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O

Jeito 3G: Sonho,


Gente e Cultura
Uma introdução ao estilo de gestão de Jorge Paulo
Lemann, Marcel Telles, e Beto Sicupira, que
controlam hoje alguns dos maiores símbolos do
capitalismo mundial.

FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO


VERSÃO ESPECIAL: QULTURE.ROCKS

Copyright © 2017
Francisco Souza Homem de Mello
Licenciado à Qulture Informática Ltda
(“Qulture.Rocks”)
Todos os direitos reservados.
ISBN: 0990457524
ISBN 13: 9780990457527 (10x Books)

O Jeito 3G: Sonho,


Gente e Cultura


“Há dois anos atrás meu amigo Jorge Paulo Lemann pediu
à Berkshire que se juntasse ao seu 3G Capital para
comprar a Heinz. Respondi sim sem pensar: eu sabia
imediatamente que essa parceria funcionaria bem, tanto
do ponto de vista pessoal quando financeiro. E com
certeza ela funcionou”.
“Esperamos ser sócios da 3G em mais empreitadas.
Qualquer que seja a estrutura, nos sentimos bem quando
trabalhamos com Jorge Paulo”.
- Warren Buffet

“Esse é um time de executivos que não exige acionistas


ativistas”.
- Bill Ackman

"Tendo estudado o desenvolvimento de algumas das


empresas mais extraordinárias de todos os tempos e os
empresários e líderes que as construíram, posso dizer
definitivamente que a trajetória dos três deve deixar os
brasileiros imensamente orgulhosos. Eles estão no mesmo
nível de visionários dos negócios como Walt Disney, Henry
Ford, Sam Walton, Akio Morita e Steve Jobs”.
- Jim Collins

QULTURE.ROCKS
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baseada na nuvem. Nossos produtos facilitam a gestão de
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empresa e as conversas one-on-one entre líderes e seus
liderados.
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você encontrará outros estudos de caso semelhantes a
este de empresas que estão revolucionando a gestão
estratégica de pessoas, como GE, Google, Facebook,
Netflix e Adobe.


ÍNDICE
Introdução ................................................................. 1
Um Pouco de História ................................................ 4
Parte 1: Pessoas ...................................................... 26
1 Meritocracia ....................................................... 31
2 Informalidade ..................................................... 43
3 Honestidade intelectual ..................................... 48
4 Crescimento ....................................................... 51
5 Criando um pipeline de gente boa ..................... 53
Parte 2: Sonho ......................................................... 57
6 Um sonho grande ............................................... 58
7 Do sonho às metas ............................................. 62
8 Lacunas e método .............................................. 67
Parte 3: Cultura ....................................................... 76
9 Cabeça de dono ................................................. 77
10 Benchmarking .................................................. 86
11 Foco ................................................................. 89
12 Liderança .......................................................... 93
Parte 4: Operações ................................................ 100
13 Eficiência fabril ............................................... 101
14 Custos e Orçamento ....................................... 108
15 Os Mandamentos ........................................... 114
Bibliografia: ........................................................... 123


SONHO, GENTE E CULTURA

INTRODUÇÃO
A quem se destina este livro?

Se você está interessado em conhecer melhor o método


de gestão do trio de empresários formado por Jorge
Paulo Lemann, Marcel Herman Telles e Alberto “Beto”
Sicupira, é por que já conhece sua história meteórica de
sucesso, e talvez já tenha ouvido falar que boa parte dela
foi calcada numa cultura empresarial muito forte,
baseada em pessoas e meritocracia, e muito difícil de se
replicar. Difícil, como você vai ver, porque dá trabalho.
Mas extremamente intuitiva de se entender.

A idéia desse pequeno livro é ir além dos adjetivos e da


história dos “três do Garantia”, e de todas as pessoas que
fizeram parte dessa trajetória de sucesso, e chegar aos
princípios que guiam esse estilo de gestão, de maneira
simples e prática, para que possa ser entendido por
empresários de todos os calibres, e aplicado nas suas
respectivas realidades empresariais.

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Até muito pouco tempo atrás, era muito difícil conhecer


melhor a história dessa cultura, famosa por sua aversão a
holofotes. Contava-se nos dedos as matérias relevantes
que foram publicadas até a metade dos anos 2000, sendo
que nenhuma delas conseguiu traduzir de maneira
sistemática a forma de gerir do trio. Fontes muito
melhores são os vídeos disponíveis na internet, de Marcel
Telles e Carlos Brito, bastante didáticos e completos.

Mas algumas horas de vídeo e páginas de revista são


pouco. Sabemos, por exemplo, que pessoas são o grande
alicerce do Jeito 3G. Mas fica difícil diferenciar o que isso
quer dizer quando nove entre dez culturas empresariais
brasileiras também se auto-intitulam baseadas em
pessoas. O que faz a palavra ter um sentido muito mais
forte na AB Inbev e na Kraft Heinz do que nas outras
empresas? Como isso se traduz no dia-a-dia? E mais, por
que é tão difícil aplicar uma meritocracia de verdade?

Essas são algumas das perguntas que tentamos


responder, através de uma pesquisa de fontes públicas,
como matérias de revista, jornal, livros e vídeos, todos
citados no fim do livro. Somam-se as fontes públicas
dezenas de conversas com ex-executivos de várias das
empresas controladas, já controladas ou influenciadas
pelos três como AB InBev, ALL, Lojas Americanas, Burger
King, e claro, do Banco Garantia, onde tudo começou.

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

UM POUCO DE
HISTÓRIA
Banco Garantia: uma partnership dos trópicos

O, ou melhor, “a” Garantia foi a primeira grande


empreitada de Jorge Paulo Lemann. Bacharel em
economia por Harvard (e com uma paixão pelo tênis que
o levou a representar o Brasil na Copa Davis), Lemann
comprou a pequena corretora carioca em 1971,
financiado por amigos de sua família. Em 1976, após
recusar uma oferta de aquisição do banco americano J.P.
Morgan, a corretora foi transformada em banco.

O Banco Garantia foi abertamente inspirado na Goldman,


Sachs & Co, banco de investimentos baseado em Nova
York fundado no século 19, e que é tido por muitos como
a mais bem-sucedida partnership financeira da história. A
Goldman Sachs (como é chamada a holding bancária
4
SONHO, GENTE E CULTURA

atualmente) funcionava na época como uma sociedade


privada meritocrática, detida pelos seus executivos.
Anualmente era feita uma reavaliação dos quadros
societários da firma: os sócios de melhor performance
eram convidados a aumentar suas participações, e os de
pior performance, a diminuir suas participações,
vendendo-as para os primeiros1.

O formato era perfeito para o modelo de negócios dos


bancos de investimento à época. Assessoria em fusões e
aquisições, operações de mercado de capitais (como
IPOs), corretagem, e trading proprietário eram atividades
de baixa intensidade de capital, e proporcionavam às
partnerships retornos sobre capital muito altos.2

A Goldman era inspiração tão grande a Lemann que em


um dado momento conseguiu que um dos seus sócios,
Luiz Cezar Fernandes – que viria a fundar o Banco Pactual
anos depois (hoje BTG Pactual) – foi fazer um “estágio” na
sede do banco em Nova York, para aprender mais sobre
seu funcionamento. Cezar, por sua vez, levou à tiracolo
um jovem estagiário que pudesse traduzir o inglês que

1
Analogamente, os colaboradors de melhor performance eram
convidados a se tornar sócios, comprando ações pela primeira vez.
Raramente alguém deixava de ser sócio, o que significava um convite à
saída da firma.
2
Posteriormente o modelo de baixa intensidade de capital se esgotou.
Os bancos de investimento passaram a empregar muito capital
provendo, por exemplo, garantias firmes de colocação de ofertas de
mercado de capitais (garantindo as colocações mesmo que não
houvesse demanda de clientes) e usando seu próprio balanço para
conceder empréstimos-ponte a fusões e aquisições. Enfim, foi nessa
época que as partnerships começaram a buscar bases de capital
maiores e mais permanentes, o que culminou, no caso da Goldman,
com um IPO e uma mudança estrutural no funcionamento da sua
partnership.

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

não entendia: o recém contratado Marcel Hermann


Telles. Nas palavras de Lemann, “com eles aprendemos a
meritocracia, o treinamento intenso e a necessidade de
dar oportunidades para as pessoas”. Características
bastante fortes da cultura do trio, como se verá, até hoje.

A “cara-de-pau” de pedir às melhores empresas de cada


ramo por “estágios”, visitas, e afins, com objetivo de
aprender um pouco mais sobre seu funcionamento, virou
marca do trio. Mais tarde, viriam a fazer o mesmo com
uma visita à Wal-Mart, líder varejista, e à cervejaria
Anheuser-Busch.

O terceiro membro do trio, Carlos Alberto “Beto” da


Veiga Sicupira, se juntou ao Garantia um ano depois de
Marcel, em 1973, tendo conhecido Lemann em uma
pesca submarina que teriam feito com amigos em
comum.

Lojas Americanas: a primeira incursão na economia real


Em 1982, após alguns pequenos investimentos em
empresas de capital aberto, como as Lojas Brasileiras e a
Alpargatas, o Garantia realizou sua primeira aquisição
hostil na Bolsa de Valores de São Paulo, Bovespa,
comprando um stake controlador nas Lojas Americanas
por um valor aproximado de 20 milhões de dólares.

A manobra hoje em dia é praticamente impossível:


empresas de capital aberto se defendem de possíveis
takeovers lançando mão de artifícios jurídicos como

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SONHO, GENTE E CULTURA

poison pills3, que tornam uma compra em bolsa quase


sempre impraticável do ponto de vista financeiro.

O trio enxerga grandes oportunidades em empresas sem


donos claros, presentes no negócio. Essas empresas são
muitas vezes corporations, que de fato possuem controle
acionário, mas podem ser também empresas com donos
pouco presentes, e tocadas por executivos desalinhados.
As oportunidades surgem de conflitos de principal-
agente: executivos (agentes) muitas vezes tem interesses
desalinhados àqueles dos acionistas (principais). Quando
falta um acionista presente, que supervisione os
executivos e tente alinhar interesses, a empresa pode sair
dos trilhos, e perder eficiência e competitividade, e deixar
de atrair bons talentos, como diz Jorge Paulo Lemann em
uma entrevista para a revista HSM Management, em
Fevereiro de 2008:

“Nós basicamente achamos que a empresa ideal é uma


que tem acionistas públicos e também acionistas
trabalhando dentro da empresa, porque estes
certamente estão interessados no desempenho de
longuíssimo prazo, em perpetuar o negócio... Acho que
esse é o equilíbrio ideal para uma empresa boa e
duradoura. Eu participei de alguns conselhos de empresas
americanas totalmente abertas, daquele tipo que
ninguém tem mais de 2% ou 3% etc. Acho razoável o
resultado, mas, em geral, os donos teóricos passam a ser
os executivos, e isso não me parece saudável, porque
gera esse clima de excesso de opções de ações, de


3
Uma poison pill pode obrigar, por exemplo, qualquer acionista que
acumular mais de 15% das ações de uma empresa a lançar uma oferta
para comprar as ações de todos os acionistas restantes da empresa,
por um preço pré-determinado.

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

gratificações, de atenção no resultado do trimestre. Em


resumo, meu modelo ideal não é a empresa da qual
ninguém é dono. Prefiro um modelo como o da InBev
hoje em dia, que tem vários sócios na gestão, querendo
que ela dure no longuíssimo prazo, e tem também o
público investidor, os executivos e as pessoas que
trabalham nela, com planos de compra de ações bastante
generosos”.

Marcel Telles, no CEO Summit da Endeavor em 2013,


complementa a oportunidade de falta de dono com a
necessidade de haver alguma vantagem competitiva
interessante na empresa, como uma marca forte:

“[Buscamos] Empresas que são extraordinárias a despeito


daqueles executivos que rodam de três em três anos, de
não terem mais dono há algumas gerações, elas têm
alguma coisa: uma marca, um sistema de distribuição,
uma franquia, que faz com que elas sobrevivam e ainda
sejam excelentes. Normalmente elas estão em ramos
boring, que não tem o élan do mercado financeiro, da
internet... Essas empresas não atraem as melhores
pessoas...”

As Lojas Americanas eram um caso clássico em que o


conflito de principal-agente levara a empresa a resultados
operacionais e financeiros sub-ótimos, na visão do trio.
Assim, resolveram tentar aplicar seu estilo de gestão, até
então restrito ao Garantia, na economia real. A
diversificação de ativos que o investimento trouxe
também foi bem-vinda na partnership, que até então
concentrava todos seus esforços e riscos no mercado
financeiro.

Beto, que é descrito por ex-colegas como um “trator”, foi


designado a sair do banco e tocar a recém-comprada

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SONHO, GENTE E CULTURA

varejista. Segundo relatos, chocou seus novos colegas


quando chegou aos escritórios da emopresa de jeans e
mochila nas costas, parecendo um “estudante
universitário”. O choque não parou aí: foram instituídas
novas diretrizes de performance, abolidos os escritórios
privativos em favor de uma planta aberta, como a do
banco, e instaurada uma cultura de gestão argumentativa
e questionadora.

Em pouco tempo, Beto teve de enfrentar uma rebelião de


seus diretores, que ameaçaram-no com pedidos de
demissão caso as novas práticas não fossem revertidas.
Após poucas horas de reflexão (e provavelmente
telefonemas aos sócios), Beto demitiu os rebelados,
argumentando que resolver o problema de maneira
incisiva e rápida era essencial naquele momento de
(re)construção da cultura empresarial da empresa. Sob
seu comando, a empresa teria sua folha de pagamentos
reduzida de 14 mil para oito mil colaboradores.

Beto ainda viria a fundar em 1993 a GP Investimentos,


gestora de fundos de private equity que levantou seu
primeiro fundo, de U$ 500 milhões, em 1994, e teria
participações relevantes em empresas como GloboCabo,
Telemar, ALL – América Latina Logística, e em diversas
empresas que hoje compõe a Americanas.com, braço de
varejo online das Lojas Americanas. A firma hoje em dia é
detida e tocada por dois sócios da segunda geração da
empresa, Antonio Bonchristiano (fundador do site
Submarino) e Fersen Lambranho (ex-CEO das Lojas
Americanas).

Brahma e o negócio cervejeiro

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Em 1989 veio a aquisição transformacional da Brahma,


uma cervejaria carioca, por U$ 60 milhões. A transação foi
polêmica entre os sócios do Garantia, pelo seu tamanho e
complexidade, e por ter acontecido semanas antes da
histórica eleição de Fernando Collor de Mello contra o
então sindicalista Luiz Inácio "Lula” da Silva, este último
que arrepiava os pelos do empresariado brasileiro com
seu discurso de esquerda.

Olhando com lanterna na popa, Lemann credita ao


“estômago” do trio a decisão de prosseguir com o
negócio em tempos tão difíceis, e sem uma completa
due-dilligence legal e financeira. Dias após o fechamento
da compra, foi identificado um rombo enorme no fundo
de pensão da empresa, que talvez tivesse descarrilado o
negócio se conhecido de antemão. Nas palavras de
Lemann, o negócio foi fechado “porque nosso feeling
dizia que somos um país de população jovem, com muito
calor, e acreditávamos que cerveja era um bom negócio
mal tocado aqui. Para nós isso valia mais do que se o Lula
ou o Collor ia ganhar ou se o fundo de pensão tinha ou
não problema”.

A empresa foi liderada por Marcel Telles, que se tornou


seu CEO, e praticou uma revolução gerencial, aplicando
todos os conceitos já apurados por anos do trio à frente
do Garantia e das Lojas Americanas. Foram realizadas
diversas expansões geográficas na América do Sul, entre
Uruguai, Argentina e Venezuela, além de adotadas as
ferramentas de gestão por diretrizes ensinadas por
Vicente Falconi, da Falconi Consultores de Resultado
(veremos mais sobre o tema à frente).

Após dez anos, Marcel passou o bastão de presidente a


Magim Rodriguez, um ex-executivo da Lacta que
conhecera o trio através das Americanas, e do Conselho
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SONHO, GENTE E CULTURA

arquitetou a aquisição da cervejaria arquirrival Antártica.


Nesses dez anos, a Brahma tinha se tornado muito maior
do que a concorrente brasileira. Por isso a operação, que
anos antes poderia ser uma fusão de iguais, foi na prática
uma aquisição que tomou de sobressalto a cultura
empresarial da Antártica.

A empresa resultante foi batizada de AmBev. Por um


lado, deu-se um tom internacional à empresa, cuja sigla
significava American Beverage Company, ou Companhia
de Bebidas das Américas. Mas haviam ali também as
iniciais das duas empresas originais, Antártica e Brahma,
além do “A” de Antártica vir antes do “B” de Brahma, o
que foi, supostamente, uma exigência dos acionistas da
companhia adquirida. Com as operações combinadas, a
AmBev dominaria 40% do mercado de bebidas, e 70% do
mercado de cervejas brasileiro.

