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Copyright © Antonio Salvador e Daniel Castello, 2020

Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação aos direitos autorais (Lei n. 9.610/98),
bem como constitui crime (art. 184 do Código Penal) .

PREPARAÇÃO

Ana Luisa Astiz


Marcia Menin

REVISÃO

Juliana Caldas

CAPA

Larissa Carvalho Mazzoni (sobre imagem de Freepik)

ILUSTRAÇÕES DE MIOLO

Fabiane Langona

DIAGRAMAÇÃO

Larissa Carvalho Mazzoni

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Castello, Daniel
Transformação digital [livro eletrônico] : uma jornada que vai muito além da
tecnologia / Daniel Castello, Antonio Salvador. -- 1. ed. -- São Paulo : Atelier
de Conteúdo, 2020.

Epub

ISBN 978-65-992828-2-9

1. Administração de empresa 2. Gestão de negócios 3. Inovação tecnológica 4.


Tecnologia I. Salvador, Antonio. II. Título.

20-48921 CDD-658.5

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Índices para catálogo sistemático:

1. Tecnologia : Administração de empresas 658.5

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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Para meus pais, Renato e Maria Lucia, que me deram o norte; para meus filhos, Gabriel, Giulia
e Valentina, por quem luto diariamente para construir um mundo melhor; e para Andrea,
minha parceira de jornada, que me ajuda a ser uma pessoa melhor a cada dia!
– ANTONIO SALVADOR –
Para meus pais, Pedro e Maria Clara, que me deram, cada um, o melhor de si para formar o
melhor de mim; para Maria, minha filha, razão desta história toda; e para Ana, que me ajuda,
com sua doçura, a fazer as pazes comigo mesmo.
– DANIEL CASTELLO –

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
Agora ou nunca
Por que escrever este livro?
O que esperar nas próximas páginas
Aprenda com os inimigos
ENTENDENDO O PROBLEMA
Do que é feita a transformação digital
Estágios da transformação digital
Como as startups promovem a disrupção
Entregue valor sem aumentar o custo
Esqueça os disruptores: foque a disrupção
Por que é tão difícil se mexer?
Já vimos esse filme antes
Aja agora
ENCONTRE O SEU FOCO
Quem é você?
A pergunta-chave: “O que é inegociável?”
Vantagens competitivas e as pepitas de ouro
Quem é seu cliente?
Qual é o seu mercado?
É hora de agir
AS ESTRATÉGIAS
Estrutura #1: custo, experiência e plataforma
Estrutura #2: as quatro estratégias para lidar com a disrupção
Estrutura #3: Rápido ou nem tão rápido assim
Estrutura #4: Conviver ou isolar?
CULTURA E MINDSET
Hiperatenção ou “curiosidade crônica”
Diversidade, o pilar da inovação
Decisão baseada em dados
Cultura da experimentação

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Execução rápida
Escuta e empatia
Liderança
NA PRÁTICA
Comunicação
Tecnologia
Metodologias de trabalho
RH, candidato natural a maestro do processo
Capacitação de pessoas
TRANSFORME SUA EMPRESA, MAS NÃO SE ESQUEÇA DO MUNDO
Desigualdade escancarada
Gig economy – a economia dos bicos
À margem
Regulação e políticas públicas
Há esperança
AGRADECIMENTOS

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PREFÁCIO

UM VERDADEIRO “Manual de sobrevivência na era digital”. Esse poderia ser o subtítulo


do livro que você, leitor, tem em mãos.
Li e reli o livro. Foram três vezes ao todo. Na primeira, de um só fôlego, varei noite e
madrugada, pois não conseguia me desligar da leitura. E olha que tentei. Quando cheguei à
metade, deixei o texto na mesinha de cabeceira, apaguei a luz do abajur, bebi um gole de água e
tentei dormir. Não consegui. A solução foi voltar a ler até o final. Só parei às 3h15, quando
cheguei à última frase, atribuída a Churchill: “Nunca desperdice uma boa crise”.
A segunda vez foi quando tive de pernoitar em um hospital, internado para fazer exames
exigidos pelos médicos devido a uma forte enxaqueca, a qual, após afastadas todas as
possibilidades de danos estruturais mais sérios, teve o diagnóstico atribuído a um problema no
meu maxilar, nunca detectado até então. A enfermeira de plantão chegou a brincar comigo: “Essa
dor de cabeça pode ser por causa de tanta leitura. O senhor não larga esse livro!”.
Sei que as engrenagens do meu cérebro, coração e alma estavam processando seu conteúdo,
inclusive durante um momento em que passava por uma ressonância magnética, mas não era
motivo para causar a dor de cabeça fisiológica.
Que Transformação digital cria certo desconforto, não tenha dúvida. PREPARE-SE! Em vez
de dor de cabeça, causará curiosidade, questionamento, reflexão e, espero, o desejo e a coragem
de mudar. De tomar as decisões necessárias para iniciar o processo de transformação em você e
na cultura da sua empresa, antes que seja tarde demais.
Antonio Salvador e Daniel Castello mencionam, logo na introdução, uma bela metáfora com a
Esquadrilha da Fumaça, quando um passageiro pode ouvir a ordem de comando “Ejete” como
um imperativo para sair de uma aeronave em perigo. Permitam-me complementar sugerindo que
você aperte a tecla “Reset” na sua vida, família, carreira, empresa. Mas atenção: não estou
falando de “Delete” nem de “Ctr-Alt-Del”. Em vez de apagar, ressignifique. O passado e a
história são componentes importantes na nossa trajetória como fontes de aprendizado contínuo.
Falo de “resetar” no sentido de “reprogramar” – aliás, o Daniel Castello começou a carreira
como programador e sabe bem do que estou falando. O futuro desta Era Digital será muito
diferente do passado. Uma das músicas do Lulu Santos traz uns versos – “Nada do que foi será /
De novo do jeito que já foi um dia” – que, acredito, serão cantados como um hino da era Pós-
Covid. Essa pandemia, como sugerem os autores, “apenas” acelerou um profundo processo de
transformação já em curso, originado por diversas disrupções tecnológicas que já causavam
drásticas mudanças na maneira como aprendemos, estudamos, nos comunicamos, trabalhamos,
nos divertimos, convivemos socialmente e até mesmo amamos.

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Porém, este livro também deixa claro que a transformação digital vai muito além da
tecnologia.
Trata-se de uma questão de mindset (mentalidade). É um estilo de vida. O digital é uma nova
linguagem, um novo idioma, tão fundamental quanto o português, o inglês e o mandarim. No
entanto, ser digital não significa apenas dominar uma ferramenta ou saber usar um aplicativo.
Vai muito além, sendo uma forma de pensar, não apenas de fazer.
A transformação digital, tão bem explicada no livro, é um processo de mudança cultural
transversal que perpassa todas as áreas de uma empresa. Inclui a convivência humana na gestão
de pessoas, parceiros, investidores, prestadores de serviços. Ocorre não apenas nos escritórios
centrais, no back office, no “chão de fábrica”, mas também na ponta, na linha de frente, na
operação, nos canais de distribuição, nos revendedores, na força de vendas, nos corretores, nos
representantes, até atingir a razão de ser de qualquer negócio: a interação com os clientes.
Nos programas de liderança que coordeno e nas atividades de mentoria que exerço, sempre
alerto que, quanto mais sofisticada a tecnologia, maior a necessidade do contato humano.
Apoiado nessa crença, tenho a convicção de que as empresas e os profissionais vencedores no
futuro serão os que encontrarem o “Ponto C”, o Ponto de Convergência entre o humano e a
tecnologia, o físico e o digital, o presencial e o virtual. O mundo não será apenas digital; o
mundo será também “figital” – físico e digital, híbrido na sua eterna mutação em busca do
equilíbrio instável.
Já nos programas de consultoria com as empresas mais tradicionais, tenho tido a felicidade de
pôr em prática algumas ideias contidas neste livro. Busco sempre construir uma ponte entre
empresas já estabelecidas, maduras, que atuam em negócios tradicionais, e as startups desse
mundo novo que nos desafia ao nascer e ao pôr do sol, dependendo do ponto do planeta onde
você esteja.
Sempre provoco ambos os lados, afirmando que as empresas tradicionais são de Marte,
enquanto as startups são de Vênus. Tenho a impressão de que pertencem a dois “planetas”
diferentes, mas sei que habitam o mesmo “Sistema Solar”, que é o mundo dos negócios.
O papel que procuro desempenhar é o de construir uma ponte entre as duas margens do rio,
estruturando innovation hubs com uma governança própria, buscando soluções convergentes
para os desafios não apenas das empresas, mas de toda a sociedade.
Várias ideias discutidas neste livro, leitor, são úteis para você decidir se vai ficar parado,
esperando ser atropelado e se tornar irrelevante, ou se você vai ouvir o comando “Ejete!”, apertar
a tecla “Reset” e virar o jogo da transformação digital a seu favor.
Bem, no início deste prefácio eu disse que tinha lido o livro três vezes. A terceira foi na manhã
em que finalizo este texto. Aí decidi experimentar o que prescrevo. Fiz então um reset, deixando
de lado a versão que já tinha preparado, e reescrevi tudo, tratando o assunto digital não com
argumentos tecnológicos, mas com o que há de mais único em mim – o meu coração.
Parabéns, Antonio Salvador e Daniel Castello! Grato pela oportuna contribuição de vocês a
esse tema decisivo para o futuro dos indivíduos, famílias, empresas e sociedade.
A bola está contigo, leitor. Aproveite ao máximo as provocações que vai ler ao virar esta
página.

César Souza é presidente do Grupo Empreenda, consultor, palestrante e autor de Seja o


líder que o momento exige. Membro associado do BR Angels, grupo investidor em startups.
Criador de diversos innovation hubs em diferentes negócios.
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INTRODUÇÃO

A ESQUADRILHA DA FUMAÇA é um grupo de pilotos da Força Aérea Brasileira que


se apresenta no Brasil e no mundo fazendo demonstrações de acrobacias com as aeronaves. Os
aviões rasgam os céus deixando um rastro de fumaça, com movimentações em conjunto e
piruetas individuais. Apesar dos treinamentos, dos pilotos qualificados e das aeronaves
preparadas para isso, há sempre um risco envolvido durante as manobras.
Em 2012, o grupo completou 60 anos e a equipe do CQC, programa de televisão humorístico
transmitido na época, gravou uma reportagem acompanhando uma demonstração comemorativa.
Enquanto a repórter Monica Iozzi se divertia nos bastidores, entrevistando os pilotos, o
apresentador Marcelo Tas se preparava para entrar em uma das aeronaves como passageiro.
Depois de alguns minutos de deslumbramento, ele se lembrou de que fazer piruetas no ar era
coisa séria. Foi chamado para entrar na sala de briefing e receber as orientações necessárias.
Sentou-se em um cockpit idêntico ao do avião enquanto ouvia o instrutor explicar os
procedimentos, entre eles os detalhes sobre o que fazer se algo desse errado. “Debaixo do seu
assento, há sete bananas de dinamite”, informou o instrutor. Era hora de prestar atenção. “Existe
um pino que, se você puxar, aciona essa dinamite e faz com que você seja ejetado da aeronave”,
continuou. Marcelo ficou um pouco mais tenso. No entanto, a explicação seguinte ele jamais
esqueceria.
Se o avião apresentasse algum problema, o piloto na cabine daria três avisos, com uma única
palavra: “ejetar”. Na primeira vez, seria o comando para que todos no avião soubessem que algo
deu errado. Na segunda, hora da ação: o passageiro deveria puxar o pino e acionar as dinamites;
a janela de tempo seria curta. Na terceira, fim de papo: o piloto puxaria seu próprio pino. Ou
seja, se o passageiro não acionasse o pino depois do segundo “ejetar”, acabaria sozinho dentro de
uma aeronave comprometida, em alta velocidade rumo ao solo.
Felizmente, a palavra “ejetar” não foi dita em momento algum durante o voo que Marcelo
acompanhou, mas ele relembrou essa história durante uma conversa sobre transformação digital,
o tema deste livro. A instrução do piloto parece se aplicar exatamente ao momento que as
empresas estão vivendo nesta década.
Espremidas entre as novas demandas dos consumidores, uma nova lógica de mercado
introduzida pelas startups e um ritmo cada vez mais acelerado de mudanças, o primeiro aviso já
foi dado. Esse contexto foi turbinado por uma pandemia que, apesar de surpreendente, havia sido
antecipada por alguns cientistas – em 2020, voltou à tona um vídeo de cinco anos antes em que
Bill Gates, fundador da Microsoft, dizia que a próxima catástrofe global seria relacionada a um
vírus1. Só quem está desatento não percebeu que é hora de agir.

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O segundo aviso também já foi dado. Os negócios tradicionais estão exatamente “com a mão
no pino”, precisando decidir se farão a transformação ou se deixarão a empresa se tornar um
avião fadado à queda. Ignorar a mudança, assim como ignorar o aviso de ejetar, não parece ser
uma opção.

AGORA OU NUNCA
Em 2019, depois de Estados Unidos e China, o Brasil foi o país que mais gerou unicórnios –
startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. Isso significa que muitos empreendedores
estavam surfando (e a grande maioria continua, apesar de alguns terem ficado pelo caminho) a
onda da inovação, oferecendo novos serviços ou atendendo a antigas necessidades dos clientes
com uma experiência melhor (e geralmente digital). Eram companhias como Loggi, de entregas,
Gympass, um serviço de assinatura de academias, e QuintoAndar, uma plataforma de aluguel
residencial.
Este, porém, não é um livro sobre unicórnios. É, sim, sobre empresas que estão tentando
sobreviver à ameaça deles. Na prática, está em curso uma competição à qual os participantes
chegam em condições bem diferentes. De um lado, há as startups, que às vezes se transformam
em scaleups. De outro, estão as empresas estabelecidas, que ainda contam com o benefício da
escala e do relacionamento já construído com os clientes. Dominam boa parte do mercado,
porém são menos ágeis, porque seus líderes e suas equipes não têm as mesmas competências e a
mesma mentalidade de quem está chegando. Possuem grandes marcas e produtos conhecidos,
mas não necessariamente adequados às novas necessidades. Têm processos estruturados e times
maiores, além do compromisso com os acionistas e da pressão do mercado de capitais para
entregar lucro no curto prazo – algo nem sempre cobrado das organizações mais jovens, apesar
de a pandemia ter diminuído a dose de paciência dos investidores.

A comparação entre esses dois mundos é constante. Geralmente, quando uma empresa digital
ameaça um mercado, os negócios tradicionais são questionados. Em 2017, quando a Amazon
começou a operar como marketplace de eletrodomésticos no Brasil, as ações das varejistas
nacionais, como B2W, Via Varejo e Magazine Luiza, despencaram2. O mesmo aconteceu dois
anos depois, quando a gigante norte-americana anunciou o lançamento do Amazon Prime, seu
programa de assinatura. No caso dos grandes bancos, apesar de seu valor de mercado ainda não
ter sido abalado, a pergunta que tem dominado a pauta de quem observa a competição é como se
posicionarão diante das fintechs. São companhias que criaram soluções de investimento, crédito
e meios de pagamento, com plataformas digitais e excepcional experiência para o usuário, que,
aos poucos, cercam os gigantes do mercado financeiro, lacerando seu negócio, mordida por
mordida. Em 2018, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., reconheceu durante evento

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com a imprensa que o Nubank, startup de cartões que se tornou um unicórnio em 2018, era uma
ameaça. “Eu gostaria de ter os 5 milhões de clientes do Nubank”, afirmou3.
A conversa sobre o futuro dos negócios volta a todo momento para a disrupção e os
disruptores, porque ficou claro que eles têm poder para mudar o cenário e impactar diversos
setores rapidamente. No entanto, as empresas não devem apenas se perguntar: “Quem é meu
concorrente e como eu o enfrento?”. Mais importante é que olhem para si mesmas com o
objetivo de enfrentar suas ineficiências e superar as barreiras que as impedem de continuar
conquistando clientes em vez de perdê-los para as novidades do mercado.
Como afirmou o norte-americano David Rogers, professor da Universidade de Columbia,
negócios que começaram antes da internet têm um desafio: as regras fundamentais e as premissas
que os norteavam não se sustentam mais. Mas isso não significa que sejam dinossauros fadados à
extinção4.
As lideranças da maior parte das empresas tradicionais já sabiam que precisavam reinventar
seus negócios para que tivessem alguma chance de sobreviver à batalha no longo prazo. Ficar
parado significaria, em algum momento, ter um preço que o consumidor não estaria disposto a
pagar, uma qualidade que ele não aceitaria e uma margem que inviabilizaria a operação – porque
lá fora haveria alguém com um modelo de negócio mais eficiente tratando melhor o consumidor
com uma proposta de valor matadora.
No início de 2020, com a pandemia do novo coronavírus e o forçado isolamento social que
obrigou empresas de todos os tipos a fechar as portas para as atividades presenciais, a urgência
de transformar os negócios se impôs definitivamente. Nos pequenos comércios de bairro ou nos
gigantes do varejo, as equipes precisaram entender como continuar vendendo e entregando valor
para clientes que agora estavam dentro de casa, consumindo, interagindo e trabalhando pela
internet.
Para as companhias em negação, com a falsa sensação de segurança por estarem em setores
onde a transformação ainda não havia sido drástica, a mudança passou a ser “agora ou nunca”.
Acreditamos que os adultos não aprendem sem uma necessidade premente – e a pandemia foi um
choque para lideranças de pequenas, médias e grandes organizações.
O problema é que a necessidade e a urgência de mudar são a única certeza que existe em
cenários novos, como esse que já vinha se desenhando e que foi acelerado pelo coronavírus. A
melhor maneira de fazer isso ninguém sabe com 100% de certeza. Como uma empresa
estabelecida opera e gera valor de modo semelhante às que nasceram digitais? É provável que
cada organização tenha de encontrar seu caminho e sua vocação, sem poder recorrer a uma
receita única. Angustiadas, as lideranças buscam formas de continuar no mundo e enfrentar esses
novos – e nem um pouco triviais – concorrentes.
Acreditamos que as companhias tradicionais que estiverem atentas e munidas de coragem
podem, sim, continuar competitivas e valiosas – tanto para os acionistas como para os
consumidores. No Brasil, há vários casos de donos de empresas e executivos que decidiram
trilhar o árduo e nada confortável caminho da transformação e de profissionais que estão
aprendendo novas habilidades para se manter relevantes. São essas as histórias contadas aqui,
com o objetivo de inspirar quem ainda está perdido no caos ou em busca de inspiração para
avançar mais rápido e ir mais longe.

POR QUE ESCREVER ESTE LIVRO?

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Em 2016, entre taças de vinho, durante um daqueles encontros em que o pensamento vai
longe, pensamos em escrever um livro sobre recursos humanos (RH) que teria o pretensioso
título HR zero bullshit. Era uma área que conhecíamos bem – um como executivo e outro como
consultor – e estávamos inconformados com as tendências e os modismos que prometiam
resultados extraordinários sem respeitar os fundamentos da gestão de pessoas, muitas vezes
descolados da realidade dos negócios. Havíamos nos conhecido no início dos anos 2000, quando
organizamos um fórum de tecnologia para profissionais de RH em parceria com a Associação
Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), e desde então mantínhamos contato e encontros
casuais ao menos uma vez por ano. Ficamos animados com esse novo projeto em conjunto, mas
naquela época não conseguimos dar forma a nossas ideias e conciliar a escrita com as agendas de
trabalho. Ao mesmo tempo, notamos que o tema RH era atropelado por outro mais urgente e
complexo – a transformação digital, assunto que emergiu em nossas vidas profissionais na das
empresas que acompanhamos.
Um de nós – Antonio – tem uma longa carreira como executivo de consultoria e líder de
recursos humanos, no Brasil e no exterior. Conduziu grandes processos de transformação de
gestão de RH na PricewaterhouseCoopers (PwC), como diretor-executivo da área, e na Hewlett-
Packard (HP), onde ficou por três anos como vice-presidente. Durante os anos nessas empresas,
conseguiu combinar duas áreas que pouco conversavam: tecnologia e gestão de pessoas. No
Grupo Pão de Açúcar, na época a maior empresa de varejo do Brasil5, ficou cinco anos como
vice-presidente de RH e sustentabilidade. Em 2018, quando a companhia começou a se organizar
para aprofundar o tema transformação digital – para o qual gente e cultura também são
fundamentais –, ofereceu-se para assumir o cargo de chief digital officer e, assim, liderar as
mudanças na empresa – uma jornada que contaremos em detalhes ao longo destas páginas.
O outro – Daniel – também convivia com esses dois mundos. Começou a carreira
representando um software de gestão de RH no Brasil. Programava 16 horas por dia para adaptar
os projetos às necessidades nacionais, mas, ao mesmo tempo que pensava em tecnologia
loucamente, queria que o produto ajudasse a vida profissional das pessoas, cuidando de sucessão
e desenvolvimento de competências. Vendeu sua empresa à Automatic Data Processing (ADP),
líder mundial em serviços de folha de pagamento, onde ficou por dois anos como diretor de
tecnologia. Depois, tornou-se vice-presidente-executivo da ABRH. Mais tarde, como mentor da
Endeavor6, acompanhou o crescimento das scaleups e dos empreendedores que desafiavam o
status quo, além de atender, como consultor de estratégia, cada vez mais empresas tradicionais,
desenvolvendo dentro delas as competências necessárias para realizar a transformação digital.
Os dois percebemos que a preocupação com esse desafio crescia rapidamente, sem que as
referências disponíveis dessem conta da demanda. Um dos pilares dessa transformação sem
dúvida eram as pessoas e a cultura das empresas. Portanto, nossa experiência em RH certamente
nos ajudaria a falar sobre o tema. Contudo, a transformação ia muito além disso. Incluiria
estratégia de negócio, novas ferramentas de trabalho, desenvolvimento de competências,
aquisição de tecnologia e contato com o cliente. Envolveria também capacidade de execução e
bons fundamentos de negócio. Sentimos algo parecido com o que tinha nos motivado a falar do
HR zero bullshit. Havia uma onda de modismos que mais confundiam do que ajudavam as
organizações. Como sabemos, de boas ideias o inferno está cheio... Mas o que de fato faz sentido
para os negócios? Como atravessar essa fase de mudança sem perder o rumo em meio às cortinas
de fumaça? Além disso, entendíamos que a relevância do tema transformação digital se dava não

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apenas pelo impacto no mundo corporativo, mas também na sociedade, na medida em que
transformava relações de trabalho e definia o futuro do emprego.
No final de 2019, decidimos que esse seria nosso novo tema. Estávamos completamente
mergulhados nele, acompanhando como protagonistas e testemunhas a dor de grandes e médias
empresas brasileiras. Olhávamos também para as principais referências do exterior, lendo livros
ou fazendo cursos fora do Brasil. Percebemos que quase não havia literatura nacional sobre
transformação digital. A maior parte dos casos que estudávamos era dos Estados Unidos ou da
Europa, e quase todos os guias escritos sobre o assunto eram norte-americanos.
O Brasil, porém, tem suas particularidades. É um país de dimensões continentais e se encontra
entre os 15 mais desiguais do mundo7. Há uma dispersão enorme no mercado consumidor e um
abismo na educação dos mais ricos e dos mais pobres, o que impede a formação de pessoas
qualificadas em número suficiente para a demanda de trabalho. Por outro lado, o consumidor
brasileiro é muito conectado. Segundo uma pesquisa do Pew Research Center divulgada em
20198, 60% dos adultos no Brasil dizem ter um smartphone, a maior taxa entre as nações
emergentes. Além disso, os brasileiros passam mais de três horas por dia no celular, levando o
país ao quinto lugar do ranking global de tempo de uso do aparelho9, e quase quatro horas nas
redes sociais – perdemos nesse quesito apenas para as Filipinas10. No primeiro semestre de 2020,
eram 149 milhões de usuários de internet (70% da população) e 140 milhões de usuários de
mídias sociais (66%)11. Pensamos que seria mais fácil nos inspirarmos analisando exemplos de
quem conseguiu fazer a transformação digital em condições parecidas.
Assim, observando de perto a dificuldade de empresas tradicionais e conhecendo casos
nacionais bem-sucedidos na jornada da transformação digital, retomamos a ideia de escrever um
livro, dessa vez para líderes de organizações que estão sem rumo ou em busca de uma bússola
mais precisa em meio a tantas informações e pressão do mercado. Na mesma época, criamos um
curso de transformação digital para executivos e o podcast Gente Digital em parceria com a
escola de negócios StartSe, focada em conteúdos para a “nova economia”. Os conteúdos
caminharam paralelamente, com o mesmo objetivo: inspirar profissionais e líderes de empresas
tradicionais e mostrar que é possível se adaptar ao novo cenário e sair mais capacitado da
turbulência. Esperamos ser um estímulo para aqueles que se sentem frustrados com o tamanho
do desafio e para quem já topou ir ainda mais longe, mais rápido.
No meio dessa jornada, o mundo foi atingido pela pandemia da covid-19. O enfraquecimento
da atividade econômica causou danos a muitas empresas, mas parece ter acelerado a
transformação em várias delas. As mudanças em relação ao trabalho remoto e ao varejo foram as
primeiras a ficar evidentes. De uma semana para outra, com a imposição da quarentena, os
negócios que resistiam ao home office precisaram se adaptar, todas as reuniões passaram a ser
por videoconferência e as compras pela internet no Brasil dispararam cerca de 40%12, obrigando
os varejistas a reforçar seu e-commerce e a reorganizar a logística de atendimento e entrega. Nos
Estados Unidos, por exemplo, a Amazon afirmou, no final de março de 2020, que estava
contratando 100 mil pessoas para trabalhar em seus centros de distribuição13.
As piadas por WhatsApp chegaram rápido. Uma delas mostrava uma pergunta com cinco
alternativas: “Quem acelerou a transformação digital na sua empresa? a) A equipe de TI. b) O
CEO. c) O CTO. d) A equipe agile. e) Nenhuma das anteriores: o coronavírus”14. Na esteira da
pandemia, a disrupção se acelerou, com um choque de hábitos dos consumidores e modelos de
negócio um choque no qual algumas organizações poderão encontrar oportunidades em
movimentos estratégicos e inovações.
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O jornalista Pedro Doria, especialista em digital, provocou: “Ali do outro lado, quando tudo
acabar, inúmeras empresas terão um problema de liquidez. Aí vão olhar para a quantidade de
imóveis que têm. Ou para o preço do aluguel. Vão avaliar sua experiência com trabalho remoto.
E não serão poucas que dirão: aprendemos algo. Este gasto em dinheiro é, ao menos,
parcialmente desnecessário”15. Fersen Lambranho, presidente do conselho da GP Investments,
garantiu que o homem como o conhecemos não existe mais16. Ele aposta em uma sociedade mais
higiênica, solidária, digital e gastando menos ou nas coisas certas pós-pandemia.
Um dado do relatório Digital 2020: July Global Statshot17 compara o consumo médio on-line
de bens de consumo com o produto interno bruto (PIB) per capita de vários países. O resultado é
uma espécie de índice de propensão de compra on-line, considerando o nível de renda da
população. O Brasil tem um índice de 1,3% – a média mundial é de 4,4% –, ficando muito atrás
de países com economia comparável, como Índia e Indonésia, e bem longe dos benchmarks
habituais, entre eles China e Estados Unidos. Isso significa que ainda vemos por aqui a primeira
onda de crescimento do e-commerce. Esse crescimento, porém, deve ser exponencial em poucos
anos, com enorme espaço para a transformação dos negócios e a digitalização. A discussão nas
empresas deve, portanto, responder à urgência do processo, uma das motivações para
escrevermos este livro – estamos prestes a ouvir o terceiro “ejetar”.
Tanto em tempos normais como de choque mundial, uma organização estabelecida precisa
lembrar que possui ativos valiosos, como seus clientes, suas marcas, suas redes de logística e
abastecimento, que pode usar a seu favor. Construir uma empresa digital tem muito mais a ver
com estratégia, liderança e mentalidade do que com tecnologia, e executivos com experiência são
tão capazes de fazer isso quanto jovens fundadores de startups. É possível, sim, criar algo de
valor na era digital e há várias oportunidades disponíveis em épocas de mudança. No entanto,
não se iluda: elas não serão óbvias e exigirão trabalho árduo até render resultados.

O QUE ESPERAR NAS PRÓXIMAS PÁGINAS


Por sermos profissionais atuantes no mercado, este livro baseia-se em experiências empíricas e
é orientado para a vida real, onde as lideranças enfrentam seus dilemas. Nosso olhar sobre a
transformação digital tem um viés prático, com foco em respostas objetivas e simples, isto é,
compreensíveis e aplicáveis. Também buscamos novos conceitos e referências na teoria e
discutimos alguns métodos e estruturas de pensamento criados por pesquisadores de
universidades como Harvard, Insead, Columbia e Institute for Management Development (IMD).
Um dos objetivos desde que iniciamos este trabalho foi encontrar as melhores práticas do
mercado brasileiro e descobrir o que está acontecendo nas empresas que decidiram enfrentar essa
jornada de transformação. Por isso, para complementar nossa experiência, entrevistamos
executivos de diferentes setores, que compartilharam suas histórias, conquistas e dificuldades.
Assim, ao longo do livro, o leitor encontrará inspirações de qual rumo tomar e casos de quem
conseguiu obter bons resultados.
No início do livro, apresentamos o conceito de digital e a lógica que as startups e as scaleups
estão usando para crescer – e que dão a elas uma vantagem competitiva. A questão é: por que as
empresas tradicionais se movem tão devagar em direção a esse formato aparentemente vencedor?
Para entender a dificuldade de mudar, é útil comparar com a situação atual outros momentos de
transformação já vividos pelas organizações.

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Em seguida, fazemos algumas provocações sobre o foco dos negócios. Quando a mudança
acontece muito rápido, com novas tecnologias e concorrentes aparecendo toda semana, há um
risco alto de se perder. Relembrar o propósito da empresa, suas fortalezas e os problemas que ela
consegue resolver é o primeiro passo para construir uma estratégia.
Então, com base em diversos modelos, ficará mais claro quais são os movimentos possíveis
para competir nesse novo jogo digital, sem deixar de lado atividades do modelo tradicional que
ainda dão resultado. Com exemplos de empresas que adotaram diferentes estratégias, mostramos
que não existe uma resposta pronta, e sim uma construção singular para cada negócio.
Depois de apresentar as opções de caminho, será o momento de refletir sobre transformação
cultural e de mentalidade. Se o futuro é sobre como os profissionais pensam, se comportam e
tomam decisões, quais habilidades eles precisam desenvolver? E como disseminar esse novo
jeito de fazer pela empresa inteira? Só então passamos aos aspectos práticos: novas tecnologias,
metodologias de trabalho, planos de carreira e maneiras de a liderança cuidar de várias iniciativas
simultâneas, entre outros.
Por fim, um assunto que consideramos essencial, as mudanças na dinâmica do emprego e os
desafios sociais gerados pela transformação digital. No Brasil, por exemplo, aplicativos como
Uber e iFood são a principal fonte de renda de quase 4 milhões de pessoas18, e boa parte desses
“autônomos” não tem acesso aos benefícios e às proteções sociais de quem possui carteira
assinada. Além deles, milhares de pessoas nem sequer podem ser inseridas no mercado, pois não
possuem qualificação mínima para os cargos de base oferecidos pelas empresas. Questionamos
todos os entrevistados sobre esse tema e apresentamos nossa visão sobre o futuro do trabalho.
Afinal, salvar uma organização e ignorar o resto do mundo não é a melhor solução se o objetivo
é criar negócios sustentáveis.

APRENDA COM OS INIMIGOS


Esperamos que todas as informações e reflexões das próximas páginas sejam úteis para
fortalecer as empresas e lhes sirvam de inspiração para uma trajetória rumo a novas
oportunidades e novos conhecimentos, que tragam insumos para dissipar a cortina de fumaça que
nos rodeia em tempos de turbulência e indefinição.
Temos consciência de que a inovação, quando apontada para nossa direção, é extremamente
ameaçadora e amedrontadora. Tendemos a olhar para as novas tecnologias e para as empresas
que causam disrupção nos mercados como inimigas. No entanto, vale lembrar que um bom
inimigo pode ser muito valioso.
Os jogadores de basquete norte-americanos Larry Bird e Magic Johnson protagonizaram uma
das maiores rivalidades do esporte na década de 1980. Tornaram-se lendas, mas, talvez, não
elevariam tanto o nível dos jogos se não tivessem um ao outro. Anos depois, já aposentado, Bird
comentou que levantava todos os dias de manhã e se atualizava sobre o que Magic havia feito. Se
um treinava 500 arremessos, o outro queria fazer 600. “Eu precisava tê-lo ali por alguma razão.
Como uma muleta. Alguém a quem eu pudesse me comparar”, afirmou19. Mais tarde, essa
rivalidade daria início a uma grande amizade.
Um bom inimigo é valioso porque também nos força a brigar para defender nosso território ou
atravessar limites inexplorados. Ele é o novo, o desconhecido. Quanto mais forte o inimigo, mais

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desafiadora, mais interessante, mais cheia de aprendizados é a fronteira que ele guarda. Um bom
inimigo nos faz crescer. Quando ele não nos faz crescer, é simplesmente irrelevante.
É hora de encarar os inimigos, aprendendo com suas fortalezas, e de enfrentar nossos medos.
Chegou o momento de puxar o pino, não temos dúvida. Onde exatamente nos levará o estouro da
dinamite caberá a cada negócio descobrir e, quem sabe, surpreender e inspirar o mundo com suas
soluções.

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CAPÍTULO 1

ENTENDENDO O PROBLEMA

QUANDO A GERDAU, a maior empresa produtora de aço do Brasil e uma das 30 maiores
do mundo20, começou a pensar em transformação digital, seus executivos encontraram poucas
referências de negócios industriais que haviam passado por esse processo. Observaram casos no
segmento de óleo e gás, que seriam similares ao setor em que atuavam, e conversaram com
algumas pessoas que diziam que o uso de novos processos poderia aumentar em 20% a geração
bruta de caixa por conta da eliminação de ineficiências. Era uma boa perspectiva, que justificaria
o investimento.
Incentivados pelo contexto e pelos números que encontraram, começaram a implantar
mudanças em várias áreas. As iniciativas se resumiam a novas tecnologias para a operação:
drones para conferir o estoque, sensores para monitorar a performance das máquinas e realidade
aumentada para fazer treinamentos.
Contudo, os executivos notaram que a “pirotecnia”, apesar de melhorar alguns processos da
rotina, não tinha impactado os números – portanto, havia algo errado naquela transformação
digital. Deram um passo para trás a fim de entender o que não estava funcionando. Voltaram
para o mercado. Conversaram com consultores, donos de startups e fundos de venture capital.
Visitaram mais empresas.
“No primeiro ano, tínhamos um entendimento equivocado de que transformação digital estava
relacionada à tecnologia. Avançamos, mas olhamos o balanço da empresa no final do ano e não
conseguimos ver nenhum ganho quantificável”, conta Gustavo Werneck, atual CEO e
protagonista das mudanças quando era líder da divisão de Aços Longos, o maior negócio da
empresa. “Entendemos que a tecnologia era só um dos pilares da transformação digital e o mais
simples”, diz.
Depois da primeira experiência, os executivos se deram conta de que qualquer um poderia
adquirir ferramentas e dispositivos eletrônicos e que os demais pilares, como cultura
organizacional e utilização de dados, é que seriam decisivos para de fato levar a companhia a um
nível de mudança mais profundo. Então, voltaram para a prancheta e começaram a desenhar um
roadmap digital e a estruturar o pensamento considerando esses outros fatores.
Sem dúvida, a tecnologia faz parte da transformação digital, mas, como a Gerdau percebeu, é
só um elemento dela. Certamente não foi a primeira nem será a última empresa a chegar a essa
conclusão. É comum que, na ânsia de se tornarem digitais, as companhias optem pelas soluções
mais apelativas e com implementação mais rápida – como um drone sobrevoando o estoque. No
entanto, o que realmente faz a diferença não é óbvio nem fácil de implementar.

DO QUE É FEITA A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL


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Afinal, o que significa “digital”? O que transforma digitalmente uma empresa, além da
tecnologia?
Comecemos por um alinhamento de conceitos. Entendemos digital como a convergência de
múltiplas tecnologias inovadoras potencializadas pela conectividade, que atenderão de maneira
superior a uma demanda latente da sociedade ou do consumidor. São ferramentas como big data,
computação em nuvem, internet das coisas, sensores, inteligência artificial, blockchain e
realidade aumentada. Ao utilizá-las, é possível melhorar a performance, ganhar eficiência,
expandir o alcance de um produto ou de um serviço, conectar pessoas e dispositivos
instantaneamente, em qualquer lugar. Isso é o básico.
A aplicação dessas tecnologias, somada ao impulso empreendedor de algumas pessoas,
permitiu o surgimento de empresas que causaram disrupção ou transformaram diversos
mercados. Ter um aplicativo de táxi conectando passageiros e motoristas não seria possível se
não houvesse internet, celulares no bolso da maior parte da população, mapas digitais, algoritmos
de otimização de rotas e uma turma com energia para mudar hábitos de países inteiros por meio
de testes e ajustes no produto. Entretanto, a mudança também não aconteceria se não existisse
uma demanda da sociedade por melhores serviços de táxi e transporte urbano ou se o serviço
prestado por quem dominava o mercado fosse excelente – quem nunca se queixou de um taxista
mal-humorado ou de um carro sujo ou se questionou se o caminho percorrido era de fato o mais
eficiente? São essas novas companhias que promovem a disrupção digital, um movimento que
atinge os negócios tradicionais sem que eles tenham controle, ou seja, impactam a proposta de
valor das empresas estabelecidas e alteram seu posicionamento no mercado.

Como resume David Rogers, as restrições da era pré-digital desapareceram, tornando novos
modelos de negócio, novas fontes de receita e novas possibilidades de vantagem competitiva não
apenas possíveis, como também mais baratos, rápidos e centrados no consumidor21.
Imagine, por exemplo, que os carros autônomos passem a disputar as ruas com os veículos
conduzidos por pessoas. Certamente será uma disrupção que impactará diversas indústrias. Com
uma taxa menor de acidentes em função dos sensores, que vão controlar a velocidade, antecipar
obstáculos ou forçar a parada do carro na presença de pessoas ou objetos próximos, as falhas
humanas diminuirão e as oficinas mecânicas ficarão mais vazias. Os motoristas particulares
talvez se tornem uma profissão em extinção. Os seguros contra acidente terão menos demanda,
considerando as estimativas de redução de fatalidades no trânsito em até 90%22? Como o
governo vai aplicar multas? Os passageiros que antes precisavam dirigir consumirão mais
entretenimento dentro do veículo? Todas as empresas que atuarem nesses mercados serão
afetadas e possivelmente precisarão adaptar o que oferecerem aos clientes. Além disso, o
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impacto do carro autônomo poderá se estender a muitos outros setores não visíveis a princípio,
alterando, por exemplo, a estrutura de mobilidade urbana, a oferta de entretenimento dentro dos
veículos, a arquitetura dos edifícios residenciais e corporativos e até a demanda por voos de curta
distância.
Enquanto a disrupção digital é um movimento de fora para dentro, da novidade externa que
gera impacto no ambiente interno, a transformação digital dos negócios ocorre de dentro para
fora, isto é, as empresas mudam de modo proativo e se ajustam ao novo cenário.
Nem toda disrupção é digital. Embora os dois termos estejam umbilicalmente reunidos,
existem outros fenômenos disruptivos potentes. Escrevemos este livro trancados em casa por
causa da covid-19 – um fenômeno de disrupção profunda para as mais diversas empresas.
Quando a pandemia passar, comportamentos terão sido alterados de maneira irreversível.
Pessoas que não faziam compras pela internet provavelmente terão incorporado esse hábito.
Empresas que jamais consideraram deixar seus funcionários trabalharem em casa repensarão esse
paradigma e, quando as atividades presenciais forem liberadas, vão se perguntar por que
precisam de tanto espaço próprio se as pessoas podem produzir tão bem em seus lares. Até uma
das organizações mais tradicionais do país, o Banco do Brasil (BB), decidiu devolver 19 dos 35
edifícios de escritórios que ocupava no país no primeiro semestre de 2020, acelerando sua
iniciativa de home office. Em entrevista à imprensa, o vice-presidente corporativo do BB, Mauro
Ribeiro Neto, afirmou que o banco se concentraria “nas lajes de maior porte, que permitem uma
aplicação maior do escritório de conceito aberto”23.
Fenômenos como a covid-19 ou o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 deixam
marcas profundas nas pessoas, que alteram a forma como percebem a realidade e como tomam
decisão em todas as esferas de sua vida. Para as empresas, entender de que modo disrupções
como essas alteram a mentalidade do consumidor e usar isso a seu favor é a essência de um
processo de transformação, digital ou não.

ESTÁGIOS DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL


A jornada da transformação digital tem três estágios, que às vezes coexistem. O primeiro – e o
menos complexo – é embarcar na empresa novas ferramentas, colocar a tecnologia para facilitar
o trabalho já existente, trocando processos físicos por digitais e automatizando tarefas. Isso
permite construir uma infraestrutura que facilitará o ganho de escala no futuro. Por exemplo:
criar uma camada de atendimento ao cliente com chatbot (robô que pode conversar com os
usuários) para resolver as dúvidas mais comuns; usar um algoritmo para incluir novos
funcionários e dependentes no plano de saúde da organização, sem que isso precise ser feito
manualmente. Desenhar os sistemas e fluxos pode ser um desafio no curto prazo, mas há um
ganho no longo, e as tecnologias que ajudam nessa etapa estão disponíveis no mercado em
abundância.
O segundo estágio é a transformação digital de funções. A adoção de novas tecnologias altera
os papéis das pessoas na empresa. Em alguns casos, as funções têm de ser completamente
redesenhadas, impactando a rotina de áreas inteiras, como recursos humanos (RH), finanças e
supply chain. No caso do chatbot, as solicitações transferidas para a equipe de atendimento
mudam, mas, provavelmente, o contato humano será necessário para solucionar problemas mais
complexos. No varejo, quando uma rede se torna omnichannel, integrando seus canais de
atendimento, um gerente de loja precisará atender tanto os clientes do espaço físico como os que

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vierem retirar produtos comprados on-line, ou seja, nesse caso, a função de atendimento ao
cliente é totalmente transformada. Ao mesmo tempo que elimina cargos, a transformação de
funções exige a aquisição de novas capacidades e a adaptação a uma nova dinâmica.
O terceiro estágio – e o mais complexo – é a transformação digital do negócio, que acontece
quando a empresa se reinventa usando as tecnologias digitais disponíveis e os novos modelos de
negócio que melhoram sua performance como um todo. Tem a ver com a capacidade de entrar
em novos mercados e a maturidade para oferecer uma nova proposta de valor aos clientes. Diz
respeito a comportamento, cultura e estratégia e está intimamente relacionado à adoção de uma
nova mentalidade. Portanto, muito mais do que tecnologia, a transformação digital do negócio
trata do modo de operar e de raciocinar na organização. Exige que se redefina o papel das
pessoas no ecossistema e que se reconsidere a missão da empresa no mundo. Como descreve
Marcus Hadade, cofundador e CEO da Arizona, a maior empresa de cross media e plataforma de
gerenciamento de campanhas no Brasil, o digital é apenas o meio. “A transformação depende das
pessoas. A máquina não faz nada sozinha”, diz. Para Suzana Pamplona, diretora de inteligência
de marketing da Natura, que tem sido protagonista e acompanhado as mudanças na empresa de
perto, “transformação digital começa por cultura, por uma nova forma de pensar”. Para Simone
Galante, fundadora e CEO da consultoria Galunion, “transformação digital é a possibilidade de
ter processos nunca feitos antes, que eram impossíveis de imaginar, seja por limitações de
comunicação ou tecnologia, potencializados pela velocidade e por uma nova mentalidade”.

