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CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS

SOBRE A VIOLÊ NCIA NA ESCOLA

Fernando César Bezerra de A ndrade*

RESUMO
Objetiva-se refletir sobre a violência na escola sob uma perspectiva teórica psicanalítica. Educadores e
alunos são implicados no processo de manifestação da violência na escola quando, diante de conflitos,
buscam negar a alteridade própria às relações humanas. Apresentam-se diferentes posições da teoria
psicanalítica sobre a violência e, em seguida, analisa-se a violência nas relações pedagógicas à luz de
uma dessas posições. Ao final, avaliam-se algumas conseqüências para a escola e indicam-se eixos
orientadores para uma educação não violenta.

PALAVRAS-CHAVE: violência; violência na escola; teoria psicanalítica.

O velho leviatã vai à escola

N a mitologia fenícia, o leviatã era identificado como um monstro marinho do caos original. Não
à toa, na tradição judaico-cristã, ele, séculos depois, foi utilizado por Hobbes (1979) para nomear seu
livro de filosofia política, cujo argumento busca fundamentar a necessidade do estado moderno para a
regulação dos interesses e paixões individuais como garantia da vida social: violento em sua natureza, o
homem só pode atender às suas necessidades em sociedade que, mais forte que ele, faz-se organizar e
representar pelo poder estatal.
A lógica de Hobbes, fundada nessa tradição que afirma haver nos homens uma natureza perversa
que precisa de controle e disciplina, é um bom exemplo de como a violência instiga, até hoje, tanto
assombro quanto repúdio, sem que, com isso, boa parte dessa aura mítica se desfaça: ela continua

*Mestre em Educação pela U FPB. Professor da Universidade Federal da Paraíba (U FPB).


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enigmática porque põe em questão a possibilidade de existirmos como seres sociais em contraposição,
inclusive, com nossos desejos individuais.
Muito se tem falado sobre a violência na escola, ultimamente, com discursos que terminam por
caracterizar a violência como uma espécie de monstro mítico e terrível que indefensavelmente assal-
ta, por assim dizer, a escola-vítima. Contudo, passa despercebido ao senso comum que a escola
também muitas vezes pode funcionar de maneira violenta, particularmente quando reproduz
acriticamente ideologias e relações de poder autoritárias. Assim, ela sempre esteve implicada em
algumas das manifestações cotidianas de violência – silenciosas e legitimadas pelas instituições, mas
igualmente danosas. E se hoje uma face mais visível da violência – as agressões físicas e morais; as
depredações dos prédios escolares; o porte de armas e o tráfico de drogas no interior e cercanias da
escola – preocupa, cumpre perguntar: por que tratá-la ainda (e apenas) como se ela fosse externa,
projetada no outro e na sociedade, eximindo-se a escola de sua parcela de responsabilidade nesse
processo? Por que manter a fantasia da escola edênica?
O que se propõe neste trabalho é o entendimento do fenômeno dentro de uma perspectiva
institucional que reposiciona a violência no contexto das relações pedagógicas de modo que todos
possam, eventualmente, estar envolvidos na sua (re)produção, por meio de teias muitas vezes in-
conscientes no meio das quais se busca a negação da alteridade – em particular os educadores (dire-
ção, corpo técnico, professores) e os alunos. Nesse sentido, cumpre, em primeiro lugar, entender a
violência, do ponto de vista das contribuições trazidas pela teoria psicanalítica, como a negação da
alteridade nas relações humanas, para, em seguida, aplicar essa leitura à violência nas relações peda-
gógicas construídas no universo escolar, avaliando algumas conseqüências para a escola.

Violência em psicanálise: bases teóricas para uma reflexão sobre a violência na escola

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Há, grosso modo, duas posições sobre a violência, em Psicanálise, ambas apoiadas em conside-
rações sobre a sociedade. A primeira delas é bem representada pelas formulações de Freud. Assim é
que Freud, desde Totem e Tabu (1987, p. 169-172), postulava para a origem das instituições um
contrato social fundado no parricídio originador do totemismo e do tabu do incesto. Para Freud, na
base desse contrato fundador, encontra-se o postulado de que a lei fundamenta-se sobre a natureza
violenta do ser humano. Um postulado que guarda a confluência de princípios parcialmente
endogenistas (o apoio das pulsões no biológico das necessidades corporais) e ambientalistas (a força
da educação).
Adotando a idéia hobbesiana para si, Freud incorpora-a às explicações psicanalíticas sobre o
psiquismo, vendo na violência humana o resultado de dinâmicas pulsionais. Com o artigo Reflexões
para tempos de guerra e de morte”, Freud (1915-1987, p. 317-319, v. 12) retoma o argumento de
modo mais explícito: os homens, motivados por suas pulsões, podem viver a favor ou contra a cultu-
ra, para a qual podem se voltar quando direcionam essas pulsões para fins construtivos (sem que isto
jamais se dê total ou definitivamente). H á aí um trajeto que distingue o indivíduo (guiado pelo
pulsional) do cidadão (caracterizado por valores morais que implicam uma transformação do pulsional).
Dezessete anos depois, Freud (1932-1987, p. 246, v. 22) vai mais além: ao caracterizar o poder como
originariamente violento, ele insiste na dialética pela qual a violência, característica de uma certa
força pulsional, estaria nos fundamentos da política, modulada graças à ação do recalque e da sublimação.
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Para sobreviver, os homens devem suprimir uma parte considerável de suas tendências violentas naturais.
Isto, todavia, nunca se dá completamente – daí as guerras, discutidas no texto de 1932.
No ínterim desses dezessete anos, Freud já havia apresentado dois novos elementos: a hipóte-
se da pulsão de morte, segundo a qual haveria no indivíduo uma tendência à (auto-) destruição para
retornar ao estado inorgânico originário de toda vida (FRE U D, 1920-1987, p. 55-58; 63, v. 18) e a
idéia de que os grupos, revivescências da horda primeva, têm seu laço mais forte na identificação
amorosa com o líder e na projeção da pulsão de morte sobre os estranhos ao grupo (FRE U D, 1921-
1987, p. 141, seq., v. 18 ), a fim de liberarem-se os homens desse “mal-estar” inerente à cultura,
promovido por sua própria inclinação pulsional para a capacidade de destruir (FRE U D, 1930-1987,
p. 134. v. 21). Desses elementos, sobressai-se a idéia da pulsão de morte como moção da violência
individual e social. Aquela natureza violenta implícita no contrato social reproduz e maneja, muitas
vezes precariamente, a violência pulsional do psiquismo individual, insuperável em seu cerne por ser
constitutiva do ser humano. Para Freud, como lembram Laplanche e Pontalis (1991, p. 397), morte e
agressão fazem parte de um mesmo espectro, em que as pulsões de agressão são definidas como a
expressão do investimento das pulsões de morte sobre um objeto externo.
Sem dúvida, na tarefa psicanalítica com seus pacientes, Freud reconhecia o valor (e mesmo a
necessidade) do investimento de um quantum de agressividade (aqui entendida como sinônimo de
força) para analisar os sintomas e ultrapassar os obstáculos típicos de uma psicanálise – o que impli-
caria na análise (e na superação) de uma certa organização psicopatológica. Porém, é importante
lembrar: no âmbito cultural, ao definir o paradoxo da violência como fundação de uma sociedade que
precisa dela se afastar para sobreviver, ele concebia a violência como uma ameaça permanente à
comunidade humana. Pode-se, assim, protelar a destruição, mas não se pode evitá-la total ou defini-
tivamente. Sempre “entre a cruz e a espada”, é preciso, por um lado, agregar-se e constituir civiliza-
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ção com Eros, para contrapor-se ao que há de Thánatos no pulsional – o que poderia mesmo consti-
tuir um futuro promissor, se beneficiado pela supremacia do que haveria de melhor na civilização (o
cultivo da ciência e do intelecto).
Para Freud (1927-1987. v. 21), entretanto, o destrutivo e o mortífero no pulsional terminam por
condenar o grupo, em última instância, à destruição pelo embate com outros grupos sobre os quais
Thánatos foi projetado a partir do “narcisismo das pequenas diferenças” (FRE U D, 1930-1987, p. 136;
170-171. v. 21). Vê-se, aqui, um Freud permanentemente dividido, em suas reflexões sobre a violência
em sociedade, entre a esperança – exigida pela racionalidade (iluminista, por certo) – e o desencanto
pela mesma sociedade, produzida pelo conflito inconciliável e irracional em seus fundamentos.
Se a primeira posição sobre a violência na teoria psicanalítica é representada pelo trabalho
fundador de Freud, a segunda posição foi assumida por outros autores que aplicam ao conceito uma
análise metapsicológica centrada no entendimento da violência como resultante de um conflito no
ego, mais precisamente entre os interesses narcísicos (de completude egóica, de auto-suficiência) e
os ideais que representam a alteridade (e, por conseqüência, apontam para a finitude e a fragilidade
desse mesmo ego). O trabalho de Costa (1986; 1991) caminha nessa direção.
Ressaltando, precisamente, a qualidade narcísica das dinâmicas ligadas à violência, Costa (1986)
analisou o artigo freudiano de 1932 para indicar as incoerências no argumento de Freud, questionan-
do como uma força indomável, em última instância, pode ser domesticada pela Cultura. Assim, o
argumento biológico adotado por Freud na esteira de Hobbes, em última análise, é tautológico e
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inconsistente: nem a violência é animal (porque agressividade animal é bem diferente da violência, já
que sempre voltada para a preservação da vida), nem mesmo é irracional por ser animal (seja porque
não há violência animal, seja porque a violência é, muitas vezes, produto de atos de vontade consci-
ente e de elaborações intelectuais sofisticadas, como a tortura). Ou, como adverte Laplanche (1997a,
p. 6), “esta referência ao animal é puramente ideológica: ela nos permite desobrigar-nos de nosso
inconsciente, atribuindo-o ao não humano em nós, ao dito ‘pré-humano’”.
A crítica aqui apresentada, feita por psicanalistas, fundamentada nas posições freudianas, de-
monstra que as idéias originais de Freud para a violência, apoiadas no que Laplanche (1997b) chamou
de “desvio biologizante”, não se sustentam. Ainda assim, acompanhando Laplanche (Ibidem), percebe-
se que o texto freudiano é não só fundamental como útil, na medida em que se presta a uma interpreta-
ção de sua estrutura, no que ela revela da busca pelo inconsciente. Então, no caso da teoria sobre a
violência, como entender o texto freudiano? Analisando sua fragilidade ideológica, mais precisamente
aquela que confunde “poder” e “violência”. Esta é uma posição fundada em uma certa concepção de
poder, não consensual e que não pode ser generalizada, portanto. Costa (1986) e Rocha (1993), por
exemplo, são dois teóricos da Psicanálise que, como se viu, apresentam um forte contra-argumento à
leitura freudiana: na medida em que se pode conceber um poder não violento, uma distinção entre
poder e violência, a justificativa para uma violência como necessária fundação da sociedade se desfaz.
Por conseguinte, de acordo com a segunda formulação psicanalítica, aqui assumida para a
análise da violência na escola, a violência se explica como expressão narcísica, perversa, auto-sufici-
ente da agressividade que destrói o que no semelhante recorda a fraqueza, a fragilidade e a dependên-
cia que caracterizam a condição humana – eliminando o outro em sua alteridade, em sua subjetivida-
de, tornando-o puro objeto. O narcisismo, de que a violência se torna expressão, é entendido aqui em
sua acepção patológica, como o amor exclusivo a si mesmo, com a recusa de tudo o que, nos outros