Uma boa parte da primeira década da Brahma sob a


direção de Marcel Telles fora dedicada à construção de
um robusto time de talentos, que inclui o atual CEO da AB
InBev, Carlos Brito, advindo do Banco Garantia, e que
assumiu uma fábrica da empresa. Esse time foi essencial
no turnaround cultural da Antártica, que era uma antítese
da Brahma em muitos aspectos: seus executivos
possuíam escritórios grandes, ornamentados, e
privativos; servia-se comida de restaurante de luxo para
os executivos diariamente; por fim, não havia uma prática
meritocrática ou metas individualizadas de resultado.

Outro fator que ajudou muito na integração da Antártica


foi o framework de gestão de Falconi, então professor de
administração de uma faculdade de engenharia de Minas
Gerais, e especialista em ferramentas de gestão derivadas
do Sistema Toyota de Gestão japonês. Nas décadas
subsequentes, Falconi desenvolveria, em grande parte
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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

nas fábricas da Brahma e AmBev, um ferramental


completo de metodologias de gestão que viria a ser
adotado por diversas das maiores empresas Brasileiras e
até pela gestão Aécio Neves do governo do estado de
Minas Gerais.

Para se ter uma idéia do tamanho do diferencial de


produtividade conquistado por Marcel, Falconi e equipe
nos primeiros dez anos de Brahma, a empresa contribuiu
aproximadamente metade dos colaboradores das
operações combinadas da Brahma e Antártica na AmBev,
sendo responsável, no entanto, por mais de dois terços
da venda de cervejas (em hectolitros).4

A filosofia desenvolvida é muito bem capturada pela carta


aos acionistas da empresa presente no relatório anual de
2012, assinada pelos co-presidentes do conselho de
administração da AmBev, Marcel Telles e Victorio De
Marchi (esse oriundo da Antártica), e pelo então diretor-
geral, Magim Rodrigues Junior:

“A essência de nossa Companhia é, e continuará sendo,


nossa capacidade gerencial, nossa cultura e a capacidade
sem paralelos de execução da nossa gente. Selecionamos,
treinamos e acompanhamos, cuidadosamente, jovens
talentos. Somos todos confiantes e exigentes.

Somos motivados por um agressivo sistema de


remuneração variável que estimula o desempenho, a

4
O diferencial estava presente tanto nas áreas gerenciais quanto de
produção. Enquanto a produção por empregado ligado a fabricação
era de 8.776 hl em 1999, em 2000 (primeiro ano de operações
combinadas) ela passou a 7.556 hl, o que indica que as operações
fabris da Antártica eram aproximadamente 40% menos produtivas que
as da Brahma.

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SONHO, GENTE E CULTURA

responsabilidade e o espírito empreendedor. Todos na


AmBev estão focados em atingir resultados sustentáveis
de longo prazo. Rigidez e disciplina financeira são
componentes da nossa cultura.

Somos uma empresa jovem onde a idade média é 29


anos. Entretanto, somos um time com grande capacidade
gerencial. Os altos executivos participam ativamente do
processo de seleção dos melhores profissionais no
mercado, cuidadosamente preparando a próxima geração
de executivos.

Esses princípios básicos são suportados por pessoas


talentosas, a gente AmBev, pelos nossos processos
proprietários e pela maneira única com que fazemos as
coisas acontecerem”.

A fusão com a Interbrew e a globalização do trio

No período de 1999 a 2004, a AmBev não perdeu tempo


com a digestão das operações da Antártica (foi
desenvolvido, por exemplo, um Centro de Serviços
Compartilhados, que permitiu ganhos de escala
expressivos às operações combinadas), mas continuou
seu processo de agressiva expansão internacional.

A estratégia era iniciar operações greenfield nos


principais mercados da América Latina, e ao mesmo
tempo manter olhos e ouvidos atentos a aquisições
oportunistas. Seguindo essa direção, a AmBev fechou em
2003 a compra de parte da argentina Quinsa
(controladora da cervejaria Quilmes), de duas das
principais engarrafadoras da Pepsi no Peru, além de
outras transações similares, como uma joint venture com

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

a principal engarrafadora da multinacional de


refrigerantes na América Central.

A expansão Latino Americana não foi suficiente para


saciar o sonho conjunto do trio. Em 2004, ganhava
momento a onda de consolidação do setor cervejeiro
mundial. Dentre as opções estratégicas do grupo, era
claro que a Anheuser-Busch e a Heineken engoliriam a
AmBev devido ao seu ainda pequeno tamanho relativo. A
sul-africana SAB Miller e a belga Interbrew eram opções
mais realistas para uma eventual combinação de
operações.

Assim, em março de 2004, a AmBev e seus acionistas


controladores anunciaram uma complexa transação que
levou os três, por meio de uma holding chamada Braco, a
trocar participações5 com os acionistas controladores da
cervejaria Belga Interbrew. Com o negócio, o trio e os
belgas se tornaram co-controladores da InBev6,
companhia esta que passou a controlar a AmBev e as
operações da antiga Interbrew7.

Com a sua “fábrica de talentos” produzindo profissionais


de alto-nível a todo vapor, o deal levou a AmBev a
expatriar mais de cem executivos para inúmeras
operações da InBev pelo mundo, dentre os quais Carlos
Brito, que se mudou para o Canadá para tocar a Labatt, e


5
A transação não envolveu os acionistas minoritários da Ambev, que
continuaram participando apenas do capital da empresa brasileira.
6
Lemann, Telles e Sicupira ficaram com uma participação de 24.7% no
capital votante da InBev, e assinaram um acordo de acionistas que dá-
lhes “influência conjunta e igualitária” no controle da empresa.
7
Como consequência da operação, a cervejaria Labatt, de propriedade
da Interbrew, foi incorporada à AmBev, que emitiu ações adicionais
em favor da Interbrew.

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SONHO, GENTE E CULTURA

em pouco tempo, se mudar para Leuven, na Bélgica, para


se tornar CEO global da empresa.

Nos anos seguintes a operação, deram-se ainda outras


aquisições relevantes da AmBev na América Latina,
dentre elas a compra da participação restante ainda
detida por acionistas minoritários da Quinsa.

Anheuser-Busch

Em meados de 2008, a InBev iniciou conversas para a


compra da Anheuser-Busch, ícone do mercado cervejeiro
americano e detentora das tradicionais Budweiser e Bud
Light (a primeira tida como a marca de cerveja mais
reconhecida do mundo). A transação, liderada por Carlos
Brito sob supervisão do trio, foi bastante criticada por
membros da família Busch, pela imprensa americana, e
até pelo então candidato à presidência dos E.U.A. Barack
Obama, mas acabou concluída a despeito de todos os
fatores que jogavam contra sua conclusão.

Rumores de algum tipo de operação entre as duas


empresas remontavam a 2006, quando, contra os
conselhos de seu pai, o então CEO da Anheuser-Busch,
August Busch IV8, fez um acordo para se tornar
distribuidor único das marcas da InBev no território
americano. Com o acordo, a InBev se aproximou muito da


8
O “quarto”, como era conhecido August Busch IV, sucedeu seu pai no
comando da AB. O “terceiro”, como o pai era analogamente
conhecido, temia que uma parceria desse aos brasileiros um ponto de
observação vantajoso sobre o funcionamento da AB. Vale lembrar que
os Busch, apesar de exercerem o controle de fato da AB, detinham
menos de 10% do seu capital, sendo portanto alvos fáceis de uma
eventual aquisição.

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FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

AB, estabelecendo um escritório avançado vizinho ao da


empresa americana em St. Louis, e pôde, como previsto,
conhecer de perto as ineficiências e fraquezas da
parceira. Carlos Brito e seus colegas gostaram muito das
oportunidades que viram.

A Anheuser-Busch era um sonho antigo dos três


empresários brasileiros, por ser, desde que assumiram a
Brahma, a maior companhia cervejeira do mundo, com
domínio sobre o cobiçado mercado americano, além de
marcas mundialmente reconhecidas. Para melhorar ainda
mais, a empresa também apresentava um tripé de (1)
resultados financeiros e (2) operacionais muito piores que
os InBev, e (3) controle acionário pulverizado, o que a
tornava um alvo ideal para uma aquisição,
potencialmente hostil, em bolsa.

Os resultados fracos advinham de uma cultura


corporativa bastante pródiga, que incluía escritórios
luxuosos, uma frota (literalmente) de aeronaves
corporativas, títulos caríssimos de clubes de golfe, e
outros gastos desalinhados com os interesses dos seus
acionistas. Tanto o “Terceiro” quanto o “Quarto”9
extraíam benefícios desproporcionais da empresa como
executivos, vis-à-vis suas participações acionárias
relativamente pequenas, e faziam isso pois exerciam o
controle acionário de fato nos bastidores, exercendo
grande influência sobre os membros do conselho de
administração da AB, que deveriam, em tese, representar
os acionistas como um todo, mas não o faziam. Como diz
Julie Macinstosh, autora do livro que reconta a história da
aquisição da AB pela InBev, Dethroning the King:


9
August Busch III era o “Terceiro”. August Busch IV era o “Quarto”

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SONHO, GENTE E CULTURA

“Eles nunca foram conhecidos pela sua consciência com


custos. Por décadas, os Busch, que amavam aviões, e
seus colaboradores, rodavam pelo país a bordo da frota
corporativa de sofisticados jatos Dassault Falcon.
Chegou ao ponto de, em um dado momento, diversas
mulheres de membros do comitê estratégico da
empresa não voarem em vôos de carreira por anos”10.

E com o depoimento de um ex-executivo, presente no


mesmo livro, que ilustra bem a falta de proporção entre
os benefícios que extraíam como executivos, e o tamanho
das participações acionárias:

“Eles eram apenas os representantes figurativos da


empresa. Não tinham o controle. Era como a
monarquia da Grã Bretanha. Esses caras não tinham
autoridade [de direito] para nada”11.

Após uma série de gafes estratégicas por parte do


Quarto, o mercado voltou a especular sobre um negócio
entre a empresa e a InBev. Em uma dessas
oportunidades, ele falhou em reportar ao seu conselho
sobre um jantar que tivera com Lemann em Nova York,
onde este propusera, ainda que informalmente, uma
combinação das duas empresas.


10
“They had never been known for cost-consiousness. For decades,
the aviation-loving Busch men and other staffers had hopscotched
around the country on the company’s own fleet of sleek, leather-
outfitted Dassault Falcon corporate jets. It got to the point for a while
where even the wives of strategic committee members hadnt flown
comercial in years”.

11
“They were just the titular heads of the company. They didn’t have
control. It was like a monarchy in Great Britain. These guys really didn’t
have the authority to do anything”.

17
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Sem ter sua idéia levada a sério pelo Quarto, Lemann e


seus sócios passaram a considerar uma oferta hostil aos
acionistas da Anheuser-Busch. Em uma operação deste
tipo, a parte ofertante se dirige diretamente aos
acionistas da empresa-alvo, ao invés do caminho comum,
de se aproximar primeiro do seu conselho de
administração, que por sua vez decide por dar
recomendar ou não o negócio aos acionistas da empresa.

Tudo indicava que o conselho da AB, dominado pelos


Busch, seria reticente em trabalhar para o fechamento de
um negócio entre as empresas. Assim, outra estratégia
era levar o assunto a público, de modo a coagir
tacitamente o conselho da AB a considerar uma potencial
transação. Esta alternativa minimizava as repercussões
negativas que sempre acompanham ofertas hostis, e
constrangeria o conselho da AB, que não teria como
ignorar a oferta sem romper com suas obrigações
fiduciárias para com os seus acionistas.

Assim, a primeira proposta formal foi enviada pela InBev


ao conselho de administração da AB em 11 de Junho de
2008, sugerindo uma oferta de U$ 65 para cada ação da
AB em circulação, que avaliava a empresa em U$ 46.3
bilhões. Em primeiro de Julho, após ter sua oferta
rejeitada pelo conselho (por ser “financeiramente
inadequada e fora dos melhores interesses de seus
acionistas), a InBev veio a público para reforçar sua oferta
de U$ 65 por ação, e indicou a possibilidade de uma ação
para substituir alguns membros do conselho da AB, o que
abriria portas para negociações amigáveis. A ameaça
surtiu efeito, e trouxe os conselheiros da AB para a mesa
de negociação. Neste meio tempo, a imprensa noticiou
que a InBev aumentara sua oferta para U$ 70 por ação
(cinco dólares a mais que o preço da proposta original),
oferta essa que foi anunciada como aceita conjuntamente
18
SONHO, GENTE E CULTURA

pelas duas empresas em 14 de Julho de 2008. A cervejaria


americana terminou avaliada em U$ 52 bilhões, a serem
pagos à vista aos seus acionistas.

Para fundear o negócio gigantesco, a InBev negociou uma


linha de crédito com um sindicato de bancos que quase
foi abortada com a deterioração da crise de crédito nos
Estados Unidos (e subsequente falência do banco de
investimentos Lehman Brothers). As linhas só não foram
canceladas pois a InBev negociou condições contratuais
ferrenhas, que custaram à empresa um dos U$ 50
milhões em fees que seriam perdidos caso o negócio não
fosse concluído.

Mesmo com a linha garantida, a InBev não deixou de ir


em frente com a transação mesmo vendo os preços de
ativos financeiros derretendo à sua frente com o
desenrolar da crise.

Burger-King, Heinz, e a 3G Capital

Em 2004, o trio havia decidido diversificar seus ativos


financeiros e financiou a criação de uma firma de
investimentos baseada em Nova York, a 3G Capital. A
iniciativa foi liderada por Alex Behring, que havia sido
sócio da GP Investimentos e posteriormente presidente
da ALL – América Latina Logística, entre as décadas de
1990 e 2000. A firma iniciou suas atividades concentrando
esforços em ativos líquidos, através de uma combinação
de gestão própria com alocação em fundos de outras
gestoras, no modelo de fundo-de-fundos. Com o tempo, a
3G concentrou seus esforços no mercado de ações norte-
americano, especialmente nos casos em que a empresa
comprava participações relevantes em empresas de

19
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

capital aberto, e passava a exercer influência na condução


de suas estratégias.

O primeiro grande negócio foi a CSX, companhia


ferroviária americana (setor este em que Behring tinha
grande experiência operacional). A 3G se aliou ao fundo
inglês TCI, conhecido por suas incursões ativistas, e
passaram a pressionar o conselho da empresa por
melhorias operacionais e financeiras.

Com a captação de um novo fundo, que contava com


recursos de clientes12 (além daqueles dos seus sócios,
incluindo o trio), a firma anunciou em 2010 a aquisição da
rede de fast-food Burger King, então controlada por
fundos das gestoras de private equity Texas Pacific Group,
Bain Capital, e do banco de investimentos Goldman
Sachs. Os fundos haviam comprado a franqueadora em
2002 da Diageo, mas tiveram dificuldades em executar o
turnaround proposto principalmente após a Grande
Recessão pós-2008. Pelo Burger King, os fundos da 3G
Capital pagaram U$ 3.3 bilhões13, além da assunção de
dívidas de U$ 700 milhões, avaliando a empresa em um
múltiplo de nove vezes lucro, e fechou seu capital.

Bernardo Hees, sucessor de Behring no comando da ALL,


assumiu a posição de CEO da empresa, seguido por Daniel
Schwartz, que liderara a transação pela 3G Capital, como


12
Eike Batista foi um dos investidores participantes do fundo que
comprou a Burger King, segundo sua biografia não-autorizada
publicada em 2015 por Malu Gaspar.
13
Dos U$ 3.3 bilhões, aproximadamente a metade foi financiada com
dívidas, numa operação conhecida como leveraged buyout, ou
aquisição alavancada. Neste tipo de transação, o investidor soma seu
capital à divida bancaria para aumentar seu poder de compra e
potenciais retornos. O risco da transação também aumenta.

20
SONHO, GENTE E CULTURA

CFO. Em 2012, após significativas melhorias de resultado,


a 3G vendeu uma participação acionária para uma
empresa de capital aberto chamada Justice Holdings,
detida por fundos de investimento geridos pela Pershing
Square14. O deal retornou à 3G e seus sócios U$ 1.4
bilhão, que era aproximadamente o montante de capital
15
próprio (equity) investido originalmente no negócio .

Com os sucessos acumulados em CSX e Burger King, a 3G


Capital mirou mais alto, e se associou à Berkshire
Hathaway, do lendário investidor americano Warren
Buffet, para a aquisição da H.J. Heinz Company,
fabricante dos famosos molhos ketchup homônimos. O
negócio foi significantemente maior do que o anterior,
mas baseado nos mesmos moldes: fechar o capital de
uma empresa com uso de grande alavancagem financeira,
ainda abundante e barata no mercado financeiro dos
Estados Unidos. Os acionistas da Heinz receberam U$
23.3 bilhões em dinheiro pelas suas ações.

Em 2015 a Heinz adquiriu a Kraft Foods, gigante dos


alimentos processados, formando a Kraft Heinz. No
negócio, os acionistas da Heinz ficaram com 51% da
entidade resultante, em uma transação de U$ 45 bilhões.


14
A Pershing Square é uma gestora de investimentos Americana
dedicada a participações ativistas em empresas de capital aberto.
Neste tipo de estratégia, o investidor tenta influenciar ativamente as
decisões dos executivos e conselheiros da empresa através de práticas
muitas vezes tidas como hostis, como cartas públicas e entrevistas à
imprensa.
15
Na prática, a 3G realizou uma transação chamada de IPO reverso,
em que uma empresa de capital fechado incorpora uma empresa de
capital aberto, se tornando, por consequência, aberta – daí o IPO, ou
abertura de capital. Neste caso, os acionistas da Justice ficaram com
71% da empresa combinada, enquanto a 3G e seus sócios, 29%.

