dimensão mercado 51

A proximidade entre o consumidor e a empresa faz com que este sinta-se


seguro e à vontade em expressar suas opiniões e desejos e, de maneira constru-
tiva, fazer críticas em prol do melhoramento da produção. Conforme a visão dos
clientes, este é um ponto forte da empresa com relação a seus concorrentes.

FRAQUEZAS

Uma das características negativas da empresa é o fato de, devido ao cará-


ter artesanal e tradicional de seu produto, de uma região específica da Itália, a
empresa não ter um caráter inovador em relação a seus produtos.
Os clientes gostariam que na empresa houvesse maior flexibilidade em
relação à linha de produtos oferecida, assim como em muitos de seus concor-
rentes.

Análise externa

OPORTUNIDADES

A empresa enxerga a possibilidade de crescimento de sua produção atin-


gindo o mercado internacional como uma oportunidade de expansão dos seus
horizontes, em termos de conhecimento, de novos produtos e novas tecnolo-
gias, bem como a experiência no campo da exportação.
Relacionada ao fato da globalização e da transferência de tecnologias e
know-how, a empresa visualiza a tendência da entrada de inovações em termos
de produtos e maquinário, bem como de embalagens provenientes de outros paí-
ses que demonstram a possibilidade de potencialização da produção em geral.

AMEAÇAS

Devido à situação atual de acordos e abertura de mercados, a empresa en-


frenta a dificuldade de que o setor alimentício está abrindo suas portas para o
mercado externo, levando a competição a um nível diverso e superior com a
entrada de empresas multinacionais e a exportação de seus concorrentes.
Baseado neste fato, os competidores da empresa vêem como uma oportu-
nidade relacionada a essa abertura a possibilidade de exportação de seus pro-
dutos, aumentando o potencial de suas empresas. Isso faz com que o grupo
seja ameaçado com o crescimento de seus concorrentes.
52 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Quadro 3.2

Seis mitos sobre a Internacionalização

1. Minha empresa é muito pequena para se internacionalizar


Muitas empresas consideram que já é um grande desafio focar esforços nas·
vendas no mercado doméstico. Isto é bastante compreensível, já que o Brasil é um
país de dimensões continentais. Entretanto, em primeiro lugar é preciso entender
que com a globalização a maioria dos mercados já é internacionalizada, ou seja,
produtores estrangeiros mais cedo ou mais tarde devem atacar os seus clientes
e portanto você também só tem a ganhar com a exposição junto aos mercados
externos. Ou seja, certamente, com a concorrência internacional, você irá melho-
rar os seus produtos e serviços e estará mais capacitado para ter sucesso mesmo
no mercado interno. Além disso, em vários países como os Estados Unidos, Itália,
Canadá e Israel milhares de empresas com menos de dez empregados exportam
regularmente e mantêm laços com empresas gigantescas fora do país.

2. A exploração do mercado brasileiro é suficiente para garantir o sucesso da mi-


nha empresa
É possível que a sua empresa tenha sucesso no mercado brasileiro. Aliás, isto
é um bom indicativo da capacidade de exportar. Por outro lado, ao focar apenas o
mercado nacional, sua empresa pode estar perdendo boas oportunidades de au-
mentar o lucro e de mitigar os riscos do ciclo econômico brasileiro.

3. Eu não posso pagar os custos da internacionalização


É verdade que o processo de internacionalização não é tão simples como mui-
tos pensam, no entanto isto não incapacita qualquer empresa de vencer o desa-
fio. A empresa pode contar com ajuda oficial através da SEBRAE ( <www.sebrae.
com.br>) e da APEX ( <www.apexbrasil.com.br> ). Este livro também deve ajudá-
lo no processo de planejamento da empresa.

4. Com a participação em feiras internacionais e a busca de distribuidores, posso


fazer um processo rápido e simples de internacionalização
Ao contrário do mito anterior, muitas empresas pensam que a participação
em feiras internacionais e contatos com distribuidores basta para realizar o pro-
cesso de internacionalização. Este é um erro comum mais grave pois ignora a es-
tratégia de negócios da empresa, os riscos legais e mercadológicos em cada mer-
cado, além da cultura local e da adequação do preço a cada mercado (de forma
a maximizar o lucro). Feiras e distribuidores são peças pequenas que devem estar
bem posicionadas em um planejamento geral, caso contrário a chance de sucesso
no médio e longo-prazo é ínfima.
A dimensão mercado 53

5. Eu não tenho como competir no exterior, meu preço é caro e meu produto des-
conhecido
Se alguém compra seu produto no Brasil é bem provável que em algum outro
país o seu produto possa ser altamente interessante. O preço certamente é uma
consideração importante mas não é a única na adequação do produto para cada
mercado estrangeiro. Além disso, um bom planejamento deve ajudá-lo no cami-
nho de tornar mais conhecido o seu produto nos seus mercados focos.

6. Exportar é muito complicado e arriscado


Toda venda interna também tem o seu risco, assim como uma venda no exte-
rior. Entretanto, na exportação é possível utilizar mecanismos como a carta de cré-
dito e seguro de crédito para mitigar o risco das operações internacionais. Além
disso, as complicações das operações internacionais podem ser desmistificadas
por empresas que lhe apóiem no processo de internacionalização, como consul-
torias especializadas e empresas de despacho aduaneiro.

3.2 Identificando as Oportunidades de Negócios Internacionais

Como identificar as oportunidades de negócios internacionais? Ao contrá-


rio do que poderia parecer senso comum, a busca de oportunidades internacio-
nais começa com a lição de casa. Ou seja, quais são os fatores que tornam o seu
produto único e diferenciado no mercado brasileiro? Diversos fatores podem
contribuir para o seu posicionamento, tais como:

• tecnologia diferenciada;
• proximidade do mercado consumidor;
• acesso a fatores de produção baratos (mão-de-obra e insumos);
• clima ou terreno do lugar;
• nível de desenvolvimento econômico local;
• muitos outros fatores ...

Muito bem, a partir do reconhecimento das suas vantagens competitivas


no mercado brasileiro temos uma boa base para responder à questão de que
países podem ter potenciais consumidores para o seu produto.
Parte desse processo de investigação passa por aquilo que chamamos em
economia vantagem absoluta e vantagem comparativa. O termo van-
tagem absoluta remonta a Adam Smith, que em 1776, no seu famoso livro Ri-
queza das nações, nota que a França, graças às condições climáticas e do solo,
54 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfari

consegue ter a indústria de vinhos extremamente eficiente. Por outrn lado, os


ingleses, através do desenvolvimento tecnológico, tinham uma indústria têxtil
extremamente eficiente. Ou seja, cada país tinha uma vantagem absoluta na
produção de determinado bem pois conseguia produzir o bem da forma mais
eficiente possível. Já a teoria da vantagem comparativa remonta a David Ri-
cardo, que em seu livro de 1817 Princípios de economia política analisa que faz
mais sentindo que um país se especialize na produção de determinado bem que
sabe produzir da forma mais eficiente possível e importar aqueles cuja produ-
ção o país tem menor eficiência.
No caso da internacionalização, isso significa investigar se a sua empresa
apresenta vantagens absolutas em relação à produção local de outros países.
Certamente, em uma pesquisa de mercado você encontrará países em que seu
produto tem alguma vantagem competitiva; mas mesmo se você não encontrar
esta vantagem isto não significa que as oportunidades de negócios internacio-
nais estejam encerradas, aliás, muito pelo contrário.
Pegue, por exemplo, os produtos da Nike, veja quantos produtos você con-
segue encontrar com uma etiqueta made in USA (fabricado nos Estados Uni-
dos). Eu, por exemplo, tenho um tênis Nike fabricado na China, um boné feito
aqui no Brasil e óculos feitos na Itália. Isto significa que a Nike notou que cada
um destes países poderia produzir de forma mais eficiente cada um destes pro-
dutos e que ela mesmo teria mais sucesso se terceirizasse a produção e focasse
suas energias no marketing da marca.
Isto quer dizer que as oportunidades de negócios internacionais não se re-
sumem na exportação de um produto, por isso insistimos na importância da
internacionalização da empresa brasileira. Como já notamos a internacionali-
zação é a competição em nível global, o que também pode incluir as alternati-
vas de abrir uma fábrica em outro país, comprar uma empresa local ou mesmo
fechar um acordo de parceria (joint venture) com uma empresa estrangeira.
De qualquer forma, para chegar à conclusão sobre vantagens e desvanta-
gens comparativas e absolutas em relação a cada um dos países, é necessário
conduzir uma pesquisa de mercado. A pesquisa de mercado refere-se à inves-
tigação das condições de demanda e oferta locais para determinado produto,
além de outros fatores importantes que influenciem na venda do produto ou
serviço, tais como: ambiente legal, político, econômico e sociocultural.
De forma ideal uma empresa deveria conduzir pesquisas de mercado para
cada país, mas é lógico que isto é inviável, pois seria uma tarefa extremamente
cara e longa do ponto de vista de tempo, além de produzir resultados questio-
náveis do ponto de vista relação custo versus retorno financeiro. Então, como
deve se conduzido este tipo de estudo e o que este estudo de mercado deve
conter? Não há respostas simples para nenhuma das questões - cada empresa
e cada produto lhe trará um tipo de resposta de que mercados focar e qual a
extensão e conteúdo da pesquisa de mercado.
A dimensão mercado 55

Entretanto, devemos sugerir a elaboração de critérios para selecionar quais


os mercados a serem pesquisados e qual o conteúdo da pesquisa de mercado. 3
Abaixo sugerimos alguns critérios:

1. pesquisa global da situação de oferta e demanda relativa ao setor (este


é um bom procedimento para produtos do tipo commodities ou quase-
commodities, com um nível baixo de diferenciação entre si. Estas pes-
quisas normalmente podem ser compradas ou muitas informações se-
toriais podem ser encontradas gratuitamente na Internet. Veja os links
no final do livro);
2. a partir do resultado desta pesquisa setorial, identifique quais países
podem, provavelmente, apresentar maior potencial de demanda para
o seu produto. Logicamente que aqui o critério de corte pode ser di-
mensão do mercado local, facilidades de acesso - como, por exemplo,
países com algum tipo de acordo comercial, como o MERCOSUL - ou
outras afinidades comerciais;
3. a partir da identificação de alguns países foco, conduza a pesquisa de
mercado investigando condições geográficas, econômicas, culturais,
políticas, tecnológicas e legais;
4. conduza pesquisa do potencial de consumo para o produto ou serviço
(aqui o critério financeiro é importante, ou seja, a pesquisa pode in-
cluir estudo com grupos foco, pesquisa de opinião, testes locais etc. em
sua versão mais cara e sofisticada, até o uso de inferências estatísticas
que seriam muito mais baratas mas menos precisas);
5. conduza pesquisa sobre o ambiente competitivo;
6. trace conclusões e recomendações específicas de ação para este mer-
cado.

Outra alternativa seria usar como critérios de corte (substituindo direta-


mente 1 e 2) proximidade geográfica (vizinhos do MERCOSUL), afinidades
culturais e idiomáticas (países latino-americanos e de idioma português). Ou-
tros possíveis critérios seriam acesso ao mercado (países com baixa ou nenhu-
ma tarifação e barreiras não tarifárias para o produto), dimensões geográficas
(países "baleia", como a China, Estados Unidos e Índia), nichos específicos de
mercado (alemães, por exemplo, são fanáticos por banana, então, por exem-
plo, produtos transformados e derivados da banana podem ter sucesso no
país), entre outros critérios que podem ser criados. De qualquer forma os pro-
cedimentos 3 a 6 devem ser repetidos para qualquer país eleito como mercado
foco após a adoção do critério de corte.

3
Veja no Anexo lista de links, que deve lhe auxiliar na elaboração da pesquisa de mercado.
56 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sa rfati

Investigando o potencial local

A investigação sobre o potencial local poder ser feita através das chamada~
fontes primárias, que dizem respeito à investigação direta no mercado sobr~
os gostos dos consumidores, o potencial de consumo etc. Já com as fontes se\
cundárias se pesquisa o potencial local através de estatísticas e pesquisas qu~
muitas vezes podem ser adquiridas gratuitamente.
A análise do potencial local através de pesquisas de fontes primárias é ge,
ralmente bastante cara e contratada de empresas especializadas. Dessa forma,
não há razão aqui para entrar em detalhes sobre a condução deste processo
que por si só é uma vasta área de conhecimento.
As fontes secundárias são utilizadas por empresas de todos os portes, in-
clusive as grandes, como complemento às fontes primárias. As fontes secundá-
rias podem ser:

• pesquisas estruturadas produzidas por agências especializadas;


• notícias internacionais;
• estatísticas de órgãos oficiais de governo e de organizações internacio-
nais;
• estatísticas produzidas por associações e outras empresas e entidades
independentes.

Existem várias formas para se conduzir uma pesquisa através de fontes


secundárias. Você deve adotar o método que mais se ajusta a cada país e si-
tuação.
Você pode começar, por exemplo, classificando o seu produto dentro dos
vários métodos existentes. Muitas das estatísticas são fornecidas de acordo
com estas classificações (veja o Quadro 3.3). Com a classificação em mãos você
pode procurar fontes estatísticas em pesquisas e outras fontes. No final do livro
você encontra uma extensa lista de links que podem lhe ajudar em sua pesqui-
sa. Algumas das questões que podem lhe ajudar a procurar estatísticas são:

• Para onde o produto está sendo exportado?


• Que países e empresas estão exportando o produto?
• Quais os volumes e valores em dólares de exportação?
• Qual o histórico de balança comercial do produto?

Com a identificação de alguns países em específico a serem pesquisados,


outras informações podem ser levantadas, tais como:
A dimensão mercado 57

• tamanho do mercado - levante estatísticas de população. Estime


qual a percentagem da população que poderia consumir o produto
de acordo com estatísticas de consumo atual e distribuição de renda.
Outras estatísticas que podem ser relevantes de acordo com o produ-
to pesquisado podem ser nível de emprego e de educação. Você pode
sofisticar o modelo tentando estimar a elasticidade-preço do mercado,
ou seja, como uma mudança percentual no preço para cima ou para
baixo afetaria a demanda e oferta do produto;
• crescimento do mercado - você pode estimar também o histórico
de desenvolvimento da demanda. Investigue as tendências. Mercados
de crescimento acelerado podem significar que ainda há boas oportu-
nidades de mercado. No entanto, de acordo com o tipo de produto,
como os de tecnologia, por exemplo, é importante estudar o ciclo de
vida do produto;
• acesso ao mercado - outras estatísticas e dados importantes a se-
rem levantados são, por exemplo: nível de tarifas e impacto de barrei-
ras não tarifárias, como se promovem produtos localmente e como se
contatam representantes naquele país;
• outros - envolve uma larga gama de variáveis, tais como crescimento
e estabilidade da economia local, custos de transporte, estrutura tribu-
tária, entre outros dados a serem levantados.

Quadro 3.3

Sistemas de classificação

Existem vários sistemas de classificação, mas os três abaixo são os mais im-
portantes que você deve conhecer:

Sistema Harmonizado e lista B (HS)


Provavelmente o sistema mais usado e preciso. No HS cada produto tem seis
dígitos de acordo com a descrição do mesmo. Os primeiros dois dígitos represen-
tam a categoria global, os dois seguintes mostram a classe e os dois finais o deta-
lhe do produto. Os códigos HS podem ser acessados através do link ( <http://tra-
de.swissinfo.net/hsc/> ). Veja um exemplo:

270710: Benzeno.

A lista B (schedule B) está associada com o HS e está focado apenas nas ex-
portações americanas. O sistema é composto de dez dígitos, sendo seis os mes-
58 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

mos do HS e mais quatro dando mais detalhes de produtos. Os códigos podem,


ser obtidos através do link:
(< http://www.census.gov/foreign-trade/schedules/b/index.html >).

Padrão Internacional de Classificação Comercial (SITC)


Sistema utilizado pela ONU de até cinco dígitos. A lista completa pode ser ob-,
tida através do link (<http://unstats.un.org/unsd/cr/registry/regcst.asp?Cl=14::a-),.,;,
Veja exemplo: -~

Benzeno: 51122.

Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM)


Desde 1995 os países do MERCOSUL adotam uma nomenclatura comum ba- .
seada no HS. O sistema tem oito dígitos, sendo os seis primeiros associados ao
HS e os dois últimos específicos ao MERCOSUL. A lista completa pode ser obtida
através do link:
( < http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/negl nternacionais/acoComer• ·
ciais/codDescricoes.php> ). Veja exemplo:

Benzeno: 27.0710.00.

Última revisão dos links: 11/1/2007.


.,'

3.3 Definição da Estratégia de Entrada

O objetivo desta fase é identificar qual a forma mais adequada de entrar


em um mercado externo, o que deveria incluir a estratégia de preço e produto
(marketing) aliada à idéia de como criar barreiras de entrada.
As opções clássicas de entrada em novos mercados são:

• exportação direta (produtos e serviços);


• exportação indireta;
- venda para distribuidor;
agente;
representante;
licenciamento;
bundling;
A dimensão mercado 59

• franchising;
• turnkey projects;
• greenfield investment (novos investimentos);
• cross-border acquisition (aquisição);
• joint venture.

A alternativa da exportação direta diz respeito ao esforço de administração


e desenvolvimento de clientes em um novo mercado. Este esforço, dependen-
do do tipo de produto, pode ser conduzido por business developers da própria
empresa em seu país de origem ou através de uma equipe local (abertura de
escritório de representação da empresa em um país).
Já a alternativa de exportação indireta refere-se ao desenvolvimento de
clientes em um novo mercado através de algum tipo de intermediário. Os prin-
cipais meios de exportação indireta são:

• venda para distribuidor - o distribuidor é uma empresa local que co-


nhece bem o mercado local. Ele importa o produto e desenvolve as
vendas no mercado local colocando a sua margem;
• agente - o agente é uma pessoa ou empresa que tenta fechar contratos
em seu nome em troca de uma comissão. Se a empresa for pequena,
pode ser uma boa opção. Ele conhece o mercado local; por outro lado
você é altamente dependente da performance dele (pode ser contrata-
do direto ou indireto);
• representante - é um agente especializado que trabalha com produtos
similares, seja de importação ou mesmo produtos locais. Assim como no
caso do agente ele fecha contratos no mercado local em troca de comis-
são. Ele conhece bem o mercado local, o que pode lhe ajudar a ter boa
penetração; por outro lado você fica dependente da performance dele;
• licenciamento - acordo em que a empresa dá o direito de uso de pro-
priedade por tempo determinado em troca de royalties. Muito comum
quando envolve marcas fortes. Exemplo: licenciamento dos persona-
gens da Warner Brothers (tais como Batman, Harry Potter e Scooby-
Doo) para a produção de cadernos, brinquedos, roupas etc.;
• bundling - esta é uma prática mais comum em produtos e serviços de
tecnologia de informação. Trata-se da alternativa de vendas casadas
com outras empresas com produtos complementares, por exemplo,
PCs e sistema operacional Windows.

Nos casos de exportação indireta a empresa deve realizar ainda a opção


estratégica de trabalhar com agentes/ distribuidores exclusivos para um país
60 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

ou regiões ou ainda credenciar um número grande de empresas para esta ati-


vidade. Quanto menor o número de agentes/distribuidores, maior será o in-
centivo destas empresas no sentido do desenvolvimento de mercado. Por ou-
tro lado, maior será a dependência do exportador em relação a estas empresas
nestes mercados.
Exportação direta ou indireta, qual a melhor alternativa?
A exportação direta:

pode permitir uma lucratividade maior do que a opção indireta;


permite contato direto com os consumidores;
por outro lado, aumenta a responsabilidade pelo contato direto (liabi-
lity);
pode custar mais caro preparar uma boa exportação de forma inde-
pendente (conhecer clientes, adaptar produtos etc.);
traz dificuldades pela ausência de quem "lhe dê os caminhos das pe-
dras".

Já a exportação indireta:

pode permitir desenvolvimento mais rápido de um mercado;


diminui os riscos inerentes à falta de conhecimento dos meandros do
mercado local;
por outro lado, pode significar uma lucratividade menor;
se a escolha for incorreta, pode danificar a imagem da empresa no
mercado e produzir decepções quanto às perspectivas deste mercado.

A opção de exportação indireta pode ser uma boa forma de tomar contato
com um determinado mercado, diminuindo os riscos deste primeiro contato.
Muitas empresas usam essa opção não como uma alternativa estratégica mas
como um primeiro passo na exposição a um mercado. Os passos seguintes po-
dem ser quebrar contrato com o agente/distribuidor e passar à exportação di-
reta e, até mesmo, passar a produzir localmente.
De qualquer forma, a via indireta sofre do grave problema da identificação
do melhor agente/ distribuidor. Sendo assim, qual a melhor forma de realizar
esta escolha? Certamente não existe uma fórmula para isso, entretanto há al-
gumas dicas de questões que podem ser feitas com as empresas candidatas:

• tamanho da força de vendas (experiência, possibilidade de expansão,


relação com outros produtos);
A dimensão mercado 61

• histórico de vendas·
'
• análise territorial (território coberto, localizações, planos futuros);
• produtos e serviços (quais produtos e serviços já oferece?);
• infra-estrutura (está bem estruturada fisicamente?);
• administração (política de vendas, treinamento etc.);
• perfil dos consumidores atendidos;
• política de promoção (como ela pretende promover seu produto?) .

Outra alternativa de entrada em mercados internacionais é o franchising .


A franquia internacional normalmente está associada com restaurantes e lojas.
Nesse modelo, o franqueador licencia sua marca ao franqueado que, em troca,
deve pagar royalties e operar de acordo com as regras impostas pelo franquea:
dor. Normalmente, estas regras mantêm a padronização de uma rede, o que~ e
essencial para a coesão da marca (as lojas dos McDonald's, por exemplo, sao
extremamente similares, seja em São Paulo, Barcelona, Tel Avivou em Mekne~,
no Marrocos). Se a decisão for franquear o negócio o franqueador deve deci-
dir ainda se indica um franqueado master que, por sua vez, fará as escolhas e
gestão dos franqueados no país, ou se administra as escolhas e a gestão dos
franqueados diretamente.
A alternativa de projetos turnkey é muito comum no ramo da construção.
Nessa modalidade, o contratado concorda em gerenciar todos os detalhes de
um projeto para um cliente que ao final recebe o objeto contratado pronto.
Dessa forma, se um governo contrata uma ponte a contratada administra to-
dos os fornecedores envolvidos no projeto e entrega a ponte pronta para este
governo. Da mesma forma, digamos que um investidor queira entrar no ramo
de call centers. O turnkey envolveria desde o estudo de viabilidade do mesmo
até a entrega do negócio funcionando, incluindo escolha do lugar da operação,
preparação do lugar, contratação de pessoal, compra de equipamentos etc.
O greenfield é um modelo de entrada onde a empresa decide construir do
zero o negócio em um país; em outras palavras, significa a decisão de insta-
lar uma subsidiária em um determinado país. Já a aquisição significa comprar
uma empresa que já esteja operando no país (neste caso deve-se julgar se man-
tém ou não a marca original. A Unilever, por exemplo, quando comprou a Ki-
bon manteve a marca mas mudou o símbolo para o coração colorido que iden-
tifica as marcas de sorte da empresa em todo o mundo).
Há ainda a opção da formação de uma joint venture. Isto ocorre quando
duas empresas em sociedade formam uma nova empresa que atua em merca-
dos específicos. As duas empresas continuam existindo de forma independente
mas se juntam para, em um esforço conjunto, explorar determinado mercado.
A Embraer, por exemplo, detectou uma grande oportunidade de negócios no
62 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

mercado asiático, especialmente na China. Entretanto, neste mercado em es-


pecial, havia a imposição de uma tarifa de importação que elevava em 23% os
custos do jato da empresa. Dessa forma, após duras negociações com a China
Aviation Industry Corporation II, controladora das empresas Harbin Aircraft e
a Hafei Aviation Industry; a empresa iniciou, em dezembro de 2002, umajoint
venture de 15 anos, chamada de Harbin Embraer Aircraft, na qual ela mantém
51 % das ações e, portanto, o controle da empreitada.
A fusão de duas empresas formando uma nova empresa global não costu-
ma ser apontada como uma estratégia de entrada, mas aponta para uma es-
tratégia global de operação em mercados caracterizados por fortes economias
de escala. Nosso caso mais conhecido de fusão global é a formação da InBev
em 2004, com a participação da brasileira AmBev e da Interbrew. Por sua vez,
ambas as empresas são resultados de fusões - a AmBev das empresas Antarc-
tica e Brahma e a Interbrew das empresas belgas Brasseries Artois e Brasseries
Piedboeuf.
Qual a melhor opção: comprar, abrir uma subsidiária ou formar umajoint
venture?

A estratégia de entrada da rede Wal-Mart no Brasil

No início da década de 1990 a Walt-Mart já era uma rede de supermercado$


consolidada nos Estados Unidos. Portanto, havia chegado o momento de glob
zar a rede. Como o setor já era consideravelmente maduro na Europa e o mercadQ
asiático muito distante tanto culturalmente quanto no sentido logístico, a escolh,
dos primeiros mercados recaiu sobre as Américas.
No canadá, mercado também maduro, a empresa decidiu comprar a Woo~
co, que era uma fraca rede de supermercados. Já no México a decisão foi formar.
uma joint venture de participações iguais com a dfra, considerada a maior varer
jista do pafs.
No Brasil, o mercado no começo da década de 1990 era formado de um lado
pelo arqui-rival carrefour, instalado no país desde 1975, além de redes menore5'
à época, como a portuguesa Sonae e Cia. Brasileira de Distribuição, e do outro
lado ainda havia espaço para milhares de pequenas redes de supermercados. Na '
primeira metade da década, os supermercados começaram a se sofisticar, aumen-
tando as suas áreas e informatizando suas redes. Ou seja, o mercado brasileiro de
supermercados ainda não era consolidado, oferecia grandes oportunidades de ex- ·
pansão, mas tudo indicava que caminharia rapidamente para sua consolidação.
Já na segunda metade da década o setor entrou em um processo de consoli-
dação com a intensificação de aquisições e fusões, levando à concentração espe-
cialmente em torno do Carrefour e da Cia. Brasileira de Distribuição.
A dimensão mercado 63

Assim, em 1994, quando a rede decidiu entrar no Brasil, ela podia ou instalar
uma subsidiária e começar a tentar construir o mercado para sua marca, comprar
alguma rede de supermercados ou ainda formar umajoint venture.
Desta forma, a rede norte-americana decidiu formar uma joint venture com
as Lojas Americanas, controlando 60% do capital. Fundamentalmente a empresa
optou por entrar no mercado contando com a experiência de quem conhecia bem
o varejo (embora não o setor supermercadista).
Como a Wal-Mart mantinha o controle da empreitada, ela tentou impor 0
seu estilo sem a sua devida "tropicalização". o resultado é que a transposição do
modelo de custos baixos não deu certo, pois a rede não tinha massa crítica para
pressionar os fornecedores e na outra ponta a guerra de preços foi perdida para 0
Carrefour, que acompanhava toda as ofertas da concorrente com a vantagem de
à época estar no país há 20 anos.
Após 1997, mais uma vez, a rede perdeu um precioso tempo tentando renta-
bilizar a operação da subsidiária enquanto os concorrentes entravam em um pro-
cesso de consolidação, não só com a intensificação das aquisições e multiplicação
do número de lojas, mas também na especialização do serviço oferecido, como a
grande reforma ocorrida na Rede Pão de Açúcar neste período.
Segundo dados da ABRAS (2003) no período 1989 a 2002 a Cia. Brasileira de
Distribuição fez 28 aquisições, o Carrefour 19 e a Sonae 11 . No final da década de
1990, o setor já apresentava uma concentração em torno de 40% nas cinco maio-
res redes que, pela ordem, eram Cia. Brasileira de Distribuição, Carrefour, Sonae,
Bompreço e Sendas.
Em retrospectiva, o maior varejista do mundo cometeu erros na construção
de sua estratégia de entrada. Provavelmente, no momento da decisão de entrada
a melhor opção era a aquisição de uma das redes nacionais que estavam entre as
maiores do ranking supermercadista, como a própria Cia. Brasileira de Distribui-
ção, o Bompreço e outras.
Apesar de, à época, o mercado ainda não ser plenamente consolidado ele já
tinha empresas estabelecidas que há muito operavam em um ambiente complexo
de instabilidade macroeconômica. De certa forma, a aquisição seria uma opção
relativamente barata em um mercado cheio de perspectivas.
Finalmente, as mudanças da gigante no Brasil começaram a aparecer com
quase dez anos de aprendizado. Em 2004, quando tinha apenas 25 lojas, compra
as 118 da cadeia Bompreço por US$ 300 milhões e, em 2005, compra a Sonae,
que ocupava o quarto lugar no ranking da ABRAS, por US$ 300 milhões. As aqui-
sições tardias tornaram a empresa a terceira maior varejista do país.
64 Manual de Dipl omacia Corporativa • Sarfati

Pelo caso Wal-Mart fica claro que não há uma resposta simples para a de-
cisão entre greenfield, aquisição e joint venture. Normalmente a opção da aqui-
sição é a melhor quando da decisão de mercados consolidados ou que rumam
rapidamente neste sentido.
Entretanto, em todo processo há questões de complicada resolução que
vão desde o preço justo a ser pago pela empresa (este é o chamado valuation
da empresa) até qual o melhor modelo gestão pós-aquisição, incluindo como
diminuir o impacto do choque cultural e aproveitar o potencial da rede local.
Já o greenfield logicamente costuma ser a melhor opção quando não há um
mercado consolidado. Entretanto, outras opções justificariam o investimento
direto, como diferencial de custos de produção local (mão-de-obra barata ou
acesso à matéria-prima) ou como forma de evitar barreiras de entrada, tais
como altas tarifas de importação.
Ajoint venture costuma ser a opção preferida quando há um parceiro local
com profundo conhecimento dos meandros do mercado local ou quando duas
empresas reconhecem que têm competências complementares que justifica-
riam a formação de uma nova empresa para gerir um novo empreendimento.
Por exemplo, a chilena Codelco juntou-se à japonesa Nippon Mining & Steal
para formar a Biosigma, cujo objetivo é o desenvolvimento da biotecnologia da
mineração. Por outro lado, joint ventures internacionais costumam apresentar
vários problemas que vão desde a discussão sobre o controle da empresa até
choques culturais na gestão da mesma, o que pode ser extremante frustrante
para todas as partes.
Ainda dentro da estratégia de entrada é preciso desenvolver a estratégia
de marketing para o novo mercado, o que inclui as estratégias de segmentação,
distribuição, comunicação e preço.
A segmentação de mercado diz respeito à identificação de grupos distin-
tos de consumidores que diferem entre si em termos de suas preferências. Esta
segmentação pode ser feita de diversas formas, tais como: fatores sociocultu-
rais (classes sociais, religião, estilo de vida etc.); demografia (sexo, idade, nível
de educação, diferenças étnicas etc.). Caso o produto ou o serviço seja direcio-
nado a negócios é possível também estabelecer uma segmentação em termos
de perfis ideais de consumidores, tais como: porte da empresa, segmento de
atuação da empresa etc. Como cada segmento exibe características distintas a
identificação do mesmo é fundamental para nortear as decisões de estratégia
de distribuição, comunicação e preço. Quando falamos de mercados interna-
cionais é fundamental considerar a especificidade de segmentos em cada país
(diferenças culturais).
A estratégia de distribuição diz respeito aos meios de como fazer com que
seu produto chegue ao consumidor. Logicamente, a distribuição é condiciona-
da pelo modelo de entrada em cada país.
A dimensão mercado 65

A Figura 3.8 mostra um esquema típico de distribuição. Digamos que uma


empresa brasileira tenha optado por entrar no mercado argentino através de
um distribuidor.
Acompanhando a figura, isto poderia significar que ela exporta o seu pro-
duto para o distribuidor, que por sua vez vende a um atacadista que depois
vende a um varejista, e finalmente o produto chega ao consumidor final. Este
caminho é o chamado canal longo. Por outro lado, se este fabricante resolve
criar um sistema de vendas diretas ao consumidor em qualquer lugar do mun-
do ele opta pelo canal curto (como a Dell faz). 4 Ou seja, quanto maior o núme-
ro de intermediários até a chegada do produto ao consumidor, maior o com-
primento do canal.
A decisão de canal é uma decisão estratégica de cada empresa e varia não
só de acordo com o produto e serviço mas também pode variar de país para
país. De modo geral, quanto mais fragmentado for o varejo, maior a probabi-
lidade de que o fabricante opte por um canal mais longo, dada a dificuldade e
os custos envolvidos em chegar ao consumidor final. Considerando que quanto
maior o comprimento do canal maior o preço final ao consumidor, temos que a
escolha de canal envolve o cálculo dos custos e benefícios de cada alternativa.

Fabricante dentro Fabricante fora do


do pais país
,__ _ _ _ _ ____.r~ Agente
importação

L Atacadista

Consumidor
final

Figura 3.8 Canais de distribuição em negócios internacionais.

4
A grande revolução da Dell foi encurtar o canal de distribuição. A empresa vende os com-
putadores diretamente aos consumidores por telefone e Internet. Além de eliminar o custo de
intermediação, esta alternativa permite produzir apenas aquilo que já foi efetivamente vendido,
o que diminui a necessidade de estoques e contribui para a diminuição dos custos da empresa.
66 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfati

Outro elemento importante da estratégia de marketing é a estratégia de


comunicação, 5 que diz respeito a como fazer com que o consumidor conheça
os atributos de seu produto ou serviço. Há duas variáveis fundamentais que
tendem a determinar a estratégia de comunicação em termos de produto ou
serviço: a sensibilidade cultural e o tipo de produto ou serviço.
Em termos de estratégia de comunicação as empresas normalmente bus-
cam construir estratégias globais que não só unificam a imagem da empresa,
mas diminuem brutalmente os custos envolvidos no processo. Dessa forma ve-
mos que propagandas de sabão em pó e pastas de dente são muito parecidas
em qualquer lugar do mundo. Muitas vezes, as propagandas são simplesmente
dubladas ou traduzidas para outros idiomas. Por outro lado, mesmo nesses ca-
sos é preciso tomar cuidado com especificidades culturais. Ou seja, as pessoas
não tendem a interpretar aquilo que vêem ou escutam da mesma forma em
todo o mundo. Um exemplo clássico neste sentido foi a campanha de lança-
mento de um novo modelo de aspirador da Electrolux que transpôs o sucesso
de sua campanha escandinava para o slogan da campanha norte-americana:
"Nothing sucks like an Electrolux." A frase em inglês assumia o duplo sentido de
nada aspira tanto quanto um Electrolux e nada é tão ruim quanto um Electro-
lux. O mesmo se poderia dizer sobre o Chevolet Nova no México, que assumiu
o apelido popular em espanhol No Va, ou seja, não funciona.
O tipo de produto ou serviço deve originar as chamadas estratégias push e
pull. A estratégia push enfatiza a venda direta. Neste sentido toda a comunica-
ção é orientada a sustentar o trabalho da equipe de venda (folders, sites etc.). Já
a estratégia pull enfatiza a comunicação de massa via televisão, rádio, jornais,
revistas etc. A estratégia push costuma ser mais adequada à venda de produtos
complexos, onde é preciso vender o conceito daquilo que é ofertado. Já a estra-
tégia pull costuma ser mais adequada para produtos de consumo de massa.
Finalmente, para cada mercado a empresa terá que desenvolver uma es-
tratégia de preço. Basicamente, a decisão de pricing em um mercado externo
pode ser influenciada pelos seguintes fatores: discriminação de preço, preço
estratégico e fatores regulatórios.
A discriminação de preço significa cobrar preços diferentes para consumi-
dores com o mesmo perfil em países diferentes. Em outras palavras, significa
cobrar aquilo que o mercado consegue pagar. Aquilo que o mercado consegue
pagar é determinado basicamente pelas condições locais de competição e pelo
nível local de renda (traduzido em uma moeda conversível como dólar ou
euro). Isto significa que em determinados mercados a empresa poderia cobrar
menos ou mais do que em seu próprio mercado. A diferenciação de preço pode

5
Na dimensão informação consideraremos a estratégia global de comunicação envolvendo as
três dimensões da PEC; aqui cabe apenas um breve comentário da estratégia de comunicação do
produto em termos tradicionais do marketing internacional.
A dimensão mercado 67

ser um instrumento extremante útil para a maximização do lucro da empresa


em nível global.
O preço estratégico significa o estabelecimento de políticas de preços como
forma de alcançar objetivos específicos em termos de participação de mercado
e competição. O preço predatório, por exemplo, significa a utilização do preço
como forma de pressionar os competidores fracos para fora do mercado. Trata-
se de uma estratégia perigosa, pois quando os competidores conseguem acom-
panhar as quedas de preço o mercado pode ser levado a uma espiral negativa
que pode levar à depressão das margens de todas as empresas.
Já a estratégia de preço multiponto diz respeito à competição entre gran-
des empresas que atuam em vários mercados, onde o pricing em um mercado in-
fluencia o pricing no outro mercado. Ou seja, o preço baixo em um mercado pode
originar a resposta agressiva em um outro mercado.
Finalmente, o pricing pode ser influenciado pela chamada curva de expe-
riência. Ou seja, à medida que a empresa "aprende" a trabalhar no mercado
local e começa a vender volumes maiores, ela passa então a conseguir dimi-
nuir o seu preço construindo um posicionamento cada vez mais consistente
neste mercado.
É preciso apontar que freqüentemente as políticas de preços são influen-
ciadas por considerações regulatórias que variam de mercado para mercado e
que podem até ser influenciadas por instituições internacionais, como a OMC.
Ou seja, muitos países possuem legislações que incentivam a competição ou
que entendem que a política de preço predatória é uma prática de dumping
(política de preço abaixo do custo de produção com o objetivo de eliminar a
competição). A política anti-dumping está consolidada dentro das regras da
OMC. Muitos países, como os Estados Unidos, usam de forma indiscriminada
este mecanismo como uma forma de criar barreiras de entrada para a compe-
tição internacional.

3.4 Implementação e Gestão dos Negócios Internacionais

A última fase da dimensão mercado é a gestão do dia-a-dia dos negócios


internacionais, ou seja, a operacionalização dos negócios internacionais. Esta
operacionalização é por si só um tema bastante amplo e, portanto, não é o ob-
jeto deste livro. Devemos, no entanto, apontar basicamente o que envolve cada
uma destas áreas operacionais, pois todas elas são fundamentais para a condu-
ção do trabalho diário da diplomacia corporativa.
Ao comércio exterior cabe a operacionalização das vendas e compras inter-
nacionais (global sourcing) da empresa. Esta operacionalização inclui todos os
trâmites burocráticos, que vão desde a emissão de notas (invoice) , registro da
operação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), contrata-
ção de transporte, seguro etc.
68 Ma nual de Diplomacia Corpora tiva • Sarfa ri

Operaçao
Internacional

Comércio
exterior

Figura 3.9 Gestão de negócios internacionais.

A logística internacional diz respeito à operacionalização da forma mais


barata e eficiente de levar o produto ao importador. Isto inclui desde decisões
de meio de transporte (avião, caminhão e barco) até acondicionamento nos
contêineres, desenho de embalagens, armazenamento etc.
Ao marketing cabe o desenho e a operacionalização da estratégia de mar-
keting discutida acima. Em muitas empresas o marketing está diretamente li-
gado às vendas e, portanto, a exploração de novos mercados e clientes (busi-
ness development) passa a ser parte integrante da operacionalização das vendas
da empresa.
A gestão dos recursos humanos inclui o treinamento e gestão de expatria-
dos, políticas de compensação, gestão de times multiculturais, política de con-
tratações etc.
As empresas que têm o desenvolvimento de pesquisa como base de desen-
volvimento de produto podem se valer de uma presença internacional para
criar times que se comuniquem virtualmente ou construir um centro na matriz
e a partir de profissionais de vários países desenvolver produtos globais.
A abertura de uma unidade de produção em outro país obriga a decisões
complexas sobre o que é produzido e desenvolvido nesta unidade, como será
armazenado e vendido, além das decisões de compras locais ou internacionais
(sourcing).
Finalmente, toda a operação internacional deve ser apoiada pelo financei-
ro, que dá apoio à decisão de investimento direto internacional, desenvolve a
estrutura global de capital, incluindo a captação de recursos financeiros com
A dimensão mercado 69

a emissão de títulos internacionais (bonds), operações específicas de financia-


mento das vendas (trade finance), o orçamento internacional, gestão do risco
de exposição das operações internacionais (hedging) etc.