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seres humanos, fizer menção às diferenças e à alteridade: desse modo, o “narcisismo das pequenas
diferenças”, expressão freudiana já mencionada, faz referência ao isolamento do indivíduo em gru-
pos nos quais não são admitidas a diferença, a diversidade e, muito menos, a oposição. São esses
grupos que, exigindo uma adesão incondicional dos indivíduos a suas regras, se afirmam auto-sufici-
entes e aspiram à destruição de todos os outros grupos que se distanciarem da imagem idealizada que
fazem de si mesmos: na exclusividade da identificação com os iguais e do ódio aos supostamente
diferentes reside uma das raízes da violência – como ocorre em conflitos entre gangues, por exemplo.
Nesse sentido, a violência parte da negação de valores e ideais que visem ao reconhecimento do
desamparo inerente à condição humana e da dependência em relação aos desejos dos outros: a vio-
lência busca negar o fato de que somos todos igualmente frágeis e mutuamente dependentes.
Em níveis mais inconscientes, a violência associa-se à negação da castração e de todas as faltas
que se ligam a esse complexo e que eventualmente reaparecem nas relações intersubjetivas. Nesse
sentido é que se fala da violência como produto de um desejo, caracterizado pela ilusão da auto-
suficiência: o outro ser humano é não apenas considerado dispensável como, muitas vezes, um obs-
táculo a ser eliminado. “Violência é o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos”, afir-
ma Costa (1986, p. 30). “Só existe violência no contexto da interação humana, onde a agressividade
é instrumento de um desejo de destruição” (Ibidem).
Nesta segunda acepção, a violência é perigosa precisamente porque pretende o isolamento
completo do indivíduo, sua auto-suficiência em face do outro, a supressão da alteridade na negação
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da mutualidade. Ora, é com tal mutualidade que procuramos compensar a fragilidade própria à condi-
ção humana, desde o nascimento: é sobre o estado de desamparo e de impotência próprio aos primei-
ros anos que são fundadas as relações humanas, desenvolvendo-se trocas necessárias pelo resto da vida.
N as relações originárias entre a criança e os adultos, encontra-se, inclusive, o alicerce para o estabeleci-
mento, no futuro, de valores morais – a solidariedade, por exemplo – criados precisamente para regu-
lar as relações intersubjetivas. N ão é exagero, então, afirmar a existência de uma “cultura da violência”,
em que o indivíduo é estimulado a agir com o imediatismo característico do regime próprio ao princí-
pio de prazer, numa direção eminentemente narcísica: as normas e os valores deixam de ser reconheci-
dos enquanto desejáveis, já que remetem à intersubjetividade:

Esta cultura nutre-se e é nutrida pela decadência social e pelo descrédito da justiça e da lei. Seu
efeito mais imediato e mais daninho é a exclusão de representações ou imagens do Ideal do Ego
que, contrapondo-se aos automatismos conservadores do Ego narcísico, possam oferecer ao
sujeito a ilusão estruturante de um futuro passível de ser libidinalmente investido. N a cultura da
violência, o futuro é negado ou representado como ameaça de aniquilamento ou destruição. De
tal forma que a saída apresentada é a fruição imediata do presente (C OSTA, 1991, p. 129-130).

Todo ideal perde sua força de mediação entre os homens. “ No lugar do Ideal surgem então as
miragens Ego-Ideais, contrapartida previsível da insegurança e ansiedade Ego-narcísicas” (Ibidem,
p. 133), que se expressam muitas vezes em individualismo e totalitarismo nas relações do cotidiano.