21
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

A linha mestra

Vê-se pela história empresarial do trio que há algumas


tendências – e preferências - que vêm ficando claras nas
últimas três décadas na forma com que alocam seus
recursos (tempo e capital):

a) Empresas baseadas em mercados desenvolvidos

Desde a fusão da AmBev com a Interbrew, o trio tem


concentrado seus esforços em novos negócios baseados
em mercados desenvolvidos, onde há um mix de (1)
empresas com controle acionário difuso, e portanto,
oportunidades de ganhos de eficiência significativos, (2)
financiamento por meio de dívida barato e abundante, e
(3) diversificação geográfica de resultados, e portanto, de
fatores de controle exógeno, como câmbio, risco político,
crescimento econômico, juros e inflação.

b) Empresas com vantagens competitivas sustentáveis

Veremos mais sobre o tema a seguir, mas vale ressaltar


de antemão que o trio busca negócios que tenham
vantagens competitivas de fácil manutenção, como
marcas muito conhecidas, rede de distribuição ampla e
saudável, baixa concentração de fornecedores e clientes,
e baixo risco de inovações tecnológicas que venham a
romper seus modelos de negócio.

c) Potencial de ganhos de margem com gestão

Negócios como a manufatura e venda de Fast-Moving


Consumer Goods (entre eles bebidas e condimentos) e o
varejo de fast-food têm em comum alto custo de mão-de-
obra, alta complexidade operacional, funções relevantes
de vendas e, portanto, oportunidades de ganho de

22
SONHO, GENTE E CULTURA

eficiência e margem significativos a partir do turnaround


gerencial baseado em pessoas.

d) Preferência por setores “à prova de idiotas”

Não basta uma empresa ter uma situação competitiva


favorável e gordura abundante se o seu negócio,
estruturalmente, não for bom.

A saída do trio do Banco Garantia, um banco de


investimentos em modelo de partnership nos moldes da
americana Goldman Sachs, e o subsequente foco em
FMCGs, é bastante ilustrativo nesse sentido: deixaram
para trás um modelo de negócios de baixa
escalabilidade16, gestão de risco trabalhosa, e altíssima
dependência de colaboradores-chave, para focarem em
negócios muito mais perenes e escaláveis, que têm mais
baixa dependência de colaboradores-chave e baixa
exposição a riscos de mercado. De maneira metafórica, os
que continuariam gerando receitas se seus executivos
precisassem todos se ausentar do escritório por alguns
dias.

Como diz Warren Buffet, “eu tento comprar ações de


negócios tão bons que um idiota possa administrá-los.
Porque mais cedo ou mais tarde, um irá”.



16
É importante não confundir escalabilidade, que é a facilidade de se
administrar o negócio em ele se tornando – muito – maior, com
potenciais ganhos de escala, que são proporcionais à alavancagem
operacional da empresa. Quanto maior a alavancagem operacional de
uma empresa, maior a proporção de custos fixos sobre os custos
totais. Portanto, aumentos de vendas tendem, nesses casos, a trazer
margens líquidas crescentes, os chamados ganhos de escala. Negócios
escaláveis não necessariamente trazem ganhos de escala. E vice-versa.

23
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Figura 1: Linha do Tempo


24
SONHO, GENTE E CULTURA

25
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

PARTE 1: GENTE

26
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Introdução

O maior ativo da empresa é gente boa, trabalhando em


equipe, crescendo na medida de seu talento e sendo
recompensada por isso. A remuneração tem que estar
alinhada com os interesses dos donos.
- Os 18 Mandamentos

Nosso compromisso com o recrutamento, treinamento e


retenção das melhores pessoas é um elemento-chave de
nossas iniciativas estratégicas. Sabemos que a Gente
AmBev é nossa maior vantagem competitiva.
- Relatório Annual 2003

Nós somos um ‘one trick poney’: nosso truque é


potencializar gente, é o que a gente sabe fazer. Descobrir
gente que tem talento, brilho nos olhos e vontade de
crescer, e abrir o caminho pra ajudar esses caras a irem
pra frente.
- Marcel Telles

De acordo com Carlos Brito, em uma palestra dada na


escola de negócios da universidade de Stanford em 2011,
“gente boa é o que faz grandes empresas17. O ponto

17
“Great people are what forms great companies”. Optamos por
manter o “gente boa” pois é a forma mais frequente com que o tema é
tratado em português. Além disso, optamos por manter o sentido
original, que dá ênfase em pessoas, de outra tradução possível, que
seria „grandes empresas são formadas por gente boa”. Na nossa
opinião, a ênfase está nas pessoas mesmo.

27
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

importante que ele faz é que empresas são formadas de


gente. Não há nenhum outro ingrediente mágico.

Parece muito simples. Mas não é!

Para ter gente boa, uma empresa precisa investir em


diversas frentes: criar um ambiente onde gente boa se
sinta bem; recrutar talentos constantemente, tendo
sempre uma base de gente boa disponível para a
empresa; promover os talentos rapidamente; e por fim,
demitir gente ruim, para que o nível médio de talento da
empresa esteja em perene melhora.

Segundo Carlos Brito, gente boa gosta de ambientes de


trabalho com três grandes características:

a) Meritocracia: Performances diferentes são tratadas


de maneira diferente. Os melhores são promovidos
e ganham mais; os piores mudam ou saem.

b) Informalidade: Gente boa gosta de estruturas


organizacionais horizontais, em que o contato
entre níveis de senioridade é encorajado; em que
diferenças hierárquicas não sejam impostas a força;
em que o linguajar seja simples e não ostentativo
ou rebuscado.

c) Honestidade intelectual: As discussões devem ser


baseadas em fatos e dados; o melhor argumento
deve sempre vencer a despeito do nível hierárquico
e experiência dos participantes; os executivos têm
de ser acessíveis aos seus companheiros e
colaboradores. Por fim, “politicagem”, “puxa-
saquismo” e outras mazelas corporativas devem
ser combatidas a qualquer custo.

28
SONHO, GENTE E CULTURA

Além de um ambiente favorável a gente boa, é


importante que a empresa tenha um pipeline constante
de talentos em seus quadros. O pipeline é suprido, na sua
base, por programas de estágio, trainee e recrutamento
de MBAs, em que estudantes das melhores universidades
do mundo são escolhidos a dedo para se juntarem às
empresas quando concluem seus cursos. Mais acima na
hierarquia, cada líder é cobrado por ter uma linha de
sucessão clara em seus quadros (no mínimo um potencial
substituto para seu cargo para o caso de promoções ou
deserções.) Para que isso ocorra, investe-se
constantemente no treinamento e desenvolvimento de
talentos, tanto on-the-job, quanto por meio de cursos e
treinamentos formais, e por fim, de um planejamento
detalhado de carreira que tenha como objetivo a
formação de líderes para todos os níveis das empresas.

Pontos de Resistência

Ainda que pareça bastante simples, pôr em prática um


ambiente como o descrito acima é bastante trabalhoso, e
muitas vezes traumático para colaboradores que não
estejam acostumados, ou que não tenham encaixe
cultural adequado.

Não é à toa que a maioria esmagadora das empresas faz


exatamente o oposto. É muito mais comum conhecer
culturas empresariais em que reuniões sigam protocolos
implícitos ou explícitos, em que discordâncias
(principalmente um colaborador discordando de um
superior) são mal vistas, em que argumentos são
vencidos “à força” por quem tem cargo mais alto ou mais
tempo de casa, e assim por diante.

29
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

A transição costuma ser especialmente difícil: na visão do


trio, gente boa costuma se ver realizada com as novas
práticas, enquanto gente ruim18 se incomoda com o
ambiente aberto, a informalidade, e o clima às vezes
confrontacional, e é expelido da estrutura mais cedo ou
mais tarde.


18
É importante não confundir “gente ruim”, um termo usado para
descrever performance e fit cultural, com alguma deficiência moral, ou
maldade no sentido mais usual. Pessoas íntegras e afáveis podem
frequentemente serem classificadas como “ruins”.

30
SONHO, GENTE E CULTURA

1
Meritocracia

Meritocracia: um sistema em que os talentosos são


escolhidos e promovidos com base nas suas conquistas.
- Dicionário Merriam-Webster

Meritocracia é talvez o mais importante e distintivo


aspecto da metodologia de gestão dos 3G. Trata-se de
tratar performances distintas de maneira distinta,
premiando os melhores, e promovendo a melhora ou
saída dos piores, em termos de sua performance no
trabalho.

A principal ferramenta para se implantar uma


meritocracia é o reconhecimento variável dos
colaboradores em função de sua performance.
Reconhecimento vêm de duas formas: remuneração e

31
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

promoções. Para que se possa reconhecer os


colaboradores de maneira meritocrática, a empresa
precisa estabelecer metas claras para todos os seus
colaboradores, e avaliá-los em relação ao atingimento
dessas metas, além de outras variáveis como potencial de
crescimento e adesão cultural.

Meritocracia na escola e nos esportes

Segundo Carlos Brito, a escola e o esporte são metáforas


importantes que nos ajudam a entender como
meritocracias devem funcionar.

Quando entramos na escola, somos expostos ao primeiro


ambiente meritocrático de nossas vidas. Somos
constantemente avaliados; nossas metas (notas mínimas)
são bastante claras; recebemos feedbacks claros e
constantes (através das notas de provas e outras
avaliações) e, por fim, cada um têm de carregar seu peso
para atingir seus objetivos19.

O esporte, em seguida, insere mais fortemente o conceito


de trabalho em equipe, ainda num ambiente
meritocrático. Segundo Brito, não há feedback mais claro
do que o banco de reservas. Quem joga bem fica no time
titular. Além disso, a figura do técnico faz o papel de líder,
que deveria ser emulado por executivos no seu dia-a-dia
profissional: eles também dão feedback constante aos
seus jogadores (inclusive durante o jogo), e aplicam a

19
Trabalhos em grupo talvez sejam as únicas oportunidades que
temos de nos encostar no suor dos outros. Colas e fraudes não são
citadas, pois tratar-se-iam, analogamente, a desvios de integridade,
inaceitáveis na cultura do trio.

32
SONHO, GENTE E CULTURA

dose certa de pressão para motivar a melhor


performance possível.

Mundo corporativo: onde ocorrem os desvios

Segundo Brito, é no mundo corporativo em que a


meritocracia se perde. Líderes caem na tentação de levar
outros fatores em conta, como tempo de casa, anos de
experiência, fidelidades pessoais e alianças políticas.
Assim, acabam criando um ambiente em que gente boa
fica descontente pela falta de reconhecimento, e gente
ruim se sente à vontade para continuar tendo uma
performance medíocre, dado que não há consequências.

Ainda segundo Brito, ser realmente meritocrático é um


grande desafio. A dificuldade começa em lidar com os
medíocres. Dar feedback negativo pode ser desgastante.
Uma demissão, que no caso da AmBev ocorre usualmente
após três sessões de feedback negativo, pode ser ainda
mais traumática para o líder. No entanto, os efeitos
positivos valem a pena: o profissional medíocre tem de
buscar um novo ambiente em que possa florescer
profissionalmente; abre-se uma vaga para um bom
profissional ser promovido. Brito comenta: “sim, haverá
gente na lanterna. E é essa a ideia; que as pessoas na
lanterna se sintam mal, e que queiram ir pro topo”. Fazer
com que os colaboradores saibam sua performance em
relação aos colegas incentiva uma competição saudável,
que reforça o ciclo de feedback positivo do sistema de
prêmios e punições.

Jack Welch, uma grande influência para a cultura do trio,


parece concordar, como mostra o relatório anual a
investidores da GE, de 2002:
33
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

“Not removing that bottom 10% [ of worse performers]


early in their careers is not only a management failure,
but false kindness as well – a form of cruelty – because
inevitably a new leader will come into a business and take
out that bottom 10% right away, leaving them –
sometimes midway through a career – stranded and
having to start over somewhere else”.

O que é mérito?

A AB InBev define mérito como a soma de três grandes


aspectos de performance:

Figura 5: Mérito

34
SONHO, GENTE E CULTURA

Atingimento de metas

É um critério bastante objetivo, e medido com um


número: qual a média ponderada da porcentagem de
atingimento de metas do colaborador.

Quando o atingimento de metas está aquém do esperado


(na AmBev espera-se que o colaborador atinja no mínimo
70% das suas metas), cabe ao líder avaliar se é necessário
treinamento, se as metas foram mal-estabelecidas, ou se
o colaborador está na atividade errada.

Trabalho em equipe/liderança

Fruto tanto da avaliação 360 graus (de colegas,


colaboradores e supervisores) quanto da percepção do
supervisor, o trabalho em equipe é a capacidade do
profissional de motivar seus companheiros, contribuir pro
sucesso do time, não gerar atritos e problemas, e no caso
dos que possuem equipes sob sua supervisão, a
percepção dos liderados.

O colaborador que tem problemas com trabalho em


equipe tem de se desenvolver para cobrir suas
deficiências. Se atinge resultados extraordinários e tem fit
cultural, portanto com tendências a comportamento de
“prima donna”, tem um pouco mais de tempo para
trabalha-las. Mas não muito.

Fit cultural

O fit cultural é o único aspecto que é entendido como


“imutável”, e portanto imprescindível para que o
colaborador se desenvolva na empresa. Valores como
integridade, meritocracia e excelência são dificilmente
35
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

alteráveis, e portanto podem ser deal breakers na carreira


do profissional.

A GE, em seu relatório anual de 2002, explica conceitos


muito parecidos em relação aos seus líderes:

“It’s about the four “types” that represent the way we


evaluate and deal with our existing leaders.

Type I: shares our values; makes the numbers – sky’s


the limit!

Type II: doesn’t share the values; doesn’t make the


numbers – gone.

Type III: shares the values; misses the numbers –


typically, another chance, or two.

None of these three are tough calls, but Type IV is the


toughest call of all: the manager who doesn’t share the
values, but delivers the numbers; the ‘go-to’ manager,
the hammer, who delivers the bacon but does it on the
backs of people, often “kissing up and kicking down”
during the process. This type is the toughest to part
with because organizations always want to deliver – it’s
in the blood – and to let someone go who gets the job
done is yet another unnatural act. But we have to
remove these Type IVs because they have the power, by
themselves, to destroy the open, informal, trust-based
culture we need to win today and tomorrow”

Avaliações de desempenho: pondo a meritocracia em


prática

36
SONHO, GENTE E CULTURA

Uma das ferramentas práticas de meritocracia é a


avaliação de desempenho, que é dividida em três grandes
estágios:

1. Acompanhamento mensal de metas e resultados

2. Avaliação anual de competências

3. Avaliação anual de resultados

Acompanhamento Mensal: Todos os meses, cada


supervisor tem de sentar com seus subordinados para
revisar suas metas e performance. Essa reunião
geralmente é conduzida na presença do time todo, e tem
sua origem na prática das Reuniões de Resultado
introduzidas por Vicente Falconi. Desta maneira, o líder
começa apresentando suas metas e performance, a cada
um dos subordinados faz o mesmo, até que todos tenham
apresentado seus números. São discutidas as potenciais
dificuldades enfrentadas por cada um, bem como
encoraja-se o compartilhamento de melhores práticas
entre os colegas.


Figura 6: Processo de acompanhamento mensal de
resultados.

37
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

De líder para liderado (de cima para baixo): fornecimento


de feedback, apoio com ferramentas e recursos, ajuda na
priorização e direcionamento de esforços.

De liderado para líder (de baixo para cima): Autoanálise


de performance, apresentação de resultados e status de
projetos, planos de ação para atingimento de metas.

Avaliação anual de competências e decisões de gente

Enquanto o processo de apuração de metas e pagamento


de bônus é extremamente objetivo e matemático (como
veremos abaixo), ou seja, quem bateu meta leva bônus e
quem não bateu meta não leva bônus, as decisões de
gente, ou seja, quem é promovido, demitido ou movido
lateralmente, levam em conta comportamentos e
potencial de cada profissional.

O processo começa com uma avaliação de


comportamentos derivados dos valores das empresas,
que frequentemente inclui um componente multi-
avaliador (estilo 360-graus).

Após a avaliação, são realizados comitês de sucessão,


onde os colaboradores são classificados com base na sua
prontidão para promoção, e as vagas internas da empresa
são preenchidas, de cima para baixo.

A prática parece bastante influenciada na política de


avaliação da performance da GE, também descrita no
relatório anual da empresa em 2000:

“In every evaluation and reward system, we break our


population down into three categories: the top 20%,

38
SONHO, GENTE E CULTURA

the high-performance middle 70% and the bottom 10%.


The top 20% must be loved, nurtured and rewarded in
the soul and wallet because they are the ones who
make magic happen. Losing one of these people must
be held up as a leadership sin – a real failing.

The top 20% and middle 70% are not permanent labels.
People move between them all the time. However, the
bottom 10%, in our experience, tend to remain there. A
Company that bets its future on its people must remove
that lower 10%, and keep removing it every year –
Always raising the bar of performance and increasing
the quality of its leadership”.