Depoimento de um Especialista em Estratégia de Mercado


Marcos Rothenberg
Diretor da Bright Star Foods

Não existe negócio perfeito, nem fórmula infalível de sucesso para uma
operação comercial.
Partindo deste princípio, depois de conquistar o contrato da Havanna para
o Brasil surgiram questões conceituais que refletiam o tamanho do desafio de
diferenciar a marca, escapando do óbvio e do fácil, e com algo a mais em men-
te além de objetivos comerciais.
A meta primordial do estabelecimento no país não era somente vender os
famosos doces recheados, mas também construir um nome, mirando o poten-
cial de longevidade com base nos alicerces da marca: o alfajor, o doce de leite
e as Cafeterias Havanna.
Uma grande parte do público local já conhecia a marca Havanna. Milhões
de brasileiros visitam a Argentina anualmente. Havanna converteu-se em sinô-
nimo de alfajores - talvez o souvenir mais popular e desejado de uma viagem
ao país vizinho.
No entanto, o doce de leite não é identificado de imediato com a marca,
nem os Cafés Havanna da Argentina são um sucesso incontestável junto aos
viajantes brasileiros.
Para poder desenvolver uma base sólida no negócio, tive que determinar
os fundamentos para não cairmos na armadilha de ser uma simples empresa
de venda de guloseimas argentinas.
A primeira medida foi direcionar ao varejo. Mas, ao invés de somente abrir
um ponto-de-venda inicial, uma cafeteria Havanna para marcar a imagem e
criar reconhecimento do público, distribuindo em seguida os produtos através
de diferentes canais de venda, minha opção clara foi desenvolver uma cadeia
de distribuição própria, através de opções de pontos-de-venda segmentados
por objetivos estratégicos.
Normalmente, a distribuição representa menor margem, em troca de um
volume muito superior em curto espaço de tempo e uma exposição maior aos
consumidores, mas sem a possibilidade de controle da qualidade da comunica-
ção da imagem da marca.
70 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

O varejo tem margens melhores, mas demanda investimentos de volume


desproporcionalmente superiores à distribuição, uma complexidade operacio-
nal incomparável e principalmente uma taxa de risco muito mais alta.
Como minimizar este risco e ao mesmo tempo expandir rapidamente a
presença da marca, gerando alto impacto no público consumidor?
Desenvolvemos então três modelos de ponto-de-venda, adaptáveis a dife-
rentes condições e que nos permitiram flexibilidade para atingir nossos objeti-
vos de forma rentável e minimizando o risco: quiosques de produtos Havanna,
quiosques de produtos Havanna com serviço de cafeteria e doces e Cafeterias
Havanna completas.
Este último sendo a imagem da marca, com um ambiente simpático, ex-
tremamente confortável e que pudesse comunicar produtos, conceitos, sabores
e cheiros que queremos associar à marca Havanna. Localizados em pontos co-
merciais de alto impacto e selecionados pelo perfil dos consumidores, estes são
os pontos de maior investimento, maior risco e maior rentabilidade desde que
atingissem altíssimo volume de faturamento.
Depois, há os quiosques com café para locais de alto movimento, mas sem
potencial de faturamento que justifique uma loja completa. Por fim, quiosques
de produtos, para operações de exposição, alto giro, em locais sem espaço para
cafeterias completas, ou com movimentação temporária, como aeroportos e
centros comerciais.
Tinha certeza absoluta de que os consumidores viriam em massa aos pon-
tos-de-venda no lançamento, atrás dos produtos Havanna. Mas também tinha
certeza de que eles não voltariam com freqüência apenas pela oferta de pro-
dutos Havanna e pelo cardápio se fôssemos um lugar-comum. Cafeteria como
oportunidade, ou como "acessório", seria um caminho ao fracasso.
Para desenvolver a cafeteria do Havanna, tínhamos que dar mais ao nosso
cliente, pelo mesmo preço que os concorrentes, em quantidade e principalmen-
te qualidade. Qualidade não é só atendimento, design da loja, conforto das me-
sas e sofás, nem apenas outros serviços, como computadores com acesso livre
à Internet, WiFi grátis, trilha sonora especial e diferenciada.
Para nós, qualidade é a soma destes diferenciais e benefícios com a criativi-
dade: inovação em produtos e comunicação para surpreender os clientes.
Por isso, desenvolvemos um cardápio absolutamente diferente de todos os
nossos concorrentes, ainda que recheado de clássicos e insubstituíveis. Lista-
mos apenas marcas e produtos de altíssimo padrão, sem exigir um preço maior
por isso.
No Havanna, usamos um grão de café de qualidade, que custa quase o
dobro do que o produto usado na maioria das cafeterias. Nossos drinks levam
doce de leite em quantidades mais do que generosas. E o leite que utilizamos
A dimensão mercado 71

é o melhor e mais caro do mercado. Mas não cobramos mais do cliente por
tudo isso.
Grande parte de nossas bebidas leva doce de leite em sua formulação. O
doce de leite também está na base de produtos desenvolvidos especialmente
para a marca no Brasil, como o panetone, os ovos de Páscoa recheados e os
drinks de inverno.
Sempre com doce de leite argentino, de qualidade Premium. O doce de lei-
te tem que ser parte integrante da identidade da marca. Quase tudo tem que
levar doce de leite.
Neste processo de diferenciação, investimos muito em comunicação. Não
acredito em simplesmente me fiar em que o consumidor "saiba" o que somos
em função da nossa excelência de serviços, aparência, sabor e valor.
Identificamos com fotos os produtos criados no Brasil, para que os clientes
vejam a diferença entre as bebidas e os cafés do Havanna e as dos concorrentes.
Investimos em inúmeras ações de degustação gratuita de produtos com doce de
leite e em publicidade e comunicação dirigida através dos veículos de impren-
sa especializados. Temos também materiais promocionais nos pontos-de-venda,
aproveitando ao máximo o controle assertivo sobre o canal de distribuição pró-
prio, para poder estabelecer uma relação direta com os consumidores.
Nos primeiros seis meses de operação, chegamos à marca de dez pontos-
de-venda em São Paulo e mais de um milhão de alfajores vendidos. Tão impor-
tante quanto foram as 200.000 xícaras de café e drinks especiais e os mais de
12.000 bolos de doce de leite servidos.
No aniversário de um ano da chegada do Havanna a São Paulo, serão 20
pontos-de-venda e mais de 150 pessoas envolvidas nesta operação de cafés,
doce de leite, alfajores e, acima de tudo, inovação, conforto e prazer.

Checklist d im ensão mercado

Sua empresa tem:

• Uma clara estratégia global de operação?


• Uma clara estratégia de entrada em novos mercados?
• Uma eficiente operacionalização das decisões estratégicas?
4
A Dimensão Governo

dimensão governo diz respeito a como os Estados podem afetar os ne-

A gócios das empresas. Neste sentido os governos podem assumir os pa-


péis de reguladores, árbitros ou jogadores.
O governo como regulador - formula políticas públicas e dá forma a
regras deliberadas no Legislativo que afetam a distribuição de forças na rede
de valor. Na Alemanha, por exemplo, os livros são tabelados, o que acaba dan-
do uma enorme força à ponta de distribuição. Por outro lado, nos Estados Uni-
dos, a livre concorrência levou à formação de megacadeias de livrarias. Além
disso, o governo como regulador promove programas que defendem determi-
nados setores que são considerados de interesse público (por exemplo, subsí-
dios à agricultura) ou impede que determinada área empresarial se desenvolva
(por exemplo, proibição de pesquisas com célula-tronco).
O governo como árbitro - afeta o jogo competitivo ao determinar regras
de concorrência que permitem, por exemplo, a concentração no setor de cerve-
jas com a fusão Antarctica e Brahma de um lado e a proibição da aquisição da
Garoto por parte da Nestlé, de outro lado. Ao nível do interesse público, o gover-
no age como árbitro ao determinar que empresas estão habilitadas a funcionar a
partir da concessão de certificações e autorizações dos mais diversos tipos.
O governo como jogador - significa que o governo pode ser constituí-
do de clientes, competidores, fornecedores e complementares às atividades
das empresas. Ao nível do interesse público, é comum os vários níveis governa-
mentais competirem entre si na defesa de suas próprias agendas. Recentemen-
te, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente e o da Agricultura brasileiros
protagonizaram uma disputa relativa à regulamentação da lei dos transgêni-
cos. Logicamente, as posições de cada ministério afetavam de forma distinta as
empresas envolvidas na questão. Além disso, os governos podem ser acionistas
de empresas que podem acabar sendo competidoras no mercado global, como
é o caso da Petrobras.
74 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Os papéis dos governos em relação às empresas são resumidos pela Tabela


4.1.

Tabela 4.1 Papéis do governo em relação às empresas.


Governo como Governo como Governo como
Regulador Árbitro Jogador
Influência Legisladores Órgãos Legisladores
aprovam leis que governamentais e reguladores
são transformadas decidem dar, ou perseguem agendas
em regras pelos não, certificações independentes
reguladores de segurança buscando definir o
determinando onde do trabalho, interesse público e
e como as empresas cumprimento de iniciar ou bloquear
podem atuar. normas ambientais mudanças.
etc.
FONTE: Tabela adaptada de Watkins, Edwards e Thakrar (2001, p. 52).

Ainda segundo Watkins, Edwards e Thalaar (2001, p. 53-54), as relações


entre empresas e os governos também podem ser jogadas em multiníveis. Ou
seja, uma empresa deve estar atenta, dependendo do assunto, em jogar o jogo
tanto no nível interno de determinado país ou países quanto em nível interna-
cional multilateral. Como os autores notam, por exemplo, em 1998, os Esta-
dos Unidos e a União Européia reconheceram mutuamente seus processos de
inspeção, testes e certificação para vários produtos codificados nos Acordos
de Reconhecimento Mútuo (ARMs). A indústria norte-americana de aparelhos
médicos defendia os ARMs como forma de pressionar a Food and Drug Admi-
nistration (FDA) para acelerar o seu processo de aprovação dos equipamentos
médicos. Pressionando no nível internacional, a Associação da Indústria de
Saúde conseguiu produzir modificações na FDA.
Outra forma de ver a influência do governo em relação às empresas refe-
re-se à aplicação do chamado Diamante de Porter, que mostra os fatores que
afetam o ambiente competitivo corporativo.
Pela Figura 4.1 podemos notar que o governo pode influenciar os negócios
das seguintes formas:

• condições dos fatores - desenvolvimento de políticas de capacitação


de mão-de-obra, atração do capital externo, estabilidade macroeconô-
mica, transparência em regras;
• condições de demanda - abertura do mercado à competição como me-
canismo para sofisticação da demanda que tenderá a pressionar as em-
presas pelo aumento de qualidade e diferenciação;
A dimensão governo 75

Governo
i :·-'" __ _
! \ ·-, __-~------- Estratégia e
! \ ·-, ----. ri validade
j \_ '·- entre as
j \ '··, •• , empresas
: \ , ~_- - -- -
! \_ '·
i \ ·, '
i ·,
i ',
L '-,
T. ·,

Condições Condição
de fatores da
demanda
local

Indústrias
correl atas e
de apoio

Figura 4 .1 Governo e o Diamante de Porter.

• estratégia e rivalidade entre as empresas - políticas de controle e super-


visão de preços. Autorização em processos de aquisição e fusão. Leis que
restringem ou incentivam a competição de forma direta ou indireta;
• indústrias correlatas e de apoio - políticas de incentivo à formação de
clusters e fortalecimento de cadeias industriais.

Portanto, a dimensão governo da PEC deve ser subdividida em:

• nacional - relacionamento com as esferas governamentais do país de


origem da empresa;
• estrangeiro - relacionamento com as esferas governamentais nos paí-
ses onde a empresa atua ou pretende atuar;
• intergovernamental - relacionamento com Estados ao nível intergo-
vernamental (como, por exemplo, Organização Mundial do Comércio
(OMC), MERCOSUL ou União Européia (UE)).
76 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfat i

É importante que se note que o significado de jogos multiníveis é que


estes vários níveis estão interconectados, ou seja, a Monsanto, por exemplo,
pode ter como objetivo regras mais liberais sobre os organismos geneticamen-
te modificados. Neste caso, o nível nacional pode ser o jogo dentro dos Esta-
dos Unidos, o internacional, dentro do Brasil (como exemplo), e o intergover-
namental, as discussões sobre o tema na OMC. Caso a Monsanto ganhe o jogo
dentro dos Estados Unidos ela pode levar o governo norte-americano a defen-
der estas regras mais liberais dentro do contexto da OMC. Hipoteticamente,
se ocorrer uma liberalização em nível de OMC isto pode levar a mudanças de
regras dentro do Brasil para se adaptar a uma nova regra produzida no con-
texto intergovernamental.
Dessa forma, a PEC-governo deve estabelecer um mapeamento dos objeti-
vos em relação aos governos, uma avaliação crítica da sensibilidade da questão
tempo, os atores envolvidos, bem como as estratégias para alcançar os resulta-
dos, o custo da ação e as medidas do sucesso.
O objetivo em relação aos governos pode ser classificado, basicamente, de
duas formas:

• melhorar o posicionamento estratégico da empresa em um ou mais


mercados - através de mudança de regulamentações, como por exem-
plo diminuição do prazo de patentes, pode-se melhorar a posição con-
correncial de empresas farmacêuticas associadas a genéricos;
• proteção - estabelecimento de regras que possam funcionar como bar-
reiras de entrada para outras empresas no mercado cativo da empresa.
Por exemplo, empresários da indústria têxtil defendem a abertura de
processos de dumping contra empresas chinesas e o estabelecimento
de um maior nível tarifário.

A questão do tempo refere-se à investigação de quanto tempo será neces-


sário para se alcançar o objetivo versus a urgência de se alcançar o objetivo. A
avaliação crítica deste elemento é fundamental pois deverá

a) nortear a lista de prioridades sobre a PEC;


b) direcionar o cálculo da relação custo-benefício da ação;
c) levar a novas ações que possam diminuir o tempo para se alcançar o
objetivo.

Além disso, é preciso construir um cuidadoso mapeamento dos atores en-


volvidos. Os atores envolvidos em uma questão de governo geralmente são:
burocratas, políticos, diplomatas e associações empresariais, nacionais e inter-
A dimensão governo 77

nacionais (o mapeamento deve ser construído de acordo com as dimensões dos


jogos multiníveis). 1
Este mapeamento deve incluir:

a) nomes e cargos;
b) endereços e telefones;
c) datas de aniversário.

Ou seja, deve-se identificar quem são as pessoas importantes, seus dados


básicos e a data de aniversário (se houver contato pessoal, a data de aniversário
é uma boa desculpa para aprofundar o relacionamento com a outra parte).
Após o mapeamento dos atores envolvidos é preciso construir uma estra-
tégia para se alcançar o resultado desejado. Portanto, para isso, é preciso com-
plementar as informações sobre os atores envolvidos com o mapeamento dos
seguintes itens:

d) interesses do cargo;
e) interesses pessoais;
f) BATNA;
g) como piorar o BATNA.

Segundo Fisher e Ury (1991) os interesses definem o problema, pois indi-


cam aquilo que a parte realmente necessita. Nesse sentido interesses e posições
não são a mesma coisa, pois posições apenas informam as demandas de cada
parte sem explicitar aquilo que realmente a parte necessita (que são os inte-
resses). Os autores usam a figura do iceberg, onde as posições são aquilo que
aparece na superfície enquanto que os interesses estão submersos na água, for-
mando a parte maior do iceberg.
Toda pessoa que trabalha em qualquer tipo de organização tem dois tipos
de interesse: o interesse relativo ao cargo e o interesse pessoal. O interesse re-
lativo ao cargo refere-se às obrigações e responsabilidades que determinada
pessoa tem por ocupar determinado cargo, ou seja, não importa quem seja o
presidente do Banco Central, dele se espera a postura de guardião do valor da
moeda do país. Da mesma forma, espera-se que um diplomata negociando em
um fórum internacional ecoe a posição oficial do governo independentemente
de sua opinião pessoal.

1
É importante que este mapeamento inclua não só as forças que possam contribuir para a defe-
sa dos interesses da empresa mas também outros atores que podem se opor a isto, como ONGs
e empresas de outros setores.
78 Manua l de Diplomacia Corporativa • Sarfaci

Já o interesse pessoal refere-se às aspirações pessoais deste indivíduo que


no momento ocupa determinado cargo. Suas aspirações podem ser em relação
a novos cargos, dinheiro, reconhecimento etc. É fundamental que se identifi-
quem estas aspirações (através de uma avaliação da personalidade destapes-
soa) pois elas podem ajudá-lo a concretizar os seus objetivos.
O BATNA (Best Alternative To a Negotiated Agreement) 2 refere-se às alterna-
tivas ao acordo, ou seja, este ator que negociará com você tem algum interesse
a chegar a uma posição em comum? Saiba que ninguém negociará com você
se não atender de alguma forma ao interesse da outra parte. Ou seja, se não
negociar não apresenta custos e só benefícios, então este ator não chega a um
acordo com uma parte.
Assim, para identificar o BATNA de uma parte é necessário aventar quais
seriam as ações que ele faria se nenhum acordo fosse alcançado. No modelo
racional de negociação de Harvard 3 a parte que tem o BATNA mais forte é a
parte que tem o maior poder na negociação. Em outras palavras, quanto me-
nor a obrigação de uma parte em fechar um acordo negociado, mais forte ela
será em uma barganha com outra parte que necessita de um acordo negociado.
Desta forma, o poder em uma negociação não está diretamente associado aos
ativos de uma parte e sim aos incentivos que ela tem, ou não, para estar em
uma mesa de negociação.
Portanto, depois de levantar o BATNA de um ator é importante identificar
ações que poderiam levar a piorar o BATNA desta outra parte, ou seja, você
deve responder à seguinte pergunta: o que posso fazer para diminuir as alter-
nativas à negociação comigo desta pessoa?
As estratégias dizem respeito a como chegar aos objetivos traçados. De cer-
ta forma, em relação a cada ator, o item "como piorar BATNA'' pode dar uma
pista de como alcançar algum objetivo em relação a um ator específico. No pró-
ximo capítulo, detalharemos as técnicas para a construção das estratégias para
atingir os objetivos da PEC. Entretanto, por enquanto, devemos lembrar que
é preciso construir macroestratégias para se conseguir determinado objetivo.
Estas macroestratégias referem-se a ações específicas em cada um dos níveis

2
Preferimos aqui manter o termo original em inglês, ao invés de adotarmos algumas traduções
usadas em português, como MAPAN - Melhor Alternativa para Acordo Negociado ou MASA -
Melhor Alternativa para Solução Acordada.
3
O Modelo Racional de Negociação de Harvard é baseado no trabalho de Fisher e Ury a partir
do trabalho seminal Getting to yes. Em tomo desse modelo desenvolveram-se inúmeras aplica-
ções, do direito, passando pela administração de empresas, até conflitos internacionais, que são
constantemente aperfeiçoadas no grupo interdisciplinar chamado PON - Program on Negotia-
tion ( <http://www.pon.harvard.edu> ). É importante notar que a perspectiva de Harvard se di-
ferencia da aplicação da teoria dos jogos à medida que o primeiro foca as percepções subjetivas
da ZOPA e como estas se alteram, enquanto que o último a análise de equilíbrio da negociação
(Sebenius in Kremenyuk, 2002. p. 248).
A dimensão governo 79

Tabela 4.2 Exemplo de planilha com mapeamento dos atores envolvidos em


uma determinada questão de interesse da empresa.
1 2 3
Nome
Cargo
Organização
Telefone
Endereço
Data de aniversário
Interesse do cargo
Interesse pessoal
BATNA
Como piorar BATNA

dos jogos de governo. É preciso lembrar ainda que as ações em relação ao nível
estrangeiro devem levar em consideração cada uma das dimensões dos cinco
riscos discutidos no Capítulo 8.
Finalmente, é preciso indicar objetivamente quais as medidas de sucesso
para determinado objetivo da PEC governo. Por exemplo, se, como citado an-
teriormente, o objetivo for a liberalização em transgênicos, a medida para o
sucesso pode ser algo como aumento das vendas globais em 25% após mudança
do regime na OMC.
A Tabela 4.3 mostra uma forma de sistematizar e monitorar cada um dos
itens discutidos acima.

Tabela 4.3 Resumo do mapeamento das variáveis fundamentais na dimensão


governo.
Questão X Questão V
Objetivos
Variável tempo
Atores (nome/cargo/organização)
A
B
c
Estratégias Globais
Medida de Sucesso
80 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

O poder estrutural das EMNs

Keohane e Nye (2001, p. 10) definem o poder como a habilidade de um


ator fazer com que os outros atores façam o que ele queira, assim como pode
ser entendido como a capacidade de controlar o resultado final. Esta definição
se assemelha à dada por Nye em O paradoxo do poder americano e de forma
idêntica em Soft power, onde ele diz que poder é a capacidade de obter os re-
sultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos outros para
obtê-los (NYE, 2002, p. 30 e 2004, p. 2). O meio de garantir a defesa dos in-
teresses das empresas é traduzido em seu poder. O poder das EMNs pode ser
classificado em poder estrutural ou poder brando.
Para atuar com sucesso nas dimensões governo, mercado e sociedade, é
preciso que as EMNs sejam providas de poder. O reconhecimento do poder cor-
porativo deve levar à construção de estratégias mais eficientes em cada uma
das dimensões mencionadas.
O poder estrutural das EMNs está associado com a importância relativa da
empresa nas economias nacionais. Em outras palavras as economias nacionais,
em maior ou menor grau, são estruturalmente dependentes do capital (GILL;
LAW, 1993). Outra forma de ver o poder estrutural está associada à definição
de poder dada por Susan Strange em States and markets (1988), que chama de
poder estrutural a capacidade de realizar decisões em segurança, conhecimen-
to, produção de bens e serviços e provisão de crédito e dinheiro.
De maneira mais simples, Dupas (2005, p. 41) argumenta que "o principal
instrumento do poder das corporações transnacionais e do capital global é a
capacidade de dizer não: saio, não entro, não fico mais".
Dessa forma, o poder estrutural das EMNs invariavelmente está ligado com
o porte da empresa e com a questão da mobilidade do capital. Quanto maior for a
empresa em termos globais, maior deverá ser o seu poder estrutural. Entretan-
to, o poder estrutural não é uma medida absoluta e sim relativa, ou seja, uma
empresa deve ser mais ou menos poderosa em relação a um Estado dependendo
do grau de dependência estrutural deste Estado em relação ao capital.
Em outras palavras, o poder estrutural das EMNs em relação aos Estados
poderia ser medido resgatando o conceito de sensibilidade e vulnerabilidade,
conforme apresentado por Keohane e Nye (2001): a sensibilidade diz respeito
ao grau de resposta a uma política, o quão rápido um país traz mudanças cus-
tosas aos outros países e o quão grandes são estes custos. Já a vulnerabilidade
diz respeito à disponibilidade e ao custo das alternativas diante da situação de
interdependência.
Trazendo para o contexto da relação entre EMNs e Estados, a sensibilidade
diz respeito à rapidez com que as atividades de uma corporação trazem mu-
danças custosas para um país, enquanto que a vulnerabilidade diz respeito aos
custos e alternativas diante da atuação das EMNs.
A dimensão governo 81

Em outras palavras, quanto mais um país for economicamente dependente


das atividades de uma EMN, maior será a sua sensibilidade em relação a ela.
Da mesma forma, quanto menos alternativas o Estado tiver às atividades das
EMNs, maior será a sua vulnerabilidade em relação a essas corporações.
Em termos práticos, a sensibilidade de um Estado em relação a uma EMN
está ligada às seguintes decisões empresariais:

• estratégia de entrada e saídas em um país - decisão de investimento em


projetos greenfield, joint ventures, turnkeys, aquisições e fusões. Deci-
são de saída do país;
• estratégias corporativas - decisão de abertura ou fechamento de linhas
de produção e de serviços.'

Em todos os casos, o poder estrutural das empresas, em termos absolutos,


pode ser apurado através de medidas como valor do projeto, impacto em ge-
ração de impostos, geração de empregos diretos e indiretos, dividendos políti-
cos, 4 entre outros fatores. Assim, quanto maior forem os números nesses crité-
rios, maior será a sensibilidade de um Estado à ação de uma EMN.
Portanto, se a GM decide instalar sua nova planta em Gravataí (RS), ao
custo de US$ 240 milhões e prevendo gerar 1.500 empregos diretos até o final
de 2006, 5 ela acaba por aumentar a sensibilidade regional e nacional em rela-
ção à atividade desta empresa.
Por outro lado, como a vulnerabilidade diz respeito aos custos e alternati-
vas que o país conta em relação às atividades da EMN, isso significa avaliar o
seu grau de dependência em relação ao capital, bem como sua atratividade em
relação ao capital externo. Ou seja, quanto maior for a economia de um país,
incluindo aí o tamanho de seu mercado, o poder de compra de seus consumi-
dores etc., menor será a dependência de capital do país. Ao contrário, o capital
é que se encontrará na posição de não poder abdicar desse mercado. Da mes-
ma forma, quanto mais estável for o ambiente de negócios mais provável que o
país esteja constantemente atraindo investimentos externos e participando dos
negócios internacionais. A estabilidade do ambiente de negócios diz respeito
a um meio ambiente econômico previsível (macro e microeconomicamente),
além de uma estrutura fiscal e jurídica que permitam a liberdade de movimen-
to do capital e a previsibilidade vital para o planejamento empresarial.

4
Dividendos políticos estão associados aos ganhos que um grupo político pode captar ao atrair
investimentos para a região. Este grupo, em campanhas políticas futuras, sempre poderá mostrar
que ajudou a trazer desenvolvimento econômico à região. Da mesma forma, o contrário também
pode ser verdadeiro à medida que a empresa deixa a região fruto de atritos políticos gerando um
ônus político que o grupo político buscará justificar em discursos de cunho nacionalistas.
5
< http://www3.chevrolet.com.br/portalgm/noticias/fev_04/noticias_0602 _grn.jsp > , visitado em
26/3/2005.
82 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfari

Em relação ao exemplo anterior da GM em Gravataí, a vulnerabilidade diz


respeito às alternativas que o país possui à atividade desta empresa. Logica-
mente que, se o exemplo fosse em relação ao Paraguai, seria de se esperar que
o país fosse bem mais vulnerável que o Brasil. Por outro lado, ainda assim, o
Brasil é consideravelmente dependente dos investimentos externos e do im-
pacto econômico desses investimentos. Apresenta, portanto, um baixo nível de
alternativas diante da situação de interdependência.
Na mesma linha de raciocínio, o fechamento de uma planta da GM nos Es-
tados Unidos afeta a sensibilidade dos Estados Unidos, porém a sua vulnerabi-
lidade em relação à GM, quando comparada à do Brasil, é bem menor, conside-
rando que a economia daquele país tem um ambiente econômico que atrai os
investimentos internacionais e uma dinâmica econômica que tende a substituir
a perda da planta da GM pelo desenvolvimento do setor de serviços.
Logicamente, é de se esperar que os países altamente desenvolvidos como
os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha sejam consideravelmente menos
vulneráveis que muitos países em desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e
o México.
Na era da globalização, os Estados são os maiores protagonistas do mo-
vimento que aumenta exponencialmente a vulnerabilidade de cada um deles.
Esse movimento aparentemente contraditório acontece à medida que os Esta-
dos produzem cada vez mais regras que facilitam a mobilidade do capital (UNC-
TAD, 2003) para buscarem atrair investimentos e negócios para os seus países.
Por que os Estados produzem regras que aumentam suas vulnerabilidades
em relação às EMNs? Basicamente porque, à medida que a economia de um país
participa cada vez mais do jogo dos negócios internacionais, cada vez mais é di-
minuída a vulnerabilidade econômica em função de crises macroeconômicas ou
de choques exógenos internacionais. Ao mesmo tempo, esse Estado começa a
ganhar poder e alterar o balanço de poder econômico do segundo tabuleiro.
Em outras palavras, o aumento da vulnerabilidade em relação às EMNs
significa uma diminuição da vulnerabilidade em termos econômicos. Na era da
globalização, a maior parte dos Estados tem buscado o caminho da luta pelo
aumento da competitividade da economia nacional em termos globais e isso
tem implicado em aceitar tacitamente o aumento de sua vulnerabilidade em
relação às EMNs, além da aceitação de receituário macroeconômico e jurídico
que associe o país a um ambiente de negócios estável e atrativo às EMNs.
Ao mesmo tempo, esse ambiente de globalização e interdependência com-
plexa tem aumentado a pressão para movimentos regulatórios em nível inter-
governamental. Ou seja, como cada vez mais os Estados são interdependentes
entre si, cada vez eles são mais sensíveis a mudanças regulatórias da atividade
econômica em outros países. Isso força a multilateralmente os governos discu-
tirem caminhos, em conjunto, que de forma geral possam satisfazer a seus in-
teresses econômicos mais básicos de desenvolvimento econômico sustentável.
A dimensão governo 83

Essa tendência do ponto de vista das preferências estatais acaba sendo


coincidente com a preferência das EMNs que, em um ambiente cada vez mais
competitivo em escala global, preferem que as regulamentações sejam cons-
truídas também em escala global, diminuindo assim os seus custos e possibili-
tando mais eficiência na difícil tarefa da administração internacional. Portanto,
cada vez mais as OIGs, e em especial a OMC, têm-se tomado o espaço vital do
jogo do poder estrutural refletido na vulnerabilidade entre os Estados, as cor-
porações e entre os Estados e as EMNs.

Táticas relativas ao poder estrutural

As táticas de exercício de influência das EMNs em relação aos Estados, as-


sociadas ao poder estrutural, estão baseadas na indução (cenoura) e coerção
(paulada) (NYE, 2004, p. 5). Como notamos acima, a expressão mais clara do
poder estrutural das corporações, em relação aos Estados, está associada às
decisões de entrada ou saída das empresas em países e à decisão de fechamen-
to ou abertura de linhas de produção e de serviços. Nos debates regulatórios,
nacionais e internacionais, essas decisões (ou ameaças) aparecem em meio a
basicamente dois grupos de táticas: lobby e negociação internacional direta.
O lobby corporativo nacional é amplamente documentado na literatura de
Ciências Políticas. Watkins, Edwards e Thakrar (2001) dedicam praticamente
todo o livro Winning the infl.uence game: what every business leader should know
about government a explicar como os líderes empresariais devem construir estra-
tégias eficientes para influenciar decisões de seu interesse nos Estados Unidos.
Esse lobby corporativo nacional busca influenciar o processo de regulamen-
tação de leis que afetem os interesses das empresas. Portanto, no campo nacio-
nal, os líderes empresariais devem mapear as instituições que de alguma forma
afetem os seus interesses, como ministérios, repartições, agências reguladoras,
legislativo etc., e dentro de cada uma dessas instituições as pessoas chaves en-
volvidas na questão de interesse empresarial (WATKINS; EDWARDS; THAKRAR,
2001; ROWLANDS in JOSSELIN; WALIACE, 2001; e LEVY e PRAKASH, 2003).
Nesse contexto, o lobby é fundamentado na construção de relacionamentos pes-
soais que são administrados na base da indução e da coerção.
À medida que as EMNs se estabelecem em novos países, é natural que elas
busquem mapear as relações políticas que afetem os seus interesses dentro des-
ses países. A especificidade do ambiente político de cada local (o que inclui,
inclusive, grau de corrupção) fará com que a empresa construa mapas de poder
e estratégias distintas para que em cada um desses países a empresa possa ope-
rar, no longo prazo, maximizando seu lucro e minimizando seus custos. 6

6
Para discussão sobre gestão de risco político na operação das empresas, veja Ian Bremmer,
Gestão de Risco num Mundo Instável, Harvard Business Review, jun. 2005.
84 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Embora em cada país onde a empresa opere, fora de seu país sede, a EMN
busque construir uma estratégia local de lobby, a natureza desse lobby é essen-
cialmente transnacional ao invés de nacional. Isso porque a lógica da ação po-
lítica local deve respeitar as estratégias corporativas globais. Para uma EMN, a
operação em um determinado país responde a uma cultura e estratégia global
da empresa.
Um executivo do setor financeiro, por exemplo, relata que, enquanto o
banco em que ele trabalhava era controlado pelo capital nacional, era comum
a prática de "caixinhas" para funcionários estratégicos de certos fundos de pen-
são para conseguir fechar negócios. Quando este banco foi vendido para urn
grupo internacional esta prática foi interrompida. Isso quer dizer que, nesse
caso, a cultura corporativa do grupo internacional não aceita práticas de cor-
rupção e, portanto, o banco prefere não fechar determinados negócios a se en-
volver com este tipo de prática. Logicamente, esta é uma decisão estratégica
global que não vale apenas para o Brasil. 7
Uma empresa nacional costuma operar segundo as regras e a cultura de
seu país, mas uma EMN opera segundo a cultura global da empresa que, é
verdade, na maior parte das vezes é mais próxima à cultura do país sede
(PAULY; REICH, 1997). Entretanto, do ponto de vista de visão de negócio, a
lógica de ação é transacional, pois a ação em um país X pode afetar no míni-
mo a imagem e, por que não, a competitividade da empresa em todos os ou-
tros países (como em um escândalo de contaminação de alimentos ou envol-
vimento em corrupção).
Outra característica interessante do lobby transnacional é que ele envolve a
participação de executivos de outros países que buscam avançar politicamente
os interesses da empresa em um determinado país. Este executivo pode ser, por
exemplo, espanhol, trabalhar para uma corporação de origem suíça e ter uma
missão de negociar com as autoridades brasileiras a manutenção da patente de
um determinado medicamento.
Segundo depoimento de um executivo da General Electric, a empresa "em-
prega uma equipe de relações com o governo em nível mundial. A empresa
não usa os times locais de marketing pois entende que as relações com o go-
verno exigem conhecimentos diferentes ( ... ]. Usar um time dedicado a rela-
ções governamentais tem sido uma verdadeira receita do sucesso, e eu acredito
que esta seja a melhor forma de alcançar uma influência global" (WATKINS;
EDWARDS; THAKRAR, 2001, p. 199).
De certa forma, este executivo é um diplomata da sua empresa, pois a sua
negociação é essencialmente política. Portanto, à medida que há um desenvol-
vimento das relações transnacionais passa a haver um desenvolvimento de di-

7
Depoimento informal colhido junto a um executivo do mercado financeiro em março de
2005.
A dimensão governo 85

plomacia corporativa ou empresarial (WATKINS; EDWARDS; THAKRAR, 2001,


p. 193-209; STRANGE, 1991).
Essa diplomacia corporativa não atua apenas no âmbito nacional, mas
também em contextos intergovernamentais. Nesse sentido, trata-se da promo-
ção da defesa do interesse empresarial quando há a discussão de regulamenta-
ções onde as empresas são claramente stakeholders. Contemporaneamente, no
contexto de governança global, cada vez mais as regulamentações estão sen-
do produzidas nesses contextos, como em acordos de integração regional, tais
como UE, MERCOSUL, NAFTA e até a ALCA, bem como em contextos multila-
terais, tais como OMC, Convenção de Biodiversidade, Organização Mundial de
Propriedade Intelectual (OMPI) etc.
Em suma, estamos diante de uma diplomacia corporativa, pois efetivamen-
te a governança (local e global) afeta os interesses das corporações (cada vez
mais globais). Essa diplomacia corporativa começa a se habituar a jogar o jogo
em múltiplas arenas (país sede da empresa, outros países, contexto intergover-
namental), tendo que construir estratégias de ação simultâneas nessas arenas.
Em todos esses contextos é extremamente importante que as empresas se-
jam capazes de construir coalizões habilitadas a potencializar a defesa de de-
terminados interesses. As coalizões envolvem um grande grupo de empresas
que têm interesses em comum. As coalizões não só diminuem o custo financei-
ro do lobby, mas funcionam como uma organização não governamental que le-
gitimamente defende o interesse de um grupo e não de uma empresa em parti-
cular. Portanto, a coalizão dá uma grande legitimidade para a ação política em
torno de determinado interesse comum do empresariado.
É claro que no contexto brasileiro a ABIFARMA (Associação Brasileira da
Indústria Farmacêutica) pode funcionar como a coalizão das empresas do se-
tor farmacêutico (inclusive de transnacionais) para a promoção, em nível na-
cional, de uma determinada agenda política comum. Da mesma forma, a CNI
(Confederação Nacional da Indústria) deve buscar influenciar a formação da
política externa brasileira para a promoção do interesse da indústria nacional
no contexto de negociações multilaterais, tais como ALCA, OMC etc.ª
Em uma economia altamente globalizada os interesses empresariais tam-
bém transcendem as fronteiras nacionais. Nesse sentido, é interessante notar
que a Associação Americana de Soja (AAS) 9 possui nove escritórios internacio-
nais para defender o interesse de produtores de soja transgênica. Em Bruxelas,
por exemplo, o escritório localiza-se estrategicamente na Rue de Luxembourg
23, muito próximo dos edifícios da Comissão Européia e dos Diretórios-Gerais.

