Comentário Cafeteria

Diversos autores lançaram mão de temas prosaicos, do cotidiano, como você faz
com “Cafeteria”. Poderia parecer que visam a uma espécie de graciosidade que esses
episódios ou lugares enceram. Mas, não! A intenção é “entrar” na profundidade do
trivial e revelar o “movimento” incessante do mundo, que o encontro do lugar com o
humano põe em ação.
E você conseguiu muito bem realizar essa exploração do tempo e da existência
humana. Jogando com as situações comuns, seu poema provoca a reflexão sobre a razão
do percurso humano, numa espécie de flutuação “o freguês costumeiro”, bombardeado
pelo “barulho da rua”; “a rotina enfadonha” (que acaba por devorar coisas e gentes); “o
cheiro do pão com manteiga”, que provoca fome e reminiscências.
E surge também um outro tipo de cafeteria, esta mais potente, porque, um tanto
“oculta”, resguardada, encerra um silêncio sutil, a despeito da música de fundo. Aqui, o
frequentador entra numa trama que o leva a si mesmo, a perceber a solidão, afastado do
turbilhão (e proteção) que a rua produz. Ou é outra cena se ele vem para uma “conversa
de fim de tarde”, que logo nos soa como algo amistoso, que vacina o sujeito contra a
solidão e o encontro consigo mesmo.
Enfim, o poema arremata-se com a Cafeteria como ponto de passagem, um hiato
na correria asfixiante do mundo, o café num “copo americano”, tomado em dois tragos,
um copo de leite que evoca “infância”, tudo num passo ao som de uma “bela melodia”
que talvez nem se ouça.
Como ando um pouco melancólico nesses últimos tempos, a cafeteria se
apresenta também como que atemporal. Um lugar pelo qual todos passamos no
itinerário que nossa vida cumpre no planeta. Um lugar que não nos prende ou nos
ancora. Um cafezinho ligeiro, o estímulo saboroso vinda da cafeína, mas logo nos
pomos em marcha, um destino sempre ignorado, muitas perdas e incompreensões pelo
caminho. Alguma nostalgia dos seus versos me invade nesta tarde de domingo...
Acho que você conseguiu dar o recado. E muito bem!
Com abraços, Luiz