Em 2020, com a pandemia da covid-19 se espalhando pelo planeta, a China surpreendeu o


mundo ao construir, em apenas dez dias, um hospital com capacidade para mil pacientes na
cidade de Wuhan, epicentro do surto da doença24. Foram necessários 7 mil trabalhadores e placas
pré-fabricadas de concreto para erguer o prédio, e, sem tecnologia, não teria sido possível
concluí-lo em menos de duas semanas. No entanto, o hospital não foi construído nesse tempo só
por isso. Havia por trás de tudo uma mentalidade e uma cultura que permitiram àquela
comunidade conceber essa obra, além de uma demanda premente da sociedade que canalizou
energia, recursos e foco. A organização de recursos e a velocidade de ação criaram essa
realidade. Claro que a China tem suas peculiaridades e que o fato de ser um país com
planejamento central contribui para acelerar o processo de tomada de decisão, mas isso só
reforça o argumento de que há muito mais do que disponibilidade de tecnologia envolvida nesse
processo.

COMO AS STARTUPS PROMOVEM A DISRUPÇÃO


Para entender a velocidade da transformação e os desafios que as empresas tradicionais têm
pela frente, é preciso compreender a lógica que direciona os protagonistas da disrupção.
Novamente, a resposta não é apenas que esses negócios usam mais ferramentas digitais ou que

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seus fundadores são mais familiarizados com tecnologia. Em primeiro lugar, desde sua fundação,
eles entendem as necessidades do cliente e têm um processo de desenvolvimento de produtos
diferente da maioria das grandes empresas. Claro que se soma a isso o fato de não terem um
legado de anos nem um histórico de sucesso, aspectos que muitas vezes limitam a inovação ou o
teste de novas abordagens nas organizações estabelecidas. Como diz uma piada conhecida do
setor de tecnologia, Deus só construiu o mundo em sete dias porque não tinha “legado”.
Considerado uma referência para empreendedores, o livro A startup enxuta, do norte-
americano Eric Ries, sintetiza boa parte da mentalidade que ainda caracteriza as empresas
inovadoras. Seu conceito mais relevante é a obsessão pelo cliente, a grande mudança trazida
pelas startups. Elas absorvem o máximo de insights possível sobre a dor e o comportamento dos
consumidores que querem atingir e procuram adaptar o produto às necessidades descobertas.
Testam rápido, implementam rápido e corrigem a rota rápido, sempre que necessário. Não
esperam o perfeito. Levam ao extremo a aplicação do princípio 80/20 do longínquo economista
italiano Vilfrido Pareto, que notou no final do século 19 que para alguns eventos 80% dos efeitos
vinham de 20% das causas. Tudo nas startups é ágil. Elas usam dados intensamente para
entender o que está acontecendo. Confiam mais em fatos do que em feeling e, claro, não têm
nada a perder – nem reputação nem uma fatia de mercado, como acontece em negócios maiores
ou mais estabelecidos. Por isso, tendem a assumir mais riscos. Aliás, o mercado e os investidores
esperam que façam isso.
Além dessa diferença de comportamento, algumas dessas empresas adotam uma tática muito
agressiva de expansão. Quando descobrem que possuem uma solução vencedora, aceleram seu
ritmo de crescimento. Fazem investimentos e tomam decisões sem privilegiar a eficiência para
abocanhar rapidamente uma fatia do mercado. Buscam criar micromonopólios e ocupações
rápidas de território. Por um lado, precisam conquistar muitos clientes em pouco tempo; volume
é uma métrica importante para que tenham valor e se tornem rentáveis. Por outro, querem
atropelar a competição; estão certas de que quem chegar primeiro garantirá a liderança. Assim,
deixam de ser startups para se tornar scaleups – negócios com modelos escaláveis que crescem
rápida e deliberadamente.
Essa estratégia de crescimento hiperacelerado, quando levada a seu limite, foi batizada de
“Blitzscaling” pelo fundador do LinkedIn, Reid Hoffman, que escreveu um livro sobre o assunto.
Ele conta o caso do Airbnb, a empresa de hospedagem que em 2016 já superava a Hilton, a
maior rede de hotéis do mundo, em valor de mercado25. Porém, antes de ficar conhecida
mundialmente, seus fundadores enfrentaram vários obstáculos, um deles em 2011, quando
identificaram uma nova empresa na Europa que copiava seu modelo e estava crescendo
rapidamente – ela havia contratado centenas de colaboradores e aberto vários escritórios em
poucos meses. A equipe do Airbnb sabia que, se perdesse espaço no mercado europeu, entraria
em apuros. Então, decidiu lutar. Como? Captou mais de 100 milhões de dólares em capital de
risco adicional, comprou uma startup alemã e abriu nove escritórios pelo mundo. Deu certo. Um
ano depois, a companhia atingia a marca de 10 milhões de reservas. Eis aí mais uma
característica dessas empresas: se convencem os investidores de que possuem uma boa ideia nas
mãos, podem ficar com tanto dinheiro em caixa quanto muitas organizações gigantes do setor.
É com essa técnica de avanço rápido que as disruptoras invariavelmente surpreendem o
mercado. Claro que nem todas as scaleups adotam o Blitzscaling, pois essa tática só faz sentido
quando existe um mercado livre que pode ser tomado rapidamente e quando, uma vez que a
disrupção se torna pública, fica óbvia sua potência de destruição, o que logo atrai outros
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competidores, como em uma “corrida do ouro”. Poucos setores permitem o Blitzscaling e fica
cada vez mais difícil aplicar essa tática, pois os mercados estão ganhando maturidade digital. Há
outras scaleups que amadurecem seus processos ao longo do caminho, mesmo que tenham de
mudá-los em pontos de salto de escala, e ainda assim se movem muito mais rápido do que uma
empresa estabelecida. Seu potencial de dano pode ser menos explosivo, mas é tão grande quanto.
Seja como for, com Blitzscaling ou não, sabe aquele estagiário que senta no fundo do
escritório, está sempre empolgado com as últimas novidades e tem algo aleatório para
compartilhar? Nossa sugestão é que você ouça com mais frequência o que ele tem a dizer. Se, em
2011, ele contasse que se hospedou em Berlim usando o serviço de uma startup incrível,
provavelmente ninguém daria muita bola. O mundo pensa que essas coisas são só um bando de
moleques de São Francisco oferecendo quartos para jovens, mas o bando de moleques está
aprendendo com seus erros, melhorando o aplicativo, aumentando o alcance e refinando a
proposta de valor. Enquanto a empresa voa abaixo do radar, ninguém a enfrenta, mas ela está
ganhando corpo, experiência e poder de mercado. Então, quando resolve pisar no acelerador, fica
difícil alcançá-la.
Foi justamente esse elemento-surpresa que fez Hoffman associar as startups à Segunda
Guerra, quando foi criado o termo “Blitzkrieg”. A tática militar consistia em ter soldados
carregando apenas o necessário, capazes de avançar rápido e surpreender os inimigos antes que
eles tivessem tempo de organizar o contra-ataque. Uma informação importante sobre esse tipo de
ação é que, uma vez que você avança, não há como voltar atrás: ou vai ganhar tudo, ou vai
perder feio26. Portanto, claro que é uma tática arriscada. O fundador do LinkedIn não descarta,
inclusive, o fato de que as empresas estabelecidas podem ser uma pedra no caminho desse
crescimento. Quando elas percebem a movimentação, começam a pensar em maneiras de usar
todos os seus ativos para garantir seu espaço. Se tiverem foco e velocidade, próximo ao que têm
as novas entrantes, podem se reinventar e manter a liderança de mercado.

ENTREGUE VALOR SEM AUMENTAR O CUSTO


Na ânsia de crescer rápido, outro paradigma das empresas inovadoras é que, ao contrário das
organizações tradicionais, elas não necessariamente se preocupam com lucro. É uma estratégia
que está sendo questionada em tempos de pandemia e de forte crise econômica mundial. Muitas
estão revendo essa abordagem, buscando maior eficiência no uso do capital em curto prazo e
relações mais equilibradas com seus clientes. No entanto, a maioria dessas empresas aceita ter
prejuízo por vários anos seguidos para conquistar uma posição monopolista, estratégia que deixa
muitos empresários experientes indignados. Geralmente, quem tem um negócio sólido, com
margem de lucro e geração de milhares de empregos não consegue imaginar uma operação como
essa. Mas fato é que o múltiplo de valor das empresas digitais é muito maior do que o das
tradicionais. No caso do Brasil, o Magazine Luiza, companhia exemplo de transformação digital,
é negociado na bolsa a um múltiplo (considerando o valor de mercado dividido pelo lucro da
empresa) de mais de 30027; já o Carrefour tem um múltiplo mais perto de 1528.
Essa ausência de compromisso com o lucro e margens saudáveis durante o período de
crescimento pode chacoalhar negócios tradicionais. Se uma nova empresa decide se atirar em um
setor com alta velocidade e caixa para queimar, confunde todos os concorrentes. Querendo
comprar mercado, joga os preços para baixo e cria ofertas que podem até ser insustentáveis no

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longo prazo, mas que atraem clientes rapidamente. É uma espécie de ataque vampiro, que suga
valor com o intuito de desestabilizar os concorrentes – e, muitas vezes, consegue.
Acreditamos que, com a crise da covid-19, a crença de que startup não tem de dar lucro talvez
fique no passado. Se antes da pandemia caixa era rei, agora é “Deus”, porque ter caixa é
fundamental para ter resiliência durante crises. Nesse período, muitas precisaram rever suas
estratégias, sentando no caixa e cortando custos ao mesmo tempo que procuravam gerar valor
para seus clientes em um momento difícil.
Contudo, não é só essa estratégia agressiva que faz com que as startups ou scaleups entreguem
mais valor para os clientes. Em muitos casos, elas encontram formas mais baratas e eficientes de
operar ou simplesmente percebem que são capazes de jogar um jogo controlado pelas grandes e
tradicionais ao explorarem margens acomodadas, por puro poder de mercado, em patamares
muito altos. A estratégia agressiva também lhes permite, em tempos de crise ou mudança de
regra do jogo, reagir mais rápido e se adaptar de maneira mais eficiente. Desse modo, a
transformação digital entrega valor para o cliente e tira das empresas, achatando ganhos.
Foi o que aconteceu com o Dollar Shave Club. A empresa, fundada em 2012 pelos norte-
americanos Mark Levine e Michael Dubin, peitou o monopólio das fabricantes de lâminas para
barbear e o conceito de que os consumidores estavam interessados em inovações como dez
lâminas ou cabo vibratório. O custo dessas “pirotecnias” encareceu o produto, e a tese do Dollar
Shave Club era que os homens não ligavam tanto para isso.
O modelo de negócio criado era simples: um clube de assinatura com entregas mensais de
aparelhos de barbear descartáveis. O pacote mais barato, com cinco cartuchos e duas lâminas,
custava apenas 1 dólar, mais o valor do frete. Além da simplicidade dos produtos, o preço muito
mais baixo deles em relação ao mercado era possível porque a empresa os fabricava na Ásia e
não precisava pagar as altas taxas para expô-los com destaque nas prateleiras das lojas – um
modelo simples, eficiente, que entregou valor para o cliente, ameaçando o modelo de gigantes
como a Gillette29. A empresa conseguiu um alto nível de fidelização de clientes e, em 2016, foi
comprada pela Unilever por 1 bilhão de dólares.
O caminho que o Dollar Shave Club trilhou revela outra lógica-chave das startups e scaleups
que lhes permite encontrar maneiras de entregar valor para o cliente: questionar os fundamentos.
Elas se aprofundam no problema para entender quais são as barreiras e as ineficiências, para
descobrir por que as coisas funcionam como funcionam para depois simplificá-las. Foi o que
aconteceu com os aparelhos de barbear. E, usando um exemplo nacional, foi o que aconteceu
com os aluguéis mais recentemente.
O QuintoAndar, empresa brasileira que se tornou um unicórnio em 2019 e vem atravessando
bem a crise com o repensar do real estate, foi fundado seis anos antes com o objetivo de facilitar
o processo de aluguel. Uma das grandes inovações do negócio foi acabar com a exigência de
fiador. No início, muitos aconselharam os fundadores a não investir nessa ideia, que seria muito
complexa de executar. Eles levaram mais de três anos para encontrar a solução e, quando haviam
escalado o suficiente em volume de clientes, montaram um serviço de proteção contra
inadimplência dentro de casa: fizeram um seguro para toda a carteira da empresa, sem depender
de terceiros30. Mais do que de tecnologia, o QuintoAndar precisou de ousadia e gente
especializada em risco para colocar esse projeto de pé. Os aluguéis fechados pela plataforma não
são necessariamente mais baratos, mas economizam muito tempo dos consumidores. A empresa
garante que reduziu o tempo médio de um aluguel de 40 para 4 dias31, com outras soluções como
o pioneirismo no uso de contratos digitais, que dispensou o trâmite nos cartórios para autenticar
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assinaturas. Durante a pandemia, a companhia tomou várias medidas para continuar operando em
meio ao rigoroso isolamento social imposto em algumas cidades, fazendo um processo de
aluguel 100% digital. Também criou o “negociômetro”, ferramenta para negociações voluntárias
entre inquilinos e proprietários, adiantamento de aluguéis, garantia de pagamentos em dia e até
um fundo de crédito para corretores e fotógrafos parceiros.

ESQUEÇA OS DISRUPTORES: FOQUE A DISRUPÇÃO


Parte do desafio a ser enfrentado pelas empresas tradicionais é entender qual é o inimigo. Seria
a startup da moda que está saindo na imprensa hoje? Ou uma ameaça ainda invisível que surgirá
em um futuro próximo? De que lado virá o ataque? Qual será a mudança de paradigma no
mercado?
A matriz BCG32, uma ferramenta de análise que ajuda a tomar decisões estratégicas, é uma das
provas de que é preciso atualizar o modelo mental. Nela, a orientação é focar os produtos ou
serviços com participação e crescimento de mercados elevados. Qualquer um que se atreva a
competir nesse quadrante e disputar clientes será atacado com tiro, porrada e bomba.
No entanto, não é por aí que costuma surgir a inovação. Os disruptores muitas vezes começam
pelas beiradas. Operam com participação baixa ou com crescimento tímido de início, mas vão
ganhando maturidade e expandindo sua relevância. Por isso, é preciso estar atento aos
movimentos que acontecem simultaneamente – os pequenos e os grandes. Se alguém está
tentando fazer negócios com uma lógica diferente, fique de olho, mesmo que a possibilidade de
sucesso pareça remota.
Outro ponto cego comum ao encarar a disrupção é focar apenas as empresas “da vez”, as
disruptoras que ganham projeção. Na verdade, mais importante do que entender uma iniciativa
específica é entender a lógica por trás dela, as tecnologias necessárias para tirar a ideia do papel e
as mudanças causadas no mercado. Isso porque companhias nascem e morrem. Pode ser que a
primeira a tentar emplacar uma inovação no mercado perca fôlego no meio do caminho e não
consiga ganhar o jogo. A marca desaparece, porém a ideia fica – e esta é mais importante.
A indústria da música, por exemplo, passou por diversas transformações desde a criação do
Napster, em 1999. O serviço de streaming de música acabou fechando dois anos depois, após
brigas na Justiça contra a indústria fonográfica, que o acusava de promover pirataria e
compartilhar arquivos protegidos por direitos autorais. Contudo, logo surgiram novos programas
baseados na mesma ideia, como WinMX e Kazaa. Seguiram-se anos de evolução para encontrar
um meio-termo entre a “pirataria” e a remuneração da indústria da música, mas a disrupção
colocada em curso pelo Napster continuou. O estrago já estava feito. Vieram o iTunes e, mais
tarde, serviços como Spotify e Deezer. Algumas características não mudaram: a descentralização
do poder das gravadoras, a digitalização em detrimento da mídia física e a possibilidade de ouvir
faixas individuais de música e não necessariamente comprar álbuns inteiros.
O mesmo aconteceu com a indústria de fitas de vídeo. Em novembro de 1975, nos Estados
Unidos, chegavam às prateleiras as fitas Betamax, produzidas pela Sony, que permitiam gravar a
programação exibida na televisão. A Sony foi alvo de processos movidos pela Universal Studios
e pela Disney por violação de direitos autorais. Em 1984, a decisão final foi favorável à Sony33,
mas, àquela altura, outras empresas já haviam desenvolvido tecnologias semelhantes, e o formato
Betamax perdeu espaço para o VHS, que, além de mais barato, possibilitava gravar por mais

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tempo, o suficiente para armazenar um filme inteiro34 – isso apesar de a tecnologia das fitas
Betamax ser de melhor resolução que a das VHS.
Olhar mais para a disrupção do que para o disruptor permite pensar em como uma
transformação aplicada a um mercado poderia gerar impacto em outros. Por exemplo: se o
modelo do Uber fosse usado para contratar encanador, o que poderia ser criado? Não é à toa que
tantos serviços que vieram depois do aplicativo de transporte foram apelidados com seu nome:
“o Uber da beleza”, “o Uber da faxina” ou “o Uber da saúde”, títulos usados pela imprensa para
se referir a outras startups que aplicaram a mesma lógica a nichos diferentes. Quando encontrar
novos modelos, pergunte-se: “Se alguém usar isso para fazer o que eu faço na minha empresa, o
que vai acontecer?”.
Outra dica: esqueça a cadeia de valor. As empresas em crescimento não se limitam a um
nicho, a tentar ser apenas um elo na cadeia. Elas querem gerar valor para o cliente do começo ao
fim e estão sempre em busca de um novo modelo de atuação para fazer isso. Às vezes, basta um
elo dessa cadeia para causar a disrupção de um setor, como mostra o livro Desvendando a cadeia
de valor do cliente, do brasileiro Thales Teixeira, que foi professor de Harvard por dez anos e
fundou uma consultoria especializada em disrupção digital. Ele apresentou o conceito de
decoupling.

O Uber não produziu carros, o Airbnb não construiu hotéis, porém ambos repensaram a
experiência em seus mercados usando tecnologia. Se os anos 1990 ficaram marcados pela
tentativa das grandes empresas de ganhar eficiência por meio da especialização, agora o nome do
jogo é experiência do consumidor, com as startups e scaleups mais preocupadas em entregar a
melhor experiência, concorrendo em várias frentes com suas plataformas. Ser digital significa
transcender as barreiras dos setores e dos modelos de negócio tradicionais35.
O WhatsApp é um bom exemplo de disrupção que pode transformar o mercado de pagamentos
brasileiro em um futuro próximo. Em 2019, alcançou o posto de aplicativo mais popular do
mundo36. Por aqui, “só” envia e recebe mensagens de texto, fotos, vídeos e documentos,
enquanto na Índia já permite enviar e receber dinheiro. Em junho de 2020, a empresa tentou
entrar com o WhatsApp Pay no Brasil, porém a iniciativa foi suspensa pelo Banco Central para
que fosse submetida a análise e regulação. A liberação pode levar algum tempo, mas imagine o
impacto para os bancos quando o aplicativo possibilitar a transferência de dinheiro entre usuários
ou for capaz de aceitar pagamentos. Isso significa que o WhatsApp pode deixar de ser apenas
uma plataforma de mensagens para se tornar uma fintech. Por isso, considere sempre a cadeia
inteira na hora de prever a disrupção.
Segundo os autores do livro Digital Vortex, Jeff Loucks, James Macaulay, Andy Noronha e
Michael Wade, pesquisadores e professores da escola de negócios suíça Institute for
Management Development (IMD), uma única plataforma de inovação pode ser usada para

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redefinir mercados que, à primeira vista, têm pouco em comum. Por isso, é difícil prever quais
serão os concorrentes do futuro e de onde eles sairão. “Os executivos podem ser vítimas de sua
própria falta de imaginação”, provocam37.
“A digitalização de produtos, serviços e processos permite às empresas disruptivas entregar o
mesmo valor de um competidor tradicional ou até mesmo aumentá-lo, sem precisar reproduzir a
cadeia de valor tradicional. Na verdade, esse é o objetivo fundamental dos disruptores digitais:
oferecer um valor maior ao consumidor final, evitando investimentos de capital, exigências
regulatórias e outros impedimentos dos incumbentes”, escrevem os autores38.
Todos esses detalhes sobre a lógica da inovação e da operação das startups não são apenas
informações para torturar quem comanda ou faz parte de uma empresa tradicional. É fato que
esse contexto deixa muitas pessoas angustiadas, principalmente as que percebem que estão
trabalhando de maneira bem distante disso. Contudo, além do choque de realidade, elas servem
para vislumbrar o futuro. A ameaça, quando vem de tantos lados, pode parecer imprevisível, mas
não é exatamente assim. Olhar para setores já transformados e para modelos de disrupção
permite desenhar uma linha do tempo, encontrar uma lógica, traçar cenários prováveis. Não dá
para se fazer de vítima, como se fosse um beco sem saída. O mundo está cheio de exemplos de
setores atingidos pela disrupção e de paralelos esperando para serem traçados.

POR QUE É TÃO DIFÍCIL SE MEXER?


Uma pesquisa divulgada em 2018 pela consultoria estratégica McKinsey revelou um dado
surpreendente: das empresas entrevistadas, apenas 8% diziam ter um modelo de negócio que
permaneceria economicamente viável se as respectivas indústrias seguissem o ritmo de
transformação digital39. Naquele momento, esse tema já era bastante discutido no mundo
corporativo. Não faltavam livros, estudos de caso, consultores especializados em transformação
nem executivos de cabelos em pé ansiosos por uma solução. Então, o número baixo causava
estranheza. Se todo mundo estava preocupado com o futuro, por que havia tão poucas
companhias preparadas?
Avançamos para 2020. Pouco antes de a pandemia atingir o Brasil, o cenário parecia ter
mudado pouco. Durante um dos cursos sobre transformação digital que organizamos em
fevereiro, questionamos os participantes sobre qual era a atitude dos líderes de suas empresas
diante da disrupção. Cerca de 15% disseram que havia uma resposta ativa; em torno de 65%
classificaram a abordagem dos líderes como de “seguidores”, ou seja, eles estavam se mexendo
sem de fato criar algo inovador; e, surpreendentemente, o restante afirmou não reconhecer
atitude alguma. Por outro lado, 96% das pessoas na sala afirmaram que o impacto da disrupção
em suas companhias seria grande.
Parecia contraditório. A percepção da urgência só aumentava, mas a velocidade da resposta e
da mudança não. Com o início do isolamento social, as estratégias de transformação enfim se
aceleraram. Mas por que é tão difícil se mexer? Por que precisamos de uma crise de proporções
catastróficas para desengavetar projetos aparentemente simples como home office ou delivery?
Temos algumas hipóteses. A primeira delas é que muitas empresas começam o processo como
a Gerdau – empresa estabelecida, de sucesso e com geração previsível de caixa, que citamos no
início do capítulo. Sem saber muito bem a direção, investem em tecnologia e levam algum tempo
para compreender que a mudança passa por uma nova mentalidade e por um novo modelo de
negócio. Contratam cientistas de dados com salários altos, porém a liderança continua preferindo

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seguir sua intuição e seu conhecimento do mercado. Apaixonam-se pelo conceito de agile, mas
recusam-se a dar autonomia para a equipe.
Não é raro que as iniciativas de transformação digital gerem mais “fumaça”, levem à perda de
foco e, consequentemente, à diminuição dos resultados de curso prazo, talvez um dos maiores
temores dos líderes de grandes empresas. Um professor do IMD certa vez usou um exemplo
engraçado para explicar esse processo durante uma aula para executivos a que um de nós –
Antonio – assistiu. Como estávamos na Suíça, ele comparou as organizações com um grupo de
vacas, um dos símbolos do país. Quando a vaca ouve um barulho, ela se move, concentra-se
naquele som diferente. Enquanto sua atenção está voltada para a origem do barulho, ela deixa de
pastar e de dar leite. Ou seja, se há distrações demais, as vacas (e as pessoas) deixam de fazer o
que deveriam e se perdem.
Outra hipótese é que se mexer dói, especialmente no bolso. Para algumas scaleups, a estratégia
de Blitzscaling pode ser a diferença entre tudo e nada. Mas e as empresas tradicionais, que já têm
uma reputação, uma fonte sólida de receita e milhares ou milhões de clientes ativos? Como
tomar coragem para se arriscar e fazer um investimento aparentemente sem retorno quando o
placar do mercado ainda está a seu favor? Como construir um novo modelo de negócio se a
equipe inteira tem meta para fechar no fim do trimestre? A tentação de proteger uma companhia
e os cargos que nela existem pode tornar as pessoas ainda mais resistentes à mudança.
Enfrentar a inércia, estruturar um plano de transformação e ao mesmo tempo manter a saúde
financeira da empresa, convenhamos, é um baita desafio. Trata-se de um processo difícil de
realizar, com taxa de sucesso pequena – apenas 16% das organizações obtêm melhoria
sustentável de performance40.

JÁ VIMOS ESSE FILME ANTES


Qualquer processo de transformação é desafiador. Podemos falar por experiência, porque essa
não é a primeira vez que testemunhamos mudanças profundas e simultâneas em vários setores.
Na década de 1990, muitas companhias brasileiras passaram por um processo de reengenharia,
uma mudança de gestão aliada à tecnologia que teoricamente resultaria em melhorias
operacionais e aumento da competitividade. As empresas haviam ficado muito grandes e era
preciso reduzir a complexidade. A reengenharia permitia diminuir os níveis hierárquicos e
terceirizar parte da operação.
Os softwares de gestão, como os de sistema de gestão integrado (ERP, na sigla em inglês),
foram parte importante dessa mudança, porque permitiam eliminar camadas de gestão. O final
dos anos 1990 foi o pico da utilização do sistema da SAP no Brasil. Houve muitas demissões
nessa época, pois as máquinas garantiam um bom gerenciamento da empresa mesmo com menos
gente.
Com a reengenharia, foi quebrado um contrato informal que existia entre as grandes empresas
e os funcionários: o que estabelecia que, se eles trabalhassem bem e fossem bons colaboradores,
teriam o emprego garantido para sempre e se aposentariam tranquilos. Foi duro. Muitas pessoas
se desestruturaram. Algumas nunca mais encontraram lugar no mercado. Neste momento de
covid-19, assistimos a um movimento parecido, ainda mais violento. É possível que as empresas
eliminem posições. Outras podem não sobreviver à crise, fechar e gerar uma enorme economia
informal. Preocupante, mas talvez inevitável – resta pensar em como nossa espécie, especialista
em sobreviver em ambientes de mudança, lidará com esse novo contexto.

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O curioso é que durante o período de reengenharia, na adaptação ao novo sistema, aconteciam
reações muito parecidas às da transformação digital que vivemos hoje. Um de nós – Antonio –,
atuando como consultor de implementação de SAP, via diariamente as pessoas querendo mudar,
mas sem abandonar seus hábitos. Queriam fazer diferente – desde que fosse exatamente igual ao
que faziam antes. Os sistemas permitiam uma nova lógica, abriam a possibilidade de as empresas
pensarem e se organizarem de outra maneira. No entanto, os times exigiam visualizar as mesmas
informações que tinham em suas velhas planilhas. Era difícil pensar diferente.
Certa vez, ao redefinir o processo de compras em uma indústria que estava saindo da máquina
de escrever para o SAP, um dos conselheiros perguntou qual seria a função do funcionário
comprador. “Ele só vai ficar apertando botão?” Foram alguns minutos de explicação para
mostrar que na verdade seu papel mudaria. Ao apertar um botão, o comprador teria acesso a
dezenas de informações para guiar sua decisão, eventualmente pensar em novas estratégias, ter
ideias sobre o processo. O conselheiro continuou com um olhar de interrogação. E talvez aquele
comprador tenha passado boa parte dos anos seguintes só apertando um botão.
Em qualquer processo como aquele, era preciso treinar as pessoas para a tecnologia, explicar a
elas o novo sistema, quais seriam os impactos em cada área, quais as novas habilidades
necessárias. Essa era a abordagem que atendia pelo nome de change management ou gestão de
mudanças: olhar o lado organizacional e o humano com o advento da tecnologia. Contudo, pouca
gente conseguia abrir a cabeça para agir diferente. Resumo da história: as companhias passavam
dois anos configurando o sistema, gastavam muito dinheiro e, ao final, se frustravam, porque
nada mudava na organização. Já nessa época circulava uma piada: OO+NT=EOO (old
organization + new technology = expensive old organization41). Qualquer semelhança não é mera
coincidência.
No início dos anos 2000, a tecnologia tinha finalmente batido à porta das áreas de recursos
humanos. Nós dois já nos conhecíamos e organizamos um congresso para discutir o assunto.
Pegamos o final do RH voltado para funções sindicais ou transacionais – a transição para uma
área com mais tecnologia e indicadores, com mais administradores e engenheiros ou mesmo
especialistas em psicologia mais pragmáticos. Quem vendia sistemas com pacotes de RH para as
empresas nessa época encontrava resistência justamente... no time de RH. Eram os profissionais
que mais seriam beneficiados, pois a tecnologia os ajudaria a tomar decisões para as pessoas da
empresa de maneira mais inteligente, com base em dados. No entanto, como não entendiam de
que modo isso funcionaria e sentiam medo de perder espaço, barravam a novidade.
Alguns dos executivos mais experientes com quem conversamos para este livro provam por
seu histórico que mudanças nunca foram fáceis. Jacques Nasser, fundador da Compugraf,
empresa especializada em segurança da informação, é empreendedor há mais de 30 anos. Em seu
mercado, já viveu diversas ondas de transformação, incluindo a chegada da internet comercial ao
Brasil na década de 1990. Segundo ele, as pessoas resistem à mudança porque para a equipe é
apenas mais uma tarefa em seu dia a dia. “Quando a empresa é maior, há mais pessoas resistindo
à mudança. Mas eu enxergo a mudança como algo que sempre podemos e precisamos
acompanhar”, diz.
Alguns pesquisadores ajudam a explicar essa resistência à mudança do ponto de vista
psicológico. Dan Ariely, professor de psicologia e economia comportamental na Universidade de
Duke, afirmou em uma entrevista que fazer algo diferente expõe uma pessoa ou uma instituição a
críticas e a um possível arrependimento. Quem não faz nada além do já conhecido dificilmente
chama a atenção. A discussão era sobre mudanças em governos42, mas o argumento se aplica
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muito bem a empresas. De certa maneira, é o que diz a Teoria da Perspectiva43, dos psicólogos
Daniel Kahneman e Amos Tversky44. Eles mostraram que, para uma situação equivalente, uma
pessoa sofre mais com a perda do que com o ganho – a tristeza de perder 50 reais é mais intensa
do que a felicidade de ganhar a mesma quantia. Portanto, o ser humano evita perdas mais do que
tenta obter ganhos. Outro argumento é que a transformação é exaustiva, porque em toda situação
de mudança substituímos os hábitos familiares por outros novos, o que exige um monitoramento
constante de cada passo, prestar atenção para não voltar ao antigo hábito45.
Ronaldo Iabrudi, que hoje atua como conselheiro em diversas empresas, foi presidente e CEO
do Grupo Pão de Açúcar, da Magnesita, da Telemar e da Ferrovia Centro-Atlântica. Na Telemar,
viveu uma intensa experiência de transformação. Era o início dos anos 2000, após a privatização
das telecomunicações no Brasil. As lideranças do setor já sabiam que tinham de construir as
chamadas “estradas digitais” e que a telefonia móvel era o futuro. No entanto, a infraestrutura de
telefonia fixa no país ainda era deficiente. Isso significava que Iabrudi precisava ter boa parte de
seu orçamento indo para uma tecnologia que seria substituída na década seguinte – como de fato
aconteceu. Em 2018, apenas um terço dos lares brasileiros tinha telefone fixo, segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), elaborada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)46.
O papel de Iabrudi naquele momento era a difícil tarefa de administrar o conflito entre o
presente e o futuro. Sem os recursos da telefonia fixa, a Telemar não teria como construir a
estrutura para a tecnologia móvel. Afinal, metade do Ebitda (lucro antes de juros, impostos,
depreciação e amortização) vinha da telefonia fixa, e sem a telefonia móvel não haveria
sobrevivência no longo prazo. Ele precisou tomar uma decisão com base na crença de que aquele
futuro chegaria e que fazer só o urgente não seria suficiente.
Quando decidiu, teve de lidar com dois dilemas: primeiro, um orçamento que precisava ser
separado e usado sem perspectiva rápida de retorno; segundo, a criação de duas equipes, que
andariam em diferentes velocidades – uma delas ciente de que logo ficaria no passado. “Uma
empresa de telefonia investia 20% da receita por ano e, para tomar uma decisão sobre esse
investimento, se gastava muito tempo. A telefonia móvel, em um primeiro momento, investia
mais do que 20% e, se você demorasse três meses para tomar uma decisão, perderia o passo”,
conta.
A sensação que ele tinha no cargo era de estar sempre equilibrando os dois lados para não
perder a mão. “O maior desafio é você ter todas essas dúvidas, reconhecer essa dualidade, mas
no dia a dia com a equipe ser o mais claro possível.” Relembrando aquele momento e tantas
transformações pelas quais passou, Iabrudi conclui que sempre haverá o dilema entre o que gera
receita hoje e o investimento para o futuro; sempre haverá dúvidas pairando sobre o executivo;
sempre haverá conflito entre as pessoas que vivem em dois mundos distintos. Para ele, o que
distingue o processo de transformação digital mais recente dos anteriores é principalmente a
velocidade da mudança.

AJA AGORA
Apesar das semelhanças entre as ondas de mudanças no mundo corporativo, acreditamos que
duas peculiaridades diferenciam esse momento de transformação digital. A primeira delas, como
disse Iabrudi, é a velocidade. Um projeto de ERP que demora dois anos para ser implementado é
absolutamente impensável hoje. Foi em um período de dois anos que a Rappi, empresa de

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delivery, conseguiu colocar em caixa, com o aporte de fundos de investimento como o SoftBank,
mais dinheiro do que alguns dos maiores varejistas brasileiros, somados, tinham de Capex47 para
investir. Essas empresas, construídas em décadas, empregavam juntas mais de 250 mil pessoas.
A Rappi, no final de 2019, era uma companhia de 3 mil pessoas, além de milhares de parceiros
entregadores. Seria possível antecipar esse movimento? Muito difícil. Daria para vencê-lo a
partir de um plano estratégico de dois anos? Talvez, mas só por milagre. E como se preparar para
uma crise de proporções mundiais como a que vivemos em 2020? Provavelmente atuando nos
fundamentos, pois o digital permite a flexibilidade e a resiliência necessárias.
Reid Hoffman explica que a movimentação rápida é fundamental na era de conexão em que
vivemos. Essa conexão se dá pela internet, mas também pela globalização e pela adoção de
softwares por todas as indústrias48. As barreiras mundiais para circulação de transporte,
comércio, pagamento e informação foram derrubadas – ou pelo menos parecia assim até a
pandemia e a polarização política, que resultaram em um recrudescimento das barreiras. A
tendência, parece, é que a competição pode vir de qualquer lugar, porque a proteção
demográfica, geográfica ou de relacionamento já não garante vantagem. Além disso, o uso de
softwares permite atender cada vez mais clientes a um custo menor. No entanto, é preciso
observar qual será a rota da globalização nos próximos anos.
A segunda diferença dessa onda de transformação em relação às anteriores é o fato de
modificar de maneira brutal a natureza dos negócios. O objetivo do processo de reengenharia,
por exemplo, era basicamente fazer a empresa sair mais magra do outro lado. Tudo se baseava
em como executar de modo mais eficiente as rotinas que a organização já tinha, em substituir as
camadas de gestão do sistema. Agora, é um momento de mexer profundamente e mudar a
natureza dos negócios. Transformação digital não é mandar pessoas embora porque o call center
ganhou ferramentas de inteligência artificial ou realizar por Zoom as mesmas reuniões de três
horas que aconteciam no escritório. É levar as pessoas que permanecem no call center, os líderes
dessa unidade, a repensar sua função no negócio e em como as informações às quais têm acesso
podem trazer ideias sobre o futuro do produto ou serviço oferecido.
O contexto já não era favorável para quem queria sentar e esperar. Com a pandemia, então,
ficou claro que só as empresas dispostas para a mudança terão alguma chance de continuar
relevantes. Absolutamente todos os setores tiveram de se reinventar – telecomunicações,
entretenimento, turismo, indústria, moda, restaurantes e tantos outros.
Segundo a McKinsey, na era da transformação digital, quem se mexe rápido leva vantagem49.
No passado, quando as companhias enfrentavam incerteza e volatilidade, uma estratégia comum
era observar por um tempo e agir assim que a poeira baixasse. No mundo digital, no entanto,
quem sai na frente tem maior possibilidade de sobreviver e se torna mais resiliente diante das
intempéries. A consultoria descobriu que nas empresas que se moviam rápido o aumento de
receita em um período de três anos foi duas vezes maior do que naquelas que não se arriscavam.
A hipótese para explicar isso é que quem começa antes tem a oportunidade de testar e aprender
mais rápido. A velocidade e o alto risco da disrupção digital tornam improvável que as
organizações tenham sucesso ao adotar uma abordagem de fast followers50. Ou seja, tentar
alcançar o concorrente copiando e agindo rápido talvez não seja mais suficiente.
A pandemia relembrou a todos, de maneira radical, que fazer nada é a receita para assistir de
camarote a seu mercado encolher todos os dias. Executivos e empreendedores tiveram de
rapidamente buscar soluções para consumidores com novas demandas e funcionários que
precisavam de um novo modelo de trabalho. Quanto mais cedo as ações são colocadas em
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prática, melhor é, porque a mudança nos negócios envolve muito mais detalhes do que só
comprar uma nova tecnologia. Pode até ser que esse seja o começo – como plugar o restaurante
em uma plataforma de delivery –, mas a jornada de transformação será longa e cheia de
aprendizados. Depois de embarcar novas ferramentas, funções serão transformadas, até que a
organização se reinvente.
Que lugar sua empresa vai ocupar no mundo? Quem serão as pessoas que você precisará ter ao
seu lado para garantir esse espaço? No que você vai apostar e o que vai deixar para trás? Evite
entrar em pânico, porque a ansiedade prejudica a concentração. É hora de encontrar seu foco.

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CAPÍTULO 2

ENCONTRE O SEU FOCO

O DESIGNER BRITÂNICO JONY IVE foi um dos executivos mais influentes da


história da Apple. Responsável pela criação de produtos como iMac, iPhone e MacBook, ele
trabalhou muitos anos ao lado de Steve Jobs, cofundador da companhia e outra figura icônica do
mundo dos negócios. Em 2014, durante um evento promovido pela revista norte-americana
Vanity Fair51, Ive foi questionado sobre as lições que aprendeu com Jobs.
Para dar sua primeira resposta, ele pareceu escolher as palavras. “Pode soar simplista, mas até
hoje fico impressionado com quão poucas pessoas de fato praticam isso”, afirmou, antes de
revelar que o aprendizado em questão era o foco. Segundo Ive, foco não é apenas uma decisão
tomada toda segunda-feira sobre “No que vou me concentrar hoje?”, e sim um questionamento
ininterrupto, que deve ser feito a cada conversa ou tarefa: “Por que estamos falando disso?”, “É
nisso que estamos trabalhando?”. É, principalmente, a capacidade de dizer não a ideias nas quais
você acredita e adoraria investir seu tempo, mas que não pode priorizar agora porque está focado
em algo diferente.
Portanto, foco não é fazer as escolhas fáceis, adiar para a semana que vem aquela tarefa chata
e nem tão urgente assim ou aquele projeto com baixo potencial. É fazer sacrifícios, deixar de
lado, no caso de empresas, aquilo que tanto seu racional como seu emocional dizem que é algo
interessante, mas que não é o mais certo para aquele momento.
Acreditamos que a lição de Ive é essencial para atravessar a transformação. Saber que a
mudança chega em alta velocidade pode levar os líderes das organizações a um desespero tão
grande que eles ficam cegos diante das prioridades. As pessoas começam a pensar na disrupção
como se fosse algo mágico – afinal, permite criar valor onde antes não existia nenhum. Há uma
ansiedade no ambiente e uma sensação cada vez mais intensa de FOMO (sigla de fear of missing
out, ou “medo de ficar de fora”, em tradução livre). Isso gera um constante estado de alerta.
“Quando acontecerá a próxima mágica? Quando vou embarcar nela?” Diante de qualquer
novidade, o impulso é agir, pular dentro em vez de parar e olhar, exatamente o contrário de um
movimento com foco e estratégia. Agir rápido é necessário, mas agir sem pensar é suicídio.
Em tempos turbulentos, não dá para perder a âncora e navegar ao sabor das ondas. É muito
importante a empresa não esquecer os fundamentos, ou seja, lembrar a todo momento, como
ensinado por Jobs, quem é e qual sua missão. Até porque a ameaça das novas companhias, que
no presente parecem tão assustadoras, pode nem se sustentar no longo prazo, com algumas delas
ficando pelo caminho. O que importa não é a cadeia, e sim a geração de valor. O que sua
empresa está entregando para os clientes?
O Uber, por exemplo, desde que fez sua oferta pública inicial (IPO, sigla em inglês de initial
public offering) nos Estados Unidos, em maio de 2019, está deixando claro que não tem previsão
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de dar lucro. No segundo trimestre de 2020, reportou prejuízo de 1,8 bilhão de dólares. O que
acontecerá se nunca registrar resultado positivo na última linha do balanço?
O WeWork, rede de escritórios compartilhados que estampou capas de revistas no mundo
inteiro, viu-se no centro de um escândalo no final de 2019 depois de solicitar a abertura de
capital. Com gastos elevados, prejuízo e e questionamentos em relação à postura do CEO – como
adquirir prédios com o objetivo de alugá-los para sua própria empresa –, em poucos meses a
companhia que prometia ser o futuro dos escritórios comerciais estava com a sobrevivência em
risco. A situação só piorou no primeiro semestre de 2020, com a pandemia do novo coronavírus
diminuindo a procura de pessoas e organizações por espaços de escritório. No segundo trimestre,
o número de clientes diminuiu de 693 mil para 612 mil52.
Tudo isso para dizer que não dá para se desesperar em um ambiente incerto e instável e reagir
sem reflexão, perdendo o foco por prestar atenção apenas ao que a concorrência está fazendo. A
excitação com cada ideia da moda pode levar ao fracasso quem investe só pela vontade de não
deixar dinheiro na mesa.
Outro dia, um garoto cheio de energia chamou um de nós – Antonio – para conversar. Queria
investimento para sua startup. Depois de algumas perguntas para entender o negócio e de contar
todos os erros que estava cometendo, ele abriu o jogo: “Eu ainda não contratei alguém bom de
tecnologia para ser CTO, mas, honestamente, essa minha primeira empresa não vai ser um
unicórnio. Talvez a segunda ou a terceira seja”. Então, era melhor esperar até a quarta para
colocar dinheiro na ideia dele. Impressão ao final da conversa? O garoto queria mais ganhar
dinheiro do que mudar o mundo – o que não é ruim, porém as empresas que escalam rápido
dificilmente têm o ganho financeiro como única motivação. Ele estava vendo o pote de ouro que
alguns empreendedores vinham acessando e tinha medo de ficar de fora. No entanto, nem tudo o
que brilha é ouro. Será que em seu negócio você não está se deixando levar pela novidade em
vez de fazer as escolhas difíceis, preocupando-se mais com a cadeia do que com a geração de
valor de verdade?