8
Veja < http://www.negociacoesintemacionais.cni.org.br/negocia/fp-negi.htm?URL=/negocia.
nsf/web_negocia_html?openform > , visitado em 7/7/2005.
9 Veja < http://www.asa-europe.org/ > , visitado em 7/7/2005.
86 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfaci

A natureza do processo de integração europeu faz com que grande parte


das coalizões empresariais sejam também mantidas em nível europeu. 10 Nesse
sentido, a mais tradicional é a European Round Table (ERT), 11 que desde 1983
defende os interesses corporativos dentro das instituições européias. Há ainda
coalizões setoriais específicas com grande poder de lobby não só em nível euro-
peu como também em nível de instituições intergovernamentais, como a OMC.
Este é o caso do Fórum de Serviços Europeu (FSE), 12 que defende a liberaliza-
ção em serviços dentro da UE e atualmente investe grande energia nas nego-
ciações em torno do GATS na OMC. Outros fortes grupos de coalizão setorial
empresarial em nível europeu são a EuropaBio 13 (coalizão de 40 empresas e 13
associações focadas em biotecnologia), Conselho Industrial Químico Europeu
(CIQE) 14 (baseado em Bruxelas desde 1973, busca bloquear intervenções go-
vernamentais no setor), entre outros.
Em nível global, a coalizão empresarial mais antiga é a Câmara Internacio-
nal do Comércio (CIC), 15 que promove ativamente o interesse corporativo de
livre comércio além de padrões voluntários de negócio, como os famosos Inco-
terms ou a arbitragem promovida pela Corte Internacional de Arbitragem.
No âmbito da América Latina são poucos ainda os grupos de coalizão, como
a Coalizão de Empresários da América Latina (CEAL), 16 que busca conciliar o
interesse dos empresários latinos no contexto das negociações sobre a ALCA.
Entretanto, caso haja um aprofundamento e um alargamento do MERCOSUL é
natural que surjam grupos de coalizão ao estilo europeu.
Há ainda o caso do Diálogo Transatlântico de Negócios (DTN), 17 reunindo
empresas dos Estados Unidos e da União Européia, e que teve um importante
papel na conclusão do Acordo de Reconhecimento Mútuo entre os Estados Uni-
dos e a UE (WATKINS; EDWARDS; THAKRAR, 2001, p. 194). Essa coalizão, ao
reunir empresas européias e norte-americanas, é capaz de construir uma agen-
da comum capaz de pressionar tanto um país como os Estados Unidos quanto
uma entidade intergovernamental como a UE.
Há também coalizões empresariais que promovem interesses setoriais co-
muns em escala global. Esse é o caso do Diálogo Global de Negócios em Co-
mércio Eletrônico (DGNCE), 18 que busca evitar a multiplicidade de regulamen-
10
Os grupos de coalizão empresariais também podem ser vistos como uma formação de OING.
Arts (2003) refere-se a estes grupos como BINGOs (Business Interests Non Governmental Orga-
nizations).
n Veja < http://www.ert.be >, visitado em 7/7/2005.
12
Veja < http://www.esf.be>, visitado em 7/7/2005.
13
Veja < http://www.europabio.org>, visitado em 7/ 7/ 2005.
14
Veja <http://www.cefic.org>, visitado em 717/2005.
15
Veja < http://www.iccwbo.org/index.asp> , visitado em 7/7/ 2005.
16
Veja < http://www.ceal-int.org/>, visitado em 717/ 2005.
17
Veja < http://www.tabd.com/>, visitado em 7/7/2005.
18
Veja < http://www.gbde.org> , visitado em 7/7/ 2005.
A dimensão governo 87

tações em comércio eletrônico em prol de avanços essencialmente no contexto


da OMC. Essa coalizão conta com a participação de EMNs como Fujitsu, HP,
Deutsche Bank e Telefonica.
Setores produtivos cujas cadeias são altamente globalizadas naturalmente
favorecem a formação de coalizões empresariais globais que devem, cada vez
mais, buscar maior nível de regulamentação em nível intergovernamental em
vista dos ganhos de escala que isso representa para as EMNs. Ou seja, setores
altamente globalizados são, geralmente, setores com forte presença de gran-
des EMNs que costumam administrar uma complexa teia regulatória nos mais
diversos países de atuação da empresa. Logicamente, à medida que a regula-
mentação é unificada em nível intergovernamental isso facilita extremamente
a administração global da empresa. Esse é o caso da indústria farmacêutica
que, em nível global, é apoiada pela Federação Internacional de Fabricantes
Farmacêuticos & Associações (FIFFA). 19 Naturalmente a FIFFA concentra gran-
de parte de suas energias na OMC junto à questão de TRIPS.
Além do lobby, a literatura (ROWLANDS in JOSSELIN; WALLACE, 2001)
reconhece que contemporaneamente as EMNs podem agir diretamente como
negociadores internacionais. Quando uma EMN negocia diretamente com go-
vernos nacionais a instalação de uma nova fábrica, ela está agindo diretamente
como negociadora internacional. Entretanto, o caso mais interessante é quando
ela age como negociadora em um contexto intergovernamental. Esse é o caso
da Organização Internacional de Padronização (OIP), que através de seu comi-
tê técnico 207 desenvolveu normas industriais relativas ao meio ambiente atra-
vés da conhecida série ISO 14000. Entretanto, o trabalho no comitê foi essen-
cialmente conduzido por representantes das empresas, como Bayer, DuPont,
KPMG, Henkel etc. (ROWLANDS in JOSSELIN; WALLACE, 2001, p. 142).
Aparentemente, à medida que os assuntos negociados nos fóruns inter-
nacionais se tornam cada vez mais técnicos, aumenta também a participação
direta de representantes das empresas nesses processos. Rowlands (in JOSSE-
LIN; WALLACE, 2001) nota que nos trabalhos do Grupo Técnico da Convenção
de Basiléia (lixos perigosos) havia sempre representantes das indústrias ofere-
cendo informações técnicas e posicionamentos para afetar diretamente os re-
sultados finais das negociações. Relatos desse tipo se repetem nas negociações
sobre a camada de ozônio, Convenção de Biodiversidade, entre outras.
Os comitês técnicos são uma bom local para exercer essa influência direta,
pois as empresas têm os recursos técnicos e financeiros para acompanhar as ne-
gociações e para avaliar o impacto para redirecionar a discussão para o seu in-
teresse. Além disso, discussões mais técnicas costumam sofrer pressão menor da
opinião pública. É por isso que ONGs como a Friends of Earth2º têm empregado

19
Veja < http://www.ifpma.org>, visitado em 7/7/2005.
20
Veja < http://www.foe.org/>, visitado em 8/7/2005.
88 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sarfati

grande energia para acompanhar esses comitês técnicos e exercer uma contra-
influência, buscando especialmente assessorar os países menos desenvolvidos.
A Figura 4.2 mostra que, contemporaneamente, as corporações jogam jo-
gos de negociação e lobby em múltiplas arenas (negociações internacionais
diretas com Estados, negociações em fóruns intergovernamentais e negocia-
ção para formação de coalizões empresariais). Portanto, elas devem construir
estratégias que envolvam ações simultâneas e/ou seqüenciais nessas arenas,
incluindo também a formação de coalizões, nacionais e internacionais, para a
promoção de interesses em comum. A figura mostra também que resultados de
uma arena podem influenciar os resultados em outras arenas, ou seja, a pro-
moção de determinado interesse de uma indústria nos Estados Unidos pode
resultar em influência nas preferências dos Estados Unidos, que podem pres-
sionar mudanças em outros países em negociações diretas, regionais e multila-
terais. Da mesma forma, o jogo jogado em um fórum intergovernamental pode
resultar em mudanças efetivas de legislações nacionais.

<
Nacional
Lobby
Diplomacia ~ Intergovernamental
corporativa
Negociação
Internacional (Estado)

Coalizões empresariais

Figura 4.2 Diplomacia corporativa exercendo influência em arenas múltiplas.

Em apoio às atividades da diplomacia corporativa há escritórios de relações


públicas 21 especializados em lobby, inclusive em nível transnacional. Este é o
caso, por exemplo, da Weber Shandwick, 22 a maior empresa de relações públicas
em nível mundial com um faturamento anual estimado em cerca de US$ 426
milhões.23 A empresa faz parte do Interpublic Group, que inclui diversas empre-
sas de comunicação, inclusive a famosa agência publicitária McCann Erickson.
O escritório em Bruxelas da Weber Shandwick ajuda os seus clientes corporati-
vos a se posicionarem em assuntos legislativos e regulativos em nível de UE.

21
Veja abaixo mais detalhes sobre a atuação dos escritórios de relações públicas.
22
Veja < http://www.webershandwick-eu.com/ capabilities/pub_affairs.html >, visitado em
717/2005.
23
Veja < http://www.corporatewatch.org/?lid = 1568 > , visitado em 9/ 7/ 2005.
A dimensão governo 89

Depoimento de um negociador experiente


em relações governamentais
Marcelo Artel
Executivo Comercial de uma
Multinacional do Setor de Papel

Ao iniciar uma negociação com órgãos e instituições governamentais sua


empresa deve estar preparada para um ponto básico, o "TEMPO".
Se perguntarmos se é lucrativo negociar com governo a resposta é "SIM",
muito lucrativo, mas antes a sua empresa deve perguntar se tem fôlego finan-
ceiro e comercial para agüentar a burocracia e o tempo necessários para atin-
gir o sucesso.
Outro fator importante é que os contratos com o governo duram normal-
mente um longo período, e isto significa que:

sua empresa não deve investir todos os recursos necessários somente


neste contrato, pois, caso não ganhe o contrato numa possível licita-
ção, somente terá nova oportunidade no término deste contrato;
ainda caso sua empresa ganhe o contrato e seus insumos sofram au-
mentos que não estejam previstos na negociação, você não pode parar
o fornecimento imediato sem o pagamento de multas previstas.

O ideal é que a sua empresa tenha negócios sadios com empresas privadas
e atue com o governo em negociações SPOT para tentar ganhar novas e gran-
des negociações. Isto é fundamental para a saúde financeira do negócio. As ne-
gociações governamentais são muitas vezes gigantes, exigindo grandes inves-
timentos antecipados, bom fluxo de caixa e reserva econômica para suportar
possíveis problemas de pagamentos, que possam surgir através de mudanças
de políticas governamentais, multas inesperadas e outros interesses.
Para entender uma negociação com órgãos governamentais, é fundamen-
tal compreender profundamente o jogo da negociação. Negociar é entender as
necessidades das partes envolvidas de modo a chegar a um objetivo comum e
satisfatório para os envolvidos.
A principal diferença entre negociar com empresas privadas e governa-
mentais é que, em um jogo de negociação com empresas privadas, o bom ne-
gociador entende as necessidades desta empresa e descobre como seu produto
ou serviço pode satisfazer a estas necessidades. Claro que os contatos pessoais
são muito importantes para estas negociações, já que através dos contatos é
possível conseguir as informações necessárias.
90 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sarfa ti

Já em uma negociação governamental é preciso entender plenamente com


quem você está negociando, qual o nível desta pessoa, com quem ela está envol-
vida, qual a real responsabilidade dela, qual o seu poder na tomada de decisões
e, finalmente, qual o real interesse desta pessoa nesse jogo de negociação.
Normalmente, uma negociação governamental nunca é realizada entre
duas pessoas sozinhas em uma sala. Independentemente de a pessoa em con-
tato ser a responsável direta pela negociação, serão convidadas outras pessoas
de modo a evitar comentários indesejados e mostrar a transparência da nego-
ciação a todos os outros envolvidos.
Isto significa que você deve estar extremamente bem preparado, pois todos
os convidados farão diversas perguntas até encontrar alguma para a qual você
não saiba a resposta. Se isso acontecer, todos os envolvidos aproveitarão esta
oportunidade para fixar a reunião neste ponto e sua negociação não caminha-
rá para frente. Por esse motivo, você deve estar bem informado sobre todos os
pontos possíveis (concorrentes, necessidades, problemas atuais, problemas fu-
turos etc ... ) em suas reuniões.

Técnicas de negociação

1. Teia de aranha

Não importa se o nível de seu contato é o mais alto na escala de tomada


de decisão. É fundamental que você tenha contato com todas as pessoas envol-
vidas no processo. Pessoas atuantes no baixo escalão podem atrapalhar a sua
negociação, caso elas não se sintam parte importante do processo e não sejam
responsáveis pela tomada de decisão conjunta. Isto é o que chamamos de tra-
çar uma teia de aranha com todos os contatos.
Os contatos técnicos são importantíssimos. Eles definirão a ficha técnica do
contrato e, caso não estejam bem informados, podem definir uma ficha técnica
ou algum item que sua empresa não tenha capacidade de atender, e desta ma-
neira todo seu esforço será desperdiçado e sua empresa não poderá participar
da concorrência, licitação ou tomada de preço.

2. Peça ajuda

Diferentemente de negociações privadas, onde normalmente os envolvidos


preferem que o executivo comercial traga soluções e mostre para eles o cami-
nho a ser seguido, ganhando assim tempo e dinheiro, em negociações gover-
namentais não ofereça ajuda, mas peça ajuda.
Entenda que no governo, devido ao tamanho do Estado e à burocracia en-
volvida, é muito difícil para os funcionários públicos mostrarem seu real valor
A dimensão governo 91

e capacidade. Assim, durante estas negociações eles vêem uma oportunidade


de mostrar seu valor. Algumas vezes isso pode ser confundido com a sensação
de poder, mas significa que eles desejam que você solicite sua ajuda, podendo
assim resolver o seu problema.
Faça o papel de frágil e deixe seu contato com a sensação de que ele está
no controle e irá decidir. Prepare-se antecipadamente com todas as perguntas
possíveis para que ele lhe dê as respostas corretas, dando assim a sensação de
que ele está sendo o responsável pela tomada de decisão, ou seja, faça-o falar
e resolver a situação. Poucas vezes os funcionários públicos têm esta oportuni-
dade e ficarão extremamente gratos.

3. Sua vez de ajudar

Entenda também onde esta pessoa quer chegar na instituição ou órgão pu-
blico, e ajude-a a atingir este objetivo. Certamente, quando ela chegar lá não
esquecerá de seu apoio.

4. Nada é pessoal

E, por fim, não leve nada para o pessoal. Não importa como você seja tra-
tado, quanto tempo você vai esperar para uma reunião, se as respostas não
forem as desejadas, que as reuniões sejam canceladas ou qualquer outro pro-
blema que o incomode. "NADA'' é pessoal, tudo depende do interesse político
no momento. Este processo faz parte de uma grande negociação e você deve
agüentar as pressões para chegar ao seu objetivo final, que é o fechamento
do contrato.

Checklist dimensão governo

Sua empresa ou associação empresarial:

• Mantém o contato com os burocratas e políticos que tomam as deci-


sões importantes em seu setor?
• Participa no processo de tomada de decisões em regras e procedimen-
tos que afetem o seu negócio?
i -~
5
A Dimensão Sociedade

dimensão sociedade diz respeito a como a sociedade organizada pode

A afetar a cadeia de valor empresarial e como lidar com isso. Segundo


Rondinelli (2002, p. 394) , as EMNs, junto com ricos executivos, têm
cada vez mais assumido o papel público de fornecimento de ajuda internacio-
nal através do desenvolvimento de programas filantrópicos. Ainda segundo o
mesmo autor, as empresas são hoje responsáveis por cerca de 87% da ajuda aos
países pobres, com cerca de OS$ 296 bilhões.
À medida que as EMNs se tornam cada vez maiores e mais importantes nas
economias nacionais, cresce a pressão para o envolvimento delas com as comu-
nidades e o seu papel na preservação ambiental aumenta. As empresas estão
cada vez mais aumentando seu compromisso filantrópico social não por puro
altruísmo, mas porque isso ajuda substancialmente a promover uma imagem
positiva da empresa junto à sociedade.
Cada vez mais, as empresas sentem necessidade de ganhar legitimidade
pública para os seus tamanhos gigantescos. Ou seja, é difícil explicar ao gran-
de público por que, cada vez mais, as empresas são maiores, mas este mesmo
público pode facilmente entender o valor da empresa à medida que ela gere
empregos e contribua com as populações que mais necessitem de ajuda.
Grande parte da pressão para que as empresas assumam um papel de res-
ponsabilidade junto à comunidade e ao meio ambiente vem da sociedade orga-
nizada refletida nas milhares de Organizações Não Governamentais (ONGs)
que se multiplicam em cada país e das Organizações Internacionais Não Go-
vernamentais (OINGs) que na verdade são verdadeiras organizações transna-
cionais tão grandes quanto as EMNs. 1

1
Podemos considerar que a Cruz Vermelha é a primeira ONG do mundo. Criada em 1863 para
aliviar o sofrimento dos combatentes em guerras, é hoje uma imensa organização dedicada a
ajudar não só vítimas de conflitos mas também de desastres naturais. Entretanto, somente a
partir da década de 1970 as ONGs começaram a proliferar. Hoje, estima-se que existam cerca de
40.000 OINGs, que têm características de atuação internacional, como o Greenpeace, a WWF,
além de 2 milhões de ONGs locais nos países e cerca de 270 mil no Brasil.
94 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfari

Dessa forma, têm se tornado comuns políticas corporativas associadas


àquilo que se convencionou chamar de "cidadania corporativa" e "responsabi-
lidade social". Ambos os conceitos estão associados à idéia de que as empresas
têm responsabilidades para além de seus acionistas e devem, portanto, com-
preender e administrar sua influência e relacionamento com o resto da socie-
dade de modo a minimizar o seu impacto negativo e maximizar o positivo.
Muitas empresas têm-se engajado nesse tipo de atividade, seja por pressão
social, seja por motivações de imagem e marketing. Entretanto, grande parte
das empresas, em sua atuação internacional, não conciliou ainda os objetivos
dos acionistas com os dos stakeholders (aqueles que são afetados pelas políticas
corporativas). Dessa forma, muitas vezes, os programas de responsabilidade
social acabam sendo um conjunto de despesas de filantropia.
A dimensão sociedade não é uma mera gestão desta filantropia e sim um
conjunto de políticas que visam a um constante diálogo com a sociedade civil
(os stakeholders), sempre visando à geração de valor para a empresa.

Quadro 5.1

O poder brando das EMNs

As EMNs, para defender os seus interesses, contam, além de com o seu poder
estrutural, com o seu poder brando. Conforme definido por Nye (2004, p. 5), o
poder brando é refletido na capacidade de conseguir os resultados de sua prer.:
rência cooptando as pessoas ao invés de coagi-las. Portanto, o poder brando é â
capacidade de um ator de dar forma às preferências de um outro ator através de
seu poder de atração e sedução.
O poder brando não é o mesmo que influência, visto que a influência pode
ser conquistada também pelo poder bruto. O poder brando é mais que persua-
são, pois as pessoas são levadas a concordar por se sentirem atraídas por aquilo
que determinado ator representa. A atração nem sempre determina as preferên-
cia de um determinado ator, mas certamente pode alterar a sua percepção e indi-
retamente influenciar o resultado desejado pelo ator com o poder brando.
O poder brando das EMNs nas relações internacionais está associado à identi-
dade do consumidor/cliente (no nível micro) e aos Estados (no nfvel macro) com as
atividades da empresa desenvolvidas no país. O poder brando de uma EMN pode
vir de sua imagem (o marketing construindo uma identificação com o público em
geral) e de sua relação com as comunidades epistêmicas, especialmente as científi-
cas (grupos epistêmicos como fonte de legitimação da atividade corporativa).
A dimensão sociedade 95

A responsabilidade social e ambiental

Uma estratégia institucional usada em escala global associada ao poder


brando das EMNs é direcionar recursos para a filantropia. 2 São numerosos os
exemplos de filantropia apoiados pelas EMNs, como a parceria Coca-Cola e
Rotary Internacional para ajudar o governo da Índia a imunizar a população
em relação à poliomielite; a Nokia montou um fundo de US$ 11 milhões com
a ajuda de seus empregados voluntários para ajudar a ensinar crianças com di-
ficuldade de aprendizado na África do Sul, China, México, Brasil, Inglaterra e
Alemanha (RONDINELLI, 2002, p. 395).
A Monsanto, desde 1964, mantém o Monsanto Fund, que apóia global-
mente projetos de desenvolvimento comunitário. No Brasil, o Monsanto Fund
apóia o Programa Crianças Saudáveis, Futuro Saudável em Camaçari (BA),
Uberlândia (MG), Morrinhos (GO), Santa Helena (GO), Goiatuba (GO) e São
José dos Campos (SP), que beneficia 30 mil crianças com atendimento básico
de saúde (MONSANTO, 2003).
Nesse contexto, chama a atenção que, cada vez mais, o voluntariado entre
os empregados passa a ser uma atividade altamente apoiada pela direção das
empresas. São numerosas as empresas que desenvolvem programas de volun-
tariado, como Comgás, 3 Aracruz, 4 isso sem contar a ação da ONG Faça Parte,5
que estimula o voluntariado como um todo e, em especial, entre as empresas.
O relacionamento dos empregados diretamente com a comunidade acaba
dando uma legitimidade maior ainda à empresa, que acaba sendo vista pela
comunidade e pelos próprios empregados como comprometida com a comuni-
dade em que ela atua. 6 Nesse sentido, tem sido cada vez mais comum o item de
responsabilidade social ou relação com a comunidade no relatório anual das
empresas como uma forma de divulgar aos próprios empregados, acionistas
minoritários (bolsa de valores), comunidade em geral e os vários níveis gover-
namentais a atividade filantrópica da empresa.
Da mesma forma, mostrar à sociedade e aos governantes que a empresa é
comprometida com o meio ambiente tem sido cada vez mais importante, espe-

2
O mundo corporativo prefere diferenciar a filantropia de responsabilidade social por associar
o primeiro à caridade e o segundo ao comprometimento com a comunidade em que a empresa
atua. Logicamente, esta diferenciação ajuda ao objetivo de incluir a filantropia como parte im-
portante da estratégia de construção de imagem da empresa e de seu poder brando, portanto,
usamos aqui os termos como sinônimos.
3
< http://www.comgas.com.br/rs/voluntariado/index.asp >, visitado em 27/3/2005.
4
< http://www.aracruz.com.br/web/pt/comunidades/comuni_voluntariado.htm>, visitado em
27/3/2005.
5
< http://www.facaparte.org.br/new/parceiros.asp>, visitado em 27/3/2005.
6
Veja artigo curto em < http://www.sfiec.org.br/artigos/social/empresa_voluntariado.htm.> •
Veja também o site do Instituto Ethos, que incentiva a responsabilidade social entre as empresas
< http://www.ethos.org.br/ >, visitados em 27/3/2005.
96 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfa ti

cialmente em setores críticos como o de combustíveis. A ShelF e a Exxon, 8 por


exemplo, devotam grandes esforços nesse sentido.
Se por um lado é importante passar à sociedade a imagem de comprome-
timento social e ambiental, por outro é preciso compatibilizar esses objetivos
com a geração de valor aos acionistas. Em outras palavras, como dizem Porter
e Kramer (2002), combinar os benefícios econômicos e sociais.

Quadro 5.2

Três Razões Para Incorporar a Responsabilidade Social


na Estratégia Global da Empresa

• A denúncia de problemas sociais e ambientais contra a empresa pode


gerar uma enorme destruição do valor gerado pela empresa - as cor-
porações hoje são um dos principais alvos da combinação pressão social
e imprensa. A divulgação de denúncias contra a empresa podem fazer as
vendas e as ações da empresa despencar.
• A responsabilidade social gera sustentabilidade de longo prazo no
negócio - a preservação dos recursos sociais e do relacionamento social
garante, no longo prazo, a sustentabilidade da empresa. Ou seja, a boa
imagem da empresa pode ajudar a receber autorizações governamentais
para operar e livrar a empresa da perseguição de empresas e ONGs.
• A integração dos valores econômicos e sociais pode gerar um au-
mento do lucro a médio e longo prazo - uma visão estratégica que in-
corpora a filatropia à cadeia de valor da empresa deve gerar não apenas
benefício social mas também lucro.

Porter e Kramer (2006) indicam passo a passo como integrar a responsabi-


lidade social à estratégia da empresa:

• Identificação de pontos de intersecção - a relação entre a em-


presa e a sociedade assume duas formas:
vínculo de dentro para fora - toda ação de uma empresa gera al-
gum impacto, seja positivo, seja negativo, na sociedade. O avanço
tecnológico nos leva a descobrir e trabalhar com materiais que fa-

7 O site da Shell oferece detalhadamente os compromissos e ações da empresa relativas ao meio


ambiente. < http://www.shell.com/ home/Framework?siteid = royal-en&FC3 = /royal-en/ html/
iwgen/environment_a nd_society/d ir_e nvironment_and_society.html&FC2=/royal-en/html/
iwgen/ leftnavs/zzz_lhn7_O _O.html&promo = topsite > , visitado em 9/7/2005.
8 Veja as campanhas da Exxon em < http://www.exxonmobil.com/corporate/Campaign/Cam-
paign_2004_ home.asp >, visitado em 9/7/2005.
A dimensão sociedade 97

cilitam a nossa vida, como o caso da fibra de carbono, ao mesmo


tempo que nos leva a descobrir os males do cigarro ou os riscos à
saúde gerados pelo amianto;
vínculo de fora para dentro - a sociedade também influencia as
empresas para o bem ou para o mal. Ou seja, de uma forma ou de
outra ela é capaz de afetar a sobrevivência da empresa dentro do
jogo competitivo de quatro formas: quantidade e qualidade dos
subsídios disponíveis - acesso a recursos humanos, disponibilida-
de de infra-estrutura, recursos naturais etc.; regras e incentivos
que regem o mercado9 - proteção à propriedade intelectual, re-
gras sobre organismos geneticamente modificados, regras fitossa-
nitárias etc.; porte e sofisticação da demanda local - padrões de
qualidade, defesa do consumidor etc.; disponibilidade local de in-
dústrias de apoio - acesso a prestadores de serviço, fornecedores
de matéria-prima etc.

• Definição das questões sociais a serem abordadas - as ques-


tões sociais que afetam as empresas podem ser divididas em três cate-
gorias:
questões sociais genéricas - questões sociais que não são afetadas
de modo significativo pela operação das empresas nem influen-
ciam sua competitividade no longo prazo;
impactos sociais na cadeia de valor - questões sociais que são afe-
tadas de modo significativo pelas atividades da empresa em sua
operação no dia-a-dia;
dimensões sociais do contexto competitivo - questões sociais que afe-
tam de maneira significativa o ambiente competitivo da empresa.

Segundo Porter e Kramer (2006), toda empresa deve dividir sua ação so-
cial nestas três categorias de modo a criar uma pauta social empresarial. A em-
presa deve priorizar sua ação social nas duas últimas categorias.
A segunda categoria envolve a visão de dentro para fora através da apli-
cação da avaliação do impacto social na cadeia de valor empresarial. A Figura
5.1 mostra o resumo de um mapeamento de políticas de impacto social a serem
implementadas e monitoradas por uma empresa do setor de bebidas.
A figura demonstra que há uma quantidade enorme de áreas que a empre-
sa deve gerenciar e desenvolver que conciliam o interesse social com a geração
de valor.

9
Este item foi analisado dentro do contexto da dimensão governo, entretanto, aqui, pode ser
entendido também como a sociedade influencia estas regras.
98 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Tr.ut-.parência cm divulgação
de dados financeiros
Pr:ílic.is é 1icus cm ICS IC S
Govcmança COTJX>r.lLiva
Seguranç a de pro<lulos
~ocial
Economia de mnlcrial
Vol un wriado executivo
Reciclage m
Dcscnvolvimc1110 <lc
E<luc,1ção e 1rcinamcn10 dos produtos saudáveis
funci onários
Política de di\lcrsidadc
Benefícios sociais e de saúde
Política sa larial e clcmi ssional Política de compras
soe ial mente rcs1x>nsá \'CI
(ru1o comprar de empresas
que explorem trabalho
infantil ou dilapidcm
recursos naturai s)

QI
"O Infra-estrutura interna
V,
QI o Gestão ~e recursos ~umanos
"O 'õ
~ o.
·s; t'C Desenvolvimento tecnológic
~ Compras

Logística Logística Marketing


lnbound Operações Outbound & Vendas

Gcstiio de 1rnn sportc


e anna1.cnnmcn1 0
com mínimo
imp11cto 11111bicn1al
f! Lica publicilária Tralamcnto de
Plancjamcuto de dcscarlc (COilS lIDIO responsável de alcoólarms
e.las embalagens de á1coo1, publicidade para Auxílio a vílimas de
Minimil.açãoc
bebida (biodcgrnd.ivcis e crianças apenas de acidcn1cs rc laciomtdos
1rn1amcn10 de dctrilos
pos1os de recolhimento) bebidas saudáveis) ao álcool
lJso racional ele
Informações ao cliente J·'iscalú.ação contra
ene rgia e água
Polílica de preço e consumo irú'amil de
produlos para população álcool nos pontos-dc-
de baixa renda vcnda
A cesso a irúonnaçõcs ao
corisu.midor

FONTE: Adaptada de Porter e Kramer (2006, p. 60) .


Figura 5.1 Impacto social na cadeia de valor de bebidas.

Já a terceira categoria engloba a visão de fora para dentro e está relacio-


nada com o diamante de Porter. A Figura 5.2 resume um mapeamento das in-
fluências sociais sobre a competitividade em relação a uma empresa do setor
de bebidas.
No contexto da Figura 5.2, a filantropia deve ser incorporada à estratégia
da empresa de modo não só a gerar benefícios sociais mas também maximizar
o posicionamento competitivo da empresa.
A dimensão sociedade 99

Concorrência justa
Dispo nibilidade e Apoio às microempresas de
treinamento de mão-dc- bebida
obra Transparência fin anceira,
Estratégia e -e.._ _ _ soc ial e ambi ental
Associação com
uni versidades para ri validade
pesqui sa cm bebidas entre as
saudáveis empresas
Sustentabilidade no
manej o de águas
potáveis

Condi ção
Condições da
de fatores demanda
local

lnccnti voc
capacilação de
pequenos
fornecedores
Indústrias
con-elatas e
de apoio
k ~,ode produtos recicláveis
Combate ao
alcooli smo
Promoção da Bebidas saud,íveis e
indústria de socialmente
reciclagem (apoio a sustentáveis
caladores)

Figura 5.2 Influências sociais sobre a competitividade no setor de bebidas.

Alguns exemplos brasileiros 10 de práticas de responsabilidade social:

• AmBev - marketing & vendas/condições de demanda local - campa-


nhas de consumo responsável de bebidas alcoólicas;
• Banco Real - estratégia e rivalidade entre as empresas/condições de
demanda - o banco favorece o crédito a empresas social e ecologica-
mente responsáveis enquanto nega crédito a empresas que não pos-
suam este tipo de prática;
• BASF - operações - uso de PET em embalagens diminui em 40% o uso
de água no processo de produção de resinas;

10 Todos os exemplos destas categorias foram retirados do Guia Exame de Boa Cidadania Corpo-

rativa de dezembro de 2006.


100 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfari

• CELPE - condições da demanda local - inclusão de 140.000 consumi-


dores de baixa renda através de conscientização sobre uso correto de
energia e doação de lâmpadas e eletrodomésticos econômicos;
• Serasa - condição dos fatores - escola interna oferece educação gratui-
ta do ensino fundamental à pós-graduação;
• Suzana - indústrias correlatas e de apoio/compras e vendas - clientes
e fornecedores são monitorados para verificar se adotam princípios
ecológica e socialmente responsáveis em suas gestões.

O relacionamento com as ONGs

Um aspecto que merece especial atenção no planejamento da política ex-


terna corporativa é o relacionamento com as ONGs. Há uma enorme quantida-
de destas organizações com alcance regional, nacional e internacional. Muitas
organizações buscam dar transparência às suas ações e outras tantas agem de
forma violenta na defesa de seus interesses, a ponto de em última instância se-
rem capazes de cometer até atentados terroristas.
No Brasil, por exemplo, vemos a já citada Faça Parte estimulando o volun-
tariado nas empresas ou a Akatu promovendo o consumo consciente (susten-
tável), ao mesmo tempo em que o Movimento dos Sem-Terra (MST) já prota-
gonizou a invasão e destruição de um laboratório da Aracruz no Rio Grande do
Sul, levando a um prejuízo estimado em 20 milhões de dólares. 11
Como reflexo da sociedade de tecnologia há um empowerment da socieda-
de civil e, entre as milhões de ONGs de todos os portes e cortes ideológicos,
há organizações que empurram o desenvolvimento social, assim como outras
que se comportam de forma socialmente inaceitável. O fato é que para o bem
ou para o mal estas organizações vieram para ficar e, portanto, as corporações
precisam incorporar políticas específicas para lidar com todo tipo de ONG em
qualquer lugar do mundo, especialmente porque, para grande parte delas, as
EMNs são o alvo preferido.
Se por um lado não é possível mais ignorar as ONGs e seu impacto na ca-
deia de valor, por outro não é possível se engajar em uma política naif de cola-
boração com todas as organizações.
Portanto, em primeiro lugar, é preciso reconhecer que tipo de ONG está
agindo ou pode atuar em algum elo da cadeia produtiva da empresa. 12 Sus-
tainAbility (2003) oferece uma tipologia das ONGs dividindo-as entre as que

11
Veja a matéria ONGs: os novos inimigos do capitalismo, na revista Exame de 25/10/2006.
12 É bom lembrar que a Nike foi muito criticada por explorar o trabalho infantil na Ásia. Pouco
importou na verdade se eram empresas terceirizadas. O caso da empresa nos faz perceber que
a sociedade considera a multinacional o elo forte da cadeia e, portanto, responsável tanto pela
ponta da produção, inclusive os fornecedores, quanto pela ponta da venda.
A dimensão sociedade 1O1

discriminam as empresas, no sentido de que as estudam e separam as que fa-


zem boas ações das que fazem más ações, e as que não discriminam, que são as
ONGs que entendem que todo tipo de corporação pode ser alvo das ações destas
organizações. A outra divisão é entre as ONGs que não tendem a cooperar com
as empresas e procuram se diferenciar delas (polarizadoras) e aquelas que bus-
cam levar mudanças às práticas corporativas através do relacionamento com as
empresas e o governo. A relação destes quatro cortes leva à seguinte tipologia:

Polarizadoras Integradoras
Orca Golfinho
Critica a performance Critica a performance das
das empresas e ataca empresas e seleciona os
Discriminadoras alvos selecionados. Tem parceiros apropriados. Tem a
a característica de ser característica de ser criativa e
estratégica, inteligente, adaptativa
independente e imprevisível
Tubarão Leão Marinho
Ignora a performance das Ignora a performance e
Não- empresas e ataca quase todos trabalha com qualquer CL
discriminadoras os alvos. Geralmente busca empresa. Tem a característica o:::
w
atacar em grupo e de maneira de não se importar com quem <(
estratégica a alimenta
z
::J
('O
FoNTE: Adaptada de SustainAbility (2003) e Marsden e Andriof (1998). ü

Figura 5.3 Classificação SustainAbility ONGs. -


(l)
o
.a
ãj
Grande parte das empresas, especialmente as brasileiras, ainda tem uma
postura reativa em relação às ONGs. À medida que estas empresas se interna-
cionalizam é preciso assumir uma postura mais proativa, buscando mapear as
ONGs que, como stakeholders, podem ter impacto no médio e longo prazo so-
bre a empresa. Esta postura proativa é fundamental para compreender as fon-
tes de descontentamentos e buscar fazer as correções de rumo que se incorpo-
rem na estratégia internacional da empresa. ·
O mapeamento proposto pela SustainAbility sugere claramente que as
ONGs são muito diferentes entre si. Dessa forma, para cada tipo de ONG dese-
nhamos uma estratégia diferente:

• Orca > regras de combate - do inglês Rules of Engagement, signi-


fica diretrizes do comando do exército sobre como e em que circuns-
tâncias a força deve ser usada. Nesse sentido, significa a determina-
ção executiva de como agir com ONGs do tipo Orca que tanto podem
102 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Polarizadoras Integradoras
Discriminadoras Orca > Regras de Combate Golfinho> "Coopet ição"
Este tipo de organ ização Este t ipo de orga nização
difici lmente será cooptada, age estrategicamente para
porta nto é preciso cria r regras sobreviver. Ora ata ca as
de contato com ela buscando emp resas, ora coo pera com
dar atenção às fontes de elas de forma a ajudá-las a se
suas insatisfações, mas gerar adaptarem à responsa bilidade
contra -propaganda quando socia l e ambienta l. Em outras
atingir o core busíness. pa lavras, há competiçã o e
cooperação.
Não- Tubarão > Balanço de Poder Leão Ma rin ho > Seleção
discriminadoras Não importa o q ue a empresa Natura l
fizer, ela será sempre a É preciso selecionar as ONG s
inimiga. Portanto, é preciso com quem a empresa irá
engajar-se em múltiplas co laborar nesta categoria,
técn icas de balanceamento de avaliando relações de custo
poder (estratégia distri butiva), e benefício e o poder social
que podem ir desde ações da ONG. Apenas aquelas
judiciais, contra-propaganda , mais bem adaptadas devem
passando por busca de sobreviver com o apoio das
mediadores e outras políticas empresas.
que visem minimizar o dano
deste tipo de organ izaçã o .
Figura 5.4 Estratégias corporativas para lidar com as ONGs.

cooperar quanto atacar. As regras de combate podem ir, então, desde


negociação direta integrativa com a ONG (comportamento cooperati-
vo), passando por negociação indireta ou distributiva (resistência), até
a defesa via mecanismos judiciais, pressão junto ao governo e campa-
nhas públicas (uso da força) .
• Golfinho > "coopetição" - o termo "coopetição" denota algo apa-
rentemente contraditório, que é a cooperação e competição ao mes-
mo tempo. Nos negócios pode indicar empresas que reconhecem que
são competidoras mas resolvem cooperar em algum projeto específi-
co, como, por exemplo, duas empresas da indústria automobilística
que desenvolvem juntas um motor que será usado em carros de am-
bas as montadoras. No contexto de relação com as ONGs isso significa
reconhecer que as organizações do tipo golfinho se alimentam tanto
da competição quanto da cooperação. Portanto, é preciso estar aberto
para ouvir e se relacionar com estas organizações e selecionar projetos
que gerem valor social e à cadeia de valor da empresa.
A dimensão sociedade 103

• Tubarão > balanço de poder - parte da proliferação dos movi-


mentos anti-globalização tem sido acompanhada do aumento geomé-
trico de organizações do tipo tubarão de todos os portes. É inaceitável
se engajar em comportamento altruísta com organizações que consi-
deram legítima a destruição de alvos das empresas. Portanto, em rela-
ção às ONGs do tipo tubarão a empresa não tem outra escolha a não
ser tentar negociar para minimizar prejuízos até a adoção de medidas
mais duras que visem constranger a ação agressiva destas organiza-
ções, que vão desde ações legais até a pressão junto ao governo e ao
Legislativo pela adoção de medidas que protejam o patrimônio priva-
do. Em última instância, se o governo for populista e se alimentar da
agressão deste tipo de organização, a empresa deve ativar um plano
de contingência para saída do país.
• Leão marinho > seleção natural - este tipo de organização não
costuma ser uma fonte de pressão para as empresas. Geralmente elas se
dedicam a temas complementares que em última instância as tornam
empresas que vendem conceitos e consultorias voltadas a algum aspec-
to da responsabilidade social. Como em qualquer mercado, há uma se-
leção natural que separa aquelas que oferecem de fato valor à empresa
daquelas que não têm uma ação que gera este valor. Desta forma, ao
identificar ONGs do tipo leão marinho a empresa deve ser extrema-
mente seletiva, verificando o histórico de atuação da organização, bem
como identificar como ela pode se encaixar na estratégia da empresa.

As comunidades epistêmicas
Outro conjunto importante de poder brando das empresas está associa-
do à relação delas com as chamadas comunidades epistêmicas. Adler e Haas
(1992) definem comunidade epistêmica como uma rede de profissionais com
reconhecida especialização e competência em uma área de conhecimento, que
possuem em comum um conjunto de crenças e princípios normativos que pro-
vêem uma racionalidade de ação para os membros da comunidade; têm cren-
ças causais derivadas da análise das práticas ou que contribuem para respon-
der a um problema central na disciplina e constituem a base para entender o
relacionamento entre possíveis ações políticas e os resultados desejados; com-
partilham noções de validade que são os critérios internos para pesar e avaliar
o conhecimento específico de uma área; e desenvolvem práticas comuns asso-
ciadas a suas atividades de competência profissional que presumivelmente au-
mentariam a qualidade de vida dos seres humanos em geral.
A ação das comunidades epistêmicas nas relações internacionais deve ser
entendida dentro do contexto da coordenação política. Adler e Haas (1992) di-
zem que a coordenação política (entre Estados) é baseada no consentimento e
nas expectativas mútuas, mas a questão fundamental é: de onde vêm as expec-
104 Ma nual de Diplomacia Corpora tiva • Sarfari

tativas? Segundo os autores, elas vêm de processos interpretativos envolvendo


estruturas políticas e culturais, assim como de instituições dedicadas a definir
e modificar os valores e significados das ações.
Dessa forma, quanto mais uma comunidade epistêmica for mobilizada,
maior será sua probabilidade de influenciar a ação do Estado, que irá recorrer
ao conhecimento dos especialistas para a formação de seus interesses. Em as-
suntos de coordenação internacional com forte natureza técnica, a cooperação
entre os Estados depende, em larga medida, das práticas e valores que as comu-
nidades epistêmicas criam em torno do assunto objeto da cooperação, como no
caso da negociação em torno do Protocolo de Kyoto, que, na verdade, originou-
se de um consenso entre a comunidade científica de que as atividades humanas
estavam sendo responsáveis pelo aquecimento global e que este aquecimento
poderia ter sérias conseqüências sobre a vida no planeta no futuro. Assim, a co-
munidade científica não apenas trouxe à tona o tema, como também teve um
papel fundamental na formação das posições dos Estados durante o processo
de negociação, assim como o estabelecimento de concessões e propostas que
tinham, pela natureza do tema, uma característica altamente técnica.
O impacto das comunidades epistêmicas na coordenação política interna-
cional deve ser visto de modo evolutivo, ou seja, essas comunidades produzem
de forma independente do governo idéias que eventualmente são instituciona-
lizadas dentro de um Estado em um processo de formação das políticas públi-
cas. A longo prazo, as normas das comunidades epistêmicas são socializadas
internacionalmente, tornando-se a base para a cooperação internacional à me-
dida que o comportamento racional do Estado é formado sobre a base estrutu-
ral formulada pelas comunidades epistêmicas. A influência das comunidades
epistêmicas se reproduz a partir do trabalho das instituições que suas idéias
ajudaram a criar. Assim, uma vez que as idéias são institucionalizadas e assimi-
ladas, elas continuamente influenciam as práticas estatais.
Resumidamente, Adler e Haas (1992, p. 375) indicam que a influência das
comunidades epistêmicas na inovação política ocorre: (1) delimitando os limi-
tes da controvérsia política em torno de um assunto, (2) definindo os interes-
ses dos Estados e (3) definindo padrões (de julgamento ou regulação).
Além da inovação política a influência das comunidades epistêmicas ocor-
re também via difusão de políticas, ou seja, os membros das comunidades epis-
têmicas não apenas buscam influenciar a formação da política interna, como
também, sistematicamente, se engajam em diálogos com os seus pares em nível
transnacional através de conferências, publicações, organizações internacio-
nais, e-mail etc. Portanto, indiretamente as comunidades epistêmicas acabam
influenciando vários governos e ao mesmo tempo contribuindo informalmente
para a convergência das preferências políticas. Além disso, se as comunidades
epistêmicas forem capazes de influenciar as lideranças políticas internacionais
elas acabam tendo um impacto direto na formação da agenda de negociações
A dimensão sociedade 10 5

internacionais. Interessante notar que, uma vez que as idéias são instituciona-
lizadas, elas podem ganhar status de ortodoxia e, portanto, podem se tornar
politicamente persistentes. Um fator fundamental para o estabelecimento dessa
persistência é o grau de consenso da comunidade epistêmica em torno de de-
terminadas idéias.
Em termos contemporâneos, Adler e Bernstein (2004) vêem a questão da
governança global como essencialmente baseada nas instituições e, portanto, a
essência da governança global como epistêmica. Ou seja, a governança global
depende fundamentalmente de entendimentos em comum sobre determinado
tema internacional. Dessa forma, as comunidades epistêmicas são elementos
centrais para que possamos compreender a formação do consenso em torno
dos temas de governança.
Segundo os autores, a govemança global depende, de um lado, das capa-
cidades materiais e conhecimento (normativo, ideológico, técnico e científico)
e, de outro, da legitimidade (aceitação do direito de julgamento sobre as co-
munidades relevantes) e da justiça (prestação de contas, representação e res-
ponsabilidade).