Violência na escola: elementos psicanalíticos para um entendimento do fenômeno

Pensamos que uma reflexão psicanalítica, ao inspirar contemporaneamente a compreensão da


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violência na escola, deve aproximar-se da segunda interpretação da violência, que acabou de ser
apresentada: há violência nas relações interpessoais no interior da instituição escolar quando se ma-
nifesta o esforço de negação da alteridade e de afirmação da auto-suficiência diante dos conflitos.
Logo, se o conceito de violência deve ser compreendido em sua complexa carga semântica,
servindo a vários aspectos das relações humanas e se, na escola, ele termina por remeter a conflitos
vividos em dimensões intersubjetivas do cotidiano escolar, como no caso da organização institucional
e da indisciplina dos alunos, a Psicanálise, como aqui é entendida a partir das afirmações de Costa
(1986, 1991), aponta para a encruzilhada narcísica em que se colocam as pessoas diante do conflito:
reconhecê-lo e lidar com ele, a partir de ideais e valores estabelecidos conjuntamente com vistas à
construção de um projeto comunitário, ou negá-lo por conta da ameaça representada pelas diferen-
ças, que remetem sempre à alteridade.
Às várias contribuições de estudiosos e profissionais envolvidos com essa realidade, a Psica-
nálise acrescenta precisamente a leitura da violência pelo crivo do narcisismo, presente nas relações
intersubjetivas que se desenvolvem também no cotidiano escolar. A inserção do narcisismo nesse
enquadre teórico é importante na medida em que revela, nas motivações subjetivas e intersubjetivas
presentes na Escola, um desejo de negação da alteridade que provoca, em última instância, a violên-
cia – desejo cuja força, nas circunstâncias da cultura de violência, é bastante considerável.
As dificuldades encontradas pelos educadores em dialogar e enfrentar conflitos com seus alunos e
colegas não são provocadas apenas por questões ideológicas ou intelectuais, mas também por motivos
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narcísicos que alcançam as diversas relações na Escola (educador-educador, educador-educando), cri-


ando resistências para a mudança. Como resultado de um esforço narcísico em eliminar os limites
presentes tanto entre os alunos, quanto entre os educadores responsáveis pelo processo educacional, a
violência na escola acusa o fracasso, momentâneo ou não, dos adultos em cultivar ideais para si mesmos
e seus alunos, nas práticas cotidianas da instituição.
Tanto alunos quanto educadores estão implicados nesse processo. Nesse cenário, é aos educa-
dores em particular que, por sua tarefa, cabe a especial responsabilidade de transformar ocasiões do
recurso à violência numa oportunidade educativa, na superação do conflito pela mediação de regras
estabelecidas para o contrato pedagógico firmado com a participação dos alunos.
Uma experiência francesa vinculada à pedagogia institucional oriunda das propostas de Freinet
serve aqui como um bom exemplo do que se afirmou acerca da responsabilidade dos educadores.
Colombier, Mangel e Perdriault (1989) apoiaram-se na Psicanálise para, entre outros temas, entende-
rem a problemática da violência na escola. Segundo os autores, “a violência que as crianças e os
adolescentes exercem é, antes de tudo, a que o seu meio exerce sobre eles” (Ibidem, p. 17). Ainda
para os mesmos autores, esse meio tanto poder ser a família quanto a própria escola. N a medida em
que, nessas experiências, as atividades pedagógicas são mantidas graças a um acordo mutuamente
estabelecido pelo professor e seus alunos (a “lei fundamental”), a questão da autoridade e da discipli-
na redimensiona-se: “a classe não é mais um lugar que se tem de colocar em ordem, mas lugar de vida
onde a organização das atividades e a elaboração das regras permitem cooperação” (Ibidem, p. 89).
Ora, nesse processo, o professor é quem deve garantir o funcionamento das regras acertadas em
comum, também pelos alunos: “[...] este lugar [de sustentação das regras] cabe ao adulto, responsável
perante a escola e a sociedade. Somente ele tem a medida da distância que faz a diferença entre
professor e alunos, entre formadores e formados [...]” (Ibidem, p. 90).

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Nesse enquadre, a violência na escola pode ser entendida como resultante de um princípio de
prazer não mediatizado pelas regras de convivência, buscando a realização de um desejo pessoal em
detrimento do reconhecimento do desejo dos outros, com o qual evita negociar. O educador, nessa
perspectiva, deixa de funcionar como mediador, inclusive, para processos inconscientes presentes
quando se dão as interações na escola. Como lembram Colombier, Mangel e Perdriault (1989, p.
104), o educador corre o risco de deixar de mediar a paz face à violência se assume rápido a postura
do repressor, a do complacente, ou ainda a do indiferente.
A realidade brasileira pode ser entendida na mesma perspectiva. As gritantes desigualdades
sociais atestam uma falha mais ampla que atinge as ilusões coletivas em torno da democracia e dos
valores éticos: um dos efeitos disso sobre a escola é o da renúncia a seu papel institucional como
partícipe na educação moral e emocional de seus alunos, iniciada já na família. No aspecto emocio-
nal, a escola se ressente de uma cultura que, privilegiando o individual em detrimento do comunitá-
rio, não cria um ambiente em que sejam cultivadas relações vinculares – que destacam a pertença a
um grupo e a identificação com os objetos e objetivos de uma comunidade (VASC O N C E LL OS,
1997). Sem esse contexto social, não se pode compreender a violência na escola. É importante,
também, destacar que os educadores não são os únicos profissionais às voltas com a violência –
tampouco seus necessários ou exclusivos responsáveis: em se tratando da violência, assim como da
violência na escola, todos estão implicados, como atores e como vítimas: educadores, educandos,
pais, comunidade, poder público etc.
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No cotidiano escolar há, igualmente, fatores internos à instituição que favorecem o recurso à vio-
lência. Quando se consideram as análises de diversos pesquisadores (Z A LUAR, et al.,1992), chega-se à
impressão de que as escolas muitas vezes têm enfrentado várias dificuldades, quando às voltas com a
violência, para lidar com as repercussões das falhas sociais no que K aës (1991, p. 53) chamou, precisamen-
te, de “falhas da ilusão institucional” – ou seja, muitas vezes não conseguem rever projetos coletivos,
renegociar acordos institucionais nem revitalizar ideais que, articulados entre si, sustentam a escola como
instituição. A leitura psicanalítica das instituições aqui apresentada quer precisamente realçar o processo
de supressão da saudável ilusão institucional pelo crescimento da fantasia narcísica patológica, manifesta
na violência: “se eu não preciso dos outros, tampouco tenho de respeitar suas regras”. É quando os
desejos pessoais negam os interesses coletivos. São essas algumas das marcas mais significativas da cultura
narcísica no universo escolar (SA N T OS, 2002).