QUEM É VOCÊ?
O Bar Lagoa é famoso no Rio de Janeiro pelos garçons mal-humorados. Para um carioca ser
bem atendido, precisa ser cliente fiel da casa. Apenas quem vai ao local com frequência
conquista o coração de seus funcionários. Esse seleto grupo de pessoas é recebido com todos os
mimos. Elas ganham abraços, beijos e um chope gelado assim que sentam na cadeira. Nem
precisam pedir a comida, porque o atendente já conhece seu prato preferido.
Os paulistas e outros turistas que se aventuram a conhecer o Bar Lagoa geralmente relatam
experiências terríveis. Os garçons dizem que não há lugar disponível, mesmo quando uma mesa
está vazia. Quem ousa sentar sem autorização descobre logo que não adianta brigar – os
funcionários retiram a mesa escolhida e a levam no muque para outro canto, para acomodar um
cliente fiel que acaba de chegar.
Os garçons do Bar Lagoa podem não ser os mais amados pelos forasteiros, mas o propósito é
claro. Para os consumidores fiéis, que pagam a conta do mês, eles oferecem a melhor experiência
e carinho. Isso faz com que frequentadores assíduos saibam que nunca disputarão a atenção com
os turistas, o que torna o local um refúgio para os moradores.
O Bar Lagoa jamais seria um case estudado por Harvard, porém gostamos de sua história,
porque acreditamos que as empresas, assim como os indivíduos, precisam ter consciência de

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quem são (e de quem não são), conhecer suas potências e competências. Odiado por uns, mas
amado por outros tantos, o estabelecimento sabe quais são suas prioridades e possui uma
identidade bem definida. Se você é um lobo, em vez de tentar se passar por um cordeiro, assuma
sua identidade.
Em meio às transformações, é grande o risco de perder o norte e esquecer os fundamentos. O
primeiro passo para manter o foco é a organização saber quem é. Crenças não devem ser jogadas
fora ao menor sinal de mudança. Ao contrário, o importante nessa hora é se lembrar delas. O que
a companhia mais preza? Do que não abre mão? Quais são suas fortalezas?
Como afirma Sunil Gupta, professor de Harvard e especialista em estratégias digitais, as
empresas tendem, com frequência, a ser seduzidas pela última tecnologia ou pelo modelo de
negócio de uma startup da moda. “Mas, enquanto as incumbentes devem sempre aprender com
os outros negócios, elas devem permanecer fiéis a seu DNA e usar os ativos que possuem.”53
Empresas maiores e estabelecidas costumam ter como aliados uma cultura já construída e
valores sólidos que lhes permitem estabelecer limites que não serão cruzados. O Bradesco, que
durante muito tempo foi conhecido por sua hierarquia e por dar às pessoas a oportunidade de
construir carreiras inteiras na organização. É preciso começar na sede administrativa, na Cidade
de Deus, em Osasco, Grande São Paulo. Por tempo e por volume de trabalho, os funcionários
vão sendo promovidos e estimulados a ficar. A companhia é absolutamente coerente, e quem
gosta desse sistema cresce feliz da vida ali – desde 2016 o banco figura entre as 150 melhores
empresas para trabalhar no ranking do Great Place to Work (GPTW). Descaracterizar o Bradesco
em nome da transformação digital talvez o desfigurasse a ponto de levá-lo a perder
completamente sua identidade e seus diferenciais. Isso não significa que ele não possa inovar,
como fez ao criar o banco digital Next, que começou o ano de 2020 com 2 milhões de usuários54,
e a Bia, assistente virtual com inteligência artificial. No entanto, uma empresa com fundamentos
sólidos, na hora de se reinventar para o digital, precisa passar por discussões profundas sobre
quais aspectos da cultura manter e quais mudar.
Líderes com os quais conversamos revelaram alguns dos valores que jamais colocariam em
risco em nome de transformações. Suzana Pamplona, da Natura, conta que ferir a marca e fazer
escolhas que sejam contra a sustentabilidade não é uma opção. A empresa foi uma das pioneiras
a trazer esse conceito para o Brasil, como não fazer testes em animais, respeitar a biodiversidade
e cuidar da cadeia produtiva. Isso pode até impedir algumas decisões de serem tomadas com
mais velocidade, mas é um direcionamento inquestionável, que se perpetua em todos os times.
Foi inclusive essa característica que ajudou a Natura a focar algumas de suas marcas para o
público jovem, que valoriza ainda mais seus parâmetros sustentáveis. Fiel ao que é, conseguiu
fazer uma transição menos forçada. “É uma grande empresa, muito responsável e que tem o seu
próprio tempo de tomada de decisão. Por ser uma empresa relacional, valorizamos conversar e
aprofundar decisões que precisam ser mais pensadas”, conta Suzana.
Jacques Nasser, da Compugraf, jamais comprometeria sua reputação e o cuidado extremo com
os clientes. Ao contrário de startups jovens, que aceitam mais os erros e os tropeços com alguns
clientes na fase de aprendizado, ele não colocaria em risco clientes fiéis cultivados por mais de
15 anos, que escolhem sua empresa justamente porque sabem que estão protegidos. O fato de ter
uma operação 24/7, com cuidado contínuo e entregas sempre no prazo e com qualidade não é
algo que Nasser está disposto a abrir mão. Também não renuncia a uma postura mais
conservadora nas finanças, evitando riscos cambiais e de crédito. Endividar-se para crescer é
impensável.
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Claro que, por um lado, é preciso entender quais são as crenças e os valores que caracterizam
a empresa. Por outro, para fazer a transformação digital, não dá para ter uma postura cabeça-dura
e não querer mexer em absolutamente nada. Uma coisa é coerência, outra é teimosia e apego ao
passado. Ficar parado não é uma alternativa. Então, como partir de uma base sólida para
competir em um novo contexto? Como usar as competências já existentes para ir em direção à
inovação?

A PERGUNTA-CHAVE: “O QUE É INEGOCIÁVEL?”


Em projetos de estratégia de transformação, uma boa pergunta para começar a conversa com a
liderança é: “O que é inegociável para você?” – com um desafio: a lista não pode ter mais do que
três itens. Esse exercício provoca uma reflexão sobre o que, inicialmente, a organização vai ter
como balizadores da mudança – aqui é possível flexibilizar, aqui não dá para mexer.

O modelo acima é um exemplo prático de como fazer esse exercício. Em uma cartolina ou um
quadro branco, a liderança deve fixar post-its, de um lado, com o que acredita que precisa ser
feito e, do outro, com o que não será feito. Geralmente, após a primeira rodada de reflexão, cada
lado fica com cerca de 20 post-its, em um total de 40 inegociáveis. É preciso, então, diminuir a
lista. O esforço é mover os post-its de dentro para fora, até que restem apenas três inegociáveis
de “vamos fazer” e três de “não vamos fazer”.
Esse diálogo serve também como um acordo de partida, para garantir que todos saibam quais
trilhas é possível seguir – uma espécie de manual para tomar decisões, sem que seja necessário
provar conceitos o tempo inteiro. No início da transformação digital no Grupo Pão de Açúcar,
por exemplo, havia dois aspectos que não seriam colocados em xeque. O primeiro era a
manutenção da loja – o ponto físico se transformaria, mas permaneceria como aspecto
fundamental do negócio –, e o segundo, bastante pragmatismo, típico do varejo, e a necessidade
de retorno de curto prazo – não adiantaria sonhar com projetos que precisassem de alto
investimento para entregar resultado em cinco anos. Esses seriam os balizadores.
Nem sempre os inegociáveis são racionais para quem olha de fora. Nesse processo, podem
surgir parâmetros que só fazem sentido para quem está na organização, mas essa é a ideia de
trazê-los à tona, para que pelo menos haja uma consciência sobre quais limitadores estão na
mesa. Fazer esse mapeamento é como um exercício de autoconhecimento corporativo.
Um de nós – Daniel – trabalhou com uma empresa de software cujo time adorava a atividade
de desenvolvimento. Durante uma discussão da estratégia surgiu a intenção de buscar escala.
Portanto, faria sentido criar um produto formatado, que pudesse ser vendido de maneira
repetitiva para vários clientes simultaneamente, em formato SaaS (Software as a Service, ou
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software como serviço). Porém a ideia foi refutada. Não havia dúvida de que a equipe
rapidamente se frustraria, pois o que movia o negócio eram o desafio e a customização caso a
caso. Se fosse para padronizar produtos, talvez perdesse o sentido existir, pelo menos para aquela
composição de pessoas. Os investidores não ficaram nem um pouco felizes com essa percepção.
Não é raro os inegociáveis aparecerem no meio da transformação. Há alguns a princípio
invisíveis, que só são reconhecidos quando desafiados. Assim que as mudanças começam a ser
implementadas, parâmetros operacionais antigos e conjuntos de crenças profundamente
arraigadas podem emergir e atrapalhar os planos. Nesse momento é fundamental não ser
retrógrado e pensar: o que é razoável manter e o que está na hora de abrir mão?
Não dá para ser escravo dos acordos. A pandemia do coronavírus provou isso de maneira
violenta. Muitas companhias que jamais pensaram em colocar os funcionários para trabalhar de
casa – o varejo e outros setores de serviço com grande contato com o público sempre resistiram a
essa ideia – tiveram de se adaptar. Descobriram que fazer videoconferência e operação remota
não impede que tudo continue funcionando bem. Crises colocam inegociáveis contra a parede e
obrigam a revisitar conceitos. Se for relevante mudar rápido, faça isso sem saudosismo.
Saber quem a empresa é também passa por ter clareza sobre seus pontos fortes. Em um
cenário de competição acirrada, com novas entrantes pensando mais no valor que entregam para
o mundo do que respeitando a cadeia de valor tradicional, é preciso usar todas as potências
disponíveis para sobreviver.
Trabalhar com varejo ensinou a um de nós – Antonio – uma lição importante, que vale para
todos nesse momento: não conserte o que não está quebrado. Não comece uma transformação
pelo que está funcionando bem. Isso ajuda a não perder o foco e proteger o que já existe de bom.

VANTAGENS COMPETITIVAS E AS PEPITAS DE OURO


Em negócios estabelecidos, as vantagens não são poucas. Uma pesquisa feita com executivos
apontou que acesso a capital, marca forte e ampla base de clientes estão entre as mais citadas55.
Também daria para adicionar a essa lista competências desenvolvidas ao longo de anos de
experiência, capilaridade regional, canais de atendimento estabelecidos, rede de relacionamento e
backoffice estruturado. Negócios nesse estágio têm mais potência do que imaginam.
No entanto, o que falta para muitos é ter uma compreensão objetiva de seus diferenciais e
ativos estratégicos. Se alguém fizer essa pergunta para a liderança é alta a chance de ouvir uma
resposta titubeante. Esse é mais um exercício fundamental de autoconhecimento corporativo.
A pergunta-chave aqui pode ser feita da seguinte forma: “O que é único em nossa organização
que nos torna competitivos?”. Se a empresa compete por preço, o que a faz ser consistentemente
mais barata? Se compete por diferenciação, o que a faz ser consistentemente preferida por seus
consumidores?
Há dois pontos de atenção no momento de avaliar as vantagens competitivas. O primeiro é não
considerar apenas processos isolados, mas ter uma visão do todo, de como a articulação fina de
vários processos e competências é que constrói vantagens competitivas sólidas. As empresas
dedicam pouco tempo para garantir essa coerência sistêmica. Pode ser que a área comercial
acredite que o diferencial está no volume de compras e na negociação com fornecedores. Já a de
operações tem certeza de que é a capilaridade das lojas e a logística, a agilidade de movimentar o
estoque. Mas, afinal, o que realmente aquela companhia sabe fazer melhor? Uma vez que haja

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um consenso, é preciso assegurar que toda a organização o entenda e que uma parte importante
da estratégia seja para nutri-lo – pois a vantagem competitiva precisa ser nutrida.
O segundo ponto de atenção é a dificuldade de extrair as “pepitas de ouro” encravadas nas
engrenagens organizacionais. Algumas empresas não gastam o tempo necessário para que as
vantagens competitivas se tornem realmente sua alavanca de diferenciação e crescimento. As
“pepitas” ficam escondidas pela rotina do dia a dia, pelas pressões de curto prazo. Não são
percebidas nem lapidadas. E, quando a liderança tenta pegar esses ativos estratégicos e reutilizá-
los de uma forma nova, esbarra em dificuldades. É como se o recurso existisse, mas não
estivesse disponível.
Um exemplo são organizações que possuem marcas fortes, com times de marketing que não
estão acostumados a trabalhar com branding. As pessoas avaliam as ações levando em conta
promoções e vendas, porém deixam de nutrir esse ativo ou pensar em como explorar a marca em
novos produtos. É preciso ter boa capacidade de observação para identificar quais vantagens
existem, mas estão escondidas, e energia para destravá-las.

QUEM É SEU CLIENTE?


“Não existe risco maior para sua empresa do que ir contra as necessidades e os desejos dos
clientes.”56 A lição de Thales Teixeira em seu livro Desvendando a cadeia de valor do cliente
vale para qualquer negócio. Algo valioso que podemos aprender com as startups é a importância
quase obsessiva de ouvir os consumidores e decodificar suas demandas para ajustar a oferta e os
canais de distribuição. O que eles querem? Quando? Onde?
Virou clichê afirmar que o cliente é o mais importante. No entanto, na construção de um
produto ou serviço, há uma diferença entre repetir essa máxima e incorporar o que os
consumidores dizem. As empresas mais jovens estão passando na frente porque são vidradas nos
clientes, guiadas pelas informações obtidas sobre suas preferências. Isso não significa que não
atendam ao requisito anterior, de saber quem são. Como explica Eric Ries, criador da
metodologia Lean Startup e autor do livro A startup enxuta, o equilíbrio é achar a síntese entre a
visão da liderança e o que os consumidores aceitam57. A ideia de entender os desejos dos clientes
não é atender todo mundo, e sim atender bem o público-alvo.
Grandes negócios se acostumaram a um mercado de massa, desenvolvendo produtos para
atingir muita gente ao mesmo tempo, criando estratégias em níveis nacionais ou globais. O
raciocínio era fazer o mínimo possível de adaptação para ter ganho de escala. Durante a maior
parte do século 20, esse modelo dominou o mercado. As pessoas se dividiam em dois grupos: as
que compravam e as que não compravam58. Mas essa homogeneidade, de um único produto
atender tantas pessoas diferentes, era artificial. Ela nunca existiu na prática de fato. Os
consumidores aceitavam o que estava disponível porque havia poucas opções.
Contudo, estratégias de massa deixaram de ser tão competitivas. Atualmente, há diversos
concorrentes menores e imprevisíveis. Segundo o guru do empreendedorismo Steve Blank,
coautor do icônico Startup: manual do empreendedor59, três fenômenos principais tornam essa
mudança de paradigma irreversível60. A primeira delas: o aumento da competição causada por
menores barreiras de entrada. É cada vez mais barato e mais fácil desenvolver uma oferta e
colocá-la no mercado. A segunda: a transparência da informação. A mídia de massa não é mais o
único caminho para ficar conhecido. Basta usar o Google e as redes sociais de maneira
inteligente e infinitamente mais barata. A terceira: o declínio do consumismo. Tornou-se difícil

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“empurrar” um produto. O sucesso hoje está em encontrar uma necessidade e atender a ela de
modo superior.
É verdade que as companhias ainda são protagonistas na criação e divulgação de produtos ou
serviços, mas os consumidores agora têm mais voz e querem ajudar a definir o que compram.
David Rogers, diretor dos programas executivos da Columbia Business School, chama esse novo
modelo de customer network model (modelo de rede de consumidores). Por meio de plataformas
digitais, os clientes interagem, publicam conteúdo e propõem inovações, consequentemente
moldando marcas, reputações e mercados. Nesse contexto, o papel das empresas muda. Elas
precisam se engajar nessa rede61, ou seja, observar suas ações, entender suas percepções e
identificar suas necessidades não atendidas, usando isso como combustível para desenvolver
novas formas de se comunicar, de vender ou até mesmo de criar experiências que adicionem
valor para os dois lados.
Marcelo Tas, por exemplo, nos contou sobre como inovou ao ouvir a audiência do CQC,
programa que comandava na Band, pelo Twitter, criando diálogos. “O Twitter foi inventado em
2006 e o CQC estreou em 2008. Antes de estrear, nós já estávamos falando no Twitter com a
nossa audiência. O programa foi gestado dentro desse entendimento digital e deu certo. Em
2009, o Wall Street Journal saiu com uma reportagem dizendo que o meu Twitter era o primeiro
no mundo a receber um patrocínio, da Telefônica. Eu contei para o repórter como a gente se
engajava com o público e passei a receber e-mails de empresas do mundo inteiro querendo
entender como a gente estava usando essa rede social.”

fonte: The digital transformation playbook

Ouvir o cliente é fundamental para que as organizações definam seu foco e tomem decisões.
Elas precisam reavaliar a todo momento o valor que entregam e questionar: “Por que esse
negócio existe? A qual necessidade ele atende?”62.
Entender as demandas e a mudança de hábitos dos clientes pode apontar os caminhos da
transformação digital, isto é, onde a empresa deve concentrar seus esforços para continuar
relevante e quais competências não pode dispensar.

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Imagine um supermercado pensando em seus consumidores. O que alguém nesse setor deveria
considerar em 2020? O relacionamento das pessoas com suas compras definitivamente mudou
em relação ao início do milênio. Surgiu o delivery de compras, e o de refeições se expandiu
muito rápido, com empresas como iFood e Uber Eats. Nas grandes cidades, poucos conseguem
estocar, pois a maioria vive em apartamentos pequenos, sem espaço para armazenagem, o que
exige compras mais frequentes. Entre as classes mais altas, que não precisam necessariamente se
esforçar para economizar nas compras, a conveniência e a proximidade das lojas se tornaram
fatores relevantes.
Além disso, de repente, com a pandemia do novo coronavírus, todos os planos se aceleraram.
Em um cenário de restaurantes fechados, os supermercados ganharam protagonismo. Pesquisa da
Galunion63, consultoria brasileira especializada no setor de alimentação fora de casa, apontou que
93% dos entrevistados estavam cozinhando e preparando comida em casa durante a quarentena.
Quase metade deles (44%) já tinha esse hábito, mas passou a fazer isso com mais frequência. Um
terço afirmou estar comprando mais alimentos para preparar em casa. O delivery de
supermercado, que já era uma tendência, ganhou 15% de novos adeptos entre os entrevistados.
Portanto, as empresas que davam passos tímidos em direção à operação mais digital tiveram um
empurrão violento para acelerar o trabalho.
Um caso curioso noticiado durante o período de isolamento foi o do chef paulista Jun
Sakamoto, considerado um dos melhores sushimen brasileiros. Como muitos donos de
restaurante pelo Brasil, ele foi obrigado a fechar seus dois estabelecimentos em São Paulo. Uma
semana depois, começou a fazer delivery – algo que nunca havia cogitado em 20 anos de
atendimento ao público. Começou pelo incentivo de amigos, mas a notícia correu as redes sociais
e mais gente se animou. A entrega foi organizada para que as refeições fossem tão caprichadas
quanto no restaurante, com a comida enviada sobre pratos de cerâmica.
Sakamoto conhecia bem seus clientes, fãs de culinária japonesa sofisticada e de alta qualidade.
Seu negócio sobreviveu à crise porque o que ele produzia tinha um valor real percebido pelas
pessoas. Com uma reputação sólida e um público-alvo bem definido, o que o chef precisou fazer
durante a crise foi mudar o canal, reorganizar a forma de entregar esse valor. Provavelmente,
beneficiou-se da confiança que seus clientes tinham em seu trabalho – na pesquisa da Galunion,
ela apareceu como o principal fator de escolha do restaurante no delivery (42%), superando as
promoções (20%). Sobreviver à transformação digital requer resiliência.
Segundo Simone Galante, fundadora e CEO da Galunion, um aprendizado do setor de bares e
restaurantes durante a pandemia foi sobre o uso de dados. “É uma indústria cujo cerne está nas
pessoas, na hospitalidade, e de repente a padaria descobre que sabe o nome de quem atende no
dia a dia, mas não consegue se conectar com esse indivíduo de jeito nenhum virtualmente,
porque não tem contatos”, explica. Sem um cadastro ou um programa de fidelidade, muitos
estabelecimentos de repente se viram precisando comprar listas de e-mails de sua região de
atuação para atingir seus frequentadores. A importância dos dados ficou explícita e o uso das
mídias sociais aumentou consideravelmente, o que faz todo sentido em um mercado de produtos
“instagramáveis”. “O jogo mudou muito. Para você saber o que seu consumidor quer e onde ele
está, é preciso ter acesso à informação, capacidade de processá-la e transformá-la em significado
que gere ajustes rápidos”, diz Simone.
Quase duas décadas antes do novo coronavírus, outro setor sofria uma pressão enorme por
transformação: as empresas de mídia. A queda nas vendas de jornais e revistas era evidente, mas
o modelo de receita continuava o mesmo, com a maior parte do dinheiro vindo dos anúncios nos
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veículos impressos. A situação só ficaria pior. Em um evento no começo de 2020, perguntamos
aos 150 presentes, com média de 34 anos, se ainda liam jornal em papel. Ninguém disse sim.
A equipe do conglomerado de mídia alemão Axel Springer, o equivalente ao Grupo Globo no
Brasil, já sabia que o mundo caminhava para isso em 2002. Eles eram donos de publicações
relevantes no país, como os jornais Bild e Die Welt. Mathias Döpfner, o CEO que assumiu o
grupo naquele ano, sentia a urgência de promover a transformação. Foram várias tentativas e
muito esforço para tornar o negócio rentável novamente, incluindo a migração das publicações
para o digital, a criação de paywall (exigência de pagamento ou assinatura para acessar o
conteúdo), a mudança da estratégia de anúncios e a implantação de uma nova cultura de uso de
dados. Em 2016, a Axel Springer se tornou uma das maiores empresas de mídia da Europa, com
a maior parte de sua receita e lucro vinda das plataformas digitais.
A jornada da companhia foi bem detalhada em um estudo de caso elaborado pelo Institute for
Management Development (IMD)64, mas destaca-se a convicção de Döpfner de que o negócio do
jornalismo continuaria relevante. Ele não tinha dúvida de que existia um grande público-alvo
consumidor de notícias de qualidade. A questão era como entregá-las em novos formatos e
monetizar o acesso. “Você não pode me dizer que boas histórias e informações não são uma
necessidade. Eu acredito que é um eterno desejo da humanidade, e cabe a nós definir o que
vamos fazer para o consumidor digital”, afirmou Döpfner em entrevista dada em 2015. Um ano
antes, ele tinha dito que a nova maneira de consumir notícias não era ruim para o grupo. “Nossa
competência principal não é a impressão, mas o conteúdo.”
Para Marcelo Tas, a grande dificuldade do setor de mídia na transformação digital foi perceber
que o importante é o que está nos jornais e não os jornais em si. Vários grandes veículos pelo
mundo se apegaram à plataforma, sem considerar que o mais relevante era o conteúdo, que
poderia ser distribuído para o público de diversas maneiras. Inclusive demoraram muito tempo
para entender que a comunicação deixava de ser unidirecional para se tornar um diálogo com os
leitores. Foi só quando os anunciantes começaram a se retirar, concluindo que pagavam por uma
mídia que não atingia mais o público desejado, que a maior parte das empresas do setor decidiu
se mexer. “O New York Times é um veículo muito antigo, que ficou bastante incomodado com
isso desde o começo e foi investindo em várias iniciativas. O impresso agora é apenas uma de
suas plataformas. Hoje, o exemplo clássico de mídia está no azul e muitos tentam copiá-lo”, diz
Tas. Ao deixar de focar a cadeia de valor para descobrir a melhor maneira de entregar valor para
seus leitores, o New York Times conseguiu ir além do óbvio para se reinventar como provedor
de conteúdo.
Uma companhia sobre a qual nos aprofundamos para este livro foi a brasileira Arizona, a
maior empresa de produção cross media e plataforma de gerenciamento de campanhas no Brasil.
O processo de decisão para mudar o negócio veio da sensibilidade que a liderança teve para
identificar um problema dos clientes, que a princípio não tinha relação com o escopo da
companhia. Eles desenharam uma nova solução que fez a organização dar seus primeiros passos
relevantes na transformação digital.
A Arizona nasceu como gráfica, cujos clientes eram empresas e agências de publicidade.
Quando os arquivos começaram a se tornar digitais, foi criada uma área de pré-mídia para fazer o
retoque nas imagens enviadas antes da impressão, garantindo uma qualidade melhor do material
final. No entanto, a área começou a receber pedidos inusitados.
Grandes empresas ligavam para os técnicos da Arizona solicitando arquivos, pois não
conseguiam encontrá-los em seus bancos de imagem. “Preciso da foto do produto daquela linha
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que saiu em 2002, no ângulo de frente.” O fotógrafo não tinha mais o arquivo, nem a agência de
publicidade, nem o próprio cliente, mas a área de pré-mídia da empresa, sim, o havia
armazenado. De repente, eram quase cem ligações como essa todos os dias. A demanda era tanta
que a empresa contratou um “jotapeg man”, um funcionário que passava o dia só caçando
arquivos antigos.
Então, os fundadores tiveram um estalo: e se a Arizona criasse acervos digitais para organizar
esses documentos e facilitar a navegação? Decidiram desenvolver tecnologia e, em 2006, criaram
uma plataforma para gerenciamento de ativos digitais. “Foi uma mudança do modelo de negócio
e de entendimento de oportunidade dentro do cliente”, conta Marcus Hadade, cofundador da
companhia.
Já a multinacional de eletrônicos norte-americana Best Buy optou pela estratégia “Se não pode
vencê-los, junte-se a eles”. Suas lojas físicas começaram a ter queda nas vendas por conta do
showrooming, isto é, os clientes visitavam a loja, olhavam o produto, escolhiam, mas depois
comparavam os preços pela internet e faziam a compra em varejistas virtuais, como a Amazon.
De início, a empresa tentou nadar contra a corrente. Quis evitar o showrooming, sem sucesso.
Até que entendeu que precisava abraçar o fenômeno. Os clientes queriam entrar na loja apenas
para ver e pegar os produtos? Isso significava que o espaço físico tinha algum valor. Para
explorá-lo, a Best Buy passou a fazer acordos com as marcas, como a Samsung, criando
quiosques dos produtos. As marcas podiam fazer as demonstrações sem se importar muito com o
canal escolhido pelo cliente para finalizar a compra e a Best Buy ganhava uma nova receita, com
o “aluguel” de seu espaço65.
Contudo, vale aqui uma ressalva sobre o que significa escutar os clientes em tempos de
transformação digital. Em um mercado global e pulverizado, não é mais possível confiar
somente na experiência de balcão. Muitas das companhias que hoje são gigantescas começaram
com um empreendedor que sabia se relacionar bem com seus clientes, encontrou um nicho de
mercado e tinha uma dedicação fora da curva a seu público, descobrindo como melhorar a
operação observando as interações de rotina. No entanto, em um contexto de escala, esse
monitoramento se tornou mais complexo. As ferramentas para se aprofundar no conhecimento
do cliente é um assunto que vamos explorar nos próximos capítulos.

QUAL É O SEU MERCADO?


Pesquisadores do IMD criaram o conceito de Digital Vortex para descrever como a disrupção
afeta diferentes empresas e indústrias, considerando a magnitude, a velocidade e a
imprevisibilidade das mudanças. Um vórtice é um fenômeno semelhante à água escorrendo no
ralo de uma pia: ele exerce uma força rotacional que atrai tudo para seu centro. Na metáfora do
IMD para a transformação digital, é como se houvesse um “centro digital” para o qual todos
estão sendo puxados. Não há escapatória: em algum momento, por mais distante que você esteja
do centro, ele o atrairá66.
No rodamoinho elaborado pelos pesquisadores, algumas empresas já foram tragadas para o
centro, enquanto outras estão mais distantes dele. Essa é uma boa maneira de ilustrar que a
velocidade da mudança depende do setor. O de mídia, por exemplo, foi fortemente impactado –
como vimos, a Axel Springer começou a perceber a necessidade de transformação há quase 20
anos –, enquanto os de energia e serviços essenciais, por exigirem altos investimentos e

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infraestrutura complexa, talvez fiquem “protegidos” por mais tempo, o que não significa que
devem ficar parados.
Entender em qual setor sua empresa está é mais uma forma de ajustar seu foco. Se a
transformação digital já está alterando os modelos de negócio de seu mercado, fazendo surgir
novos competidores e colocando em xeque seus diferenciais, corra para sobreviver. Se estiver
mais distante, pode ser que haja tempo para fazer mais testes e se antecipar à concorrência, sendo
o protagonista da inovação. Organizações consolidadas talvez não queiram provocar sua própria
disrupção, mas, no cenário do Digital Vortex, a urgência da mudança é imprevisível, e é melhor
que você mesmo a inicie.
Claro que a crise gerada pelo novo coronavírus em 2020 adicionou energia ao rodamoinho.
Muitas empresas tiveram sua rotina alterada e precisaram se adaptar à nova realidade em poucas
semanas. Por exemplo, o setor de educação, que aparecia apenas em oitavo lugar na edição 2019
do Digital Vortex – o ranking é atualizado a cada dois anos –, foi imediatamente impactado com
o fechamento das escolas. Como estruturar as aulas on-line? Como garantir a continuidade do
ano letivo com os alunos em casa? Os colégios precisaram dar uma resposta em poucos dias.
Aulas a distância, até então uma realidade mais presente no ensino de adultos, se tornaram
essenciais para educar crianças e adolescentes. O desafio não foi apenas colocar o conteúdo on-
line. Toda a rotina dos estudantes, dos professores, da direção das instituições e dos pais foi
afetada. Mudar a cultura de aulas presenciais, vigente por mais de um século nas escolas, não é
um desafio simples. Uma vez passada a pior fase da pandemia, os colégios começaram a reabrir,
para alívio de muitos pais. Mas será que um dos efeitos da covid-19 não será mudar a maneira
como enxergamos as possibilidades de aprendizado?
A pergunta que também ressoa em nossa mente é: por que a área de educação não se preparou
há mais tempo e resistiu tanto a incorporar tecnologias? O ensino a distância não é novidade.
Encerrado em 2014 após três décadas de existência, o Telecurso, que foi considerado o maior
projeto de educação a distância no Brasil, formou mais de 6 milhões de alunos. No entanto, a
maior parte dos colégios resistiu até que uma pandemia obrigasse todos a se reorganizar
imediatamente. Claro que uma parte relevante da experiência das escolas continuará na interação
presencial e no espaço de convivência, principalmente na Educação Infantil, mas elas já podiam
estar usando a tecnologia como suporte para diversos conteúdos há muito tempo.

É HORA DE AGIR
O sucesso de uma transformação digital é sair melhor e mais competitivo do outro lado.
Consciente de qual é a essência de sua empresa, de que cliente você vai atender e do contexto em
que você compete, será possível fazer as mudanças que lhe permitirão jogar bem o jogo que você
escolheu. Use a tecnologia como meio para prestar um serviço ainda melhor, que seja coerente
com a demanda do mundo e com as próprias prioridades de sua empresa.
Se um negócio simplesmente se agarrar ao que existe, com a mentalidade de “vamos continuar
fazendo isso aqui até morrer”, ele com certeza morrerá cedo. Contudo, se usar o que tem de mais
valioso, prestando atenção às demandas externas, poderá construir uma resposta estratégica para
continuar sendo protagonista em seus mercados.

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CAPÍTULO 3

AS ESTRATÉGIAS

“DESENVOLVER UMA ESTRATÉGIA em uma indústria emergente ou em um


negócio que esteja passando por mudanças tecnológicas revolucionárias é uma proposta
intimidante. Nesses casos, gestores lidam com um alto nível de incerteza sobre as necessidades
dos consumidores, os produtos e serviços que se revelarão os mais desejados e a melhor
configuração de atividades e tecnologias para entregá-los.” O aviso foi dado por Michael Porter
em 1996, no final do artigo “What is strategy?” (O que é estratégia?), publicado na Harvard
Business Review67, muito antes de scaleups e pandemias ameaçarem negócios estabelecidos.
Quase três décadas depois, o conselho segue válido.
Em períodos de transformação intensa e constante, as empresas têm de descobrir o que vai
mantê-las vivas e relevantes. Elas precisam tomar decisões: o que querem ou não querem ser,
como se destacarão diante da concorrência, em quais ideias ou projetos estarão mais focadas. A
estratégia é simplesmente o conjunto de escolhas que posicionam a organização de modo único
para criar uma vantagem competitiva.
Em tempos de disrupção acelerada ou crises estruturais, o maior risco que as empresas correm
é ficarem perdidas em meio à confusão que se estabelece, atirando para qualquer lado, apenas
executando, sem um momento de reflexão. Ainda que planos quinquenais e de longo prazo
precisem ser colocados de lado em situações que pedem resposta rápida, não se deve jogar a
estratégia no lixo. Mover-se de maneira ágil e corajosa não significa agir por impulso68. Aquele
conselho para pessoas ansiosas, como os autores deste livro, para respirar e contar até dez vale
para a liderança de uma companhia obrigada a se transformar. Pare e pense.
No momento em que seu mercado ou seu negócio sofrem um chacoalhão, quais são os
caminhos possíveis para se defender? Além de saber o que é inegociável para a empresa e quem
são seus clientes, é preciso construir (ou revisar) a estratégia. Ou seja, considerando o novo
cenário, quais iniciativas devem ser interrompidas? Quais oportunidades surgem? Quais planos
manter à espera da retomada quando a poeira baixar?
Com o isolamento social e o fechamento do comércio para conter o avanço do novo
coronavírus em 2020, alguns mercados tiveram seu tamanho brutalmente reduzido. Lojas de
roupas de luxo, por exemplo, ficaram sem clientes de uma hora para outra. Com eventos
cancelados, acabou a demanda imediata por esse tipo de produto e, uma vez reaberta a economia,
a retomada será gradual. A melhor alternativa para o momento seria encerrar o negócio?
Diversificar? Fazer promoções para diminuir o estoque? Criar vouchers para entregas futuras?

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Manter todos os ativos guardados no caixa para enfrentar os meses mais difíceis? Zerar o
investimento em marketing e repensar as tarefas dos funcionários?
Por outro lado, algumas empresas viram na crise a oportunidade de fazer movimentos
agressivos em seus modelos de negócio. A StartSe, escola de negócios brasileira que oferece
cursos de gestão inovadores, tinha mais de 90% de seu portfólio com aulas presenciais. Em abril
de 2020, criou o movimento ReStartSe, que engajou 150 mil pessoas, conseguindo em semanas
converter a maior parte de seus conteúdos para o ambiente on-line. O isolamento, que à primeira
vista parecia uma catástrofe para a receita, foi o empurrão para ocupar um novo espaço, que
antes não era explorado e, melhor ainda, que provavelmente continuará rentável depois que a
crise passar. Os líderes da StartSe conseguiram formular uma nova estratégia com rapidez. A
demanda por conhecimento se mantinha entre os clientes; a capacidade da equipe de entregar
aulas de qualidade, também. Com isso em mente, eles refizeram a estratégia e têm tudo para sair
da crise mais fortes e resilientes do que entraram. Serão capazes de retomar as aulas presenciais
mantendo um braço de ensino a distância mais desenvolvido, que se provou um modelo possível.
Em meio a uma pandemia ou em qualquer outra situação, construir uma estratégia significa
avaliar e reavaliar as oportunidades, considerando em qual nicho é possível jogar e com qual
abordagem se pode vencer dentro de um mercado competitivo; mapear riscos e criar alternativas;
construir uma proposta de valor e garantir que exista alguém disposto a pagar pelo que se
oferece. E isso nem sempre implica ser high tech e criar uma experiência inteiramente digital.
Uma loja de móveis feitos à mão que proporcione a experiência de comprar um objeto exclusivo,
com uma história cativante por trás e a garantia de um trabalho artesanal, pode ser bem-sucedida
vendendo uma peça por mês. Talvez bastem fotos bem produzidas ilustrando seu site e suas
redes sociais para garantir um fluxo contínuo de interessados.
Seria possível dar centenas de exemplos de empresas que conseguiram vencer momentos de
disrupção criando as mais peculiares estratégias. Quantos negócios e inovações foram gerados
em períodos de turbulência econômica, como o Airbnb, que nasceu no auge da crise imobiliária
de 2008 nos Estados Unidos?
No entanto, cada caso é um caso, inserido em contextos e mercados específicos. Podem servir
de inspiração, mas não ensinam a receita do bolo, porque ela não existe. Não há uma resposta
pronta nem certa para definir os passos de uma empresa diante da transformação. A estratégia
adequada depende do momento, do setor, das capacidades que a organização já possui e até
mesmo do capital disponível. Não existe uma solução única, que possa ser aplicada
genericamente a qualquer empresa.
Muita gente admira o modelo da Amazon, que abriu seu capital na bolsa de valores norte-
americana em 1997 e reportou lucro pela primeira vez no último trimestre de 2001, mas de
apenas 5 milhões de dólares, apesar de suas vendas no período somarem 1,12 bilhão de dólares.
“Ah, então a receita é dar prejuízo por muitos anos e crescer”, pensam alguns. Bem, essa foi a
escolha da Amazon duas décadas atrás. Daria certo se ela começasse hoje? Impossível saber, mas
sem dúvida o contexto mudou.
Aliás, alguns estudiosos do mercado de inovação até têm questionado o modelo dos
unicórnios. Após a decepção com o processo de abertura de capital de empresas como Uber e
WeWork, já havia um ceticismo crescente no mercado em relação ao modelo de escalar sem
tanta atenção aos custos e à lucratividade. Com a pandemia do novo coronavírus, o cenário se
agravou. O norte-americano Martin Pichinson, especialista em reestruturar startups falidas,
afirmou que recebia de duas a quatro chamadas por semana; no segundo trimestre de 2020,
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atendia até cinco em apenas um dia69. O conglomerado japonês SoftBank, apoiador de empresas
como Alibaba, WeWork, Rappi e Gympass, divulgou em abril de 2020 uma nota prevendo seu
maior prejuízo operacional da história: o fundo Vision Fund, de 100 bilhões de dólares, que pode
registrar um prejuízo de 16,6 bilhões de dólares70.
Dias antes de a informação sobre o fundo ser divulgada, Alex Lazarow, investidor de venture
capital canadense baseado em São Francisco, escreveu um artigo para a revista Entrepreneur
defendendo que o camelo poderia ser o novo mascote das startups, substituindo o unicórnio71.
Esse animal consegue se adaptar a diferentes climas e sobreviver sem comida ou água por meses.
Não é uma criatura imaginária. É real e resiliente. Prioriza a sustentabilidade e a sobrevivência.
A confusão com o modelo das startups e scaleups só reforça: não existe uma fórmula pronta
para se transformar e continuar relevante no longo prazo. No entanto, há algumas estruturas úteis
para organizar o pensamento, que ajudam na definição da estratégia da empresa em um momento
de transformação digital. Elas podem contribuir para a tomada de decisão. Apresentaremos
quatro delas a seguir.
A certeza que temos é que o mundo só vai ficar mais volátil – uma espécie de contexto VUCA
(acrônimo em inglês de volátil, incerto, complexo e ambíguo) à quinta potência. Para encará-lo,
será preciso pensar em alternativas e oportunidades a todo momento, construindo estratégias que
se adaptem ao cenário. O planejamento não poderá ser feito por um mês para durar dois anos.
Terá de se adaptar com agilidade aos tempos incertos.

ESTRUTURA #1: CUSTO, EXPERIÊNCIA E PLATAFORMA


Até o final do século 20, havia basicamente duas estratégias para criar vantagem competitiva.
A primeira era disputar por preço, colocando no mercado algo mais barato do que as outras
empresas e conquistando o cliente pela economia relativa. A segunda era competir por
experiência, oferecendo “o melhor” produto ou serviço. O consumidor, ao reconhecer a
diferenciação, não se importaria em pagar mais por isso. O mercado de luxo representa bem a
estratégia da experiência, assim como a Apple, que, mesmo com preços de celulares muito acima
da média do mercado, conquistou uma legião de fãs que não trocam a marca por concorrente
algum. Alguns negócios, claro, conseguiram brigar nas duas frentes, oferecendo custo baixo e
boa experiência, como a Ikea, especializada na venda de móveis de baixo custo, ou sua
equivalente brasileira Tok&Stok.
Nos últimos anos, com a aplicação das novas tecnologias, as estratégias de competir por preço
e por experiência continuam válidas, mas surgiu um terceiro território de vantagem competitiva a
explorar: as plataformas. É como o Uber atua, por exemplo. Seu objetivo é juntar cada vez mais
fornecedores e consumidores para que eles se encontrem nesse único ambiente virtual. Quanto
mais usuários conectados, mais barata ficará a solução e melhor será a experiência, pois haverá
cada vez mais motoristas próximos e disponíveis para atender os passageiros. Esse efeito de rede
beneficia o consumidor e o motorista, aumentando o valor para cada participante à medida que a
plataforma se torna mais popular.
O propósito primordial das plataformas é estabelecer o contato entre usuários e facilitar a troca
de informações, bens, serviços ou até mesmo “moedas sociais”, gerando valor para todos os
participantes72. As plataformas criam valor ao promover a interação direta entre dois ou mais
diferentes tipos de clientes73.