Tabela 5 .1 Construção epistêmica da governança global.

Capacidades Materiais Conhecimento


Legitimidade Autoridade Validade Epistêmica
Justiça Boas práticas Razão Prática
FoNre: Adler e Bernstein (2004).

O cruzamento de capacidades materiais com legitimidade leva à questão


da autoridade, ou seja, como as instituições internacionais têm legitimidade de
govemança sobre determinado tema se falta a elas a capacidade coercitiva que
os Estados continuam a manter? A resposta estaria na construção de normas,
valores, crenças e definições socialmente construídas que investissem este con-
senso em uma autoridade política.
Os diversos temas de govemança são baseados em conhecimentos espe-
cíficos sobre determinado assunto. A legitimidade da "verdade" sobre aquele
tema depende da formação de consensos dentro das comunidades epistêmicas
formadas ao nível transnacional, ou seja, a legitimidade sobre o conhecimento
é dada pela validação epistêmica.
Toda concepção epistêmica tem um elemento normativo na medida em
que aponta o que é correto ou não fazer em determinado tema. Esse compo-
nente normativo pode indicar algo que é justo, correto, em nível internacional
e, portanto, estabelece as boas práticas em tomo de determinado tema. Assim,
por exemplo, o FMI produz normas de boas práticas na administração pública,
106 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfati

como a defesa da responsabilidade fiscal. Estados que tendem a ser perdulários


tendem a gerar economias instáveis, portanto, trata-se de uma prática justa a
defesa da responsabilidade fiscal.
Finalmente, relacionada às boas práticas está a razão prática, ou seja, para
a determinação do que é o correto a ser feito por todos os membros de uma co-
munidade, é preciso que seja construída uma lógica interpretativa epistêmica.
Dessa forma, vemos que a construção de boas práticas depende do estabele-
cimento de razões práticas, ou seja, de uma validação epistêmica sobre o que
seria o correto diagnóstico de um problema e sua solução.
Dentro desse contexto teórico, quanto mais técnico for um produto ou ser-
viço de uma EMN, mais ela necessitará e buscará a legitimidade junto a uma
comunidade epistêmica. Veja que, no debate sobre os transgênicos, o posicio-
namento da comunidade epistêmica é fundamental em questões como segu-
rança dos produtos em relação a ecossistemas, seres humanos, processo de
aprovação de novas sementes, comercialização dos produtos etc.
O relacionamento entre as EMNs e as comunidades epistêmicas se dá de vá-
rias formas, entre as quais a contratação de profissionais exclusivamente para
discutir tecnicamente os produtos com a comunidade epistêmica, prática esta
bastante comum na indústria farmacêutica através de farmacêuticos e médicos
contratados pelas EMNs; promoção de congressos e feiras, patrocínio a pesqui-
sas independentes em universidades, distribuição de prêmios científicos etc.
Logicamente, quanto mais próximo for o relacionamento das EMNs com as
comunidades epistêmicas e quanto mais ela mesma for produto de elementos
notórios de uma comunidade (como várias empresas que desenvolvem pro-
dutos biotecnológicos), maior poderá ser o poder brando da empresa apoiado
pela legitimidade dada por esta comunidade epistêmica.
O apoio da comunidade epistêmica, ou de parte substancial dela, pode ser
fundamental na batalha regulatória em Estados nacionais específicos, assim
como no fronte intergovernamental refletido em locais como a UE e a OMC.
Talvez, a relação entre as EMNs e as comunidades epistêmicas seja uma
das facetas mais importantes do poder brando dessas empresas. Arts (2003)
identifica esta relação como parte do poder discursivo, entendido como a ca-
pacidade de reformular o discurso de uma outra parte.
Uma faceta importante dessa relação são as think-tanks criadas e sustenta-
das por grandes corporações. Stone (in JOSSELIN; WALLACE, 2001, p. 114)
define uma think-tank como uma instituição de pesquisa, usualmente estabe-
lecida como organização sem fins lucrativos e relativamente independente dos
Estados, mercados ou outros interesses na sociedade. Somente nos Estados
Unidos há mais de 1.200 e no Oeste europeu, pelo menos 200. Muitas dessas
instituições têm relações muito fortes com interesses empresariais e sua agen-
da de pesquisa é bastante relacionada com o interesse 'dos doadores.
A dimensão sociedade 107

Como o mesmo autor nota, as think-tanks são importantes atores (espe-


cialmente do ponto de vista das EMNs) , pois elas podem influenciar as agen-
das públicas e da mídia, o que é entendido como a capacidade de despertar a
atenção da opinião pública (através da mídia) e dos tomadores de decisão a
partir dos pronunciamentos de "especialistas" em determinado tema; são res-
ponsáveis pela formulação, transferência e legitimação de políticas, a partir de
estudos que são direcionados, a favor ou contra, a determinadas leis (nos ca-
sos nacionais) e tópicos em discussão em negociações multilaterais, como na
OMC 13 ou UE; finalmente, o papel de monitoração e avaliação de acordos em
contextos multilaterais refere-se à ação de acompanhamento da implementa-
ção dos acordos e à investigação dos resultados gerados por esses acordos.
São diversos os exemplos de think-tanks com fortes relações com as EMNs
e com grande atuação transnacional. Um dos mais importantes na Europa é o
Center for European Policy Studies (CEPS), 14 que tem um marcante trabalho
em defesa dos interesses corporativos em debates sobre mudanças climáticas.
Outra organização, baseada em Bruxelas e focada nos interesses corporativos
relativos ao debate sobre aquecimento global, é o Intemational Council for Ca-
pital Formation (ICFF). 15 O Brasil ainda possui poucas think-tanks, mas uma
das mais atuantes e eficientes é o Instituto de Estudos de Comércio e Negocia-
ções Internacionais (ICONE), 16 que devota grande energia à questão agrícola no
contexto de negociações multilaterais na OMC, ALCA e MERCOSUL.

Quadro 5.3

Diretrizes da OECD para Empresas Multinacionais


1. Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental com o propósi-
to de chegar ao desenvolvimento sustentável.
2. Respeitar os direitos humanos daqueles envolvidos nas atividades destas
empresas, consistentes com as obrigações e os compromissos internacio-
nais do governo hóspede.
3. Estimular o fortalecimento das capacidades locais, através de uma es-
treita cooperação com a comunidade local, incluindo interesses empre-
sariais, bem como a expansão das atividades da empresa nos mercados
doméstico e internacional, compatíveis com a necessidade de boas prá-
ticas comerciais.

13 No caso da OMC, muitos desses trabalhos podem ser acessados no site < http:// www.wto.
org/english/ forums_e/ngo_e/pospap _e.htm > , visitado em_10/7/ 2005.
11
' Veja < http://www.ceps.be > , visitado em 10/7/ 2005 .
15
Veja < http:// www.iccfglobal.org> , visitado em 10/7/2005 .
16
Veja < http://www.iconebrasil.org.br> , visitado em 10/7/ 2005.
108 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sa rfat i

4. Incentivar a formação do capital humano, criando em particular oportuni-


dades de empregos e facilitando o acesso dos trabalhadores à formação
profissional.
5. Abster-se de procurar ou aceitar isenções que não constem do quadro es-
tatutário ou regulamentar em relação ao meio ambiente, à saúde, à segu-
rança, ao trabalho, aos impostos, aos incentivos financeiros ou a outras
questões.
6. Respaldar e manter bons princípios de governança corporativa, e desen-
volver e aplicar boas práticas de governança corporativa.
7. Desenvolver e aplicar práticas auto-reguladoras eficazes e sistemas de ges-
tão que fomentem uma relação de confiança mútua entre as empresas e
as sociedades nas quais realizam suas operações.
8. Promover a sensibilização dos trabalhadores quanto à política empresarial
mediante a apropriada difusão desta política, recorrendo inclusive a pro-
gramas de formação profissional.
9. Abster-se de ação discriminatória ou disciplinar contra os empregados que
fizerem relatórios sérios à diretoria ou, quando apropriado, às autoridades
públicas competentes, sobre as práticas que transgridem a lei, as Linhas
Diretrizes ou a política empresarial.
1O. Encorajar, quando possível, os sócios empresariais, incluindo provedores
e serviços terceirizados, a aplicarem princípios de conduta empresarial
consistentes com as Linhas Diretrizes.
11. Abster-se de qualquer envolvimento abusivo nas atividades políticas locais.

Checklist dimensão sociedade

Sua empresa:

• Possui uma política de responsabilidade social e ambiental alinhada


com a geração de valor ao negócio?
• Tem um mapeamento das ONGs do país em que a empresa está atuan-
do?
• Construiu uma estratégia para se relacionar .com as ONGs globalmente
e localmente?
• Mantém contato com a comunidade acadêmica envolvida em questões
de interesse de seu negócio?
6
A Dimensão Informação

dimensão informação é complementar às dimensões mercado, gover-

A no e sociedade. Em um mundo em que percepção é realidade, sem uma


excelente estratégia de comunicação é impossível que as empresas te-
nham sucesso nos negócios internacionais. O poder de persuasão é o exercí-
cio do poder brando que a empresa exerce para ganhar os corações e mentes
dos stakeholders.
Entretanto, esta arte é exercida através de canais sobre os quais a empresa
não tem controle - aliás, cada vez tem menos controle dada a expansão da Web
como um grande veículo de comunicação. Não só sites de informação mas blogs
e até mesmo comunidades no Orkut podem afetar a reputação de uma empre-
sa. Basta um empregado insatisfeito ou um boateiro na Internet (hoaxer) e a
empresa pode ter um prejuízo de milhões de reais. Como se não bastassem os
múltiplos canais de comunicação as empresas multinacionais, em geral, estão
sob o spot, são percebidas como gigantes sedentas por lucros que não se impor-
tam com a comunidade e com os seus funcionários.
É lógico que a maior parte das empresas não se encaixa neste perfil, mas,
como percepção é realidade, não custa insistir, é preciso agir estrategicamente
para buscar moldar as percepções e estar pronto para gerenciar crises que po-
dem surgir em função de boatos que rapidamente se espalham pela Internet (o
boca-a-boca ao revés).
Nesse sentido, a comunicação empresarial não pode ser vista como uma
atividade privativa de departamentos de relações públicas, relações com in-
vestidores, marketing ou uma empresa terceirizada de assessoria de imprensa.
Todo diplomata corporativo deve se preocupar com a forma com que a empre-
sa é percebida em cada uma das dimensões da política externa corporativa se
quiser levar a empresa ao sucesso internacional.
Todos os profissionais que apóiam a comunicação empresarial podem rea-
lizar com muitq mais eficiência o seu trabalho a partir de uma relação saudá-
11 O Manua l de Diplomacia Corporativa • Sarfaci

vel com o quadro executivo que concebe a batalha pela informação como um
instrumento estratégico de desenvolvimento da empresa.
A dimensão informação parece que é muitas vezes negligenciada por mui-
tas empresas que acabam vendo-a como um apêndice de atividades de marke-
ting e se equivocam ao não atribuir valor estratégico à comunicação. E por que
ela é tão importante? Todo o negócio de uma empresa, assim como sua carrei-
ra, é fundado em sua credibilidade.
Esta credibilidade é sustentada através de três parâmetros: identidade,
imagem e reputação. Segundo Argenti (2006), a identidade é a manifestação
visual de como a empresa se vê e é transmitida através de seu nome, logomar-
ca, folhetos, uniformes, produtos e serviços. Já a imagem diz respeito à forma
com que a empresa é percebida pelos seus diferentes públicos, o que, em nosso
caso, se reflete nas dimensões mercado, governo e sociedade. Estas percepções
podem ser dissonantes à medida que, por exemplo, uma empresa pode ser per-
cebida como eficiente pelo mercado, com desconfiança pelo governo e com re-
chaço por parte da sociedade civil.
Embora as imagens possam ser dissonantes, a identidade da empresa tem
que ser única. Portanto, em um sentido estratégico, é preciso trabalhar a percep-
ção da empresa, em cada uma das dimensões, para cada país em que ela atua.
Já a reputação se diferencia da imagem por ser construida ao longo do
tempo e não apenas pela percepção em um curto espaço de tempo. Além dis-
so, a reputação de uma empresa não está baseada na percepção de apenas um
público e sim de todos eles. Empresas com reputação sólida tendem a ter mais
facilidade de atrair e reter talentos, conseguir e manter clientes e abrir as por-
tas chaves dos governos nacionais. Da mesma forma, reputações sólidas podem
virar pó em instantes, como ocorreu no colapso da Enron em 2001, que levou
junto a sua empresa de auditoria, a Andersen (ARGENTI, 2006, p. 97-99).
É importante também que o diplomata corporativo se dê conta de que a
comunicação sempre acontece em um contexto cultural. É pouco provável que
você, como brasileiro, compreenda profundamente a mente de um chinês, um
italiano ou um árabe marroquino, a não ser que tenha morado em algum des-
tes países por um bom tempo. Mesmo que você fale o idioma do país, ainda é
impo'rtante se valer de pessoas de confiança que vivam lá para evitar proble-
mas sérios de comunicação.
A relação com as dimensões informação e as dimensões mercado, socieda-
de e governo da PEC devem ser definidas passo a passo de acordo com o se-
guinte roteiro:

t
A dimensão informação 111

Quadro 6.1

Roteiro para definição da dimensão informação

1. Definição dos públicos nas dimensões mercado, sociedade e governo.


2. Diagnóstico de percepções dos públicos.
3. Determinação dos objetivos de comunicação em cada dimensão (como
queremos ser vistos?).
4. Divisão de papéis - quem transmite a mensagem?
5. Div(~o de meios - quais os melhores meios de comunicação para atingir
o objetivo em relação a cada público?
6. Definição de recursos - quais recursos físicos e financeiros serão destina-
dos para cada canal?
7. Qual a política de monitoramento e resposta - como monitorar e corrigir
percepções?

Em primeiro lugar, é preciso definir quem exatamente é o público em cada


urna das dimensões (em cada país), em seguida levantar qual a percepção
atual destes públicos sobre a empresa. O passo seguinte é, através dos obje-
tivos estratégicos definidos pela PEC em cada dimensão, identificar corno a
empresa deseja ser percebida em cada urna das dimensões. Após as definições
estratégicas é preciso passar a definições práticas, corno quem dentro da em-
presa comunica o que e para quem. Junto com isso define-se também quais os
recursos destinados a cada meio (de acordo com as prioridades da empresa),
bem corno a política de monitoramento e resposta a questionamentos e crises
em cada urna das dimensões.

A comunicação da imagem

A atividade do marketing e departamentos correlatos é construir o meio


para um processo positivo de identificação da empresa com todos os níveis mer-
cadológicos e políticos de um país. Esse meio é o poder brando da empresa para
atingir o fim de urna identificação positiva entre a empresa, o Estado e os con-
sumidores; o que, em última instância, colabora para a satisfação do interesse
dos acionistas de lucratividade da empresa nos prazos curto, médio e longo.
O desenvolvimento público da imagem de urna empresa está diretamente
associado com o trabalho desenvolvido pelo seu departamento de marketing.
Em algumas empresas, pode estar relacionado também com as diretorias de
relações públicas, relacionamento com mercado e relações internacionais (em
todos estes casos busca-se construir e defender a imagem institucional da em-
presa e desenvolver um relacionamento com os clientes e órgãos governarnen-
112 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

tais baseado nessa imagem). Em tempos de globalização, o marketing tem a


difícil tarefa de criar uma imagem global para a empresa, ao mesmo tempu-em
que cria produtos e serviços que satisfaçam aos desejos específicos dos consu-
midores locais. O marketing global é produto da globalização dos mercados,
como nota Levitt (1983).
O marketing normalmente está associado a todas as estratégias corpora-
tivas relativas ao mercado (HILL, p. 2003). Em um senso bastante amplo, o
marketing inclui pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, publicidade,
logística de vendas, precificação, controle de vendas etc. Na década de 1960, o
marketing ficou largamente associado aos chamados 4fs (Produto, Preço, Lo-
calização -Place- e Promoção). Normalmente, as estratégias de marketing das
empresas giram em torno desses 4Ps, originando estratégias modernas como
os chamados "marketing cultural" (atrelar a imagem da empresa à cultura),
"marketing de relacionamento" (conjunto de estratégias de relacionamento di-
reto com o cliente) etc.
Em termos globais, as empresas devem buscar o melhor "mix de marke-
ting" associado com a sua categoria de produto e serviço. O mix de marketing
está associado às escolhas dos atributos, estratégia de distribuição, estratégia
de comunicação e estratégia de preço para um mercado específico (em outras
palavras, os 4Ps)(HILL, 2003, p. 686).
Como dissemos, o mix de marketing de uma empresa deve ao mesmo tem-
po construir uma imagem global para a empresa e um relacionamento pró-
ximo com o mercado consumidor de determinado país ou região. 1 Portanto,
cada empresa deve montar uma estratégia, produto a produto, serviço a servi-
ço, globalmente e localmente, que responda aos seguintes itens (HILL, 2003,
p. 570-598):

• segmentação de mercado - para quem é direcionado o produto ou ser-


viço? Homens de 45 a 55 anos das classes NB (para vender um Toyo-
ta Corolla, por exemplo). Mulheres negras (várias linhas das empresas
Unilever, como Lux, condicionadores etc.);
• atributos do produto - a relação do conteúdo de um produto com o
' consumidor a que se dirige determinado produto ou serviço (a Uni-
lever, por exemplo, desenvolveu produtos que atendam às necessi-
dades de cabelo e pele das mulheres negras). Alguns elementos que
podem influenciar as escolhas de atributos são: cultura (gostos lo-
cais), desenvolvimento econômico (produtos que atendam ao nível
de vida local), padrões técnicos (regras locais sobre padrões técnicos
dos produtos);

1
Daí a famosa expressão "Pense globalmente e aja localmente".
A dimensão informação 113

• estratégia de distribuição - diz respeito a como o produto chega ao


consumidor, ou seja, os canais de distribuição, envolvendo alternativas
como venda direta, através de distribuidores, representação etc.;
• estratégia de comunicação - diz respeito aos meios de comunicar-
se com o consumidor ou cliente. Em nível básico, as empresas de-
vem escolher entre estratégias push - que significa a promoção em
um relacionamento direto com o consumidor/cliente - ou estratégias
pull - que significa a promoção através da mídia de massa. Um dos
principais bloqueios à comunicação efetiva em escala global são as di-
ferenças culturais;
• estratégia de preços - diz respeito ao preço em que o produto é vendi-
do em diferentes mercados, adequando o mesmo aos perfis dos consu-
midores em cada um dos mercados (discriminação de preços).

O poder brando mais antigo e reconhecível das EMNs é a identificação


do consumidor com a marca da empresa. Um dos elementos fundamentais da
estratégia de marketing de qualquer empresa é criar o chamado brand aware-
ness, 2 ou seja, o reconhecimento público em relação a uma marca. Fundamen-
talmente, as empresas buscam tomar suas marcas reconhecidas, pois isso criam
uma diferenciação em relação às outras empresas, possibilitando não só se so-
brepor à concorrência, mas também garantir a credibilidade junto ao consumi-
dor para que as linhas futuras de produtos sejam continuamente adquiridas,
uma vez que o consumidor respeita e gosta do estilo de determinada marca.
A identificação do consumidor com a marca é um dos elementos impor-
tantes do poder brando da empresa; entretanto, a imagem da empresa como
um todo é formada por outros fatores que regularmente vêm sendo utilizados
3
pela revista Fortune para identificar as empresas mais admiradas do mundo.
Os fatores são os seguintes:

• qualidade de produtos e serviços;


• marcas fortes e desejadas pelo mercado;
• inovação;
• qualidade de administração;
• qualidade de ambiente de trabalho e desenvolvimento profissional;
• solidez financeira;
• responsabilidade comunitária e ambiental;
• compromisso com o desenvolvimento do país.

2 Veja < http://www.onpoint-marketing.com/brand-awareness.htm > , visitado em 27/3/2005.


3 No Brasil a pesquisa é conduzida pela empresa Interscience.
114 Manua l de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Esses elementos, que dizem respeito à imagem pública da empresa e que


vão além do relacionamento com o consumidor final do produto ou serviço,
podem também estar associados à construção de uma identidade corporativa
positiva em relação a um determinado Estado. Se o marketing fundamental-
níente é o meio com que uma empresa constrói sua identidade principalmente
ao nível micro, é preciso somar a isso, ao nível macro, a construção da imagem
institucional da empresa.
Vejamos, por exemplo, a imagem que a Monsanto busca construir aqui no
Brasil: 4

"Visão: Alimentos em abundância em um meio ambiente saudável.


Missão: Trabalhamos no sentido de oferecer produtos e soluções para
os produtores de alimentos e ajudá-los a alcançar seus objetivos de
forma a:
• preencher as crescentes necessidades de alimentos e fibras;
• preservar os recursos naturais;
• melhorar o meio ambiente."

A empresa busca passar para o conjunto da sociedade brasileira, o que in-


clui o governo e o Congresso, a mensagem de que seus produtos podem con- ,
tribuir para o desenvolvimento econômico do país (diminuição dos custos do
complexo agribusiness), ao mesmo tempo em que a meta política de erradica-
ção da fome possa ser atingida através da ciência, e tudo isso com a garantia
de respeito ao meio ambiente (a imagem de politicamente correta).
Esta imagem institucional é descrita em mais detalhes pelo presidente da
empresa no Brasil, Richard Greubel: 5

"Imagine um mundo com mais alimentos e mais saúde para todos. É


com essa motivação que trabalhamos no cotidiano da Monsanto do
Brasil. Nosso ponto de partida para a concretização desse ideal está
dentro da própria companhia e se estende de modo harmônico em todo
o seu entorno. Sabemos que aplicar recursos para garantir a saúde, a
capacitação e a educação dos funcionários, a prevenção de acidentes e
a preservação do meio ambiente, significa investir no futuro de nossos
profissionais, da comunidade é da companhia.
Avançamos na contribuição para a preservação ambiental por vários
meios, desde a redução do descarte de resíduos de nossas operações e

4
Site da empresa < http://www.monsanto.eom.br/monsanto/mundo/visao/mo_visao.asp >, vi-
sitado em 27/3/2005.
5
Carta do presidente in Perfil Monsanto do Brasil - um novo olhar para o Brasil (2003).
A dimensão informação 11 S

a economia no uso de recursos naturais, até o apoio a projetos agríco-


las externos. Nesse caso, um exemplo é o patrocínio e o envolvimen-
to da Monsanto em projetos de plantio direto na região dos Cerrados,
que propiciam oportunidades de recuperação das atividades rurais em
locais antes expostos à erosão.
A unidade de Camaçari (BA), a maior unidade de agroquímicos da
Monsanto fora dos EUA, foi inaugurada em dezembro de 2001 e supe-
rou todos os desafios impostos a uma fábrica em início de atividades.
Mostrou-se confiável, estável e com boa produtividade. Em seu primei-
ro ano, somou exportações de US$ 180 milhões para a Argentina e a
Bélgica e, assim, reverteu o fluxo comercial da companhia e do Brasil
em US$ 330 milhões, pois sua produção evitou que se importassem
outros US$ 150 milhões em matérias-primas. O sucesso da unidade de
Camaçari veio somar-se aos das operações consolidadas em São José
dos Campos (SP) e Uberlândia (MG), nossos principais pólos de pro-
dução no Brasil, entre as diversas unidades espalhadas pelo país. A fá-
brica de São José dos Campos foi selecionada, recentemente, como a
fornecedora global da Monsanto em formulações granuladas de Roun-
dup WG e está exportando produtos para 20 países.
No âmbito administrativo, promovemos ajustes internos, que resulta-
ram na melhoria da satisfação dos clientes, dos funcionários e, também,
dos negócios. Um exemplo dos resultados está no fato de que a Mon-
santo foi eleita, pelo quarto ano consecutivo, entre as '100 Melhores
Empresas para se Trabalhar no Brasil', em pesquisa da revista Exame.
Tomamos, ainda, a decisão de ampliar o diálogo com todos os públicos
interessados em conhecer os negócios e o desempenho da companhia.
Todas essas providências e seus resultados estão inspirados nos princí-
pios do Cómpromisso Monsanto, expressos no diálogo, na transparên-
cia, no respeito às culturas regionais, no compartilhamento dos nossos
conhecimentos e no fornecimento de benefícios aos agricultores."

Veja que a estratégia da empresa é passar a imagem de comprometida com


o desenvolvimento do país, ao mesmo tempo em que cumpre o papel social
de geração de empregos e o econômico, de exportações diretas e indiretas via
crescimento do agribusiness. Ou seja, se considerarmos ainda o investimento
em Camaçari (BA), São José dos Campos (SP) e Uberlândia (MG), que gover-
nante poderia contestar o compromisso da empresa com o país? Na inaugura-
ção da fábrica em Uberlândia esteve presente o então governador Itamar Fran-
co,6 e na de Camaçari, o então vice-presidente Marco Maciel, o governador

6
<http://www.estadao.eom.br/agEstado/noticias/2001/mai/02/74.htm>, visitado em
27/3/2005.
116 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

César Borges e o senador Antônio Carlos Magalhães/ demonstrando o apoio


das autoridades públicas à empresa.

As relações públicas

No item de táticas ligadas ao poder estrutural, comentamos que as em-


presas de relações públicas ajudam as corporações a construir campanhas de
lobby, sejam nacionais sejam transnacionais. Entretanto, a atividade de lobby é
apenas uma parte dos serviços oferecidos pelas grandes empresas de relações
públicas. O papel fundamental dessas empresas está ligado à preservação e
construção da imagem das empresas.
O papel dessas empresas pode ser bem compreendido pela missão da Edel-
man, uma das maiores empresas do ramo no mundo.

"Nossa missão é prover aconselhamento em relações públicas e servi-


ços de comunicação que permitam nossos clientes a construir fortes
relacionamentos e a influenciar atitudes e comportamentos em um
mundo complexo."ª

Ou seja, fundamentalmente o papel dessas empresas é ajudar as EMNs a


potencializarem o seu poder brando. É interessante notar, por exemplo, que
uma das divisões da Edelman é voltada para ajudar as empresas a se comuni-
carem com segmentos específicos da população, como homossexuais e hispâ-
nicos (divisão de diversidade).
O trabalho de relações públicas é fundamental na construção e manuten-
ção do poder brando de qualquer empresa. Muitas corporações maRterfi o seu
próprio departamento de relações públicas, que pode, ou não, se relacionar
com outras empresas privadas de relações públicas.
Para as grandes EMNs, há uma necessidade contínua de trabalho em rela-
ções públicas, muito além da assessoria de impressa e de pequenas campanhas
para o gerenciamento de crises. 9 Ou seja, essas empresas necessitam continua-
mente desenhar estratégias de promoção da imagem que possam contribuir
para a sustentabilidade no longo prazo dos negócios da corporação.
É importante notar que o trabalho de relações públicas normalmente não
está associado com a diplomacia corporativa. Ou seja, esses executivos não de-
sempenham essas atividades, mas contam com o forte desenvolvimento das re-
lações públicas para que suas atividades sejam melhor desempenhadas.

7
< http://www.horizontenet.com.br/gen_mostra_noticia.php?cod_noticia=69 > , visitado em
27/ 3/ 2005.
8 Veja < http://www.edelman.com/about_us/mission/>, visitado em 09/7/2005.

9 Administração da imagem da empresa em situações de crise, como acidentes na produção,

contamjnações, atos terroristas em instalações da corporação etc.


A dimensão informação 117

A educação pública

A educação pública é uma forma de ganhar a simpatia da sociedade civil


e de tomadores de decisão através de campanhas que defendem o ponto de
vista corporativo sobre determinado tema do debate local ou intemacional. 10
A construção de uma campanha de advocacy usa as mesmas técnicas de seg-
mentação de mídia utilizada para campanhas de marketing de produtos. Ou
seja, para cada campanha é construído um mix de mídias que inclui vídeos, hot
sites, propagandas em TV e rádio, folders e cartilhas, entre outros meios de co-
municação. Além disso, muitas campanhas têm uma segmentação de público,
buscando atrair diretamente crianças em idade escolar, jovens universitários,
chefes de família de determina região e assim por diante.
Rowlands (in JOSSELIN; WALlACE, 2001, p. 143) nota que a Greening
Earth Society, fundada pela Associação Norte-Americana de Combustíveis, lan-
çou uma campanha antes, durante e depois da Conferência de Kyoto, defen-
dendo que uma nova era de abundância agrícola surgiria dobrando a concen-
tração atmosférica do dióxido de carbono. 11
Korten (2001, p. 157) mostra que a Mobil, nos Estados Unidos, colocou
anúncios no The New York Times para promover suas visões através de um mó-
dulo curricular para ajudar os estudantes a avaliar os benefícios do NAFTA. Já
a General Motors fez um vídeo distribuído às escolas chamado ''A terra precisa
de mim e eu preciso da terra", promovendo a reciclagem do óleo dos carros.
A Monsanto oferece cursos e dá apoio a agricultores para construção de
fazendas que sejam ecologicamente corretas e financeiramente sustentáveis. 12
Já a Shell defende o papel da iniciativa privada para a diminuição da pobreza
na África. 13

Checklist dimensão Informação

Sua empresa:

• Possui uma política de informação alinhada estrategicamente com os


objetivos em relação a todos os stakeholders?
• Tem um mapeamento de como a empresa é vista pelos stakeholders?
10
Este tipo de campanha é conhecido como advocacy em inglês.
11
Esta argumentação pode ser vista no vídeo The Greening of the Planet Earth. A transcrição de
alguns trechos do vídeo pode ser vista em < http://www.greeningearthsociety.org/transcript.
html > , visitado em 9/7/2005.
12
Veja < http://www.monsanto.com/monsanto/content/ media/pubs/2004/ pledgereport-glo-
bal.pdf>, visitado em 9/7/2005 .
13
Veja < http://www.shell.com/static/media-en/downloads/speeches/jvdv_africa.pdf> , visita-
do em 9/7/2005 .

...
118 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

• Tem claramente definidos os papéis na comunicação empresarial, in-


cluindo o papel da diplomacia corporativa?
• Mantém contato direto com jornalistas (além da assessoria de impren-
sa, contato dos executivos com a imprensa)?
7
A Definição dos Objetivos
da Política Externa Corporativa

7 .1 Avaliação da Sensibilidade Dimensional Corporativa

Como já apontamos, a dimensão mercado da PEC corresponde a tradicio-


nais decisões de atuação internacional de qualquer empresa. Assim, de uma
forma ou de outra, corresponde a uma visão tradicional de negócios interna-
cionais que exclui, em especial, o impacto das dimensões sociedade e governo.
Ou seja, o valor gerado na dimensão mercado pode ser parcialmente perdido
caso estas outras dimensões sejam subestimadas.
Dessa forma, na atuação nos negócios internacionais passa a ser importan-
te avaliar o grau de sensibilidade dimensional que o negócio da empresa tem.
Aqui, definimos a sensibilidade como o grau de influência de um fator dos ne-
gócios internacionais: o quão rápido alterações neste fator trazem mudanças
custosas para a empresa.
Para mensurar o grau de sensibilidade desenvolvemos um instrumento
chamado de análise da sensibilidade dimensional corporativa. Esta análise
deve ajudar a diplomacia corporativa a formular os objetivos da PEC e orientar
a gestão e o monitoramento destas dimensões.
Cada dimensão é avaliada em separado através de fatores de sensibilidade
específicos de cada dimensão que podem ser inerentes ao setor de atuação da
empresa, característicos do tipo de produtos ou serviços que a empresa desenvol-
ve e relativos a um país específico em que a empresa pretende atuar ou já atua.
Cada fator de sensibilidade é avaliado em torno de uma escala de seis
pontos, indo de "nenhuma sensibilidade" (-3) até "altamente sensível" ( +3).
A escala negativa indica uma zona de baixa sensibilidade ao fator enquanto a
positiva indica uma zona de alta sensibilidade ao fator:

- 3 = nenhuma sensibilidade
- 2 = baixa sensibilidade
120 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sa rfa ti

- 1 = ligeiramente sensível
1 =média sensibilidade
2 =média-alta sensibilidade
3 = alta sensibilidade

O ideal é que os fatores sejam identificados em conjunto entre aqueles en-


volvidos com a diplomacia corporativa através de um processo de brainstor-
ming e seleção posterior das variáveis.
Após a determinação dos fatores de sensibilidade, cabe atribuir pesos a
cada um. Isto porque, logicamente, cada fator impacta de forma distinta a ca-
deia de valor empresarial.
Para melhor compreendermos a utilização deste instrumento, segue uma
análise prática conduzida para urna multinacional do setor farmacêutico no
Brasil. Trata-se de uma EMN que tem um portfólio amplo de produtos susten-
tado pelo lançamento de drogas de última geração.
A primeira dimensão analisada foi a de mercado. Neste caso os fatores de
sensibilidade utilizados foram baseados nas cinco forças de Porter. De acordo
com a avaliação desta empresa vemos que no fator fornecedores há uma bai-
xa sensibilidade, já que a empresa não depende dos fornecedores que, em sua
maior parte, são empresas de pequeno porte.
O mesmo pode-se dizer a respeito da dimensão consumidores. As farmá-
cias dependem da determinação de preços deste fabricante já que não têm op-
ções para substituir suas principais drogas que são receitadas pelos médicos
que procuram soluções avançadas para o problema de saúde de seus pacientes.
O resultado é que os consumidores dependem totalmente do fabricante.
Sobre a questão de ameaça de novos entrantes, o setor inteiro é caracteri-
zado por alta barreira de entrada dado o elevado nível de investimento reque-
rido para o desenvolvimento de novas drogas. Por outro lado, o fim de período
de proteção da patente faz com que as drogas entrem em um ciclo de baixa
rentabilidade em um tempo relativamente rápido (comparado ao tempo cada
vez maior gasto na pesquisa e desenvolvimento). Nesta fase, as drogas passam
a ter baixa margem dada a entrada de competidores genéricos, segmento este
que apresenta uma barreira relativamente baixa de entrada.
Dessa forma, praticamente não se observa um efeito substituição no pe-
ríodo coberto pelas patentes mas, quando o período expira, há uma entrada
massiva de genéricos.
Finalmente, o fator mais crítico na dimensão mercado é a questão de riva-
lidade entre os competidores. O setor farmacêutico é altamente oligopolizado,
exatamente por causa do elevado nível de investimento requerido na pesquisa
e desenvolvimento de novas drogas. O lançamento de novas drogas patentea-
A defi nição dos objetivos da política externa corporativa 121

das é a principal fonte de diferenciação entre as empresas, pois, findo o pe-


ríodo de proteção, a concorrência é baseada em preço e sustentação da marca.
Esta característica faz com que o intenso processo de aquisições e fusões que já
ocorreu na indústria ainda não tenha se esgotado.
Resumindo, de acordo com a Tabela 7.1, podemos observar que a dimen-
são mercado encontra-se levemente na zona de baixa sensibilidade. Isto indi-
ca que, do ponto de vista estratégico da PEC, cabe apenas continuar a gerir os
produtos e a marca estando especialmente atento à movimentação dos com-
petidores principalmente no jogo de aquisições e fusões, no qual, logicamente,
esta empresa também poderia se engajar.

Tabela 7 .1 Sensibilidade Mercado.


Baixa Sensi bilidade AH li Sensibilidade
Peso Nota Comentários
Fa to res -3 -2 -1 +1 +2 +3 Fatores Va lor
(1 a 3) ponderada
Não é d e- Altamente Os insu mos da empresa
pendente de X dependente de -2 1 -2 são de relativo fácil acesso,
fornecedores fornecedores com muitos fornecedores
Não é de- Altamente Consumidores são depen-
pendente de X depend ente de -3 2 -6 dentes do tipo de droga
co nsu midores con sumidores desenvolvida pela empresa
Nenhuma Alta ameaça de A entrada de novos com-
ameaça novos entrantes petidores é difícil dado a
X -2 2 --4
de novos barreira de investimento
entrantes •. necessário
Nenhuma . Alta ameaça de No curto prazo não
ameaça de substitutos há substitutos para as
X -1 3 -3 principais drogas, mas há
substitutos
'.·• '.
ameaça dos genéricos
Nenhuma ri- Alta rivalidade A competição na indústria
t';\/ 't,X
~~ ,.s:.·~· .,,
validade entre entre competi- é altíssi ma, o que estimula
3 4 12
co mpetidores :' dores processos de fu são e
... aquisições
Total bruto ,';:-1
,;
coluna
-3 --4 -1
·~ '·a
!",''!.:.: . ' -5 12 -3

Nota ponderada
- 0,2 5
da eta pa

A Tabela 7.2 demonstra que a avaliação da sensibilidade à dimensão go-


verno foi conduzida de acordo com três fatores: o nível de influência regulató-
ria que o governo exerce neste setor, o nível de intervenção legislativa em todas
as suas dimensões e, finalmente, o governo como comprador.
O primeiro fator, a influência regulatória, é considerado uma séria fonte
de pressão sobre a empresa. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sani-
tária) , através da CMED (Câmara de Regulação do Mercado e Medicamentos) ,
exerce controle de preços que tem comprometido a margem de alguns produ-
tos da empresa. Não bastasse o controle de preços, a empresa vem sofrendo a
ameaça do estabelecimento de licença compulsória sobre algumas drogas de
122 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

última geração que, no entender de algumas autoridades, dado o impacto so-


cial das drogas versus o seu alto custo, torna essencial que eles sejam declara-
dos de interesse público.
A ameaça de quebra de patentes compromete profundamente o desempe-
nho da subsidiária que, naturalmente, congelou alguns investimentos no país.
Dessa forma, vemos que a questão regulatória, para esta empresa em espe-
cífico, é um fator de alto impacto em sua cadeia de valor, correndo o risco de
comprometer todo o valor gerado na dimensão mercado.
Da mesma forma há uma séria pressão legislativa sobre o setor no senti-
do da ampliação dos genéricos e discussão de leis que favorecem quebras de
patente. A pressão legislativa no país acompanha o movimento internacional,
que tem tentado levar à discussão de propriedade intelectual na OMC o caráter
social de determinados medicamentos. Dessa forma, o movimento nacional e
internacional causa profunda preocupação na empresa.
Finalmente, na prática o governo é o principal cliente da empresa em ter-
mos de quantidades adquiridas e distribuídas a hospitais e postos de saúde.
Portanto, a política de compras governamentais tem alto impacto no resultado
final da subsidiária.
O resultado final desta dimensão é o alto grau de sensibilidade da empresa
ao governo.