O que fazer na escola? Pontos de partida de uma educação para a não violência

Para fazer face a esse quadro, é necessária uma mudança de perspectiva. Em primeiro lugar,
como já se afirmou, deve-se considerar a violência na escola um fenômeno que implica todos – não
apenas o aluno ou o professor. N ão há bandidos nem mocinhos. Todos estão envolvidos, consciente
e inconscientemente, devendo rever suas posições quando a violência manifestar-se como saída para
os conf litos. A demais, essa é a importância da violência na escola, malgrado seus efeitos
freqüentemente nocivos: ela é sinal a indicar a necessidade de mudanças na abordagem dos conflitos
inerentes às relações de poder que constituem a instituição escolar.
Desse modo, entendemos que a reprodução da violência no cotidiano pedagógico não é ine-
vitável. A prática de muitos educadores demonstra que, mesmo diante de condições pedagógicas
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difíceis, é possível intervir eficazmente para evitar ou superar a violência na escola, fazendo dela
ocasião para ensinar e aprender valores, atitudes e formas de pensar para a não-violência.
N a medida em que a escola é um espaço indispensável de construção de mediações entre a
criança e o adolescente e suas famílias, na sociedade atual, seus profissionais necessitam de salários
dignos e reconhecimento, a fim de que se sintam motivados para o desempenho de sua atividade. O
aviltamento dos educadores, todavia, não justifica descuidar-se das funções pedagógicas pelas quais
estão encarregados por sua profissão. Quando o fazem, reproduzem, no interior da escola, com seus
colegas e alunos, com o poder em que estão constituídos, a violência de que são vítimas.
N as escolas públicas, são válidos os mesmos princípios, já que os alunos mais empobrecidos
não são mais violentos que outros grupos, apesar do preconceito que relaciona pobreza à violência:
os educadores podem valer-se de mecanismos que favoreçam uma educação para a convivência,
segundo o princípio da solidariedade. Alguns desses mecanismos são referidos a seguir.
Para os educadores, a atualização de seus conhecimentos sobre disciplina e violência, o plane-
jamento e a avaliação das atividades da escola, a participação em reuniões pedagógicas, ao lado do
cumprimento de suas atividades em classe, são indispensáveis. Sem eles, não se faz uma escola
organizada nem se podem experimentar mudanças. Nessas atividades tão simples, devem ser incluí-
das formas de contato regulares com os pais, assim como momentos privilegiados de comunicação e
participação dos alunos: festas e datas especiais do calendário podem ser planejadas e celebradas em
conjunto, por exemplo.
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A direção, em particular, não se resume à administração, mas, antes de tudo, sustenta as normas
e os ideais da escola: deve reservar espaço para garantir a constituição e manutenção dos vínculos
intersubjetivos que propiciem a organização escolar, tanto entre adultos quanto entre adultos e crianças
ou adolescentes. Deve zelar pela qualidade das relações interpessoais, inclusive entre pessoas não dire-
tamente mais implicadas no processo de ensino-aprendizagem, como zeladores, merendeiras e inspe-
tores de alunos: esses trabalhadores também devem ser conscientizados de que sua presença na escola
não é acessória, mas pode também ser educativa. A direção não pode nem reprimir os vínculos
intersubjetivos nem descuidar deles, garantindo equanimidade na aplicação das regras de convivência
para adultos (organização) e crianças ou adolescentes (disciplina) e mantendo vivos os ideais da escola,
comuns a todos. Neste sentido, a direção deve ser assumida por educadores que não somente se preo-
cupem com a aprendizagem dos alunos de sua escola, mas com a renovação dos conhecimentos dos
próprios educadores, atentando, o mais possível para os processos grupais que lá se desenrolarem.
Na relação educador-aluno, os hábitos de convivência devem ser desenvolvidos com o estabeleci-
mento dos limites e da disciplina, de forma não repressiva e não concessiva. A disciplina, assim, será
sempre resultado de um mínimo de negociação e acordo, fruto do diálogo: ela deve ser entendida a
serviço da produção do conhecimento na escola, cabendo ao professor, em particular, investir no dese-
jo de aprender dos seus alunos. Nesse enquadre, a violência sempre indica a necessidade de novamente
se negociarem as relações de poder com seus alunos São o estabelecimento mútuo de regras e o perma-
nente exercício de comunicação entre professor e alunos que permitirão a mediação entre desejos
individuais e normas escolares necessárias ao aprendizado dos alunos. Trata-se de “passar desta violên-
cia selvagem para um comportamento socialmente aceitável, sem com isso sufocar a energia que esta
violência subentende” (C O L OMBI ER; MA N G E L; PERDRI AULT, 1989, p. 101), transformando o
ensino-aprendizagem num autêntico objeto de investimento libidinal.

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66 Fernando César Bezerra de A ndrade

RESUMÉ
On réfléchit sur la violence dans l’école selon une perspective théorique psychanalytique. Des éducateurs
et des élèves sont impliqués dans le processus de surgissement de la violence dans l’école au moment où
ils ne reconnaissent pas l’altérité dans les rapports humains en situations de conflit. Après avoir présenté
les postulats psychanalytiques sur la violence, on analyse cette dernière dans les rapports pédagogiques,
à la lumière d’une de ces prises de positions. À la fin, on évalue quelques conséquences pour l’école et
indique des orientations en vue d’une éducation non violente.

MOTS-CLÉS: violence; violence dans l’école; théorie psychanalytique.

A P R E N D E R - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, Vitória da Conquista, Ano I, n. 1, p. 57-66, 2003


Violência simbólica e fracasso escolar:
Pulsações e Questões Contemporâneas reflexões psicanalíticas na educação
Marília Etienne Arreguy1
Marina Morena-Torres2
Giulia Aguiar Camporez3
RESUMO: O conceito de “violência simbólica” presente na socioantropologia
pode ser articulado ao de “transferência” em psicanálise, na medida em que
ambos se manifestam maciçamente na área da educação, principalmente
quando se pensa no problema da “produção do fracasso escolar”. Para tratá-los,
partiu-se da base metapsicológica freudiana, contando também com diversos
autores que estabelecem a interface entre psicanálise e educação num âmbito
transdisciplinar. Teve por objetivo consolidar o conhecimento do problema da
violência nas escolas, sobretudo no intuito de analisar alguns elementos da
transferência envolvidos na relação professor-aluno. Essa transferência
aparece como um protótipo de um modus operandi violento que os ultrapassa.
Em paralelo, postula-se o papel da instituição escola como local privilegiado
para se estabelecer um diálogo acerca desses conflitos, apostando em sua
dissolução pela via da circulação da palavra e do desenvolvimento da
sensibilidade para a escuta das manifestações inconscientes repetitivas e
duradouras, expressas em um modo de agir violento, porém silencioso. As
divergências existentes nas teorias em relação ao papel desse tipo de violência
na sociedade nos levam ao caminho dialético de investigar em que medida a
violência simbólica pode ser vista como parte inerente do processo de ensino-
aprendizagem e, por outro lado, em que medida estabelece um interdito do
pensar.
Palavras-chave: Violência simbólica; transferência; fracasso escolar;
Psicanálise; Educação.
Abstract: The concept of “symbolic violence” present in the field of Socio-
anthropology can be articulated to the concept of “transference” in
Psychoanalysis, because both are strongly present in Education, mainly when
we consider the problem of the “production of failure in school”. To work over
these concepts, we start from a freudian metapsychological basis and we rely
on many other authors who establish the relation between Psychoanalysis and
Education in a transdisciplinary approach. This article aims to consolidate a
certain knowledge about violence in schools, specially in order to analyze some
elements involved in the transference within the student-teacher relationship.
This transference may reflect a prototype of a modus operandi of violence that
exceeds the intersubjective relationship in itself. In parallel, the article
postulates the role of schools as a privileged place to establish a dialogue about
these conflicts, betting on their dissolution by way of the circulation of ideas
and the development of a sensibility in listening to some repetitive long-term
manifestations of the unconscious, expressed by a violent but silent attitude.
The divergences in the theories related to the role of this kind of violence in
society take us to a dialectical way of investigating to what extent the
symbolic violence could be seen as an inherent part of the teaching-learning
process and, on the other side, to what extent it establishes an interdiction to
thinking.
Key-words: Symbolic violence; transference; scholar failure; Psychoanalysis;
Education.

1
Associada ao Fórum do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro; Doutora Universidade Paris VII e pelo
IMS – UERJ (cotutela); Professora Adjunta II – Faculdade de Educação da UFF; e-mail:
mariliaetienne@id.uff.br
2
Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq / 2010-2011, Graduanda em Psicologia – UFF.
3
Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq / 2010-2011; Graduanda em Psicologia – UFF.