Avaliação anual de resultados

Cada colaborador apura o percentual de atingimento das


suas metas, submete a avaliação ao seu gestor e com isso
fica definido seu bônus anual.

Bônus

Todos os anos, os colaboradores de nível gerencial


recebem uma remuneração variável, formada por um
fator de performance multiplicado pelo seu salário
mensal, em função do desempenho obtido durante o ano.

O fator de performance se forma pela fórmula abaixo:

Observa-se que além da performance individual do


colaborador, impactam seu bônus a performance de sua
diretoria/unidade de negócios (time), e a performance
39
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

global da empresa20, de modo que todos os


colaboradores estejam alinhados com o sucesso coletivo
da firma e dos acionistas.

O bônus pool

O bônus pool é a quantidade total de dinheiro a ser


distribuído como bônus entre os colaboradores elegíveis.
Também chamado de pie, ou torta, costuma ter seu
tamanho (the size of the pie) pré-definido como uma
porcentagem do EBITDA (lucro antes de juros, impostos,
depreciação e amortização) da empresa. Quanto maior o
EBITDA, maior o numerador do pie.

Pie = EBITDA * X%

Em seguida, divide-se o pie (digamos que X = 20%) pela


massa salarial mensal dos colaboradores elegíveis a
bônus. Chamamos isso de Bônus Potencial por
Colaborador:

BP = Bônus Potencial (em número de salários mensais) =


Pie / Despesa mensal de salários da empresa

O resultado é a quantidade de salários potencial a que os


colaboradores elegíveis a bônus poderão concorrer com
sua performance. Em um dado ano, cada colaborador,
por exemplo, poderá ganhar cinco salários mensais como
bônus de performance.


20
Explicaremos melhor a formação de metas da empresa, de time e de
indivíduo na Parte 2 do livro, sobre Sonho.

40
SONHO, GENTE E CULTURA

Portanto, o bônus de um dado colaborador (B) será dado


pela fórmula abaixo:

B = Fator de Performance * BP * Salário do Colaborador

Programas de excelência

Nos quadros não gerenciais (cargos de operação,


principalmente vendas e manufatura) não ocorrem
avaliações individuais como nos quadros gerenciais. Para
este grupo, a AB InBev se inspirou em um programa
similar da Anheuser-Busch e criou programas de
excelência, que são competições de grupo pelas quais
competem unidades de trabalho comparáveis.

“Todos esses programas são dedicados a maximizar a


eficiência, e as unidades competem entre si para atingir
o maior número de pontos com base no cumprimento
de determinados procedimentos. Os colaboradores das
unidades vencedoras de cada programa recebem uma
remuneração extra, e, caso uma unidade atinja o maior
número de pontos mais de três vezes, ela recebe o
título de “Embaixadora”. Além de motivar pessoas e
parceiros chave, os programas de excelência dão apoio
efetivo a nossas iniciativas de redução de custos”.
(Relatório Anual 2003)

Por exemplo, as equipes regionais de vendas competem


entre si por um dos prêmios (PEV – Programa de
Excelência em Vendas), enquanto as unidades fabris
competem entre si por outro prêmio (PEF – Programa de
Excelência Fabril).

41
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

De maneira análoga, os grupos são então classificados em


rankings comparáveis, e posteriormente atribuídos um
fator multiplicador que pode aumentar ou diminuir o PLR
(participação nos lucros e resultados) a ser distribuído no
ano.

42
SONHO, GENTE E CULTURA

2
Informalidade

Pessoas talentosas gostam de simplicidade. É ali que os


talentosos se destacam.
- Carlos Brito, Endeavor CEO Summit

Um dos aspectos mais aparentes do estilo de gestão do


trio é sua informalidade, que transparece em diversas
situações diferentes.

Segundo Carlos Brito, um ambiente informal, de planta


aberta, com dress code casual, sem cerimônias, é um
fator de grande importância para a atração e retenção de
gente boa. Segundo ele, um ambiente informal incentiva

43
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

a comunicação, a meritocracia, o trabalho duro, além de


outras externalidades positivas.

Escritórios de planta aberta

Nas palavras de Brito, “eu não tenho um escritório. Eu me


sento ao lado de meus reportes diretos em uma grande
mesa – meu cara de marketing na minha direita, meu
cara de operações na minha esquerda, e meu cara de
finanças atrás”. Este talvez seja o ponto que causa maior
espanto a executivos e donos de empresas tradicionais:
como pode o CEO se sentar no meio de todos, sem a
privacidade e o luxo de uma sala fechada?

É exatamente este o ponto da planta aberta. Sem ter que


se mover pelo escritório, os executivos podem realizar
rápidas reuniões de trabalho, apenas virando suas
cadeiras, aumentando a eficiência do tempo e a
comunicação. Brito ressalta que faz inúmeras reuniões de
um a cinco minutos com seus principais colaboradores,
em que despacham rapidamente sobre vários assuntos
sem a ineficiência de agendamento e deslocamento
associadas a ir a uma sala de reunião (o que
frequentemente ainda atrai mais gente do que o
necessário).

Outra grande vantagem de escritórios abertos é que eles


previnem as pessoas de se esconderem por detrás de
portas. Num tom bem-humorado, Brito nota que
“escritórios são para pessoas medíocres, que gostam de

44
SONHO, GENTE E CULTURA

se esconder detrás de suas portas e jogar joguinhos, etc.”


21

Por mais agressivo que isso possa soar, é uma grande


verdade. Para trabalhar, as pessoas não precisam, na
maior parte dos seus dias, de privacidade. Pelo contrário,
podem se beneficiar da pressão e comunicação que um
escritório aberto proporciona. Se há algo de confidencial
a ser tratado (um algum tema de cunho pessoal) o
colaborador pode se deslocar até uma sala de reuniões.
Mas é a exceção, e não a regra.

Uma vantagem final de escritórios abertos é a


acessibilidade dos executivos sêniores aos outros
colaboradores da empresa. Salas fechadas impõe um
nível de deferência, associado ao “bater na porta”, que é
excessivo, e desencoraja interações positivas à empresa.
Falar com o gestor não deve ser nunca visto como uma
interrupção a ser evitada, mas uma parte essencial de um
ambiente de trabalho saudável.


21
“Offices are for mediocre people who like to hide behind their doors
and play games, et cetera.”

45
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Dress code casual


Outro aspecto importante das empresas do trio, e que
pode parecer excessivamente cosmético mas é de grande
importância, é o código informal de vestimenta adotado.
Colaboradores usam calças jeans, e são frequentemente
vistos com camisas bordadas com o logotipo dos
produtos vendidos. A prática reforça a horizontalidade da
estrutura, bem como a acessibilidade dos executivos, e
contribui para a atração e retenção de talentos.

Vestimentas informais são também marca do trio. Diz-se


que Beto Sicupira causou espanto nas Lojas Americanas
quando chegou para assumir seu cargo de presidente da
empresa vestindo jeans e carregando uma mochila
esportiva nas costas. Marcel Telles também pode ser visto
em fotos dos tempos de AmBev bem como nos dias de
hoje ainda vestindo jeans e camisa informal. Jorge Paulo,
de maneira muito similar, adotou as calças caqui na
época do Garantia e até hoje é visto da mesma maneira.

Hierarquia horizontal

Outro aspecto que favorece a informalidade do ambiente


de trabalho é a estrutura organizacional plana das
empresas do trio. No caso da AmBev, são apenas cinco
níveis hierárquicos nos quadros gerenciais.

Simplicidade

Uma última característica que compõe o estilo informal


de gestão do trio é a simplicidade com que conduzem
diversos aspectos de suas vidas profissionais e pessoais.

46
SONHO, GENTE E CULTURA

Em primeiro lugar a linguagem usada é sempre simples e


objetiva, sem floreios e termos difíceis. Isso fica claro
quando lemos os dezoito mandamentos, que são escritos
em um tom absolutamente informal. Além disso, o estilo
informal também se traduz na forma com que o trio fala
em palestras, entrevistas e vídeos: nada de
rebuscamento. Não se encontra, nos materiais da
companhia, termos da moda, como capital humano,
sizing, empowerment, etc. Vê-se apenas gente, eficiência,
e cabeça de dono.

47
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

3
Honestidade intelectual22

Transparência e fluxo de informações facilitam decisões e


minimizam conflitos
- Os 18 Mandamentos

Em empresas grandes, só noticias boas chegam ao topo.


- Carlos Brito, Endeavor CEO Summit

O terceiro e último pilar de um ambiente em que gente


boa se sinta bem é o que chamamos de honestidade

22
Tradução livre de “candor”.

48
SONHO, GENTE E CULTURA

intelectual, que está intimamente ligado aos pilares de


informalidade e meritocracia.

Na visão de Carlos Brito, isso se traduz de duas principais


maneiras: em primeiro lugar, no fato de “todos na
empresa poderem emitir suas opiniões contanto que
sejam respeitosas e construtivas”. O que isso quer dizer?
Que um colaborador pode – e deve – discordar de um
colega ou de um superior se ele achar que tem um
argumento melhor, que esteja mais conectado com os
interesses da companhia. Assim, o melhor argumento
tende a vencer a despeito de diferenças de tempo de casa
e senioridade hierárquica. Para o trio, gente boa gosta de
estar em um ambiente onde se busca sempre o melhor
resultado, a despeito de quem seja contrariado.

Para que isso ocorra, a empresa precisa se desvencilhar


das amarras políticas de um ambiente normal de
trabalho, em que gestors não admitem serem
contrariados em público, e onde decisões são impostas.
Também é necessário que os colaboradores coloquem o
benefício da empresa acima de seus interesses pessoais,
de modo que alguma crítica ou argumentação de um
colega não seja vista como uma afronta pessoal.

Lendo uma carta de Jack Welch aos acionistas da GE,


datada do ano 2000, vemos algo muito parecido:

“Informality is not generally seen as a particularly


importante characteristic in most large institutions, but
it is in ours. Informality is more than just being a first-
name company; it’s not just a sense of managers
parading around the factory floor in suits, or of
reserved parking spaces or other trappings of rank and
status. It’s deeper than that. At GE it’s an atmosphere

49
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

in which anyone can deliver a view, an idea, to anyone


else, and it will be listened to and valued, regardless of
the seniority of any party involved. Leaders today must
be equally comfortable making a sales call or sitting in
a boardroom – informality is an operating philosophy
as well as a cultural characteristic”.

Vicente Falconi, consultor empresarial que influenciou


bastante o estilo de gestão empresarial do trio, descreve
a vitória do melhor argumento como a busca incessante
pela “verdade”23.

Outro aspecto importante é que, segundo Brito, “gente


boa gosta de saber em que pé está”24, o que significa que
querem sempre receber feedbacks objetivos, diretos, e
claros de seus colegas e supervisores, de modo a
poderem melhorar no que for preciso, e reforçar atitudes
que estejam funcionando. Também querem bastante
objetividade nas oportunidades que a empresa reserva
para eles.


23
Outras culturas empresariais notórias, como a Amazon e a
Bridgewater Associates, também possuem aspectos próprios de
“honestidade intelectual”, incentivando, e até obrigando, a
discordância.
24
“Great people like to know where they stand”.

50
SONHO, GENTE E CULTURA

4
Crescimento

Para que o Jeito 3G funcione, tem de haver crescimento


pessoal e profissional claro e constante para os melhores
talentos25. Crescimento pode vir de três principais


25
Vale ressaltar que são valorizados também os colaboradores que a
AmBev chama de especialistas, ou experts, que são aqueles de carreira
mais estável, que entendem profundamente de um assunto, e não tem
ambições de liderança. Eles podem ganhar até mais que um líder se
tiverem um valor extraordinário para a companhia. Alguns exemplos
possíveis são mestres cervejeiros, ou advogados fiscais, que
necessitam de conhecimento específico e experiência para realizarem
seus trabalhos. Mas especialistas são a exceção, e não a regra, e tem
de trabalhar duro e entregar como todos os outros colaboradors.

51
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

maneiras, muitas vezes complementares: ganhos


financeiros, promoções e desafios/conhecimento.

Para que isso ocorra, há de haver grande mobilidade na


empresa. Posições novas têm de surgir constantemente,
de modo a acomodar novos desafios e posições para
aqueles que vêm de baixo.

As empresas do trio possuem grande mobilidade pois elas


próprias estão em vertiginoso e constante crescimento
via aquisições. Assim, cria-se uma constante oferta de
posições, muitas vezes envolvendo mudanças de país,
para que os talentos assumam novos desafios em suas
carreiras.

A falta de crescimento pode ser um grande problema


para o modelo: de fato, a estrutura poderia sofrer um
efeito similar a um bloqueio na saída de uma escada
rolante, engarrafando o fluxo de profissionais, que
parariam de ter novos desafios e oportunidades de
crescimento. Este é um desafio com que empresas mais
maduras, como a AB InBev, terão de lidar num futuro
próximo, se não realizarem grandes movimentos
estratégicos (estratégia que, naturalmente, tem limites).

52
SONHO, GENTE E CULTURA

5
Criando um pipeline de gente boa

Já discutimos aqui os fatores que fazem que uma


empresa seja atraente aos olhos de gente boa. Agora,
caminhamos para as práticas adotadas pelas empresas do
trio com intuito de gerar um fluxo grande e constante de
talentos para a organização.

53
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Os programas de trainees

Uma marca registrada das empresas dos 3G é a


onipresença de programas de trainee como ferramentas
de recrutamento na base de suas companhias.

Contratar na base é essencial: permite que a empresa


molde os talentos desde o início com base em seus
valores e cultura. É o que Jim Collins, o guru de gestão
Americano com quem o trio se consulta periodicamente,
chama de “doutrinamento” no seu famoso livro Built to
Last: Successful Habits of Visionary Companies.

A forma mais comum de implementar um programa de


trainees é identificar as melhores universidades de uma
região, e dali atrair os jovens de melhor desempenho
acadêmico, potencial profissional e fit cultural para
participarem do programa, que na AB InBev se chama
GMT – Global Management Trainee Program.

Os executivos sêniores participam ativamente do


processo de seleção de candidatos, dispendendo tempo
bastante relevante com entrevistas e discussões de
debriefing. São notórios os almoços realizados por Marcel
Telles, até pouco tempo atrás, com todas as novas turmas
de trainees da AmBev.

Na AmBev, os GMTs passam X anos por diferentes áreas


operacionais da empresa (vendas e manufatura)
aprendendo por dentro o funcionamento das operações
da companhia, e alocados em diferentes projetos
estratégicos.

MBAs

54
SONHO, GENTE E CULTURA

Outra forma bastante usada pelas empresas do trio para


seleção de talentos é a contratação de MBAs recém-
formados nas melhores escolas de negócios do mundo.

Os estudantes geralmente participam de um estágio de


verão durante suas férias entre o primeiro e o segundo
anos do curso. Após três ou quatro meses de estágio, os
“estagiários de verão”, ou summer interns, são avaliados,
e dentre esses aos melhores são estendidas ofertas de
trabalho efetivo após a conclusão do curso.

Carlos Brito, CEO da AB InBev, foi contratado pelo Banco


Garantia após terminar seu MBA em Stanford. Poucos
meses depois de seu começo no banco, o executivo
deixou sua função para assumir uma fábrica da recém-
adquirida Cervejaria Brahma, em 1989, até atingir o topo
da empresa. Curiosamente, o MBA de Brito foi financiado
por Jorge Paulo Lemann, prática esta que deu origem à
Fundação Estudar, que hoje financia a educação de
jovens de alto potencial, muitos deles que acabam sendo
contratados por empresas do trio.

Promoções, apostas, e o “Xadrez de Gente”


Com a base da pirâmide organizacional atendida pela
constante contratação de trainees e MBAs, cabe às
empresas cuidarem para que seus colaboradores
continuem se desenvolvendo enquanto trabalham na
empresa, complementando capacidades com a rotação
em diferentes cargos e constantes treinamentos.

Um primeiro passo é a identificação dos colaboradores de


altíssimo potencial, que costumavam ser chamados de
“imperdíveis”. São aqueles que a empresa aposta, e
portanto se compromete a dedicar recursos

55
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

desproporcionais para que eles não deixem a empresa.


Com o tempo, o termo foi mudado para people Bets, ou
apostas em pessoas. Toda a empresa tem como meta a
retenção de people bets, que tendem a ser vistos como
potenciais futuras lideranças da empresa.

Outra prática importante é o Xadrez de Gente. Todo final


de ano, após a realização das avaliações de competências,
os executivos sêniores da empresa se reúnem como a
área de Gente e Gestão para definir promoções e
transições funcionais nos quadros. Assim, são
identificados, do topo para baixo, as vagas abertas e os
candidatos a preenche-las, por todos os níveis da
companhia. Vale lembrar que os candidatos a promoções
acabam saindo do conjunto dos que foram avaliados em
conceitos quatro (metade superior), ou prontos a serem
promovidos. Cada gestor têm de sempre ter mapeado ao
menos um sucessor direto, para o caso de sua promoção.

Também são bastante encorajadas mudanças radicais de


atividade, como a ida de profissionais da operação
(vendas e manufatura) para o centro corporativo
(finanças, gente e gestão, e marketing), além de
mudanças geográficas, grandemente facilitadas pelas
suas constantes fusões e aquisições de alcance global.