Tabela 7.2 Sensibilidade Governo.


Baixa Sensibilidade
Peso Nota
Fatores -3 -2 -1 Valor Comentá rios
(1 a 3) ponderada
Ausência de A supervisão governa-
influência mental sobre o seto r é
3 3 9
regulatória um importante fator de
no setor pressão
Ausência de inter- Há uma forte atuação do
venção legislativa Legislativo no setor de
2 3 6
no setor saúde

Governo não é Governo não é o principal


principa l com- comprador das drogas
prador 2 2 4 da empresa, mas tem
importância significativa
nas vendas
Total bruto coluna O O O 7 8 19

2,4

De acordo com a Tabela 7.3 vemos que a avaliação de sensibilidade em


relação à sociedade foi conduzida em função de três fatores: impacto no meio
ambiente, impacto social e impacto na comunidade local.
A definição dos objetivos da política externa corporativa 123

Os impactos no meio ambiente na produção de medicamentos dizem res-


peito essencialmente aos resíduos derivados do processo de produção. No caso
da empresa, estes resíduos são estritamente controlados e acompanhados por
especialistas internos e externos à empresa. Como em todo processo industrial,
rião há como negar que haja algum impacto ao meio ambiente.
Os medicamentos em geral têm alto impacto social, pois dizem respeito ao
bem-estar da população. Logicamente, alguns medicamentos têm impactos mais
fortes do que outros, como no caso da AIDS ou tratamentos de câncer. No caso
específico desta empresa os medicamentos de ponta têm um impacto muito alto
ria sobrevida e cura em doenças complexas. Se, por um lado, isso é socialmente
positivo, por outro lado gera uma enorme pressão social para a quebra de pa-
rente advinda de grupos organizados da sociedade civil. Vários representantes
políticos têm inclusive se alinhado à tese dos movimentos sociais. Dessa forma,
o impacto social é extremamente alto e central no negócio da empresa.
Finalmente, a fábrica da empresa localiza-se em uma zona periférica do
interior, o que contribui para a geração de emprego local. A empresa não tem
grande impacto na comunidade, embora pudesse se aproximar mais dela com
programas de capacitação de mão de obra especializada.

Tabela 7 .3 Sensibilidade Sociedade.


Baixa Sensibilidade

Fatores -3 -2 -1 Valor Peso Nota Comentários


(1 a 3) ponderada
Atividade não Atividade gera
tem impacto no resíduos, mas não de
meio ambiente alto impacto ao meio
ambiente
Produtos não Medicamentos têm
têm impactos forte impacto na
3 2 6
sociais qualidade de vida da
população
Atividade não Atividade gera diver-
tem impacto sos empregos na re-
na comunidade gião, mas não é capaz
local de alterar o meio
Total bruto
coluna
o o o 5 4 8

Nota ponderada 2
da etapa

Finalmente, em relação à dimensão informação, a avaliação foi conduzida


em relação aos fatores: opinião pública, autoridades e ONGs.
O fator opinião pública na verdade reflete a dimensão mercadológica da
informação, ou seja, a empresa vende a idéia de saúde, portanto, o seu público
é altamente sensível a qualquer notícia negativa que possa ser veiculada sobre
a credibilidade de seus medicamentos. Portanto, é central ao negócio da em-
124 Manual de Diplomacia Corporati va • Sa rfati

presa o trabalho constante de molde de sua imagem junto a médicos e pacien-


tes e imprensa especializada.
Naturalmente, o setor de medicamentos é consideravelmente regulamen-
tado, entretanto, em relação às linhas de atuação da empresa, um mapeamen-
to de notícias e ação da ANVISA indica que a agência é consideravelmente
reativa. Quanto mais notícias sobre as linhas de negócio da empresa, maior a
pressão da agência. Dessa forma, a empresa tem que intensificar o trabalho de
bastidores e junto aos meios de comunicação, pois a carência de ação de infor-
mação em relação ao governo tem gerado pressões à empresa.
Finalmente, como notado na dimensão sociedade, a sociedade civil tem
pressionado as autoridades em relação à quebra de patentes. A comunicação
com a sociedade organizada tem sido falha, pois a empresa não tem dialogado
com as ONGs, que percebem de forma negativa a empresa (não os medicamen-
tos e sim os seus gestores). Esta negligência pode estar no cerne das fontes de
pressão a que a empresa tem assistido em diversas frentes e, portanto, é funda-
mental começar a pensar estrategicamente a relação com a dimensão socieda-
de, bem como a informação em relação a ela.

Tabela 7.4 Sensibilidade Informação.


Baixa Sensibilidade Alta Senslbllldade
Fatores -3 -2 - 1 Peso Nota
+1 +2 +li Fatores Valo r (1 a 3)
ponderada
Comentários

Opinião pública
não é sensível
1- f-,'f li Opinião pública é A empresa vende sa úde,

ao q ue oco rre ~·
:,"' :,- :t:'~
altamente sensível
ao que ocorre no
3 2 6
portanto, a opinião pú -
blica é altam ente afet ada
no setor setor pelas notícias do setor
1~,•','.
Autorid ades
fF·;, Auto ridades são As ações legai s das auto-

t~
não são sen- ,; altamente sensí- ridad es são consideravel-
síveis ao que veis ao que oco rre 2 3 6 m ente influ enciadas pela
ocorre no setor
j,i; t no setor ação informativa do setor
,.' e:. ,li, e pela imprensa
Pro paga nda !-, ·'.• -:,:!
Propaganda Cada vez m ais as ONG s
nega tiva de f\: :''".>~·, énegat iva das ONGs exerc em pressão sobre

. ~ij [~~
ONG não tem
'• altament e im- 2 2 4 o set o r, especialmente
im pacto na ~ ,. pactante na cadeia na sensível questão de
cadeia de valor - de va lor

o 1-0õ:.-, l""' 1
patentes
Total bruto f , .,
o o 7 2 16
coluna ~·.•
Nota ponderada
2,3
da etapa

A conclusão da análise é inequívoca: a empresa é altamente sensível ao


governo e sociedade especialmente através da dimensão informação. Este
diagnóstico demonstra os fatores centrais que devem ser analisados na cons-
trução da PEC para a empresa, que terá que ter uma bem desenhada política
em relação ao governo e sociedade complementada por uma estratégia inte-
grada de comunicação.
A definição dos objetivos da política externa corporativa 125

Como havíamos notado, a avaliação de sensibilidade acaba chamando a


atenção para aquilo que realmente é essencial na atuação de negócios interna-
cionais de uma empresa em relação a um país específico.

fab el a 7.5 Conclusão da avaliação de sensibilidade dimensiona l para uma


empresa farmacêutica .
Zona d e Baixa Sensibilidade -3 -2 -1 o +1 1 +2 1 +3 Zona de Alta Sensibi lidade
baixa sensibilidade ao mercado <{1,25 1 1 alta sensibilidade ao mercado
baixa sensibi lidade ao governo 1,4
·.
> alta sensibilidade ao governo
baixa sensibilidade à sociedade 2 >I alta sensibilidade à sociedade
baixa sensi bi lidade à informa çã o 2,3 > alta sensi bilidade à informação

7 .2 O Balanced Scorecard International (BSCi)

Conforme definido no Capítulo 3, a PEC é um conjunto de objetivos que


definem como uma empresa se relaciona com governos, mercado e sociedades.
Essa política deve ser desenhada para alavancar a posição global da empresa e
assegurar a defesa dos interesses dos acionistas.
Em outras palavras, a PEC articula os objetivos internacionais de uma em-
presa, dando especial atenção às dimensões consideradas prioritárias após a
construção de um amplo diagnóstico da posição da empresa em cada uma das
dimensões e a identificação da sensibilidade dimensional.
Com esses dados em mão, é hora de conduzir uma ampla discussão com
todos aqueles envolvidos no desenho da estratégia empresarial sobre quais de-
vem ser os objetivos da PEC em cada uma das dimensões.
Logicamente, a discussão de objetivos nas dimensões internacionais da
empresa não pode ser feita descolada dos objetivos estratégicos da corporação
como um todo.
Contemporaneamente muitas empresas vêm se utilizando do Balanced Sco-
recard como um instrumento de definição, ação e mensuração de estratégias. O
BSC é um método para obter consenso sobre onde uma operação deve chegar e
para assegurar que a mesma permaneça em curso. O conceito foi desenvolvido
por Robert S. Kaplan e David P. Norton em artigo de 1992 na Harvard Business
Review (OLVE; ROY; WETTER, 2001) .
Naturalmente isto é associado à idéia do planejamento estratégico. No en-
tanto, o BSC identifica os fatores financeiros e não financeiros para o sucesso
(futuro) da empresa e monta formas de mensurá-los constantemente.
Em primeiro lugar, devemos lembrar que o BSC substitui o tradicional pla-
nejamento estratégico das empresas, isto porque em seu processo de imple-
mentação se identificam os fatores chaves de sucesso da empresa no presente
e no futuro e como eles se inter-relacionam.
126 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sa rfati

No entanto, a grande vantagem é a já observada "mensurabilidade" de fa-


tores não financeiros. Afinal, os fatores financeiros mostram apenas o termô-
metro do paciente e não como ele chegou lá e como tirá-lo de lá. Estes são os
fatores não financeiros que ao final das contas trazem a longo prazo o valor
que o acionista espera.
E, como se diz em inglês, WHAT GETS MEASURED GETS DONE!
O BSC é resumido em quatro dimensões (veja a Figura 7.1): finanças,
clientes, processos internos e aprendizado e crescimento. A definição dos obje-
tivos em cada uma das perspectivas é alcançada com as seguintes questões:

• Finanças - para sermos bem-sucedidos financeiramente, como devería-


mos ser vistos pelos acionistas?
• Processos internos - para satisfazer a nossos acionistas e clientes, em
que processos devemos alcançar excelência?
• Clientes - para alcançar nossa visão, como deveríamos ser vistos pelos
clientes?
• Aprendizado e crescimento - para alcançarmos nossa visão, como sus-
tentaremos nossa capacidade de mudar e melhorar?

Finanças


Clientes Visão Processos
Estratégica _____
.__
Internos __.

Aprendizado e
Crescimento

Figura 7.1 As dimensões do BSC.

Resumidamente, a construção do BSC passa pelos seguintes passos:

1. definição da visão da empresa;


2. identificação dos fatores críticos para o sucesso em cada dimensão;
A definição dos objetivos da política externa corporativa 127

3. identificação das métricas para cada objetivo;


4. plano de ação para atingir os objetivos previamente definidos.

Desta forma, o BSCi acaba sendo um módulo complementar ao tradicional


BSC, onde são definidos os objetivos, métricas e ações nas dimensões da PEC:
mercado, governo, sociedade e informação.
Assim, seguindo a mesma linha do BSC, ternos que:

• Mercado - para sermos bem-sucedidos rnercadologicarnente, corno de-


veríamos ser vistos pelos clientes, fornecedores e concorrentes?
• Governo - para alcançarmos nossa visão de PEC, corno deveríamos ser
vistos pelo governo?
• Sociedade - para alcançar nossa visão de PEC, corno deveríamos ser
vistos pela sociedade?
• Informação - para alcançarmos nossa visão de PEC, corno sustentare-
mos reputação no mercado, governo e sociedade?

É importante notar que o BSCi tem dois níveis: macro e micro. O rnacronível
refere-se a objetivos, métricas e ações para sustentar a corporação em nível glo-
bal, enquanto que o rnicronível refere-se a objetivos, métricas e ações desenha-
das especificamente para cada país de atuação presente ou futura da empresa.
O rnacronível do BSCi alinha os objetivos das dimensões da PEC com os
objetivos estratégicos globais da empresa, enquanto que o rnicronível alinha os
objetivos da PEC em relação a cada um dos países em que a empresa atua, le-
vando em consideração portanto necessidades específicas locais.
Abaixo, resumidamente, ternos alguns elementos do rnacronível e do rni-
cronível do BSCi para urna empresa do setor de química fina:

BSCi Macronível - empresa de química fina


multinacional de origem brasileira
Perspectiva merca.do

Para sermos bem-sucedidos mercadologicamente, como deveríamos ser vistos


pelos clientes, fornecedores e concorrentes?

Neste caso, vemos que, em relação à dimensão mercado, a empresa consi-


derou corno objetivos fundamentais da PEC em nível global a transparência em
aquisições, um aprofundamento no relacionamento com fornecedores e maior
desenvolvimento da capacidade tecnológica. Estes objetivos devem ser cumpri-
128 Ma nua l de Diplomacia Corporativa • Sa rfati

Tabela 7.6
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Transparência Diminu ição globa l do Desenvolvimento de mecanismos
e eficiência nas custo de aqu isições em de leilão reverso habilitando
aquisições globa is 25% até 201 O globalmente fornecedores que já
vendem localmente para nossas
subsidiárias.
"Parceiros Aumento da receita do Estabelecimento de políticas de
globais" grupo em 35% até 2009 venda e preferência para empresas
multinacionais. Ou seja, se
queremos comprar globalmente é
natural que nossos grandes clientes
também o queiram.
Tecnologia de Aumento do Estabelecimento de quatro centros
ponta comprometimento regionais de P&D com projetos
de 10% para 15% independentes e cruzados.
da receita global da Contratação global de 30 PhDs.
empresa diretamente
destinados a pesquisa e
desenvolvimento.

dos em torno do estabelecimento de metas mensuráveis, como a diminuição do


custo global de aquisição em 25% até 2010. Já o campo iniciativa estabelece o
que e quem deve fazer o que para que os objetivos estabelecidos na forma de
métrica sejam cumpridos, como no primeiro caso, onde se estabelece um pro-
grama global de aquisição viabilizado através de leilões reversos via Internet.

Perspectiva governo

Para alcançarmos nossa visão de PEC, como deveríamos ser vistos pelo governo?

Tabela 7.7
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Regime de Aumento de 20% na Organ ização de /obby industrial
propriedade receita de produtos pressionando por medidas que
intelectual patenteados nos países aumentem o nível de punição em
em desenvolvimento até relação a países que não combatem a
2015 violação de propriedade intelectua l
Auto- Adesão de 100% das Criação e implementação de altos
consistência unidades produtivas a padrões globa is regulatórios
regulatória normas de auto-regu la- aplicados aos nossos processos
mentação até 201 O produtivos globalmente
A definição dos objetivos da política externa corporativa 129

Na dimensão governo vemos que, como a empresa considera estratégico o


desenvolvimento tecnológico para o estabelecimento de uma vantagem com-
petitiva de longo prazo, torna-se fundamental também um fortalecimento de
um regime de propriedade intelectual em nível global.
Como logicamente as violações à propriedade intelectual ocorrem com
mais freqüência em países em desenvolvimento, espera-se que o fortalecimen-
to deste regime leve a aumento de 20% na receita vinda destes países até 2015.
Para que a empresa seja capaz de cumprir este objetivo, ela terá que se articu-
lar com outras empresas focadas em produtos derivados de algum tipo de pro-
priedade intelectual para a construção de um lobby corporativo que pressione o
governo dos países em desenvolvimento diretamente e através das negociações
sobre a temática dentro da OMC.
Com a diversificação das unidades produtivas da empresa, sobretudo in-
ternacionalmente, houve um perda na padronização de processos das unida-
des. A solução para que a empresa possa ser inclusive benquista em outros paí-
ses que venham a desejar realizar investimentos é a criação de um padrão de
produção que do ponto de vista regulatório seja mais rigoroso do que qualquer
legislação vigente em qualquer país hoje e, posteriormente, a aplicação dessas
normas junto a cada uma das unidades produtivas da empresa.

Perspectiva sociedade

Para alcançar nossa visão de PEC, como deveríamos ser vistos pela sociedade?

Tabela 7.8
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Reputação global Melhora na reputação Aumento do diálogo junto a
de desenvolvimento global da empresa em ONGs internacionais voltadas ao
sustentável 30% de 2007 a 201 O meio ambiente. Estabelecimento
de práticas globais de
desenvolvimento sustentável
Programa global de Aumento global de 40% Iniciativa global de contratação
diversidade da força da diversidade na força e promoção de mulheres,
de trabalho de trabalho até 201 O deficientes físicos e minorias

A reputação de uma empresa, sem dúvida alguma, é um dos seus maiores


patrimônios. No setor petroquímico em especial, a questão do desenvolvimen-
to sustentável é especialmente sensível. Desta forma, torna-se fundamental
para a empresa atrelar a sua marca a um compromisso com este desenvolvi-
mento. Para tanto, a empresa deve criar um conjunto de práticas de desenvol-
vimento sustentável a serem adotadas em todas as suas unidades globalmente.
130 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfati

Essas práticas devem ser construídas em conjunto com ONGs internacionais de


modo a trazer a chancela destas organizações para as novas práticas e desen-
volver um canal construtivo de relacionamento com a sociedade. Para medir a
efetividade destes processos a empresa deverá conduzir pesquisa global de re-
putação em 2007 e outras, nos mesmos moldes, em 2010, para apurar se hou-
ve uma melhora neste indicador no período.
Outra iniciativa importante na área social deve ser o programa de diversi-
dade global. Historicamente, o setor, assim como a empresa, foi sempre carac-
terizado por uma força de trabalho essencialmente masculina e branca. Assim,
a empresa deve se engajar globalmente na modificação deste perfil, trazendo
não só mulheres para a força de trabalho mas também pessoas de diversas et-
nias, além de deficientes físicos. Desta forma, com um aumento da diversidade
a empresa deve esperar ser reconhecida tanto interna quanto externamente
como socialmente justa.

Perspectiva informação

Para alcançarmos nossa visão de PEC, como sustentaremos reputação no mer-


cado, governo e sociedade?

Tabela 7 .9
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Aumento da adesão Adesão governamental Campanha articulada para
governamental a em todos os países ganhar os corações e mentes
posições pró-prote- onde a empresa atua a da população e governos sobre
ção de propriedade posições de proteção de a importância de proteção à
intelectual propriedade intelectual propriedade intelectual
até 201 O
Reputação global Aumento global de Campanha multimídia global
e dedicada ao 15%, até 201 O, no de divulgação das ações sociais
desenvolvimento número de reportagens da empresa (comerciais de TV e
sustentável com comentários rádio, hot sites, promoções, ação
positivos sobre as ações de assessoria de imprensa, visitas
sociais da empresa guiadas às unidades de produção,
promoção de eventos associados à
qualidade de vida.

As ações dentro da perspectiva global da dimensão informação são volta-


das para ganhar os corações e mentes dos stakeholders em nível global. Neste
sentido, há dois eixos prioritários para a empresa: a defesa da propriedade in-
telectual e a reputação de desenvolvimento sustentável.
A definição dos objetivos da política externa corporativa 131

A primeira batalha refere-se à luta por ganhar os corações e mentes de po-


líticos e burocratas, ao menos onde a empresa tem atuação de produção e ex-
portação, em prol de posições de defesa da propriedade intelectual. Esta bata-
lha deve seguir uma estratégia pública, voltada a ganhar a simpatia da opinião
pública, conjugada com o trabalho de bastidores junto aos governos e políticos
dos parlamentos. Para facilitar o sucesso desta estratégia, a empresa deve fun-
dar uma organização não governamental1 dedicada à promoção da defesa da
propriedade intelectual. A partir do trabalho desta ONG que já deve nascer in-
ternacional, deverão ser conduzidas as ações de interesse da empresa em pro-
priedade intelectual.
Já em relação à promoção da reputação de socialmente responsável, não
basta a empresa tomar as medidas indicadas na dimensão social, é preciso di-
vulgá-las ao máximo. Portanto, a empresa deve construir uma estratégia global
de multimídia para que suas ações sociais sejam amplamente conhecidas nos
países onde a empresa tem algum tipo de atuação. Estas ações devem ser di-
recionadas, em especial, a um perfil de família jovem, atingindo não só jovens
casais mas também seus filhos pequenos. Este tipo de público tende a ser extre-
mamente crítico, portanto direcionar as ações de mídia para ele é fundamental
na sustentação de longo prazo da reputação da empresa.
Vejamos agora um exemplo dos pontos fundamentais de um BSCi para esta
empresa especificamente para a atuação no mercado chinês:

BSCi Micronível China - empresa de química fina


multinacional de origem brasileira

Perspectiva mercado

Para sermos bem-sucedidos mercadologicamente, como deveríamos ser vistos


pelos clientes, fornecedores e concorrentes?

Dentro da lógica global de desenvolvimento de fornecedores a empresa


definiu que na China é prioritário o desenvolvimento regional de parcerias que
possam levar ao desenvolvimento de novos materiais. Com a formação de equi-
pes de aquisição e técnicos especificamente voltados ao relacionamento com os
fornecedores é possível esperar um desenvolvimento contínuo de novos produ-
tos a partir desta unidade produtiva.
Comercialmente a base produtiva chinesa foi montada para, em especial,
atender o potencial da demanda asiática. Portanto, tornou-se central a formu-
lação agressiva de política de vendas que, combinada com os esforços do de-

1
Também conhecida como BINGO (Business Interest Non Governmental Organization).
132 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfari

Tabela 7.1 O

Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa


Desenvolvimento Criação de um produto Estabelecimento de equipes
de parceria com por ano resultado da de desenvolvimentos voltadas
fornecedores asiáticos parceria a partir de ao relacionamento com
para desenvolvimento 2009 fornecedores
de novos materiais
Negociação imbatível Aumento de 15% Mapeamento das preferências de
nas vendas no ano prazos e mecanismos de compra
corrente por parte dos clientes, em
especial asiáticos, visando criar
estratégias de negociação que
aumentem o poder de barganha
de nossa equipe de vendas
"Combatente Aquisição de ao menos Estabelecimento de política
agressivo" uma grande empresa rigorosa de monitoramento da
asiática até 2009 e competição visando encontrar
aquisição de cinco oportunidades para aquisições
empresas de pequeno
porte com alto
potencial tecnológico

partamento financeiro, deve trazer as melhores opções em termos de planos


de pagamento e financiamento. A empresa deve ter uma equipe de vendas su-
ficientemente motivada para reconhecer que possui um excepcional arsenal de
barganha que a fará realizar grandes vendas.
A sustentação de longo prazo da empresa no mercado asiático virá tam-
bém de uma política agressiva de aquisição. Esta política deve ter dois eixos:
competitivo e tecnológico. Do ponto de vista competitivo a empresa deve estar
pronta a montar grandes operações de aquisição que consolidem sua participa-
ção de mercado. Do ponto de vista tecnológico, as empresas de pequeno porte
tendem a ser altamente inovativas. Portanto, a empresa deve estar sempre mo-
nitorando estas pequenas empresas, tentando identificar o momento certo de
realizar aquisições de empresas centradas em inovações tecnológicas com alto
potencial de mercado.

Perspectiva governo

Para alcançarmos nossa vi.são de PEC, como deveríamos ser vi.stos pelo governo?
A definição dos objetivos da política externa corporativa 133

Tabela 7.11
r---
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Fortalecimento de regime Diminuição em 40% da Domínio da arte do
pirataria até 2012
.
de patentes 1guanxi
Rápida aprovação de Autorização para a Domínio da arte do
novos projetos com sócios construção de duas novas guanxi
10 cais unidades até 201 O
-
Todo o complexo petroquímica é considerado estratégico pelo governo chi-
nês. A demanda explosiva do país por todo tipo de petroquímica sempre atraiu
a empresa que, por enquanto, faz mais dinheiro com produtos próximos a com-
modities do que os tecnologicamente inovativos. Entretanto, a grande vantagem
da empresa está na inovação, mas esta inovação no país é ameaçada por um
regime extremamente fraco de propriedade intelectual. Portanto, a potencial
pirataria que poderia ser realizada inclusive por empresas estatais é uma séria
preocupação. Na verdade, a empresa sempre esteve ciente deste problema em
relação ao mercado chinês e não há indícios de que o governo mudará sua polí-
tica tão cedo. Dessa forma, toda a arte do relacionamento com oficiais do gover-
no (guanxi) deve ser utilizada para, se não melhorar o regime de propriedade
intelectual, ao menos impedir potenciais piratarias de produtos da empresa.
O guanxi também é nevrálgico na medida em que a empresa vê como es-
tratégica a expansão das atividades no país. Ciente de que neste setor o gover-
no somente permite a expansão viajoint ventures , a empresa deve se esforçar
para manter a maior parte do controle acionário e o total controle sobre tec-
nologias. O esforço deve ser direcionado à contratação de executivos com as
conexões certas para, inclusive, acelerar a aprovação de dois projetos de ex-
pansão da produção no país.

Perspectiva sociedade

Para alcançar nossa visão de PEC, wmo deveríamos ser vistos pela sociedade?

Tabela 7.12
Objetivos (PEC) Métricas Iniciativa
Benchmarking Eliminação de 30% nos Mudança nos processos de
social resíduos tóxicos até 201 O produção e treinamento da força
de trabalho
Socialmente Aumento da satisfação do Criação de programa de benefícios
responsável funcionário em 25% no sociais incluindo auxílio-saúde,
ano corrente seguro e clube social.
134 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfat i

Um dos maiores problemas do setor químico chinês é a poluição. Desde


a inauguração da primeira unidade no país a empresa sempre buscou manter
padrões internacionais de tratamento de resíduos. Esta atitude deve ser refor-
çada pelo programa global de padronização de processos. No caso chinês, a
empresa deseja ser vista como um bechmarking social, ou seja, um exemplo de
que o país pode ter empresas competitivas sem ser um grande poluidor. A meta
ambiciosa de redução de dejetos e poluição deve ser alcançada via mudança de
processos e principalmente treinamento da mão-de-obra local.
A visão de benchmarking social é, no fundo, reforçada pela de socialmente
responsável. A empresa não deseja ser vista como exploradora de mão-de-obra
barata e, portanto, deve criar programas que elevem o grau de satisfação dos
funcionários, inclusive adicionando benefícios como seguro internacional de
saúde (apesar de o sistema de saúde ser essencialmente público) e a constru-
ção de um pequeno clube social para práticas esportivas visando ao bem-estar
do funcionário e sua família.

Perspectiva informação

Para alcançarmos nossa visão de PEC, como sustentaremos reputação no mer-


cado, governo e sociedade?

Tabela 7.13
Obietivos (PEC) Métricas Iniciativa
Parceiro com o Manutenção do bom Mapeamento do poder político e
governo relacionamento com as gestão de relacionamento
autoridades
Reputação Aumento regional de Campanha multimídia global de
regional de 30%, até 201 O, no divulgação das ações sociais da
desenvolvimento número de reportagens empresa (comerciais de TV e rádio, hot
sustentável com comentários sites, promoções, ação de assessoria
positivos sobre as ações de imprensa, promoção de eventos
sociais da empresa associados à qualidade de vida

A sustentação da reputação da empresa no mercado chinês é essencial-


mente voltada às relações com o governo. Entretanto, como a unidade é base
operativa para o mercado asiático, é importante que ela seja reconhecida corno
socialmente responsável.
A empresa teve sucesso, em sua entrada no país, em construir relaciona-
mentos com o governo chinês. Entretanto é preciso manter um contínuo ma-
peamento das preferências das autoridades e dos possíveis candidatos aos pos-
tos estratégicos. Ou seja, partindo da premissa de que as pessoas mudam mas
A definição dos objetivos da política externa corpora tiva 135

as instituições permanecem, é preciso estar sempre pronto para mudanças no


poder político cortejando não só os burocratas de hoje mas os de amanhã tam-
bém. Este é um trabalho diário cuja principal métrica é manter as portas do
governo abertas às demandas da empresa.
Já o objetivo de reputação regional de desenvolvimento sustentável é um
desdobramento do objetivo global da empresa adaptado às condições locais. A
empresa considera fundamental o aumento de visibilidade nos mercados asiá-
ticos mostrando a diferenciação dos métodos de produção e relacionamento
social da empresa. Ações deste tipo são importantes não só para atingir merca-
dos como o do Japão, mas acabam gerando uma imagem global de socialmente
responsável. Em geral a imprensa livre asiática é bastante crítica em relação ao
compromisso social corporativo. Dessa forma, a métrica de aumento de 30%
nas notícias positivas será alcançada com o esforço da divulgação das iniciati-
vas regionais atraindo representantes de ONGs e jornalistas para conhecer as
unidades da empresa na China.

Quadro 7.1

FAQ PEC e Diplomacia Corporativa

Minha empresa deve ter uma PEC?

A resposta é: depende...
• Logicamente, se a sua empresa não tiver operações internacionais, não faz
sentido formular uma PEC.
• Se a empresa realizar pequenas operações de importação/exportação tam-
bém não. Entretanto, neste caso seria interessante ao menos um funcioná-
rio com algum treinamento em diplomacia corporativa.
• Enfim, quanto maior o tamanho do envolvimento internacional, maior ten-
de a ser a necessidade de articular uma PEC e de ter profissionais formados
para serem diplomatas corporativos.

Minha empresa deve ter um Departamento de


Relações Internacionais e uma diplomacia corporativa?

Depende muito de como a PEC se encaixa no resto da estratégia corporativa.


Entretanto, de forma geral, podemos dizer que, quanto mais críticas para o suces-
so da empresa as dimensões governo e sociedade, assim como os riscos da ope-
ração internacional, mais aumenta a necessidade de ter um departamento especí-
fico de relações internacionais. Entretanto, quanto menos essas dimensões forem
cr(ticas para o sucesso do negócio, menor a necessidade de se constituir um de-
136 Manual de Dipl omacia Corporativa • Sarfa ti

partamento específico, isto porque os departamentos tradicionais de marketing


ou comércio exterior facilmente poderiam cobrir o tema no máximo indicando
um funcionário para a função de diplomata corporativo, isto quando o tema não
pode ser coberto pelos funcionários que estes departamentos já têm .
Na verdade, há duas dimensões fundamentais para responder a esta questão
e à anterior.
Qual o porte da empresa?
Qual o setor de atuação da empresa?
Desta forma, se em uma ponta estivermos falando de uma grande siderúrgi-
ca, construtora ou farmacêutica, é natural que haja uma PEC e um departamento
de relações internacionais. Por outro lado, se estivermos falando no outro extre-
mo, de uma confecção de digamos médio porte focada em biquínis, é pouco pro-
vável que haja a necessidade de uma extensa PEC (no máximo, um mapeamento
das dimensões) e menos ainda de um departamento de relações internacionais
com sua equipe de diplomacia corporativa.

Qual a relação de um Departamento de Relação Internacionais


com outras áreas que se relacionam com o "exterior", como os
departamentos de marketing e de comércio exterior?

Se considerarmos hipoteticamente que a empresa tem a necessidade de uma


área internacional, então teríamos algumas possibilidades:

1. a criação de um departamento de RI, independente dos departamentos de


comércio exterior, vendas e marketing;
2. um departamento de RI que abrigue debaixo de si uma ou mais das divi-
sões tradicionais, como comércio exterior, vendas e marketing;
3. um dos departamentos tradicionais como comércio exterior, vendas e mar-
keting abriga debaixo de si uma divisão de relações internacionais.

Logicamente que não há uma resposta correta ou padrão para estas alterna-
tivas. Entretanto, como notado nas questões anteriores, isso depende fundamen-
talmente de quão críticos são para o sucesso da empresa as dimensões governo e
sociedade, assim como os riscos da operação internacional e, além disso, a deci-
são estratégica de qual o papel da PEC dentro da estratégia da organização.
Se a decisão for por departamentos independentes, é lógico que é preciso
criar políticas que articulem e não dupliquem o trabalho executado por cada um
dos departamentos. Por exemplo, uma saída seria limitar o trabalho da divisão de
RI às esferas governo e sociedade com o complemento da atividade de informa-
A definição dos objetivos da política externa corporativa 137

çẕ Já aos departamentos tradicionais caberia a dimensão mercado. Ainda assim,


0 departamento de RI deve estar a par das estratégias e operações nesta dimen-
são (em nível de diretoria) para concatenar uma estratégia coerente de PEC.
Se a escolha for criar uma diretoria de RI que abrigue debaixo de si uma ou
,:oais divisões tradicionais, isto indica a centralidade da importância que a empre-
sa atribui a sua PEC. Dependendo do setor e porte da empresa, esta decisão pode
trazer uma enorme sinergia para as divisões tradicionais, pois seriam articuladas
p0r uma visão internacional que provavelmente antes não existia.
Finalmente, se a decisão for abrigar a área de RI debaixo de uma das diretorias
tradicionais, isto indica que, embora a empresa considere importante uma PEC e
uma diplomacia corporativa, esta deve estar condicionada por objetivos específi-
cos de marketing, de vendas ou de comércio exterior. Como notado acima, isto faz
sentido em alguns setores, como no caso de toda a cadeia da indústria têxtil.

Quais os benefícios do desenvolvimento de uma PEC e a manutenção


de uma equipe de diplomacia corporativa?

Alguns dos benefícios são:


• sensível diminuição dos riscos nas operações internacionais;
• aumento de eficiência na administração do relacionamento com clientes,
parceiros, fornecedores e competidores (ajuda a administrar mal-enten-
didos);
• aumento do "realismo" na avaliação do ROi (retorno sobre o investimento)
em investimentos internacionais, levando-se em conta fatores não finan-
ceiros (riscos culturais, políticos etc.);
• ajuda a prevenir prejuízos advindos da pressão de organizações sociais
(prevenção ao invés de reação a liabilities);
• avanço na defesa dos interesses dos acionistas no longo prazo (principal-
mente em ações de lobby internacional) - o futuro de sua empresa pode
estar nas mãos da OMC;
• aumento de sinergia entre operação e estratégia na organização com ope-
rações internacionais.
8
O Monitoramento da
Política Externa Corporativa

BSCi já oferece instrumentos eficientes no monitoramento da PEC prin-

O cipalmente em termos de estabelecimento de métricas relativas aos ob-


jetivos previamente fixados. Dessa forma, além dos BSCi, outros dois
instrumentos podem complementar o monitoramento da PEC: o CAGE Fra-
mework e a Avaliação dos 5 Riscos.
O CAGE e os 5 Riscos são instrumentos complementares que possuem ca-
racterísticas similares. Enquanto o CAGE mede a "distância" relativa de um
produto ou serviço em termos culturais, administrativos e econômicos, a Ava-
liação dos 5 Riscos descreve em detalhes os riscos geográfico, econômico, cul-
tural, legal e político da operação em um determinado país.
Desta forma, o CAGE está mais voltado à constante avaliação do sucesso de
um produto ou serviço em relação a um país, enquanto que a Avaliação dos 5
Riscos monitora os principais eixos que podem oferecer riscos em uma opera-
ção em determinado país no sentido mais amplo operacionalmente falando.

8.1 O CAGE Framework 1

A compreensão dos tipos de distâncias que pode haver entre países e afe-
tar a comercialização de produtos foi o cerne do estudo realizado por Pankaj
Ghemawat (2001), professor da Harvard Business School. O framework ajuda
os executivos envolvidos com os negócios internacionais a identificar e avaliar
o impacto das distâncias cultural, administrativa, geográfica e econômica em
várias indústrias.
O Quadro 8.1 a seguir revela o framework das distâncias CAGE:

' A parte do CAGE foi construída a partir de trabalho apresentado por Marcela Karina Silva
Menezes Gomes.
140 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfa ti

Quad ro 8.1 Framework das Distâncias CAGE.


Administrativa Geográfica Econômica
Distância Cultural
Proximidade física Diferença de po-
Inexistência de der aquisitivo
laços coloniais
···· ···· ···· ··· ········· ·
l'D Inexistência de
·u ·· ········· ······· ·······
e ···· ·········· ····· ··· ·· · fronteira comum Diferença nos cus-
<l'D Idioma diferente Inexistência de
+-' tos e na qualidade
VI
········ ····· ······ ···· ·· ·· ·········· ·· ·· ·· ·· ····· ·
moeda comum ou de:
"'C Etnia distinta; falta associação política Falta de acesso ao
E mar ou a rios - recursos naturais
de ligação étnica
l'D ··· ·· ···· ·· ····· ···· ····· - recursos finan-
·.: ou de rede social Hostilidade polí-
··· ····· ·· ···· ····· ··· ····
V Tamanho territorial ceiros
Q.I ········ ······· ···· ····· · tica - recursos huma-
:::::1
e- Religião distinta ·· ··· ··· ·· ········ ······ ··
·· ·· ····· ···· ···· ····· ··· Fraco sistema de nos
VI
o ······ ··· ·· ·· ··· ······· · Políticas governa- comunicações e - infra-estrutura
+-' Normas sociais mentais
:::::1
transportes - insumos inter-
.o diferentes
·.: ··· ···· ·· ··· ······ ··· ···· ····· ·· ··· ·· ······ ·······
mediá rios
~ Fraqueza institu- Diferenças climá- - informação e
cional conhecimento
ticas
Intervenção gover-
namental é alta em Natureza da
indústrias quando demanda depende
se trata de: do poder aquisiti-
Produtos com alto
- produtos essen- vo dos consumido-
conteúdo lingüísti- Produtos com
l'D ciais (eletricida- res (carros)
·u co (televisão)
de) pequena relação
e ··· ···· ······ ··· ······· ··
<l'D ···· ···· ·· ··· ·· ··· ····· ·· peso-valor (cimen- Economias de
+-' - produtos "intitu-
VI Produtos que afe- to)
"'C lados" (remé- escala e padroni-
tam a identidade
l'D dios) ·· ······· ···· ·· ···· ···· ·· zação são impor-
õi nacional ou cultu- Produtos frágeis
e. - grandes empre- tantes (telefonia
ral dos consumi- ou perecíveis (vi-
VI gadores (agricul- móvel)
o dores (alimentos) dros e frutas)
"'C tores)
l'D ····· ·· ·· ···· ·· ·· ···· ···· ····· ·················· ··
+-' - grandes fornece- ···· ····· ·· ···· ······· ··· Diferença do custo
Q.I Produtos cujas
'+-
l'D dores do gover- Conectividade e dos fatores de
características
VI no (transporte comunicação de produção, como
o podem mudar em
grande impor-
+-' de massa) mão-de-obra, é
:::::1 termos de:
"'C - símbolos nacio- t ância (serviços grande (roupas)
...o
e.
- tamanho (carros)
- padrões (equipa-
nais (aeroespa- financeiros)
···· ········· .... ........
cial) ·· ···· ·· ··· ·· ·· ···· ····· · Sistemas de negó-
:::::1
o mentas elétricos)
- vitais à seguran- Supervisão local e cios e de distribui-
VI - embalagem
l'D ça nacional (tele- requisitos opera- ção são distintos
·.: ··· ·· ··· ··· ··· ··· ··· ····· cionais de grande
+-' comunicações) (seguros)
VI Produtos com
-:::::s - exploração d e importância (mui-
"'C qualidade associa- ················ ··· ······
e recursos naturais tos serviços) Empresas preci-
da a determinado
(petróleo, mine- sam ser sen síveis e
país (vinhos)
ração) ágeis (equipamen-
- utilização de tos domésticos)
amplo espaço
(infra-estrutura)
FoNrE: Ghemaw at, 2001, p. 4. Tradu ção própria.
O monitoramento da política externa corporativa 141

Distância cultural

São muitos os fatores culturais que criam distâncias entre países. Alguns
desses atributos são as crenças religiosas, as normas sociais, os idiomas.
Segundo Ghemawat (2001, p. 3), países que compartilham um mesmo
idioma, considerados todos os demais fatores inalterados, conseguem ter um
comércio três vezes maior do que entre países que falam idiomas diferentes.
Certas características culturais, como o idioma, a gastronomia e o ves-
tuário, por exemplo, podem ser facilmente percebidas, e até compreendidas,
quando vistas por olhos externos. Outros atributos culturais, no entanto, são
impossíveis de perceber, até mesmo para as pessoas a eles submetidos. Geral-
mente, dizem respeito a atributos relacionados a princípios e a valores de uma
determinada comunidade.
Ghemawat afirma que, freqüentemente, os atributos culturais criam dis-
tância porque exercem influência nas escolhas que consumidores fazem quan-
do optam por determinados produtos, em função de suas preferências. Cores,
por exemplo, possuem uma forte relação com preconceitos culturais (GHEMA-
WAT, 2001, p. 3). Elas podem ser interpretadas de forma distinta por cada so-
ciedade, de acordo com os significados que a elas são atribuídos.
O Quadro 8.2 mostra os resultados de uma pesquisa sobre a sensibilidade
das indústrias às distâncias CAGE, com foco no impacto da distância cultural.