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Modelo higienista e a normalização da subjetividade escolar
O presente estudo pretende discutir e investigar as relações que criam condições
para a eclosão da chamada “violência simbólica” nas escolas, de modo a contextualizar
a hipótese inicial da pesquisa em uma perspectiva crítica. Jurandir Freire Costa (1984),
no capítulo “Saúde mental, produto da educação?”, do seu livro Violência e Psicanálise,
defende que a educação não produz saúde mental, mas reproduz a ordem social,
afirmando que a ideia de “uma boa educação para uma boa saúde mental” não é
original. Acrescentaríamos que tampouco a educação em si possa ser um antídoto contra
a eclosão da violência. Autores de tradição foucaultiana, como Maria Helena Souza
Patto (1990) e Jacques Donzelot (1980), compartilham da ideia de que uma educação de
cunho “disciplinar” se desenvolveu juntamente com o nascimento da clínica psiquiátrica
e das psicologias num movimento higiênico-pedagógico apoiado nas práticas
educacionais existentes nas escolas e nas famílias (FOUCAULT, 1974; 1975; 2000).
Esse processo passou a intensificar a dimensão de reprodução das relações de
“micropoder” na esfera do ensino via manipulação e domesticação da consciência
(PATTO, 1990), principalmente a partir do século XIX.
A histórica ação do movimento higiênico-pedagógico perdura, ainda hoje,
dissimulada sob o pano de fundo da dialética culpabilização X desculpabilização do
sujeito na modernidade, fazendo com que as medidas tomadas em aliança entre
educação e medicina psiquiátrica sejam consolidadas com o pretexto de dar conta das
modernas “doenças do nosso tempo” (ROUDINESCO, 1998), as doenças da alma,
resultando enfim numa dupla naturalização-normalização dos comportamentos, com a
produção de subjetividades pré-formatadas e alienadas. Nesse sentido, os
comportamentos agitados de uma determinada criança, por exemplo, rapidamente são
identificados e taxados como “hiperatividade”, o que frequentemente culmina com a
prescrição e o uso de remédios. Na escola, por conta do diagnóstico, essa criança-
problema é, ela própria, vista como a responsável por seu insatisfatório desempenho
escolar. Assim, a patologização das crianças é usada como explicação para o fracasso
escolar, que na verdade depende de inúmeros outros fatores, como: salário de
professores, condições de trabalho, infraestrutura da escola, quantitativo profissional,
presença de profissionais das ciências humanas (psicólogos, assistentes sociais,
psicopedagogos, psicomotricistas, etc) e de saúde (enfermeiras, nutricionistas,
fonoaudiólogas, etc), condições de vida das famílias, presença dos pais, etc, etc, etc.
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Entretanto, síndromes e doenças são deliberadamente atribuídas a crianças e
adolescentes, bem como lhes são ministrados remédios psiquiátricos sumariamente,
como a primeira e principal técnica a se recorrer. Prática esta que perdura ao menos
desde o início do século XX e vem se intensificando nas primeiras décadas do terceiro
milênio.
Em contraponto a essas práticas, Patto (1988) analisa o progresso dos estudos
sobre o dito “fracasso escolar”, contextualizando as mudanças sofridas nesse conceito e
suas respectivas práticas, levadas a cabo com o intuito de diminuir a ocorrência dessa
exorbitante perda em relação ao aprendizado sobremaneira dos mais pobres.
A autora salienta que educadores de tradição escolanovista pautavam-se na
crença da igualdade de oportunidades e que cabia à escola promovê-la para torná-la um
lugar dos mais aptos, independentemente de suas origens sociais. Baseados nesse ideal,
os estudiosos da área ocuparam-se de diagnosticar a situação do ensino no Brasil,
realizando reformas educacionais de grande porte. No entanto, fracassaram na tentativa
de atingir tais objetivos (PATTO, 1988). A partir da segunda metade da década de 1970,
as pesquisas sobre o “fracasso escolar” passaram a levar em consideração os fatores
intraescolares tais como organização e gestão, práticas pedagógicas e professorado,
assim como o ethos do ambiente escolar. Apesar dos dados encontrados não terem
afetado tanto a instituição escola ao ponto de desestruturar a tendência de
responsabilização da clientela, de algum modo, somou-se a esta a responsabilidade do
sistema educacional (PATTO, 1988). Ou seja, as inúmeras inculpações atribuídas aos
alunos não saíram de foco, porém, os fatores intraescolares foram adicionados a este
tema, no intuito de compreender a ocorrência do alto índice de desempenho escolar
insatisfatório.
O enrijecimento contínuo do ensino tradicional a partir de padrões normativos
ligados ao imperativo do mérito e da excelência foi assim fortalecendo aos poucos a
institucionalização do “fracasso escolar”, na medida em que se buscava conformar tipos
psicológicos padrão, moldados pelo social, o que Costa (1984) chama de “identidade
psicológica”, revelando um contínuo interesse em controlar os afetos, sentimentos,
relações, sexo, liberdade, etc. Buscava-se a universalização do particular e, assim,
criava-se o que Costa chamou de “Tipo Psicológico Ordinário” (TPO), ou seja, um
perfil moldado segundo a classe social ou subgrupo cultural dominante. Para esse autor,
tal construção científico-cultural pode ser causa de sofrimento, mas não é sinônimo de
doença mental.

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No processo de socialização das crianças, essa expectativa de corresponder a um
determinado padrão pré-estabelecido pode levar o educando a internalizar plenamente a
exigência de reprodução de um sujeito ideal, segundo os moldes do grupo a que
pertence, ou ao qual pretende ascender. Por outro lado, o aluno pode divergir da maioria
e propor outro “Tipo Psicológico Ideal”, por vezes, seguindo exigências superegóicas
cruéis e inatingíveis, ainda mais normatizantes do que a própria sociedade exige, dado
que são redobradas pela onipotência narcísica (FREUD, 1914; ARREGUY, 2010).
Assim, na educação psicológica de crianças, transmitem-se os ideais de vida que
formam tipos psicológicos ordinários segundo os preceitos institucionais advindos da
escola, da religião e da família. Por sua vez, as divergências subjetivas ao padrão
normativo hegemônico, podem ser geradoras de sofrimento, seja porque os sujeitos
tentam corresponder a um modelo espetacular idealizado embora impossível, tornado
hegemônico pelas sugestões tirânicas da mídia de massa (BIRMAN, 1998), seja porque
tentam se opor ao status quo através de condutas inadequadas, apressadamente taxadas
como expressão de uma psicopatologia, como a hiperatividade e o déficit de atenção
(CALIMAN, 2009), ou ainda, como um desvio de conduta detectável na esfera escolar,
tal como sugere a tarja do bullying, termo utilizado para detectar e rotular o que se
chamou: mentes perigosas nas escolas (SILVA, 2010).