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De um lado, estão os consumidores; de outro, os produtores; e, entre eles, o proprietário da
plataforma, que cria uma infraestrutura para garantir as interações entre essas duas partes e
estabelece regras de convívio. A lógica é ganhar escala sem aumentar proporcionalmente o custo
de operação, com poucos ativos e uma estrutura preparada para suportar muitas trocas ao mesmo
tempo. Quanto mais gente interage ou faz transações, mais dinheiro a plataforma ganha. Assim
surgiram uma cadeia gigante de hotelaria que não possui hotéis (Airbnb) e uma potência de
mídia que não produz conteúdo (Facebook).

ENTENDENDO AS PLATAFORMAS
Uma vez que os negócios que mais cresceram no início do século 21 adotam o modelo de
plataforma, não há como falar de transformação sem passar por essa estratégia. É a nova forma
de estar no mundo digital. Segundo Geoffrey Parker, Marshall van Alstyne e Sangeet Paul
Choudary, autores do livro Plataforma: a revolução da estratégia, a estratégia evoluiu do controle
de recursos internos exclusivos para a orquestração de recursos externos; passou do
estabelecimento de barreiras competitivas para a conquista de comunidades vibrantes74.
Nem todas as empresas podem se converter em plataformas, mas eventualmente considerarão
esse caminho, se associarão a alguma já existente ou enfrentarão sua concorrência. Portanto, é
fundamental entender a lógica com a qual operam.
No livro, Parker, Van Alstyne e Choudary listam três características que estão permitindo às
plataformas transformar o cenário empresarial. A primeira delas é a dissociação entre ativos e
valor. Um exemplo: hospitais que possuem equipamentos de custo altíssimo, como aparelhos de
ressonância magnética, possivelmente não os utilizam 100% do tempo. Para gerar valor,
poderiam distribuir o tempo ocioso das máquinas (seu ativo) para clínicas que não dispõem do
equipamento e cobrar uma taxa por isso. A segunda característica é a reintermediação, que é a
substituição de intermediários ineficientes e não escaláveis por sistemas e ferramentas
automatizados. Foi o que aconteceu com as agências de viagem, parcialmente substituídas por
plataformas que integram a reserva de voos, hotéis e aluguel de carros em um único site. A
terceira característica é a agregação de mercado, centralizando serviços que antes estavam
dispersos – como a frota de táxis da cidade de São Paulo, que passou a se concentrar em dois ou
três aplicativos.
Criar uma plataforma rentável envolve alguns desafios. Um deles, nada trivial, é desenvolver
um modelo de remuneração, ou seja, garantir que todos os participantes enxerguem o benefício
de fazer parte da rede e que o proprietário dela opere no positivo. O próprio Uber, grande
exemplo de plataforma, reportou um prejuízo de 8,5 bilhões de dólares em 201975; apesar de sua
popularidade, a empresa ainda não faz dinheiro. Já o Facebook se tornou um exemplo de
monetização da rede, principalmente por meio dos posts patrocinados, que hoje compõem
praticamente toda a sua receita.
As plataformas também precisam adquirir clientes, fazer com que eles se tornem fiéis e buscar
a maior fatia possível de seu mercado. No caso dos aplicativos de delivery de comida, como
Rappi, iFood e Uber Eats, a distribuição de cupons e anúncios de promoção nada mais são do
que tentativas de conquistar o público que pode estar comprando do concorrente.
É possível resumir em quatro os fatores críticos de sucesso para a criação de uma plataforma
poderosa e lucrativa:

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Tamanho de mercado: quantas pessoas se interessariam pelo negócio? Quantos clientes
potenciais existem no mercado escolhido? Qual é o limite da escala? Qual o potencial
de movimentação financeira e geração de margem bruta?
Distribuição: como as pessoas saberão que a plataforma existe? Como será a
divulgação? Um produto excelente com distribuição medíocre é pior do que um produto
medíocre com distribuição excelente. Uma estratégia comum adotada pelas plataformas
novas é usar plataformas existentes para crescer.
Margem bruta: negócios que precisam ganhar escala para sobreviver, como é o caso das
plataformas, devem ter dinheiro para se defender dos ataques da competição e garantir
rentabilidade durante o processo de crescimento.
Efeito de rede: é o impacto que o aumento do uso por um usuário de uma rede tem no
valor criado para todos os usuários76. Ou seja, quanto mais gente usa, mais relevante a
plataforma é e mais gente ainda vai querer fazer parte dela. É um círculo virtuoso que
aumenta o crescimento e a geração de valor.

O efeito de rede não é uma novidade trazida pela transformação digital. Há cem anos, já fazia
sentido olhar sob essa perspectiva para os usuários de telefone, por exemplo. Quanto mais casas
com uma linha ativa, mais pessoas viam a necessidade de aderir à tecnologia. O valor está no
fato de mais gente usar o mesmo serviço; a diferença é a velocidade. Enquanto o telefone
demorou meio século para alcançar 50 milhões de usuários, o jogo Pokémon Go, lançado pela
Nintendo, fez o mesmo em apenas 19 dias. Qualquer pessoa com um celular podia baixar o jogo
e sair caçando os bichos virtuais pelas ruas. A digitalização, portanto, permite escalar uma
plataforma rapidamente.
O segredo do molho de uma rede é o engajamento dos usuários. De nada adianta muita gente
se cadastrar na plataforma se não a utiliza com frequência nem enxerga nela uma vantagem ou a
resolução de um problema, tampouco investir milhões de reais em mídia paga para conquistar
novos usuários que acessam por uma semana e depois abandonam a ideia. O valor está na
frequência, no consumidor que retorna e se apega ao serviço. Daí a guerra dos cupons entre os
aplicativos de delivery de comida.

PLATAFORMAS EM NEGÓCIOS TRADICIONAIS: CRIAR, COMPETIR OU SE


ASSOCIAR?
A estratégia de plataforma está transformando a distribuição de valor e a maneira como
consumidores e produtores se relacionam. Diante desse cenário, as empresas tradicionais
precisam avaliar se conseguem migrar parte de seu negócio para um modelo de plataforma ou se
devem fazer parcerias para oferecer seus produtos ou serviços dentro de plataformas já
existentes. Algumas perguntas que a liderança pode avaliar ao desenhar essa estratégia:

Quais processos gerenciados internamente podem ser delegados a parceiros externos,


sejam eles fornecedores ou consumidores?
Como fortalecer parceiros externos para criar produtos ou serviços capazes de gerar
novas formas de valor para os clientes atuais?
É possível se aliar a concorrentes a fim de desenvolver, juntos, novos produtos ou
serviços valiosos para os clientes?

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Como o fluxo de novas informações, as conexões interpessoais e as ferramentas de
curadoria podem incrementar o valor dos produtos ou serviços oferecidos?77

Em adição a esses quatro pontos, e talvez o mais importante, deve-se considerar quem será o
dono dos dados dos consumidores.
Foi buscando novas formas de gerar valor para o cliente que a multinacional brasileira
Votorantim Cimentos começou seu programa de fidelidade B2B (business to business, ou de
empresa para empresa), logo convertido em uma plataforma. O executivo Antonio Serrano havia
chegado recentemente à empresa como gerente-geral, após uma carreira na consultoria de
estratégia Bain&Co. Analisando o mercado, percebeu que a rotatividade de lojas de material de
construção que compravam os produtos da Votorantim Cimentos com regularidade era alta. A
cada ano, a empresa perdia muitos clientes e compensava conquistando tantos outros. Além
disso, as lojas com mais frequência de compra não necessariamente recebiam da Votorantim
Cimentos uma contrapartida, como premiações.
Para aumentar a fidelidade, a equipe criou, em 2014, o programa de pontos Juntos Somos
Mais. Quanto mais as lojas comprassem, tanto em volume como em mix de produtos, mais
pontos ganhariam. No resgate, poderiam trocar por prêmios que ajudariam a desenvolver o
negócio, como cursos, consultorias, uniformização da equipe e materiais de informática.
Programa de pontos não era novidade no mercado. O diferencial do Juntos Somos Mais foi
perceber a possibilidade de construir uma plataforma a partir disso e desenvolver novos negócios
criando o efeito de rede.
Os resultados apareceram rápido. Por isso, o projeto foi mantido durante a crise que o setor de
construção enfrentou em 2015 e 2016. Então, em 2017, com o mercado menos turbulento, a
organização percebeu que poderia expandir o programa, agregando empresas parceiras. A ideia
era formar uma coalizão de companhias que forneciam material de construção.
Outras duas gigantes do setor, a fabricante de materiais hidráulicos Tigre e a produtora de aço
Gerdau, mostraram interesse em se tornar sócias do negócio. Ambas já possuíam programas de
capacitação voltados para o varejo de construção e profissionais de obra, que poderiam se
integrar ao Juntos Somos Mais. A liderança da Votorantim Cimentos entendeu que só tinha a
ganhar com a entrada delas. Mais empresas âncoras tornariam o programa mais forte. Em
setembro de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a joint
venture e, dois meses depois, nascia a empresa independente Juntos Somos Mais. Em 2020, o
programa já contava com 20 companhias participantes além das fundadoras, como Suvinil e
Bosch, e 80 mil lojas cadastradas.
Segundo Serrano, a ideia é ser muito mais do que o maior programa de fidelidade do setor.
“Estamos nos posicionando como um ecossistema que ajuda a cumprir nosso propósito:
fortalecer o varejo de material de construção e transformar a vida dos profissionais que
constroem sonhos”, diz.
Cerca de dois terços das mais de 140 mil lojas de material de construção espalhadas pelo
Brasil são pequenos negócios. Esse público muitas vezes precisa de apoio para se desenvolver e
se profissionalizar. Por isso, se os donos e vendedores das lojas assistem a vídeos de capacitação,
também ganham pontos. Isso se tornou uma ferramenta de marketing para as empresas do Junto
Somos Mais. Se antes, a cada lançamento, era preciso treinar e mandar vendedores para explicar
os produtos, agora as explicações ficam disponíveis na plataforma on-line.

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Além do programa de fidelidade, a companhia criou uma loja virtual, um marketplace B2B.
Lojistas que antes dependiam do contato do vendedor representante das empresas para saber o
preço dos produtos e fazer seu pedido de compra passaram a ter acesso a todas essas informações
na plataforma. Um dos problemas resolvidos com a loja on-line foi o de estoque. A digitalização
facilitou a rotina dos lojistas, que podem organizar a reposição de produtos fora do horário de
expediente.
“Estamos colocando dentro dessa plataforma os 5 milhões de profissionais da construção civil
no Brasil. No futuro, queremos ter um marketplace onde a pessoa possa, usando o celular,
contratar uma reforma completa do banheiro, por exemplo”, afirma Gustavo Werneck, CEO da
Gerdau.
Ao agregar empresas, digitalizar processos e usar o que sabia sobre seu mercado e seu
público-alvo, a Juntos Somos Mais conseguiu criar um produto completamente novo, uma
plataforma que facilitou a interação direta entre fabricantes e seus clientes. Gerou um valor
adicional às organizações que antes não existia.
Outro exemplo de empresa tradicional que criou a própria plataforma é o Grupo Pão de
Açúcar (GPA). No entanto, nesse caso, a iniciativa teve o objetivo de competir com outras
plataformas que surgiam no mercado, operadas por novos entrantes. Um de nós – Antonio – foi
testemunha das negociações que aconteceram na época.
Inicialmente, o GPA fez um contrato com a Rappi, startup colombiana de entrega sob
demanda que chegou ao Brasil em julho de 2017. As pessoas compravam pelo aplicativo, os
motoboys recebiam os pedidos, coletavam os produtos e os entregavam na casa delas. As vendas
na plataforma dobravam a cada mês, o que era bom para as duas partes. O grupo já tinha um
canal de compras on-line, mas ainda não atuava no modelo de compra de urgência, com entrega
rápida.
A Rappi, porém, começou a fazer negociações direto com os fornecedores, oferecendo
promoções para os consumidores em seu aplicativo que nada tinham a ver com a estratégia do
GPA. Além disso, não compartilhava informações que permitissem ao varejista saber se as
pessoas que faziam compras no aplicativo já eram clientes de seus supermercados. A relação de
troca para o GPA não parecia a mais adequada, já que a maioria dos dados e a experiência do
cliente ficavam com a Rappi. Sem um alinhamento de como trocar informações, o GPA chegou à
conclusão de que precisaria pelo menos naquele momento competir para não ter o valor de suas
lojas reduzido a um galpão de estoque e, ainda mais importante, não perder a gestão da
experiência do cliente.
A decisão foi encerrar a parceria com a Rappi e desenvolver a capacidade de delivery dentro
de casa, com a compra da James Delivery, uma startup de Curitiba. O GPA sabia que tinha ativos
importantes: sua marca, seus milhões de clientes fiéis e suas centenas de lojas em bairros com
alta densidade de moradores. Para extrair valor desses ativos, desistiu da estratégia de
convivência e passou a ser mais um jogador no mercado de delivery, evitando ficar refém de
uma plataforma que poderia diminuir o valor de seu negócio. Essa foi uma decisão talvez
transitória, mas naquele momento a melhor que poderia ser tomada. No futuro, a empresa pode
agregar outras companhias de entrega tendo em vista uma evolução do mercado.
Além de criar ou competir, a terceira alternativa para os negócios tradicionais é se associar a
uma plataforma, ou seja, fazer parcerias e disponibilizar seu produto ou serviço aproveitando
infraestruturas já existentes. É o caso das lojas que se associam ao marketplace de grandes

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varejistas, como o Magazine Luiza, que permite a negócios regionais venderem produtos em seu
site, dando a eles a oportunidade de aparecer na busca de qualquer usuário.
É também o que muitos restaurantes estão fazendo para entrar no mercado de delivery. Eles se
associam a plataformas como iFood, Rappi ou Uber Eats e passam a atender clientes que talvez
jamais entrassem em seus estabelecimentos. Diego Barreto, CFO78 e vice-presidente de estratégia
do iFood, nos contou, antes da crise do novo coronavírus, que restaurantes plugados à plataforma
têm uma taxa de mortalidade menor do que aqueles que ficam de fora. O único problema dessa
estratégia é ser diluído em um mar de concorrentes e deixar que a plataforma controle sua
operação, eliminando preocupações como saber quem é o cliente e investir em marketing e
branding. Não há problema em se associar, desde que isso não signifique ser dominado, virar
commodity. É preciso continuar cultivando marca e diferencial. Voltamos ao conceito de
estratégia: como a empresa se posiciona de modo único e cria vantagem competitiva?
Imagine que existam cem restaurantes focados em marmita que fazem delivery no centro de
São Paulo. Em um belo dia, a plataforma de delivery decide expandir sua operação para controlar
também uma dark kitchen, isto é, um galpão com uma grande cozinha, sem atendimento
presencial, focado em fazer comida para entrega. Vale lembrar que, na era da transformação
digital, o que importa é o valor e não a cadeia de valor. Portanto, se uma cozinha controlada pela
plataforma permite entregar comida aos clientes de maneira mais barata e ágil, ela
provavelmente ocupará esse espaço, tornando-se uma grande concorrente de seus parceiros. O
que aconteceria com os outros cem restaurantes? Certamente enfrentariam uma competição
feroz. Sem um diferencial ou outros ativos para explorar, talvez se tornassem irrelevantes.

ESTRUTURA #2: AS QUATRO ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A


DISRUPÇÃO

fonte: Global Center for Digital Business Transformation, 2019

Os pesquisadores do centro de estudos sobre transformação digital do Institute for


Management Development (IMD), escola de negócios suíça, criaram uma estrutura com quatro
possíveis estratégias de ação em meio à disrupção. Assim como na análise de custo, experiência
e plataforma, a empresa não precisa focar apenas uma. Pode olhar para todas as frentes ao
mesmo tempo e decidir em qual ou quais atuar de acordo com sua capacidade e suas ambições.
A estrutura se divide em dois grandes grupos. O primeiro é o conjunto de estratégias
defensivas: descontinuar e colher resultados; o segundo, o conjunto de estratégias ofensivas:
provocar a disrupção e ocupar. Comecemos pelas estratégias defensivas.
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1. DESCONTINUAR
Qualquer organização tradicional possui produtos ou serviços que fizeram sucesso por um
tempo – e talvez ainda façam, mas já se percebe que estão com os dias contados e que
dificilmente serão competitivos no futuro.
Descontinuar significa sair de determinado mercado ou deixar para trás um projeto quando os
custos de oportunidade de mantê-lo excedem os benefícios que ele traz. O ideal é adotar a
estratégia de descontinuar enquanto o negócio ainda não perdeu completamente seu valor. Ao se
desfazer de algum ativo ou de uma área da empresa que já não faz sentido para sua visão de
futuro, é possível gerar caixa para financiar a inovação. Por isso, a liderança da empresa deve
estar sempre atenta aos mercados ou projetos que podem perder valor rapidamente para tirá-los
de seu guarda-chuva de atuação antes que se tornem um fardo. Venda enquanto há compradores.
A liderança da Axel Springer, conglomerado de mídia alemão, decidiu em 2013 vender
algumas de suas publicações impressas. As condições do mercado só se deterioravam, com a
queda do número de assinantes e da receita de anunciantes. A estratégia foi vender parte do
portfólio de jornais regionais e publicações femininas para o Funke Mediengruppe. Apesar de ter
sido uma ruptura difícil para o negócio, que enfrentou a resistência dos funcionários, o acordo
aconteceu em um momento em que as publicações ainda tinham valor no mercado – cerca de dez
vezes o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O dinheiro foi usado
para financiar os projetos na internet de suas marcas com circulação nacional e acelerar a
transformação digital da empresa.
O que vale para um gigante grupo de mídia vale também para companhias menores e
trabalhadores autônomos. Analisamos certa vez o caso de uma agência de viagem regional. A
empresa estava sofrendo com a concorrência de startups como o site de reservas Booking.com e
o jovem Airbnb. A procura pela agência só diminuía. Então, o que valia mais a pena: continuar
investindo no negócio ou se desfazer dele? Chegamos ao consenso de que o melhor era vender,
porque a pequena agência não tinha como brigar com o poder de mídia e investimento dos
competidores digitais, que ganhavam cada vez mais escala. Os motoristas que se desfizeram de
seus táxis e suas licenças e migraram para o Uber quando o aplicativo começou a se popularizar
no Brasil certamente evitaram a desvalorização de seus ativos.
Outra alternativa para quem conclui que uma retirada estratégica é a melhor saída: concentrar-
se em um nicho de mercado. Por exemplo, a agência de viagem poderia se especializar em
turismo de aventura, oferecendo pacotes mais personalizados e atendendo clientes específicos
que talvez não encontrem o que desejam nos grandes players.
Algumas perguntas que podem ser feitas para considerar essa estratégia são: quais os custos de
oportunidade (estratégicos e financeiros) em manter os investimentos em colheita? Existem
nichos de mercado lucrativos em que os disruptores terão dificuldade de competir? É necessário
deixar o legado para trás? Como descontinuar (consolidar, vender ou fechar)? Que aprendizados
podem ser obtidos para gerar novos negócios (como encontrar oportunidades novas no
mercado)?

2. COLHER RESULTADOS
A segunda estratégia defensiva nada mais é do que continuar ordenhando as vacas que ainda
estão saudáveis no rebanho, de preferência maximizando os resultados. É melhorar a

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performance do que já existe e ainda tem demanda, mesmo que se saiba que no longo prazo o
segmento talvez não sobreviva, realizando reconfigurações organizacionais e digitalização para
otimizar a margem. Trata-se de maximizar os ganhos e fazer cada cliente contar. Também
significa usar a vantagem existente para bloquear a disrupção. Empresas tradicionais podem usar
sua experiência para tornar o terreno mais difícil para novos entrantes competirem, ganhando
tempo com ações jurídicas ou de marketing.
Os pesquisadores do IMD contam uma história curiosa sobre a Netflix. Apesar de ser um caso
de sucesso de disrupção digital, antes de se tornar uma plataforma de streaming com conteúdo
exibido globalmente, a empresa alugava DVDs – e ela não deixou de fazer isso79. Em 2018,
ainda havia 2,7 milhões de clientes de aluguel de DVDs nos Estados Unidos, rendendo 212
milhões de dólares de lucro para a companhia80. Enquanto é rentável, a operação continua.
Lembre-se: não conserte o que não está quebrado.
Alguns negócios podem viver muitos anos de colheita. Colheita é fazer o básico bem-feito,
aproveitando da melhor maneira possível o que já está no portfólio. Tem a ver com inovar em
processo, não necessariamente na oferta. É fazer mais do mesmo melhor e manter o negócio
principal funcionando da forma mais rentável e pelo tempo mais longo possível. Essa estratégia
requer foco, capacidade de execução e melhoria contínua. A Ambev, por exemplo, apesar de
estar em um momento de inovação, tem boa parte de seu negócio rodando como colheita – a
fabricação e distribuição de cervejas líderes do mercado, sempre com a mentalidade de melhorar
a performance.
A dinâmica é parecida com o que acontece em empresas de capital aberto, que estão sempre
tentando melhorar a eficiência e a produtividade do que existe para apresentar resultados
melhores trimestralmente.
Algumas perguntas que podem ser feitas para considerar essa estratégia são: quais táticas de
bloqueio podem contribuir para desacelerar os disruptores? Quais elementos do negócio ainda
são espaços lucrativos sustentáveis? O que é possível aprender com os disruptores para ajudar a
melhorar o negócio existente? Que medidas tomar para reconfigurar a organização a fim de que
ela se adapte à nova realidade competitiva? Quando e com que rapidez considerar a
descontinuidade?
No entanto, ser defensivo não basta. Para quem faz apenas a colheita, sem olhar para a frente e
pensar nas inovações, a transformação digital não será piedosa. As próximas duas estratégias
dessa estrutura de pensamento fazem parte do grupo ofensivo, isto é, o que a empresa faz para se
mover em direção à transformação de maneira proativa.

3. PROVOCAR A DISRUPÇÃO
Uma organização tradicional pode, sim, transformar-se e surpreender o mercado, usando suas
vantagens competitivas para isso. O objetivo dessa estratégia ofensiva é gerar valor a partir de
um espaço que ainda não está ocupado. Pode ser de uma forma complementar ao negócio já
existente ou uma inovação que no longo prazo talvez destrua o modelo da empresa. Um grande
obstáculo para a disrupção, portanto, é que a liderança muitas vezes não está disposta a começar
ela própria a destruição do valor da companhia. Mas não seria melhor fazer isso de maneira
consciente antes que alguém de fora tente ou uma crise sem precedentes como a que estamos
vivendo se instale? Na imprevisibilidade imposta pelos movimentos do mercado, é preferível
começar dentro de casa.

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Para promover a disrupção, as empresas podem definir um orçamento para investir em um
novo projeto, tirar do papel planos inovadores, usar sua experiência sobre o setor em que atuam e
têm reputação já estabelecida. Claro que, inicialmente, talvez seja preciso aceitar uma margem
baixa ou negativa, formar uma equipe que trabalhe com uma velocidade de decisão e atuação
diferente, além de fazer esforço para entender o novo público que se pretende atingir. O prêmio
no qual se aposta é encontrar, ao final, um novo modelo de negócio que crie valor de custo, de
experiência e/ou de plataforma para seus clientes. Há o risco de não dar certo, mas fingir que
nada está acontecendo será um caminho ainda mais curto para o fracasso.
O Fleury, empresa brasileira de medicina diagnóstica, lançou em 2019 o primeiro laboratório
100% digital do Brasil. É dono de laboratórios conhecidos, como Fleury e A+, voltados para o
público de classe alta, porém decidiu criar uma empresa para atender principalmente quem não
tem acesso a planos de saúde. Utilizando a marca do Laboratório Campana, que foi comprado
pelo grupo em 2007 e que tinha afinidade com o público-alvo do novo projeto, lançou o
Campana Até Você. Sem unidades de atendimento, o cliente faz contato pelo aplicativo e a
coleta é realizada onde ele desejar. Ao eliminar o custo fixo, a empresa consegue oferecer os
exames por um valor menor, cobrando uma taxa de 35 reais pela visita.
O projeto foi pensado em um momento de mudanças na oferta dos serviços de saúde no país.
Em um contexto de pessoas com renda mais baixa insatisfeitas com o Sistema Único de Saúde
(SUS), surgiram clínicas populares, como Dr. Consulta, e cartões pré-pagos de saúde. Em vez de
ficar parado, o Fleury promoveu a própria disrupção e, ao mesmo tempo, ocupou um espaço
estratégico no qual não trabalhava. O grupo, que antes só competia por experiência, passou a
competir também por custo, com uma ferramenta totalmente digital.
Para pensar nessa estratégia, sugerimos fazer as seguintes perguntas: como desenvolver novas
formas de valor de custo, de experiência e/ou de plataforma para os clientes? É possível criar
uma disrupção combinatória ainda mais fascinante do que o que já existe, ou seja, provocar a
disrupção do disruptor? Qual é o retorno do investimento (incluindo o risco de canibalizar os
negócios existentes) da disrupção? Isso supera o lucro que teria uma estratégia de colheita?

4. OCUPAR
A quarta estratégia, também ofensiva, é ocupar. Uma vez feita a disrupção, é preciso sustentar
os ganhos competitivos associados a ela. Ocupar um espaço estratégico e conquistá-lo requer
esforço consciente e constante. Oportunidades de mercado são sempre altamente disputadas e a
concorrência vive à espreita. Portanto, para que a transformação realizada continue relevante, a
empresa precisa fincar uma bandeira no território escolhido. Eventualmente, conforme o
mercado amadurece, o que começou como uma estratégia de disrupção passa a ser uma estratégia
de ocupação para depois se tornar apenas colheita de resultados.
Algumas perguntas sobre essa estratégia: como diferenciar a oferta disruptiva e ampliá-la para
os clientes? Como escalar? O próximo passo é construir, comprar ou fazer parceria para ocupar
novas oportunidades de mercado? Como inibir os concorrentes a entrar no espaço criado com a
disrupção? A oportunidade de mercado está atingindo a maturidade, tornando necessário fazer a
transição para colher resultados? Que aprendizados podem ser obtidos para gerar novos negócios
(ou seja, oportunidades de mercado adicionais)?
Estratégia não é uma ciência precisa e muitas vezes essas quatro maneiras de se posicionar se
misturam. O Fleury, no caso do Campana, usou a disrupção para ocupar um espaço novo para

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ele. O objetivo da boa estratégia não é alcançar a perfeição, e sim aumentar as chances de
sucesso de uma organização. Pensar com essa mentalidade de descontinuar, colher resultados,
provocar a disrupção e ocupar pode ser muito esclarecedor especialmente em momentos de crise
e mudança abrupta, como a imposta pelo novo coronavírus. É possível agir rápido avaliando o
que faz sentido deixar de lado, o que ainda é possível colher no novo cenário e quais espaços
surgem, “pedindo” que sejam ocupados. Um dos efeitos mais extraordinários durante uma crise é
a ocupação de novos espaços. Com o mercado fragmentado e desestruturado, surgem brechas a
serem preenchidas por quem estiver atento. Criar alternativas deixa de ser uma necessidade de
médio ou longo prazo para ser uma estratégia de sobrevivência imediata. Não dá para focar
apenas como tornar eficiente o que já existe; é preciso olhar para as possibilidades de
diversificação.

COMO DEFINIR O ORÇAMENTO


Para executar qualquer uma dessas estratégias (descontinuar, colher resultados, promover a
disrupção, ocupar), são necessários tempo, pessoas e, claro, orçamento. Em todas as
organizações, mesmo nas mais jovens, a maior parte do dinheiro é destinada à operação de
rotina, às áreas de negócio responsáveis pela parte principal da receita da empresa. Ou seja, a
verba provavelmente estará concentrada para alimentar as estratégias de colher resultados e
ocupar.
Há uma “regra de ouro” no Vale do Silício que divide o orçamento em três, na proporção de
70-20-1081: cerca de 70% do dinheiro sustenta a operação principal; 20% é reservado para fazer
as pequenas inovações, aquelas que poderiam se plugar com facilidade ao negócio e agregar
valor ou eficiência aos processos já existentes; e 10% vai para as apostas disruptivas, aquelas que
no longo prazo poderiam alterar substancialmente o modelo de negócio da empresa.
Na realidade das organizações tradicionais, o que acontece é que, em geral, a operação
principal recebe quase todo o dinheiro, secando a fonte. Até sobra um pouco para as pequenas
inovações, mas dificilmente é separada uma verba para pensar nas grandes transformações, em
ideias que poderiam antecipar a próxima disrupção do mercado.
Pela nossa experiência, é importante que as empresas reflitam sobre essa proporção, isto é,
sobre como vão investir nos meses seguintes, praticando o simples hábito de pensar como o
dinheiro será utilizado. As organizações que aplicam o orçamento base zero, revendo anualmente
a alocação, têm uma vantagem, pois não carregam a obrigação de repetir investimentos feitos no
ano anterior. A cada novo ciclo, começam de uma página em branco e podem redistribuir as
prioridades.
É preciso provocar a companhia como um todo e as áreas específicas a pensar quanto do
dinheiro será usado para a operação que sustenta o presente, quanto será empregado para
melhorar processos já existentes e quanto será dedicado à disrupção. Para o jurídico, uma área de
rotina, talvez faça sentido utilizar apenas 1% do orçamento para a disrupção, mas, para o
comercial ou para o marketing, esse percentual pode ser muito maior. O que não dá é para entrar
no automático. Esqueça o “Como eu gastei no ano passado, tenho de gastar este ano”. Questione
sempre e crie ciclos menores de revisão.
Outra percepção que temos é que, nas empresas menores, a segunda e a terceira partes do
orçamento só existem se houver ideias. Não adianta pedir que se separe dinheiro para inovação,
de maneira genérica, sem a perspectiva do que isso significa. As equipes precisam ser proativas,

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apresentar projetos e mostrar o valor que eles podem ter para conseguirem usar uma parte do
orçamento na construção de uma ideia nova.
A experiência de um de nós – Antonio – no Grupo Pão de Açúcar foi reservar uma verba para
incentivar as diversas áreas a fazer melhorias ou disrupções. Ao longo de um ano, foi alocado um
valor fixo no orçamento, que qualquer equipe poderia acessar se apresentasse uma boa proposta
e objetivos claros. Da logística ao comercial, passando por finanças, os times da empresa
criavam projetos e pediam alguns milhares de reais para fazer um piloto. Um gestor analisava
todas as ideias e, com base em critérios preestabelecidos, escolhia quais poderiam pegar uma
parte do dinheiro. O jurídico, por exemplo, propôs integrar seus processos a uma startup que
prometia ajudar na consolidação e negociação das causas trabalhistas. Se desse certo, em pouco
tempo haveria redução de custos e melhoria de eficiência na área. Ao final da apresentação, a
equipe conseguiu uma verba para testar a solução. Era como se fosse um seed money
(investimento semente) para boas ideias espalhadas pela companhia. Isso ajudou a criar uma
dinâmica de inovação e a inspirar as pessoas a gastar energia na construção do futuro, e não
apenas no dia a dia. Esse equilíbrio entre o hoje e o amanhã é fundamental para não desprezar o
que dá dinheiro no presente sem rejeitar boas ideias para o futuro.
Para quem não tem dinheiro, vale a pena pensar em horas de pessoas dedicadas a esse
trabalho, até porque tempo é dinheiro. Equipes atuando de maneira criativa podem encontrar
soluções sem dinheiro inicial, apenas investindo tempo para fazer os primeiros testes. É assim,
aliás, que geralmente nascem as startups. O dinheiro do investidor só começa a aparecer depois
que já há um futuro a ser vislumbrado.

ESTRUTURA #3: RÁPIDO OU NEM TÃO RÁPIDO ASSIM


Outra maneira de pensar a transformação digital é definir a velocidade da mudança. Qual
ritmo tem de ser imposto à empresa? Dá tempo de testar e fazer aos poucos ou é preciso
mergulhar de cabeça na disrupção? Quem está em uma situação mais segura talvez não precise ir
tão rápido e queimar dinheiro acelerando a transformação desnecessariamente. É o caso de
setores que demandam alto investimento, como indústrias químicas – o setor exige tanto capital
que é difícil aparecer um novo entrante de surpresa. Já setores como o varejo não podem se dar a
esse luxo.
Durante a crise do novo coronavírus, um exemplo chamou a atenção na imprensa. A rede
Lojas Cem ficou com receita zero durante o período de isolamento, já que opera apenas com
lojas físicas. Uma das poucas de seu setor sem comércio eletrônico, a empresa continuou firme
em sua estratégia de não investir no e-commerce durante a crise. “Não é uma tradição do
brasileiro comprar pela internet”, declarou o superintendente José Domingos Alves em entrevista
à Rádio Jovem Pan em abril de 202082. Em agosto, em outra entrevista à mesma emissora83, ele
afirmou que a retomada provou que a companhia estava no caminho certo. “Para nossa surpresa,
quando reabrimos as lojas, vimos uma quantidade enorme de pessoas querendo comprar em
nossos endereços”, disse. “Estamos desde julho reabrindo algumas lojas e faturando como se
fosse dezembro. É incrível. Recebemos muitas mensagens de apoio. Isso nos mostrou que não
estamos tão errados assim. A população entende que tem que ter alguém especialista, com olho
no olho, para atendê-la.”
É possível que as Lojas Cem estejam apostando em uma estratégia de colheita e hiperfoco, que
queiram manter o atendimento presencial como diferencial enquanto tantos outros varejistas

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migram para a internet. Ninguém tem bola de cristal para afirmar qual é o certo a fazer. Só o
futuro dirá.
Também é importante estar com os radares ligados para captar os eventos que disparam a
disrupção. Pode ser uma aquisição, o surgimento de uma scaleup, uma crise como a do
coronavírus, um novo modelo de negócio, uma nova regulação ou qualquer fator que demonstre
que o sistema quebrou ou mudou. Em maio de 2020, por exemplo, o Banco Central anunciou um
calendário para a implementação do open banking no Brasil, iniciativa que vai permitir que os
clientes de instituições financeiras compartilhem seus dados com outras empresas, o que pode
acirrar a concorrência nesse mercado. As discussões sobre a mudança já estavam em pauta havia
alguns anos no país, mas os bancos que esperavam para ver não podem mais ficar parados.
Precisarão criar uma estrutura para seguir a nova legislação e, principalmente, diferenciais para
manter-se relevantes diante de outras companhias menores que poderão saber tudo sobre seus
clientes e abordá-los com ofertas.
Um fator que também pesa nessa decisão é a ousadia da liderança. Se houver necessidade de
fazer uma mudança radical, qual o tamanho da coragem de acionistas e executivos para romper
com todos os padrões? O banco holandês ING foi uma das poucas grandes organizações no
mundo capazes de fazer uma virada no estilo “vai com tudo”. A história foi registrada em um
estudo de caso da Universidade de Harvard84.
Depois da crise financeira de 2008, a instituição acelerou suas iniciativas para tornar o banco
mais omnichannel. A visão era criar uma plataforma aberta na qual os clientes poderiam não
apenas acessar serviços financeiros, mas também ofertas complementares de outras empresas. A
ideia era que o ING estivesse presente na vida de seus clientes em vários momentos, com uma
experiência personalizada para cada demanda. A digitalização estava no centro dessa mudança.
No entanto, em 2014, a companhia percebeu que não estava conseguindo atender às novas
necessidades dos clientes rápido o suficiente. “Estávamos presos em uma organização que não
era capaz de agir como deveria”, afirmou Marije Lely, COO85 da área de crédito corporativo.
Vincent van den Boogert, CEO do ING, entendeu que não daria para fazer a transformação em
etapas. Se ele esperasse até a empresa estar pronta, ela nunca se moveria. A solução foi
implementar a mudança de uma vez, queimar a ponte com o passado e obrigar a equipe a
descobrir como caminhar para a frente com um novo modelo, usando o método ágil e colocando
o cliente no centro das discussões.
No final daquele ano, a liderança anunciou que faria um upgrade em todos os sistemas de
tecnologia da informação (TI) ao mesmo tempo que mudaria o modo de trabalhar, refazendo a
estrutura organizacional. Para o novo desenho, absolutamente todos os funcionários foram
“dispensados” de seus cargos e tiveram de se candidatar a uma posição no novo ING. Durante o
processo seletivo, os candidatos tinham duas entrevistas: uma para avaliar seu conhecimento e
experiência e outra para analisar aspectos culturais e comportamentais. Ao final da seleção, 25%
dos funcionários não foram alocados em novas posições, ou seja, foram demitidos, inclusive
pessoas que antes eram admiradas como “heróis” na empresa. Todas as reuniões agendadas
foram suspensas. O escritório foi repaginado. Em junho de 2015, aqueles que haviam ficado na
empresa puderam conhecer o novo espaço de trabalho e descobrir como o novo modelo
funcionaria. Era como começar de uma página em branco. A estratégia deu certo e o ING se
tornou referência global em transformação digital.
Por trás da virada drástica no negócio está o conceito de evitar que a organização patine com
projetos-piloto. O mais difícil durante a transformação digital, quando a nova estratégia e os
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novos métodos de trabalho são implementados aos poucos, em times específicos, é depois
reproduzir os modelos bem-sucedidos por toda a companhia. Enquanto são apenas pilotos, há
sempre a possibilidade de se agarrar ao antigo, de pensar que, se der errado, é possível voltar ao
que a empresa sempre soube fazer.
Um de nós – Daniel – já acompanhou uma organização que passou por essa dificuldade. Ao
redesenhar os processos, algumas pessoas insistiam em se agarrar à forma antiga de trabalhar.
Em alguns casos, é preciso ser radical, matar o legado e queimar pontes com o passado, mesmo
sem ter certeza se será possível alcançar a produtividade e o desempenho no curto prazo com a
nova rotina.
Desapegar não é fácil. Marcus Hadade, da Arizona, passou por esse processo. No capítulo
anterior, descrevemos como a empresa decidiu mudar seu posicionamento de preparar e imprimir
arquivos para criar um sistema de gestão de mídias digitais. Com a nova ideia já em gestação,
Marcus e seu irmão, Alexandre, sócio no negócio, entenderam que em algum momento
precisariam vender a gráfica. No entanto, seria uma ruptura difícil. A gráfica era a origem da
companhia, que começara no final dos anos 1990. A maior parte da receita ainda vinha dela, era
o que pagava o salário dos funcionários. O processo inicial de desenvolver a tecnologia da nova
plataforma, mesmo com clientes iniciais, mal pagava os custos da operação. Apesar da visão do
futuro, foram quase três anos de hesitação. “É difícil você tomar uma decisão de cortar na carne
para se reinventar”, conta Marcus.
A maioria das pessoas – clientes externos e equipe interna – com quem a Arizona
compartilhava seu projeto de vender a gráfica era contra a ideia. O mercado ainda estava
crescendo. Ninguém entendia a lógica. Depois de tanto esforço para conquistar sua posição no
setor, agora a empresa queria se desfazer de seus ativos? A única exceção eram alguns mentores
da Endeavor, organização de fomento ao empreendedorismo, que entendiam que vender a gráfica
era a decisão certa para abraçar o futuro.
Finalmente, em 2007, uma gráfica pertencente ao Grupo Globo, com quem a Arizona já tinha
relacionamento, fez uma proposta para comprá-la. Havia chegado o momento. Foram dois anos
de acordo operacional, ainda com as duas empresas coexistindo, mas trabalhando em um só
lugar. Percebendo que estava tudo bem com a integração, os sócios por fim assinaram a venda.
Com o dinheiro, aceleraram o investimento em tecnologia. Agora, era tudo ou nada:
precisavam entregar a plataforma e desenvolver o serviço para reconstruir sua reputação e sua
carteira de clientes no novo modelo de negócio. Foi um período difícil de adaptação, com muita
correria para entregar o que haviam prometido, mas, com a evolução da plataforma tecnológica,
a Arizona conquistou grandes clientes. Atualmente, atende 70 dos 300 maiores anunciantes do
país e as principais agências.

ESTRUTURA #4: CONVIVER OU ISOLAR?