Quadro 8.2 Sensibilidade das indústrias à distância cultural (lingüística).


Mais sensível Menos sensível
Carnes e suas preparações Aparelhos fotográficos, bens da
indústria ótica e relóqios
Cereais e suas preparações Veículos automóveis
Diversos produtos alimentícios e suas Madeiras e rolhas
preparações
Tabaco e seus produtos Maquinários
Máquinas para escritórios e equipamentos Energia elétrica
automáticos de processamento de dados
FoNTE: Ghemawat (2001, p. 6) . Tradução própria.

Os produtos considerados "sensíveis" às diferenças lingüísticas são aqueles


cuja comercialização, em termos quantitativos, é altamente alterada na medi-
da em que países falam um idioma comum ou não. Nessa categoria destacam-
se, principalmente, os produtos alimentícios. Contrariamente, produtos como
automóveis e aparelhos, por exemplo, se mostraram menos sensíveis.
Há produtos que conseguem atingir aspectos culturais mais profundos, como
142 Manua l de Diplomacia Corporativa • Sarfati

aqueles que levam o consumidor a se identificar como membro de determinada


comunidade. Nestes casos, diz Ghemawat (2001, .9. 3), a distância cultural pode
chegar a afetar categorias inteiras de produtos. E o caso da indústria alimentí-
cia: ela é especialmente sensível a comprometimentos religiosos. Hindus, por
exemplo, não comem carne bovina. Os judeus, por sua vez, comem alimentos
kosher. 2 E, similarmente, os mulçumanos se alimentam de comidas halal. 3
Não levar em consideração as distâncias culturais é uma atitude que, mui-
tas vezes, determina o fracasso de uma estratégia internacional.

Distância Administrativa, ou Política

A dimensão "distância administrativa" diz respeito a laços, tanto históricos


como políticos, que existem entre países e que afetam a intensidade das trocas
comerciais realizadas entre eles.
Baseado num estudo não publicado de Jeffrey Frankel e Andrew Rose (2000) ,
cujos resultados se encontram na Tabela 8.1, Ghemawat (2001) diz que o co-
mércio entre nações que possuem uma relação de colônia e metrópole pode ser
mais do que 900% superior ao comércio entre nações que não contam com uma
relação desta natureza. Países que possuem acordos de preferência comercial, ou
que utilizam a mesma moeda, ou que são politicamente unificados, podem ter
seu comércio incrementado em mais de 300%, conforme revela a tabela.

Tabela 8.1 Mensurando o impacto da distância.


Fator de Distância Mudança no Comércio Exterior (em %)
PIB per capita (aumento de 1%) +0,7
PIB nacional (aumento de 1%) +0,8
Distância física (aumento de 1%) - 1,1
Tamanho territorial (aumento de 1%)* - 0,2
Acesso ao mar* +50
Fronteira comum +80
Idioma comum +200
Bloco econômico regional comum +330
Relação de colônia-metrópole +900
Colonizador comum -+190
Unificação política +300
Moeda comum +340
FoNrE: Jeffrey Frankel e Andrew Rose, An estimate of the effects of currency unions and
growth, estudo não publicado, maio de 2000. Apud Ghemawat (2001, p. 3). Tradução própria.
* Efeitos estimados excluem as últimas quatro variáveis da tabela.

2 Kosher, para alimentos, significa "apropriado", de acordo com a dieta judaica.


3 Halal significa "permitido", no idioma árabe, e diz respeito à doutrina islâmica.
O monitoramento da política externa corporativa 143

Mas há exceções. Índia e Paquistão, por exemplo, apesar de compartilha-


n:Jm um histórico colonial, fazerem fronteira entre si e possuírem semelhanças
li(lgüísticas, são países cuja relação é marcada por rivalidades e hostilidades e,
ntsse caso, o comércio entre eles é praticamente nulo.
A maior parte das distâncias administrativas é criada pelos governos dos
p/lÍses que possuem interesse em proteger suas indústrias nacionais: estabe-
1e1,cem quotas de importação, impõem tarifas, restringem investimentos es-
tíangeiros diretos, subsidiam determinados setores da economia. Ghemawat
(~001, p. 4-5) argumenta que este tipo de intervenção governamental ocorre
quando se trata de:

a) grandes empregadores: indústrias que empregam significativa massa de


votantes conseguem receber incentivos do governo, tais como subsí-
dios. É o caso, por exemplo, dos agricultores europeus;
b) símbolos nacionais: certas indústrias e empresas são conhecidas como
símbolos da modernidade e da competitividade de seu respectivo país.
O protecionismo torna-se, portanto, um reflexo do patriotismo e do
nacionalismo;
c) segurança nacional: algumas empresas, em especial dos setores de
tecnologia, são consideradas vitais para a segurança de uma nação.
Exemplos são empresas dos setores de telecomunicações e de tecnolo-
gia aeroespacial;
d) produtos essenciais: são produtos de necessidade fundamental à vida
dos cidadãos de um país, como, por exemplo, o petróleo, a energia elé-
trica e alguns alimentos;
e) produtos "intitulados" pelo povo como de direito do ser humano: geral-
mente produtos que sofrem intervenção governamental para garantir
sua qualidade e para controlar seus preços;
f) exploração de recursos naturais;
g) indústrias que requerem o uso de amplo espaço físico: são os casos de
ferrovias e refinarias de petróleo, por exemplo.

A pesquisa realizada por Ghemawat e Mallick (apud GHEMAWAT, 2001)


também mediu o impacto, em termos de intercâmbios comerciais, da distância
administrativa definida com o estabelecimento de acordos preferenciais de co-
mércio. O Quadro 8.3 a seguir revela os resultados obtidos:
144 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfari

Quadro 8.3 Sensibilidade das indústrias à distância administrativa (acordos de


preferência comercial).
Mais sensível Menos sensível
Ouro, não-monetários Gás, natural ou fabricado
Energia elétrica Malas de mão e acessórios de viagem
Café, chá, cacau e condimentos Calçados
Fibras têxteis Objetos sanitários, de encanamento, de
iluminação e aquecedores
Açúcar e suas preparações e mel Móveis e suas partes
FoNTE: Ghemawat (2001, p. 7). Tradução própria.

Outro fator importante que também costuma criar distância entre países é
a infra-estrutura de instituições reguladoras das atividades econômicas presen-
tes em urna nação. Países que contam com instituições bem estruturadas costu-
mam ser atraentes a empresas externas. Contrariamente, países identificados
por corrupção ou que sofrem conflitos sociais são evitados pelas empresas es-
trangeiras (GHEMAWAT, 2001, p. 5).

Distância Geográfica

Ghernawat argumenta que quanto maior a distância entre países, mais difí-
cil é a condução de negócios entre eles. No entanto, a dimensão geográfica de
que trata não se refere apenas à distância física, em quilômetros, dos países. Ela
inclui também fatores como distâncias médias a serem percorridas dentro do
outro país, seu acesso a portos e a vias marítimas, sua topografia, além de tam-
bém considerar atributos construídos pelo ser humano e que alteram a geogra-
fia, como, por exemplo, as infra-estruturas de transportes e de comunicações.
Custos de transporte costumam aumentar de acordo com a distância. Esse
aumento, contudo, dependerá da natureza do produto que se transporta, do
seu peso e do espaço que ocupa. Bens perecíveis, por exemplo, precisam ser
transportados com maior rapidez do que produtos para a construção civil,
corno cimento e ferro.
Os resultados obtidos por Ghemawat e Mallick (apud GHEMAWAT, 2001) ,
com relação à distância geográfica, são apresentados no Quadro 8.4.
Entretanto, as distâncias não dizem respeito apenas a bens materiais. O in-
tercâmbio de produtos intangíveis e de serviços também diminui conforme as
distâncias aumentam. Nesse caso, o fundamental é que os países contem com
boas estruturas de fluxo de informações e de transações financeiras.
Em seus estudos, Ghernawat constatou que empresas que encontram bar-
reiras geográficas para o comércio costumam realizar investimentos diretos em
.'
O monitoramento da política externa corporativa 145

infra-estrutura local, nos países que querem atingir, como forma de estratégia de
entrada. Mas constatou também que quanto maior a distância geográfica entre
países, mais escassos são os investimentos estrangeiros diretos feitos entre eles.
oi,,1ad ro 8.4 Sensibilidade das indústrias à distância geográfica (física).
e--'
Mais sensível Menos sensível
Enerq ia elétrica Pasta e restos de papéis
dás, natura l ou fabricado Aparelhos fotográficos, bens da
indústria ótica, relóqios
papel e papelão Aparelhos de telecomunicações e de
qravação sonora
Ji.nimais vivos Café, chá, cacau e condimentos
Ji.çúcar e suas preparações e mel Ouro, não-monetários
-f c:?NTE: Ghemawat (2001, p. 7). Tradução própria .

vist ância Econômica

Segundo Ghemawat (2001), o poder aquisitivo de consumidores é o atri-


buto econômico mais importante na criação de distância entre países, e seu
efeito recai sobre a quantidade de trocas comerciais e sobre os tipos de parcei-
ros com quem comercializarão. Suas pesquisas demonstram que países ricos
n1antêm relações comerciais mais freqüentes com seus semelhantes econômi-
cos, mas igualmente demonstram que países pobres também mantêm relações
comerciais mais fortes com países ricos do que com países pobres.
A pesquisa realizada por Ghemawat e Mallick (apud GHEMAWAT, 2001)
sobre distância econômica foi baseada nas disparidades de poder aquisitivo. Os
resultados seguem abaixo:

Quadro 8.5 Sensibilidade das indústrias à distância econômica (diferença de


poder aquisitivo).
Mais sensível (diminui o comércio) Menos sensível (aumenta o comércio)
Metais não ferrosos Café, chá, cacau e condimentos
Ferti lizantes manufaturados Óleos e qorduras animais
Carnes e suas preparações Máquinas para escritórios e
equipamentos automáticos de
processamento de dados
Ferro e aço Maquinário e equipamentos geradores
de enerqia
Pastas e resíduos de papéis Aparelhos fotográficos, bens da
indústria ótica, relóqios
foNrE: Ghemawat (200 1, p. 7). Tradução própria.
146 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Disparidades econômicas existem, mesmo que em níveis distintos, entre


os mais variados ·países do globo. Mas quando se pretende economizar em ex-
periência, em escala de produção ou em padronização, o ideal é focar aqueles
países que apresentam perfis econômicos similares. Isso porque o poder aquisi-
tivo dos consumidores-alvo será semelhante ao do país de origem, assim como
o custo e a qualidade dos recursos disponíveis. Dessa forma, as empresas que
precisam reproduzir seus modelos de negócios correntes, para explorar suas
vantagens competitivas, poderão fazê-lo com êxito.
Todavia, muitas outras empresas começam a atuar internacionalmente jus-
tamente para buscar vantagens competitivas através das disparidades econô-
micas existentes entre os países, seja para reduzir custos com mão-de-obra
mais barata, seja para vender produtos a preços mais altos.
Em ambos os casos as empresas se confrontarão com duas barreiras ainda
mais significativas: a cadeia de fornecimento, ou supply chain, e os canais de
distribuição. Estes itens variam significativamente de país para país, dependen-
do de sua estrutura, e afetarão os custos conforme se mostrem mais ou menos
abundantes e/ou fundamentais para a realização dos negócios.

Exemplo de uma avaliação CAGE voltada


ao mercado de queijos no Chile 4

Quadro 8.6 Avaliação CAGE da Indústria de queijos no Chile.

Cultural Administrativa Geográfica Econômica


Ausência de
Língua: espanhol, usado em Mercado fronteira
documentos, diferencia-se alimentício com-
sensivelmente do português Rodovia que liga Crescimento tí-
petitivo
os dois países mido do merca-
Atrasos de entrega e em Necessidade de pode ser interdi- do de queijos
resposta de correspondência navios de ban-
tada no inverno 30% da renda
não são to lerados deira chi lena ou
Relevo aciden- mensal gasta
Alimentação: preferem-se brasileira para
tado com a co m alimentos
alimentos frescos, sem pro- comércio entre
os dois países Cordilheira do
cessamento e embalagens
Andes

Cultural

A grande maioria da população chilena é formada por católicos (80%) de


origem indígena e espanhola; sua língua oficial é o espanhol, facilitando o en-

4
Esta análise foi conduzida com a colaboração de Eleonora Spinola, Fabiana Biazoti, Fabio Ot-
taiano e Flávia Carrasco.
O monitoramento da política externa co rporativa 14 7

rendimento entre chilenos e brasileiros. No entanto, com relação ao espanhol


usado em documentos técnicos, existem diferenças, havendo exigência de do-
curnentos em espanhol ou inglês. Com relação a alguns hábitos de consumo
no país, destaca-se a popularidade do pisco e do vinho, este último um bem de
consumo comumente acompanhado de variedades de queijos. A gastronomia
chilena tem forte influência italiana, alemã e principalmente francesa, este
últitnO país com tradição no setor de queijos. Os consumidores chilenos são
sensíveis a variações no preço dos alimentos e já estão acostumados com pro-
duros brasileiros, com preços mais baixos. Um fator importante é o fato de que
480/o da população chilena têm menos de 25 anos, faixa de idade com menor
interesse por queijos especiais. Entretanto, as famílias com maior poder aqui-
sitivo costumam, como em diversos países, consumir produtos alimentícios de
alto valor agregado. Os chilenos demonstram maior interesse por produtos
alirnentícios frescos, sem processamento e embalagens, mas, à medida que
as cadeias de distribuição vão se modernizando, já aparece uma tendência de
busca por produtos práticos, prontos para comer. Na negociação, os chilenos
desaprovam atrasos tanto na entrega de material, como na resposta de corres-
pondência ou e-mail.

Geográfica

O Chile se localiza no continente sul-americano, sem fronteira com o Bra-


sil. Seu relevo é acidentado, com a presença dos Andes. É um país pequeno,
de cerca de 15 milhões de habitantes, sendo que cerca de 6 milhões vivem em
santiago e arredores. O país possui 13.699 km de rodovias distribuídas entre o
eixo norte-sul, já que seu território se estende por 4. 700 km Norte-Sul e varia
entre apenas 90 e 175 km Leste-Oeste. O transporte rodoviário entre os dois
países é possível e existe há cerca de 30 anos, mas pode sofrer com períodos de
grandes nevascas no Chile, impedindo a passagem das mercadorias. O trans-
porte marítimo absorve 61 % de toda a atividade comercial do país, contando
com diversos portos de ampla infra-estrutura, dos quais se destacam os de Val-
paraíso, San Antonio, San Vicente e Iquique. Esses portos são privatizados, o
que melhorou a eficiência e baixou em 30% as tarifas.

Administrativa

O Chile vem apresentando contínuas melhoras em seu sistema financeiro


e legal, com ampla transparência em seu sistema regulatório. O sistema finan-
ceiro chileno possui a denominação de "investment grade", um Banco Central
autônomo e a presença no país do Banco do Brasil, facilitando as transações
comerciais. Um dos motivos mais expressivos da atual situação econômica fa-
vorável do Chile é a sua forte exportação, o que explica a tendência de total
inserção no comércio internacional praticado pelo país. Em razão do mercado
148 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfa ti

altamente competitivo, é recomendado que empresas alimentícias estabeleçam


joint ventures ou busquem representantes chilenos para exportar seus produ-
tos. A exportação do Brasil para o Chile do produto descrito na classificação de
SH: 040610: Queijos frescos (não curados), incluído o queijo do soro de leite
e o requeijão, é de cerca de US$ 1.575.000,00, colocando o Brasil na posição
de terceiro maior exportador. Quanto a exportação e importação de bens via
portos, existe regulamentação que exige que em um transporte Chile-Brasil ou
Brasil-Chile os navios sejam de bandeira de um desses países. O Chile não faz
parte do MERCOSUL, o que impõe algumas barreiras tarifárias. No entanto, o
país fez um acordo de membro parceiro desse bloco econômico, diminuindo
as restrições tarifárias aos membros desse grupo. A tarifa de importação para
laticínios é de 0% para países do MERCOSUL. No caso de barreiras não tarifá-
rias, o SAG (Serviço Agrícola e Pecuário Chileno) aceita certificados sanitários
expedidos pelo país de origem do produto, desde que o mesmo siga diretrizes
de organizações internacionais.

Econômica

A renda por PIB (medida pela Paridade de Poder de Compra) per capita do
Chile é de US$ 10.900,00, superando países como o Brasil e a África do Sul,
mas perdendo para a Argentina. O índice de desemprego está em um patamar
de 8%. Já a exportação do Chile para o Brasil é inexpressiva. O mercado de
queijo no Chile é de aproximadamente US$ 315 milhões e a projeção é que
atinja US$ 320 milhões até 2008, crescimento de cerca de 1,5% ao ano. Um
fator importante a levar em conta é o fato de que a família chilena gasta cerca
de 30% de sua renda mensal com produtos alimentícios.

8.2 O Monitoramento dos 5 Riscos dos Negócios Internacionais

O monitoramento dos 5 Riscos diz respeito à verificação conjuntural e


estrutural de condições geográficas, econômicas, legais, políticas e culturais,
para cada país onde a empresa atua ou pretende atuar.
De certa forma o CAGE trata destes fatores, entretanto a estrutura deste
instrumento é voltada para apurar apenas as distâncias do produto ou serviço
entre dois países. Já o monitoramento dos 5 Riscos dedica-se a investigar fato-
res não diretamente relacionados aos negócios mas que, de forma indireta e às
vezes direta, têm impacto nos negócios de uma empresa.
A gestão dos riscos destas categorias não é, necessariamente, atribuição
da diplomacia corporativa, como é o caso do risco econômico. Entretanto, esta
diplomacia deve monitorar todos os riscos para melhor apoiar as iniciativas in-
ternacionais da empresa, coordenando os objetivos da PEC com potenciais pro-
blemas em distintas áreas de impacto nos negócios internacionais.
149
O monitorame11to da política externa corporativa

O . d das categorias deve


. reconhecimento dos principais riscos em ca a uma d de
vir ac . · recomen açoes
N

_ ompanhado de ações que mitiguem este nsco, ou seJa,


açoes que podem minimizar potenciais problemas. .
, d t · cos que a d1plo-
E no trabalho de levantamento e monitoramento eS es ns . d
macia • . • 1- ·d d por ser obnga a a
corporativa atinge o auge da interd1sc1p man a e, d. •
cruz , . , h . ento como ire1to,
ar estrateg1a de negócios com outras areas de con ecim '
cultura e política.

8 · 2 -1 Risco geográfico

Quadro 8.7

A CVRD e as minas de Carvão de Moatize

Em 2004 a CVRD ganhou uma licitação do governo moçambicano para ª ex-


ploração de carvão nas minas de Moatize. Somente em março de 2007 a emp~esa
concluiu o estudo de viabilidade que foi apresentado ao governo daquele pais.
nd
Moatize é considerada a maior província carbonífera do mundo ai ª não
explorada, com um depósito de cerca de 2,4 bilhões de toneladas de carvão. O
· "Ih- de to
proJeto específico da CVRD deve gerar a produção de cerca de 30 mi oes -
neladas de carvão por ano depois de 2015.
As perspectivas mercadológicas são promissoras, mas a empresa tem que
Ponderar o risco de um projeto de cerca de US$ 1,3 bilhão contra diversos pro-
blemas encontrados na região. A economia moçambicana encontra-se em franca
expansão mas o país ainda enfrenta o rescaldo de décadas de guerra civil. Entre-
tanto, talvez as dificuldades mais graves encontrem-se nas questões geográficas.
A empresa teria que lidar com problemas sociais resultantes do realocamento de
1.200 famílias, além da construção de uma linha férrea entre as minas e o Porto de
Nacala (cerca de 1.000 quilômetros de extensão), uma central elétrica e um porto
para escoamento do carvão, o que acaba elevando a conta para um investimento
da ordem de US$ 2 bilhões. Considerando os riscos geográficos envolvidos em um
empreendimento tão grande, será que a CVRD deve prosseguir neste projeto?

Os riscos geográficos referem-se às dificuldades de operação em um país


ou cidade devidas a características particulares de sua geografia. As empresas
nos negócios internacionais podem enfrentar diversos obstáculos geográficos,
que podem ser tratados também como obstáculos logísticos. 5

5
Embora na maior parte dos casos de negócios internacionais os obstáculos geográficos e logís-
ti cos, entendidos como transporte e armazenagem de produtos, sejam literalmente sinônimos,
casos como o da CVRD em Moçambique mostram outro importante aspecto geográfico da ativi-
dade multinacional: o aspecto humano, relativo à realocação de fa mílias .
150 Manual de Diplomacia Corporativa • Sar fati

O caso das minas de Moatize e a CVRD mostra um exemplo extremo destes


obstáculos, pois, para que o projeto possa ser concretizado, a empresa deve re-
solver complexos problemas que vão desde a realocação de famílias, passando
pela segurança na exploração e o transporte terrestre, até a recepção no porto
e embarque do produto para exportação.
Na maior parte dos casos de negócios internacionais, os riscos envolvidos
nas atividades de negócios internacionais normalmente estão relacionados a
problemas de distribuição, ou seja, como fazer com que meu produto chegue
ao meu potencial cliente ao menor custo possível? No caso de cervejas, embo-
ra seja um mercado altamente globalizado, as redes de distribuição costumam
ter características locais. Dessa forma, se uma empresa cervejeira não tiver
acesso a canais locais, enfrentará enorme dificuldade buscando montar a sua
própria rede nova.
Riscos geográficos não referem-se apenas a canais de distribuição; também
indicam o monitoramento de problemas de transporte. Desta forma, uma em-
presa brasileira que desejar exportar seus produtos para o interior da Rússia
terá que enfrentar obstáculos que vão desde a distância física entre os dois paí-
ses até problemas locais da rede de transporte, o que inclui problemas climá-
ticos no inverno. Logicamente, se a empresa estiver exportando sapatos este
obstáculo será menor que uma empresa buscando exportar queijo. Ou seja,
produtos alimentícios em geral, especialmente os frescos, são altamente sensí-
veis aos obstáculos geográficos.
Assim, podemos tomar como regra geral quando falamos em produtos in-
dustriais e agrícolas que, quanto maior o peso intrínseco do bem ou quanto
mais fresco ele for, mais os riscos geográficos aumentam. Logicamente, nestes
casos, quanto maior a distância física, maior o risco.
Outra versão dos obstáculos geográficos é aquela aplicada especificamente
para serviços. Se uma rede de restaurantes, por exemplo, quiser abrir algumas
lojas no Chile ela terá que especificamente identificar quais cidades, do ponto
de vista de potencial de consumo, são capazes de receber um restaurante com
o seu perfil. Uma vez identificadas as cidades é preciso identificar qual a me-
lhor localização (o ponto) para abrir as lojas.
Da mesma forma, uma construtora como a Odebrecht, que realiza turnkeys
nos mais diversos países, tem na geografia a matéria-prima do seu trabalho,
pois ela se dedica a construir estradas e pontes, aceitando o contexto geográfi-
co como premissa de seus projetos.
Por outro lado, muitos serviços não oferecem em si riscos geográficos,
como, por exemplo, a consultoria em negócios internacionais entre tantos ou-
tros tantos tipos de consultoria. Da mesma forma, a venda de softwares em
geral não oferece riscos geográficos, uma vez que sua venda não depende de
transporte e raramente envolve a venda física em lojas.
O monitoramento da política externa corporativa 151

Entre os cinco tipos de riscos dos negócios internacionais certamente o


geográfico é o mais fácil de ser identificado. Normalmente, em um estudo de
viflbilidade para a entrada em um país estes obstáculos são identificados e são
dt;1rsenhadas em seguida as fórmulas para superar estes obstáculos. Uma vez
superados estes obstáculos, a operação entra em seu dia diminuindo a necessi-
d~de de qualquer monitoramento especial de riscos além do gerenciamento do
relacionamento com os parceiros logísticos da empresa.
O Quadro 8.8 mostra resumidamente como poderíamos avaliar os riscos
geográficos no caso CVRD-Moatize e como mitigar estes riscos.

ouadro 8.8 Avaliação Resumida do Risco Geográfico para o Caso CVRD-


Moatize.
,...., Dimensão
Risco Ação
Geográfica
fransporte Problema de escoamento Construção de estrada de ferro e
do carvão terminal portuário
f'opulação Revolta popular devido Reassentamento populacional em
à necessidade de melhores condições de vida atrelado
realocamento populacional a gerenciamento cultural das
percepções da comunidade local
-

Checklist risco geográfico

• avaliação dos potenciais problemas logísticos da operação;


• avaliação de impactos humanos da operação;
• avaliação de impactos relativos a topografia e clima;
• avaliação de localização ótima.

8.2.2 Risco econômico

Quadro 8.9

A Marcopolo e a Crise Argentina

~ 1-997 ~ Marcopolo, uma das maiores fabricantes de õnlbus no


d ui:rfà rtidade produtiva com área de 12.000 metros quadrados e
produtiva anual de 1.250 ônibus, em Rio Cuarto, na Argentina, as
dóMERCiOSUL e, em especial, dq mercado daquele país pareciam ex-
152 Manual de Diplomacia Corpora tiva • Sa rfati

trema mente promissoras e, de fato, a empresa chegou a produzir 100 unidades


por mês e alcançou uma participação de mercado de cerca de 35%.
Entretanto, tudo mudou em 2001, quando finalmente a paridade cambial en-
tre o peso e o dólar foi rompida. Parecia que toda estabilidade econômica alcan-
çada a duras penas em minutos rufa como um castelo de areia.
Como muitas empresas, a Marcopolo sentiu na pele a crise na qual literal-
mente ninguém comprava e ninguém vendia. Naquele ano a empresa perdeu,
entre calotes e desvalorização cambial (passivos indexados em dólar), cerca de R$
55,4 milhões (a preços de 2001) e mais cerca de R$ 65,8 milhões em 2002 (a pre-
ços de 2002). Ao final de 2002 a empresa ainda tinha que receber cerca de US$
15, 7 milhões de credores locais. Não tardou para a empresa decidir "hibernar" o
projeto argentino. Em outras palavras, resolveu desativar a unidade produtiva na-
quele país sem qualquer previsão da retomada das suas atividades.

O risco econômico nos negócios internacionais refere-se a mudanças drás-


ticas no ambiente econômico de um país que podem afetar a lucratividade de
uma operação ou urna unidade produtiva. Em outras palavras, desde uma sim-
ples exportação até urna operação em outro país, todos estão sujeitos à quali-
dade do gerenciamento macroeconômico de um país.
A maior parte do monitoramento e das decisões em termos das estraté-
gias fin anceiras de estrutura de capital são determinadas pelo diretor finan-
ceiro. Entretanto, é fundamental que a diplomacia corporativa monitore tam-
bém os riscos econômicos e coordene a estratégia financeira com os outros
objetivos da PEC.
Classicamente, os instrumentos básicos da política econômica de um país
são: política fiscal (gasto público e política tributária), política monetária (ad-
ministração da moeda, incluindo política de juros e câmbio) e política comer-
cial (regime de importações e exportações e também política cambial) .
O grau de exposição de urna empresa ao ambiente macroeconômico no
fundo depende do grau de comprometimento dela em relação ao país. De qual-
quer forma, é fundamental monitorar os principais indicadores em qualque r
situação, ou seja, não só no momento de decisão de entrada em um país, mas
constantemente, pois o conjunto macroeconômico pode afetar adversamente
os negócios da empresa em qualquer momento.
Embora todos os indicadores macroeconômicos sejam importantes na ava-
liação da atividade da empresa no país, 6 urna vez estabelecido o grau de com-
prometimento de urna empresa em relação a um país, o risco econômico acaba

6
Acompanhar a indicadores como PIB, distribuição de renda, taxas de juros etc. é fund amental
na decisão de entrada e permanência de uma empresa em qualquer país.
O monitoramento da política externa corporativa 153

se traduzindo em termos práticos no risco cambial da operação. Assim, seja em


uma exportação, seja pela questão de remessa de lucros, uma empresa sempre
terá que trazer o dinheiro de um país para o seu país de origem e, portanto, os
riscos econômicos como um todo são fundamentais porque afetam a previsão
de retornos estabelecidos em dólares ou reais.
Desta forma, classicamente (EITEMAN; STONEHILL; MOFFETT, 2002;
HILL, 2003) os riscos cambiais são classificados em:

• exposição a transação - refere-se a quanto a receita específica de


uma transação pode ser afetada por flutuações no valor de uma moeda
estrangeira. Esta exposição refere-se a compra ou venda de produtos e ser-
viços, gerando uma obrigação de pagamento ou recebimento no futuro;
• exposição operacional - refere-se a quanto o fluxo de caixa ope-
racional de uma empresa pode ser afetado por flutuações na taxa cam-
bial. Em outras palavras, este tipo de exposição lida com mudanças de
médio e longo prazos na receita da empresa devido a mudanças em
preços, vendas e custos;
• exposição contábil - refere-se ao impacto das flutuações cambiais
nas demonstrações contábeis de uma empresa. Em outras palavras,
lida com a mensuração no presente de perdas realizadas no passado.

Existem diversas táticas para mitigar os riscos econômicos, tais como:

• mercado de derivativos - o departamento financeiro da empresa


pode usar diversas instrumentos do mercado financeiro, também conhe-
cidos como derivativos, para realizar a proteção cambial (hedge) de ope-
rações com recebimento ou pagamento futuro em moeda estrangeira;
• reestruturação operacional - a empresa pode avaliar estrategica-
mente a exposição operacional e:
aumentar ou diminuir vendas em mercados novos ou já existentes;
abrir ou fechar linhas de produto;
aumentar ou diminuir sua relação com fornecedores estrangeiros;
estabelecer ou eliminar plantas em outros países;
aumentar ou diminuir seu nível de endividamento denominado
em moedas estrangeiras.

A empresa pode buscar alterar algumas políticas operacionais, como:

1. utilizar leads and lags - a empresa pode lead (adiantar) um pagamento


ou tentar lag (postergar) um pagamento;
154 Man ua l de Diplomacia Corporativa • Sarfa ti

2. cláusulas de câmbio - outra alternativa é tentar, contratualmente,


dividir o risco cambial com a outra parte. Praticamente isso seria fei-
to fixando uma taxa de câmbio (a uma faixa) e dividindo prejuízos
eventuais;
3. refaturamento - criação de subsidiária para administração de negócios
intracompany;
4. hedge natural - equiparar as despesas e as receitas denominadas em
moedas estrangeiras;
s. hedge do Balanço Patrimonial - equilíbrios de ativo e passivo denomi-
nados em moedas estrangeiras.

• financiamento internacional - a empresa pode buscar diversifi-


car as fontes de financiamento internacional:
lançamento de ações em mercados internacionais - por exemplo,
ADRs (American Depositary Receipts) nos Estados Unidos;
lançamento de notas e títulos - commercial papers e bonds;
equity - participação de investidores em uma empresa;
trade finance - mecanismos específicos de financiamento do co-
mércio internacional que vão desde uma simples carta de crédi-
to até acesso a financiamento das chamadas ECAs (Export Credit
Agencies) , como o Eximbank dos Estados Unidos.

É interessante notar que as agências internacionais de crédito ou rating,


além de monitorarem o risco econômico de um país, também monitoram o ris-
co de a empresa dar default, ou seja, não honrar os seus compromissos interna-
cionais. A classificação destas agências é extremamente importante nas chan-
ces de a empresa se financiar internacionalmente a baixos custos.
Exemplo de Classificações de crédito S&P:

AAA - capacidade extremamente forte de pagamento de principal e


juros;
M - capacidade forte de pagamento de juros e principal;
A - capacidade forte de pagamento de principal e juros apesar de po-
der ser afetada por circunstâncias econômicas adversas;
BBB - capacidade adequada de pagamento de juros e principal mas
condições econômicas adversas e outras mudanças circunstanciais que
podem afetar a capacidade de pagamento;
BB - possui certa vulnerabilidade e certas incertezas ou exposições do
negócio, financeiras ou econômicas, o que pode levar a problemas na
capacidade de pagamento;
O monitoramento da política externa corporativa 155

B - possui grande vulnerabilidade de default mas atualmente é capaz


de enfrentar os seus pagamentos apesar das condições adversas que
pode enfrentar;
CCC-C - altos riscos de default;
D - está em default.

Quadro 8.1 O Avaliação resumida do risco econômico para o caso Marcopolo-


Argentina.
Dimensão Econômica Risco Ação
Câmbio Desvalorização cambial Minimizar exposição
operacional
Taxa de juros Aumento do custo de Financiamento externo da
capital local operação
Inflação Retração da atividade Operações de hedging
econômica Mecanismos próprios de
financiamento das vendas
com juros embutidos
Indexação do preço final
em dólares

Checklist risco econômico

• investigação das diretrizes macroeconômicas (política econômica);


• avaliação histórica e tendencial dos principais indicadores (PIB/PIB
per capita, balanço de pagamentos/balança comercial, inflação, taxa
de juros e câmbio).

8.2.3 Risco legal

Quadro 8.11

A Nutrimental e as Barreiras ao Comércio nos Estados Unidos

A Nutrimental é uma empresa paranaense conhecida por suas barras de ce-


reais Nutry. Em 2003, a empresa iniciou suas exportações através de demandas
espontâneas. No ano seguinte, já participava em feiras internacionais, divulgando
suas marcas. Quando a empresa se defrontou com a oportunidade de ingressar
no mercado norte-americano, teve que lidar com uma série de restrições que nem
sempre estão presentes em outros mercados.
156 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Por exemplo, a Federal Drug Administration (FDA) exige amostras para viabi-
lizar a exportação; posteriormente é feito um registro e acompanhamento deste
órgão, que verificará se a empresa está cumprindo suas determinações. Até aí, é
como submeter-se às regras da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil
e, portanto, nada mais justo que a empresa exportadora de alimentos se submeta
a procedimentos locais relativos a normas sanitárias.
Entretanto, a crescente preocupação dos Estados Unidos com potenciais
atentados terroristas, envolvendo agentes biológicos, levou o governo america-
no a elaborar mecanismos preventivos para o controle de materiais que possam
representar riscos significativos à saúde pública. A chamada Lei do Bioterrorismo
tem impacto direto na importação de alimentos para consumo humano e animal.
Esta lei determina que os produtores de alimentos façam seu registro junto à FDA,
contratem um representante em território norte-americano, chamado de "agen-
te", e mantenham arquivo dos dados referentes aos embarques. De acordo com
as exigências desta lei, é necessário enviar um aviso prévio às exportações, com o
mínimo de oito horas e o máximo de cinco dias antes da chegada. Esse comunica-
do adiantado deverá conter informações sobre o fabricante, o produtor agrícola
(se conhecido}, o país de embarque e o porto de chegada, o que permitirá à FDA
o planejamento de suas inspeções.
Pela lei, a FDA está autorizada a reter alimentos caso tenha evidências ou in-
formações confiáveis de que representam ameaça de prejuízo sério à saúde ou
risco de morte para pessoas ou animais.
Considerando as dificuldades impostas pelo governo norte-americano que,
no fundo, acabam funcionando como uma barreira não tarifária às exportações a
este país, a Nutrimental deve investir em um caminho próprio de exportações (in-
dependente de intermediários/traders) para os Estados Unidos?

Um dos pontos mais complicados na realização dos negócios internacio-


nais é a gestão das barreiras legais. Essas barreiras são refletidas pela incidên-
cia de tarifas e outras barreiras não tarifárias, e também pelo processo de aber-
tura e gestão legal de uma subsidiária no exterior, contando com questões de
remessas de lucro, tributos locais e solicitações governamentais.
Dessa forma, em qualquer empreitada de negócios internacionais é fun-
damental investigar os obstáculos legais que podem gerar sérios prejuízos ou
até inviabilizar a empreitada. Da mesma forma, é fundamental monitorar estes
fatores legais de modo que não acabem transformando os negócios internacio-
nais em fonte de prejuízos ao invés de lucros.
No caso específico da Nutrimental, vemos que as barreiras para chegar ao
mercado norte-americano são consideráveis, o que deve fazê-la avaliar se vale
a pena enfrentar o mercado sozinha, via terceiros, ou mesmo abandonar este
157
O monitoramento da política externa corporativa

mercad E · duras em países de-


o. m geral, as barreiras legais costumam ser mais . .
senvolv·d A • d s para comercia1iza-
- i os, que tem um enorme aparato mterno e regra . ~ .
çao de d . • d barreiras nao tan-
, . pro utos e serviços além de um grande conjunto e ,
fanas q ue d.f. ' ~
i 1cultam a exportaçao dos produtos b rasi·1eiros
· a estes paises.
Mesmo no caso do comércio do Brasil com outros países do MERCOSU~,
onde t · • · · otam-se na pra-
. eoncamente estas barreiras quase não devenam exiSt1r, n , .
t1ca vá · b , •i · m negoc10s nesses
, nos o staculos relatados pelas empresas bras1 eiras co
29
paises, tais como (KUME; ANDERSON; OLIVEIRA JR., 200l, P· ):

• requisitos de etiquetas;
• trâmites aduaneiros excessivos·
'
• inspeção prévia;
• requisitos de inspeções e testes;
• licenças de importação;
• registro do produto;
• certificações técnicas;
• normas de impostos indiretos;
• registro do estabelecimento exportador;
• regulamentação do transporte;
• normas sanitárias e fitossanitárias;
• exigência de conteúdo regional;
• exigência de patentes .

Portanto, um bom mapeamento do risco legal de um país deve incluir:

• a_valiação do sistema legal - respeito a contratos internacionais ~ pol~-


tlca de corrupção - trata-se de investigar se os contratos intemac10nais
são respeitados pela legislação do país. Em caso de desacordo com um
cliente no país, quais os riscos? Isso inclui também identificar o grau
de corrupção no país nos níveis legais e políticos para identificar se e
como a empresa lidará com isso;
• processo de abertura de empresa e outras obrigações burocráticas -
trata-se de investigar quais as exigências para a abertura ou compra de
uma empresa, bem como todas as obrigações legais que esta empresa
deve cumprir no país;
• regras relativas ao repatriamento de divisas - no caso de investimento
direto, é importante verificar a dificuldade ou não de repatriar recur-
sos da subsidiária·
'

1
158 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

• regras específicas relativas à comercialização do produto, bem como


as obrigações decorrentes (liabilities) - trata-se de identificar as cha-
madas barreiras técnicas, que são as normas específicas de como o
produto deve ser naquele mercado específico. Além disso, é preciso
investigar como, potencialmente, a empresa poderia ser responsabili-
zada civilmente por qualquer potencial dano a seu cliente final;
• acordos internacionais relevantes - trata-se de verificar quais acordos
internacionais são relevantes na aplicação do relacionamento especí-
fico do produto e país destino dos negócios internacionais. Em outras
palavras, verificar a aplicabilidade de normas da OMC sobre anti-dum-
ping, barreiras técnicas, barreiras fitossanitárias, propriedade intelec-
tual, etc., além das regras específicas de acordos regionais ou de ou-
tras obrigações decorrentes de outros acordos internacionais (como as
regras sobre transgênicos relativas ao Protocolo de Bio-segurança da
Convenção de Biodiversidade - Protocolo de Cartagena);
• tributação local - verificar todos os tributos que possam incidir sobre
o produto ou serviço;
• barreiras tarifárias e não tarifárias relativas às exportações - verificar
todas as taxações e imposições transparentes e não transparentes ao
comércio internacional.