A violência simbólica como transferência do fracasso


Importante destacarmos que a criança depende do adulto para que suas
experiências se tornem significativas e esta relação está exposta a um campo de forças
que pode caracterizar uma forma comum, a princípio justificada, de educar e
condicionar as crianças, mas que também pode ser prejudicial para elas mesmas: a
aparentemente invisível violência simbólica.
A respeito da violência simbólica, Costa (2003) nos diz:

Por este termo entendemos toda imposição de enunciados sobre o real


que leva a criança a adotar como referencial exclusivo de sua
orientação no mundo a interpretação fornecida pelo detentor de saber.
O individuo cronifica a posição de dependência e perde ou amputa a
capacidade de criar seu próprio elenco de significados. O mundo
representado sofre restrição, fruto da privação sinalética. O
funcionamento mental do sujeito, simbolicamente violentado na
infância, torna-se inibido, paralisado ou distorcido, em maior ou menor
extensão, conforme a natureza e intensidade da violência. (Costa, 2003:
97)

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Por se tratar de um conceito-chave, faz-se necessário especificá-lo mais. Ao
pensarmos a relação professor-aluno podemos destacar o embate de forças, que muitas
vezes se dá através da fala, da postura e da forma de se relacionar, constituindo
instrumentos figurativos de um habitus encarnado como expressão do exercício de
poder simbólico (BOURDIEU, 2000). Para compreender essa concepção de violência
simbólica, é importante lembrar a descrição socioantropológica ligada à dominação das
classes populares, postulada por Bourdieu (2000):

Sendo instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e


conhecimento, os "sistemas simbólicos" cumprem sua função de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação que ajudam
a garantir a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica),
fornecendo o reforço de seu próprio poder para as relações de poder
que as fundam, contribuindo, assim, nas palavras de Weber, para a
“domesticação dos dominados (tradução própria).

É importante ressaltar que a violência simbólica, para Bourdieu, não se apóia


exclusivamente na intersubjetividade, mas sim em uma dominação estrutural ligada ao
jogo capitalista.
Contudo, combinando uma perspectiva que leve em consideração tanto os
fatores político-econômicos, como faz o materialismo dialético, quanto fatores ligados
ao interacionismo simbólico (vide WACQUANT, 2003, p.15), supomos que a violência
simbólica possa estar contida no cerne da atitude e do posicionamento de muitos
professores para com seus alunos, e, vice-versa (ARREGUY, 2010), como forma de
garantia de um poder hierárquico e da expressão de preconceitos de classe herdados
cultural e historicamente, ainda que isso não se manifeste de modo explícito. Pensando
a lógica institucional, seria possível compreender melhor as interações que configuram
um sistema de ensino-aprendizagem coercitivo produtor de alienação e de fracasso
escolar? A imposição de diagnósticos estigmatizantes aos alunos não seria justamente
uma forma de violência simbólica?
Para melhor compreensão das diversas formas de violência existentes na escola e
no cotidiano, recorremos às construções teóricas de Zizek (2008), que podem ser
associadas às definições de violência simbólica presentes nas obras de Bourdieu (2000)
e de Costa (2003). Zizek (2008) define a princípio duas formas de violência – subjetiva
e objetiva (ZIZEK, 2008) – as quais se constituem a partir dos padrões de normalidade
da sociedade, subjacentes por sua vez a um modelo socioeconômico neoliberal desigual

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e excessivo. Por violência subjetiva, o autor entende aquela que é dirigida a alguém
diretamente, como por exemplo, os inúmeros casos de “humilhação” e
“constrangimento” do professor para com algum alunos ou mesmo agressões verbais a
um aluno em específico, tais como o uso de palavras pejorativas, ou até a agressão
física. Esta é fácil de ser percebida e, por isso, muito mais questionada. A violência
objetiva, segundo Zizek (2008), é a manutenção das formas silenciosas de exploração da
sociedade pelos meios de produção e controle do poder, que alimentam a tolerância “das
coisas como elas são” e sustentam um estado sistêmico e perpetuado de violência
capitalista.
Nas palavras de Zizek (2008, p.10):

A principal preocupação da atitude tolerante liberal que predomina hoje


parece ser contra todas as formas de violência, da violência física direta
(o assassinato em massa, o terror) à violência ideológica (racismo,
incitação, a discriminação sexual). (tradução própria)

Essa forma mais “objetiva” de violência – ou seja, a socioeconômica - é


“tolerada” como se não tivesse efeitos, o que deve ser objeto de nossa preocupação, ao
invés do usual e sistemático silenciamento que paira sobre essas práticas. Desse modo, o
autor desconstrói a ideia de que uma violência subjetiva, direta, esteja no cerne do
problema, contrariando a perspectiva hegemônica de que devamos a priori “atacar e
eliminar” a violência subjetiva. Essa visão destoante nos deixa atentos em relação a
definições deterministas que ancoram o foco da violência no contexto escolar no
indivíduo isolado – principalmente no aluno – através do já aclamado conceito de
“bullying” (SILVA, 2010).
Nesse sentido, é preciso questionar a ideia de que existam “mentes perigosas nas
escolas” (idem) e de que a superação de situações de violência imprimidas pelos sádicos
“bullies” possa ou deva levar a um super desenvolvimento compensatório nos seus
pares complementares, os alunos violentados e oprimidos, como advoga Silva (2010).
Essa autora cita exemplos de sujeitos de sucesso e de fama extraordinária para
exemplificar a “volta por cima” dada por sujeitos vítimas de maus-tratos. Chama a
atenção o fato de que, na visão de Silva (2010), as vítimas dos bullies que superam o
trauma de terem sido mau-tratados por seus colegas violentos e perigosos, são todos,
invariavelmente, representados por estrangeiros famosíssimos e ultra “bem-sucedidos”,
como, por exemplo, Madonna e Michael Phelps, representantes típicos do sucesso

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obtido competitivamente no modelo da dita “sociedade do espetáculo”. Tal idolatria à
resposta positiva e compensatória desses ídolos americanos, leva a crer que, no bojo
mesmo de suas formulações, haja uma certa submissão e anuência frente a um modelo
ultra competitivo, o que acaba por atualizar e revigorar as mesmas formas de dominação
e de violência objetiva e simbólica pelas quais a sociedade capitalista se estrutura. A
mesma sociedade que produz ídolos a serem copiados é a que mais produz situações
reais de violência maciça, não só num plano bélico mais amplo, mas também na mídia,
na arte, no cinema, na família, no cotidiano, logo, dentro das próprias instituições
escolares.
A reprodução das diversas formas de violência se dá não só entre alunos, mas
também entre alunos e professores, como mostram os assassinatos em massa
reproduzidos, por exemplo, no documentário Tiros em Columbine, dirigido por Michael
Moore (2002), e no filme Elefante, do diretor Gus Van Sant (2003), apenas para citar
alguns dentre os inúmeros episódios aterrorizantes de chacinas em escolas, cada vez
mais comuns na contemporaneidade.
Contudo, focar exclusiva ou preferencialmente nos indivíduos para atacar e
reprimir as diversas formas de violência na escola é um equívoco histórico justificado
pelo interesse das classes dominantes em subjugar e manter indivíduos ignorantes e
controlados para mais explorá-los, facilitando os mecanismos de dominação e de
punição (WACQUANT, 2003). Zizek (2008), em sua distinção dos dois tipos de
violência, subjetiva e objetiva, atenta para a “violência objetiva”, que age
silenciosamente e que entendemos aqui de modo semelhante à “violência simbólica”,
um tipo de violência que aparece na língua e em suas diversas formas de manifestação,
sobretudo na divisão de classes (ZIZEK, 2008). Esse tipo de violência está nas relações
de dominação social, reproduzidas em nossas formas habituais de discurso, que impõem
certa universalidade do sentido.
Vemos, assim, estas formas de violência no campo educacional se perpetuarem
ainda como resquícios de uma sociedade disciplinar estruturada com o objetivo de criar
corpos dóceis, hábeis e produtivos (FOUCAULT, 1975; 1993; 1999; 2000), dentro de
um modelo hierárquico que em si mesmo é reprodutor de inúmeras formas de violência,
desde o bem intencionado “controle social”, até a sutil categorização dos sujeitos
“aptos” e “não aptos” ao pleno exercício do consumo, do exibicionismo dos corpos, da
competição narcísica por sucesso, da acumulação de capital, e desfile exibicionista
conhecimentos tomados enquanto bens (capital cultural) e, sobretudo, do gozo

