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As mutações do marketing
ara alguns, o universo da pu- desejo dele são talvez palavras co- culturais em formação, podem ter
P blicidade é um celeiro de ex-
centricidades e profissionais acos-
muns aplicadas para defini-lo.
Contudo, vez ou outra alguns
algo a nos dizer. Parece ser esse o
caso do publicitário norte-america-
sados pela pressa de ter uma nova profissionais desse universo podem no Seth Godin, que vem se tornan-
idéia a cada segundo. Criatividade, surgir com idéias mais do que me- do conhecido por algumas insti-
“romper estruturas”, inovar, conven- ramente excêntricas que, por sua gantes idéias sobre publicidade em
cer o consumidor e trabalhar com o capacidade de captar sensibilidades um momento em que a Internet se
Velhos tempos. Na era do con- era possível comprar os melhores está tentando entender o mundo
sumo de massa, uma empresa lan- horários da televisão, mas o pessoal atual sob uma nova perspectiva. Seu
çava seu produto, comprava co- de marketing já percebia, de algu- nome: Seth Godin.
merciais na televisão e esperava pa- ma maneira, que sua mensagem Godin percebeu que, na virada
cientemente que a demanda fosse perdia a eficiência em algum pon- de 1999 para 2000, ou antes, algo
gerada. Era um produto homogê- to. Os consumidores não se com- havia mudado. Ele percebeu que,
neo para toda a população. No ho- portavam como sempre se compor- por exemplo, surgiu uma empresa
rário nobre nunca falhava: todo taram. O horário mais caro do ca- chamada Hotmail. Uma empresa
mundo parava para prestar atenção nal mais prestigiado parecia não que nunca fez um único anúncio na
ao anúncio. E, no dia seguinte, nos atingir mais todas as pessoas. televisão, mas que, da noite para o
supermercados, os executivos de Ao mesmo tempo, as mídias dia, gerou uma demanda espanto-
marketing poderiam apostar que começavam a se fragmentar. Onde sa, de milhões no globo. O Hotmail
seu produto estaria vendendo como antes existiam dois ou três veículos, não anunciava em nenhum lugar,
água. O consumidor era relativa- subitamente apareciam novos apenas incluía uma única linha no
mente dócil e não havia estratégias players que não chegavam a abalar final de toda mensagem que envia-
para diferenciá-lo na massa. Aliás, a audiência daqueles primeiros, mas va: “Hotmail: tenha o seu próprio e-
talvez isso nem fosse importante geravam um certo ruído que atra- mail gratuito”. Até então, se alguém
para as empresas, pois afinal ele era palhava. O consumidor, aquele que quisesse ter o seu próprio endereço
um bom comprador. a empresa e seus departamentos de eletrônico, precisava pagar por um
Mesmo com idealizações e exa- atendimento não conheciam ou do provedor de acesso à Internet e ain-
geros, esse era um mundo maravi- qual nunca tinham ouvido falar, da precisava ter seu próprio compu-
lhoso em que as demandas cresciam parecia cada vez mais indiferente tador. O Hotmail acabava com isso
com a população e a expansão dos aos seus produtos. A publicidade, tudo. Mas como? Sem aparições no
novos mercados. A televisão era fan- pouco a pouco, caiu em descrédito horário nobre, graças apenas ao cha-
tástica e, além de levar as pessoas aos e o marketing parecia não funcio- mado “boca-a-boca”.
supermercados e aos hipermercados, nar tão bem como antes. A dúvida Seth Godin ficou tão espanta-
permitia a criação dos shopping sobre o que estaria errado tornou- do com a saga do Hotmail – que
centers, dos enormes complexos de se crônica. foi vendido para a Microsoft por
diversão, da indústria e do entre- centenas de milhões de dólares –
tenimento de massas. Aparente- Senso de oportunidade. En- que teve de concluir que a propa-
mente, os velhos tempos tinham lá quanto os profissionais de marke- ganda boca-a-boca não era mais o
seus encantos. ting da “era dourada do consumo que sempre fora. Encontrando o
Mas esse estado paradisíaco al- de massas” continuam aplicando caminho aberto pelo ciberespaço,
terou-se profundamente com a che- aquelas mesmas técnicas do século havia ignorado as fronteiras geo-
gada da Internet. Claro que ainda XX no XXI, existe um sujeito que gráficas e, em forma de idéia –
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como o Hotmail –, se espalhava coisa: uma boa história. Uma boa que nunca deixaram de ser – via
agora em proporções planetárias, história para ser contada e espalha- boca-a-boca. E o que era a Internet,
como um vírus. da por aí. seus desdobramentos e seu aparato
O publicitário cunhou o termo Com a explosão das novas mí- eletroeletrônico? Mais do que pági-
ideavirus como metáfora para esse dias, Seth Godin notou que os con- nas, posts ou mensagens eletrônicas:
novo fenômeno. Em 2001, lançou sumidores andavam cada vez mais eram pessoas falando. Seth Godin
um livro com o mesmo título. Na cansados do que ele chamou depois percebeu, à maneira de Doc Searls
prática, o hábito de contar histórias de “marketing de interrupção”. no Cluetrain Manifesto (2000), que
não é novo. Relatos de historiogra- Como a atenção estava agora disper- “mercados são conversações” – e
fia oral dão conta de que ele remon- sa, os anunciantes gritavam cada vez que as conversações do futuro não
ta há muito antes da invenção da mais alto, as sutilezas iam se per- mais necessariamente passariam
escrita. Contudo, se antes tais his- dendo no meio do caminho e o pú- pela mídia estabelecida. A mídia
tórias eram estampadas nas paredes blico-alvo permanecia em sua indi- estabelecida havia perdido o con-
de uma caverna, agora elas são co- ferença crescente e brutal. Na ver- trole.