O Quadro 8.12 constitui um exemplo resumido da avaliação do risco legal


para o caso Nutrimental-EUA.

Quadro 8.12 Avaliação resumida do risco legal para o Caso Nutrimental-


Estados Unidos.
Dimensão Legal Risco Ação
Risco de Risco de ser responsabilizado Estrito acompanhamento do
responsabilidade por problemas decorrentes processo de produção do
(líabíl íty) do consumo do produto produto exportado . Política de
pelo cliente final gestão de crise internacional
Barreiras Dificuldades para a Contratar empresa especializada
tarifárias e não entrada do produto no em despachos para os EUA que
tarifárias país, incluindo eventuais demonstre solidez comercial
retenções por longos tanto no Brasil quanto nos
períodos do produto Estados Unidos. Embutir no
preço final os riscos decorrentes
das barreiras não tarifárias
0
monitoramento da política ext~rna corporativa 159

Checklist risco legal

• avaliação do sistema legal - respeito a contratos internacionais;


• processo de abertura de empresa e outras obrigações burocráticas;
• regras relativas ao repatriamento de divisas;
• regras específicas relativas à comercialização do produto, bem como
às obrigações decorrentes (liabilities);
• tributação local;
• barreiras tarifárias e não tarifárias relativas às exportações .

8 · 2 -4 Risco político

Quadro 8.13

MMX Siderúrgica de Bolívia


A MMX Siderúrgica de Bolívia s.A. divulgou nota oficial sobre os fatos que
acontecem na provinda boliviana de Germam Busch, relacionados à usina que 0
grupo constrói em Puerto Quijaro. Leia a íntegra do documento:
"Com relação aos acontecimentos e notícias dos dias recentes sobre nosso
projeto siderúrgico situado na Província Germán Busch de Santa Cruz, a MMX Si-
derúrgica de Bolívia vem a público comunicar o seguinte:

1. A MMX SIDERÚRGICA DE BOLÍVIA S.A. é uma empresa devidamente cons-


tituída na Bolívia, com todos seus registros corporativos e tributários em
dia e em ordem. Nossa empresa se submete à Constituição Política do Es-
tado e se ampara na Lei de Inversões nª 1.182, de 17 de setembro de 1990,
lei da República que estimula e garante as inversões nacionais e estrangei-
ras, em igualdade de condições.
2. Nosso Projeto Siderúrgico tem como finalidade em sua primeira etapa a
produção de ferro-gusa, a partir do minério de ferro e outras matérias-pri-
mas disponíveis na região. Se o projeto tiver êxito, nossa empresa está dis-
posta a continuar com uma segunda etapa para a produção de aço. Preve-
mos um investimento de 148 milhões de dólares na etapa de ferro-gusa e
120 milhões de dólares na etapa de aço, além da criação de 620 empregos
diretos e 5.000 empregos indiretos.
3. O Projeto Siderúrgico necessita de ferro, gás natural e carvão vegetal. Em
todas as suas etapas, é completamente sustentável e amigável ao meio
ambiente. Devemos esclarecer também que a produção de ferro-gusa não
é tecnicamente possível só com o uso de gás natural, como afirmam algu-
160 Ma nual de Diplomacia Corpora tiva • Sarfati

mas autoridades governamentais, demonstrando franco desconhecimen-


to do assunto.
4. O consumo de carvão vegetal por nosso Projeto Siderúrgico não tem in-
tenção de afetar o meio ambiente nem os recursos florestais. Pelo contrá-
rio, aproveita novas plantações de eucaliptos, resíduos florestais existen-
tes, e evita as queimadas indiscriminadas que ocorrem atualmente.
5. A MMX SIDERÚRGICA DE BOLÍVIA S.A. lamenta comunicar que as autori-
dades do atual Governo não nos deram oportunidade de apresentarmos
nosso projeto siderúrgico e discuti-lo de forma amigável e em ambiente
de mútua cooperação. Pelo contrário, negaram-nos o acesso devido aos
procedimentos necessários para obter a licença ambiental. Emb.ora nos-
sa empresa tenha utilizado os recursos legais disponíveis, observa-se que
existe uma atitude negativa que atrasa o desenvolvimento do projeto e
nos impede de aproveitar as condições favoráveis do mercado existentes
atualmente. Vale ressaltar que o projeto foi amplamente discutido, na sua
implantação, com o governo anterior.
6. Negamos as versões que afirmam que nossa presença na fronteira com o
Brasil é ilegal. É necessário esclarecer que o Projeto Siderúrgico se encon-
tra situado em terrenos de propriedade e posse da empresa Boliviana 2O-
FRAMAQ, entidade que é concessionária de uma zona franca devidamente
autorizada, conforme Licença Ambiental emitida em 07/OUT/2004 sob o n°
071401-03-DAA-070-2004. Como participantes desta região, sua licença
ambiental nos é compartilhada para a fase de construção. A empresa ainda
não havia entrado em operação e já estava em processo avançado dos es-
tudos destes impactos e da conduta a ser implantada no momento certo.
7. Ao estabelecer nosso Projeto em uma zona franca, estávamos coerentes
com a legislação tributária existente na Bolívia, de promover investimen-
tos, nesta região, destinados à produção para exportações. Esta é uma
condição comprovada e legítima para qualquer investidor, e tem sido uti-
lizada de forma contrária, com um tom de desprestígio e distorcendo a
informação.
8. Continuamos abertos e esperançosos de um diálogo franco e amigável,
para que possamos seguir com o Projeto Siderúrgico e planos de desenvol-
vimento. No entanto, caso não seja possível chegarmos a um bom termo
com o atual Governo e reverter as atuais circunstâncias, não teremos outra
opção senão desistir e realocar nossos investimentos em outras regiões a
serem analisadas.

Atendendo a um requerimento expresso de vários Ministros Bolivianos e,


como última medida, encaminhamos recentemente uma proposta por escrito ao
. ento da política externa corporativa 161
o monitoram

Governo da Bolívia, no sentido de tentar melhorar as condições de benefício para


o Estado.
Temos recebido várias atitudes de apoio e solidariedade expre~sados em ~os-
so favo r pe1a populaçao
- local e nos sentimos
. sens1·b·1·
, ,zados · Acreditamos
, que isto
se deve ao fato da geração de empregos e desenvolvimento que estavamos tra-
zend0 para esta localidade.
No entanto, a MMX condena veementemente qualquer manifestação social
q~e- utilize força e agressão, em específico a atitude extrema tomada contra os
ministros bolivianos.

Rio de Janeiro, 19 de abril de 2006"

A avaliação e monitoramento do risco político diz respeito à possibilidade


de novos (candidatos) e atuais governantes de um país onde a empresa tem
ou pretende atuar intervirem nas atividades da empresa no país. A intervenção
n~s negócios pode ir desde a expropriação de ativos, passan?o por pro~ulga-
ç~o de leis que de alguma forma afetem o retorno do investimento, ate impe-
dimento ou restrição à repatriação de divisas.
. A siderúrgica brasileira EBX, por exemplo, foi atraída a investir na ~olí-
~1~ pela promessa de isenção de impostos. Entretanto, nove meses depms de
m1c1ado o projeto de construção O projeto tornou-se inviável sob a pretensa
acusação de violações ambientais. Poderia-se dizer que aqui houve um proble-
ma d~ má avaliação do risco legal, entretanto este não é o caso. IS t0 porq~e a
rressao contra a conclusão do projeto ocorreu após a eleição de Evo Morales
ª presidência do País. Segundo O mesmo, "há empresas que chegam à Bolívia
burlando as suas leis através de subornos", e no caso específico da EBX a em-
presa tinha duas opções: "abandonar voluntariamente o país ou ser expulsa". 7
A empresa, no final de abril de 2006 deu sinais de que entendeu o recado e
decidiu abandonar o país. '
Logicamente a empresa teve prejuízo, que foi estimado em pelo menos
US$ 20 milhões,8 fruto da má avaliação do cenário político quando da decisão
de entrada no país. Ou seja, pouco importa o prévio conhecimento do sistema
l~g':l do país ou boas perspectivas macroeconômicas conjugadas com uma ava-
haçao de retorno do investimento se não considerarmos a possibilidade de o
governo intervir nos negócios no país.
. , No caso da Bolívia, Evo Moráles aparece como uma importante liderança
mdigena oriunda do movimento cocaleiro (produtores de folha de coca) que

7. Veja < http://www.brasildefato.eom.br/v01/impresso/anteriores/ 165/americalatina/mate-


n a. 2oo6-0S-04.419840S041 >, visitado em 7/ 11/2006.
8. Veja < http://terra.eom.br/ istoe/1906/internacional/l 906 bolívia expulso a ebx.htm > vi-
sitado em 7/11/2006. - - - - '
162 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

haviam sido duramente reprimidos pelo governo do país que colaborava com
os Estados Unidos na erradicação das plantações como forma de debelar a ori-
gem do tráfico de drogas. Morales, como líder do Movimento ao Socialismo,
nunca escondeu o seu sentimento anti-americanista, assim como suas prefe-
rências pela nacionalização dos recursos naturais do país.
Portanto, neste caso seria natural que se uma empresa estrangeira já esti-
vesse há muito instalada no país, ela contribuísse financeiramente para cam-
panhas de candidatos com posições menos xenófobas. Além disso, deveria bus-
car outras formas de mitigar o risco da operação cancelando investimentos e
buscando instrumentos de seguro no mercado financeiro internacional (veja
Quadro 8.15). Uma política de longo prazo, associada à dimensão sociedade,
poderia mitigar o risco também trabalhando com as comunidades locais em
projetos de responsabilidade social (vide poder brando).
Por outro lado, uma empresa que tivesse um projeto de investimento no
país simplesmente poderia diminuir risco esperando o desfecho da eleição e os
primeiros movimentos da nova liderança do país.
Basicamente, avaliar o risco político significa avaliar os fatores que podem
afetar a estabilidade do país. Segundo Bremmer (2005, p. 37), "a estabilidade
de uma nação é determinada por duas coisas: a capacidade dos dirigentes polí-
ticos de implementar as políticas que desejam mesmo em meio a choques e de
evitar gerar seus próprios choques".
A avaliação do risco político deve começar com uma investigação doam-
biente político, ou seja, um mapeamento da política do país. Logicamente este
mapeamento deve levar em conta aquilo que realmente for importante para o
negócio da empresa e, portanto, deve ser conduzido conforme o perfil da em-
presa. Sugerimos que alguns itens básicos devem ser incluídos neste mapea-
mento inicial:

Análise estrutural

• regime político;
• perfil dos partidos políticos;
• perfil das principais lideranças políticas do país (presidente, primeiro-
ministro, lideranças da oposição, líderes civis);
• mapeamento das forças políticas do Parlamento;
• perfil dos movimentos sociais e suas lideranças;
• mapeamento das relações políticas internacionais (histórico de rela-
ções políticas internacionais e vulnerabilidade em relação a pressões
de outros países);
• histórico de intervenção governamental nos negócios .
O monitoramento da política externa corporativa 163

Análise conjuntural

• mapeamento do debate político no país;


• mapeamento de possíveis alterações no Parlamento e no governo (elei-
ções, estabilidade do governo etc.) ;
• mapeamento da atuação dos movimentos sociais e o risco de interven-
ção no processo político (riscos de convulsão social, proteS t ºs popula-
res, greves gerais, guerra civil etc.);
• mapeamento de possíveis alterações exógenas ao país que P,0 ~sam in-
fluenciar o mapa político interno (risco de guerras, represahas, san-
ções, pressões políticas internacionais etc.).

t O mapeamen~o político possui duas dimensões fundamentais, uma ~s~ru-


ural e outra conJuntural. A dimensão estrutural refere-se a fatores pohticos
que ?ão tendem a se alterar tão rapidamente como o perfil das den:and~s dos
~~rtido~ políticos, de seus líderes, composição do Parlamento etc._ Ja a dm~en-
ao COiljuntural deve ser conduzida em períodos mais curtos avaliando O nsco
de potenciais alterações dos mapas políticos levando em conta o jogo eleitoral,
os movimentos sociais e as relações políticas internacionais.
Findo o mapeamento político, é preciso analisar os resultados de acordo
com 0 P~rfºl
1 d a empresa. Ou seja, se a empresa pretende iniciar um mv:stimen-
· ·
to no pais, qual o risco político em cada uma das dimensões citadas acima? Da
mesma forma, uma empresa estrangeira atuando em um país constantemente
dev,: manter em dia este mapeamento, avaliando qual o risco sobre suas ope-
r~çoes em cada uma das dimensões citadas acima. Finalmente, uma vez ava-
h~~os os riscos, é preciso avaliar que ações podem ser tomadas que possam
m1t1gar esse risco.
Assim, o Quadro 8.14 constitui um exemplo resumido da avaliação do ris-
co político.

Quadro 8 .14 Avaliação resumida do risco político para o caso EBX-Bolívia.


Dimensão Política Risco Ação
Eleições Eleição de candidatos Contribuição financeira para
com posições contrárias candidatos com posições mais
a investimentos simpáticas ao empresariado
estrangeiros
Movimentos Pressão popular contra Cooperação com movimentos
sociais empresas estrangeiras sociais, especialmente atendendo
a população em torno da fábrica
(acesso à saúde, treinamento etc.)
164 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfa ti

Quadro 8.15

O seguro do risco político

O seguro de risco político é um instrumento geralmente caro de proteção que


tem uma história de baixa utilização por empresas brasileiras, especialmente em
situações de investimento direto. Muitas vezes, para compensar a falta deste segu-
ro, as empresas embutem no custo do projeto o risco de expropriação ou de outras
medidas que possam impedir que a empresa funcione normalmente no país.
Entretanto, é interessante conhecer o que há no mercado e avaliar com cui-
dado a contratação deste tipo de produto.
Alguns exemplos:
• A Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE - http://www.sbce.
com.br} oferece o seguinte produto:

Apólice de Riscos Políticos e Extraordinários de Curto Prazo

Ampara as exportações com prazo de pagamento de até 180 dias, admitindo,


em casos específicos, operações de até dois anos, com a garantia do FGE (Fundo
de Garantia às Exportações}. A cobertura é de até 90% e sua concessão está vin-
culada à existência de limite para os países dos importadores.
• Multilateral lnvestment Guarantee Agency - (MIGA - http://www.miga.
org}
Agência do Banco Mundial que mitiga os riscos nas operações de investimen-
tos em países em desenvolvimento
• Sovereign (http://www.sovereignbermuda.com)
Empresa seguradora de risco político
• Overseas Private lnvestment Corporation (OPIC - http://www.opic.gov)
Agência oficial do governo norte-americano que oferece produtos que miti-
gam o risco dos investimentos internacionais das empresas daquele país.

Checklist risco político

• investigação da estrutura política do país;


• avaliação crítica das posições dos governos e potenciais candidatos ao
governo em relação a empresas estrangeiras;
• política de corrupção.
monitoramento da política externa corporariva 165
0

8.2.s R"isco cultural

Quadro 8.16

Frango e os Países Árabes

é u A. Ar_ábia Saudita, assim como outros mercados de frango e~ países ár~b_es,


t
.rn pais com alto consumo de frango especialmente em razao das reS ílÇOes0
~ ·
reh Qiosas
· ao consumo de carne de porco' e também da preferencia popu 1ar, dª d
~ Preço desta carne em comparação ao de carne de vaca, que também apresenta
eterminadas restrições de época de consumo. Este país consome algo em torno
º
de 48 mil toneladas por ano de frango quase todo ele importado. Seria um pra-
· para as empresas brasileiras do' setor não fosse um detalhe.· to dO f rango
to eh eio
exportado deve ser abatido de acordo com as regras religiosas do ha/a/.
. A.s aves, depois de selecionadas - já que não podem estar lesadas ou conta-
minadas por qualquer doença ou apresentar deficiências -, são dispoSt ªs de ca-
beça para baixo, voltadas em direção à Meca e encaminhadas ao degolador. Esse,
por sua vez, deve ser mulçumano e, ao abater' cada ave, deve proferir as seguintes
·
palavras, no idioma árabe: "Bismillah Allahu Akbar", que significa "em nome de
~e~s" · O abate é feito através de um corte meia-lua no pescoço das aves, já po-
s~ci-~nadas de cabeça para baixo. Utiliza-se uma faca muito bem afiada, que pos-
sibilite O menor sofrimento possível ao animal. A afiação não pode ser feita na
frente das aves, a fim de evitar tensões e stress. O corte sempre deverá ser feito
manualmente: corta-se a jugular, a garganta e a traquéia, sem que a ave seja de-
golada. Logo após o abate, as aves e o abatedouro devem ser lavados com água
para que não haja qualquer resquício de sangue. O sangue deve sair naturalmente
do animal, até seu esgotamento total. Em seguida, as aves são novamente lava-
~a_s para então serem retiradas suas penas e vísceras. Outra vez é feita uma ve-
rificação_ para checar, por exemplo, alguma lesão não prevista. As aves remanes-
cen~es sao então lavadas pela última vez. Finalmente, os frangos são embalados e
certificados e depois mantidos sob refrigeração. Os locais e instrumentos utiliza-
dos para o abate halal devem ser exclusivos para este tipo de atividade, para não
haver contaminação entre as linhas de abate halal e as de abate padrão.
Ou seja, na prática, a empresa exportadora deve manter uma unidade sepa-
rada apenas para o halal, isso sem contar os gastos adicionais decorrentes dos
custos de certificação.
Vender frango para os países árabes significa investimento, lidar com as di-
~ere~ç~s de proc?sso de produção e as diferenças nas culturas de negociação e
egocios do Brasil em relação a estes países. Será que vale a pena?
166 Ma nual de Diplomacia Corpora tiva • Sa rfat.i

O caso 9 mostra como diferenças culturais podem afetar os negócios entre


as empresas. Na verdade, o setor de alimentação é de fato um dos que mais so-
frem impactos das diferenças culturais, não só em função de restrições religio-
sas mas também por causa de diferenças em termos de gostos e costumes.
As diferenças culturais não impactam apenas na aceitação de produtos,
mas também na eventual necessidade de adaptações. A Hering, por exemplo,
ao levar sua marca Dzarm, que normalmente apresenta roupas mais ousadas
para um público jovem, para alguns países árabes, teve que realizar algumas
alterações de modelagem, inclusive aumento do comprimento das saias. Outro
aspecto levantado no caso é o potencial impacto em processos de negociação,
ou seja, as diferenças na interpretação de situações e contextos são diferentes
entre as culturas, e essas diferenças frequentemente são obstáculos ao sucesso
de relacionamentos multinacionais.
Mas afinal o que é cultura? Definir cultura não é uma tarefa fácil. O termo
engloba tudo aquilo que é característico de uma determinada sociedade: busca
raízes no início de sua história e se comprova nos valores e símbolos atuais. Se-
gundo Czinkota, Ronkainen, Moffett (2002, p. 33), cultura é aquilo que dá ao
indivíduo um ponto de partida, uma identidade e seus códigos de conduta. É
aprendida, compartilhada e transmitida de uma geração para a outra. O autor
define cultura como um sistema integrado de padrões de comportamento que
são característicos dos membros de qualquer sociedade.
É importante, portanto, analisar as diferenças culturais entre diferentes
grupos posicionando-se com base no relativismo cultural. Relativismo cultural
é a premissa de que uma cultura não possui parâmetros absolutos para julgar
nem melhor nem pior qualquer atividade de outra cultura, quando comparada
à sua própria. Implica a nulidade de julgamento e encoraja a compreensão das
razões das diferenças.
Para Brett (2001) cultura é definida como o caráter único de um grupo so-
cial. A cultura consiste de elementos psicológicos, valores e normas comparti-
lhadas por um grupo. Para fins de simplificação de nossos estudos, focaremos
as diferenças culturais entre nações, mas na verdade ·as diferenças culturais po-
dem e devem ser aprofundadas em subgrupos menores de acordo com escola-
ridade, sexo, religião, origem étnica etc.
Os valores culturais dirigem nossa atenção para aquilo que é mais ou menos
importante além de influenciar nossos interesses e prioridades. Normas cultu-
rais definem que comportamentos são adequados e inadequados no negociado 1~
além de influenciar as estratégias do negociador. Instituições culturais preser-
vam e promovem os valores culturais. Os valores culturais, normas e ideologias
servem como os padrões comuns de interpretação das situações de negociação.
9
O caso e a discussão sobre cultura é derivado de trabalho desenvolvido por Marcela Karina
Silva Menezes Gomes.
--
·
o monitoram enro da política externa corporativa 167
e

Ib.e Quand0 duas ou mais partes negociam, ambas trazem ~uas culturas p~r! ª
e isa de negociação. Acontece que culturas podem afetar diretame_nte pos1çoes
do nteresses. Os valores culturais podem revelar os interesses ~ais profu~d~s
en: nego:iadores. Negociadores que vêm de cultura~ que valonzam a trad1çao
v· relaçao a mudanças podem não ser muito entusiasmados com o desenvol-
llb.ento econômico que ameace o modo tradicional de vida.
. Este é o caso da Eurodisney. A Disney comprou um terreno próximo a Pa-
ris
, ~remetendo trazer empregos· e desenvolvimento para uma reg1ao ·-
com aIto
inctice de desemprego mas a população local valorizava o estilo de vida cam-
Pones.~ '
Os executivos americanos tiveram dificuldades de concr·1·iar os mteres-
·
ses da população e do empreendimento Neste caso a Disney teve que buscar
do a poio· da comunidade, ajudando os moradores
. a preservar O mo d O d e vi'd ª
eles ao invés de tentar convencê-los dos valores econômicos do parque.
Quando as pessoas negociam seus comportamentos são estratégicos e suas
estrat'egias
· podem ser culturalmente
' · que negocia
baseadas. Isto quer dizer · d o-
res d d · - ·
. e etermmada cultura podem ter maior propensao a determma a estrate-d '
g1a e m re 1açao
- a outra cultura. As estratégias estão ligadas
. ,a negociaçao,
· - pois ·
as culturas envolvem normas que facilitam a interação social.
~rett (2001) identifica quatro grandes estilos de estratégia e em seguida os
relaciona com comportamentos culturais: .

• confrontação - culturas como a americana são mais propensas ao con-


fronto direto em relação à chinesa, que resolve indiretamente o conflito;
• motivação - diz respeito aos interesses dos negociadores, que podem
estar preocupados com os seus próprios interesses, interesses da outra
parte ou em relação aos interesses coletivos, que na verdade podem
estar além da mesa de negociação;
• influência - poder é a habilidade de influenciar a outra parte para con-
cordar com os seus desejos. Há culturas que tendem a valorizar o sta-
tus social em um processo de negociação enquanto outras dão o mes-
mo status aos negociadores;
• i1:formação - é como ocorre a negociação. Quando os negociadores
n~~ entendem a informação emitida pela outra parte, pois esta é co-
dificada culturalmente, é possível que as partes não consigam entrar
em um acordo. Da mesma forma que no estilo de confrontação, a in-
formação pode ser passada direta ou indiretamente. No estilo direto o
negociador passa exatamente O que ele quer ou pensa indiretamente:
0 sig?ificado está nas entrelinhas, no contexto, ou seja, há pouca infor-
maçao transmitida diretamente pelas palavras do negociador.
Três grandes fatores largamente estudados na literatura parecem relacio-
nar a cultura a influências sobre as estratégias de negociação:
168 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfaci

• individualismo versus coletivismo - em culturas individualistas a nor-


ma promove a autonomia individual, as instituições protegem os in-
teresses individuais e as economias promovem os resultados pessoais.
Já em sociedades coletivistas a norma promove a interdependência
pessoal enfatizando a obrigação social. As instituições econômicas e
sociais recompensam classes de pessoas ao invés de indivíduos. Insti-
tuições legais apóiam interesses coletivos em relação aos individuais;
• igualitárias versus hierárquicas - culturas hierárquicas dão ênfase ao
status social, o que implica em poder social. Culturas hierárquicas ten-
dem a evitar a confrontação direta porque isso pode indicar uma falta
de respeito com o status social;
• alto contexto versus baixo contexto de comunicação - pessoas de cul-
turas de baixo contexto preferem se comunicar diretamente, enquan-
to entre as de alto contexto as mensagens devem ser inferidas ou
subentendidas. Estas diferenças culturais originam diferentes estilos
de confrontação - as culturas de baixo contexto preferem a confron-
tação enquanto as de alto contexto preferem o processo de divisão de
informações.

Os negócios internacionais, por definição, têm alto impacto cultural. Se,


por um lado, como mostra Ghemawat com o CAGE, alguns bens e serviços são
menos sensíveis a diferenças culturais, por outro, o dia-a-dia do diplomata
corporativo é exatamente pautado pela construção da ponte entre compreen-
sões de mundo muito diferentes. Em outras palavras, parte significativa de
seu trabalho é operar como liaison de diferenças culturais, evitando que estas
compreensões distintas do mundo se transformem em obstáculos aos negócios
internacionais.
A gestão destas diferenças culturais, sem dúvida alguma, é uma verdadeira
arte, no sustento que pode ser apreendida com cursos e vivências específicas
em ambientes culturais e cursos de negociação que apliquem técnicas de nego-
ciação intercultural.
De qualquer forma a gestão das diferenças culturais, antes de tudo, exige
um cuidadoso mapeamento dos potenciais obstáculos culturais que podem afe-
tar os negócios entre os países. Este mapeamento cultural deve indicar:

• diferenças em estilos de negociação - diagnóstico das diferenças bási-


cas de estilo de negociação que podem afetar o relacionamento entre
as partes (mapeamento cultural de negociação);
• diferenças culturais em produtos e serviços - diagnóstico das diferen-
ças culturais que podem trazer impacto na performance de venda do
produto ou serviço. Entre outros fatores que podem ser levantados (de
0 monitoramento da política ex terna corporativa 169

acordo com o caso) estanam . re11-g1•aNo, hábitos alimentares, estilo de


Vestua' no,
· pa d roes tecmcos - com 1·mpacto cultural, valores etc. (ma-
N , •

peamento cultural de produtos e serviços) .

casoOf Quadro 8 . 1 7 mostra um resumo da avaliação do risco cultural para o


rango em países árabes.

Quadro 8 · 17 Avat,·açao
- resumi.da d o nsc
. 0 cultural para o caso Frango - Países
r-------....__ Árabes
Dimen -
sao Cultural Ação
Religião Risco
Custos de produção Verificar o possível retorno
especificamente voltada financeiro da operação.
para o hala/ Caso positivo, manter estrito
cumprimento dos preceitos
Costurnes e religiosos
Negociação Diferenças em estilos de Preparação de todos os
negociação podem causar executivos com negociação
problemas na gestão do com países árabes sobre
relacionamento hábitos culturais e técnicas de
neqociação cultural

Checklist risco cultural



hábitos alimentares, vestuário ou outros produtos culturais;

cultura de negociação;
• valores e negócios;

imagem do Brasil no setor.
8 2 6
· · Exemplo de análise dos 5 Riscos para uma empresa do
setor de queijos que pretende entrar na Argentina 10
Risco geográfico

A Argentina é o segundo maior território em extensão na América Latina.


Está dividida em seis regiões geográficas:

a) Pampa: solo plano e fértil, clima temperado;


b) Noroeste: solo montanhoso rico em minerais, clima subtropical;
st
lO ~ a análise foi conduzid a com a colaboração de Eleonora Spínola, Fabiana Biazoti, Fabio
Ottaiano e Flávia Ca rrasco.
Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfatí
170

c) Cuyo: montanhas férteis e apropriadas à cultura da vinha, com abun-


dantes fontes de águas minerais e termais, clima ameno;
d) Nordeste: compreende as terras do Chaco argentino, ricas em madei-
ra, clima úmido;
e) Mesopotâmia: onde se localiza a selva subtropical e a bacia hidrográ-
fica formada pelos rios Uruguai e Paraná;
D Patagônia: região de montanhas nevadas, grandes bosques e lagos, cli-
ma frio.
As planícies do Pampa constituem uma das zonas mais férteis e produti-
vas do mundo, onde se cultivam cereais, como trigo e soja, além da criação de
gado. Há ainda a re?ião andi~a'. com vales de clima temperado, que permite o
cultivo de uvas, azeitonas e c1tncos.

Clima
A grande extensão territorial determina ampla variedade climática, desde
os climas subtropicais, ao norte, até os frios , na Patagônia, com predomínio
dos climas temperados na maior parte do país. O clima é mais frio nos Andes ,
na Patagônia e na Terra do Fogo, em função da latitude e da maior altitude de
tais regiões.

População
A população da Argentina foi estimada em 36,3 milhões de habitantes em
2001 , o que representa uma densidade demográfica de aproximadamente 13
habitantes por quilômetro quadrado. A Província de Buenos Aires e a Capital
Federal concentram cerca de 50% da população do país, sendo a maioria de
origem européia. No centro do país boa parte é de origem mestiça. Estima-se
que, por volta do ano 2010, a população total do país chegue a 41 milhões de
habitantes. Os principais centros urbanos são:

Quadro 8.18 Centros urbanos argentinos.


Cidade N2 de habitantes
Buenos Aires e grande Buenos Aires 11.460.000
Córdoba 1.284.000
Rosário 1.121 .000
Mendoza 110.000
San Miguel de Tucumán 527.000
La Plata 574.000
Mar dei Plata 564.000
Salta 473.000
FONTE: INDEC.
. da política externa corporativa
171
o monitoramento

Transporte rodoviário
Ar d d ·, . b ·almente nos últimos
anos Bu e e ro oviana
. argentina
. desenvolveu-se ,su stanci ·-
· ·pai·s cidades e regioes
d · , enos Aires está hgada, por via terrestre, as pnnci .•
0 pais. ES e conta com 63.548 quilômetros de rodovias e 600.000 qmlo1:1e_tr_ os
de estrada t . . . . . . 7 - dministradas pela m1c1a-
. priv
tiva · s rnumcipais. Das rodovias nacionais, -1 dsao a d ' ·os O transporte ro-
. , . ªd a, remunerada por meio da concessao e pe agi · . .
~oviano entre o Brasil e a Argentina efetuado por empresas braSileiras_e argen-
tinas da' · • ' · p so de los Libres. Em
d ' -se, prmcipalmente, através da ponte Uruguaiana- ª , O .
ezemb_ro de 1997, foi inaugurada a ponte São Borja - Santo Tome, sobre Ri?
Uruguai. Encontra-se em estudo a viabilidade de um corredor de transporte h-
3
gaado Buenos Aires, Montevidéu e Rio de Janeiro, com extensão de .000 km.
Ofer d . . f , · e as melhores rodo-
. ece um os roteiros mais seguros e con ortaveis . .. .
vias - com pedágios em muitos trechos, porém cobrando valores si~n_if~catl-
vamente inferiores aos do Brasil. O pagamento de propinas para pohciais da
Gua rd ª Nacional é quase inevitável.

Corredor São Paulo - Buenos Aires

Esse corredor, em território brasileiro, encontra-se totalmente implant~do


e co_nsolidado. O mesmo segue, a partir de Curitiba, por diversas alternativas
de hg~ção rodoviária já pavimentadas, que seguem até pontos_~e-passa~em de
fronteira com a Argentina e o Uruguai. Alguns trechos rodov1anos est~o com
sua ca_~acidade já esgotada, devido ao intenso tráfego inter?º d_o BraSil ~~t_re
as regioes Sudeste e Sul. Dispõe, ainda, de alternativas de hgaçao ferrovian~,
que seguem em bitola de 1,00 m até as fronteiras da Argentina e do Uruguai.

Transporte ferroviário
. O sistema ferroviário foi privatizado em diversas etapas, que ti~er~m iní-
ClO em novembro de 1991, pelas linhas de transporte de carga, e fmahzaram
e~ : 995, com o transporte urbano de passageiros. Conta com cerca de ~4.5~0
qu_Ilometros de ferrovias, com três bitolas diferentes, e liga Buenos Aires as
prmcipais regiões e cidades do país, entre elas os portos de Santa Fé, Rosário
0
e B_ahía Blanca. Duas linhas através dos Andes permitem a comunicação com
Chile. Há ainda conexões com O Brasil, 0 Paraguai e a Bolívia. O total de carga
transportada nos anos 2001 e 2002 foi de 16,9 milhões e 17,4 milhões de to-
neladas, respectivamente. Em agosto de 1998, 0 consórcio brasileiro integra-
do pelas companhias Ferrovia Sul Atlântica e Ferrovia Centro Atlântica adqui-
riu, da empresa Indústrias Metalúrgicas Pescarmona, ações das companhias de
transporte de carga Buenos Aires al Pacífico (BAP) e Ferrocarril Mesopotámico
? ene~al Urquiza (FMGU), constituindo urna rede de 22.000 quilômetros que
mterhga centros industriais do MERCOSUL e portos da região.
172 Ma nual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Transporte fluvial

A Argentina conta com cerca de 3.000 km de vias navegáveis. A rede de hi-


drovias, composta pelos rios da Prata, Paraná, Paraguai e Uruguai, é utilizada,
principalmente, para o transporte de mercadorias destinadas à região nordeste
argentina e para o escoamento da produção agroindustrial por diversos portos
privados, nos quais estão sendo realizados, com participação de empresas es-
trangeiras, importantes investimentos em infra-estrutura portuária, terminais
de carga específica, terminais multimodais etc. Os principais portos fluviais são
os de Zárate e Campana. Os trabalhos de dragagem e balizamento já realiza-
dos nos rios Paraná e Paraguai e os que estão sendo estudados conjuntamente
pelos países da bacia do Prata visam à construção de hidrovia que permita a
navegação diurna e noturna, durante todo o ano, com comboios de barcaças
ao longo de 3.442 km.

Transporte marítimo

A maioria dos produtos importados pela Argentina chega ao país por via
marítima. No litoral marítimo de 4.000 km, a Argentina conta com portos bem
equipados e áreas para armazenagem de carga. Os principais portos são: Buenos
Aires, La Plata-Ensenada, Bahía Bianca, Mar del Plata, Quequén-Necochea, Co-
modoro Rivadavia, Puerto Deseado, Puerto Madryn e Ushuaia. O porto de Bue-
nos Aires é o mais importante, sendo responsável por parcela considerável do in-
tercâmbio comercial argentino (39% da tonelagem comercializada). O transporte
marítimo com o Brasil é disciplinado pela Conferência de Frete Brasil-Argentina,
que abrange o movimento nos principais portos argentinos e brasileiros.

Conclusão do risco geográfico

Por tratar-se de um produto perecível, a logística possui extrema importân-


cia. O transporte constitui uma parte importante da logística, dentro da visão
sistêmica e moderna de entregar o produto correto, no lugar certo, no menor
tempo, em condições adequadas e ao menor custo possível.
A Argentina possui um risco baixo quanto à inserção do produto, devido
às boas condições de suas rodovias, ferrovias e portos, porém há um esgota-
mento das estradas brasileiras que levam à Argentina. A população estando
concentrada na província de Buenos Aires e grande Buenos Aires favorece a
distribuição do produto, uma vez que, com 50% da população concentrada
ali, esta área torna-se o foco do produto, tendo a possibilidade de duas rotas:
Uruguaiana (Brasil) - Paso de los Libres (Argentina), com 743 km, e São Bor-
ja (Brasil) - Santo Tomé (Argentina), aproximadamente 929 km. A primeira
rota possui cinco pedágios, somando 11,6 dólares; já na segunda rota o valor
somado dos seis pedágios é de 51,60 dólares. De maneira geral, os fretes ro-
o monitoramento da pol!tica externa corporativa 173

doviários ~ d 1
e sao negociados livremente no mercado e dependem o vo ume a ser
. , d a d a a 1·1m1taçao
t Xportado · ~ da capacidade
· ' 1os. No transpor-
de carga d os ve1cu
e rodov1á · 0 , b d MER
SOL re no, despacho_ aduaneiro referente aos ~aises-mem ros o . , ~0-
Dec Iar quer
~
a apresentaçao do Manifesto Jnternac10nal de Carga Rodov1ana e
açao de Trânsito Aduaneiro (MIC/DTA).
Aemp ,· ·
regulares dres ~ ehxportadora pode contratar transporte_ mdantn_no com sbe rv1ços
n e 1m a ou com serviços fretados. Porém, am a existem pro 1emas
=1os-0 Portos , prmc1palmente
· · no brasileiro que conta com o uso excessivo · de
" ª -de -ob ra para movimentar carga. Mesmo ' com a Lei· d e Mod ermzaçao
· ~ d os
f .ºrdt?s e redução no número de trabalhadores uma pressão exercida pelos
- 1catos faz com que um porto como O de Santos,
In ' mesmo com a mo dermza- ·
Çao recente , empregue três vezes mais gente que similares · Iatmo-amencanos,
· ·
como . o de Bue nos A'ires na Argentina Estas re1vm .. d'1caçoes
~ 1azem
e com que
existam m · ' ·
lutas greves e um aumento no preço do produto, uma vez que deve-
se pagar um número maior de trabalhadores para realizar este serviço.
C b O transporte ferroviário é pouco utilizado pelos exportadores brasileiros.
t ª e ter pres ente, no entanto que o Brasil mantem ' · b I·1 atera1s
' convemos · de
p ransporte ferr · ' · ' · N
ov1ano com a Argentina a Bolívia e o Uruguai. as exportaçoes ~
ara esses países, é conveniente port~nto considerar os custos deste tipo de
transpo .', ' . ,
S
rte. No transporte ferrov1ario O despacho aduaneiro referente aos pa1-
es-membro
. s d o MERCOSUL requer a' apresentação da Carta d e Porte Interna-
cional e Declaração de Trânsito Aduaneiro (TIF/TDA).
t ~ ~lima na Argentina, predominantemente temperado, proporciona um for-
; cu tivo de uvas, e um grande consumo de vinhos pela população argentina.
t
c eS a forma, o consumo de vinhos geralmente vem acompanhado de queijos,
0 m sabores ma· t · ha' um gran-
d is ortes, sendo produtos complementares. Assim,
e consumo de queijos na Argentina, favorecido pelas condições climáticas.

Quadro 8 · 19 Avalia çao


- resumi'da d o nsco
· '.e·
geogra,,co - empresa de queI10
·· na
Argentina.
Dimensão Geográfica Ação
Risco
Transporte
Problemas de escoamento Construção de estrada de
de mercadoria perecível ferro e terminal portuário
Clima
Clima mais frio que o Preferir queijos mais ade-
brasileiro quados ao clima mais ameno

Risco econômico

Moeda e câmbio

ad tDdesd~ ª desvalorização produzida em janeiro de 2002, o tipo de câmbio


0
a o e o de flutua çao • Depo1s
~ SUJa. · d e uma 1orte
e ·
subida · ·
da d1v1sa nos pri-
174 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

meiros meses, a taxa permanece mais ou menos estável ao redor de AR$ 3,00
por dólar (março 2006).

Produto Interno Bruto (PIB)

Após atingir um pico histórico no segundo trimestre de 1998, quando che-


gou a medir 299 bilhões de dólares/pesos, o produto bruto da Argentina co-
meçou a sofrer sucessivas desacelerações. Depois de tocar o fundo do poço em
2002, com uma queda em preços constantes de quase 11 % em relação à cifra
registrada no ano anterior, essa tendência foi revertida a partir de 2003. Nos
últimos três anos, a variação do PIB (ou seja, o crescimento do país) vem sen-
do de aproximadamente + 9% ao ano. Em 2005 a cifra foi de 181 bilhões de
dólares, o que coloca a Argentina como 372 país no ranking mundial e como 32
país da América Latina. O PIB per capita seguiu a mesma tendência e hoje é de
aproximadamente 4. 700 dólares.