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incessante pelo poder.
No sentido de evitar a estigmatização, a medicalização e a polarização do
problema do aluno dito violento, é importante lembrar Freud (1930) que, ao afirmar a
existência de um mal-estar na cultura, justifica, em tese, o fato de que não há como
eliminar por completo as dificuldades, os embates e os conflitos nos relacionamentos
humanos. Freud (1930) afirma que a forma mais penosa de sofrimento advém de seus
relacionamentos com os outros, sobretudo os mais íntimos e próximos, constituintes de
identificações imaginárias e simbólicas determinantes da subjetividade.
Sendo assim, para abordar a questão da violência na relação professor-aluno
como um dos indícios do fracasso escolar, não podemos excluir as manifestações
inconscientes presentes nessas mesmas relações, tanto do ponto subjetivo quanto do
ponto de vista institucional. Para isso, apropriamo-nos do conceito psicanalítico de
transferência que, segundo a comentadora Maria Cristina Kupfer (1995), depende de
manifestações ambivalentes que se fundam tanto no ódio quanto no amor, e, portanto,
que têm sua manifestação privilegiada não só na família, mas também nas relações
escolares, sobretudo, as relações verticalizadas com os professores. Desse modo, sem
negligenciar a complexidade do conceito de violência simbólica, é importante analisar
os efeitos inconscientes intersubjetivos que estão entranhados no sujeito pela cultura
que o constitui. Que fatores estão mais associados ao desempenho — sucesso ou
fracasso — na escola e em que medida são indícios de uma violência simbólica na
relação professor-aluno? Nesse sentido, é também importante questionarmos até que
ponto a violência simbólica pode ser considerada necessária para o aprendizado.

A fundação inconsciente da violência simbólica


Para consolidar sua formulação sobre o Complexo de Édipo, Freud busca
algumas noções acerca do sistema do totemismo, reconstituindo o mito das origens da
família com base em algumas teorias antropológicas sobre tribos aborígenes
australianas. O autor escreve, então, o livro Totem e Tabu (1913), no qual tece de modo
verossímil uma história da evolução do totemismo à família tradicional, pois, para ele,
esse sistema seria a base da organização social de todas as culturas. A interpretação
freudiana do mito da horda primeva remonta à transição, em tempos arcaicos, de uma
modalidade de laço coletivo em que haveria um pai tirânico possuidor de todas as
mulheres, para uma cultura familiar regulada pelo interdito ao incesto e ao parricídio.
Após a revolta dos filhos e assassinato do pai, o caos eclode, e para preservar a ordem e

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a coletividade, são criados interditos primordiais: não matar o pai e não desposar a mãe
ou as irmãs” (FREUD, 1913; ARREGUY, 2006). Esse processo depende da
disseminação de tabus e da construção simbólica de alguma espécie de totem, que vem
a ser adorado como se representasse a figura que suscitaria o arrependimento pelo pai
morto. A hierarquia do pai totêmico em relação a seus filhos pode ser analisada como
um tipo de violência real, cuja submissão se faria pela força bruta. Entretanto, com a
constituição da família nuclear, essa mesma violência teria sido internalizada, ou seja,
estaria nas origens arcaicas de uma herança inconsciente, sendo a culpa e a perda pelo
assassinato do pai tirano vividas como o espectro da violência que passa a ser aparente
apenas de forma simbólica. Na vida relacional, o humano teve de se desfazer de, ou
melhor, teve que recalcar sua condição animal, cuja familiaridade com o assassinato é
evidente. Nesse sentido, podemos dizer que a violência se encontra na base das relações
familiares, pelo retorno de uma dívida de vida e de morte, presente de modo perene em
todo laço social. A essa violência arcaica, primitiva, que se encontra no cerne da
sociedade, associamos as formulações de Bourdieu (1989) sobre poder simbólico.
Pierre Bourdieu (1989) afirma em sua teoria a existência de um poder invisível,
ignorado, todavia um poder de construção da realidade, o poder simbólico. Ele analisa
os sistemas simbólicos enquanto estruturas sistematizadas de produção simbólica, sendo
esses: a língua, a arte, a religião, etc. Esse autor sustenta que sua função política é a de
impor ou de legitimar a dominação, assegurando a dominação de uma classe sobre a
outra (1989/ 2007: 11). Porém, “o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos,
(...) mas se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem
o poder e os que lhe estão sujeitos (...)” (BOURDIEU, 1989/ 2007: 14). Nesse sentido,
o poder invisível do qual estamos falando mantém uma ordem social definida pelos
interesses de certas classes. Ora, os sistemas simbólicos são comunicados e o uso de
palavras é imprescindível para que isso ocorra. Portanto, sendo as relações de
comunicação relações de poder (BOURDIEU, 1989), buscamos compreender a ligação
existente entre as palavras e a dominação, compreendendo que ambos se atrelam à
noção de violência simbólica, tanto no que representa uma alienação dita produtiva,
logo normativa, quanto no que representa do fracasso escolar.
Entendendo que as leis de uma sociedade são internalizadas pelas pessoas que
nela vivem, convém investigarmos mais a fundo, fugindo do discurso da naturalização
dessas leis, como elas funcionam. Lacan, ao afirmar que o inconsciente é o discurso do
Outro – com O maiúsculo (1957) —, compreendendo esse Outro como manifestação da

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cultura, dos valores e hábitos de uma sociedade (KAUFMANN, 1993:385-387),
traduzidos por uma imposição que se retém no campo do inconsciente, podemos afirmar
que este Outro se faz presente no inconsciente dos sujeitos e em seus atos. A esse Outro,
de certo modo, podemos estar mais ligados do que a nós mesmos, visto que, no seio de
nossa identidade, é ele quem nos agita (LACAN, 1957/1988:255). Considerando que o
sintoma pode ser resolvido numa análise pela via da palavra, já que o inconsciente é
estruturado como uma linguagem (LACAN, 1953/1988:133), temos a pista do principal
dos instrumentos utilizados para a legitimação das imposições sociais, as trocas
linguísticas.
Em O avesso da psicanálise, Lacan (1969) introduz a noção de significante
mestre, exemplificando-o com a dialética hegeliana do escravo e do senhor. No exemplo
lacaniano, o saber do escravo é considerado inútil e, mesmo após a revolução, seu saber
não é restituído, mas antes lhe é dado um saber de senhor, que deve ser seguido. Isso
nos leva à conclusão de que, nesse processo, o escravo não faz mais do que trocar de
senhor, sendo seu senhor agora o “discurso do mestre”, representante por sua vez da
troca de uma violência factual (escravidão), por uma “violência simbólica”
(dependência e submissão consentida), conforme vimos em Freud (1913) e Bourdieu
(1989).
Lacan conclui que a comunicação humana não é igualitária. Ou seja, os
participantes não estão em posições iguais, onde seguem as mesmas regras e justificam
suas reivindicações com razões proporcionalmente estabelecidas. Isso acontece, pois o
significante mestre, irracional, não é pautado profundamente em razões esmiuçáveis,
pois chega um momento em que a pessoa tem de dizer “é isso, porque sim”, obedecendo
ao significante mestre sem ter conhecimento das razões que o levam a tal afirmação.
O conceito de significante mestre pode ser facilmente visualizado no contexto
escolar, devido ao fato de que muitas vezes o professor ensina ao aluno coisas das quais
nem ele mesmo sabe bem o porquê. Temos, como exemplo, matérias da matemática que
se pautam em axiomas complexos simplesmente reproduzidos pelo professor, o que, por
sua vez, lhe foi dito, transmitido, como uma espécie de certeza, ou seja, sem que ele
mesmo tivesse recebido uma explicação plausível, passível de ser internalizada de
forma complexa. Assim, ao invés de transmitir um saber do qual se apropriou,
transformando-o criticamente a partir de seus próprios valores, o professor apenas
repete, exigindo o mesmo de seu novo aluno, ou seja, que decore e continue
reproduzindo aquele conhecimento cristalizado. Concluímos, então, que a linguagem