Caso a empresa opte por fazer uma transformação ao estilo “vai aos poucos” – e a maioria
prefere seguir por esse caminho, até ser jogada ao mar da mudança por uma crise como a da
pandemia do novo coronavírus –, será preciso definir se as iniciativas mais disruptivas, bem
como as equipes responsáveis por elas, trabalharão misturadas à organização ou serão isoladas
em uma área à parte.
Essa reflexão é fundamental porque combinar a colheita e a disrupção dentro de uma única
companhia não é tarefa simples. Os profissionais com as competências necessárias para

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promover transformações costumam ter hábitos radicalmente diferentes daqueles acostumados ao
status quo das empresas grandes e tradicionais. Como proteger os garotos que chegam de
bermuda e tatuagem em organizações em que o código de vestimenta é terno e gravata? Como
fazer para evitar que a força da inércia não sufoque o novo?
Entre os casos que estudamos, tanto aqueles nos quais nos envolvemos pessoalmente como
aqueles analisados por escolas de negócio, o melhor caminho parece ser o isolamento. A
separação protege as áreas e os profissionais com uma mentalidade diferente e evita que a
novidade seja expelida pelo sistema. É por isso que, no Brasil, grandes empresas, como Itaú e
Bradesco, passaram a criar e patrocinar espaços de inovação e centros para startups, como Cubo
e Habitat.
Em geral, os agentes da mudança precisam ser blindados de alguma forma para que possam
trabalhar de maneira completamente nova para a empresa e ter ideias que não se limitem às
tarefas de rotina para, talvez, trazer a disrupção. Ao mesmo tempo, isso permite às equipes
estabelecidas certa estabilidade e, sobretudo, foco. Afinal, são elas que pagam as contas no curto
prazo e que são fundamentais para financiar os novos projetos. Principalmente em grandes
organizações, é importante não dispersar e manter a colheita em operação.
Contudo, é um equilíbrio desafiador. As pessoas que estão acostumadas ao modo de trabalhar
das empresas tradicionais e que se dedicam há anos ao modelo de negócio vigente também
precisam ser valorizadas. Elas podem ficar desmotivadas ao perceber que os outros estão com
um escritório descolado, jogando sinuca nos intervalos. Lembre-se das vaquinhas suíças
desorientadas: o conceito aqui é foco.
Para não criar silos desconectados, é importante desenvolver algumas estratégias para o núcleo
de inovação manter a conexão com a “nave-mãe”, especialmente se a aposta é que o negócio
principal vai evoluir, mas não sumir – como as lojas físicas para os varejistas de alimentos –, ter
maneiras de fazer com que os times se comuniquem e percebam o valor de cada área para a
direção da empresa como um todo. Em algumas companhias, por exemplo, para espalhar o novo
jeito de trabalhar e a mentalidade de inovação, os executivos “tradicionais” precisam realizar um
estágio no núcleo de inovação antes de assumirem novos cargos.
Entre as organizações brasileiras, há dois casos emblemáticos de áreas de inovação que foram
criadas em isolamento. A fabricante de cervejas AB InBev criou a ZX Ventures, uma empresa à
parte com a tarefa de “pensar” a cervejaria com a agilidade de uma startup e buscar alternativas
que garantam seu futuro, ou no setor de bebidas, ou fora dele86. No Brasil, a ZX opera desde o
primeiro semestre de 2015. O argumento para a separação foi dar independência ao time, que
tem orçamento próprio e alto nível de autonomia em relação à administração central87 e, assim,
pode navegar muito mais rápido do que faria dentro da grande organização. A ideia é antecipar
tendências de cervejas artesanais, além de fazer análise de dados e otimização de mídia. É na ZX
também que fica a gestão de plataformas de venda, como o Empório da Cerveja e o Zé Delivery,
e de iniciativas que vão além da cerveja, como uma marca de vinho em lata. Ouvimos de um
funcionário que, se dentro da Ambev seria preciso esperar uma semana por uma autorização para
comprar mais espaço de armazenamento na nuvem, na ZX basta passar o cartão de crédito
corporativo. Até 2019, quatro anos após sua criação, suas marcas já somavam 1 bilhão de dólares
em vendas88.
O segundo caso é o da varejista Magazine Luiza, que em 2011 criou o LuizaLabs.
Inicialmente, o time, de apenas quatro pessoas, ficava em uma sala de massagem desativada na
sede da organização89. A principal diferença entre os profissionais do LuizaLabs e o restante da
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companhia era a velocidade com que podiam testar e implementar ideias. Levava de seis meses a
um ano fazer um projeto relevante para a empresa, e o núcleo de inovação conseguiu reduzir esse
tempo90. A diferença começou logo na primeira semana de trabalho. Para superar as limitações
impostas pelo departamento de tecnologia ao acesso à internet, a equipe contratou paralelamente
um serviço de internet e criou um e-mail próprio usando o cartão de crédito do gestor da área.
No LuizaLabs foram incluídas inovações como o Magazine Você, uma plataforma para as
pessoas criarem suas lojas on-line com produtos da varejista e o aplicativo de compras. Em uma
entrevista em 202091, André Fatala, CTO do Magazine Luiza, afirmou que após quase uma
década de trabalho o LuizaLabs estava diluído por toda a companhia. Segundo ele, focar o dia a
dia da empresa foi essencial para que as outras áreas vissem os resultados. As lojas físicas, por
exemplo, receberam o projeto-piloto de uma solução que diminuiria o tempo de compra do
cliente de 40 minutos para cinco. “Sempre que se fala de laboratório, as pessoas acham que só
vamos trabalhar para tentar ‘soltar foguete’. Mas a gente inovou usando processos digitais para
melhorar produtividade ou eficiência – e isso você pode ver no resultado da empresa”, disse
Fatala.
É evidente que o Magazine Luiza conseguiu disseminar a mentalidade de transformação. A
organização mudou o funcionamento do mercado com um modelo forte de venda pela internet e
integração logística com as lojas físicas. Pressionou a concorrência a se reinventar e jogar seu
jogo. Tanto que nos últimos anos tem sido uma das companhias com melhor desempenho na
bolsa de valores brasileira, com uma rentabilidade de 1.134% desde sua estreia no pregão, em
2011, até o início de 2019 – no mesmo intervalo, o Ibovespa subiu 47%92. Durante os meses mais
críticos de isolamento social na pandemia, inclusive, a ação da empresa foi uma das mais
resilientes. Negociada a cerca de 48 reais em dezembro de 2019, estava valendo mais de 85 reais
em setembro de 202093.
Uma vez que as empresas definem sua estratégia, ou seja, fazem as escolhas para criar seu
diferencial e se tornar competitivas no ambiente de transformação digital, o passo seguinte é
mobilizar as pessoas nessa direção e construir uma nova mentalidade de trabalho. Afinal, são as
equipes que levarão a transformação adiante, e sem novos hábitos e novas competências é
impossível escalar a mudança na organização.

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CAPÍTULO 4

CULTURA E MINDSET

O QUE É UMA COMPANHIA ANTIGA com tecnologias novas e a mesma forma de


gestão? Como dissemos no capítulo 1, apenas uma empresa antiga com custos mais altos. Trocar
as ferramentas só faz sentido quando os profissionais aprendem um novo jeito de trabalhar. Por
isso, um dos aspectos fundamentais da transformação digital é a mudança cultural. Organizações
são construídas por gente, não por máquinas ou planilhas. Inovações e estratégias são imaginadas
por pessoas. E, se elas continuarem operando com a mesma cabeça do passado, não serão
agentes da transformação.
Até o início deste século, era possível antecipar mudanças dos concorrentes ou do mercado. As
empresas faziam um plano de atualização e seguiam uma série de processos para se ajustar. No
entanto, vivemos em um momento em que as disrupções surgem rápido demais. Não dá para
prever e planejar tudo. É preciso se acostumar a não ter respostas prontas, adaptar-se em pouco
tempo e estar preparado para lutar contra um inimigo desconhecido, seja qual for a indústria.
A necessidade de estar sempre pronto para a mudança ficou ainda mais evidente com a crise
do novo coronavírus. Em poucas semanas, o cenário para os negócios se alterou completamente
no mundo todo. A transformação precisou ser violenta para sobreviver, para garantir clientes e
receita no período de isolamento social. As empresas que já tinham uma cultura aberta à
mudança, habilidades para navegar em um mundo instável ou presença digital conseguiram
organizar com mais facilidade um plano de ação e encontrar alternativas.
Para ter respostas novas e dinâmicas para um mundo em transformação, as equipes têm de
atualizar suas competências e se acostumar a pensar e interagir de maneira diferente. O futuro
não é sobre tecnologia. É, sim, sobre como profissionais se comportam e tomam decisões. Mas
como organizar os times e os processos para garantir reações rápidas? O que exatamente as
pessoas precisam saber e como devem pensar para estar à altura dos desafios? Reunimos a seguir
as competências que consideramos mais importantes para empresas e profissionais
desenvolverem durante a transformação cultural.

HIPERATENÇÃO OU “CURIOSIDADE CRÔNICA”


Hiperatenção é a capacidade de observar o ambiente de negócios e constantemente coletar
informações para detectar mudanças ou oportunidades. É ter uma curiosidade crônica sobre o
momento que vivemos, estar sempre conectado e de antena ligada para perceber o que acontece
no mercado, na vida do consumidor e na dinâmica interna da empresa.
A hiperatenção está relacionada à habilidade de capturar o Zeitgeist, o espírito do tempo, ou
seja, entender os pensamentos e sentimentos vigentes na população e farejar as tendências,

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compreender o caldeirão cultural que define os anseios e as motivações de determinado grupo de
pessoas. Quem não entende nem aceita o presente pode ficar obsoleto rapidamente.

O monitoramento constante do universo ao redor contribui para a tomada de decisão. Com


base nas informações captadas do ambiente, é possível gerar insights sobre como deve ser o
posicionamento da empresa, quais riscos estão no horizonte ou qual é o próximo potencial
lançamento. O alinhamento com o Zeitgeist ajuda as empresas a permanecer relevantes – assim
como nadar contra a corrente pode prejudicá-las rapidamente.
Em 2015, causou polêmica uma campanha promovida pela marca de analgésicos Novalfem
que se referia à cólica menstrual como “mi-mi-mi”. Várias mulheres se sentiram ofendidas com a
propaganda, afirmando que não fazia sentido chamar de “mi-mi-mi” uma dor real como a cólica
ou as mudanças emocionais causadas pelas alterações hormonais95. Muitas questionaram se havia
alguma mulher envolvida na criação do conceito, que parecia destoar tanto da realidade. Em um
momento em que a sociedade discutia cada vez mais assuntos do mundo feminino que por
décadas foram considerados tabus, a campanha foi na contramão do espírito do tempo. E quem
vai na direção contrária da sociedade pode ser visto como um dinossauro, incapaz de se conectar
com o público.
Já um exemplo positivo de campanha alinhada com o espírito do tempo é o da ação da Nike
lançada durante o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), em 2020, que
ganhou repercussão mundial após a morte do afro-americano George Floyd, 46 anos, sufocado
por um policial que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem. Partindo de seu slogan
“Just do it” (Apenas faça), a empresa pediu: “For once, don’t do it” (Dessa vez, não faça). Em
um vídeo publicado em suas redes sociais, chamou a atenção para a questão racial nos Estados
Unidos e para as vidas inocentes afetadas, convocando as pessoas a serem parte da mudança96.
Também em 2020, uma campanha que teve muita repercussão no Brasil foi a da Natura em
homenagem ao Dia dos Pais. Entre os escolhidos para protagonizá-la estava o ator transexual
Thammy Miranda, pai de Bento97. A empresa foi alvo de críticas, mas manteve seu
posicionamento. “A Natura acredita na diversidade”, declarou em comunicado oficial. “A Natura
celebra todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa
masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações.”98
Outro exemplo de tendência é o fato de a geração mais jovem, que ingressou recentemente no
mercado de trabalho, estar muito mais preocupada com a desigualdade social e a
sustentabilidade, sentindo que o mundo tem problemas estruturais que precisam ser corrigidos.
Essas preocupações não faziam parte das pautas institucionais algumas décadas atrás.
Um estudo feito com mil pessoas pela empresa norte-americana First Insight99 no final de
2019 descobriu que 62% dos integrantes da geração Z (nascidos após 1995) preferiam comprar
de marcas sustentáveis, bem mais que os 39% dos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964).
Além disso, 73% dos mais jovens estavam dispostos a pagar mais por esses produtos
sustentáveis, em comparação a 42% dos mais velhos. Não foi à toa que uma das celebridades de
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2019 foi a ativista sueca Greta Thunberg. Com 15 anos, ela começou a faltar na escola para
protestar em frente ao Parlamento sueco. Sua causa mobilizou estudantes no mundo inteiro e foi
o pontapé inicial de um movimento de greve pelo clima que levou às ruas milhões de pessoas em
todo o planeta, muitas delas crianças100.
As empresas antenadas com essa demanda que conseguirem ajustar sua oferta para serem mais
sustentáveis provavelmente estarão em vantagem – ou, pelo menos, correrão menos risco de ter
sua imagem prejudicada por negligenciar esse aspecto.
No final de 2019, a grife de roupas Gucci, uma das marcas mais valiosas da Itália, anunciou
que havia neutralizado a emissão de carbono de sua operação, compensando todas as emissões
de gases do efeito estufa101. O CEO da companhia, Marco Bizzarri, também publicou uma carta
aberta convocando outras lideranças do setor a aderir ao desafio. “Acredito que a ação coletiva é
imperativa se queremos ajudar a criar um futuro no qual a sociedade e os negócios podem
prosperar, enquanto a natureza é recuperada e protegida”, afirmou o executivo. Foi uma
estratégia inteligente. Estimativas indicam que a indústria da moda é responsável por 8% do
impacto climático102. As empresas certamente sabem disso e estão vendo ao seu redor muitos
outros setores – como o de petróleo e o automotivo – serem bombardeados com críticas. Em
algum momento, a resistência chegaria às grifes de roupas. Em uma defesa estratégica, a Gucci
se antecipou. Antes de ser alvo do eco-shaming (ato de chamar a atenção para comportamentos
que vão contra as boas práticas ambientais), tomou para si o problema e criou uma solução.
Mudou antes que o mundo a forçasse a fazê-lo e convocou mais gente a seguir pelo mesmo
caminho. Alinhou seu posicionamento à demanda e, talvez tenha renunciado ao resultado de
curto prazo, mas estava de antena ligada e entendeu que isso a beneficiaria no longo prazo.
Do ponto de vista da empresa, cultivar a hiperatenção significa ter pessoas ou equipes de olho
nas oportunidades, nas inovações e nos riscos associados a manter a operação como está; criar
processos para que essas novas informações possam constantemente arejar a empresa; monitorar
tendências do mercado, dos consumidores e da tecnologia; entender o que está acontecendo na
logística e na relação com fornecedores; perceber como os funcionários querem ser tratados e o
que não aceitam mais; saber o que a concorrência tem feito, quais são os novos modelos de
negócio e como o setor está se desenvolvendo e se reinventando em outros países; promover
eventos e conversas para falar sobre o tema transformação digital, apresentando exemplos e boas
práticas de empresas que conseguiram se reinventar.
Para colocar essa habilidade em prática, a Natura estruturou uma área chamada inteligência de
marketing, cuja equipe analisa o público com quem a marca se relaciona. O objetivo é
acompanhar o mercado e as necessidades das pessoas para entender quais produtos atendem
melhor às novas demandas e quais as principais categorias que potencialmente perderão espaço.
Além disso, a área pode identificar oportunidades e avenidas de crescimento para em seguida
criar projetos voltados para aquele público específico e monitorá-los. Assim, no longo prazo,
conseguirá direcionar os ajustes que precisam ser feitos no portfólio, informada pelo que as
pessoas buscam.
De certa maneira, desenvolver a hiperatenção é desenvolver um senso de futurismo, fazer
extrapolações sobre o que pode acontecer considerando experiências passadas e acontecimentos
do presente. Hoje, planejamento estratégico tem mais a ver com colocar em prática essa
capacidade de antecipar tendências do que olhar para o curto prazo com um viés de orçamento.
Do ponto de vista do indivíduo, construir essa competência começa por consumir informações.
Pode ser lendo notícias, vendo um documentário, fazendo um curso, conversando com
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especialistas, frequentando eventos – sempre tomando cuidado com fake news e monitorando
várias fontes, sem estar ancorado por uma única perspectiva. Quanto mais conhecimento um
profissional tiver sobre o mundo e seu mercado, mais referências terá para lidar com um novo
desafio e mais poderá antecipar transformações que ainda não atingiram seu negócio.
Carlos Miranda, CEO da gestora de growth capital X8 Investimentos, lembra-se de quando
investiu na Flores Online, precursora das floriculturas digitais. No primeiro dia de reunião com a
equipe, ele elogiou o fato de terem sido pioneiros no mercado. No entanto, ressaltou que, embora
seus fundadores fossem jovens e a empresa tivesse sido inovadora, naquele momento estava se
tornando um negócio velho. “Vocês são first movers, mas quem está comprando flor hoje são as
pessoas com mais de 40 anos. Eu tenho um filho que dificilmente vai chegar aos 18 anos
pensando em comprar flor para alguém. Como a gente vai ganhar esse cara?”, questionou Carlos.
Para isso, seria preciso entender o pensamento de uma nova geração. Olhar para as tendências do
mercado consumidor, segundo ele, era uma provocação tanto para os empreendedores como para
ele mesmo. Sem conhecer os hábitos e os desejos de públicos específicos, ele correria o risco de
deixar passar bons negócios como investidor, simplesmente por não conseguir capturar o espírito
do tempo.
Para saber se sua empresa exercita a curiosidade crônica, questione-se: a companhia tem a
habilidade de capturar insights sobre seus colaboradores (funcionários, parceiros, terceiros)?
Tem a habilidade de capturar insights sobre os consumidores em diferentes contextos? Tem a
habilidade de capturar insights sobre o ambiente de negócios? Tem a habilidade de capturar
insights sobre o que pensam e sentem seus colaboradores em diferentes contextos? E fazer tudo
isso de maneira tempestiva?

DIVERSIDADE, O PILAR DA INOVAÇÃO


Respeitar a diversidade e criar um ambiente diverso também são competências fundamentais
para uma organização se reinventar. Se a hiperatenção é ter os radares ligados, a diversidade é
garantir a maior quantidade possível de radares, apontados para várias direções. É ela que
permite à companhia ter uma visão que nenhuma pessoa sozinha teria. Acreditamos que a
diversidade torna o impossível possível, porque o que é difícil de fazer para um indivíduo pode
se tornar factível quando ele se junta com alguém que pensa, sente ou interpreta o mundo de
outro modo, o que representa um desafio adicional para as empresas em um mundo cada vez
mais fragmentado.
A transformação digital requer fazer adaptações no modelo de negócio, encontrar maneiras
diferentes de atuar no mesmo mercado e até descobrir novos territórios para ocupar. Fica mais
fácil desbravar essas oportunidades de mudança ou de expansão quando diversos pontos de vista
são levados em consideração. É preciso criar formas de ouvir todos os setores da sociedade para
tomar decisões com base no que está acontecendo no mundo, não apenas na bolha particular de
um grupo de indivíduos – e contar com diferentes pontos de vista é um aliado nessa missão.
Além disso, as organizações que desejam continuar crescendo precisarão atender esses clientes
diversos e entender suas necessidades. Elas certamente farão isso melhor se tiverem um time
heterogêneo.
Certa vez, em uma reunião de conselho, a liderança de uma empresa que conhecemos estava
discutindo como poderia oferecer um serviço para o público de classe D. O debate durou alguns
minutos até que surgiu o questionamento: “Mas o que nós sabemos sobre o cotidiano das pessoas

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com essa renda? Qual é o problema que elas têm? Onde moram?”. Ninguém sabia responder.
Todos os participantes da reunião eram de classe A e estavam distantes do contexto dos clientes.
Como seria possível atender bem aquele público sem informações suficientes sobre sua
realidade? A decisão foi fazer uma consulta ao público-alvo do produto que estava sendo
desenvolvido, colocando a equipe do call center como interlocutora da pesquisa, para que
houvesse empatia e identificação no momento da conversa.
Sheryl Sandberg, COO do Facebook, conta em seu livro Faça acontecer103 um caso que
aconteceu quando estava grávida e ainda trabalhava no Google. Inchada e com enjoos
recorrentes, certo dia precisou andar rapidamente até seu carro para chegar pontualmente a uma
reunião, mas o veículo estava longe, o que só piorou seu mal-estar. No dia seguinte, entrou no
escritório dos fundadores da empresa e pediu que fossem reservadas vagas para gestantes na
frente do prédio. Ela nunca havia pensado nisso e imaginou quantas antes dela tinham sofrido
com as distâncias do estacionamento. O pedido foi atendido sem questionamentos. Por mais
dados que estejam disponíveis, para ter compaixão e realmente entender, temos de calçar o
sapato dos outros.
A sociedade sempre foi plural. No entanto, na era dos produtos massificados, todos os
indivíduos faziam parte de uma mesma massa de consumidores. Agora, o cenário é diferente.
Estamos em uma época em que os micronichos têm voz. Grupos menores de indivíduos antes
sem representatividade hoje demandam bens e serviços que satisfaçam suas necessidades
específicas. Se uma empresa quer continuar crescendo, deve atender os mais variados tipos de
pessoas, para não correr o risco de perder mercado. Para atingi-los, tem de se certificar, acima de
tudo, de que eles existem e, então, entender o que precisam e o que desejam. Se os profissionais
de determinada organização têm interesses parecidos, frequentam os mesmos lugares, convivem
com um círculo restrito de amigos e consomem produtos similares, como saberão o que está
acontecendo fora de sua bolha? Uma empresa sem diversidade tende a ser monocromática.
A pesquisa Diversity Matters104 usou dados de 266 companhias listadas em bolsa na América
Latina, na América do Norte e no Reino Unido para descobrir se a presença de diversidade nas
organizações impactava os resultados. A conclusão foi que o quartil com as empresas mais
diversas no parâmetro de raça e etnia tinha 35% mais probabilidade de ter retornos financeiros
acima da média de suas indústrias, e o quartil com as mais diversas no parâmetro gênero, 15%
mais.
Para que a diversidade de fato fomente a inovação, não basta ter uma equipe formada por
pessoas de diferentes origens, gênero, cor, orientação sexual ou formação. É preciso que elas se
manifestem, pautem a conversa e tragam questionamentos. Não adianta ter um time heterogêneo
se a liderança só permite que ele execute suas decisões. As pessoas devem ser estimuladas a
pensar criticamente e a ser propositivas. Talvez essa interação gere incômodos e desafie certezas
arraigadas na organização, mas é justamente desse conflito que podem emergir novas
possibilidades.
A última barreira a superar – e provavelmente a mais difícil – é a diversidade de pensamento.
De nada vale aceitar o diferente em termos de gênero, etnia ou origem socioeconômica se a
condição para isso é que ele pense como a liderança e se enquadre na cultura da empresa. Por
exemplo, no caso das líderes mulheres, como dar espaço aos atributos femininos para que
cheguem ao topo sem que precisem imitar os comportamentos da liderança masculina?
Um exemplo de discussão atual que pode facilmente desconsiderar a realidade das diferentes
famílias se não houver diversidade na liderança é a questão do home office. Muitas pessoas estão
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tendo a possibilidade de trabalhar em casa pela primeira vez. Algumas estão adorando a
experiência, enquanto outras nem sequer a desfrutam. O isolamento social obrigatório prejudica
em especial as residências nas quais as mulheres são as líderes – realidade de quase metade dos
lares brasileiros105 –, principalmente as de baixa renda, que, por causa do machismo histórico,
acabam responsáveis por cuidar das tarefas domésticas e dos filhos e ainda precisam dar conta do
trabalho com o qual garantem a renda domiciliar. Portanto, defender o home office sem
ponderações demonstra falta de contato com a realidade diversa do país e negligencia o desafio
que é trabalhar em casa para muita gente. A discussão de como as empresas lidarão com o
trabalho remoto no futuro e como vão mensurar a produtividade das equipes no momento da
pandemia ficará rasa se a liderança desconsiderar outros pontos de vista, sem que alguém
passando por essa situação levante a mão e compartilhe seus dilemas.
A diversidade também faz com que surjam perguntas variadas. De nada adianta ter um banco
de dados com milhões de informações disponíveis se a pessoa responsável por encontrar dados
relevantes não souber o que está buscando. Boas respostas só serão obtidas com questões
inteligentes e inesperadas. Quanto mais cabeças diferentes pensando, mais abundantes e
produtivas tendem a ser as questões.
Nesse quesito, vale dizer que as startups não têm uma clara vantagem em relação às
companhias tradicionais. A pesquisa State of Startups, feita pela empresa de venture capital First
Round em 2019106 nos Estados Unidos, coletou dados com mais de 3.600 empreendedores.
Questionados sobre o conselho da empresa, quase metade (48,7%) afirmou que havia apenas
homens ocupando as cadeiras, e 26%, que a maioria era homem. Ou seja, pelo menos em questão
de gênero, a diversidade passa longe do principal núcleo tomador de decisão.
O que as startups têm, especialmente as norte-americanas, é uma diversidade de
nacionalidades. No Vale do Silício, 45% dos funcionários das organizações de STEM (sigla em
inglês de ciência, tecnologia, engenharia e matemática) não são nascidos nos Estados Unidos,
número que salta para mais de 70% quando considerados apenas os programadores107. Essa
diversidade de mão de obra e o entendimento de realidades muito distintas contribuem para que
36% dos clientes das empresas de tecnologia que operam no Vale do Silício sejam estrangeiros,
número que no Brasil não chega a 10%. Esse movimento de importação de talentos, que trazem
consigo competências e diversidade, ficou tão importante que, quando os Estados Unidos
começaram a limitar a entrada de estrangeiros, a cota passou a ser quase integralmente
consumida pelas companhias de tecnologia. O movimento de fechamento de fronteiras
promovido pelo presidente Donald Trump bate de frente com a estratégia dessas organizações, o
que pode limitar tanto a diversidade como o desenvolvimento de mercado.
Carlos Miranda, da X8 Investimentos, também busca a diversidade em sua gestora. A equipe
tem pessoas de diferentes faixas etárias, dos 20 aos 60 anos, e equilíbrio de gênero. Ele entende
que garantir esse balanço não é apenas uma iniciativa para criar uma boa imagem da
organização, mas uma atitude que impacta diretamente seu negócio. Todos, com suas
experiências de vida e visões de mundo, participam da discussão sobre investir ou não em novas
empresas, e as avaliações deles têm peso igual. “Isso impacta o pensamento, a dinâmica diária,
pois contamina de um jeito bom para que seja mais fácil tomar a decisão. Ok, eu não sou mulher,
mas sei como ela se sente porque estou todo dia com ela”, diz. Em sua planilha de análise de
investimentos, um dos parâmetros para avaliar o negócio é a diversidade – e não só sua presença,
como também a conclusão de que de fato as pessoas diferentes agregam valor ao processo
decisório.
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DECISÃO BASEADA EM DADOS
Dados são o novo petróleo. A frase teria sido dita pelo matemático britânico Clive Humby108
em 2006, espalhando-se até se tornar um mantra do mundo dos negócios. Ele tem razão. Quanto
mais informações uma empresa consegue coletar, processar e analisar, mais saberá sobre seu
mercado, seus clientes e seus colaboradores; terá insumos concretos para fazer escolhas.
Entretanto, desenvolver essa competência não significa ficar viciado em números e se esconder
atrás dos gráficos. É preciso também bom senso para saber com quais dados trabalhar e clareza
para lembrar que são os seres humanos que tomam as decisões em última instância.
A primeira vantagem de ter uma decisão baseada em dados é sair do senso comum e evitar a
cultura do feeling. É fomentar discussões que não se baseiem em impressões ou experiências
individuais, e sim em fatos. Se a diversidade é importante para permitir diferentes pontos de
vista, a cultura de dados garante que o debate não seja enviesado pela opinião de uma única
pessoa, que não carregue o viés dos tomadores de decisão.
Patty McCord, executiva que foi responsável pela área de gestão de pessoas da Netflix por 14
anos, diz em seu livro Powerful109 que um dos maiores perigos nos negócios é ter pessoas que
são ótimas para ganhar uma discussão mais pelo poder de persuasão do que pelo mérito. Ela
conta que havia um rapaz na empresa que era eloquente e convincente, mas quase sempre estava
errado. “Colocamos um padrão na Netflix de que as pessoas deveriam desenvolver suas opiniões
investigando e ouvindo com a mente aberta argumentos baseados em fatos com os quais não
concordavam”, afirma. Segundo ela, isso era bem recebido porque muitos funcionários eram
matemáticos e engenheiros, acostumados ao método científico.
Especialmente no Brasil, o esforço de tomar decisões com base em informação se choca com
um aspecto cultural. Somos o país da intuição. Para muita gente, ater-se aos fatos soa como algo
morno e burocrático. No entanto, o senso comum, a sensação e o feeling não são suficientes para
tomar boas decisões nas empresas – eles só são aplicáveis a sua bolha; quando você sai dela, são
contraproducentes.
Entre os varejistas, há a cultura de visitar a loja, como se só assim fosse possível saber o que
está acontecendo. Contudo, as conclusões tiradas por uma única pessoa a partir de uma
observação dentro de um espaço e tempo limitados são insuficientes para dar conta do mundo em
que vivemos. Imagine um diretor regional visitando uma unidade de um supermercado. O
gerente sabe que ele vai estar lá, então pode preparar tudo para recebê-lo e falar o que ele quer
ouvir. O consumidor daquela loja específica talvez não seja o mesmo das outras centenas
espalhadas pelo país. O mesmo acontece com chamadas de call center. Para entender a principal
queixa do cliente de uma grande empresa, não basta ouvir dez ligações ao longo do dia. É
preciso monitorar as centenas de pedidos que chegam a todos os canais de atendimento. Claro
que a impressão obtida “gastando sola de sapato” é um dado a ser considerado, mas é apenas um,
entre muitos outros disponíveis. Portanto, não deveria ser a única referência para orientar o rumo
do negócio.
Suzana Pamplona, diretora de inteligência de marketing da Natura, conta como tem sido esse
desafio na transformação digital para a gigante dos cosméticos. A liderança da empresa sempre
se orgulhou de trabalhar com intuição, de tirar conclusões com base na escuta de campo, ou seja,
ouvindo o que está acontecendo na rua e com o consumidor. No entanto, com a empresa cada
vez maior, é preciso organizar esse conhecimento de maneira a ter um termômetro em tempo real

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que informe as decisões e gere vantagem competitiva. “O dado pode vir de qualquer lugar. Uma
informação que uma consultora traz é um dado, mas ele não era sistematizado.” Com cerca de
1,5 milhão de consultoras Natura no Brasil e na América Latina, chegando ao redor de 6 milhões
com a Avon, Suzana afirma que “é preciso dar um jeito de capturar e organizar esse dado. É uma
fonte riquíssima de informação”. A intuição não é proibida, mas pode ser uma faísca que gera
hipóteses, que, por sua vez, deverão ser confrontadas com a análise dos fatos e evidências.
Ao mesmo tempo que dados podem gerar insight sobre novas oportunidades e aprofundar o
conhecimento a respeito do cliente, eles também são fundamentais para acompanhar o
desempenho de produtos, serviços e pessoas, para saber o que está dando certo e o que não está.
Em um momento de mudança, em que inovações são colocadas em prática, é importante rastrear
o efeito que elas geram. Há adesão aos novos produtos e serviços? Em que ponto da jornada o
consumidor está abandonando a novidade? Qual é o desempenho dos funcionários na nova
dinâmica de trabalho?
A Amaro, startup de moda brasileira, criou um modelo híbrido de vendas on-line e lojas
físicas nas quais a cliente pode ver os produtos e experimentá-los. Sem estoque, são apenas um
showroom para prova. Não há peças para levar para casa. Quando uma pessoa chega à loja
procurando um produto, ela encontra certa variedade no showroom, o suficiente para conhecer,
sentir e experimentar. Depois, a vendedora mostra mais opções e exercita combinações menos
óbvias de maneira rápida e ágil na tela de um computador. Ela quer uma saia? Que tal essa? Está
disponível em cinco cores diferentes. Enquanto isso, o mouse se move. Na verde-oliva nenhuma
cliente quer clicar. Em outras muitas clicam, mas, quando veem o preço, saem da tela. Em outras
ainda clicam e a decisão de compra é quase instantânea. O time de produção e marketing recebe
todos esses dados para repensar a oferta. O monitoramento que permite entender o que não
vende, o que quase vende e o que vende é constante, direcionando os próximos passos do
negócio.
Diego Barreto, CFO e vice-presidente de estratégia do iFood, conta que a empresa usa dados
intensamente não só para conhecer o cliente e melhorar a experiência no aplicativo, mas também
para medir o desempenho da equipe. As avaliações são feitas por perguntas respondidas pelos
líderes e pelos liderados. Um algoritmo interpreta as respostas e entrega o resultado final dentro
de uma metodologia de avaliação que leva em conta a performance e o comportamento das
pessoas, sob a ótica da cultura. A ferramenta evita horas de discussão entre as lideranças, além de
eliminar preconceitos inconscientes. Se o resultado não apresenta nenhuma discrepância com a
impressão dos avaliadores, ele é encaminhado para o profissional. Como além do algoritmo há
um feedback mensal entre líder e liderado, o resultado não deveria ser surpresa para ninguém.
Para gestores que têm boa parte de seu time mal avaliado, é sinal de que não está fazendo um
bom trabalho ou sua régua está baixa. “Aí está o papel da transformação digital. Não quero ter
uma reunião de 37 horas para discutir o feedback. Um sistema com todas essas informações me
diz alguma coisa, tem valor”, afirma Diego.
No entanto, dados não tomam decisões. Embora eles informem e apoiem os pontos de vista, as
pessoas não devem descartar toda a sua experiência e conhecimento de mercado. Há duas
armadilhas nas quais é fácil cair quando o assunto são dados: a tendência de se esconder atrás
deles por falta de coragem de tomar uma decisão arriscada e a paralisia pelo excesso de
informação. Ambas as situações são problemáticas para as empresas.
O ideal é encontrar um equilíbrio entre o ser humano e os números – até porque a performance
humana tem milhões de variáveis, algumas não sintetizáveis em dados matemáticos, logo
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impossíveis de modelar. Nenhum pode ter peso demais. É a mente humana que precisa
interpretar os fatos, entender o contexto e decidir como usar as informações disponíveis. É aqui
que, em parte, a intuição se torna importante. Não a intuição como mera sensação enviesada ou
algo místico, mas aquela definida pelo economista norte-americano Herbert Simon: “A situação
forneceu um indício. Esse indício deu ao especialista acesso à informação armazenada em sua
memória, e a informação fornece a resposta. A intuição não é nada mais, nada menos que
reconhecimento”110.
Suzana, da Natura, corrobora essa visão. “Os dados orientam, mas não tomam decisão por
ninguém”, afirma. São os líderes dos assuntos, combinando experiência, competência e a tão
importante diversidade de pontos de vista, que precisam decidir qual rumo tomar mesmo quando
não possuem todos os números para confirmar sua aposta. “Não há certeza estatística, mas há
indicativos o tempo todo. Vou ou não vou? Isso é parte de uma decisão corajosa”, diz a
executiva. Ela dá o exemplo de quando a diretoria da organização concluiu que não estava
conversando com o público desejado ao concentrar quase a totalidade da sua verba de
comunicação em um único meio – a TV aberta. Com base em evidências, a liderança entendeu
que não interagia como deveria com seus potenciais consumidores. Depois de quase dez anos
com a mesma estratégia, tomou a decisão de mudar radicalmente seu plano de comunicação para
investir de maneira mais balanceada nos diversos meios e aumentar a participação de mídia
digital e redes sociais. A empresa conseguiu melhorar a rentabilidade de seu investimento e a
forma de falar com o consumidor. No entanto, foi uma ruptura difícil, que, apesar de ter os dados
como base, exigiu muita análise e ousadia para romper com um plano que vinha funcionando
havia muito tempo.
Patty McCord conta em seu livro que Ted Sarandos, chefe de conteúdo da Netflix, era muito
admirado por ter usado a análise de dados para criar a popular série House of Cards. Nela, o
protagonista Frank Underwood, interpretado por Kevin Spacey, navega pelo universo político de
ganância e corrupção em Washington, D.C. Sarandos rebatia esse culto dos dados dizendo que,
apesar de a série ter, sim, sido inspirada por informações sobre preferências da audiência, isso
não ditou as decisões, apenas as complementou. A equipe de conteúdo foi muitas vezes
surpreendida por programas que tiveram desempenho muito melhor que o esperado – e com
outros aconteceu o contrário. “Eu procuro pessoas para o time que sejam inteligentes o bastante
para ler os dados, mas intuitivas o suficiente para saber quando ignorá-los”, afirmou o executivo.
Segundo McCord, o problema é quando os dados são considerados de maneira restrita,
removidos do contexto do negócio, entendidos como as respostas, em vez de a base das boas
perguntas111. A verdade é que o futuro é sempre uma hipótese formulada, e medir o passado não
revela a ninguém o que será o futuro.

CULTURA DA EXPERIMENTAÇÃO
Antes da era digital, fazer testes custava caro, demorava, era arriscado e envolvia uma
complexidade logística, pois o cliente normalmente não estava a um clique de distância. As
decisões eram tomadas dentro das empresas e o feedback só vinha quando o produto chegava às
prateleiras, depois de meses de pesquisa e desenvolvimento. Se não caísse no gosto do
consumidor, significava perda de muito tempo e muito dinheiro. Agora, com o uso de tecnologia
e dados e a possibilidade de monitorar o comportamento das pessoas em tempo real, é possível
experimentar mais, de maneira muito barata e com menos risco, e descobrir o que melhor atende

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às necessidades dos consumidores antes de empacotar um produto ou serviço e vendê-lo para
milhares de pessoas.
Marcus Hadade, cofundador da Arizona, dá o exemplo da mídia. Antes da internet, as
empresas criavam um anúncio para revistas, outro para jornais, outro para televisão e era difícil
medir o impacto da campanha nos consumidores. Agora, os anunciantes fazem centenas de peças
publicitárias para uma única campanha, criando testes A/B para saber qual layout atrai mais
cliques, qual é o mais popular entre os diferentes públicos-alvo, em qual momento do dia as
pessoas mais acessam o anúncio e qual a taxa de conversão da campanha. Os dados em
abundância permitem conclusões rápidas sobre o que está funcionando ou não. O que apresenta o
melhor desempenho fica no ar. É mais ou menos assim, por tentativa, erro e análise, que
funciona a cultura da experimentação – outra competência fundamental para as organizações
realizarem a transformação digital.

Como afirma David Rogers, professor da Universidade de Columbia, a experimentação é um


processo de aprendizado sobre o que funciona e o que não funciona. “O objetivo de uma
experiência não é criar um produto ou solução. É aprender – um aprendizado sobre
consumidores, mercados e opções disponíveis que podem levar à solução certa”, diz112.
Sem terem muito a perder, as startups ensinaram às empresas tradicionais que é melhor fazer,
testar com o consumidor e avaliar o que deu certo do que ficar apenas em discussões filosóficas
dentro do escritório durante anos antes de lançar um produto ou serviço. Essa estratégia
economiza tempo e dinheiro e ainda pode gerar vários insights sobre consumidores que antes a
companhia não estava enxergando. No entanto, ainda há muitas empresas tradicionais que não
fazem testes. Investem dezenas de milhões de reais em um projeto novo e percebem tarde demais
que o que desenvolveram não faz sentido para os consumidores.
Em um mundo de infinitas possibilidades, qual será o futuro? Impossível saber, claro – nem
com bola de cristal –, mas sem testar ninguém sai do lugar. Como a companhia vai se reinventar
depende das possibilidades que conseguir enxergar e capturar, o que na prática só é possível
experimentando hipóteses e arriscando-se em novos mercados.
Uma vez definido seu foco de atuação, a empresa provavelmente precisará construir uma nova
jornada do consumidor ou melhorar a que já existe. Segundo Eric Ries, assim como os
experimentos científicos são baseados na teoria, os experimentos em organizações são guiados
por uma visão. O objetivo é descobrir como construir um negócio sustentável com base nessa
visão113.

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Para saber se está conseguindo atingir sua visão, a resposta são as métricas. O primeiro passo é
medir a realidade atual. Com a jornada do consumidor já existente, que resultados estão sendo
obtidos? Quais métricas são mais preocupantes? E quais realmente importam para medir os
passos na jornada?
Quando está claro qual é o ponto de partida, a equipe responsável pelo mapeamento da jornada
do consumidor formula hipóteses sobre o que poderia ser feito de maneira diferente e quais
alternativas poderiam resultar em um desempenho melhor. São apenas teses, que devem ser
colocadas à prova no mundo real. Quais experimentos serão feitos e o que eles se propõem a
descobrir? Podem ser testes para avaliar aspectos como a comunicação ou o atendimento. A ideia
é reunir insumos para o desenvolvimento inovador e não perguntar diretamente para o cliente o
que ele quer, mas descobrir na prática qual é seu comportamento e quais são seus desejos, para
criar uma jornada na qual ele tenha a melhor experiência.
Assim começam os projetos-piloto, ancorados em uma estratégia ou em uma visão de futuro.
A partir do momento em que essas hipóteses são colocadas em prática, inicia-se um intenso
processo de avaliação de resultados. Ao fim de cada teste, é preciso entender o que melhorou em
relação ao passado, o que piorou e a que se deve cada uma dessas reações.
Testes podem dar errado – é normal e absolutamente esperado. O cientista Thomas Edison
ficou famoso por dizer que havia feito milhares de tentativas para criar a lâmpada antes de
finalmente encontrar o caminho. O problema não é testar uma hipótese que se prova falsa; é não
saber por que deu errado e não ter a menor ideia de como mudar a direção no próximo teste.
Insucesso é sair da experiência de testes sem aprender. Usando dados – a competência da qual
falamos anteriormente –, fica mais fácil olhar para trás e evoluir, o que nada mais é do que o

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método científico aplicado aos negócios. A falta de rigor na comparação entre passado e futuro é
um deslize comum entre as companhias que começam a implantar a cultura da experimentação.
As que promovem a disrupção no mercado fazem isso muito bem, principalmente porque já
nasceram em uma cultura de dados.
Outro erro que algumas organizações tradicionais cometem é deixar que projetos-piloto
proliferem pela empresa sem acompanhamento rigoroso. Quando isso acontece, é grande a
chance de as pessoas ficarem frustradas e cansadas da mudança. Isso não é cultura da
experimentação; é bagunça – e companhias bagunçadas perdem dinheiro à toa.
O que garante o equilíbrio entre solidez e experimentação é a capacidade de avançar seguindo
um método: fazer perguntas, formular hipóteses, testar, usar dados para entender o que aconteceu
e por que aconteceu, realizar ajustes e, em último caso, pivotar, ou seja, mudar completamente a
direção do experimento em busca de novas alternativas. Se a empresa quer desenhar o futuro,
não pode simplesmente se acomodar com soluções que sejam apenas uma extensão do que sabe
fazer no presente. Precisa encontrar alternativas e se arriscar em novas ideias.
Uma tática utilizada por especialistas em segurança cibernética é um bom exemplo de cultura
da experimentação. Hoje os principais ataques de terrorismo de dados são inéditos. Os
mecanismos de reconhecimento existentes não conseguem identificá-los quando acontecem
porque desconhecem a ameaça. Então, os softwares de segurança atualmente funcionam
“observando” comportamentos anormais – uma camada de inteligência artificial faz esse
monitoramento. Se ocorre algo incomum, o fenômeno é colocado em um sandbox (caixa de
areia) virtual, um ambiente controlado para observação – é como colocar um bicho desconhecido
em uma jaula e passar o dia estimulando-o e alimentando-o para que ele revele sua natureza.
Além disso, mecanismos de análise forense percebem quando um problema inédito causa algum
dano ao sistema e rastreia a invasão até sua origem. Assim, é possível descobrir por que as
defesas do sistema não identificaram a nova ameaça, como ela funciona e fechar as portas para
evitar que algo parecido aconteça novamente. No mundo da segurança cibernética, o
imprevisível é inevitável. O único caminho para evitar a obsolescência dos sistemas e permitir
que se desenvolvam continuamente é observar, testar e medir o resultado.
Para que a cultura da experimentação funcione, duas características precisam ser bem-aceitas e
disseminadas pelas organizações. A primeira é tolerância ao erro. Tolerância não é estímulo, e
sim o entendimento de que o erro faz parte do processo. Com o aumento da complexidade e a
necessidade de ajustes a todo momento, as pessoas e equipes não podem ser punidas por
tentarem. Elas devem ficar confortáveis em tomar decisões que talvez não gerem resultado. As
empresas tradicionais precisam aprender a investir em ideias cujo retorno não é garantido. O
futuro do trabalho tem a ver com o experimental e com o imprevisível. Isso de maneira alguma é
sinônimo de descompromisso, desorientação ou vale-tudo. Cada escolha deve ser ancorada em
uma estratégia, fatos e hipóteses de melhoria, o que, porém, não é garantia de acerto. Também
aqui cabe a máxima do aprendizado: o mais importante é sair das experimentações com mais
conhecimento do que antes, tendo a humildade e a agilidade de recuar ou mudar a direção
quando a hipótese se prova falha.
A segunda característica é coragem de apostar no novo. O processo de experimentar, errar e
tentar de novo requer se arriscar, dar a cara a tapa e se responsabilizar. A cultura da
experimentação não funciona se os executivos se escondem atrás de suas posições, tampouco se
as pessoas não podem assumir o risco nem levar o crédito pelo acerto. Esses são comportamentos
defensivos que fazem com que a energia não seja gasta para melhorar a experiência do
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consumidor, mas desperdiçada, porque as pessoas estão pensando mais em como proteger suas
posições e blindar os colegas do que em resolver os problemas. Cabe dizer que isso não significa
estimular o erro – principalmente em grandes organizações, onde um erro pode custar milhões de
reais –, e sim tolerá-lo. Uma vez que o erro é aceito, e a coragem, valorizada, as pessoas deixam
de usar seu tempo para criar desculpas e se esquivar da responsabilidade. É como se toda a
espuma das conversas pudesse ser eliminada, abrindo caminho para o fazer, para o testar, rumo a
um melhor produto ou serviço para o cliente.