56
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

PARTE 2: SONHO

57
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

6
Um sonho grande

O maior perigo para a maioria de nós não está em mirar


muito alto e não atingir o objetivo; mas sim em mirar
muito baixo, e atingí-lo.
- Michelangelo

Um sonho grande e desafiador faz todo mundo remar na


mesma direção.
- Os 18 mandamentos

Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Beto Sicupira, e seus


executivos falam sempre no Sonho Grande. Lemann é

58
SONHO, GENTE E CULTURA

frequentemente citado dizendo que “É melhor sonhar


grande do que sonhar pequeno. Dá o mesmo trabalho”.

Mas o que, na prática, isso quer dizer?

O sonho grande nada mais é do que uma meta


extremamente ambiciosa. Ela é constantemente
mencionada no dia-a-dia da empresa, e entende-se que
seja uma forma muito mais prática e útil de comunicar o
que empresas normalmente têm como suas missões e
visões, pois é uma meta compartilhada por todos, clara e
objetiva, e não um texto vago.

Todos remando na mesma direção

A remuneração variável e as promoções profissionais são


importantes ferramentas para motivação da força de
trabalho. É uma forma prática de oferecer às pessoas
uma chance real de transformarem suas carreiras e
consequentemente suas vidas. Mas não é o suficiente.

Nos idos do Banco Garantia, dinheiro não era o problema.


Diversos ex-sócios da firma são notoriamente ricos, em
parte devido aos grandes bônus que ganhavam na época
do banco de investimentos. Há histórias de sócios que
compraram helicópteros, barcos e carros
superesportivos. Mas também foi algo com que o trio
teve dificuldade de lidar. Segundo Cristiane Correa,
autora do Sonho Grande, que relata a trajetória do trio,
havia frustração dos três com o grau de
comprometimento e alinhamento de objetivos com
alguns colaboradores-chave do banco, que ficaram de
fora da nova empreitada cervejeira por opção própria.

59
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Daniel Pink, autor Americano que explora como os seres


humanos são motivados, é um dos defensores da tese de
que o senso de propósito, e de pertencimento a “algo
maior”, tenha efeito tão ou mais importante sobre as
pessoas do que os já bem-entendidos sistemas de
recompensa e punição, controlados pelo córtex frontal do
cérebro.

O tema também é explorado por Jim Collins, guru de


gestão Americano com quem o trio se reúne
periodicamente, que cunhou o termo Big Hairy Audacious
Goals (metas grandes, cabeludas e audaciosas) para
identificar a forma como certas empresas, que se
destacam pelo sucesso, criam em seus colaboradores
esse senso de propósito ao adotarem metas
extremamente ambiciosas para toda a empresa.

Com esse aprendizado, os empresários notaram que


precisavam atrair gente que fosse atraída por algo maior
do que dinheiro, que era o grande sonho de que tanto
falam. Assim, Marcel Telles definiu que a primeira grande
ambição da Brahma seria dominar o mercado Brasileiro
de cerveja.

Com a compra da Antártica, esse objetivo foi atingido, e o


grande sonho da empresa passou a ser dominar o
mercado latino-americano. Assim, dava-se o
direcionamento estratégico da empresa, que passou a
realizar diversas aquisições e expansões greenfield na
região. Desnecessário dizer que após a troca de ações
com a Interbrew, dominar o mercado de cerveja mundial
passou a ser a meta.

Mas os sonhos grandes não se limitam ao dia-a-dia das


empresas: especula-se que o trio tenha como seu grande
sonho a compra da Coca-Cola, maior produtora de

60
SONHO, GENTE E CULTURA

refrigerantes do mundo, algo que passou a ser


seriamente cogitado após a aquisição bem-sucedida da
Anheuser-Busch, e, mais recentemente, a associação do
trio com o empresário/investidor Americano Warren
Buffet, que poderia emprestar musculatura financeira ao
trio para uma operação tão grande.

61
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

7
Do sonho às metas

O sonho grande não se limita a um propósito


endomarketing e motivação de colaboradores. Ele
permeia as ações diárias dos colaboradores das empresas
do trio.

A partir do sonho, é desdobrado um plano de metas


anual para todos os colaboradores da empresa, além de
uma lista de projetos transformacionais que devem ser
executados no ano para que a empresa chegue mais
próxima do seu objetivo trienal.

62
SONHO, GENTE E CULTURA

Figura 8: Desdobramento do sonho


Fonte: Vicente Falconi, AB InBev, autore

Desta maneira, todo o planejamento estratégico da


empresa se deriva de uma meta bastante ambiciosa
adotada por todos os colaboradores.

A partir das metas coletivas, assumidas pela empresa, são


derivadas as metas individuais de todos os seus
colaboradores, partindo do CEO, até a base da
organização. Isto se dá através do desdobramento de
metas.

Desdobramento de metas

Dado que as metas de toda a organização derivam das do


“sonho” da empresa, que nada mais é do que sua meta
de longo-prazo, todos “remam na mesma direção”.

A ferramenta usada para que todas as metas da


companhia, de topo à base, sejam coerentes e tenham
objetivos finais únicos, é o desdobramento de metas.

63
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Figura 9: Desdobramento de Metas


Fonte: Vicente Falconi, AB InBev, autor

Desdobramento meta-medida

O desdobramento meta-medida é aquele que quebra


uma meta em seus diferentes componentes funcionais.
Desta forma, por exemplo, um crescimento de EBITDA da
empresa pode ser desdobrado até seus componentes
mais básicos, como diminuição do número de páginas
impressas, como mostra a ilustração abaixo:

64
SONHO, GENTE E CULTURA

Figura 10: Desdobramento Meta-Medida

Fonte: Autor

Desdobramento meta-meta

O desdobramento meta-meta é a repetição da meta aos


níveis hierárquicos inferiores, com apenas uma redução
de escopo em função das diferentes responsabilidades
dos diferentes níveis gerenciais.

Assim, uma meta de Crescimento de Vendas de 10% para


toda a companhia pode ser desdobrada no método meta-
meta até um vendedor de cerveja que seja responsável
pelo bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, que terá de
crescer sua produção em 10% no dado período. Entre
65
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

eles, o Gerente de Vendas de São Paulo também terá que


crescer a produção da região em 10%, e assim por todos
os colaboradores da empresa que tocam a função vendas.

66
SONHO, GENTE E CULTURA

8
Lacunas e método

O espaço que se abre entre a realidade atual e a meta é


chamado de “lacuna”, ou gap. As lacunas podem ser
também chamadas de “problemas”.

Lacunas podem ter dois principais tipos:

1. Lacuna de melhora: uma lacuna de melhora é


aquela que se abre quando a empresa se propõe
um salto qualitativo ou quantitativo em sua
performance. O exemplo do capítulo anterior, de
ganho de EBITDA de 10%, abre uma lacuna de
melhora.

2. Lacuna de manutenção: A lacuna de manutenção


se abre quando a empresa está tendo uma

67
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

performance pior do que aquela estabelecida como


padrão para certa métrica. Um exemplo clássico é a
quantidade de defeitos em alguma rotina de
produção. Se a meta de um operador de máquinas
é manter o patamar de um erro por milhão de
garrafas rotuladas, uma observação de piora na
taxa para dois erros por milhão abre uma lacuna de
manutenção.

Como fechar as lacunas?

Atingir metas, e portanto fechar lacunas, é uma das


maiores contribuições do Professor Vicente Falconi ao
estilo de gestão que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e
Beto Sicupira desenvolveram na AB InBev. Falconi chama
o conjunto de ferramentas de “Método”, fazendo alusão
à metodologia científica desenvolvida no século 17, que
segundo o dicionário Oxford, consiste na “sistemática
observação, mensuração, e experimentação, e na
formulação, teste, e modificação de hipóteses”.

De maneira mais palpável, a metodologia científica pode


ser resumida como um framework para se resolver
problemas. Problemas geralmente tratam das razões por
trás de fenômenos. As vendas caíram em 10% na equipe
de vendedores de Ipanema. Por que?

Para se usar a metodologia científica, parte-se de uma


hipótese. O gerente responsável pela equipe de Ipanema
pensa um pouco e imagina que a queda de vendas se deu
pois houve um grande feriado na capital Fluminense. Com
a sua hipótese formulada, ele passa a usar uma série de
ferramentas, que veremos a seguir, pra investigar se essa
hipótese é realmente verdadeira, ou se há outra

68
SONHO, GENTE E CULTURA

explicação para o fenômeno, usando-se de observação,


mensuração e experimentação.

O Método também pode ser resumido pelo ciclo


PDCA/SDCA. O PDCA (Plan, Do, Check, Act) é uma
metodologia iterativa de resolução de problemas.

Figura 11: PDCA


Fonte: Vicente Falconi

Assim, se olharmos um gráfico com a performance de


vendas da empresa, veremos que o PDCA é usado para o
fechamento de lacunas.

69
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Figura 12: Uso do PDCA

A partir da identificação de uma lacuna, parte-se para a


análise do problema, que terá como produto uma
hipótese a ser testada com um plano de ação.

Na fase de análise, entram duas ferramentas muito


usadas (e intimamente ligadas) de entendimento de
problemas que são amplamente utilizadas na empresa: os
cinco porquês e o gráfico de espinha de peixe.

70
SONHO, GENTE E CULTURA

Cinco porquês

Os cinco porquês são uma metodologia que faz com que


os responsáveis por um problema achem a sua real causa
(causa raíz, ou root cause). Trata-se de perguntar por que
cinco vezes seguidas, para entender as causas das
aparentes causas.

Por que as vendas caíram em 10% em Ipanema?

Porque era feriado.

Por que as vendas caem no feriado?

Porque muitas ruas estão fechadas.

Por que nosso vendedores não conseguem chegar aos


estabelecimentos em ruas fechadas?

Porque os caminhões são muito grandes, e não há onde


estacioná-los.

Assim, o gerente ou supervisor de vendas consegue


entender a root cause do problema de vendas, e resolvê-
lo de maneira apropriada. Neste caso hipotético, o
gerente poderia propor um Plano de Ação que incluísse
um auxiliar acompanhante nos dias de feriado, que
pudesse ficar no caminhão durante a entrega, ou propor
o uso de um veículo menor, que pudesse trafegar em ruas
fechadas.

Espinha de peixe

O gráfico de espinha de peixe (Diagrama de Ishikawa, ou


Diagrama de Causa e Efeito) nada mais é do que uma
ferramenta visual de plotagem dos Cinco Porquês, que
facilita o processo investigativo ao categorizar hipóteses
71
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

de causas de um problema numa sessão de


brainstorming.

A espinha de peixe poderia ser usada no exemplo acima


como mostra a ilustração abaixo:

Figura 13: Aplicação do gráfico de espinha de peixe a um


caso prático
Fonte: Vicente Falconi, autores

Ferramentas avançadas

Os Cinco Porquês e a espinha de peixe são ferramentas


básicas de análise de problemas. Elas funcionam na
grande maioria dos casos, e são incrivelmente poderosas.

Quando a empresa já está num estágio de melhora


avançado, com operações extremamente eficientes, os
problemas podem se tornar mais difíceis de serem
resolvidos. Para isso, são usadas ferramentas de análise
de dados das mais variadas complexidades, desde
planilhas Excel até softwares estatísticos como o MatLab.
72
SONHO, GENTE E CULTURA

Os responsáveis na organização por conhecer essas


ferramentas avançadas e pô-las em prática são
categorizados com base na sua capacidade técnica a
partir de faixas, com aquelas dadas aos diferentes níveis
dos praticantes de artes marciais. Portanto, há desde
white belts (faixas brancas) até black belts (faixas pretas)
que recebem treinamentos constantes para a aplicação
dessas ferramentas, e que podem ser usados em projetos
de resolução de problemas.

Com o problema analisado, o profissional ou time


responsável pela lacuna forma um plano de ação, e testa
esse plano de ação. No exemplo que discutimos
anteriormente, testa-se a eficácia de um auxiliar ou
veículo menor. Os dados são então analisados
(basicamente checa-se se as vendas voltaram ao normal
ou se continuam baixas durante o feriado). Se os
resultados não foram positivos, volta-se ao estágio de
análise, para formulação de novas hipóteses. Se foram
positivos, adota-se a nova prática testada como rotina
entre todos os colaboradores da equipe.26

A importância das lacunas

Lacunas são um tema bastante comum entre o trio e os


executivos da AB InBev. A lacuna, como vimos, é a
diferença de onde a empresa e seus executivos estão e
onde a empresa e seus executivos querem chegar (suas
metas, e em um horizonte mais longo, o sonho).


26
Veremos posteriormente que a prática pode ser disseminada entre
toda a organização através do programa de Melhores Práticas, que é
um concurso de elege práticas inovadoras adotadas por colaboradors
para serem comunicadas e ensinadas a toda a organização.

73
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

A idéa de um Sonho Grande e Cabeludo, nas palavras de


Jim Collins, é unir as pessoas em torno de um objetivo
comum, mas também no processo esticar as pessoas, e
por conseguinte a empresa, a um nível de performance
superior ao atual.

Como Brito costuma dizer, “um sonho mexe conosco


muito mais do que uma missão ou visão. Missões são
para os militares, e visões são para... Eu sinceramente
não sei para que são visões”27.

Segundo Vicente Falconi, as metas, que são a forma com


que a empresa vai atingir seu sonho, tem de esticar as
capacidades das pessoas. A figura mágica, segundo ele, é
que 80% das metas sejam atingíveis com os skills que a
pessoa já possui. Os outros 20% precisam ser um stretch,
que faça o colaborador fazer um esforço a mais, a
aprender no processo. Brito resume bem o conceito: “um
sonho precisa ser esticado o suficiente para que você
saiba 80% de como chegar lá. Os outros 20% você precisa
aprender ao longo do caminho”.

Lacunas de 20% também tem um efeito importante ao


tirar as pessoas de sua zona de conforto, e adicionar um
componente de pressão aos colaboradores. Brito acredita
que a AB InBev, e o tipo de gente que é atraída pela
cultura da empresa, trabalha melhor sob pressão. Ele
adiciona que “seres humanos são racionais, e otimizam
seu comportamento para minimizar o dispêndio de
energia, fazendo apenas o suficiente para superar os


27
“A dream makes us tick much more than missions and visions.
Missions are for the military, and visions are for...I don’t know what
visions are for.”

74
SONHO, GENTE E CULTURA

desafios que enfrentam. Essa é a importância de


constantemente subir o sarrafo”28.


28
“Human beings are rational, and optimize for their energy
expenditures, doing just what is enough to clear hurdles. That is the
importance of raising the bar”.

75
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

PARTE 3:
CULTURA

76
SONHO, GENTE E CULTURA

9
Cabeça de dono

Tudo tem que ter um dono, com responsabilidade e


autoridade. O debate é bom, mas, no final, alguém tem
que decidir.
A insatisfação permanente, a urgência e a complacência
zero garantem a vantagem competitiva duradoura.
- Os 18 mandamentos

Atitude de dono é algo que se espera de qualquer


colaborador das empresas do trio de empresários que
comanda a AB InBev.

Quando lemos os materiais institucionais da empresa,


que constantemente comunicam e reforçam sua cultura e
princípios, vemos que as referencias à atitude de dono
são amplas e reforçadas por diversos aspectos:

77
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

“Somos motivados por um agressivo sistema de


remuneração variável que estimula o desempenho, a
responsabilidade e o espírito empreendedor. Todos na
AmBev estão focados em atingir resultados
sustentáveis de longo prazo. Rigidez e disciplina
financeira são componentes da nossa cultura”.

A remuneração variável é o primeiro grande pilar de


reforço desse aspecto cultural: o colaborador percebe no
bolso o impacto de sua contribuição no resultado da
companhia, e adicionalmente, sofre, através das metas
compartilhadas (de time e de empresa, como já
discutimos nos capítulos anteriores), os impactos de uma
performance coletiva mesmo que tenha individualmente
produzido acima do esperado. Como um dono.

Mas remuneração variável não é por si uma solução


mágica, como pode-se concluir facilmente olhando as
consequências de bônus estratosféricos e
desalinhamento de interesses nos casos de grandes
empresas do setor financeiro Norte-Americano que
vieram abaixo na crise de crédito e consequente Grande
Depressão de 2008. Lehman Brothers e Bear Stearns
pagavam remuneração variável agressiva aos seus
colaboradores, e mesmo assim tiveram colaboradores
agindo de maneira inconsequente, e levando-as à lona.

Por outro lado, as grandes empresas de capital aberto dos


EUA, que compõe o índice Fortune 500, por exemplo,
também possuem planos de remuneração variável sob
forma de stock-options (opções dadas aos colaboradores
de compra de ações a preços subsidiados) que acabam
funcionando de maneira sub-ótima por não alinhar os
executivos também no downside, e levando-os a tomada
de riscos desproporcionais e manobras contábeis muitas
vezes ilegais com intuito de inflar artificialmente o valor
78
SONHO, GENTE E CULTURA

das ações, e por conseguinte das opções, em benefício


próprio. É disso que trata o trecho acima, quando fala que
“todos na AmBev estão focados em atingir resultados
sustentáveis de longo prazo”. São os resultados que um
dono espera. Como isso é reforçado, na prática? De
algumas maneiras diferentes.