ladas em e-mails, sites, blogs, celu- dade, embora desconfiasse cada vez
lares, iPods e palmtops. O boca-a- mais da mídia – que com a expan- Marketing de individualida-
boca digital invadiu o mundo todo, são se relativizava –, o consumidor de. Godin não precisou pensar
em uma velocidade recorde, não ainda ouvia o que as pessoas próxi- muito para perceber que as boas
importando o veículo nem o supor- mas lhe falavam. Então as pessoas idéias, por meio das histórias que
te. Era necessário ter uma única eram o novo veículo ou o veículo valem a pena serem contadas, esta-
vam vivas e encontravam nas pes-
soas – mais do que em qualquer
outra coisa – o veículo ideal para se
espalhar. Sem querer, Seth Godin se
aproximava da teoria de meme.
Meme foi um termo que o
zoologista Richard Dawkins cunhou
em seu clássico livro O Gene Egoísta
(1976). Dawkins, no fundo, estava
tentando explicar que nós, seres
humanos, somos apenas um “veícu-
lo” para que os nossos genes sejam
passados adiante e sobrevivam.
Com meme, Dawkins estava fazen-
do uma analogia: como os genes,
que têm vida própria e nos coman-
dam de forma até “egoísta”, as in-
formações também têm vida própria
e saem por aí, em busca de cérebros
ou veículos para se espalhar. Um
meme é, simplificando, uma infor-
mação que nunca morre, porque se
reproduz. Seth Godin, pensando ou
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ção social – inicialmente com redes próximo de nós do conceito de “mar- agência catalã Manfatta – pioneira
de amigos muito restritas e restriti- keting de permissão” (ou Permission na publicidade em blogs –, Seth
vas –, para se espalhar, nos momen- Marketing, 1999, outro livro de Seth Godin é um poço de insights. Pode
tos subseqüentes, em ondas de in- Godin). Ao contrário do marketing ser lido, semanalmente, em seu blog
fluência no tecido social. Não exis- de interrupção, que invade a música (http://sethgodin.typepad.com/) e,
te um manual de como entrar no no rádio, que entremeia os blocos no Brasil, está recém-editado na
Orkut: cada participante recebe dos programas na televisão ou que coletânea que organizou com mais
apenas um e-mail, com um link, abre ocupa as páginas das revistas e dos 30 visionários do mundo corpora-
um formulário, vai preenchendo jornais, o marketing de permissão tivo: A Grande Mudança (Manole,
com seus dados e criando, automa- contaria com a anuência do consu- 2006) – na qual ensina como sobre-
ticamente, sua página. midor. Na contramão, por exemplo, viver, sendo notável, na nova reali-
Nenhum profissional de marke- do spam que infesta nossas caixas dade. Godin garante que vai apare-
ting precisou elaborar uma campa- postais dia a dia, as idéias mais inte- cer, no meio da multidão, quem ti-
nha convencendo o internauta de ressantes, as histórias mais bem con- ver o que ele chama de “vaca roxa”
que o Orkut era “legal”: cada usuá- tadas, os produtos que se destacam, (ou Purple Cow, 2003, outro de seus
rio tratou de espalhar a história por na era pós-Internet nos chegariam best-sellers) – o produto que é dife-
si. No último senso, o Orkut estava sempre por indicação. Um e-mail, rente de tudo. Desvendando misté-
com mais de 4 (quatro) milhões de um link, um post em um blog, uma rios com uma linguagem simples e
brasileiros cadastrados. Críticas à matéria em um site – o “vírus”, no nada pretensiosa – para um marque-
parte, é uma das maiores iniciati- melhor sentido do termo, se instala- teiro –, é o exemplo vivo de uma
vas – ainda que involuntária – de ria em nossas possibilidades de con- frase conhecida de Nelson Rodrigues,
mídia no Brasil. Para que se tenha sumir e de fazer mídia. Se, de agora o nosso dramaturgo: “Só os profe-
uma base de comparação, a revista em diante, como diz Dan Gillmor, tas enxergam o óbvio...”.
Veja, o periódico de maior circula- “nós somos a mídia” (We the Media,
ção do país, tem uma base de pou- 2004, seu livro), os produtos da in-
co mais de um milhão de leitores, dústria passariam então por nós –
Julio Daio Borges
ou seja, um quarto do Orkut. com a nossa permissão. Editor do Digestivo Cultural
O Orkut é um exemplo muito E, como diz Neus Arqués, da E-mail: j.d.borges@digestivocultural.com