Mercado de trabalho

A Argentina sempre foi um país caracterizado pelo baixo nível de desem-


prego, daí sua condição de receptor de imigração. No entanto, a partir de mea-
dos da década de 80 a falta de trabalho começa a ser um fator crescente de
preocupação, como conseqüência das sucessivas crises econômicas. O pico de
desemprego foi em 2002, quando chegou à taxa de 20,8%. Atualmente, a ex-
clusão no mercado de trabalho ainda é bastante alta, com uma taxa oficial de
desemprego de 11,1% e uma subocupação de 8,9% (setembro de 2005). Entre
os que trabalham, a remuneração média do primeiro semestre de 2005 foi de
aproximadamente 740 pesos, ou o equivalente a 250 dólares.

Inflação

Nos anos 90, o Plano de Conversibilidade pôs fim ao período hiperinflacio-


nário e manteve os preços controlados. No entanto, devido à desvalorização do
peso em janeiro de 2002, a inflação acumulada durante esse ano chegou a 40%
(é importante notar a grande sensibilidade que a economia argentina apresen-
ta frente a variações do tipo de câmbio, principalmente em razão do fato de
ser um grande exportador de commodities alimentícias). A inflação registrada
em 2005 foi de 12,3%.

Dinheiro e bancos

Durante a vigência da conversibilidade, a Argentina manteve um tipo de


câmbio fixo que atrelou o valor do peso ao dólar, implicando uma grande dis-
seminação da moeda norte-americana em transações diárias e em contas ban-
monitoramento da política externa corporativa 175
0

cárias. Junto com a d . _ em meio a uma retenção de depósitos (o


1
challlado corralit ) e esva onzaçdao, e d·das de "pesificação" e indexação assi-
mét . o , 1oram toma as me 1 d.d
ena ricas d~ depósitos e dívidas pactadas em dólar. Essas me 1 as: que ger~r~
de rme reJeição d a opm1ao. ·- pu'bl.1ca por modificar contratos e v10lar o dire1to
d.
Propriedade DO d 1 .d m O transcurso dos meses me 1ante
des , ram sen o reso v1 as co
Contos nos valores originais e entrega de bônus do governo.
A recuperação e d d trouxe bons ventos à recompo-
conom1ca o ano e 2003
A •
siç ~ , d d , .
ao do sistema ban , • to paulatino no numero e epos1tos e
ta111bém de e , . cano, co1:1 aumen . ado Em um ano a taxa de J·u-
mprest1mos relativos ao setor pnv · '
ros nominal anual para depósitos a prazo fixo de 30 a 59 dias passou de 20, 7%
ª 3 ,3 % (2003).
Balanço de pagamentos

ano O saldo global do balanço de pagamentos d~ ~gentina d,urante, ~s. dez


s de conversibilidade O 9 91 _2001 ) foi superaVItáno. O contmuo def1c1t da
~=l:nç~ comercial _foi compensado nesse período por ~m~ ent rad ~ en:i m~ssa
apitai estrangeiro oriundo principalmente de empresnmos e pnvanzaçoes.
Com a desvalorizaçã~ de 2002 as importações despencaram 60% em relação
ao an 0 antenor.
· Isso permitiu acumular
' · 1d u-
' · comercia
um importante superavit
rante os últimos anos, que gira em torno de 11.500 dólares anuais (2005).

Reservas internacionais

. As reservas internacionais da Argentina após haverem atingido U$S 8,9


b Ilh- ·
b. ~es em Junho de 2002, já alcançaram em' 2005 aproximadamente
· U$S 26
d ilhoes. Essa cifra já supera O nível existente no período da conversibiliade e se
eve em parte à política agressiva do Banco Central e ao excelente desempe-
nho das exportações argentinas.

Dívida externa

. , _A ~gemina decretou moratória em janeiro de 2002 e a partir de 2004 deu


imcio a renegociação de sua dívida. Em 2005, as obrigações giravam em tomo
de U$S 150 bilhões.

Comércio exterior

Al~m do superávit no balanço de pagamentos, a desvalorização da moeda


argentma também modificou a composição de seu comércio exterior. Desde
2002 , observa-se que o MERCOSUL se tornou menos importante como destino
de exportações, tendo sido derivadas em certa forma a vários países do Sudeste
176 Manual de Diplomacia Corporativa • Sa rfa ti

asiático, com a China na liderança. Por outro lado, as importações oriundas do


MERCOSUL representam em 2005 10% a mais do que em 2001, significando
menor peso relativo da UE e do NAFTA.
Exportações: U$S 40 bilhões (2005 + 16%)

Política econômica de N éstor Kirchner

A política econômica de Néstor Carlos Kirchner é uma mescla de políticas


ortodoxas e heterodoxas como uma verdadeira contradição. Trata-se de um
equilíbrio entre o realismo, através dos interesses corporativos, da ideologia e
das necessidades de poder.
A razão de tais fatos advém do argumento de Kirchner de que os superávits
primários permitem acumular reservas internacionais que asseguram a depen-
dência decisória nacional. Isso se deve ao fato de que, se a estabilidade mone-
tária e cambial continuasse dependendo dos financiamentos do FMI, o governo
se manteria preso a políticas estruturais impostas pelo exterior.
Kichner acredita que, para manter uma política que responda aos interes-
ses nacionais, devem-se manter os superávits e o acúmulo de reservas. Seu ob-
jetivo prioritário é ganhar independência para executar políticas que recons-
truam o capitalismo nacional.
Existe um interesse central em taxar as exportações agropecuárias e de dis-
ciplinar o setor financeiro, dentro do contexto objetivo de melhorar os salários
e favorecer a indústria nacional, o que, devido à participação no bloco comer-
cial do MERCOSUL, toma-se quase impossível, em razão da competência do
Brasil de limitar a capacidade da indústria local de ser rentável e, ao mesmo
tempo, pagar salários elevados. Atualmente, não é mais possível que a renda
agropecuária argentina seja alta suficiente para beneficiar simultaneamente os
assalariados e indústrias nacionais.
Os interesses da indústria nacional são a favor de dólar alto e de uma in-
dependência decisória que permita ao país regular as empresas privatizadas e
bancos. A variante atual é de que os interesses industriais de maior influência
são os dos grandes conglomerados com fortes interesses na exportação de insu-
mos intermediários e estes interesses corporativos se beneficiam do dólar alto
para a exportação, mas também se beneficiam da proteção dos bens finais dos
quais possuem demanda no mercado interno.
Portanto, a debilidade do governo de Kirchner é demonstrada através de
excessos de intervenção na economia, atitudes protecionistas e nacionalistas
exageradas. Estes excessos são os que limitam a possibilidade de alcançar um
crescimento alto e sustentável.
O monitoramento da política externa corporativa 177

Quadro 8.20 Avaliação resumida do risco econômico para o caso empresa de


queijo na Argentina.
Di mensão Econômica Risco Ação
Câmbio Desva lorização Diferenciação de preço no limite
cambial da margem de lucratividade
Quando o preço não for mais
competitivo, cessar exportação
Inflação 1 Retração da atividade Operações de hedging
econômica Mecanismos próprios de
financiamento das vendas com
juros embutidos
Indexação do preço final em
dólares
Inflação li Alto risco de interven- Cuidadosa gestão de exportações
ção governamental/ minimizando exposição ao
política de controle de mercado local
preços

Risco legal

Queij os

"Com a denominação de queijo, se entende o produto fresco e maturado


que se obtém através da separação do soro do leite, ou do soro recons-
truído - parcial ou totalmente desnatado-, coagulado pela ação do coa-
lho e ou enzimas específicas. Se pode complementar com bactérias es-
pecíficas ou ácidos orgânicos para agregar colorantes ou condimentos"
(Código Alimentar Argentino, Decreto nº 111, 12/1/1976, art. 605) .

De acordo com o conteúdo de gordura do extrato seco da pasta, os quei-


jos se classificam em: muito gorduroso, gorduroso, semi-desnatado, magro e
desnatado.
Segundo o tempo de maturação e de conteúdo de água da pasta, se clas-
sificam em: pasta cremosa ou queijos frescos (45% a 55%), pasta semidura
(36% a 44%) e pasta dura (27% a 35%).
Os queijos fundidos não se incluem na classificação por conteúdo de umi-
dade. Se obtém queijo moído, mesclado e fundido por meio de calor e agentes
emulsificantes.
As condições, exigências e características para os leites em pó se especifi-
cam nos artigos 605 a 642 do Capítulo VIII do mesmo Código.
1 78 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Os órgãos responsáveis pelos aspectos regulatórios da produção e comér-


cio de queijo na Argentina são a Secretaria de Políticas, Regulação e Relações
Sanitárias, ligada ao Ministério da Saúde e Ambiente, e a Secretaria de Agri-
cultura, Pecuária e Alimentos. As normas e regras abaixo seguem as diretrizes
do acordo entre os países-membros do MERCOSUL.
O órgão argentino encarregado da fiscalização do cumprimento das exi-
gências abaixo é o SENASA (Servido Nacional de Sanidad y Calidad Agroali-
mentaria), ligado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Alimentos. Esse órgão
possui um convênio com o DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos
de Origem Animal), ligado ao Ministério brasileiro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. O DIPOA fiscaliza a indústria láctea e repassa as informações
para o órgão argentino, que aprova ou não a empresa brasileira.
A seguir estão as exigências relacionadas à composição, produção e tipos
de queijo exigido pela Argentina:

'1\RTIGO 34. Regras relacionadas à produção e comercialização de


Queijo:
Entende-se por queijo o produto fresco ou maturado obtido pela se-
paração parcial do soro do leite ou leite reconstituído, ou de soros lác-
teos, coagulados pela ação física, do coalho, de enzimas específicas, de
bactérias específicas, de ácidos orgânicos, individuais ou combinados,
todos de qualidade para uso alimentício, com ou sem substâncias ali-
mentícias e/ou condimentos, aditivos especificamente indicados, subs-
tâncias aromatizantes e materiais colorantes.

Queijo Fresco: O que está pronto para o consumo pouco depois de sua
fabricação.
Queijo Maturado: Passou por mudanças bioquímicas e físicas.

1. Denominação de venda:
a) Denominação "Queijo" é reservada para produtos que não con-
tenham gordura e/ ou proteínas de origem não Láctea.
b) Os produtos de denominação "Queijo" devem especificar as ca-
racterísticas de sua variedade, especificadas nesse Código.
c) Os queijos deverão cumprir requisitos físicos, químicos e senso-
riais, presentes nesse artigo.
2. Classificação: A seguinte classificação se aplicará a todos os queijos
e não impede denominações mais específicas.
a) De acordo com o conteúdo de matéria gordurosa do extrato
seco em %, os queijos se classificam em:
179
O monitoramento da política externa corporativa

Extragordurosos ou nata dupla: menos de 60%.


Gordurosos: entre 45,0 e 59,9%.
Sernigordurosos: entre 25,0 e 44,9%.
Magros: entre 10,0 e 24,9%.
Sem creme: menos de 10,0%.
Método de tornada de amostra: FIL 50 C: 1999.

b) De acordo com a quantidade de umidade, em %:


Baixa umidade (geralmente conhecidos como de paS ta dura):
até 35,9%.
Média umidade (geralmente conhecidos como de paS ta semi-
dura): entre 36,0 e 45,9%.
nd
Alta umidade (geralmente conhecidos como de massa bra ª
ou macios): entre 46,0 e 54,9%.
Umidade muito alta (geralmente conhecidos como de massa
muito branda ou mole), inferior a 55,0%.
- Tratados termicamente após fermentação.
- Sem tratamento térmico após fermentação.
Método de tornada de amostra: FIL 50 C: 1999.

3. Elaboração de queijos:
a) Ingredientes obrigatórios: Leite e/ou leite reconstituído (inte-
gral ou sernidesnatado ou parcialmente desnatado, desnatado
e/ ou soro lácteo).
Leite se entende como proveniente de espécies bovinas, capri-
nas, ovina ou bufalina. Sem a especificação é denominado leite
bovino.
Coagulante apropriado (de natureza física e/o química e/o
bacteriana e/o enzimática).
b) Ingredientes opcionais: Cultivo de bactérias lácticas ou outros
microorganismos específicos, cloreto de sódio, cloreto de cál-
cio, caseína, sólidos de origem láctea, especiarias, condimentos
ou outros ingredientes opcionais, permitidos somente confor-
me o previsto explicitamente nos artigos que descrevem varie-
dades individuais ou grupos de variedades individuais de certas
variedades particulares de queijos.
c) Aditivos: Poderão ser utilizados na elaboração de queijos os
aditivos indicados na lista que figura a continuação.
180 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfa ti

4. O Leite a ser utilizado deverá ser higienizado por meios mecânicos


adequados e submetido à pasteurização, ou tratamento térmico
equivalente para assegurar fosfatasa residual negativa, combinado
ou não com processos físicos ou biológicos que garantam a inocui-
dade do produto.
Queijos que passem por um processo de maturação a uma tempe-
ratura superior a 5ºC durante um tempo menor que 60 dias não
precisam passar pelos processos mencionados acima.

5. Os queijos deverão atender às seguintes exigências:


a) Critérios macroscópicos e microscópicos: Os produtos não po-
derão conter substâncias estranhas de qualquer natureza.
b) Critérios microbiológicos: Os queijos deverão cumprir com o
estabelecido no inciso 6 desse artigo.
c) Contaminantes: Os contaminantes orgânicos e inorgânicos não
devem estar presentes em quantidades superiores aos limites
estabelecidos no presente Código.
Os requisitos microbiológicos foram definidos com base nos dados da
Comissão Internacional de Especificadores Microbiológicos dos Ali-
mentos (ICMSF). Os queijos foram classificados segundo o conteúdo
da pasta, outras características e tecnologias de fabricação.

7. Os queijos poderão ser acondicionados ou não e dependendo de


sua variedade, apresentam embalagens bromatologicamente de
acordo com o presente código.

8. O rótulo dos queijos deve aderir às seguintes exigências:


Denominar-se-á Queijo ... 'seguido da variedade ou do nome fantasia.
Os queijos com adições de substâncias alimentares, especiais ou ou-
tras substâncias aromatizantes naturais, deverá ser indicado na deno-
minação de venda o nome desses produtos adicionais, exceto no caso
em que a presença dessas substâncias seja constituição tradicional do
mesmo'.
Se na produção do queijo for utilizado leite de mais de uma espécie
animal, deve ser declarado, com as respectivas porcentagens.

ARTIGO 36. Para a classificação dos queijos por qualidade:


• por corpo e textura: 30 pontos (máximo).
• por cor: 15 pontos (máximo).
• por apresentação: 10 pontos (máximo).
O monitoramento da política externa corporativa 181

Segundo a quantidade de pontos obtidos, os queijos se classificarão em:


• Qualidade Extra: classe de qualidade I, classificação por avalia-
ção sensorial (não menos de 93 pontos).
• Primeira Qualidade: classe de qualidade I, classificação por
avaliação sensorial (89 a 92 pontos).
• Segunda Qualidade: 85 a 88 pontos.
• Observado ou Reprovado: sem pontuação.
Método de tomada de amostra: FIL S0C:1995.

ARTIGO 37. Proibida para consumo humano a comercialização de


queijos:
a) Que se encontrem alterados ou modificados em suas caracterís-
ticas.
b) Os que apresentem deficiências no corte ou na pasta que envol-
vam algum risco sanitário.
c) Os que contenham substâncias estranhas de qualquer natureza.
d) Os que se encontrem atacados por mofos (exceto aquele que
contém um tipo especificado).
e) Os invadidos por larvas de insetos ou atacados por ácaros ou
roedores.
f) Os que contenham toxinas microbianas.
g) Os que contenham resíduos de plagicidas, antimicrobianos ou
outras sustâncias químicas proibidas ou permitidas em quanti-
dades superiores às estabelecidas pelo presente Código.

ARTIGO 40. Queijo branco, se entende o produto elaborado com leite


integral, parcial ou totalmente desnatado, coagulado por acidificação
lática complementada ou não por coalho e/ou enzimas específicas.
Deverá seguir as seguintes exigências:
a) Massa: cru, dessorada, salgada ou não, não maturada.
b) Pasta: branda, finamente granulada, despedaçável, algo untuo-
sa; aroma agradável e pouco perceptível; sabor doce ou ligeira-
mente ácido; cor branca/amarela uniforme.
c) Forma: de acordo com o recipiente de embalagem. Deve ser
bromatologicamente apto conforme explicitado no presente
Código com materiais adequados para as condições previstas
de armazenamento e que confiram uma proteção apropriada
contra contaminação.
...

182 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

d) Estabilização: mín. 24 h. telllPeratll '


e) Manter-se-á na fábrica e até seu consumo a uma
inferior a l0ºC. belecidaS n
. " das esta
f) Rótulo: em conformidade com as ex1gen
presente Código. ,., constar no
e deverao
g) Serão reconhecidas três variedades, qu
rótulos:
• Queijo Branco:
água, máx.: 75,0%
gorduras (s/extrato seco): 20,0-40,0%
• Queijo Branco Semi-magro:
água, máx.: 77,0%
gorduras (s/extrato seco): 10,0-19,9%
• Queijo Branco Descremado:
água, máx.: 80,0%
d 100%
gorduras (s/ extrato seco): menos e ' d to o\J·
ro u o
,., . entende o Pd zido p
ARTIGO 41. Com a denominaçao de Ricota, se_ , .do pro u 0u pO
tido pela precipitação mediante calor em ~eio aclpropriadaSé·cas d0
'd'f ,., ' · lacteas ª rot 1 s
~c~d1 1caça?, ~evido ªº. ~ultivo de bactf~nasd s substâncias Pde queijO
ac_1 os_ org_amcos perm1t1do para esse 1m, ª ou do soro
leite (mteira, parcial ou totalmente desnatado)
, ot1'º
Devera cumprir as seguintes exigências: aroJJlª P
sabor e
a) Massa: compacta finamente granulosa,
' d niforrne,
perceptíveis, cor branco-amarela a u ser
b) Estabilização mínima 24 h. gelll· pev:e11te
ernba1a pre s
c) Forma: de acordo com o recipiente de r itado n° revista
bromatologicamente apto conforme exp ic ondiçóe5 p0priªdª
Código com materiais adequados para as c oteção apr
de armazenamento e que confiram uma pr ra~
contra contaminação. a reJJlPe
a urn
d) Manter-se-á na fábrica e até seu consumo
inferior a l0ºC. 0. 11º
. . . d consurri idlls
e) Pro1b1do seu fracionamento em locais e tabe\eC
• ses
f) Rótulo: em conformidade com as exigência
presente Código.
O monitoramento da política externa corporativa 183

g) S~rão reconhecidas três variedades, que deverão constar nos


rotulas:
f • Ricota de Leite integral: 1
água, máx.: 75,0%
Gorduras (s/extrato seco): 11,1-13,0%
• Ricota de Leite Semi-desnatado:
água, máx.: 77,0%
gorduras (s/extrato seco): 5,0-11,0%
• Ricota de Leite Desnatado:
água, máx.: 80,0%
gorduras (s/extrato seco): menos de 5,0%
h) A Ricota elaborada com soro de queijos poderá se adicionada
de leite ou/e creme. Serão reconhecidas três variedades, que
deverão constar nos rótulos:
• Ricota com Nata:
água, máx.: 75,0%
gorduras (s/extrato seco): mais de 11,0%
• Ricota Semigordurosa:
água, máx.: 77,0%
gorduras (s/extrato seco): 5,0-11,0%
• R.icota Magra:
água, máx.: 80,0%
gorduras (s/extrato seco): menos de 5,0%

ARTIGO 42. Com a denominação de Queijo Petit Suisse, se entendem


os produtos de umidade muito alta, elaborados com leite integral ou
leite estandardizado, com ou sem o agregado de nata; acidificado por
cultivo de bactérias lácteas e coagulado por coalho e/ ou enzimas espe-
cíficas.
Deverá cumprir as seguintes exigências:
a) Massa: branda, dessorada, amassada ou não, podendo ser ligei-
ramente prensada e salgada.
b) Pasta: branda, fina, untuosa, homogênea, inconsistente; aroma
suave e agradável; sabor ligeiramente salgado ou ácido-doce;
cor branco-amarelada uniforme.

I
1
1
1

1
1
184 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

c) Forma: de acordo com o recipiente de embalagem. Deve ser


bromatologicamente apto conforme explicitado no presente Có-
digo com materiais adequados para as condições previstas de
armazenamento e que confiram uma proteção apropriada con-
tra contaminação.
d) Manter-se-á na fábrica e até seu consumo a uma temperatura
inferior a 10ºC.
e) Proibido seu fracionamento em locais de consumo.
f) Rótulo: em conformidade com as exigências estabelecidas no
presente Código.
g) Serão reconhecidas três variedades, que deverão constar nos
rótulos:
• Queijo Petit Suisse:
água, máx.: 75,0%
gorduras (s/extrato seco): más de 40,0%
• Queijo Petit Suisse Semimagro:
água, máx.: 77,0%
gorduras (s/extrato seco): 10,0-40,0%
• Queijo Petit Suisse Desnatado:
agua, máx.: 80,0%
gorduras (s/extrato seco): menos de 10,0%

Abertura de Empresa

No caso de formação de parcerias, como joint ventures, ou a decisão de ini-


ciar uma filial em solo argentino, é necessário entender o aparato burocrático
pelo qual uma nova empresa é submetida.
Um empresário precisa passar por 15 fases de exigências, durante uma
média de 32 dias, para iniciar um negócio. O custo gira em torno de 12% do
valor da renda nacional per capita, gasto com esses processos, e o capital ini-
cial necessário é de 5,6% dessa renda. Seguem algumas das exigências para se
abrir uma empresa:

• verificar o nome da empresa pela IGJ (Inspección General de Justicia);


• certificar as assinaturas dos sócios quotistas;
• obter uma conta no banco certificando o pagamento de 25% do valor
do capital consentido;
O monitoramento da política externa corporativa 185

• publicar o nome da empresa no Diário Oficial;


• pagar a taxa de incorporação;
• registrar no Registro Público de Comércio;
• comprar registros especiais;
• obter um formulário no cartório e enviar os registros da empresa para
o tabelião;
• obter um número de identificação de impostos do Escritório Nacional
de Tributos;
• número de seguridade social;
• registrar o imposto sobre circulação de rendas;
• registrar-se no Sistema Unificado de Registro do Trabalho;
• contratar uma seguradora para os empregados da empresa;
• registrar-se na AFJP (Aseguradoras de Fondos de Jubilaciones y Pen-
siones);
• registrar os registros de salários no Ministério do Trabalho .

Durante uma segunda fase, estimam-se gastos na base de cerca de 43,5%


baseados na renda per capita, e 288 dias para adquirir as licenças e permissões
necessárias. Esses documentos dizem respeito a situações distintas:

• obter formulário cadastral do layout do projeto de construção;


• requerer certificado sobre o desenho do projeto;
• entrar com o pedido da permissão para novas construções;
• preparar um documento sobre impactos ambientais;
• notificar o início do projeto e receber inspeção;
• notificar o órgão responsável sobre a finalização da fundação, estrutu-
ra e alvenaria;
• receber inspeção da construção e elétrica;
• obter autorização final, juntamente com formulários necessários;
• registrar a obra .

Quanto à contratação de funcionários, a jornada é de 8 horas por dia ou 48


horas semanais, com férias de 14 a 25 dias. O obstáculo mais preocupante é o
pagamento oneroso de indenizações no caso de demissão. Para registrar uma
propriedade a duração é de 44 dias; o empresário precisa completar cinco fa-
ses, pagando 8,3% do valor da propriedade para finalizar o processo.
186 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Abaixo segue a Tabela 8.2 com os tributos pagos por uma empresa de mé-
dio porte na Argentina:

Tabela 8.2 Tributos pagos por empresas na Argentina.


Imposto Pagamento Tempo Índice de Base do Valor
(números) (horas) imposto imposto Total
(% lucro)
Imposto sobre 1 240 21% Valor agregado 63,6
valor agregado
Imposto sobre 12 - 3% Movimentação 54,5
movimentação de renda
de renda (Cidade
de Buenos Aires)
Contribuição de 1 240 23% Salário bruto 26,7
seguridade social
Imposto sobre 1 - 0,6% Qualquer quan- 18, 1
a transação em tia debitada ou
cheques
creditada em
uma conta de
banco
Contribuição o - 3% (+ AR$ Salário bruto 3,5
de seguro para 0,6 por
funcionários empregado,
por mês)
Imposto sobre a 6 - 0,562% Valor do imóvel 2,8
propriedade mais AR$
12,097
Taxa sobre 1 - 50% de 1% Preço de venda 0,3
transferência de
propriedade
Imposto sobre 6 - 2,3% Valor fiscal do 0,2
veículo
veículo
Imposto sobre 4 - 0,6% Juros da renda 0,0
juros
Imposto sobre 1 - Incluído no
combustível preço do
combustível
Totais: 34 615 116,8

L
O monitoramento da política externa corporativa 18 7

Impostos sobre produtos importados

As importações provenientes do Brasil para a Argentina não necessitam efe-


tuar o pagamento do imposto de importação. Entretanto, alguns outros impos-
tos são obrigatórios, mesmo para produtos vindos de outros países. São eles:

• Taxa de Estatística (0,5% sobre o valor CIP e até um máximo de US$


1.750). No caso do MERCOSUL essa taxa não é cobrada·
'
• em alguns casos, Taxa de Comprovação de Destino (2% sobre o valor
CIP);
• NA (Imposto sobre o Valor Agregado), que é de 10,5%;
• Imposto sobre o lucro. Nesse caso, esse imposto se aplica ao lucro ob-
tido pela empresa brasileira em solo argentino (usualmente, 3%);
• NA adicional: agentes de retenção ou contribuintes com CVDI (Cer-
tificado de Validação de Dados de Importadores) pagam 5% e sem
CVDI, 5,8%.

Contratos

No caso da necessidade de uma ação judicial com o intuito de forçar o


cumprimento de um contrato, existe um tempo médio de 520 dias e 33 fases a
serem cumpridas. Esse tempo é dividido em 80 dias para a entrada no proces-
so, 320 dias para o julgamento e cerca de 120 dias gastos para aplicar a deci-
são. A média de custo de um advogado é de 12% da quantia em julgamento, e
3% para pagar tarifas de corte.
No caso de litígios com relação a contratos, caso o contrato fixe como tri-
bunais competentes os argentinos, será feito um processo de negociação entre
as partes, antes de ser submetido a vias judiciais. Se o contrato não fixar tribu-
nal, pela lei argentina, será fixado o do local onde o fato ocorra. O MERCOSUL
assinou um Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional, sendo que um
serviço competente de conciliação é a Corte de Arbitragem sobre o Mercosul.
O sistema que realiza as operações de importações na Argentina é informa-
tizado e eficiente, denominado MARIA. Os despachantes aduaneiros declaram
informações diversas sobre o produto importado, como tipo, quantidade, mar-
ca, origem, tipo de transporte etc., e assim o sistema impõe as tarifas e impos-
tos relacionados. Após essa fase o mecanismo estabelece sinal verde, laranja,
vermelho e roxo, correspondendo à transparência das informações e do impor-
tador, estabelecendo assim a profundidade da investigação efetuada para con-
firmar as mesmas. Finalizado o processo é emitido o DUA (Documento Adua-
neiro Comum). Esse sistema busca assegurar a idoneidade do importador, uma
garantia a mais para o exportador.
188 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Avaliação do risco legal

A decisão por investir na Argentina como primeiro país na inserção inter-


nacional da empresa precisa ser estudada sob vários aspectos. No âmbito legal
o fato do Brasil e da Argentina fazerem parte do MERCOSUL auxilia no maior
entendimento e convergência das leis em ambos países. Um exemplo disso é
o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional firmado entre seus mem-
bros. Os impostos pagos pelos produtos no território argentino existem, porém
são obrigatórios para todos os produtores, possibilitando a competitividade do
produto brasileiro frente aos argentinos.
Os produtos de origem animal, como é o caso dos queijos que serão expor-
tados, sofrem um rígido processo de adequação industrial e de embalagem. No
entanto, as legislações do Brasil e da Argentina não apresentam diferenças que
poderiam ser entendidas como graves empecilhos. Existe convergência entre
os dois órgãos fiscalizadores, pois o órgão brasileiro pode executar a vistoria
da planta industrial local e passar os resultados para o órgão argentino que,
caso não verifique maiores problemas, libera a entrada do produto no país.
Dessa forma, a adequação às peculiaridades de cada país é mais facilmente
realizada e oficializada, ao passo que o diálogo entre os dois fiscalizadores é
eficiente e conciliador.
Um empecilho do cenário legal argentino pode ser encontrado no excesso
de burocracia ao qual o empresariado do país tem que se submeter, tanto para
abrir empresas, quanto para construir uma planta industrial. Dessa forma, de-
pendendo da forma de entrada posteriormente escolhida, isso pode apresentar
graves barreiras. Do ponto de vista legal, a abertura de um escritório comercial
naquele país pode demorar mais de 30 dias, além de obrigar a empresa a cum-
prir uma sabatina de 15 processos, o que leva a desperdício de tempo e dinhei-
ro. O mesmo acontece quanto à formação de umajoint venture, pois o processo
de montagem de uma indústria é longo e burocrático. Por fim, também quanto
a esses casos de diferentes formas de entrada, as leis trabalhistas argentinas
são atrasadas e a demissão de um funcionário demasiado onerosa.
'
Entretanto, mesmo com a burocracia sendo um empecilho, a Argentina
conseguiu avanços com relação à forma como é realizado seu comércio exte-
rior. O país possui um moderno sistema chamado MARIA que rastreia a origem
dos importadores, atribuindo graus relacionados a sua idoneidade. Assim, a
possibilidade de não-pagamento de contratos é diminuída, e o processo de ex-
portação torna-se mais prático e transparente.
Levantando, em linhas gerais, as considerações sobre o ambiente legal
argentino, pode-se concluir que as barreiras existem, mas uma investida fo-
cada em planejamento e adequada decisão da melhor maneira de inserção
podem, sim, levar ao sucesso a primeira tentativa da empresa em conquistar
novos mercados.
O monitoramento da política externa corporativa 189

Quadro 8.21 Avaliação resumida do risco legal para empresa de queijo na


Argentina.
Dimensão Legal Risco Acão
Normas técnicas Inadequação do Estrita observância das normas
produto a normas técnicas locais mesmo que haja
locais equivalência com normas brasileiras
Burocracia Dificuldades na No primeiro momento minimizar
gestão corporativa exposição. Apoio de escritório local de
advocacia e contabilidade

Riscos políticos

Regime de governo e partidos políticos

A Argentina tem como nome oficial República Argentina e regime de go-


verno republicano presidencialista; o presidente é o chefe supremo da nação,
chefe do governo e responsável político pela administração do país. A ele com-
pete também exercer a Chefia Suprema das Forças Armadas, nomear embaixa-
dores e indicar os ministros da Suprema Corte, ad referendum do Senado Fede-
ral. O vice-presidente substitui o presidente em casos de impedimento e exerce
a Presidência do Senado. Os poderes são divididos em Legislativo, Judiciário
e Executivo. O sistema é bicameral: há uma Câmara de Deputados e outra de
Senadores, ambos eleitos por sufrágio nas províncias e na capital.
A Câmara dos Deputados tem 25 7 membros eleitos para um mandato de
quatro anos, com possibilidade de reeleição. A proporção é de um deputado
para cada 33.000 habitantes. A cada dois anos a Câmara renova metade da sua
composição. O sufrágio é universal e obrigatório para cidadãos maiores de 18
e menores de 70 anos.
O presidente atual da Argentina é Néstor Kirchner, do partido Justicialista,
que governa desde 25 de maio de 2003, e o vice-presidente Daniel Scioli. O
presidente e o vice são eleitos para um mandato de quatro anos, sendo possí-
vel a reeleição por um só período consecutivo. A eleição se dá em dois turnos,
desde que um dos candidatos não obtenha mais de 45% dos votos no primeiro
turno. O vice-presidente da Nação é o presidente do Congresso.
A Argentina possui dois principais partidos políticos: a União Cívica Radical
(UCR) e o Partido Justicialista (PJ), também conhecido como Partido Peronista.
A União Cívica Radical é um partido político fundado em 1891 por Lean-
dro N. Alem. O partido é membro da Internacional Socialista. A UCR é o par-
tido político de classe média mais antigo das Américas. Seu líder máximo e
maior referência histórica foi Hipólito Yrigoyen, que governou a Argentina em
duas oportunidades: entre 1916 e 1922 e entre 1928 e 1930. Além de Yrigoyen
190 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

(o primeiro presidente eleito por voto secreto da história da Argentina), a UCR


também elegeu os presidentes Marcelo T. de Alvear de 1922 a 1928, Raúl Al-
fonsín, de 1983 a 1989, e Fernando de la Rúa de 1999 a 2001. Durante déca-
das, a UCR foi o principal partido rival do Partido Justicialista (Pero nista). Com
o colapso do governo de De la Rúa, a UCR nos últimos anos vem padecendo
urna profunda crise e muitos de seus membros abandonaram o partido.
Atualmente, a UCR governa 5 das 22 províncias argentinas: Catarnarca,
Chaco, Mendoza, Río Negro e Tierra del Fuego. Em 2 de dezembro de 2005,
Roberto Iglesias foi eleito presidente da UCR.
O Partido Justicialista, ao qual pertence o atual presidente argentino, é o
maior partido político argentino. Foi fundado pelo general Juan Domingo Pe-
rón, cujo sobrenome batizou este movimento político: o Peronismo. Apesar de
ser tachado de autoritário pelos seus opositores, o PJ só chegou ao poder na
Argentina através da via eleitoral e democrática, primeiramente por Juan Do-
mingo Perón em 1946, 1952 e em outubro de 1973; Héctor Cámpora em maio
de 1973; Carlos Menern em 1989 e em 1995 e Néstor Kirchner em 2003 foram
eleitos diretamente pelo povo.
No cenário político atual argentino, o estrondoso fracasso do governo de
Fernando de la Rúa sacudiu enormemente a cena política no país. Seu partido,
a centenária UCR, vive hoje urna profunda crise e já perdeu muitos adeptos. As
conseqüências mais importantes deixadas por esse espaço vazio foram:

• por um lado, o fenomenal fortalecimento do peronismo e ao mesmo


tempo urna grande fragmentação interna do mesmo devido a disputas
pelo poder. Pela primeira vez na história o peronismo levou às eleições
três candidatos diferentes, tendo sido eleito Néstor Kirchner depois que
o ex-presidente Carlos Menern renunciou a disputar o segundo turno;
• por outro lado, a grande maioria do eleitorado independente e não
peronista encontrou resposta nos novos movimentos políticos, como o
Movimiento Recrear do economista Ricardo López Murphy - de cen-
tro-direita - e o Agrupación para una República de Iguales (ARI) enca-
beçado pela advogada e ex-deputada Elisa Carrió - de centro-esquer-
da. Ambos foram consagrados nas disputadas eleições presidenciais de
27 de abril de 2003 como importantes forças de oposição, conquistan-
do 16,5% e 14,5% do eleitorado, respectivamente.

Corrupção

A corrupção na Argentina é um fato precedente ao governo de Kirchner,


com início no próprio Partido Justicialista ou Peronista do qual o atual presi-
dente faz parte.
O monitoramento da política externa corporativa 191

Apesar do fato de que Kirchner afirma ter entrado no poder para, entre
outras coisas, acabar com a corrupção na Argentina, sendo esta uma das ra-
zões da crise de 2001 e 2002, atualmente, o presidente sofre acusações de ser
líder fraco e com "poder emprestado" devido ao problema da hegemonia na
prática de governo.
A presença de um "regime de partido hegemônico" pressupõe a existência
de uma força política que, pela via da manipulação, de fraude e/ou de violên-
cia, consegue monopolizar todos os meios do poder ou a parte fundamental
deles, vulnerando a divisão de poderes, esvaziando a oposição de recursos e
bloqueando de modo absoluto a alternância no governo.
Tal característica de governo é um traço da política do Partido Peronista
na qual o papel do Congresso aparece sem clareza, além de acusações de ani~
mosidades irredutíveis e ingovernabilidade.

Avaliação dos riscos políticos

Em função de todos os aspectos de caráter político vistos acima, a expor-


tação de queijos para a Argentina é arriscada devido principalmente à política
econômica de Kirchner, que tem como meta de governo o foco no mercado in-
terno, com a participação acirrada do mesmo no ambiente econômico para de-
senvolvimento e auto-sustentação tanto da economia como da política argenti-
na, em prol de uma "libertação" do sistema internacional decorrida do suporte
financeiro do FMI e de muitos países durante a crise de 2001 e 2002.
Devido a tais fatos, a exportação brasileira de queijos para a Argentina es-
barraria em tarifas altas mesmo aplicadas ao MERCOSUL, graças à tentativa
de Kirchner de fomentar um crescimento interno. O Brasil já é acusado pelo
próprio presidente de minar o crescimento e desenvolvimento argentino com
suas exportações.
Dessa forma, os riscos políticos para tal empreitada internacional (exporta-
ção) são muito altos em função de todo o contexto socioeconômico de ambos
os países.

Risco cultural

Observamos hábitos alimentares, de língua, religião e colonização. De


acordo com a análise destes fatores podemos concluir que, em virtude da co-
lonização na América do Sul pelos europeus, muitos hábitos alimentares, tais
como queijo e vinho, alimentos complementares, fazem parte do dia-a-dia des-
sas populações. Sendo assim, trata-se de uma oportunidade de mercado para
nosso produto, uma vez que a Argentina vem destacando-se como produtora
de vinho. O consumo de carne também é alto, sendo seu consumo acompanha-
192 Manual de Diplomacia Corporativa • Sarfati

Quadro 8.22 Avaliação resumida do risco político empresa de queijo na


Argentina.
Dimensão Política Risco Ação
Eleições Radicalização de posições Lim itar exposição à exportação
nacionalistas e anti- considerando possível quad ro
MERCOSUL em um político negativo
segundo mandato de
Kirchner
MERCOSUL Retração dos benefícios Limitação da exposição
econômicos do operacional e manutenção
MERCOSUL de atividade política junto a
associações de classe pa ra defesa
do aprofundamento da queda de
barreiras dentro do bloco

do por provolone ou provolonetas. O crescimento de hábitos alimentares tais


como pizzas efast-foods proporcionou um aumento no consumo de queijos.
É um país cuja religião permite o consumo de derivados do leite, s~n?o
92% da população de religião católica, com ampla liberdade ao culto. O idio-
ma, espanhol, é falado por toda a população, e línguas de origem indíge~a,
como o araucano, o guarani ou o quíchua, são faladas por parte da popula~a~.
A origem latina do idioma, bem como a do português, permite maior proximi-
dade. A sociedade também apresenta bases patriarcais.
A Argentina demonstra um consumo crescente de queijos, devido à larga
tradição de produtos lácteos, principalmente de queijos, com níveis de consu-
mo por habitante comparados a países desenvolvidos. Queijos duros e semidu-
ros são os mais consumidos do mercado 50% do volume total, e queijos bran-
cos, muçarelas e cremosos vêm ganhando espaço cada vez maior no mercado
argentino, uma vez que existe a crescente preocupação com dietas e o preço
desses tipos de queijo é menor se comparado aos duros e semiduros.

Avaliação dos riscos culturais

A Argentina possui uma tradição no consumo de queijos e, com o cresci-


mento da população e do poder aquisitivo, há um crescimento na demanda
por este produto. O queijo é um produto que se adequa perfeitamente às novas
tendências de consumo, uma vez que é um alimento saudável e completo, com
proteína, cálcio, fósforo, vitaminas A B e D com um índice de gordura aceitá-
' e que pode ser usado de diversas
' sabor
vel. E, um produto com atrativo pelo seu
formas, estando intimamente ligado aos costumes alimentares argentinos, com
um consumidor que cada vez está mais crítico, buscando um bom produto a
preços menores. Dessa forma, o risco cultural de inserção do produto é baixo.
O monitoramento da política externa corporativa 193

Quadro 8.23 Avaliação resumida do risco cultural - empresa de queijo na


Argentina.
Dimensão Geográfica Risco Ação
Hábito alimentar Inadequação aos Buscar queijos conhecidos no
padrões locais de mercado e depois explorar queijos
consumo menos conhecidos com campanhas
de degustação em supermercados e
espaços públicos

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