O modelo de partnership: indo além das stock-options

Além da remuneração variável, os colaboradores com os


melhores desempenhos, que exemplificam a cultura
AmBev e apresentam um histórico de compromisso de
longo prazo com a Companhia, obtêm acesso a um Plano
de Compra de Ações. Esse plano permite aos participantes
adquirirem ações preferenciais da AmBev com um
desconto de 10% do valor de mercado, sendo obrigatória
a manutenção das ações por um período de no mínimo
cinco anos.
- Relatório Anual AmBev, 2003

Para os executivos mais sêniores, que são


aproximadamente 700 no mundo todo (dentre os mais de
cem mil colaboradores), há um programa de partnership
que foi importado do modelo usado pelo trio no
Garantia29: o colaborador recebe, sim, o direito de
comprar ações da companhia, mas é incentivado a usar
do próprio capital para comprar as ações, e mantê-las em
portfólio. Assim, a empresa financia o colaborador, e

29
Este, por sua vez, foi inspirado no modelo de partnership das firmas
de Wall Street, como Goldman Sachs e Lazard Fréres, e das extintas
Lehman Brothers e Bear Stearns. Hoje em dia, o modelo é utilizado no
Brasil, com alguns detalhes diferentes, pelos bancos BTG Pactual e Itaú
BBA (divisão de atacado do Itaú).

79
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

exige que ele dedique uma porcentagem relevante dos


seus bônus anuais para o exercício das compras, a preços
levemente subsidiados (descontos de algo em torno de
20% do valor de mercado da companhia na bolsa de
valores).

Assim, as opções, e em sequencia as ações compradas,


não se tornam apenas uma “cereja no bolo” do pacote de
remuneração, mas uma porcentagem relevante do
patrimônio pessoal do executivo, que ganha – e perde –
junto com os acionistas. Caso o executivo deixe de
exercer o mínimo requerido num dado bônus (que gira
em torno de 70% do dinheiro recebido) ele perde a
diferença de opções, que são canceladas.

Tudo tem que ter um dono

Outro aspecto importante da cultura de dono é que tudo


dentro da empresa tenha um responsável claro, que
responda pelo sucesso e fracasso. Índices de
performance, projetos e produtos: tudo tem um dono.

Uma das formas mais práticas de exemplificar esse


princípio ocorre anualmente no exercício do Orçamento
Base-Zero (OBZ) matricial.

No OBZ matricial, cada área tem um dono, que responde


pelo seu orçamento. Assim, na área de Gente e Gestão
(que além de outras coisas cuida da folha de pagamentos,
sucessão, promoções, avaliações, e treinamento), o seu
VP é o responsável tanto pela confecção do orçamento,
como pelo seu cumprimento durante o ano. Como em
Gente e Gestão, há responsáveis pelo orçamento da área
de Administração Central, de Supply-Chain, de Vendas, e
assim por diante. Além dos responsáveis funcionais, nas

80
SONHO, GENTE E CULTURA

colunas da matriz, há os responsáveis por pacotes de


despesas, que são basicamente aglutinações por tipo de
gastos, como Viagens, Consultorias Externas,
Suprimentos, Alimentação, Folha de Pagamentos, etc. A
figura a seguir representa o sistema, com valores de
orçamento hipotéticos.

81
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Figura 14: OBZ Matricial

É importante ressaltar que cada uma das áreas e cada um


dos pacotes tem um “dono”, responsável pelo seu
somatório de despesas orçadas. Assim, o VP de Gente e
Gestão responde, por exemplo, pelo orçamento total de
despesas da sua área, enquanto um gerente da área
financeira30 responde pelo pacote de despesas de
seguros. Desta maneira, há de existir uma negociação
entre os dois para que se estabeleça o orçamento anual
esperado da área de Gente e Gestão com seguros. Ambos
os “donos” respondem pelo somatório de suas despesas.
Assim, o “dono” do pacote de seguros deverá também
responder pelas despesas de seguros da área de Vendas e
de Supply Chain.

Enquanto o OBZ matricial é um processo bastante


organizado dentro das empresas, exemplos de “tudo tem
que ter um dono” estão arraigados no dia-a-dia dos
colaboradores. Ao final de reuniões, por exemplo, todos
os to-dos definidos têm de ter um dono, que será
responsável por reportar ao grupo presente o seu status


30
É esperado que os “donos” de pacotes desenvolvam conhecimento
profundo sobre seus pacotes, para que consigam reduzir as despesas
do pacote por toda a empresa, e discutir no detalhe, junto da força-
tarefa de OBZ, seu orçamento previsto e realizado do ano.

82
SONHO, GENTE E CULTURA

até a conclusão. Assim, cada reunião torna-se produtiva,


sem assuntos sem resolução.

Por fim, as empresas tem o menor número de comitês


possível. Segundo Brito, “comitês não tem dono”, ou seja,
não há responsáveis claros que tem a autoridade e
responsabilidade para tomada de decisão. O
mandamento também fala disso: “O debate é bom, mas,
no final, alguém tem que decidir”.

As vantagens da cabeça de dono

Mentalidade de dono é uma das principais características


buscadas pela AB InBev em seus colaboradores. Gente
que pensa como dono produz mais e melhor. Nos
processos seletivos do seu programa de trainees de
gestão, o management sênior entrevista mais de 200
candidatos, e busca em cada um deles essa característica,
que pode ser traduzida em alguns componentes:
pensamento de longo-prazo, comprometimento, e
atitude hands-on.

Segundo Carlos Brito, donos estão comprometidos com o


negócio, e estão nele para o longo-prazo. Em geral, “as
pessoas tratam seus carros de maneira muito melhor do
que tratam carros alugados, pois seus carros continuarão
seus, e neles as pessoas terão de encarar as
consequências dos seus atos”. Naturalmente, quem aluga
um carro sabe que ao final do período de aluguel, poderá
devolve-lo para a locadora, sem viver com as
consequências do tratamento que deu ao veículo. Donos
são aqueles que vivem e morrem pelos seus negócios.

O pagamento em ações também ajuda no alinhamento de


interesses de longo-prazo de acionistas e colaboradores.

83
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

“Não queremos que os colaboradores saiam negociando


suas stock-options, aproveitando-se de eventuais
oportunidades de mercado. Assim, exigimos um período
mínimo de permanência antes que o colaborador possa
vender suas opções”, segundo Marcel Telles em uma
entrevista para a revista HSM Management. Mas
sabemos bem que períodos de permanência mínimos são
prática comum em qualquer empresa que pague em
opções. A diferença está em reforçar no dia-a-dia, e
intensamente, a mentalidade de dono, incluindo criar um
ambiente em que vender opções de ações seja visto,
ainda que informalmente, de maneira pejorativa.

Outra característica comum a quem pensa como dono é a


atitude hands-on perante o negócio. Carlos Brito dá um
exemplo ilustrativo em suas palestras em Stanford: “na
escola, você tem que dar um jeito de lidar com suas
provas finais, aconteça o que acontecer. Você pode até
pedir ajuda, mas no fim das contas, terá de se sentar e
fazer a prova. O mesmo acontece nos esportes: se seu
time estiver perdendo o jogo, você vai tentar mudar a
estratégia, ou algo do tipo”31.

Em grandes empresas, no entanto, as coisas tendem a


fugir desta lógica. Segundo Brito, há uma doença que
acomete colaboradores de grandes corporações: eles
tendem a repassar a responsabilidade para a “empresa”.
“Quando você vai para o mundo corporativo, de repente
há essa imagem ou percepção de que há alguma coisa ou

31
“In school, you have to deal with your finals, no matter what
happens. You can ask for help, but ultimately, it’s you who has to sit
down and write your test. The same goes for sports: if your team is
losing the game, you are going to try to change the strategy or do
something”.

84
SONHO, GENTE E CULTURA

hierarquia superior que é ‘a empresa’. E se você tem


algum problema, você diz ‘tenho certeza que a empresa
vai pensar alguma solução. Eles nos dirão o que fazer.
Talvez eles vão pensar em algo’”32.

Mas empresas são feitas, em última instância, da soma


das pessoas que a compõe. Desta forma, o trio quer
colaboradores que arregacem as mangas e resolvam os
problemas com suas próprias mãos.

Outra forma importante de reforçar a mentalidade de


dono é dar autoridade e autonomia aos colaboradores
para que resolvam problemas, e fazê-los aprenderem
com as consequências das suas escolhas. Este
empowerment tem raízes importantes no Sistema Toyota
de Produção, onde colaboradores de todos os níveis
hierárquicos contribuem com sugestões e melhorias, em
um processo de melhoria contínua. Autonomia, ainda
segundo Daniel Pink, autor de Drive: The Surprising Truth
About What Motivates Us, é um grande motivador de
pessoas.


32
“When you go into the corporate world, all of a sudden there’s this
image of or idea or perception that there is something of a higher
hierarchy that is the company. And so you have a problem and you
say, ‘Yeah, I’m sure the company will come up with something. They’ll
tell us what to do. Maybe they will think of something’”.

85
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

10
Benchmarking

Bom senso é tão bom quanto grandes conhecimentos. O


simples é melhor que o complicado
A inovação que agrega valor é útil, mas copiar o que já
funciona bem é normalmente mais prático
- Os 18 mandamentos

Uma das grandes características da cultura 3G é copiar,


sempre que possível, as melhores práticas de cada uma
das atividades em que tomam parte, sem ter a pretensão
muitas vezes improdutiva de serem os investidores, ou
pais, das idéias.

Algumas das principais inspirações do grupo foram


resumidas em uma entrevista dada por Jorge Paulo
Lemann à revista HSM Management:

86
SONHO, GENTE E CULTURA

“Entre nossas grandes influências estiveram o melhor


banco de investimentos no mundo hoje em dia, o
Goldman Sachs –com eles aprendemos a meritocracia,
o treinamento intenso e a necessidade de dar
oportunidades para as pessoas–, o Wal-Mart –com o
fundador Sam Walton aprendemos que, para chegar ao
pote de ouro no fim do arco-íris, tem de ter calma para
percorrer todo o arco-íris, além de motivar muito os
colaboradores, tratá-los bem e aos clientes também– e
a General Eletric –não tivemos contato direto com eles,
como foi nos outros dois casos, mas sempre lemos tudo
o que saía sobre Jack Welch; os relatórios anuais da GE
eram nossa Bíblia. Baseados nessas três vertentes e
mais no que estávamos aprendendo ao fazer os
negócios, fomos construindo nossa própria cultura”.

Lemann destaca a Goldman Sachs, a Wal-Mart, e a GE,


entre suas principais influências. A aproximação do
fundador da Wal-Mart, Sam Walton, é descrita em
diversas matérias sobre o trio, e mostra a humildade com
que os três encaram seu processo de aprendizado.
Quando compraram as Lojas Americanas, na década de
80, resolveram escrever para os principais varejistas do
mundo, entre eles o Wal-Mart, pedindo que pudessem
visita-los in loco, para trocar experiências. O único
empresário que respondeu ao trio, e que curiosamente se
mostrou de longe o mais bem sucedido varejista do
mundo, foi Walton, que recebeu-os em Bentonville.

Processo similar foi adotado quando do Garantia. Lemann


conseguiu com seus contatos que seu então sócio, Luiz
Cezar Fernandes, fizesse um estágio de um mês na sede
nova iorquina do banco, com quem aprenderam a forma
de praticar a partnership (sistema utilizado até hoje com
altos executivos), além da remuneração variável, e da
forma de gerir pessoas.
87
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Já nos tempos de Brahma e AmBev, a prática de


benchmarking não perdeu força. Em entrevista, Magim
Rodrigues, ex-presidente da AmBev contratado da Lacta,
diz que “Benchmark é um negócio que funciona em
qualquer atividade. Nos tempos da AmBev, eu e o Marcel
viajamos o mundo atrás de referências. Estivemos na
Anheuser- Busch, na Coors e em pelo menos outra meia
dúzia de cervejarias para entender as melhores práticas
do setor.” Os aprendizados também envolveram a
contratação de consultorias como a Danbrew, firma
Dinamarquesa totalmente especializada no processo de
fabricação de cerveja.

88
SONHO, GENTE E CULTURA

11
Foco

Foco é essencial. Não dá para ser ótimo em tudo. É


preciso concentrar-se no essencial.
- Os 18 Mandamentos

Foco é mais uma das práticas do trio que correm o perigo


de soar como cliché pois é uma das práticas que
praticamente todos os executivos e empresas se gabam
de adotar, mas poucas de fato o fazem.

Foco nas empresas do trio pode se mostrar de algumas


formas diferentes. A primeira delas é no foco no cliente.

Foco no cliente

Como muitas grandes empresas do setor de bens de


consumo, como Procter and Gamble e Unilever, para a AB

89
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

InBev ter foco no cliente envolve estar na linha de frente


das inovações de produto de cada um dos setores em que
opera. Mas o aprendizado não foi sempre fácil. Quando a
então Brahma começou suas operações na Argentina,
optou por utilizar no país as mesmas garrafas de 600
mililitros vendidas no Brasil, ao invés das tradicionais
garrafas de um litro comuns no Uruguai e Argentina. Foi
um fiasco: os argentinos não entenderam a apresentação,
que passaram a adotar como grandes long-necks,
bebendo-as no bico.

Isso foi há muito tempo atrás. Hoje em dia a empresa


está à frente da inovação tanto nos mercados de cerveja
quanto de refrigerantes. No relatório anual a investidores
de 2014, publicado em 2015, a empresa explica um pouco
da iniciativa de Growth Driven Platforms, ou plataformas
direcionadas por crescimento:

“Pessoas se juntam de diferentes formas, em diferentes


ocasiões, e por diferentes razões: para dividir
experiências especiais. Para curtir os prazeres de uma
refeição especial. Para torcer pelo seu time, ou ouvir à
sua banda predileta. Pra relaxar depois de um dia
longo. Para receber amigos e família em suas casas.

Acreditamos que nosso crescimento depende de


entender o que faz as pessoas estarem juntas – e como
podemos melhorar ainda mais essas ocasiões. Para
isso, nós procuramos obter insights relevantes sobre
nosso público alvo potencial, as preferencias das
pessoas mais inclinadas a preferir nossas marcas, as
razões que as fazem estar juntas, e as experiências que
elas valorizam.

Baseados nesses insights, criamos um framework de


Plataformas Direcionadas por Crescimento – PDCs, que

90
SONHO, GENTE E CULTURA

representam as mais importantes ocasiões para


comprar e consumir nossos produtos. Estamos
alinhando nosso marketing, vendas, desenvolvimento
de produtos e outras iniciativas de construção de
marcas com os PDCs para termos certeza de que nosso
produtos elhores das as ocasiões pelas quais as pessoas
se juntam.33”

Assim, são introduzidas inovações de produto como a


garrafa pet do energético Fusion, introduzida no mercado
brasileiro e focada na ocasião em que jovens se
encontram antes da balada, o famoso “esquenta”.

Custos estratégicos x custos não estratégicos

Outra forma de “foco no cliente” praticada na AB InBev, e


explicada por Brito, é a disciplina ferrenha com que a
empresa pratica um dos ensinamentos do livro Double
Your Profits: In Six Months or Less, de Bob Fifer: gastar

33
"People get together in different ways, at different times, and for
different reasons. To share special experiences. To enjoy the pleasures
of a great meal. To cheer on their team or listen to their favorite
brand. To unwind after a long day. To open their home to friends and
family.
We believe our growth depends on understanding what brings people
together – and how we can make their occasions even better. To do
that, we increasingly seek relevant insights into the population of
potential consumers, the preferences of those most likely to favor our
brands, the reasons why they get together, and the experiences they
value.
Based on these insights, we have created a framework of Growth
Driven Platforms, or GDPs, which represent the major occasions for
purchasing and consuming our products. We are aligning our
marketing, sales, product development and other brand-building
activities with the GDPs to ensure that we provide quality products –
and brew good times and great experiences – for all the ways people
get together.”

91
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

menos do que seus concorrentes em custos e despesas


não-estratégicas, e mais do que seus concorrentes em
custos e despesas estratégicas.

Custos e despesas não estratégicas são aquelas que não


contribuem de forma direta para as receitas, resultados,
ou atingimento de metas da empresa. Administração
central (finanças, jurídico, informática), despesas
correntes como viagens, suprimentos de escritório, etc,
devem ser cortados ao máximo. Assim, a empresa poupa
dinheiro para investir em custos e despesas estratégicas,
além de ter mais “gordura” para queimar em tempos de
crise.

Por outro lado, a AB InBev tem como política gastar mais


do que seus concorrentes em custos e despesas
estratégicas, como comissões de vendas, publicidade e
propaganda, branding, sistemas tecnológicos e projetos
de consultoria que melhorem suas vendas, resultados, ou
atingimento de metas.

Brito entende que o consumidor pode perceber a


diferença, ao ver que os executivos da empresa não estão
gastando milhões com benefícios próprios, como viagens
de primeira classe, e restaurantes corporativos luxuosos,
e direcionando os recursos para o que é importante pra
eles, como o patrocínio a eventos de música e esportes, e
inovação de produto.

