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Gosto de café. É uma situação fora do comum. Uma cafeteria aberta sempre é um
convite obsessivo. Sento à mesa e passo alguns bons minutos com uma única xícara, que pode
desencadear a segunda, a terceira e todas as outras. Se estou sozinha, construo diálogos com
os personagens que se achegam na bancada e trocam meia dúzia de palavras com o vendedor.
Se estou acompanhada, para manter os amigos à mesa, vou saboreando cada nota de modo
que não falte mais uma história ou um hálito do tempo. Minha filha sempre fica angustiada:
- Mãe, pelo amor de Deus, acaba logo esse café!!! Você demora demais.
- Outro?! Você passou vinte minutos tomando uma xicrinha de café e vai tomar
outro?!
Martín Malharro, escritor argentino, nos diz sobre o ato de escritura que a criação do
personagem vai depender do humor. Fico pensando então que, se o café queimar, estamos
perdidos. Vence o leitor. Sobre o processo de maturação é fundamental entendermos que, às
vezes, tirando um pouco do vapor podemos produzir obra-prima. Alivia a pressão. Entendam:
se o vapor não sai, fica tudo queimado.
Aprendi que, em Nápoles, assim como no Brasil, convidar para um café é dizer:
Número 1 - Discórdia.
Número 2 - Encontro.
Número 14 - Morte.
Vai daqui uma cafeteria aberta e a obsessão em receber os melhores sabores e aromas
possíveis diante de histórias tão inoportunas quanto o tempo.