EXECUÇÃO RÁPIDA
“Corro atrás do tempo / Vim de não sei onde / Devagar é que não se vai longe.” Assim canta
Chico Buarque em “Bom conselho”, canção que compôs em 1972. Os versos seguem atuais
como nunca em tempos de transformação digital. A execução rápida é uma competência que as
empresas tradicionais devem desenvolver, pois permite que estejam sempre prontas para mudar e
agir.
A execução rápida é composta por um conjunto de práticas, como organização de times e
automação, que tornam mais dinâmicos os aspectos normalmente rígidos, como recursos (físicos
e humanos) e processos. Para criar essa nova velocidade, a companhia precisa adquirir,
implantar, gerenciar e alocar recursos de acordo com as necessidades do negócio, ser ágil para
aproveitar novas ideias que se mostram promissoras ou desengajar times que cuidam de
atividades em declínio.
Então, como usar os recursos de maneira rápida? Como reduzir áreas que não são produtivas?
Como aumentar, organicamente ou não, a capacidade das que serão produtivas? Durante a
pandemia do novo coronavírus, o varejo de alimentos foi um dos setores cuja demanda
aumentou, por conta dos restaurantes fechados. As pessoas passaram a comprar mais alimentos,
bebidas e produtos de limpeza para consumir em casa, e os supermercados tiveram de se adaptar
a novos hábitos: primeiro, garantir a segurança dos trabalhadores que permaneceram na linha de
frente do atendimento ao público, como caixas e estoquistas; depois, reforçar as operações de
delivery e e-commerce para os consumidores com medo de sair de casa. Esses dois desafios
exigiram reorganizar as equipes, alocar os recursos de maneira diferente e reestruturar o espaço
físico das lojas em poucos dias. Se tomar decisões e agir rapidamente já era importante antes,
tornou-se questão de sobrevivência durante a crise. Por outro lado, algumas empresas viram seus
negócios terem receita perto de zero, como lojas de shopping. Para elas, foi fundamental tomar
decisões rápidas de ajuste de pessoal, investir em novos canais de comunicação com o
consumidor ou mesmo lançar produtos com base nas competências existentes.
A colaboração beneficia a execução rápida. Em muitos casos, a probabilidade de avançar mais
rápido agindo coletivamente é maior do que cuidando sozinho. Isso significa trabalhar em equipe
para pensar junto e somar competências; confiar no outro, concentrando-se naquilo que cada
indivíduo tem de melhor para contribuir para o todo. Não dá tempo de uma única pessoa
aprender tudo o que precisa saber para navegar em um mercado dinâmico e complexo. É preciso
fazer arranjos que combinem o conhecimento, inclusive com outras empresas. O processo de
inovação aberta, por exemplo, é o compartilhamento de projetos, processos e pesquisas entre
indústrias para acelerar a inovação.
Em momentos de crise, fica ainda mais evidente a necessidade de mudar a mentalidade e o
comportamento dos funcionários, e as empresas devem considerar como podem dar suporte ao

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aprendizado. Uma sugestão é criar uma plataforma que as ajude a realocar seus recursos
rapidamente quando as prioridades mudarem e apoiar os talentos a desenvolver novos
conhecimentos. A consultoria estratégica McKinsey recomenda às companhias, ainda, não olhar
apenas para si mesmas, mas construir pontes com parceiros e fornecedores. “Há uma chance de
eles estarem mais dispostos do que nunca a colaborar, compartilhar dados e aprendizados para
garantir a sobrevivência coletiva.”115
O desenvolvimento da cultura de execução rápida também requer ter processos mais fluidos
dentro da organização. Exigir que uma ideia passe por dez níveis de aprovação antes de ser
testada ou executada é garantia de lentidão. Uma das mudanças que permitem às empresas
acelerar o processo de inovação é montar estruturas que não sejam definitivas, grupos rápidos,
com objetivos claros e orçamentos adequados aos projetos – algo como os famosos squads,
pequenos grupos multidisciplinares, autogeridos e com objetivos específicos.
A metodologia começou a ser adotada em startups e ficou famosa com o sucesso da
plataforma de música Spotify, um dos negócios que conseguiram se expandir globalmente com o
modelo de squads116. Grandes empresas têm olhado para esse novo formato, mas com frequência
é um desafio integrar um jeito tão diferente de trabalhar aos métodos tradicionais. A vantagem
para as companhias que operam dessa maneira é acelerar a inovação. Os squads têm autonomia e
decidem o que e como fazer para alcançar o objetivo que lhes é dado – por exemplo, melhorar a
infraestrutura da empresa para realizar testes A/B. São responsáveis por tudo o que constroem,
do começo ao fim. Criam hipóteses, fazem testes, analisam dados, interagem com os
consumidores, agregam os feedbacks rapidamente e executam as melhorias necessárias.
Em geral, os squads se inserem em um contexto mais amplo de adoção da metodologia ágil,
um modelo de trabalho mais rápido, flexível e dinâmico. Essa metodologia tem origem em um
manifesto lançado em 2001 e assinado por um grupo de 17 desenvolvedores de software. Eles
defendiam quatro fundamentos: valorizar indivíduos e interações mais do que processos e
ferramentas; software funcional mais do que documentação abrangente; colaboração com o
cliente mais do que negociação contratual; e responder à mudança mais do que seguir um plano.
Contudo, é preciso ponderar quanto do trabalho de uma empresa precisa estar funcionando em
método ágil e em quais áreas. Ele funciona muito bem para navegar no desconhecido e construir
um futuro para o qual o caminho é incerto. É ótimo para brainstorming, criação, disrupção e
grandes saltos. No entanto, para áreas da operação que são mais conhecidas e previsíveis, que se
beneficiam de uma rotina estabelecida, fazem mais sentido métodos de melhoria contínua, como
o PDCA (plan, do, check and act, ou planejar, executar, verificar e agir), popularizado no Brasil
pelo professor e consultor Vicente Falconi. Aplicar esses métodos não impede que as empresas
se adaptem com agilidade, desde que seja possível manter um ritmo rápido e uma gestão menos
centralizada para identificar e resolver os problemas localmente.
Outra ponderação sobre a execução rápida é que velocidade não significa bagunça,
displicência nem falta de compromisso. Para cada indústria há um limite de quanto a rapidez
pode ser mais relevante do que a entrega perfeita. Para a GE Aviation, que produz turbinas de
avião, a pressa não pode atrapalhar a execução, mas, para um site que vende sapatos, talvez não
seja tão grave assim colocar no ar uma nova ferramenta de visualização de produto que apresenta
uma falha nas primeiras horas no ar ou que não é bem-aceita.
No Brasil, por exemplo, o Banco Central (BC) criou novas regras para fomentar a competição
no setor bancário. Uma das iniciativas é permitir que as fintechs funcionem quase sem
regulamentação por algum tempo, especialmente quanto aos aspectos inéditos do negócio. É
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como se elas fossem “café com leite” – não estão sujeitas às mesmas regras dos grandes bancos.
No entanto, o BC as observa, monitorando cada passo que dão. Conforme os novos modelos de
negócio são testados e as fintechs crescem em clientes e faturamento, a regulamentação é
aplicada de modo gradual. É um risco que a instituição preferiu tomar para acelerar a inovação
no setor, e cujo resultado é mais benéfico do que prejudicial aos consumidores.

ESCUTA E EMPATIA
Falamos sobre a necessidade de desenvolver a hiperatenção ou “curiosidade crônica” e de
estar com os radares ligados para as informações que chegam; sobre a colaboração, relevante
para a inovação em modelos ágeis; e sobre a importância da diversidade, que traz pontos de vista
diferentes e evita o risco de um grupo homogêneo. Há duas competências transversais a todas
elas e fundamentais para sustentar os novos comportamentos no contexto de transformação
digital: a escuta e a empatia, algo realmente desafiador em um mundo cada vez mais dividido.
Em um momento de desconstrução e aprendizado, os profissionais precisam ouvir mais do que
falar – ouvir o cliente, os colegas, as pessoas que têm mais experiência, o dono da empresa, os
concorrentes, os especialistas; reconhecer que ninguém tem todas as respostas e aceitar ouvir
críticas; prestar atenção não apenas a quem tem as mesmas vivências e a mesma opinião, mas ter
a tranquilidade para considerar o diferente e o contrário. Por isso, a empatia também é importante
– a capacidade de colocar-se no lugar do outro e entender outros pontos de vista sem julgar.
Não é um desafio fácil, considerando que a polarização parece ser cada vez mais a regra na
sociedade. Como criar um ambiente em que os chamados “coxinhas”, “mortadelas” e neutros117
possam se respeitar e contribuir com seu ponto de vista? Um local onde as pessoas se sintam
seguras para discordar, apontar erros e analisar as questões por outro ângulo?
A resposta começa pela liderança. Empresários ou gestores que reclamam do descompromisso
das gerações mais jovens, que têm dificuldade de enxergar o mundo além da própria realidade ou
que resistem à descentralização do poder e do conhecimento provavelmente não incentivarão
ninguém a promover a escuta, a empatia e a diversidade de pensamento. É preciso dar o
exemplo. Esse é o tema da última competência necessária para atravessar a transformação digital.

LIDERANÇA
Para fomentar um ambiente em que essas novas competências floresçam, as empresas
precisam repensar o modelo de gestão “comando e controle”, ou seja, a crença de que as pessoas
no topo da hierarquia tomam as melhores decisões e que suas ordens devem ser desdobradas por
todas as áreas – manda quem pode, obedece quem está embaixo. Esse modelo funciona bem para
a execução em massa, mas, quanto mais dependente de inovação e criatividade, mais
colaborativo e autônomo precisa ser o ambiente. Com as organizações tendo cada vez mais de
conhecer profundamente os consumidores, atendendo a necessidades regionais e públicos
específicos, é preciso desenvolver diferentes pontos de inteligência espalhados e uma
comunicação de duas vias: falar e escutar.
Companhias no contexto de transformação digital não podem ter meia dúzia de profissionais
que pensam e milhares de outros que só executam. A inteligência não pode vir apenas de cima ou
de pequenos grupos específicos. Todos devem ser capazes de questionar, criar, inovar e se
comunicar o funcionário do escritório ou aquele que vai para a rua; o analista ou o vice-

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presidente. O valor está no raciocínio coletivo, na constituição de um campo intelectual em que o
pensar seja estimulado pelos líderes e pelos pares.
Como fazer isso? Não há uma resposta única, mas temos alguns indícios do que funciona. Para
criar uma cultura que permita novos comportamentos e novos jeitos de tomar decisão, a
transformação na liderança é imprescindível. Às vezes isso significa trilhar um longo caminho de
desenvolvimento ou trocar as pessoas que ocupam os cargos mais altos nas empresas, embora
haja muitos casos em que os líderes “antigos” se disponibilizam para a mudança. Seja como for,
a nova cara da empresa precisa começar de cima, com o conselho e as pessoas que ocupam os
cargos mais altos. Isso porque essas decisões provavelmente terão impacto de curto prazo no
negócio e precisam ser apoiadas por quem vai abrir mão desses resultados imediatos em troca de
uma aposta de que no futuro a marca continuará sendo tão ou mais valiosa quanto no presente.
Já ouvimos empresas dizerem que fariam uma transformação cultural montando um programa
de trainee e colocando jovens pensando diferente na base. De que adianta essa estratégia se na
primeira reunião eles vão esbarrar em um chefe irredutível com a mentalidade da economia
antiga? Juntar jovens com perfil digital, sem orçamento e com uma liderança inflexível
provavelmente só vai gerar mais conflito e frustração. Em algumas organizações, há um
ressentimento, ainda que velado, do gestor que alcançou recentemente o cargo de chefia e que
comemora ter chegado sua vez de comandar, delegar e punir. É um perfil que certamente não
ficará satisfeito com jovens questionadores e tomada de decisão descentralizada. Se não houver
alguém acima dele para avisar que o velho comportamento não será aceito, nada mudará.
A Gerdau, maior produtora de aço do Brasil, é um bom exemplo de empresa que está
conseguindo fazer essa mudança cultural, começando justamente pelas lideranças. Não foi um
processo rápido, mas foi efetivo e criou na companhia as bases necessárias para fazer a
transformação digital. O objetivo foi reduzir a hierarquia e aumentar a colaboração. “A empresa
era burocrática e brigava com as metodologias ágeis, porque todas as decisões eram complexas e
tinham que subir para um comitê. A gente não conseguiria fazer a transformação digital da
maneira como ela funcionava. Então, fizemos um choque cultural”, conta o CEO, Gustavo
Werneck.
A motivação para o trabalho, segundo Caroline Carpenedo, diretora de recursos humanos e
responsabilidade social da Gerdau, veio de um processo de revisão do negócio. A equipe
percebeu que enfrentaria um cenário desafiador, com a concorrência internacional e a entrada da
tecnologia em seu mercado. A conclusão foi de que era necessário modernizar a cultura para
construir os próximos cem anos.
O primeiro passo foi fazer um diagnóstico, envolvendo todos os colaboradores da empresa e
seus 5 mil líderes no Brasil e no mundo, por meio de workshops e entrevistas. Os resultados
reforçaram quais eram as alterações necessárias na cultura. Estabeleceram-se quatro pilares:
simplicidade, abertura, autonomia com responsabilidade e líderes desenvolvendo líderes.
Caroline recorda uma campanha emblemática de comunicação interna. No escritório de Porto
Alegre, na escada que subia em direção às salas das diretorias corporativas, foi colocado um
adesivo que provocava aqueles buscando aprovação: “Tem certeza de que você precisa subir?”.
Outra medida eficaz consistiu em eliminar as salas exclusivas para os diretores. Atualmente, o
CEO trabalha em um ambiente com todos os outros heads de área, com uma sala de apoio para
reuniões confidenciais.
O mais importante, porém, foi a disciplina para fazer a disseminação top-down, ou seja, os
líderes eram os exemplos para cascatear a nova cultura entre os times, do escritório ao chão de
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fábrica. Tratou-se de um processo de educação, tendo os líderes como modelos. A alta liderança
voltou à sala de aula: teve seis meses de treinamento, coaching cultural e workshops para
aprender sobre os quatro atributos. Gustavo Werneck descobriu que o atributo que mais tinha de
trabalhar era a abertura. Assim, aprendeu a entrar nas salas de reunião e dizer que também estava
em processo de desenvolvimento, dando sinais para criar a conexão e mostrar seu esforço. “Só
funciona se você está o tempo todo rodando a empresa, comunicando, conversando, sendo um
exemplo. Não adianta eu falar que a empresa vai ser assim e achar que amanhã será. Isso exige
dedicação e gastar muita sola de sapato”, afirma ele.
Em 2017, outro tema que entrou na agenda da Gerdau foi a diversidade. A empresa entendeu
que não havia como praticar o pilar abertura sem isso. Foram criados grupos de afinidade para
fomentar o debate de temas como gênero, LGBTI+ e raça. Aos poucos, a nova cultura chegou à
ponta e a cobrança passou a ser também de baixo para cima, com os liderados contribuindo com
novas ideias de métodos de trabalho, engajando-se no novo modo de funcionar e queixando-se
da média gerência, que resistia em seguir os quatro atributos.
O mais difícil do processo, segundo Werneck, foi substituir pessoas que por muito tempo
haviam sido referências na empresa – gente responsável por projetos que geraram muita receita
para a Gerdau, mas que não aceitou trabalhar com colaboração, que exigia uma sala fechada com
secretária particular e que queria dar sempre a última palavra. Houve muitas mudanças na
liderança e a atitude deu o sinal claro de que a transformação era para valer. Ainda há pessoas
que, apesar de terem feito uma boa adaptação na primeira fase, estão tendo dificuldade de lidar
com a nova onda de diversidade e inclusão. “É uma cultura que já nasce com as startups, mas
empresas centenárias como a nossa acumulam traços culturais e é muito difícil mudar. Nosso
desafio no dia a dia é fazer essa cultura tomar ainda mais corpo”, comenta o CEO.
Essa “contaminação” da companhia é uma tarefa complexa, especialmente em organizações
mais antigas. Como uma empresa onde as pessoas sempre receberam ordens se adapta à
autonomia e à proatividade? Claro que esses profissionais têm capacidade de pensar, mas eles
nunca foram autorizados a fazer isso. Como os princípios básicos para o indivíduo adquirir uma
competência são saber, praticar e querer praticar, é preciso ter paciência antes de substituir
pessoas, dando suporte e estímulos para os novos comportamentos, identificando rápido os
profissionais que aderem à nova cultura para que sirvam de exemplo. E, caso seja necessário
trocar as pessoas mais resistentes à mudança, vale uma ressalva: trazer pessoas mais jovens,
acostumadas às ferramentas digitais e com as competências definidas na transformação, não é
garantia de aderência à cultura; elas podem ajudar a digitalizar processos, mas não
necessariamente a promover os novos comportamentos que foram definidos como prioridade.
Algo que pode auxiliar nesse processo de mudança é fomentar a transparência e a honestidade
brutal. Os norte-americanos e europeus têm mais facilidade com isso, mas para os brasileiros
essa postura vai contra a etiqueta dos relacionamentos. As pessoas precisam aprender a ouvir
quando estão erradas e aceitar a orientação como uma oportunidade de melhoria, não como um
ataque pessoal. Aqui é necessário fazer um exercício de compaixão e respeito. Em momentos de
adaptação, os ruídos vão surgir, mas os problemas se resolverão mais rápido se todos puderem
falar o que pensam e se concentrar no que não está funcionando em vez de nutrir mágoas.
Feedbacks recorrentes, com ciclos definidos, também são uma ferramenta útil para criar um
espaço em que se incentivem essas conversas francas.

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Acreditamos que o comportamento é mais importante do que a técnica. Tanto que a Gerdau
atribui o sucesso de suas iniciativas em transformação digital à nova cultura que começou a ser
implantada alguns anos antes. Contudo, as ferramentas e os métodos aplicados na prática são
igualmente indispensáveis, e é disso que vamos falar no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 5

NA PRÁTICA
A NECESSÁRIA JORNADA DA transformação digital é muito bonita na teoria e
inspiradora quando transposta para a prática. As empresas que estabelecem uma nova
mentalidade tendem a sair na frente nessa corrida. No entanto, muitas delas com frequência se
descobrem sem tempo para uma adaptação em etapas. Com a necessidade de se reinventar
batendo à porta, não conseguem repensar a cultura primeiro para, a partir daí, planejar as ações e
criar um novo posicionamento. É “tudo-ao-mesmo-tempo-agora”: reorganizar equipes, treinar
pessoas, fazer novos planos de incentivo, abrir novos canais de distribuição e relacionamento,
repensar a relação com fornecedores, engajar clientes, adquirir tecnologia e reforçar a
infraestrutura de tecnologia da informação (TI) – descontinuar, colher resultados, provocar a
disrupção e ocupar.
No mundo real, a competência de gestão da mudança é essencial – o conjunto de processos,
ferramentas e técnicas para que as pessoas passem pelo momento de transição e adaptação. Além
do exercício contínuo de foco, todas as tarefas acontecerão de maneira simultânea, e é preciso
escolher como gerir os meses agitados que a companhia viverá quando o processo de
transformação digital começar. A liderança de uma empresa de segurança da informação que
acompanhamos sentiu na pele essa dificuldade. Uma mudança aparentemente pontual no
negócio, com a oferta de um novo produto, acabou promovendo discussões em várias áreas e
obrigando a organização a mexer em muito mais do que apenas em um processo de venda.
Tudo começou com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD)118. Ficou claro que em um futuro próximo as companhias brasileiras estariam
demandando sistemas que as ajudassem a cumprir as regras. Havia uma oportunidade para essa
empresa se preparar e criar produtos para atender o novo mercado. A melhor solução encontrada
foi fazer uma parceria com um fornecedor estrangeiro com histórico de sucesso no mercado
europeu, que passara por uma mudança de legislação similar.
O acordo parecia promissor. No entanto, esses potenciais novos produtos tinham como
público-alvo clientes diferentes dos que a empresa brasileira costumava atender. Eram outra
persona, outro tíquete médio, outra estratégia de vendas. A saída foi criar um squad dedicado à
nova iniciativa, além de um processo comercial e uma área de marketing digital exclusivos. Em
algum momento, o time percebeu que era importante fazer parceria com escritórios de advocacia,
que ajudariam a indicar o produto para seus clientes preocupados com a adequação à LGPD.
Contudo, no meio desse processo, a empresa concluiu que seu departamento jurídico não tinha
experiência em fazer contratos com parceiros comerciais no formato requerido para esse
negócio; o de recursos humanos (RH) não sabia descrever as posições das pessoas que seriam
contratadas para o squad; e o financeiro estava com dificuldade de fazer a modelagem do novo
negócio. Era como puxar o fio de um novelo, que a cada nó desfeito revelava outros tantos. Para

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fazer o novo negócio funcionar, foi necessário repensar uma série de processos e desenvolver
novas competências técnicas – uma jornada complexa.
Acreditamos que os líderes precisam se comportar como maestros de uma orquestra,
coordenando todas essas frentes de trabalho. Pesquisadores da escola de negócios suíça Institute
for Management Development (IMD) afirmam em seus modelos sobre transformação digital que
estabelecer uma direção estratégica é como compor uma sinfonia119. Depois, para que essa
sinfonia seja executada sem se tornar cacofonia, cada parte da orquestra deve entrar em ação no
tempo certo, de maneira harmônica e coordenada. Pessoas de uma empresa em plena
transformação digital são como músicos que se conheceram há pouco tempo, descobrindo qual é
seu papel e como colocar suas habilidades a serviço do todo. Os executivos responsáveis pelo
grupo precisam cuidar para que essa interação não vire bagunça.
Ter um processo formal de governança é fundamental. Com muitas frentes abertas ao mesmo
tempo, corre-se o risco de bater cabeça. O desafio é encontrar o delicado equilíbrio entre não
perder de vista as prioridades e a urgência de mexer em muitos processos simultaneamente. A
história a seguir ilustra o desafio de promover a mudança enquanto as novas funções e
comportamentos ainda não estão bem definidos.

COMO CONTRIBUÍ PARA A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO


GRUPO PÃO DE AÇÚCAR
POR ANTONIO SALVADOR

O ano de 2018 estava começando. Eu era vice-presidente do Grupo Pão de Açúcar (GPA),
o maior varejista do país, e cuidava das áreas de recursos humanos, sustentabilidade e
tecnologia. Naquele momento, no time de gestão, conversávamos com frequência sobre a
necessidade de acelerar o processo de transformação. Era claro para nós que o varejo
estava mudando rápido, e um grupo que sempre foi inovador tinha, mais uma vez, de se
reinventar.
Os consumidores demonstravam o desejo de uma nova experiência de compra. Os jovens
cada vez mais evitavam passar tempo nas lojas, concentrando a maior parte de suas compras
no canal on-line, além de buscar alternativas de consumo mais saudáveis. Ao mesmo tempo,
com milhões de clientes cadastrados nos programas de fidelidade e milhares de usuários
comprando no site, sabíamos que tínhamos um “petróleo bruto” de dados. As informações
poderiam tanto ser usadas para, internamente, tomar decisões mais assertivas de
investimento e abordagem ao consumidor como compartilhadas com a indústria de bens de
consumo – de maneira anônima, claro, mas que mostrasse, para empresas de todos os
tamanhos, o que o consumidor buscava. Havia ainda um movimento de expansão do varejo
entrando em outros mercados, como serviços financeiros, com carteiras virtuais e programas
de cashback.
Já competíamos por custo, com as marcas de atacarejo e os hipermercados, e por
experiência, com as lojas premium, mas nos faltava reforçar a experiência digital, que
pudesse pavimentar um crescimento exponencial a partir das nossas fortalezas e criar a
estrutura de plataforma. Como alavancar mais de 15 mil fornecedores com quem tínhamos
relacionamento e mais de 20 milhões de clientes sobre os quais tínhamos informação? Como
usar esses dados para sermos mais relevante para as pessoas e estarmos mais presentes na
vida delas?

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Surgiu, então, a proposta de criar uma área para concentrar as iniciativas inovadoras, que
seria o núcleo da disrupção, e decidimos inicialmente trazer um líder externo, com “perfil
digital”. Eu, no meu papel de RH, liderei o processo de entrevistar candidatos para o posto
de CDO120, uma área nova, que consolidaria todas as nossas iniciativas digitais.
Entrevistamos muita gente boa. No entanto, sempre terminávamos as conversas com a
impressão de que, apesar de todo talento, conhecimento digital e pensamento inovador, eles
seriam engolidos pela dinâmica da empresa, onde pragmatismo e execução são valores
inegociáveis.
Não sentíamos firmeza de que haveria uma integração saudável entre os dois mundos sem
habilidades de uma liderança forte, mas inclusiva, que trouxesse todos para o processo de
transformação. Repassando com o presidente do grupo o perfil que estávamos procurando,
voltamos à prancheta. O conhecimento de tecnologia, startups e varejo seria muito
importante, porém o GPA era uma empresa com histórico de inovação, já com muitas
iniciativas, e a transformação nesse momento inicial viria mais pela execução integrada e
aceleração do que por qualquer outra coisa.
“Esse é um processo de grande mudança cultural que temos de enfrentar”, disse-me Peter
Estermann, então CEO do grupo. Nessa hora, bateu aquele frio na barriga que temos
quando estamos diante de oportunidades positivas que podem mudar nossa vida. Tive uma
ideia. “Tenho o candidato perfeito para você”, falei. Ele me lançou um olhar curioso. “Eu!”
Peter afastou a cadeira, me encarou e disse que fazia todo sentido, mas eu teria de sair do
RH, concentrando toda a minha energia nesse novo papel. Topei. Em agosto de 2018 assumi
como CDO.
Minha primeira iniciativa foi definirmos um perímetro de atuação. Reunimos as diretorias
de TI, marketing digital e fidelidade, o hub de inovação, a área de experiência do
consumidor e toda a operação de e-commerce. Em seguida escutei muito – o time,
fornecedores, experts no assunto e mesmo nosso pessoal do Casino na França. Em um mês
montamos a equipe e criamos um primeiro plano de ação, que compartilhamos com o time de
gestão, reunindo todos os responsáveis pelas áreas de negócios e suporte. Naquele momento
eu já sentia isso, mas hoje está claro que no processo de transformação digital alinhar
constantemente as expectativas é fundamental.
No primeiro slide da minha apresentação, mostrei as premissas do plano. Da nossa
perspectiva, “digital” significava uma nova forma de fazer, mas aquela deveria ser uma área
integrada ao negócio em todos os aspectos, ou seja, existiria apenas para gerar valor ao
cliente. Expliquei que transformação muitas vezes consistia em evolução – não jogaríamos
fora tudo o que sabíamos. Comentei também que a estrutura, a partir daquele momento,
precisaria ser mais fluida, pautada por missões e espalhada pela companhia. Ninguém
poderia achar ruim quando a área digital convocasse um profissional de outra unidade para
ajudar em um projeto, e vice-versa. Por fim, disse que o indicador de sucesso seria tornar
meu papel de CDO desnecessário, porque acreditava que a função deveria ser temporária
até as iniciativas digitais estarem disseminadas na empresa.
Em uma companhia grande como o GPA, não faríamos a inovação desvinculada do
resultado e do que poderia gerar valor adicional ao cliente. Portanto, estabeleci que a
principal missão das iniciativas de transformação digital era aumentar as vendas e a
rentabilidade de modo sustentável. Tudo o que fizéssemos seria para oferecer um poder de
escolha maior para o consumidor, criando uma jornada personalizada, convergente,
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eficiente e sem atrito. Construiríamos uma experiência melhor para os clientes, usando os
ativos que tínhamos. Esse era o propósito, e tudo o que nos fizesse desviar dele seria jogar
dinheiro fora.
Com a integração das diversas áreas, começamos a acelerar a criação de diferenciais
competitivos de quatro maneiras. Primeiro, aumentando o conhecimento sobre o consumidor
para personalizar a jornada de compra. As informações sobre os clientes estavam
espalhadas pela empresa e precisávamos centralizar esses dados. Um dos resultados foi a
possibilidade de oferecer descontos personalizados. Com os clientes cadastrados no
aplicativo e nos programas de fidelidade, conhecemos seus hábitos e criamos campanhas
específicas para suas necessidades, o que gerou muito mais eficiência no estímulo à compra.
Em segundo lugar, aceleramos a integração do nosso canal digital com a experiência de
loja. O Pão de Açúcar havia sido pioneiro 20 anos antes criando a operação de comércio
eletrônico Amelia.com.br, mas o crescimento das vendas no digital, apesar de sermos o líder
do setor no Brasil, ainda não era representativo para o grupo como um todo. Queríamos
também que o cliente pudesse transitar de maneira suave entre as experiências on e off-line.
Para isso, juntamos o grupo de user experience (UX) que pensava a experiência do cliente
on-line com a equipe de arquitetos e designers que planejava o formato das lojas, para que
as jornadas conversassem entre si. A funcionalidade Caixa Express, por exemplo, permitia
que os consumidores agendassem seu lugar na fila do caixa pelo app. Foi crucial trabalhar
com as lojas para diminuir a resistência delas de fazer as entregas do e-commerce e
comprovar, com dados, que o cliente omnicanal comprava 40% mais do que a média. Ou
seja, era um cliente muito mais valioso, que comprava on-line e entrava na loja dois dias
depois, portanto era preciso atendê-lo bem nas duas entregas.
A discussão sobre tecnologia também não ficou de fora, e foi importante aprender depois o
conceito de “orquestração”: várias peças que se movem ao mesmo tempo e têm de tocar no
mesmo tom. Precisávamos de uma matriz de tecnologia que suportasse o crescimento, mas
que não prejudicasse a operação já montada. Preservamos o legado que funcionava e
criamos camadas que convivessem com os novos sistemas, enquanto fazíamos um plano de
migração dentro do orçamento. Uma decisão fundamental foi manter a área de tecnologia
(legado, suporte e projetos) unida com a área digital e aos poucos financiamos a mudança
da infraestrutura.
Por fim, o pilar de pensar o futuro, que tínhamos iniciado em 2017, com a criação da área
de inovação, deu origem a uma rede colaborativa de empresas estabelecidas e startups,
incubando iniciativas e apoiando sua implementação. Promovemos eventos como o GPA
Pitch Day e conhecemos companhias como James e Cheftime, que acabaram sendo
adquiridas e hoje são importantes pilares de crescimento e diferenciação. A recompensa
para o GPA era adquirir competências com mais rapidez, mas houve ainda outro benefício
indireto importante: estimular internamente em toda a liderança a abertura para novas
ideias e formatos de negócio. Criamos um espaço no Cubo, hub de inovação do Itaú, para
que essa troca com as startups fosse mais intensa, inclusive para as áreas de suporte, como
jurídico, RH e suprimentos, o que ajudaria a desburocratizar processos e trazer mais
produtividade.
Antes de tudo isso começar a acontecer, enfrentamos alguns obstáculos. O mais
complicado no início foi fazer as pessoas do time de digital trabalharem em conjunto. Havia
cinco áreas mais diretamente envolvidas no processo de transformação, com os respectivos
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diretores e gerentes. A palavra mais falada nos primeiros três meses foi “governança”. Em
qualquer discussão, sempre voltava a pergunta: “Quem faz o quê?”. Não havia o hábito de
trabalhar de maneira integrada. Em vez de pensar em inovação, estávamos mais
preocupados em discutir os papéis.
Um dia, decidi contratar um mediador, um consultor experiente em formação de times, e
colocar todos em uma sala para discutirmos como evoluir como equipe. Cada um precisava
expor seus medos e vulnerabilidades. Eu tinha de evitar uma disputa de poder. Queria que as
pessoas entendessem que trabalhar em conjunto não significava perder relevância. Os
líderes deveriam estar cientes de que nosso sucesso dependeria da soma das competências de
todos, das suas diferentes personalidades e qualidades para contribuir com o seu melhor –
ao mesmo tempo que contariam com o melhor dos outros. Discutimos nossas diferenças, mas
buscamos o que nos unia. O responsável pelo e-commerce precisava conversar com a pessoa
de marketing da loja física para evitar que dois e-mails do Pão de Açúcar fossem enviados
no mesmo dia ao mesmo cliente. Parece simples, mas essas costuras exigem diálogos e
concessões que áreas isoladas não estavam acostumadas a fazer. Esse momento, nos
primeiros meses da jornada, foi fundamental. Saímos mais fortes e integrados.
Em paralelo, definimos quais eram as três principais prioridades de cada time, com
métricas associadas para que pudéssemos monitorar o desempenho. Definimos o número de
clientes ativos que desejávamos ter no aplicativo, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos,
depreciação e amortização) adicional que pretendíamos gerar direta ou indiretamente, o
volume de vendas pelos canais de e-commerce e a porcentagem de pagamentos feitos pelo
aplicativo. Sabíamos onde queríamos estar no final de cada mês. Ter métricas para garantir
o controle e a avaliação dos resultados foi fundamental em um setor que não podia se dar ao
luxo de investir sem retorno. Os objetivos claros também direcionavam o foco. Conforme o
time se fortalecia, aparecia meia dúzia de boas ideias por dia. Era preciso dizer muitos nãos
e estar sempre de olho nas prioridades.
Além disso, queríamos trabalhar da forma mais ágil possível para evitar fricções na
relação com o cliente. Portanto, recorremos às ferramentas do método ágil, mas tivemos de
adaptá-las à realidade do GPA e à dinâmica do varejo. Com a ajuda de um agile coach,
discutimos com o time os ajustes que precisaríamos fazer no modelo. Debatemos de maneira
clara e pragmática o que funcionava ou não para o GPA. Usar nomes em inglês, por
exemplo, não daria certo, pois havia poucas pessoas fluentes no idioma na empresa.
Levamos pouco mais de um mês para definir qual seria nosso jeito de fazer – uma adaptação
que, como eu descobriria depois, acontece em muitas empresas. Chegamos a ter 20 squads
no time digital, testando e implementando diversas iniciativas para tornar a experiência do
consumidor mais personalizada, eficiente, convergente e sem atrito – nosso objetivo inicial.
Quando comecei minha jornada de conduzir uma transformação digital, tinha poucas
convicções. Eu me arrisquei assumindo uma posição inédita. Estruturei um plano a partir de
uma folha em branco e demorei para colocar a equipe remando na mesma direção. Foi
preciso adaptar processos e ferramentas para a realidade da empresa enquanto as pessoas
aos poucos se acostumavam à nova mentalidade de colaboração e inovação. Não podíamos
perder de vista o objetivo principal mesmo com várias iniciativas juntas.
Um momento marcante foi praticamente um ano depois de iniciarmos, quando
apresentamos nossa estratégia para mais de 50 investidores do GPA. Elaborar a

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apresentação para o evento com o time foi como ver um filme. Havíamos progredido tanto
em tão pouco tempo e tínhamos clareza dos próximos passos.
Saí do GPA no final de 2019, com a certeza de que estávamos no caminho certo e de que
deixava um time especial para continuar a jornada. Decidi, então, me aprofundar nesse tema
e ter a oportunidade de conversar com outras pessoas que enfrentaram desafios parecidos.
Entendi que esse processo é sempre cheio de incertezas e angústias, que ter referências e o
conhecimento teórico ajuda, mas é na prática que os problemas se revelam, assim com as
soluções mais adequadas para cada contexto contexto - e um time alinhado é crucial.

O caso do GPA ilustra os desafios da transformação digital na prática. Cada empresa que
passar por mudanças tão relevantes quanto essas certamente terá experiências e aprendizados
diferentes de todas as outras. No entanto, há algumas lições que reunimos nos últimos anos sobre
como conduzir o processo. Elas podem ser úteis para os líderes que pretendem se lançar nessa
jornada.

COMUNICAÇÃO
Se no dia a dia já é importante, durante o processo de transformação, comunicação nunca é
demais. Em momentos de transição para uma nova realidade, é comum que haja confusão, o que
pode criar resistência nas pessoas. Falar sobre o que está acontecendo dá transparência ao
processo, em todos os níveis. Garante que o time responsável pela inovação esteja alinhado, que
as demais áreas da organização entendam as mudanças em curso, que os clientes conheçam as
novas ofertas e que investidores e acionistas tenham visibilidade de todas as iniciativas e saibam
o valor que cada uma agrega.
Marcelo Tas, especialista em comunicação, decidiu criar em 2015 seu canal no YouTube e
produzir vídeos com o mote #Descomplicado, falando sobre diversos aspectos da transformação
pela qual a sociedade está passando em uma linguagem acessível. Com esse trabalho, descobriu
que havia uma enorme demanda das empresas por iniciativas como essa. Começou a ser
procurado por marcas como o banco Bradesco, a gigante de tecnologia IBM e a farmacêutica
Libbs para que as ajudasse a explicar temas aparentemente complicados, como inteligência
artificial, mas que estavam cada vez mais na rotina das pessoas. Seu foco passou a ser melhorar a
qualidade do entendimento do que estava acontecendo, tanto dentro das organizações como de
modo independente. “Vivemos em um mundo em que, se não conversarmos de maneira
colaborativa, não vamos entender o que está acontecendo”, diz.
Em um processo de transformação digital não é diferente. Gastar tempo e energia com
comunicação permite resolver dúvidas e diminuir o bloqueio em relação ao novo. Quando as
pessoas conhecem a estratégia que guia as decisões e a direção que a empresa está seguindo,
tendem a se sentir mais seguras. Elaborar uma narrativa que esclareça a visão de futuro e detalhe
os caminhos que serão explorados nos meses seguintes contribui para criar engajamento.
Uma das maneiras de cuidar da comunicação é estabelecer rotinas e criar momentos que
funcionem como pontos de encontro para falar sobre a transformação em curso. No caso do
GPA, a necessidade mais evidente foi a de um diálogo profundo entre os líderes responsáveis
pelas iniciativas digitais. Como a experiência mostrou, um canal aberto para os executivos
compartilharem suas hesitações e dificuldades aumentou a cooperação entre os times. Por sua
vez, a pessoa encarregada de definir as prioridades da transformação digital precisa estabelecer

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contato frequente com todas as áreas que colaboram com as tarefas, para que as equipes
entendam o ritmo e a estratégia por trás das metas e missões.
Para se comunicar com toda a empresa, uma possibilidade é promover encontros presenciais
ou virtuais abertos a qualquer funcionário, com um momento para interação e perguntas. A
Gerdau, por exemplo, estabeleceu trimestralmente o CEO Talk, uma reunião com todos os
colaboradores. Durante cerca de 20 minutos, o CEO Gustavo Werneck dá seu recado e depois
reserva um tempo para tirar dúvidas. No entanto, o executivo sabe que isso não basta. Ele conta
que dedica boa parte de sua semana a conversar com os profissionais que encontra, de todos os
níveis, e dar o exemplo de como deseja que a cultura seja em todos os escritórios. “Nós nos
dedicamos muito a isso, essa comunicação no tête-à-tête. Viajamos muito e estamos o tempo
todo falando com as pessoas”, diz. Além disso, quanto mais rápido os resultados aparecem, mais
reforço ganha o discurso. Em alguns casos, a resistência à mudança só é quebrada quando o novo
fica tangível – principalmente se todos enxergarem as vantagens do que está sendo construído.
A Compugraf, após cerca de um semestre de implementação de um novo processo de vendas,
sentiu que era hora de compartilhar a experiência com o time inteiro. Estava ficando visível nos
resultados a importância daquele assunto, que ganhava espaço nas reuniões de diretoria. O
caminho foi escrever um relatório com a descrição do processo. Depois, em um evento do qual
todas as pessoas da empresa participaram, os líderes explicaram o que vinham fazendo. Já estava
claro que aquele projeto não era mais uma experiência, nem seria abandonado. No futuro,
provavelmente se expandiria para outras áreas, afetando a dinâmica de toda a companhia. Era
importante que o alinhamento fosse feito antes que houvesse ruído.
A comunicação também é essencial no posicionamento externo, para potenciais novos
colaboradores, clientes e investidores. O conglomerado de mídia alemão Axel Springer, por
exemplo, fez o reposicionamento de sua marca empregadora durante a transformação digital. O
objetivo era atrair profissionais interessados em uma mídia mais voltada para o mundo digital.
Para sinalizar que estava se transformando, o grupo lançou uma campanha de vídeos no
YouTube em que, com humor, se passava por uma empresa nascida em uma garagem no Vale do
Silício121.
Em relação aos clientes, o que não faltam hoje são canais de comunicação: redes sociais,
newsletter, disparo de mensagens, notificações no aplicativo, anúncios, conteúdo patrocinado na
imprensa, eventos presenciais, peças nos pontos de venda ou uso da plataforma de parceiros. São
muitas as maneiras de atingir o público desejado, e essa comunicação fica ainda mais eficiente se
houver dados que mostrem o melhor lugar para se conectar com as pessoas e seus possíveis
interesses. O que não dá é para promover a inovação sem comunicá-la a quem poderia estar mais
interessado em tirar proveito dela.
Um último público de interesse são os investidores – um grupo especialmente relevante no
caso de empresas de capital aberto. Eles tendem a valorizar as iniciativas de transformação
digital mesmo que não tenham retorno imediato, porque estas demonstram que a organização
está olhando para o futuro e se mexendo para gerar novas oportunidades de receita. Entretanto,
não é raro que as companhias, preocupadas com a entrega dos resultados do trimestre e com o
curto prazo, esqueçam de detalhar os projetos de inovação. Por isso, algumas empresas listadas
em bolsa criaram momentos dedicados para falar com investidores sobre iniciativas de inovação
e sobre os projetos que, mesmo sem lucro ou ainda em fase de teste, poderiam apontar um futuro
promissor.