92
SONHO, GENTE E CULTURA

12
Liderança

“Escolher gente melhor do que si mesmo, treiná-las,


desafiá-las e mantê-las é a principal tarefa dos
administradores”.
“A liderança por exemplo pessoal é vital, tanto nas
atitudes heróicas como nos pequenos gestos do dia-a-
dia”.
- Os 18 Mandamentos

Segundo Carlos Brito, líderes são aqueles que precisam de


pessoas para atingirem resultados34. Marcel Telles
complementa a definição dada por Brito com a definição
de Vicente Falconi: “líderes são aqueles que atingem
resultados, com pessoas, da forma correta”.

34
Leaders are those “who need a team in order to reach goals”.

93
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Atingir resultados é prerrogativa absoluta na AB InBev, e


é algo medido pelo sistema de metas, através das
avaliações de performance periódicas, discutidas
anteriormente.

Com pessoas, ou com o time, significa “em equipe”. É


importante que os executivos saibam trabalhar em time,
alavancando as forças de cada um, e suplementando, por
outro lado, as fraquezas, de modo a maximizar a
performance do todo.

Por fim, da forma correta trata da cultura. Trata de


trabalhar de maneira íntegra, dentro das regras,
pensando o longo-prazo, e de maneira geral dentro da
cultura.

O trabalho em equipe, e o fit cultural, de que falamos, são


medidos pelas avaliações 360 graus, em que cada
executivo da empresa, durante os meses de Abril a Maio,
são avaliados por seus subordinados, pares e superiores
diretos.

Os três pilares acima são descritos em detalhe na


definição de liderança dada por Falconi, no seu O
Verdadeiro Poder: Práticas de Gestão que Conduzem a
Resultados Revolucionários, que descreve o Modelo da
Agenda do Líder:

94
SONHO, GENTE E CULTURA

Figura 15: Agenda do Líder


Fonte: Vicente Falconi

Desenvolvimento de Pessoas

Como diz um dos mandamentos da cultura do trio,


“escolher gente melhor do que si mesmo, treiná-las,
desafiá-las e mantê-las é a principal tarefa dos
administradores”. Treinar e desafiar pessoas é uma
prática constante nas empresas do trio.

Desafiar pessoas é tirá-las de suas zonas de conforto.


Segundo Brito, “a gente aprendeu que as pessoas
só crescem quando você tira elas da zona de conforto. Da
mesma forma que as empresas sob crescem quando você
as tira da zona de conforto. A empresa só cresce quando
as pessoas crescem”.
95
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Como isso é posto em prática na AB InBev?

Em primeiro lugar, como discutimos, as pessoas são


frequentemente convidadas a realizarem movimentos
horizontais através da organização. Ainda segundo Brito,
“a gente adota muito, e tem dado certo, o cara tá há três,
quatro anos na área financeira, de repente você joga ele
pra área de vendas”.

Há uma perda de especialização e conhecimento


específico no processo, sim. No entanto, o profissional
que muda volta a usar seu orçamento diário de
capacidade de aprendizado, então dormente numa
atividade repetitiva, onde não há mais novidades. E no
caminho, passa a ser um profissional mais completo, e
mais apto a assumir posições de liderança. Carlos Brito é
um exemplo disso: voltou de seu MBA em Stanford para o
Banco Garantia, de onde saiu quando da aquisição da
Brahma. Assumiu uma gerência fabril, depois teve
responsabilidades comerciais, até assumir a presidência
da AmBev.

Tratado o treinamento on-the-job, é importante ressaltar


que a AB InBev possui uma universidade corporativa de
proporções enormes, que é produto da universidade
corporativa da Brahma, uma das primeiras do país. A
prática, segundo Lemann, foi copiada tanto da Goldman
Sachs, que possui uma escola interna, com salas
dedicadas e cursos constantes, quanto da GE.

A Universidade Brahma nasceu em 1995, antes da


formação da AmBev, que teve como um de seus
primeiros programas um MBA corporativo, então
chamado internamente de Master in Brahma
Administration. Nessa época também existia o Instituto
Brahma, que promovia treinamentos da rede de

96
SONHO, GENTE E CULTURA

distribuidores da empresa, e que foi incorporado à


universidade corporativa. Hoje o MBA corporativo da
empresa é reconhecido pelo MEC, e realizado em parceria
com a USP e com o Insper.

A universidade corporativa, que na AmBev se chama


Universidade AmBev, treinou mais de 68 mil pessoas em
2012, a um custo de R$ 32 milhões, distribuídos em 1.506
cursos diferentes.

Originalmente, os cursos eram divididos em cinco pilares


temáticos: Excelência operacional, cultura, liderança,
gestão, e mercado. Após a aquisição da Anheuser-Busch
pela InBev, o conteúdo consolidou-se em três pilares
apenas:

- Funcional

Objetivo: “Aprimorar os conhecimentos do


colaborador relacionados à sua função atual”.

Público-alvo: “Todos os colaboradores (de


operadores de equipamentos e vendedores a
gerentes e diretores)”.

- Cultura e Liderança

Objetivo: “Preparar o colaborador para exercer um


cargo de liderança, tanto para quem tem potencial
de assumir um quanto para aqueles que já estão à
frente de alguma equipe ou projeto. Além de
difundir a cultura Ambev”.

Público-alvo: supervisores, gerentes, e diretores.

- Método

97
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Objetivo: “Focar na melhora de processos existentes


por meio da aplicação de metodologia de gestão”.

Público-alvo: supervisores, gerentes, e diretores.

Funcional

Um dos maiores programas de treinamento da AB InBev é


o de Melhores Práticas, que acontece anualmente em
formato de concurso. Colaboradores que tenham
implementado soluções inovadoras para fechamento de
lacunas têm seus casos avaliados por uma banca, e
premiados com base em sua relevância para a empresa.
Os melhores são convidados a se apresentarem, de modo
a dividir com toda a empresa as novas práticas adotadas,
disseminando-as para uma melhor performance do todo.
O programa também reforça o pensamento de dono
entre os colaboradores, que veem seus esforços
aplicados, premiados e adotados por toda a empresa.

No caso dos programas de excelência operacional, que


são os maiores em abrangência, a universidade também
realiza treinamentos avançados para colaboradores que
são então imbuídos de voltarem às suas fábricas de
origem, e treinarem seus colegas, como o programa de
Engarrafadores de Elite.

No pilar de cultura e liderança, são realizados alguns tipos


de programas diferentes. Muitos dos executivos-chave da
empresa são convidados a estudarem no exterior, como
acontecia desde a época do Garantia (Marcel e Beto
fizeram o curso Owner President Management, dedicado
a líderes empresariais, que passam seis semanas divididas
em três anos estudando gestão em Harvard).

98
SONHO, GENTE E CULTURA

Mais abaixo da hierarquia, a empresa ainda promove seu


MBA interno, que forma em torno de quarenta
profissionais por ano, com aulas divididas em períodos de
quatro dias ao longo de dois anos.

De abrangência ainda maior são os cursos que visam a


atacar competências específicas dos colaboradores, onde
haja lacunas identificadas por supervisores ou pela
avaliação 360 graus anual. Neste caso, os cursos podem
ser feitos por uma plataforma e-learning, bem como por
mentorias e cursos curtos presenciais.

Por fim, há o programa de sucessores, que tem como


objetivo treinar pessoas em processo de promoção (e por
consequência assunção de novas responsabilidades) para
que ganhem as competências necessárias para as novas
funções. Podem ser conhecimentos técnicos, liderança,
ou gestão, e dizem muito sobre a cultura da empresa: o
pipeline de gente preparada para assumir cargos mais
importantes não pode parar.

99
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

PARTE 4:
OPERAÇÕES

100
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

13
Eficiência fabril

A inovação que agrega valor é útil, mas copiar o que já


funciona bem é normalmente mais prático.
- Os 18 Mandamentos

Além da gestão por metas, Vicente Falconi teve influência


importante nos esforços de eficiência fabril por que
passaram Brahma, AmBev, InBev, e AB InBev nas últimas
décadas.

Marcel Telles conheceu Vicente Falconi em 1991, fruto de


um momento difícil pelo qual a economia Brasileira
passava. O Brasil lutava contra o mal da hiperinflação
havia alguns anos, e vinha sofrendo ainda mais com as
diversas políticas econômicas testadas com intuito de
101
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

trazer a inflação para níveis suportáveis. Entre outras


medidas, foram recriados conselhos setoriais, que geriam
a adoção de preços controlados e visavam o
fortalecimento da indústria nacional. Nas palavras de
Marcel Telles, em um evento da Falconi Consultores de
Resultado:

“Na década de 90, era preciso pedir aumento de preço


no Ministério da Indústria e Comércio. E assim conheci
a ministra Dorothea Werneck. Ela me disse: ‘Marcel,
você trabalha com qualidade total?’ Eu respondi que
sim. Ela foi simpática e sugeriu que eu fosse conversar
com o consultor Vicente Falconi.

Bati lá em Minas Gerais atrás dele, e assim começou


nossa parceria. Precisávamos muito dos processos. Um
presidente da República ou um presidente de empresa
sentam no comando e dizem: ‘Acelera, vira para a
direita’. Mas nada daquilo está conectado com nada.
Para isso acontecer, deve existir um bom
desdobramento de metas.

Muito disso veio com o Falconi. Juntamos essa lógica


com nosso estilo de gerenciar. O Falconi é um
missionário da eficiência e da boa gestão neste país.
Para nós, ele foi fundamental. Uma coisa é brincar com
250 pessoas, como no banco Garantia.

Outra é brincar na Brahma e na Ambev, onde


realmente, se não existirem processos, se não houver
um desdobramento de metas primoroso, nada
acontece. Vejo cada vez mais esse amálgama entre o
método e a nossa cultura.”

Neste mesmo ano, Telles se reuniu com a então


Secretária Nacional de Política Econômica, Dorothea

102
SONHO, GENTE E CULTURA

Werneck, na cidade de Brasília, onde lutava pelo direito


de subir os preços de suas cervejas. Weneck, por sua vez,
respondeu sugerindo que o então executivo da Brahma
fosse a Minas conhecer Falconi, então reconhecido expert
em produtividade fabril. Quem sabe assim a cervejaria
conseguiria compensar os preços defasados com maior
produção por unidade de insumo.

Telles seguiu o conselho de Weneck, e foi a Belo


Horizonte, onde ficava a a Fundação Christiano Ottoni, na
Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas
Gerais. Falconi descreve que “um dia, do nada, apareceu
Marcel Telles vestindo camiseta e jeans, procurando por
mim na Escola de Engenharia”.

Falconi se formou engenheiro pela UFMG, e obteve


mestrado e Ph.D. pela Colorado School of Mines. Ele
iniciou uma aproximação com a escola japonesa de
gestão, fundada por Taiichi Ohno, responsável pela
criação do Sistema Toyota de Produção, e
subsequentemente desenvolvida por Shingeo Shingo, e
Eiji Toyoda. Este sistema transformou a produção em
massa, por grandes fornadas, então consolidada na
produção automobilística Norte-Americana, pela
produção puxada em pequenas fornadas, que
possibilitaria aos fabricantes de carros japoneses
sobreviver em um mercado bem menor do que o dos
E.U.A., mas que tinha consumidores não menos ávidos
por grande variedade de produtos.

Falconi, por sua vez, se apropriou de uma série de


conceitos da escola japonesa de gestão para amalgamar
sua filosofia de gestão por Método, foco de sua firma de
consultoria, a Falconi Consultores de Resultado. A
empresa, que possui hoje mais de 800 profissionais e que
tem como clientes diversas das maiores empresas do
103
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

Brasil, teve na Brahma, e depois AmBev, um pilar


importante da sua existência.

Dois dos pilares de gestão implementados pela Falconi


são também pilares de gestão adotados na AB InBev e
suas fábricas: o Gerenciamento pelas Diretrizes, que nada
mais é que o sistema de desdobramento de metas do
sonho até as metas diárias de cada um dos colaboradores
da empresa (e já amplamente discutido aqui), e o
Gerenciamento da Rotina do Trabalho do Dia-a-Dia, que é
a meticulosa padronização de processos e rotinas dos
colaboradores não-estratégicos, que na empresa se
traduz principalmente no Projeto Manufatura, que vamos
descrever a seguir.

Projeto Manufatura

Na década de 90, a Brahma inaugurou sua planta Nova


Rio, no subúrbio de Campo Grande, Rio de Janeiro. A
fábrica, que recbeu vultosos investimentos (mais de um
bilhão de reais), tinha como objetivo produzir para o
grande mercado carioca, que vinha sendo atendido pelas
fábricas paulistas da AmBev. Mas o custo de frete,
significativo no negócio de bebidas, vinha prejudicando os
resultados da empresa na região.

Mas meses após a abertura da planta, que representava o


estado-da-arte da tecnologia de fabricação cervejeira,
seus resultados ficavam muito aquém dos esperados: a
unidade produzia apenas 55% da sua capacidade
produtiva, de 20 milhões de hectolitros, e a demanda
fluminense continuava tendo de ser suprida em parte
pela produção de outros estados.

104
SONHO, GENTE E CULTURA

Nessa época, Carlos Brito, sob a supervisão de Vicente


Falconi, deram início a um projeto de estudo e análise das
razões por trás dos baixos índices de produtividade da
nova fábrica. O resultado do estudo virou o Projeto
Manufatura, que nada mais é do que um manual de
procedimentos extremamente detalhado que rege todo o
dia-a-dia de uma fábrica, da agenda do supervisor aos
procedimentos de TPM (Total Productive Maintenance)
da equipe de manutenção.

O projeto, que tem como espinha dorsal o


Gerenciamento da Rotina do Trabalho do Dia-a-Dia,
obteve os resultados desejados, e transformou-se em
benchmark adotado por todas as unidades fabris da
AmBev, e posteriormente InBev e AB InBev, como mostra
o relatório anual da AmBev de 2003:

“Para melhorar a eficácia do processo industrial, a


AmBev implementou o Projeto Manufatura, que
desenvolveu procedimentos-padrão e diretrizes de
execução em nossas linhas de produção. O projeto
baseis-se em quatro aspectos: gente, gestão,
manutenção e qualidade, e foi lançado em todas as
fábricas no início de 2003… O Projeto Manufatura da
AmBev não apenas melhorou a eficiência nas fábricas,
mas também reduziu consideravelmente os custos fixos
de nossas operações industriais. Esse avanço é
ilustrado pela evolução de nossos custos de
manutenção (incluindo serviços e peças), os quais
diminuíram 4% em termos reais em 2003”.

Diversas práticas adotadas no Projeto Manufatura têm


como inspiração o Sistema Toyota de Produção, e outras
ferramentas inspiradas pelo movimento de gestão de
qualidade iniciado por W. Edward Demmings na primeira

105
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

metade do século 20: práticas como o 5S, o TPM, e os


CCQ (círculos de controle de qualidade).

O 5S é a base do Projeto Manufatura, e tem como cinco


pilares, segundo Jeffrey K. Liker, em The Toyota Way:

- Sort: arrumar o local de trabalho, separando itens


frequentemente utilizados e itens raramente
usados. A idéia é que o colaborador tenha acesso
imediato às ferramentas e utensílios usados
sempre

- Straighten: estabelecer um local para tudo o que


for necessário no local de trabalho – “um lugar
para tudo, e tudo no seu lugar”

- Shine: Manter o local de trabalho sempre limpo.


Serve como uma forma de inspeção, alertando os
colaboradores para eventuais condições anormais
de funcionamento de máquinas e rotinas, que
possam potencialmente estar prestes a falhar

- Standardize: Criar regras para manter sempre em


prática os primeiros três Ss

- Sustain: criar rotinas para que os supervisores


verifiquem as práticas de 5S periodicamente

Outra ferramenta importante do projeto manufatura são


os CCQ - Círculos de Controle de Qualidade, intitulados de
Grupos de Melhoria da Rotina, ou GMR, que são uma
adaptação da ferramenta às necessidades da fabricação
de bebidas. Os GMR têm como objetivo melhorar a rotina
de trabalho estabelecida, e contam com membros de
cada uma das áreas da planta (supervisores) e um líder,
que geralmente é o gerente da unidade.

106
SONHO, GENTE E CULTURA

Outra prática que merece destaque é a apresentação dos


resultados da fábrica, pelo seu Gerente, para todos os
seus colaboradores, que ocorre periodicamente, e está
determinada na rotina do Gerente, prevista no Projeto
Manufatura. Nessas reuniões all-hands, são cobertos os
resultados da equipe toda em temas como segurança do
trabalho (número de acidentes), custos de produção, e
níveis de produtividade e output, com influências tanto
da escola japonesa de gestão, quanto da cultura de
“dono” instaurada pelo trio em suas empresas.

107
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

14
Custos e orçamento

Ser paranóico com custos e despesas, que são as únicas


variáveis sob nosso controle, ajuda a garantir a
sobrevivência no longo prazo.
- Os 18 Mandamentos

Um dos mais profundos insights do livro Double Your


Profits: In Six Months or Less, de Bob Fifer, é a distinção
entre custos e despesas estratégicos, e custos e despesas
não-estratégicos, assunto que introduzimos no capítulo
que tratou de Foco no Cliente.

Segundo Fifer, os custos e despesas estratégicos são


aqueles que são essenciais ao negócio, no sentido de que
geram receitas e/ou melhoram a lucratividade35. Bons

35
“clearly bring in business and improve the bottom line”.

108
SONHO, GENTE E CULTURA

exemplos são pesquisa e desenvolvimento, comissões de


vendas, e publicidade e propaganda.

No outro lado do espectro estão os custos e despesas não


estratégicos. São aqueles necessários, e inerentes ao
negócio, mas que não aumentam receitas ou melhoram a
lucratividade. Exemplos são camadas desnecessárias de
gerência (middle-management), materiais de escritório,
administração central (financeiro, jurídico), ativos
imobilizados desnecessários, como escritórios próprios
e/ou caros, secretarias em excesso, e assim por diante.

Para que a empresa maximize sua lucratividade, precisam


cortar ao máximo as linhas não estratégicas, para que
sobre mais dinheiro a ser investido nas linhas
estratégicas. Assim, executivos da AB InBev dividem
secretarias (uma secretaria por executivo sênior é algo
impensável), não possuem carros corporativos, nem
restaurantes luxuosos, voam de classe turística, e de
maneira geral, possuem um ambiente de trabalho
bastante frugal.

Por outro lado, a empresa é reconhecidamente uma das


maiores anunciantes dos mercados em que atua, estando
sempre na frente em termos de investimentos em
branding, trade-marketing, e publicidade.

Orçamento Base-Zero

A Ambev possui um modelo de orçamento chamado


Orçamento Base Zero (OBZ), que estimula o
comprometimento com o controle de despesas e custos,
sem manter relação com o ano anterior. Internamente,
cada equipe é responsável pelo seu próprio orçamento e
cada centro de custos tem um “dono”.

109
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

- Relatório Anual, 2011

A mais importante ferramenta usada pela AB InBev para


controle de despesas é o Orçamento Base-Zero. O
método foi desenvolvido na década de 70 por Peter
Pyhrr, e popularizado em um artigo para a Harvard
Business Review, em que rompia com o método
tradicional de orçamentos, onde o gestor apenas justifica
a variação proposta (geralmente o incremento proposto)
para o orçamento do ano seguinte.

Na prática orçamentária tradicional, gestores são


chamados a justificar apenas as variações nas linhas
orçadas de um ano para o outro. Assim, um gerente de
vendas precisa dizer porque está propondo um aumento
de 10% na sua folha salarial. Segundo a The Economist, a
variação percentual é definida de maneira mais ou menos
arbitrária, provavelmente relacionada a uma taxa de
inflação de preços, à estratégia da companhia, e ao
humor do gestor naquele dia, encorajando gestores a
focar na variação, e não no mérito das despesas36.

No OBZ de Phyrr o gestor proponente precisa justificar


todo o seu orçamento, e não só a variação. Assim, ele
começa de uma base zero, e constrói seu orçamento linha
a linha, justificando cada uma das despesas propostas. No
caso do gerente de vendas, ele não só tem de justificar o


36
“The percentage [change] would be determined more or less
arbitrarily, although it would probably be related in some
indeterminate way to the rate of inflation, the company’s overall
strategy and the manager’s frame of mind that day”. ... “It encourages
managers to focus on the cost increase from year to year rather than
on the underlying costs themselves”.

110
SONHO, GENTE E CULTURA

aumento de 10% na sua folha, mas de justificar a


necessidade de toda sua folha.

Os benefícios são claros: a empresa passa a ter total


consciência e entendimento de suas despesas, e reavalia
todo ano se cada uma das linhas orçamentárias é válida
com base nas necessidades atualizadas da empresa. Isso
facilita a identificação de perdas, e faz com que os
gestores conheçam seus orçamentos de perto, para que
possam defende-los no processo.

Nas empresas que compõe a AB InBev, é extremamente


difícil justificar um aumento nas despesas não
estratégicas em época de orçamento. Assim, a empresa
tem sido capaz de se apropriar de ganhos de lucratividade
com grande constância, apenas segurando os valores
nominais de suas despesas não estratégicas constante.
(Receitas, por outro lado, vêm crescendo
constantemente, o que faz com que as margens cresçam
também.)

A técnica, intimamente ligada ao envolvimento de


Vicente Falconi na Brahma, e posteriormente AmBev,
também vem sendo aplicada no setor público. O Estado
de Minas Gerais, que é cliente da Falconi Consultores de
Resultado, cortou mais de R$ 2 bilhões de seu déficit
orçamentário em apenas um ano após a adoção da
metodologia.

Centro de Serviços Compartilhados (CSC)

Após a aquisição da Antártica e formação da AmBev, foi


criado em Jaguariúna, interior de São Paulo, um Centro
de Serviços Compartilhados, que segundo o relatório
anual da empresa de 2001, tinha como objetivo a

111
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

racionalização das atividades operacionais


administrativas, que geraria ganhos de escala, eficiência,
e facilidade na implementação de novas tecnologias.

O CSC basicamente concentra em um só espaço físico as


funções de back-office (e portanto não estratégicas)
comuns a todas as fábricas e centros de distribuição de
toda a região latino-americana da AmBev, em formato de
processo end-to-end, comum à plataforma SAP que
também foi implementada em 2001.

No formato de organização por processos end-to-end


(dentre o qual estão os processos como o OTC – Order to
Cash, HR - Hire to Retire, e PTP – Procure to Pay), as
gerências, e por conseguinte as pessoas, são divididas por
processos, e não por funções isoladas, e um executivo só
é responsável pelo processo todo, e sua eficiência e
eficácia.

Assim, no processo OTC, estão as funções de


faturamento, planejamento de produção, planejamento
de entrega, recebimento, e cobrança. No processo HR
estão as funções de contratação, folha de pagamentos,
processamento de pontos, férias, hora-extra, demissões,
e assim por diante. No processo PTP, como último
exemplo, estão as funções de cotações, compras, e
pagamentos.

Unificação de compras

Outra ferramenta importante de controle de custos e


despesas da AB InBev é sua preocupação constante com a
função de compras da organização.

112
SONHO, GENTE E CULTURA

Na AmBev, as compras são divididas em um diagrama de


pareto: 10% dos itens comprados geralmente são
responsáveis por 70% dos custos e despesas, e portanto
merecem atenção desproporcional do management.
Esses itens – embalagens e matérias primas, por exemplo
- costumam ser comprados pela Administração Central, e
são chamados de compras estratégicas. Aí entram
também as compras que possuem políticas de hedge, e
que precisam portanto de expertise financeiro, como
commodities.

Em seguida vem os 90% de compras restantes,


responsáveis por 30% dos custos e despesas da empresa,
que são feitos por uma Central de Suprimentos. Essa
Central de Suprimentos trabalha em sintonia fina com a
Central de Engenharia, para desenvolver soluções de
compras inteligentes que atendam aos requisitos da
empresa.

113
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

15
Os Mandamentos

Os mandamentos da cultura de Jorge Paulo Lemann,


Marcel Telles e Beto Sicupira são famosos, e circulam por
e-mails entre executivos e empresários há muitos anos. O
importante dos mandamentos é a forma com que eles
resumem, de maneira extremamente simples de
entender (e visualizar em prática) todo o conjunto de
práticas de gestão aplicadas em suas empresas.

Apenas o fato de o trio ter gastado tempo e esforço para


codificar e formalizar sua cultura em mandamentos na
década de 80 já é um forte indicador da sua visão, além
da importância que desde sempre deram à sua cultura.

Além disso, os mandamentos tem uma importância


enorme de reforço da cultura do trio. São repetidos com
frequencia, e acabam virando um guia de como se
comportar nas diversas situações por que passam seus
executivos diariamente.
114
SONHO, GENTE E CULTURA

Os dezoito mandamentos originais do Banco Garantia


hoje são apenas dez, no caso da AB InBev e AmBev (de
onde extraímos os mandamentos em português). Mas
mesmo a versão resumida aplicada pela cervejaria
resume bem as preocupações iniciais dos empresários.

Além dos mandamentos do Garantia, e de sua evolução


na AmBev e AB InBev, optamos por incluir aqui os
princípios que codificam as culturas das outras grandes
empresas que influenciaram o trio. A semelhança e a
quantidade de pontos em comum entre todas essas
culturas extremamente bem-sucedidas é impressionante,
como pode se observar facilmente:

Os dezoito mandamentos dos tempos de Garantia

1. Um sonho grande e desafiador faz todo mundo


remar na mesma direção.

2. O maior ativo da empresa é gente boa, trabalhando


em equipe, crescendo na medida de seu talento e
sendo recompensada por isso. A remuneração tem
que estar alinhada com os interesses dos donos.

3. Lucro é o que atrai investidores, gente boa e


oportunidades, mantendo a máquina rodando.

4. Foco é essencial. Não dá para ser ótimo em tudo. É


preciso concentrar-se no essencial.

5. Tudo tem que ter um dono, com responsabilidade


e autoridade. O debate é bom, mas, no final,
alguém tem que decidir.

115
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

6. Bom senso é tão bom quanto grandes


conhecimentos. O simples é melhor que o
complicado.

7. Transparência e fluxo de informações facilitam


decisões e minimizam conflitos.

8. Escolher gente melhor do que si mesmo, treiná-las,


desafiá-las e mantê-las é a principal tarefa dos
administradores.

9. A liderança por exemplo pessoal é vital, tanto nas


atitudes heróicas como nos pequenos gestos do
dia-a- dia.

10. Sorte é sempre resultado de suor. Tem que


trabalhar muito, mas com alegria.

11. As coisas acontecem na operação e no mercado.


Tem que gastar sola de sapato.

12. Ser paranóico com custos e despesas, que são as


únicas variáveis sob nosso controle, ajuda a
garantir a sobrevivência no longo prazo.

13. A insatisfação permanente, a urgência e a


complacência zero garantem a vantagem
competitiva duradoura.

14. A inovação que agrega valor é útil, mas copiar o


que já funciona bem é normalmente mais prático.

15. A discrição corporativa e pessoal só ajuda.


Aparecer, só com objetivo concreto.

16. Aperfeiçoamento, melhora e educação são


esforços constantes e devem integrar nossa rotina.

116
SONHO, GENTE E CULTURA

17. Nome, reputação e marcas são ativos valiosíssimos


que se constroem em décadas e se perdem em
dias.

18. Malandragens e espertezas destroem uma empresa


por dentro. A ética compensa no longo prazo.

Os dez mandamentos da AB InBev

19. Ser a melhor empresa de bebidas do mundo,


unindo as pessoas por um mundo melhor.

20. Nossos colaboradores são o bem mais valioso da


companhia. E são recompensados na mesma
velocidade de suas conquistas.

21. Avaliamos nossos líderes pela qualidade e


desenvolvimento profissional dos integrantes de
suas equipes.

22. Nunca estamos completamente satisfeitos com os


nossos resultados, que são o combustível da nossa
empresa. Foco e inquietação a mudam a garantir
uma vantagem competitiva e duradoura.

23. Nosso relacionamento com os consumidores une


tradição e inovação, e acontece por meio de
experiências relevantes das nossas marcas e o
incentivo ao consumo responsável.

24. Fazemos cada colaborador se sentir dono do


negócio. E donos assumem resultados
pessoalmente.

117
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

25. Acreditamos que bom senso e simplicidade


orientam melhor do que sofisticação
e complexidade.

26. Gerenciamos nossos custos de maneira inteligente,


a fim de liberar mais recursos para potencializar
nosso crescimento no Mercado.

27. Liderança pelo exemplo pessoal é o melhor guia


para nossa cultura. Jogamos com transparência e
fazemos o que falamos.

28. Integridade, trabalho duro e consistência são a


chave para construir nossa companhia. Sem
atalhos.

Os princípios da Goldman Sachs

29. Os interesses dos nossos clientes sempre vêm


primeiro: Nossa experiência mostra que se
servirmos nossos clientes bem, nosso sucesso será
consequência.

30. Nossos ativos são nossas pessoas, capital e


reputação: Se qualquer um desses for algum dia
prejudicado, o último [reputação] é o mais difícil de
restabelecer. Somos dedicados a seguir a forma e o
conteúdo das leis, regras e princípios éticos que
nos governam. Nosso sucesso continuado depende
da nossa aderêcia incondicional a esse princípio.

31. Nossa meta é dar retornos superiores a nossos


acionistas: lucratividade é algo crítico para atingir
retornos superiores, fazendo nossa base de capital
crescer, e atraindo e retendo nossas pelhores
pessoas. Participação societária relevante por parte
118
SONHO, GENTE E CULTURA

de nossos colaboradores alinha os iteresses deles e


dos nossos acionistas.

32. Temos grande orgulho da qualidade profissional do


nosso trabalho: Temos uma determinação
inabalável em atingir excelência em tudo que
fazemos. Se tivermos de escolher entre sermos os
melhores e os maiores, preferimos ser os melhores.

33. Enfatizamos criatividade e imaginação em tudo que


fazemos: enquanto reconhecemos que o conhecido
é frequentemente o melhor jeito de fazer algo,
tentamos constantemente achar uma solução
melhor para os problemas de nossos clientes.
Temos orgulho de termos sido pioneiros em
diversas práticas e técnicas que se tornaram
padrões da indústria.

34. Fazemos um esforço anormal para identificar e


recrutar a melhor pessoa para cada trabalho: Ainda
que nossas atividades sejam medidas em bilhoes
de dólares, selecionamos nossas pessoas uma-a-
uma. Em um negócio de serviços, sabemos que sem
as melhores pessoas não podemos ser a melhor
firma.

35. Oferecemos a nossa gente a oportunidade de


crescer mais rápido do que seria possível em outros
lugares: Crescimento depende de mérito, e ainda
estamos por descobrir os limites da quantidade de
responsabilidade que nossos melhores
colaboradores conseguem assumir. Para sermos
bem-sucedidos, nosso homens e mulheres têm de
refletir a diversidade das comunidades e culturas
nas quais operamos. Isso significa atrair, reter e
motivar gente de muitas origens e perspectivas. Ser

119
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

multi-cultural não é uma opção; é uma


necessidade.

36. Reforçamos trabalho em equipe em tudo o que


fazemos: Enquanto a criatividade individual é
sempre encorajada, descobrimos que um eforço de
equipe sempre produz os melhores resultados.
Descrobrimos que não há espaço para aqueles que
põe seus interesses à frente dos interesses da firma
e de seus clientes.

37. A dedicação da nossa gente à firma e o esforço


intense que dedicam aos seus trabalhos são
maiores do que se pode achar em outras
organizações: Achamos que essa é uma parte
importante do nosso sucesso.

38. Consideramos nosso tamanho um ativo, que nos


esforçamos muito para preservar: Queremos ser
grandes o bastante para assumir o maior projeto
que nossos clientes venham a contemplar, e ainda
assim, ser pequenos o suficiente para preservar a
lealdade, intimidade, e espirito de equipe que
tanto valorizamos, e que contribuem muito para o
nosso sucesso.

39. Nos esforçamos para constantemente antecipar às


demandas em constante mudança dos nossos
clientes, e para desenvolver serviços que atendam
essas demandas: Sabemos que o mundo das
finanças não vai ficar parado, e que a complacência
pode levar à extinsão.

40. Recebemos constantemente informações


confidenciais como parte das nossas relações
normais com clientes: Quebrar esse elo de

120
SONHO, GENTE E CULTURA

confiança ou usar informações confidenciais de


maneira imprópria ou negligente seria impensável.

41. Nosso negócio é muito competitivo, e procuramos


expandir agressivamente nossas relações
comerciais com clientes: Entretanto, precisamos
ser sempre justos com nossos concorrentes, e
nunca denegrir suas firmas.

42. Integridade e honestidade estão no coração do


nosso negócio: Esperamos que nossa gente
mantenha um elevado padrão ético em tudo o que
fizerem, tanto em sua vida professional quanto
pessoal.

Os 14 Princípios da Toyota (The Toyota Way)

1. Base your management decisions on a long-term


philosophy, even at the expense of short-term
financial goals.

2. Create a continuous process flow to bring problems


to the surface.

3. Use pull systems to avoid overproduction.

4. Level out the workload (heijunka). (Work like the


tortoise, not the hare.)

5. Standardized tasks and processes are the


foundation for continuous improvement and
employee empowerment.

6. Build a culture of stopping to fix problems to get


quality right the first time.

7. Use visual control so no problems are hidden.


121
FRANCISCO S. HOMEM DE MELLO

8. Use only reliable, thoroughly tested technology


that serves your people and processes.

9. Grow leaders who thoroughly understand the


work, live the philosophy, and teach it to others.

10. Develop exceptional people and teams who follow


your company’s philosophy.

11. Respect your extended network of partners and


suppliers by challenging them and helping them
improve.

12. Go and see for yourself to thoroughly understand


the situation (genchi genbutsu).

13. Make decisions slowly by consensus, thoroughly


considering all options; implement decisions rapidly
(nemawashi).

14. Become a learning organization through relentless


reflection (hansei) and continuous improvement
(kaizen).

122
SONHO, GENTE E CULTURA

BIBLIOGRAFIA:
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http://www.3G-Capital.com.

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