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TECNOLOGIA
A transformação digital, como temos visto ao longo do livro, é um processo complexo que
envolve vários aspectos do negócio. Ainda que o uso de tecnologia seja apenas um pequeno
passo nessa jornada, ele é essencial. As empresas precisam integrar novas ferramentas a sua
rotina, para automatizar tarefas e digitalizar processos. A área jurídica de seu negócio ainda gasta
tempo imprimindo contratos, enviando envelopes e verificando carimbos, mesmo com tantos
softwares de assinatura digital disponíveis?
Imagine um dono de loja 50 anos atrás. É provável que todas as contas e registros de entradas
e saídas fossem feitos com caneta e papel e que esse sistema tenha evoluído para uma planilha de
Excel nos últimos 30 anos. Agora, esse empreendedor talvez conte com um software que
automatiza parte do processo e cria um banco de dados. Com essas informações detalhadas e
organizadas sobre vendas e clientes, hoje já é possível adicionar uma camada de tecnologia ainda
mais sofisticada para fazer modelos preditivos – por exemplo, quando é o momento de lançar
uma promoção ou quais clientes deveriam receber uma mensagem por WhatsApp porque faz
tempo que não compram. Isso é usar a tecnologia como ferramenta para melhorar o negócio.
Um dos exemplos mais emblemáticos de adoção de tecnologia para automatizar processos é o
uso de robôs nos canais de atendimento. Atualmente, na maioria dos sites, quando um chat
virtual aparece no canto da tela, o interlocutor não é uma pessoa, e sim um robô treinado para
responder às dúvidas dos clientes. Em algumas páginas, a tecnologia ainda é rudimentar e o
consumidor percebe com facilidade que não está conversando com um ser humano, porém a
ferramenta está evoluindo. Nós já tivemos experiências tão boas que pedimos à empresa que
elogiasse o atendente, mas ela nos retornou dizendo que quem estava do outro lado era uma
máquina.
Em 2018, durante o evento Google I/O, voltado para programadores, o CEO da companhia,
Sundar Pichai, exibiu um vídeo para demonstrar o potencial de sua assistente virtual. O robô
seria capaz de fazer ligações em nome do “dono” do aparelho122. No vídeo exibido por Pichai, o
usuário do Google solicita à assistente que marque um horário para cortar o cabelo. A assistente,
então, confirma o pedido e liga automaticamente para o salão de beleza. Durante cerca de um
minuto, a voz virtual conversa com a recepcionista do estabelecimento – que não percebe estar
falando com um robô – e marca o corte de cabelo no horário desejado pelo cliente.
Além de embarcar softwares, a utilização de tecnologia também inclui novos equipamentos.
Em uma fábrica, drones podem facilitar as manutenções de rotina. A Ford anunciou em 2018 que
estava usando os equipamentos em uma de suas unidades na Inglaterra para verificar máquinas e
instalações nas áreas mais altas. O novo método não só reduziu o tempo de inspeção de 12 horas
para 12 minutos, como, principalmente, evitou a necessidade de fechar a fábrica para montar
andaimes que serviam de suporte aos funcionários e os riscos de colocá-los em grandes alturas123.
A mudança de boa parte dos escritórios para o modelo de home office durante a pandemia do
coronavírus ilustra a importância da adoção da tecnologia em seu nível menos complexo.
Algumas pessoas disseram que o fato de as empresas terem despertado para a possibilidade de o
trabalho ser feito de casa era uma evidência de transformação digital. Acreditamos que não. Na
verdade, foi apenas uma digitalização motivada pelo contexto, viabilizada pelas tecnologias
disponíveis, como notebooks, plataformas de reuniões virtuais, trocas de arquivos pela nuvem e
até programas de monitoramento da produtividade de funcionários. Apesar de a mudança não

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alterar essencialmente a maneira como as pessoas executam suas funções, ela pode motivar a
adoção de novas tecnologias e eventualmente mudar o comportamento do time.
Outra tecnologia que pode ser aplicada em processos de transformação digital são sensores e
sistemas de gestão de bancos de dados, que ajudam a coletar informações e encontrar padrões
tanto do comportamento dos clientes como dos colaboradores nos processos internos da empresa.
Em 2006, quando o iPod ainda era a grande novidade da Apple, a Nike decidiu criar uma
forma de os praticantes de corrida interagirem com o dispositivo, lançando o Nike+. Era um
sensor colocado nos tênis que media a velocidade do corredor, a distância percorrida e as calorias
queimadas. Todas as informações eram transmitidas para o iPod, que, além de armazená-las,
podia anunciar a distância que faltava percorrer caso a pessoa tivesse estabelecido uma meta ou
sugerir uma música agitada quando o ritmo do corredor diminuía. O usuário tinha acesso a todos
os seus dados no site do Nike+, que em 2007 já havia se tornado o endereço mais acessado por
praticantes de corrida. Ao longo dos anos, foram adicionadas mais funcionalidades, entre elas a
de marcar a rota da corrida por GPS e depois compartilhá-la. O resultado, além de atrair os
consumidores, foi construir em um ano uma das maiores bases de dados com as principais rotas
de corrida no mundo. Apesar de ser um case antigo, essa interação entre sensores e inteligência
de dados continua sendo uma das grandes oportunidades de criar diferenciais para o negócio.
Os sensores permitem medir a realidade de maneira objetiva, coletando evidências do
comportamento do consumidor, e podem ter as mais diversas formas. No caso da Nike, era um
dispositivo colocado nos tênis. Hoje, porém, um único smartphone possui dezenas de sensores –
os aparelhos sabem onde o usuário está, a que velocidade está se movendo e por quanto tempo
usa cada aplicativo, por exemplo. Da mesma maneira, as redes sociais coletam centenas de dados
de navegação para entender os interesses de seus usuários, sabendo quais suas páginas preferidas
e que tipo de imagem ou tema chama sua atenção.
E há, ainda, o Amazon Go124, o supermercado sem caixas inaugurado pela Amazon nos
Estados Unidos – basta pegar o produto e sair da loja. Todo movido a sensores, o aplicativo
monitora cada movimento do cliente e identifica os produtos que estão sendo retirados ou
devolvidos às prateleiras. Depois, considerando o que o consumidor de fato levou embora, é
emitida a fatura virtual. Além de acompanhar os clientes em tempo real, certamente a Amazon
também está usando todos os dados coletados para entender quais são os produtos mais
populares, a procura de mercadorias de acordo com a hora do dia e uma infinidade de outras
informações que podem ser cruzadas para entender a demanda.
Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, conta que a empresa tinha, desde 1995, um contrato com a
SAP, uma das maiores do mundo no setor de software corporativo. Em 2020, havia uma
quantidade enorme de dados armazenados no sistema, porém com pouca qualidade. Nenhum
time tinha se dedicado a padronizar o modo como essas informações eram incluídas ou a pensar
no valor que elas poderiam ter. Um operador da fábrica, por exemplo, colocava no sistema
apenas a ocorrência de uma parada para manutenção, sem detalhar o problema. Quando se
percebeu a oportunidade desperdiçada, foi feita uma limpeza nos dados e passou-se a ter mais
cuidado ao inseri-los. A expectativa era, em dois anos, poder usá-los de maneira mais estruturada
para tomar decisões de negócio.
Antes de isso se concretizar, a Gerdau decidiu utilizar um algoritmo para coletar dados que
tornassem mais eficiente a compra de carvão mineral, um produto que a empresa usa em grande
quantidade. Até pouco tempo, havia uma área de sete pessoas que liam diariamente os boletins
de carvão e buscavam as informações disponíveis no mercado para decidir o melhor dia no
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trimestre para fazer o pedido da matéria-prima. Um dia a mais ou a menos poderia significar um
gasto extra de milhões de dólares. Com a ajuda de um fornecedor externo, foi criado um
algoritmo que varre os dados disponíveis no mercado e os dados históricos de compra para
sinalizar os dias com maior probabilidade de preço baixo. A nova ferramenta deu mais
assertividade à área, que passou a contar com uma pessoa só.
Para automatizar processos e operar de modo digital, é necessário adquirir infraestrutura e
componentes. O que as empresas devem discutir é se vale mais a pena comprar a tecnologia em
formato de serviço ou criar a própria estrutura e, nesse caso, pensar em quais ferramentas e
profissionais serão fundamentais para desenvolver o projeto. No atendimento, as opções são
contratar um fornecedor de chatbot ou desenvolver a solução dentro de casa; em vendas on-line,
utilizar uma plataforma de marketplace – por exemplo, do Magazine Luiza – ou criar um site
próprio; na produção de conteúdo, contratar como funcionário um especialista em marketing que
desenvolva anúncios on-line no Instagram ou usar uma agência com experiência em digital.
Adquirir competências por meio de fornecedores externos ou de empresas especializadas é
uma forma prática de acelerar o processo de aprendizado. Isso é válido sobretudo para as
organizações cujo modelo de negócio está sendo mais impactado pela transformação digital, ou
seja, aquelas que precisam rapidamente agregar novas habilidades e estratégias. Uma vez tendo
aprendido com quem vem de fora, a companhia pode internalizar o que faz sentido. Já para as
empresas que têm um horizonte de disrupção menos radical, é possível desenvolver aos poucos
as pessoas que já estão dentro do negócio, o que permite uma assimilação cultural mais fluida.
Em relação aos investimentos que devem ser feitos para garantir o embarque de tecnologia,
especialmente na área de TI, a arquitetura dos sistemas precisa ser ágil para suportar a integração
de novas funcionalidades e os modelos de negócio escaláveis. É imprescindível colocar o sistema
na nuvem, abandonar tecnologias que não se conectam bem umas com as outras, garantir a
segurança da informação, observar os diferentes aspectos da tecnologia para evitar que seja uma
trava para o crescimento, desenhar os fluxos e sistemas. Não é um processo simples. Requer
tempo, suor e, com frequência, a ajuda de consultorias ou especialistas externos para desenhar
uma infraestrutura funcional. No entanto, feita a lição de casa, cria-se uma arquitetura para
sustentar a digitalização e abre-se uma avenida de oportunidades.
Essa primeira fase da transformação vai levar a muitas mudanças na organização. Empresas
que começam a fazer marketing digital, por exemplo, rapidamente perceberão que não basta
comprar anúncios na internet. É preciso cuidar de um escopo mais amplo, planejando a presença
digital da marca e construindo autoridade em sua área de atuação. A questão é que sem ao menos
garantir a primeira fase da transformação, com a integração mais básica de novas tecnologias,
fica difícil seguir adiante.

METODOLOGIAS DE TRABALHO
Na esteira da transformação digital vieram também novas metodologias para organizar
equipes, gerenciar projetos e medir resultados. O mundo corporativo foi invadido por palavras
em inglês que pouca gente sabe traduzir ou explicar: agile, inbound marketing, customer
experience, design thinking, business model canvas e tantas outras.
Claro que conhecer mais sobre esses métodos e entender como cada um deles funciona pode
gerar insights e orientar mudanças relevantes dentro das empresas. No entanto, é importante não
perder de vista os objetivos da organização, a nova cultura que se deseja construir e as

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particularidades do negócio. Para diversas áreas que possuem uma função mais operacional,
métodos tradicionais ainda funcionam muito bem.
Boa parte dos executivos com quem conversamos para este livro buscaram implementar esses
novos princípios de gestão, mas só tiveram sucesso porque fizeram adaptações. Felipe Cerchiari,
que está à frente do time de inovação de produto na Ambev, explica que sua equipe decidiu
adotar o método ágil depois de fazer uma pesquisa sobre as organizações mais inovadoras do
mercado. Por que não copiar o que estava funcionando?
Entretanto, havia uma diferença: a maior parte das referências era de empresas de software.
Por trabalhar com bebidas, a Ambev precisa ter uma preocupação com qualidade e segurança que
não permite margem de erro em um produto que chega às mãos do consumidor final – um
contexto limitante em relação ao “agile puro”. O que o time fez foi se inspirar no que havia
pesquisado, misturar algumas metodologias e chegar a uma fórmula de inovação própria, que
possibilitasse fazer testes e diminuir ineficiências sem colocar em risco seu cliente.
Algo parecido aconteceu na Arizona, como conta Marcus Hadade, seu cofundador e CEO. Em
2016, a empresa tinha crescido muito e ele percebeu que havia muitas ineficiências e
desperdícios nos processos. Em eventos dos quais participava e em relatórios de grandes
consultorias que lia, só se falava em ganho de eficiência e redução de custos. Concluiu que,
depois de alguns anos explorando novas oportunidades no mercado, melhorando seu produto e a
entrega para o cliente, era hora de olhar para dentro, de capacitar o time para uma nova fase, que
permitisse à Arizona continuar sólida e inovadora nos dez anos seguintes. Não sabia qual seria a
solução, mas foi atrás de ideias. Consultou os mentores da Endeavor, fez alguns cursos e leu
alguns livros. Decidiu testar o método ágil.
Marcus tinha certeza de que seu maior desafio não seria explicar o método, e sim fazer com
que as pessoas estivessem abertas para esquecer os modos antigos e aceitar o novo. Começou por
um processo de conscientização dos líderes de que a mudança faria a Arizona ganhar eficiência,
buscando sua sobrevivência e crescimento no futuro – consequentemente, a manutenção de
empregos e novas oportunidades para os funcionários.
Depois, durante seis meses, uma vez por semana, os quase 30 principais gestores da empresa
se reuniam para fazer um treinamento da nova metodologia. Enquanto isso, na área de gente, ela
já era implementada, um piloto para inspirar o resto da companhia. Deu certo. A equipe se
animou e provou que era possível – o que facilitou a adaptação, mas não resolveu as dores. Além
dos seis meses de conscientização, foi necessário mais um ano de prática para que o método ágil
funcionasse de maneira eficiente.
O próprio Marcus teve dificuldade inicialmente para se acostumar às novas rotinas. Só não
recuou porque percebeu logo os benefícios. Houve redução de custos e despesas e ganho de
eficiência operacional. Os representantes de diferentes áreas criaram momentos para se reunir e
compartilhar erros e acertos ao longo dos meses. No entanto, uma área acabou não adotando
todos os processos: a de produção. “A gente partiu do princípio de que deveria haver uma
ferramenta única para a empresa inteira, mas aprendemos que não”, conta o CEO. A conclusão
foi deixar a produção com outra metodologia, o que não descartou todos os aprendizados e
benefícios nos demais times.

RH, CANDIDATO NATURAL A MAESTRO DO PROCESSO

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A área de recursos humanos precisa estar envolvida na transformação digital. Ela é essencial,
não opcional. Ousamos dizer que o RH é candidato a maestro da mudança, porque pode
organizar processos e oferecer ferramentas para a nova fase da empresa, contribuindo para a
implantação da nova cultura e dando o suporte às discussões práticas que surgirão durante o
processo. Por exemplo, como saber se as pessoas que estão sendo contratadas têm as habilidades
técnicas que ajudarão a construir a organização do futuro? Como criar incentivos que atraiam
novos talentos para um negócio que por muitos anos foi visto como tradicional e engessado?
Qual deve ser o pacote de remuneração para funções até então inexistentes, como a de agile
coach?
Para ser protagonista, o RH precisa, primeiro, transformar a si mesmo, reconsiderando todos
os seus processos de atração, contratação e retenção. Depois, deve assumir a vocação de cuidar
da experiência das pessoas. Enquanto os times de inovação trabalham para melhorar a jornada do
cliente, o RH tem de aprimorar a jornada do colaborador. Para isso, precisa deixar de ser uma
área compartimentalizada, com uma pessoa olhando para remuneração, outra para comunicação
interna e outra para recrutamento e seleção, integrando os trabalhos para cumprir seu objetivo
maior.
Há muitas maneiras de aperfeiçoar a jornada das pessoas. Uma delas é digitalizar e revisar
processos, usando tantas ferramentas de tecnologia quanto qualquer outra área – por exemplo:
utilizar softwares para fazer um primeiro filtro de candidatos a vagas abertas; contratar uma
plataforma que permita acompanhar a experiência dos candidatos desde o momento em que eles
se inscrevem no processo seletivo até a hora em que recebem o retorno se foram aprovados ou
não; criar uma base de dados usando a avaliação de desempenho e levá-la em conta para tomar
decisões como promoções, demissões e mudança de função; fazer parcerias com HR techs
(startups especializadas em soluções para gestão de pessoas).
É importante também olhar para os momentos mais importantes da vida das pessoas na
organização e entender como é possível melhorar a experiência, criando processos mais simples
ou ajustando detalhes que surpreendam positivamente. Pagar salários em dia é uma obrigação e
não fazê-lo coloca a reputação da companhia em risco. Por outro lado, enviar um e-mail da
liderança para os funcionários recém-chegados é um pequeno gesto que pode significar muito
para as pessoas que o recebem.
Outra vantagem de um RH forte, que se compromete em melhorar a jornada do colaborador,
dispõe de ferramentas para diminuir a fricção e tem a capacidade de garantir a disseminação de
uma nova cultura, é transformar a imagem do negócio e torná-la mais atrativa para jovens
talentos.
A FortBrasil, empresa de crédito popular sediada em Fortaleza, entendeu que seria difícil
chamar a atenção por causa de seu escopo de atuação. Era um negócio financeiro sem muitos
atrativos para os profissionais em busca de um clima de startup: venda de cartão de crédito em
lojas, muita gente no call center e uma forte operação de cobrança. Entretanto, a organização
estava passando por uma transformação e a liderança percebeu que havia uma possibilidade de
tornar a cultura seu diferencial competitivo.
A transformação digital aconteceu também dentro do RH desde o primeiro dia, contribuindo
para que essa área conquistasse um protagonismo e resultados expressivos. Várias iniciativas
foram incubadas ali, como a gestão de metas, o aprendizado sobre o uso de dados por meio de
diversas ferramentas, a reformulação da cultura corporativa e a nova proposta de valor aos
funcionários. O RH criou um programa de talentos que seleciona pessoas da base, permitindo
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que elas se envolvam nos projetos de inovação distribuídos por diferentes times. Pouco a pouco,
a fama de um ambiente com abertura para a inovação e oportunidade para os recém-chegados se
espalhou. Atualmente, a FortBrasil é disputada por estagiários da região – sem que fossem
necessários aumentos de salário ou a concessão de novos benefícios.
A Shell, companhia global de óleo e gás, encontrou uma solução que se tornou referência na
combinação de tecnologia e RH. A partir de 2017, uma plataforma, batizada de Opportunity
Hub, ajudou a empresa a preencher posições para projetos específicos, que exigiam habilidades
ausentes nas equipes responsáveis por eles. Não havia pessoas com competências digitais
espalhadas pela organização, apesar de parte dos profissionais, especialmente os mais jovens, ter
a experiência necessária, e a liderança precisava de uma forma de acessar esse conhecimento sem
a necessidade de repensar todas as equipes.
Com o auxílio da Catalant, empresa de software que utiliza inteligência artificial para avaliar
talentos, a Shell criou uma plataforma para conectar líderes em busca de ajuda com as pessoas
mais preparadas. Os donos dos projetos passaram a postar as descrições das tarefas na plataforma
e as habilidades requeridas para desenvolvê-las. Os interessados colocavam ali seus currículos,
que eram analisados pelo software para validar se estavam de acordo com as habilidades
requisitadas. Os candidatos aprovados poderiam dedicar até 20% de seu tempo de trabalho ao
novo projeto, seguindo com as responsabilidades de sua função principal. A vantagem para eles
era a oportunidade de fazer mais contatos dentro da organização, demonstrar suas capacidades
para mais gente e ter um desafio diferente de suas tarefas diárias. O piloto do Opportunity Hub
foi lançado em junho de 2017 e um ano depois havia 118 donos e 229 candidatos na
plataforma125.
Assim como fizeram a Shell e a FortBrasil, as áreas de RH precisam descobrir o que incentiva
os profissionais que serão parte fundamental do futuro da empresa a entrar ou continuar ali.
Entendendo o que os motiva, será mais fácil criar planos de carreira e incentivos – financeiros ou
não – que façam sentido para eles.
A proposta de valor para os funcionários será cada vez mais customizada. A multinacional de
bens de consumo Unilever anunciou, no início de 2019, sua primeira experiência de job sharing
(cargo compartilhado). Duas executivas passariam a compartilhar uma das diretorias da área de
RH, cada uma delas trabalhando apenas três dias por semana. Seus planos estratégicos seriam
desenvolvidos em conjunto e em dois dias ambas estariam no escritório. O projeto foi criado para
permitir que as profissionais conciliassem a carreira com as prioridades pessoais. “Passávamos
por um momento relativamente parecido na vida pessoal, em que gostaríamos de ter mais tempo
para cuidar de nós mesmas, estudar e dedicar tempo às nossas famílias, e discutimos alguns
cenários que fossem benéficos tanto para nós como para a empresa”, explicou Carolina
Mazziero, uma das diretoras, em nota da companhia126.
As organizações – e o RH é fundamental nessa tarefa – precisarão encontrar maneiras de
acomodar expectativas de carreira diferentes. Tivemos experiência com um excelente
profissional de TI, jovem, que se arrepiava com a perspectiva de passar muito tempo na mesma
empresa. Ele adorava o projeto no qual estava trabalhando, mas passar dois anos ali? Não era
para ele, dizia. Como se comunicar e motivar alguém com esse perfil? Para alguns, falar de plano
de carreira no longo prazo fará sentido. Para outros, o que conta é o desafio imediato. Trata-se de
aprender a lidar com a particularidade das pessoas e com o inusitado, testando formatos
adequados aos diferentes perfis em vez de regras homogêneas.
Em algumas companhias, é preciso revisar todo o sistema de avaliação e remuneração para se
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adaptar ao novo modelo de trabalho exigido dos funcionários. Felipe Cerchiari, da Ambev,
acredita que, no futuro, as contribuições coletivas podem ser tão ou mais importantes que as
individuais, fazendo com que todo o conceito de reconhecimento e remuneração tenha de ser
adaptado.
Os especialistas em recursos humanos também precisam repensar as estruturas salariais e a
descrição de funções. Já presenciamos discussões em que a contratação de profissionais com
escopos inventados neste século, como desenvolvedores especializados e UX designers, foi
impossível pela falta de flexibilidade do RH. Como eles entrariam na área de TI e o salário que
exigiam era muito superior ao da média de um típico analista, sua entrada na empresa foi
simplesmente vetada – um impasse que parece não ter cabimento em um mundo fluido, que pede
agilidade e resolução de problemas, em vez de barreiras impostas por limites que já não fazem
sentido.

CAPACITAÇÃO DE PESSOAS
Como o processo de transformação digital geralmente demanda profissionais com
competências técnicas escassas no mercado ou que exigem salários acima do orçamento das
empresas, a saída pode ser treinar o time que já existe. Se é possível fazer uma mudança de
cultura, disseminando uma nova mentalidade e novos comportamentos dentro das companhias, o
que as impede de capacitar os colaboradores com novos conhecimentos?
Um estudo divulgado pela plataforma de análise de dados Qlik, que ouviu 604 profissionais
em posições de liderança de organizações com mais de 500 funcionários dos Estados Unidos, da
Europa e da Ásia, mostrou que a maioria (63%) procura ativamente candidatos que possam
demonstrar sua capacidade de usar, trabalhar e analisar dados. No entanto, quando não
encontram, poucas conseguem oferecer treinamento para os próprios colaboradores; apenas 34%
das empresas disseram ter programas de capacitação127.
Como descreveu Gustavo Werneck, da Gerdau, a procura por profissionais com habilidades
raras acaba se tornando um jogo de rouba-monte entre as companhias. Eles ficam empregados
em um lugar até receber uma proposta financeiramente melhor e migrar para outro. Foi dessa
conclusão que surgiu a ideia de criar uma escola de cientistas de dados. “Convidamos
profissionais com facilidade para ciências exatas e temos alguns cientistas de dados experientes
que trabalham em um programa de um ano para formar uma nova turma”, conta o CEO. Além
disso, a empresa tem quatro programas de formação para disseminar a mentalidade ágil,
incluindo um para estagiários e um para gestores.
No entanto, ainda que sejamos a favor dos esforços de digitalização, de automação de
processos e de treinamento de funcionários para ocuparem novas (e mais complexas) funções,
sabemos que a transformação digital pode deixar pelo caminho muitas pessoas sem formação ou
competências para navegar nesse mundo mais complexo. Imagine que aquela assistente virtual
apresentada pelo CEO do Google, além de fazer a ligação pelo usuário que precisa de um corte
de cabelo, possa também assumir o papel de recepcionista no salão de beleza e que todas as
recepcionistas do planeta sejam substituídas por robôs. É uma perspectiva amedrontadora para os
trabalhadores que executam tarefas que podem ser automatizadas no curto prazo. Portanto, por
mais entusiastas da tecnologia que sejamos, sabemos que não dá para ignorar a pauta do futuro
do trabalho. Tão urgente quanto promover transformações digitais é discutir como cuidaremos

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das pessoas que correm o risco de ficar à margem da economia e como reinserir aquelas cujas
funções foram eliminadas.

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CAPÍTULO 6

TRANSFORME SUA EMPRESA, MAS NÃO


SE ESQUEÇA DO MUNDO

EM SETEMBRO DE 2019, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) realizou um mutirão


do emprego, oferecendo mais de 4 mil vagas em cerca de 40 empresas, entre elas Pão de Açúcar,
Carrefour e IBM. A entidade representa 12 milhões de trabalhadores de 1.300 sindicatos filiados
em todo o Brasil e periodicamente promove esses mutirões, em parceria com companhias de
diversos setores. Segundo o presidente da UGT, Ricardo Patah, as vagas disponíveis naquele mês
incluíam ajudante geral, operador de caixa, repositor, padeiro, vendedor e técnico em tecnologia
da informação (TI).
Embora a taxa de desemprego do país estivesse em 11,8% naquele trimestre128, metade das
vagas não foi preenchida por falta de qualificação, mesmo as mais simples, como as de operador
de caixa. Isso porque muitos candidatos não sabiam usar o teclado de um computador, hoje
requisito para essa função.
A transformação digital está introduzindo novas exigências de qualificação em todos os níveis
da cadeia de valor e grande parte da população não consegue acompanhá-las. Por falta de
oportunidade para se preparar para a mudança, por falta de recursos para investir em formação,
por falta de uma educação de base que permita construir conhecimento ou até mesmo por falta de
consciência sobre a necessidade de adquirir novas competências rapidamente, há muita gente
sendo excluída em uma sociedade cada vez mais digital.
Gostamos de usar a metáfora do disco voador. Essa desigualdade que se aprofunda cria dois
ambientes, como se uma pequena porcentagem de privilegiados vivesse em um disco voador
sobrevoando o planeta, a todo vapor na transformação digital, e o restante das pessoas
caminhasse sobre a Terra com poucos recursos e possibilidades: aqueles que estão no disco
voador se qualificam, conseguem acompanhar as mudanças e se reposicionar no novo cenário
digitalizado, vivem a nova economia, trabalhando, consumindo e financiando os negócios; os
demais são excluídos. Há um risco de que as barreiras tecnológicas aprofundem essa distância
entre os dois mundos, levando o disco voador para mais longe a cada dia. Enquanto estamos
apenas olhando as empresas prosperarem, com inovações e resultados extraordinários, um
conjunto enorme de pessoas não está recebendo atenção.
Patah nos contou que o mutirão do emprego ofereceu cursos rápidos sobre como operar uma
caixa registradora de supermercado. “Acreditamos que uma das soluções é a qualificação voltada
para a real necessidade. Por isso criamos um curso de quatro horas, e não um de 160 horas,
porque não há necessidade, a pessoa só precisa aprender a operar uma caixa registradora.” Esse

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foi o jeito encontrado para resolver a necessidade específica daquelas empresas naquele
momento. No entanto, considerando que já existem supermercados testando o modelo de caixas
com autosserviço, talvez a solução, além de paliativa, tenha um prazo de validade bem curto.
Acreditamos que, ao construir um futuro mais justo, oferecer educação básica de qualidade para
o maior número possível de pessoas é a única solução possível.
Sabemos que a discussão sobre como equilibrar disrupção e o bem da humanidade não é nada
simples. Trata-se de um quebra-cabeça complexo, mas que precisa ser abordado. Não
pretendemos aqui dar todas as respostas, e sim iniciar um debate urgente e necessário. As
empresas estão atentas aos efeitos colaterais da transformação digital e pensando em soluções? O
governo tem feito sua parte? Quais são os caminhos possíveis?
A tecnologia vem ensinando que temos de pensar de maneira diferente. Ela deveria ser um
fator para multiplicar e distribuir riqueza, para ajudar a oferecer soluções que deixem o mundo
menos (e não mais) desigual. Segundo Gerd Leonhard, CEO da The Futures Agency, consultoria
sediada na Suíça, “é preciso abraçar e usar a tecnologia, não se tornar tecnologia ou criar
distâncias entre empresas e clientes. […] Tecnologia é uma ferramenta, não um propósito, e
muito de uma coisa boa pode ser ruim”129. Acreditamos que o potencial da transformação digital
vai muito além de simplesmente gerar unicórnios e multimilionários. Ela pode, sim, mudar o
mundo para melhor. Contudo, para evitar que o disco voador se distancie cada vez mais, é
necessária uma boa dose de esforço e debate.

DESIGUALDADE ESCANCARADA
Para Valéria Brandini, antropóloga empresarial, a internet ampliou a abrangência da
transformação e deu a ela uma velocidade inédita. Uma das consequências foi a mudança
estrutural do trabalho e da relação entre as empresas. Essa ruptura, porém, não é exatamente
novidade. “Todo esse espanto que a gente está tendo agora já tivemos no início da Revolução
Industrial, com a modificação nas relações de trabalho gerada pela tecnologia. Esse processo não
começou com a internet; ele se acelerou com a internet”, afirma.
Em organizações baseadas no uso da tecnologia, essa mudança, como todas as outras, tem o
potencial de excluir funções e precarizar algumas relações de trabalho, pois as mesmas tarefas
podem ser realizadas por um custo menor e com mais eficiência, o que adiciona mais valor ao
cliente final. De certa maneira, concretiza o princípio do economista austríaco Joseph
Schumpeter da “destruição criativa”, processo por meio do qual novos produtos destroem antigas
empresas e modelos de negócio, gerando inovação e crescimento econômico – e que Schumpeter
considera um elemento essencial do capitalismo.
A série espanhola As telefonistas, exibida pela Netflix, é um bom exemplo desse dilema.
Retrata a rotina de algumas mulheres na década de 1920 para as quais a companhia telefônica foi
uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Em uma das temporadas, o surgimento de uma
central que automatiza as chamadas e que acabará com o trabalho das telefonistas revolta as
funcionárias. Há uma briga na liderança da empresa, que se vê diante de um dilema: implementar
a inovação e destruir empregos ou tentar sabotar a nova tecnologia. O final da história, na vida
real, é conhecido: a função de telefonista de fato desapareceu, substituída por tecnologia. No
entanto, o avanço no universo das telecomunicações criou muitas outras funções e nos levou em
direção a um mundo conectado por smartphones.

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A diferença fundamental entre os dias de hoje e o início da industrialização, 150 anos atrás, é
que, enquanto o fenômeno anterior tirou as pessoas do campo e as concentrou nas cidades, o
atual ameaça deixá-las sem lugar algum, se não pensarmos de maneira intencional em como
incluí-las. Na Revolução Industrial, pediu-se às pessoas que apenas passassem a fazer na cidade
trabalhos de quase tão baixo nível cognitivo quanto os que realizavam no campo. Mudava o
cenário, mas não, primordialmente, as habilidades necessárias para se empregar. Agora é muito
pior: quem não adquirir novas habilidades cognitivas tem grandes chances de ser excluído – e
estamos falando de bilhões de pessoas.
Para demonstrar como isso funciona na prática, criamos um modelo que, embora não tenha
pretensão de formalidade alguma e não esteja ancorado em uma pesquisa acadêmica,
consideramos útil para ter ideia do tamanho do desafio.
Imagine que a necessidade de cognição – percepção, memória, atenção, raciocínio – tanto para
ler o contexto como para participar da operação em si seja dividida em quatro níveis de
atividade, ilustrados a seguir.

Nível 1: atividades mais básicas, operacionais, repetitivas, facilmente automatizáveis,


seja por um robô físico, seja por um algoritmo simples de automação.
Nível 2: atividades que incluem pequenos pontos de decisão, mas todos bastante
previsíveis e com poucas variações de fluxo, algo fácil de resolver com o uso
rudimentar de inteligência artificial.
Nível 3: atividades que exigem lidar com algum nível de ineditismo e cujos pontos de
decisão, portanto, não podem ser programados por completo, embora o contexto ainda
seja razoavelmente fechado; mecanismos de autoaprendizagem como machine learning
se fazem necessários para automatizar essas atividades.
Nível 4: atividades humanas mais sofisticadas, não automatizáveis, que exigem
criatividade, parâmetros éticos, tomada de risco e intuição.

Conforme a tecnologia evolui, ela substitui atividades mais ou menos nessa sequência,
começando no nível 1 e indo em direção ao nível 4. Por exemplo, a adoção de tecnologias já
disseminadas, como chatbots de atendimento ou robot process automation (RPA), substituem
todas as atividades do nível 1. Isso significa que, quando o processo de trabalho for redesenhado,
incorporando a nova tecnologia, pessoas que só fazem atividades do nível 1 poderão ser
dispensadas imediatamente. Uma empresa que conhecemos em 2017 tinha um call center com
400 posições para realizar operações básicas, como incluir e excluir mensalmente beneficiários e
dependentes nos planos de saúde. Quando se implantou uma tecnologia de RPA que simula o
movimento humano, operando 24 horas por dia, sete dias por semana, a área passou a ter 20
pessoas. Aliás, há quem aposte na completa automação e no fim dos call centers como os
conhecemos hoje.
Ainda considerando a substituição de atividades do nível 1, as pessoas que trabalham dois
terços de seu tempo no nível 1 e o restante no 2 precisarão se desenvolver para trabalhar o tempo
inteiro no nível 2 e eventualmente algum tempo no 3. E o líder da área terá sua função alterada
de maneira proporcional, com exigências maiores. Em vez de passar horas monitorando a equipe
e ajustando procedimentos, ajudará a programar o algoritmo e analisar dados de satisfação do
cliente, além de auxiliar sua equipe a adquirir competências novas, que talvez ele não domine.

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Quando uma nova tecnologia é incorporada, o processo acontece de novo, elevando a
necessidade cognitiva das funções não completamente eliminadas. O problema é que quem não
acompanha essas rodadas de evolução tecnológica é expelido do sistema.
Um dos caminhos para as empresas contribuírem para a sociedade é planejando e antecipando
cenários. Ricardo Patah, da UGT, nos contou que, quando conheceu o arquivo da AT&T, nos
Estados Unidos, havia 500 funcionários trabalhando nele. A companhia estava desenvolvendo
um novo, mais moderno, que operaria com apenas 50 pessoas, mas, um ano antes, já tinha
definido quem permaneceria no arquivo, treinado os 200 colaboradores que desempenhariam
outras atividades na organização e qualificado os 250 que seriam direcionados a outras empresas.
Patah lamentou não ver esse tipo de planejamento no Brasil, e concordamos com ele. Somos
imediatistas e não estamos nos preparando para as mudanças sociais que batem a nossa porta.
Nesse exemplo da AT&T, claro, não ocorreu uma disrupção digital, e sim uma mudança lenta e
programada, ou seja, foi possível fazer um planejamento e organizar a transição – o que nem
sempre acontece.
Além dos empregos que desaparecem, as funções geradas pela nova economia exigem
capacidades e recursos aos quais nem todos têm acesso por sua condição socioeconômica. Como
inserir na economia digital alguém que mora em uma periferia aonde a internet não chega por
cabo nem por antena? Uma pesquisa divulgada em 2020 mostrou que, no Brasil, 4,8 milhões de
crianças e adolescentes na faixa de 9 a 17 anos não tinham acesso à internet em casa – 17% de
todos os brasileiros nessa faixa etária130.
Na pandemia do novo coronavírus, ficou evidente a desigualdade entre os alunos das escolas
privadas e os da rede pública, que tiveram dificuldade de acompanhar as aulas no ambiente on-
line porque muitas casas não possuíam computador. Em alguns casos, o único dispositivo da
família era um celular, aparelho que não suporta uma hora de transmissão de aula em
videoconferência – em famílias com dois, três estudantes, quem assistiria à aula? Em maio de
2020, o portal de notícias G1 entrevistou um aluno de Ensino Médio de escola pública, ganhador
de medalhas em olimpíadas de matemática e de xadrez, que não havia acompanhado as aulas
durante o período de isolamento porque não tinha internet em casa. Em um momento importante
de preparação para ingressar em uma faculdade, ele estava estudando conteúdo antigo, com o
material disponível em casa131.
A pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgada em 2019,
constatou que 96,5% das casas das classes A e B tinham internet, enquanto 59% dos domicílios
das classes D e E estavam off-line naquele ano132. E a marginalização vai além da falta de
conexão. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva concluiu que um terço dos brasileiros com mais
de 16 anos não tinha conta em banco; 86% deles eram das classes C, D e E; e 58% não
frequentaram escola ou estudaram só até o Ensino Fundamental133. Portanto, são pessoas que
terão mais dificuldade de obter crédito e realizar pagamentos on-line. O resultado dessa
desigualdade entre quem tem acesso à transformação digital e quem não tem é uma massa de
excluídos estruturais.
Em meados de 2020, com a pandemia ainda limitando parte da economia, surgiu uma
discussão sobre a retomada em forma de “K”. A tese é que as pessoas mais ricas e as companhias
maiores sairão ganhando, enquanto os trabalhadores mais pobres e as empresas menores terão
ainda mais dificuldade. Na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e o primeiro de 2020, os
50% mais pobres tiveram uma queda de 6,3% na renda do trabalho, e os 10% mais ricos, um
aumento de 0,8%134. O disco voador, novamente, se afasta alguns quilômetros da Terra.
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GIG ECONOMY – A ECONOMIA DOS BICOS
Parte da população tem aderido ao trabalho nos moldes de um termo popularizado nos últimos
anos, a gig economy (economia de trabalhos temporários). O surgimento de plataformas como
Uber e iFood deu a muita gente uma fonte de renda. Segundo levantamento feito no início de
2019, essas plataformas se tornaram o maior empregador do Brasil, com quase 4 milhões de
trabalhadores autônomos ativos135.
A economia dos bicos trouxe ânimo e uma percepção inicial de prosperidade, de multiplicação
das oportunidades. Profissionais que estavam sendo deixados à margem do mercado em suas
áreas de atuação vislumbravam uma alternativa que prometia liberdade, flexibilidade e qualidade
de vida. Acontece que esses trabalhadores sem vínculo empregatício não têm previsibilidade
nem direitos garantidos, ou seja, não sabem quando e se terão clientes e não contam com
seguridade social que lhes dê direitos como auxílio-doença ou cobertura previdenciária.
Em países onde as instituições são mais frágeis e a diferença de renda entre ricos e pobres é
grande, a ampliação desse modelo de trabalho vem acompanhada do risco de as relações se
tornarem abusivas ou pouco vantajosas para o trabalhador. Quanto mais desigualdade
socioeconômica, maior a chance de haver relações em que, em uma ponta, consumidores pagam
por uma conveniência e, na outra, entregadores se arriscam por um valor baixo. Não é à toa que
negócios como Rappi e iFood tiveram mais dificuldade de prosperar em algumas regiões da
Europa na mesma velocidade com que foram adotados em países como o Brasil. O modelo do
aplicativo pressupõe que existam pessoas dispostas a subir em uma moto ou bicicleta e rodar a
cidade em um dia de chuva recebendo pouco mais do que um salário mínimo por mês.
Com a pandemia do novo coronavírus, os aplicativos de entrega ganharam uma relevância
ainda maior nas grandes cidades brasileiras. As pessoas passaram a comprar sem sair de casa e
os responsáveis por fazer a ponte entre as lojas e os lares foram os entregadores. Durante o
primeiro mês de isolamento social, as compras feitas por meio de aplicativos cresceram 30% no
país, segundo levantamento do Instituto Locomotiva136.
Ganhando visibilidade na crise, os entregadores aproveitaram o momento para chamar a
atenção para suas causas. No início de julho de 2020, organizaram protestos em cidades como
São Paulo e Rio de Janeiro por melhorias das condições de trabalho. Entre as reivindicações para
plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats estavam o aumento do valor por quilômetro e do
mínimo para entrega e um seguro contra roubos e acidentes137.
O interessante é que eles não queriam carteira assinada, e sim uma remuneração mais justa por
seu trabalho. Desejavam continuar tendo autonomia e flexibilidade, mas sendo mais bem pagos.
Novamente: é um tema complexo, um quebra-cabeça de muitas partes. No entanto, não parece
fazer sentido enxergar esse conflito apenas com o paradigma do passado. Será que transformar
esses trabalhadores em funcionários protegidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
faz sentido? Porque parece que nem eles nem os aplicativos desejam essa solução. É preciso
discutir como criar uma proteção social e uma divisão menos assimétrica de ganhos
considerando não só os diferentes desejos e ferramentas que estão sobre a mesa, como também o
fato de que esses autônomos muitas vezes não são representados por sindicatos ou grupos que
poderiam reivindicar mais direitos diante dos órgãos públicos, exigindo novas formas de
representação.

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Ainda que a discussão sobre como equilibrar o trabalho freelancer com direitos básicos se
estenda pelos próximos anos, a tendência é que esse novo tipo de relação de trabalho seja cada
vez mais comum com o avanço da transformação digital. Uma pesquisa realizada em 2019 pela
Upwork e pela Freelancers Union, dos Estados Unidos, mostrou que 35% da força de trabalho do
país não tinha vínculo empregatício. Embora a maioria não se visse como gig worker, 77% dos
entrevistados disseram que a tecnologia tornou mais fácil encontrar trabalho138.
Além das evidentes frustrações com os modelos corporativos, uma das razões para mais
pessoas fugirem do emprego tradicional é que a geração de pessoas nascidas a partir da década
de 1980 é tanto fornecedora como consumidora da gig economy. Valorizam a agilidade e a
disponibilidade dos serviços prestados e estão mais abertas a novos modelos de trabalho, à
flexibilidade e à independência. Em sua fala do TEDxKTH, em Estocolmo, o economista
Andreas Hatzigeorgiou pontuou que, se os millennials vão mudar a forma como trabalhamos e
como enxergamos o trabalho, precisamos reinventar também o modelo de seguridade, pensando
em novas bases139. Nós, assim como muitas das pessoas que ouvimos para escrever este livro,
concordamos com ele. Não se podem aplicar regras antigas em uma configuração nova de
mercado. Governo, empresas e sindicatos devem buscar solução para essa nova realidade que a
transformação digital está construindo, porque as pessoas estão mudando suas necessidades. Não
adianta matar o mensageiro. Relembramos a mensagem dos capítulos anteriores: o problema não
é o disruptor, e sim a disrupção, e tentar brigar com a disrupção é inútil.
A análise dos dados dos entregadores cadastrados no iFood ilustra o cenário do novo perfil do
trabalhador. O app tem pessoas que querem trabalhar em uma empresa em regime CLT, mas
foram demitidas e precisam de renda. Outras eram pequenos empreendedores que faliram e estão
no aplicativo ganhando algum dinheiro enquanto se preparam para um novo negócio. No meio
do caminho, há quem escolheu esse modelo pela flexibilidade e liberdade de trabalhar quando
quiser. Diego Barreto, CFO e vice-presidente de estratégia do iFood, explica que isso pode ser
percebido no tempo de dedicação dos entregadores à plataforma. A maioria trabalha de maneira
intermitente, algumas horas por dia ou por semana, porque está dividindo seu tempo entre vários
aplicativos semelhantes ou com outras fontes de renda, outros trabalham durante um período,
param e retornam meses depois ou não voltam mais.

À MARGEM
Enquanto alguns trabalhadores se adaptam à gig economy, há pessoas excluídas pela
digitalização dos negócios que não conseguem encontrar novas funções nem se capacitar para
outras tarefas; não acompanham as mudanças e jamais estarão aptas para assumir qualquer nova
função.
Olhando para esse cenário, nós nos perguntamos que mundo estamos criando, como resolver
essa diferença social que a transformação digital está aumentando, e não diminuindo. No mundo
pós-pandemia, que gerou uma série de demissões até em empresas que nasceram digitais,
precisamos pensar em como acolher e incluir todas as pessoas no sistema.
Um dos desafios que temos de considerar é encontrar soluções para que ninguém passe ao
largo da transformação digital e todos possam ter acesso a condições de vida digna, porque é
preciso estar minimamente inserido na cadeia de valor para conseguir subir – nesse sentido,
apostamos na educação de qualidade para todos como resposta para a inclusão e a redução da
desigualdade.

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No livro O fim da pobreza140, Jeffrey Sachs usou a metáfora de uma escada para dividir a
população mundial em níveis de desenvolvimento e identificou que existe um movimento de
subida. As pessoas estão se desenvolvendo, mas parte delas nem sequer chegou ao primeiro
degrau. Mais de 1 bilhão de indivíduos não estão incluídos e jamais estarão, seja porque vivem
em uma região sem infraestrutura ou perspectiva de desenvolvimento, seja porque não tiveram
acesso aos recursos básicos durante a infância para receber uma formação inicial.
Claro que existem pessoas extraordinárias, que brilham mesmo diante dos contextos mais
desafiadores e que a transformação digital tem incluído por meio do acesso à educação. Marcelo
Tas, entusiasta da tecnologia, conhece uma série de jovens que complementaram sua formação
usando o YouTube e conseguiram vaga em boas universidades do país, como o morador de um
cortiço no centro de São Paulo que sempre estudou em escolas públicas com pouca
infraestrutura, mas entrou na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Entretanto,
mesmo esses jovens fora da curva precisam ter pelo menos acesso à internet para estudar. Alunos
brilhantes não devem ser a exceção usada para normalizar a desigualdade, mas mostram como a
tecnologia também favorece a construção de um mundo com mais oportunidades para todos.
A GSMA, organização que representa mais de 400 empresas operadoras de celular do planeta,
possui uma área que acompanha como as tecnologias mobile estão ajudando a reduzir as
desigualdades. Conforme relatório divulgado em 2019, 850 milhões de usuários (15% do total)
acessaram serviços do governo pelo celular; cerca de 1 bilhão (20%), serviços de saúde; e 1,2
bilhão (25%), serviços de educação141.
O que acreditamos que realmente fará a diferença no longo prazo e poderá resolver o problema
é uma revolução na educação. Precisamos preparar os jovens, desde muito cedo, para o futuro,
porque a nova economia vai demandar mais educação e capacidade de resolver problemas
sofisticados.
No Brasil, especialmente, há um gap que precisa ser fechado. Segundo dados da Prova Brasil
de 2017, apenas 15% dos alunos do 9º ano da rede pública de ensino aprenderam o adequado na
resolução de problemas de matemática142. Em um mundo que será cada vez mais pautado pelas
habilidades em STEM (sigla em inglês de ciência, tecnologia, engenharia e matemática), como
vamos inovar e criar oportunidades para uma população que não aprendeu o básico?
Um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
mostrou que o Brasil é o país em que terminar o Ensino Superior garante a maior vantagem
salarial em relação ao Ensino Médio completo e ao incompleto, entre 37 nações avaliadas – uma
remuneração em média 144% maior143. No entanto, apenas 21% da população entre 25 e 34 anos
termina o Ensino Superior, e a escassez de profissionais é justamente a grande causa da
valorização: com dificuldade de conseguir profissionais mais qualificados, as empresas
remuneram muito bem aqueles que encontram – uma aberração que apenas alimenta a
desigualdade.
Uma solução paliativa para esse complexo quebra-cabeça de harmonização entre disrupção e
desenvolvimento social é uma proposta que tem sido defendida por grandes nomes do
empreendedorismo no Vale do Silício, como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Elon Musk, da
Tesla Motors: a renda mínima. Seria uma garantia de renda para as pessoas mais vulneráveis,
com menor nível de escolaridade, cujos postos de trabalho foram extintos.
São vários os motivos que podem fazer dessa uma alternativa para enfrentar as mudanças que
estamos vivendo, mas em cada país o tema precisa ser discutido, explorado com mais
profundidade e sem paixões partidárias. No debate global, os defensores da ideia alegam que o
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benefício contribuiria para a redução da desigualdade, trazendo equilíbrio para o processo de
automação do trabalho. Do outro lado, os críticos acreditam que o pagamento regular criaria uma
legião de acomodados, reduzindo a procura por emprego ou iniciativas empreendedoras144.
Um estudo desenvolvido na Finlândia constatou que os efeitos sobre o emprego não são
substanciais145. Um projeto da agência de seguridade social do país selecionou aleatoriamente 2
mil participantes, com ou sem emprego, para a distribuição mensal de 560 euros de 2017 a 2018.
Além deles, foi selecionado um grupo de controle. Os resultados, publicados em 2020,
mostraram que os participantes trabalharam a mesma quantidade de horas e receberam salários
equivalentes aos dos integrantes do grupo que não receberam o benefício. Só que a garantia de
que todos os meses as pessoas teriam o mínimo para sobreviver melhorou o bem-estar dos
beneficiados. Eles sentiam-se mais felizes e menos estressados, deprimidos ou solitários do que
aqueles do grupo de controle. Também declararam que sua memória, aprendizado e concentração
estavam melhores. Claro que esse estudo precisa ser replicado em outros países e em outras
condições sociais antes de ser considerado verdade universal.
Para nós, no entanto, a renda mínima é apenas uma peça desse quebra-cabeça. Serve
principalmente às pessoas que não têm outra forma de serem incluídas, como alívio temporário.
É possível que precisemos dela por algumas décadas, porque ainda estamos em um momento de
destruir mais empregos do que criar.

REGULAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS


Acreditamos que o governo tem papel fundamental para amparar as pessoas excluídas do
mercado e estabelecer regras que ajudem a incluir mais gente no contexto de transformação
digital. Ainda que não sejamos especialistas para conduzir esse debate e apresentar soluções, há
evidências de que devemos colocar esse assunto na mesa de maneira mais pragmática.
No Brasil, por exemplo, não há uma política clara de universalização de internet e as leis
atuais dificultam esse processo. Um exemplo bizarro que aparentemente está perto de ser
resolvido é a legislação que regula a instalação de novas torres e antenas de celular, que é
municipal. Isso faz com que as gestoras de torres tenham de lidar com inúmeras prefeituras para
atender às especificações de cada uma e conseguir expandir a capacidade de transmissão de
frequência. Além do mais, algumas exigências, como comprovação de posse de terreno ou
largura mínima de rua, inviabilizam a instalação nas periferias, porque são condições que, muitas
vezes, esses locais não oferecem146. Assim, a infraestrutura e a legislação acabam limitando a
expansão do sinal de internet e a inclusão digital da população.
O papel do governo também é regulamentar as novidades disruptivas que chacoalham o
mercado – nem sempre para o bem dos cidadãos. A chegada do Uber ao Brasil, em 2014,
provocou uma reviravolta no setor de transportes individuais, e o que vimos foi um debate com
pouca inteligência, isto é, houve muita comoção, não se discutiu muito sobre os aspectos do
negócio. Além disso, o debate se polarizou entre quem estava contra e a favor do Uber, sem
considerar que os modelos poderiam coexistir e que o único desafio seria o de gerir com cuidado
a transição e, pior, perdendo de vista o melhor para o usuário. Não faz sentido demonizar
taxistas, assim como parece uma luta contra o inevitável pedir a proibição dos aplicativos de
transporte individual. Acreditamos que, quando novos modelos de negócio surgem, a maneira
como o setor é regulado precisa avançar junto e ser inteligente.

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Alguns anos depois, o debate iniciado com o Uber se expandiu para uma conversa sobre a gig
economy e o papel do governo em garantir seguridade social ao trabalhador sem carteira
assinada. A Reforma Trabalhista de 2017 deu sua contribuição ao ampliar as categorias de
contratação e alterar os termos que definem a atuação autônoma. O trabalhador pode contribuir
para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e contar com aposentadoria ou salário-
maternidade, entre outros direitos, operando como microempreendedor individual (MEI).
Com os protestos dos entregadores em 2020, a discussão entrou novamente no radar.
Enquanto alguns procuradores e juízes do Trabalho defendiam que o grupo fosse enquadrado nas
normas da CLT, outros especialistas, como o doutor em economia Pedro Nery, afirmavam que a
taxação diminuiria ainda mais a renda dessas pessoas, preferindo alternativas como a
formalização por meio da categoria MEI. “É preciso pensar em uma proteção social do século 21
e não na taxação dos entregadores. Assim como as regras da CLT – voltadas para a jornada do
homem provedor da era industrial – não incluem parte da população, os benefícios baseados no
emprego com carteira também não”, afirmou Nery147.
Segundo José Eduardo Pastore, sócio da Pastore Advogados e especialista em relações de
trabalho, no mundo inteiro, quem está decidindo hoje que tipo de proteção esse trabalhador tem é
o poder judiciário de cada país. “As decisões ora consideram que eles são empregados, ora
autônomos. Não há muita legislação específica tratando da natureza jurídica desse tipo de
trabalho”, afirma. Aqui no Brasil, segundo ele, “quase todos os projetos de lei que existem no
Congresso têm a intenção de incluí-los na CLT, partindo da premissa de que são empregados,
por conta da subordinação. Ocorre que a subordinação jurídica, que identifica o empregado como
tal, se vale de um elemento que não faz parte da natureza do trabalho em plataforma: a fidúcia, a
fidelidade”.
Pastore defende que a legislação não deve tentar enquadrar os trabalhadores em plataformas
como empregados, visto que, caso algum seja realmente empregado, esse fato deve ser dirimido
pela casuística, na Justiça do Trabalho, e não por meio de lei presumindo a existência de vínculo
de emprego para todo trabalhador em plataformas. Para ele, a alternativa para conceder proteção
previdenciária, no que se refere a acidente do trabalho, aposentadoria e pensão por morte, está na
Lei nº 123/2006, que criou a figura do microempreendedor individual. Dessa forma, esses
trabalhadores autônomos teriam proteção previdenciária sem a necessidade de se enquadrar
como empregados, até porque não são, como defende Pastore.
Fora do Brasil, o tema também recebe atenção dos governos. Na Califórnia, Estados Unidos,
está em tramitação um projeto de lei que define os critérios pelos quais um trabalhador deve ser
contratado como empregado ou como temporário. Para ser temporário, ele não pode prestar um
serviço da atividade-fim da organização, o que provavelmente trará problemas para aplicativos
como o Uber, que terá de registrar os motoristas como colaboradores, pagando-lhes direitos
trabalhistas148.
Ao regular o mercado, o governo também precisa proteger o consumidor. É o caso da
prefeitura de Vancouver, Canadá, que proibiu aluguéis temporários. Os proprietários de imóveis
estavam preferindo alugar suas casas para turistas pela plataforma Airbnb, o que reduziu a oferta
de locações de longo prazo e aumentou o custo de morar na cidade149. Por um lado, essa lei
parece ir contra a disrupção, mas foi a maneira encontrada para promover um equilíbrio de
forças. A prefeitura de Vancouver agiu rápido. Se é a melhor solução para os moradores, o
tempo dirá; se não for, poderá ser alterada. Contudo, como ensinam as startups, às vezes o feito é

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melhor que o perfeito. O governo identificou que havia um problema, teve coragem de se mover
e foi veloz em sua reação.
O governo pode ser protagonista no processo de transformação digital, estabelecendo regras
que considerem todos os agentes envolvidos em cada negócio, desenvolvendo políticas públicas
de inclusão e garantindo infraestrutura que favoreça o acesso à digitalização. Entretanto, vontade
e debate público são imprescindíveis. Um bom exemplo no Brasil é a atuação do Banco Central
(BC) com as fintechs, empresas que estão levando inovação ao setor financeiro. A postura do BC
com quem está entrando no mercado é, essencialmente, a de observar e aplicar as regras mais
básicas. Para evitar que a mão pesada da regulação mate as novidades, o regulador apenas
acompanha e orienta. Após alguns meses ou anos, quando o modelo se prova mais sólido,
gradualmente o BC impõe regras mais específicas e sanções caso sejam descumpridas. Outro
bom exemplo do BC é a forma como está conduzindo a introdução do Pix, meio de pagamento
que possibilitará transações instantâneas em qualquer dia e horário, e do open banking, regulação
que permitirá o compartilhamento de dados, produtos e serviços entre instituições financeiras.
O próprio governo também pode passar por uma transformação digital. Em 2020, os órgãos
públicos brasileiros tiveram dificuldade de fazer o auxílio emergencial de R$ 600 chegar até a
ponta durante a pandemia. A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério das Cidades
precisaram criar um serviço específico para ajudar mais de 40 milhões de pessoas que em junho,
três meses depois do lançamento, ainda não tinham conseguido receber dinheiro do programa150.
No entanto, a crise ajudou a tirar da invisibilidade milhões de pessoas que estavam à margem
dos registros oficiais. Passados os primeiros meses, o governo federal se capacitou para localizar
os cidadãos e aumentou seus esforços para digitalizar os serviços.
Desde o início da pandemia até o início de agosto de 2020, o governo brasileiro transformou
251 serviços em digitais para facilitar o acesso da população. O número de acessos ao portal
Gov.br, que concentra todos os serviços digitais do governo federal, quase triplicou – de 4,6
milhões em janeiro para 12,1 milhões em junho. Essa mudança pode ser considerada o primeiro
estágio da transformação digital: por meio de novas tecnologias, altera-se a camada de
atendimento. Contudo, a tendência é que, com o tempo, isso ajude também a mudar a maneira
como esses serviços são pensados e prestados, tornando-os mais eficientes.

HÁ ESPERANÇA
Apesar das evidências pessimistas, há fatores para acreditar que nem tudo está perdido, que a
tecnologia pode ser usada para equilibrar as forças e que as empresas estão olhando além do
próprio umbigo.
A maioria dos empresários e executivos que entrevistamos para este livro nos apresentou uma
visão otimista. Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, enxerga que as companhias estão cada vez
mais preocupadas com temas como diversidade e inclusão e que as grandes empresas têm
cobrado isso inclusive de seus fornecedores. Uma das iniciativas criadas pela Gerdau foi
contribuir para a reintegração de egressos do sistema penitenciário à sociedade.
Carlos Miranda, CEO da X8 Investimentos, está animado com a preocupação das gerações
mais novas com o impacto social. Ele tem conhecido pessoas que juntaram um patrimônio
relevante ao longo da carreira e agora, por orientação dos filhos, estão direcionando parte do
dinheiro para negócios de impacto, ou, no termo mais recente, negócios ESG (com foco em meio
ambiente, impacto social e governança corporativa). Segundo Carlos, enquanto, no mundo, o

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dinheiro disponível para filantropia é de cerca de US$ 500 bilhões, o destinado para
investimentos de impacto já ultrapassa US$ 30 trilhões – ferramenta que ele considera muito
mais transformadora do que a doação.
A antropóloga Valéria também faz um contraponto. Segundo ela, diferentemente do que
aconteceu em outros momentos de profunda transformação social, a digitalização da sociedade
está dando voz a muitos grupos antes marginalizados, que ganham poder de questionamento.
“Ao mesmo tempo que você tem uma precarização do trabalho, existe um levante de grupos
periféricos e minoritários que também estão passando por uma transformação digital”, explica.
Esse vetor de pessoas que nunca haviam sido protagonistas ganhando voz é uma força que atua
na direção contrária da exclusão.
A mesma geração que está preocupada com impacto social e tem voz ativa para dizer o que
pensa também dá origem a um movimento que podemos chamar de cidadania digital. Os jovens
fiscalizam as companhias que não estão agindo de acordo com o que consideram correto e não
hesitam em apontar as falhas. “O consumidor hoje tem um papel na sociedade capitalista pela
voz que conquistou por meio do sistema digital e pode derrubar uma marca. Então, as empresas
têm o tempo todo de lidar com esse imperativo da força do consumidor que depõe contra suas
iniciativas predatórias”, diz Valéria.
Em julho de 2020, grandes marcas, como Coca-Cola e Starbucks, suspenderam seus anúncios
no Facebook, cobrando da plataforma providências contra a propagação de conteúdo racista e
outros tipos de discurso de ódio151. A mobilização aconteceu principalmente após a manifestação
de grupos de direitos civis dos Estados Unidos sobre o caso do norte-americano George Floyd,
homem negro que morreu asfixiado sob o joelho de um policial branco152. O vídeo feito por uma
testemunha correu o mundo pelas redes sociais, o que aumentou o impacto emocional e a força
da reação. Não é mais a quantidade de pessoas na Avenida Paulista que mede a importância de
uma causa, e sim a de likes, dislikes, cancelamentos, posts e outras métricas digitais.
Diante da cobrança por uma postura diferente das companhias, mais responsável e dedicada à
cidadania, aquelas que assumem esse papel são bem-vistas. Foi o que aconteceu com a varejista
Magazine Luiza quando o botão para denúncia de violência doméstica de seu aplicativo153
viralizou na quarentena. Lançado um ano antes, em março de 2019, o botão ganhou notoriedade
com o aumento dos casos e a concomitante redução das denúncias no período de isolamento,
porque as mulheres estavam com seus agressores sem conseguir sair de casa154. As organizações
não podem mais ser neutras a respeito de questões como preservação do meio ambiente,
diversidade e violência doméstica.
Tem emergido um grande questionamento sobre o real papel social das empresas, além de
simplesmente remunerar seus acionistas. Hoje elas servem também à sociedade, cuidando dela, e
ao meio ambiente, preocupando-se com os efeitos de seus negócios. Ao mesmo tempo, a nova
geração de profissionais busca propósito e impacto social por meio de suas atividades. Enquanto
tarefas são automatizadas e extintas, há um batalhão de jovens pedindo um mundo menos
desigual e chamando a atenção para desequilíbrios inaceitáveis de seu ponto de vista.
Nesse contexto, as companhias são pressionadas a encontrar soluções para melhorar seu
ambiente – por exemplo, aumentando a diversidade de suas equipes – e a causar impacto positivo
na comunidade em que estão inseridas, e elas se perguntam, com cada vez mais frequência, o que
podem fazer pelo planeta. A tecnologia só faz sentido se servir para o bem da humanidade.
Portanto, se pudéssemos dar um conselho aos líderes das empresas, diríamos, claro, que a
construção do futuro passa obrigatoriamente pela transformação digital, mas também por captar
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esse espírito do tempo que determina que cuidar da sociedade e do planeta é tão importante
quanto buscar o lucro e a eficiência. E a tecnologia, ao mesmo tempo que pode causar danos, tem
um enorme potencial para nos ajudar a tornar o mundo mais justo, democratizando o acesso à
informação e ao debate. Se há algo de que precisamos nos lembrar em momentos de grandes
mudanças e de crises como a pandemia do novo coronavírus é a frase do icônico primeiro-
ministro britânico Winston Churchill: “Nunca desperdice uma boa crise”.

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AGRADECIMENTOS

NÓS DOIS NOS CONHECEMOS há mais ou menos 20 anos, quando fomos convidados
por Fernando Lima para organizar um Fórum de Tecnologia para Recursos Humanos, na
Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). O que nos manteve unidos, mais do que a
carioquice de humor ácido ou a visão de mundo tão convergente, foi um grupo de amigos que até
hoje se reúne regularmente para tomar vinho e bater papo. Fazem parte dessa turma conosco
Fernando Lima, Arthur Asnis, Cezar Tegon, Marcelo Fernandes, Marcos Nascimento e Marcos
Baumgartner. Sem eles provavelmente não teríamos mantido o vínculo e este livro não existiria.
Este livro é parte também de um projeto maior sobre o entendimento da transformação digital
no Brasil que desenvolvemos em parceria com nossos amigos da StartSe. Além deste conteúdo,
criamos um curso sobre o assunto para executivos e o podcast Gente Digital. Agradecemos em
especial a Maria Fernanda (Mafê) Neves, Tainá Freitas e José Eduardo Costa, que começou a
conversa.
Agradecemos imensamente a todos os entrevistados que gentilmente cederam algumas horas
para contar suas histórias e suas jornadas de transformação digital – Antonio Serrano, Carlos
Miranda, Caroline Carpenedo, Diego Barreto, Felipe Cerchiari, Gustavo Werneck, Jacques
Nasser, José Eduardo Pastore, Marcelo Tas, Marcus Hadade, Ricardo Patah, Ronaldo Iabrudi,
Simone Galante, Suzana Pamplona e Valéria Brandini – e ao César Souza, que aceitou nosso
convite para escrever o prefácio.
Por fim, este livro não seria possível sem o trabalho dedicado e brilhante da equipe do Atelier
de Conteúdo. Nosso profundo agradecimento a Marcela Bourroul e Ariane Abdallah, que
lideraram essa empreitada com a combinação letal de “mão de ferro” e sorrisos encantadores por
todos os passos do caminho. Nosso muito obrigado a Fabiane Langona pelas charges que
temperaram com humor carioca nosso livro e a Larissa Mazzoni pela capa e layout.

ANTONIO SALVADOR
Ao longo da minha vida profissional conheci vários mestres que tive a honra de chamar de
“chefe(a)”, “sócio(a)”, mas, principalmente, “amigo(a)”, em especial Regina Langsdorff (in
memoriam), Mauricio Luchetti, José Luiz Aromando, Antonio Martins, Mary Kay Vona, Enéas
Pestana, Peter Estermann e Ronaldo Iabrudi, que gentilmente colaborou com este livro.
Agradeço ainda aos membros dos times que tive o prazer de fazer parte ou liderar e com quem
aprendi muito sobre gestão de pessoas e transformação, seja na Brahma, na PwC, na IBM, na
Promon, na HP ou no GPA, sobretudo à equipe de transformação digital, cujos erros e acertos
compartilhei aqui.

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Como bom oriundi, famiglia é tudo, assim meu muito obrigado aos meus irmãos Eduardo e
Roberta, sempre ao meu lado na “harmonia” e nos “perrengues", e aos meus sogros Vasco e Lea,
que me acolheram como filho. Por fim, agradeço ao Daniel, meu sócio nessa empreitada de
decifrar termos e tendências do mundo digital de maneira simples, sempre colocando o ser
humano, e não a tecnologia, como protagonista!

DANIEL CASTELLO
Agradeço a Angelo Desiderio Netto, por ter me trazido para São Paulo; a Fernando Lima, por
ter percorrido todo o caminho sempre com um sorriso generoso e por ter aberto mais portas do
que consigo contar; a Rodrigo Rocha Loures e Ken O’Donnell, por acreditarem que eu era capaz
de ser um estrategista; a Luís Alexandre Chicani, por me abrir as portas da Endeavor; a Jean
Pasteur, Simone Galante e Arthur Asnis, por terem acreditado em mim quando eu mais precisei;
a Mali e Ciça, minhas duas irmãs, meus esteios; e a Pepe, meu irmão, por estar sempre a um
telefonema de distância.
Aprendi com a vida que funciono melhor em bando. Sou grato à ABRH e à Endeavor por
serem ecossistemas importantes na minha trajetória e terem colocado na minha vida as pessoas
mais interessantes que conheci.
Em especial, meu muito obrigado ao Salvador, por ter acreditado nesta parceria. Um sonho
realizado.
1
“The next outbreak? We’re not ready”, TED Talks, mar. 2015. https://bit.ly/33D9lWC
2
“Ações de varejo fecham em queda com ‘efeito Amazon’”, Valor Econômico, 13 out. 2017. https://glo.bo/3nuFEip.
3
“‘O Nubank é uma ameaça’, diz presidente do Bradesco”, Veja, 14 dez. 2018. https://bit.ly/2SC1ulZ
4
ROGERS, David L. The digital transformation playbook. New York: Columbia University Press, 2016.
5
“300 maiores empresas do varejo brasileiro SBVC 2019”, Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, 19 ago. 2019.
https://bit.ly/30N7PPU
6
Endeavor é uma organização global sem fins lucrativos que apoia o empreendedorismo e empreendedores de alto impacto.
Existe no Brasil desde 2000.
7
“Concentração de renda aumenta e Índice de Gini é o maior desde 2012, mostra pesquisa do IBGE”, O Globo, 16 out. 2019.
https://glo.bo/3lDOs3V
8
“Smartphone ownership is growing rapidly around the world, but not always equally”, Pew Research Center, 5 fev. 2019.
https://pewrsr.ch/2GPjHcO
9
“Brasil é o 5° país em ranking de uso diário de celulares no mundo”, Agência Brasil, 18 jan. 2019. https://bit.ly/3daexV2
10
“Brasil é 2° em ranking de países que passam mais tempo em redes sociais”, Época Negócios, 6 set. 2019.
https://glo.bo/2IbFj43
11
“Digital 2020: July Global Statshot”, Data Reportal, 21 jul. 2020. https://bit.ly/34A9mtL
12
“Compras pela internet disparam até 40% com impacto do novo coronavírus”, Exame, 20 mar. 2020. https://bit.ly/30HnjVB
13
“Big tech could emerge from coronavirus crisis stronger than ever”, The New York Times, 23 mar. 2020.
https://nyti.ms/3dcl1mm
14
TI: tecnologia da informação; CEO: chief executive officer; CTO: chief technology officer; agile: método de trabalho comum
em empresas digitais.
15
“A digitalização do mundo acelerou”. O Estado de S. Paulo, 26 mar. 2020. https://bit.ly/3jHQUpb
16
“Mundo será mais digital depois da crise, diz Lambranho”, Valor Econômico, 1 abr. 2020. https://glo.bo/2SAjMnD
17
“Digital 2020: July Global Statshot”, Data Reportal, 21 jul. 2020. https://bit.ly/34A9mtL
18
“Aplicativos como Uber e iFood são fonte de renda de quase 4 milhões de autônomos”, O Estado de S. Paulo, 28 abr. 2019.
https://bit.ly/2GJOBU6
19
“Magic Johnson and Larry Bird: a courtship of rivals basketball”, The NBA Historian, 2014. https://bit.ly/3jKhVZ5
20
“Top steel-producing companies 2019”, WorldSteel Association, jun. 2019. https://bit.ly/2IbP2Y7
21
ROGERS, David L. The digital transformation playbook. New York: Columbia University Press, 2016. p. 4.
22
“Self-driving cars could save 300,000 lives per decade in America”, The Atlantic, 29 set. 2015. https://bit.ly/33H9GYp
23
“Com home office, BB vai devolver 19 de 35 edifícios de escritórios no País”, O Estado de S. Paulo, 7 jul. 2020.
https://bit.ly/3dd3cmZ

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24
“Como a China conseguiu erguer um hospital para 1 mil pacientes em 10 dias”, O Estado de S. Paulo, 3 fev. 2020.
https://bit.ly/2SQTJJ3
25
“Airbnb vale mais do que qualquer outra rede de hotéis. Você sabe o porquê?”, StartSe, 25 nov. 2016. https://bit.ly/34Aeuhv
26
“Blitzscaling”, Harvard Business Review, abr. 2016. https://bit.ly/3jJiItl
27
“Cotação – MGLU3”, Suno Analítica, 2020. https://bit.ly/2I3KdQo
28
“Cotação – CRFB3”, Suno Analítica, 2020. https://bit.ly/3jJQxue
29
“Briga de navalha: Gillette x Dollar Shave Club”, Brazil Journal, 10 maio 2017. https://bit.ly/2GDcflw
30
“QuintoAndar: ‘no começo todos diziam que o negócio não fazia sentido’, afirma cofundador da startup bilionária”, InfoMoney,
9 out. 2019. https://bit.ly/3jGU64E
31
“Sem fiador? Sem problemas! Conheça o QuintoAndar”, Exame, 26 abr. 2018. https://bit.ly/3lpe04w
32
Matriz BCG é uma análise gráfica desenvolvida por Bruce Henderson, fundador da consultoria norte-americana Boston
Consulting Group.
33
“Sony Corp. of America v. Universal City Studios, Inc.”, Wikipedia, 16 set. 2020. https://bit.ly/3jLRySS
34
“Why VHS was better than Betamax”, The Guardian, 25 jan. 2003. https://bit.ly/3jODSGM
35
“Why digital strategies fail”, McKinsey Digital, 25 jan. 2018. https://mck.co/34CASqj
36
“WhatsApp supera o Facebook e é o aplicativo mais popular do mundo”, TechTudo, 18 jan. 2019. https://glo.bo/2GEEkbZ
37
LOUCKS, Jeff et al. Digital Vortex. Lausanne: IMD, 2016. p. 24.
38
Ibidem, loc. cit.
39
“Why digital strategies fail”, McKinsey Digital, 25 jan. 2018. https://mck.co/34CASqj
40
“Unlocking success in digital transformations”, McKinsey & Company, out. 2018. https://mck.co/3lo2qqn
41
Velha empresa + nova tecnologia = velha empresa cara.
42
“Ways & Means transcript – S2E1 – Can government really change?”, Duke University’s Sanford School, 14 set. 2016.
https://bit.ly/3lrgpvp
43
“Teoria da Perspectiva”, Wikipedia, 10 set. 2019. https://bit.ly/2GS6i44
44
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. 19. reimpr. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.
45
“Why change is so hard”. Fast Company, 16 set. 2010. https://bit.ly/3ljBfgm
46
“Telefone fixo está presente em apenas um terço dos lares no Brasil”, R7, 21 fev. 2018. https://bit.ly/2GH0nPg
47
Capex é o acrônimo de capital expenditure. Na prática, é a quantidade de dinheiro que uma empresa tem para investir, por
exemplo, na compra de equipamentos ou na reforma de lojas.
48
“Blitzscaling”, Harvard Business Review, abr. 2016. https://bit.ly/3jJiItl
49
“Why digital strategies fail”, McKinsey Digital, 25 jan. 2018. https://mck.co/34CASqj
50
LOUCKS et al., op. cit., p. 16.
51
“Apple’s Jony Ive on the lessons he learned from Steve Jobs”, Vanity Fair, 9 out. 2014. https://bit.ly/3jLPw4U
52
“WeWork gets new $1.1 bilion commitment from SoftBank, cuts burn rate”, Reuters, 12 ago. 2020. https://reut.rs/33HTw0Y
53
GUPTA, Sunil. Driving digital strategy. Boston: Harvard Business Review Press, 2018. p. 192.
54
“Bradesco impulsiona Next”, IstoÉ Dinheiro, 7 fev. 2020. https://bit.ly/36HOKCx
55
LOUCKS, Jeff et al. Digital Vortex. Lausanne: IMD, 2016. p. 23.
56
TEIXEIRA, Thales S. Desvendando a cadeia de valor do cliente. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019. p. 124.
57
RIES, Eric. A startup enxuta. São Paulo: Leya, 2012.
58
ROGERS, David L. The digital transformation playbook. New York: Columbia University Press, 2016. p. 22.
59
BLANK, Steve; DORF, Bob. Startup: manual do empreendedor. Rio de Janeiro: Alta Books, 2014.
60
“The global startup ecosystem ranking 2015”, Startup Genome, 1 jul. 2015. https://bit.ly/34JE2Jc
61
ROGERS, op. cit., p. 23.
62
Ibidem, p. 169.
63
Dados fornecidos com exclusividade por Simone Galante, fundadora e CEO da consultoria Galunion.
64
“Digital transformation at Axel Springer”, IMD, dez. 2016. https://bit.ly/30HFxGv
65
TEIXEIRA, op. cit., p. 11-14.
66
LOUCKS et al., op. cit., p. 17.
67
“What is strategy?”, Harvard Business Review, nov.-dez. 1996. https://bit.ly/35eJdRj
68
“Digital strategy in a time of crisis”, McKinsey Digital, 22 abr. 2020. https://mck.co/3k8pxoB
69
“The ‘Undertaker of Silicon Valley’ stays busy as startups lay off thousands”, NPR, 20 abr. 2020. https://n.pr/34cs0sv
70
“Coronavírus: SoftBank espera prejuízo de US$ 16,6 bi no Vision Fund”, Exame, 13 abr. 2020. https://bit.ly/3lXaluQ
71
“Forget unicorns. Startups should be camels”, Entrepreneur, 7 abr. 2020. https://bit.ly/2ILenIG
72
PARKER, Geoffrey G. VAN ALSTYNE, Marshall W.; CHOUDARY, Sangeet Paul. Plataforma: a revolução da estratégia.
São Paulo: HSM do Brasil, 2016. p. 13.
73
“Multi-sided platforms”, HBS Working Paper Serie, mar. 2015. https://hbs.me/34d4Nq5
74
PARKER; VAN ALSTYNE; CHOUDARY, op. cit., p. 20.
75
“Uber lost $8.5 billion in 2019, but it thinks it can get profitable by the end of 2020”, The Verge, 6 fev. 2020.
https://bit.ly/3jeyJXk
76
PARKER; VAN ALSTYNE; CHOUDARY, op. cit., p. 26.
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77
Ibidem, cap. 4, p. 86.
78
CEO: chief financial officer.
79
“Strategies for responding to digital disruption”, IMD, set. 2016. https://bit.ly/3j7v39G
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“Why 2.7 million Americans still get Netflix DVDs in the mail”, CNN Business, 4 abr. 2019. https://cnn.it/3jcn9Mc
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“The 70-20-10 rule for innovation”, Disruptor League, 20 set. 2018. https://bit.ly/3m6Uc67
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“Muitos empresários vão ficar pelo caminho, avalia superintendente da Lojas CEM”, Jovem Pan, 20 abr. 2020.
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“‘Estamos faturando como se fosse dezembro’, comemora superintendente da Lojas CEM sobre retomada”, Jovem Pan, 19 ago.
2020. https://bit.ly/3o5XKaB
84
“Transformation at ING (A): agile”, HBS Case Collection, maio 2018. https://hbs.me/35dYTo3
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COO: chief operating officer.
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87
ABDALLAH, Ariane. De um gole só. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2019. p. 284.
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“Visitamos o LuizaLabs, o laboratório de inovação do Magazine Luiza”, StartSe, 12 jan. 2018. https://bit.ly/35cV8PH
91
“André Fatala, CTO do Magalu: ‘Você não olha para a Amazon ou o Alibaba e pensa: ‘Qual é a fábrica de software fazendo
isso aí?’”, Draft, 5 mar. 2020. https://bit.ly/3keZfkG
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“Magazine Luiza subiu mais de 1.000% em 8 anos de bolsa, enquanto Ibovespa avançou 47%”, Valor Investe, 30 abr. 2019.
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“Marca cancela campanha do ‘mimimi’ e Preta Gil comenta o erro”, Exame, 15 jun. 2015. https://bit.ly/37pnM2K
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thammymiranda, Instagram, jul. 2020. https://bit.ly/3m1nymv
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111
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112
ROGERS, David L. The digital transformation playbook. New York: Columbia University Press, 2016. p. 127.
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RIES, Eric. The Lean Startup. New York: Crown Business, 2011.
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KALBACH, Jim. Mapeamento de experiências. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.
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“Spotify engineering culture (part 1)”, Spotify R&D, 27 mar. 2014. https://bit.ly/3m3d6uY
117
Apelidos de pessoas de direita, esquerda e centro, respectivamente, a partir de meados da década de 2010.
118
Lei nº 13.709/2018, que estabelece o que são dados pessoais e padroniza práticas para promover a proteção dos dados dos
cidadãos brasileiros.
119
WADE, Michael et al. Orchestrating digital business transformation. Lausanne: IMD, 2017.
120
CDO: chief digital officer.
121
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"Google's AI assistant can now make real phone calls", Mashable Deals, 9 maio 2018. https://bit.ly/3dJKQum
123
“Uso de drones reduz tempo e elimina riscos de trabalho em altura em fábrica da Ford”, Ford Media Center, 30 ago. 2018.
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"Introducing Amazon Go and the world's most advanced shopping technology", Amazon, 5 dez. 2016. https://bit.ly/37sOqry
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“Shell: a company of opportunity?”, HBS Case Collection, set. 2019. https://hbs.me/34h4s5O
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“Unilever inicia experiência de job sharing no Brasil”, Unilever, 24 abr. 2019. https://bit.ly/31sgYxq
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“Empresas investem pouco na capacitação da área de dados”, Valor Econômico, 24 set. 2019. https://glo.bo/2ThxqMJ
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128
“Brasil fecha 3º tri com taxa de desemprego de 11,8% e recorde da informalidade”, UOL, 31 out. 2019. https://bit.ly/3m6tP0n
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“No pós-covid: empresas devem usar tecnologia com propósitos coletivos para ter sucesso, diz futurista alemão Gerd
Leonhard”, O Globo, 8 set. 2020. https://glo.bo/3jnDrC2
130
“Brasil tem 4,8 milhões de crianças e adolescentes sem internet em casa”, Agência Brasil, 17 maio 2020.
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“Ensino à distância faz desigualdade ficar ‘escandalosa’, diz avó de aluno que não consegue estudar por falta de equipamentos
em SP”, G1, 21 maio 2020. https://glo.bo/37sP9cg
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“Sem internet, merenda e lugar para estudar: veja obstáculos do ensino à distância na rede pública durante a pandemia de
covid-19”, G1, 5 maio 2020. https://glo.bo/3kmpR37
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“Um em cada três brasileiros não tem conta em banco, mostra pesquisa Locomotiva”, Locomotiva, 9 nov. 2019.
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134
“Saída da crise em forma ‘K’ ampliará desigualdade”, Folha de S.Paulo, 29 jun. 2020. https://bit.ly/3jfc257
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“Aplicativos como Uber e iFood são fonte de renda de quase 4 milhões de autônomos”, O Estado de S. Paulo, 28 abr. 2020.
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“Compras por aplicativos têm alta de 30% durante pandemia, diz pesquisa”, Agência Brasil, 29 abr. 2020.
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“Entregadores de aplicativos fazem protestos por melhores condições de trabalho”, Extra, 1 jul. 2020. https://glo.bo/37sjwzs
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“Freelancing in America: 2019”, Slideshare, out. 2019. https://bit.ly/3obu7op
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“The gig revolution: TEDxKTH 2017”, YouTube, 24 abr. 2018. https://bit.ly/2HpmFW9
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SACHS, Jeffrey. O fim da pobreza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
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"Mobile policy handbook", GSMA, 2019. https://bit.ly/2HdM0Ta
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“Aprendizado dos alunos: Brasil”, QEdu, 2017. https://bit.ly/3kkxMy0
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“Graduados no Brasil têm maior vantagem salarial, mostra estudo da OCDE”, Folha de S.Paulo, 8 set. 2020.
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“Por que milhares de pessoas receberão salários sem trabalhar em 2017”, BBC News, 3 jan. 2017. https://bbc.in/35jGBBT
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“Results of Finland's basic income experiment: small employment effects, better perceived economic security and mental
wellbeing”, Kela, 6 maio 2020. https://bit.ly/3eDCTrb
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“Legislação de antenas dificulta avanço do 4G e 4,5G nas periferias, diz presidente da Telefônica”, Valor Investe, 9 jun. 2020.
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“Não taxem os entregadores”, O Estado de S.Paulo, 7 jul. 2020. https://bit.ly/3kj1fZ3
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“Assembleia da Califórnia aprova projeto de lei que dificulta contratações na gig economy”, Época Negócios, 17 jun. 2019.
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“Vancouver limits Airbnb, in an effort to combat its housing crisis”, The New York Times, 15 nov. 2017.
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“Defensoria Pública da União ajuda brasileiros que tiveram pedido do auxílio emergencial negado”, Jornal Nacional, 22 jun.
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“Boicote ao Facebook: entenda por que marcas cancelaram anúncios no site”, Techtudo, 3 jul. 2020. https://glo.bo/34nDCJz
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“Após fracasso de negociações, marcas iniciam boicote ao Facebook”, O Estado de S. Paulo, 1 jul. 2020. https://bit.ly/3dTk2rx
153
“App do Magazine Luiza ganha botão para denunciar violência contra mulheres”, Época Negócios, 12 mar. 2019.
https://glo.bo/3maP018
154
“Violência doméstica durante pandemia de covid-19”, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 20 abr. 2020.
https://bit.ly/37ttGjj

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