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encontra-se silenciosamente perpetuando as relações de poder, por meio de
manifestações aparentemente sutis. No entanto, o rumo de nossa pesquisa nos leva a
crer que essas manifestações de asseguramento de poder podem resultar em violência
simbólica, o que muitas vezes tem graves consequências para o agente passivo da
relação. Essa “violência simbólica” pode aparecer na escola até mesmo
independentemente do conteúdo, na postura do professor em relação ao “tipo” de aluno
que se depara, carregando em seu corpo, em seus gestos e seu olhar, a marca de seus
preconceitos de classe arqueados pela empáfia do saber dominante encarnado em seu
poder simbólico. Para Lacan (1969), essa tirania do saber resulta necessariamente em
violência, cujas formas se revigoram em expressões diretas, virtuais, linguageiras e
invertidas, de volta do aluno para com o professor.

Da transferência violenta ao encontro na relação professor-aluno


Partindo de um estudo que não pretende esquecer as condições histórico-
culturais e sócio-econômicas, perguntaríamos: em que medida as condições
intersubjetivas são complementares na relação entre violência e fracasso escolar? Em
que medida poderíamos, enquanto psicanalistas e pesquisadores voltados não só para a
teorização, mas também, para a pesquisa-intervenção, ajudar a deslindar alguns nós que
marcam a insistente repetição das cenas de violência nas escolas?
O embate e as identificações travadas na relação professor-aluno podem ser
característicos da repetição inconsciente de uma ambivalência afetiva outrora
experimentada na relação entre pai e filho, expressa tanto como reedição narcísica
quanto no complexo de Édipo (FREUD, 1914, 1914a). Na primeira fase da infância, as
crianças são extremamente e/ou estritamente ligadas aos seus pais e irmãos. Contudo,
quando um pouco mais velhas, são capazes de estender essa relação para com seus
professores e colegas. A criança, indefesa e dependente do adulto, para sobreviver,
elege-o como figura de autoridade. Em uma relação de análise, o analisando deposita no
analista a crença e a expectativa de que este poderá provê-lo emocionalmente e libertá-
lo da dor (MORGADO, 2002). Semelhante à relação em análise, o aluno elege o
professor, cujo conhecimento é visto como maior e distante do conhecimento do aluno,
como autoridade, facilitando assim, a concretização dos objetivos da relação (idem). No
entanto, nem todas as relações transferenciais atingem tais objetivos, como no caso do
aluno que deposita no professor sentimentos hostis, que o impedem de reconhecer sua
autoridade para ensinar. Freud afirma: “Estes homens, nem todos pais na realidade,

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tornam-se nossos pais substitutos. (...) Transferimos para eles o respeito e as
expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los
como tratávamos nossos pais em casa.” (1914:249). A relação professor-aluno
depende, portanto, de um processo inconsciente que pressupõe a reedição dos impulsos
e fantasias infantis de transferência (KUPFER, 1995), podendo “um professor tornar-
se a figura a quem serão endereçados os interesses de seu aluno porque é objeto de
transferência e o que se transfere são as experiências vividas primitivamente com os
pais” (KUPFER, 1995:88). Os professores surgem já como figuras substitutas para uma
relação que em si está repleta de significados e idealizações. Além disso, os professores
favorecem a manifestação precoce de uma ligação afetiva com outra pessoa distinta
daquelas da família (KAUFMANN, 1996:258). Ou seja, tal ligação provoca a eclosão
de identificações tanto simbólicas — tributárias à interdição de impulsos agressivos e
eróticos primários —, como também imaginárias, narcísicas, em que o aluno idealiza o
professor e não o saber (KUPFER, 1995; ARREGUY, 2007; 2010), podendo o mesmo
ficar paralisado por uma fantasia em relação a essa figura de saber, entendida como
intransponível. Uma expressão do fracasso na relação transferencial entre professor e
aluno, é quando o professor fica identificado narcisicamente na posição de detentor do
conhecimento, e não permite, portanto, que nenhum aluno o “ultrapasse”.
Considerando que, para haver aprendizagem, é necessário alguém que ensine —
um Outro, que transmita esse desejo de saber ao aluno (KUPFER, 1995) —, o fracasso
do professor em prover o sujeito de um olhar desejante, pode vir a fazer com que alguns
alunos não se engajem no processo de busca de conhecimento, ou, simplesmente,
desistam de tentar ultrapassar uma figura professoral tomada de modo onipotente, seja
por excesso de idealização do mestre, seja por medo e falta de identificação. Em suma, a
literatura especializada (KUPFER, 1995; IMBERT & CIFALI, 1998:119-120) aponta
que, sem o desencadeamento de um processo identificatório com o mestre, os alunos
podem não se “desenvolver” de maneira esperada pela instituição, aumentando o
número daqueles com baixos desempenhos, desinteresse pelos estudos, atitudes de
violência, falta de atenção, etc. Ao contrário do pressuposto no paradigma piagetiano
em que o professor poderia ser visto como um mero “facilitador” (LAJONQUIÈRE,
1992), nas palavras de Kupfer (1995), a criança:

[...] não aprende sozinha. É preciso que haja um professor para que
esse aprendizado se realize. Ora, nem sempre esse encontro é feliz.
Então, a pergunta “O que é aprender?” supõe, para a Psicanálise, a

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presença de um professor, colocado numa determinada posição, que
pode ou não propiciar aprendizagem. O ato de aprender sempre
pressupõe uma relação com outra pessoa, a que ensina. (p. 84)

É necessário considerarmos a importância da ação do professor, ou melhor, sua


posição na identificação criada pelo aluno numa época em que suas relações se
expandem para além da família, especialmente distanciando-se um pouco de pai e mãe,
pois o professor ocupa o lugar desse Outro que vem possibilitar o desencadeamento do
“desejo de saber” (KUPFER, 1995; LAJONQUIÈRE, 2010) pela via sublimatória. Ou
seja, as pulsões sexuais, através de um processo dito de “dessexualização” derivam para
um alvo (objeto) não sexual, assim como para atividades “espiritualmente elevadas”
(FREUD, 1908), possibilitando a “produção cientifica, artística, e todas aquelas que
[supostamente] promovem um aumento do bem-estar e da qualidade de vida dos
homens” (KUPFER, 1995:42).
Contudo, a maneira que esta transferência é estabelecida pode vir a ampliar ou
mesmo provocar a eclosão do “fracasso escolar”. No que tange a incontornável vivência
da sexualidade na relação com o outro, Freud (1913) defende que os educadores
precisam ser informados de que “a tentativa de supressão das pulsões parciais não só é
inútil como pode gerar efeitos como a neurose (p.133)”.
Historiadores da relação entre psicanálise e educação chegaram a afirmar que:

A educação deveria evitar cuidadosamente reprimir essas fontes de


forças fecundas e se restringir a favorecer os processos por meio dos
quais essas energias são conduzidas ao bom caminho. Está nas mãos
de uma educação psicanaliticamente esclarecida o que se pode
esperar de uma profilaxia individual das neuroses. (IMBERT &
CIFALI, 1998, p.120, grifos nossos)

Tomando essa citação por uma visão crítica, é possível notar, portanto, que
nosso objeto de estudos é de extrema complexidade e não arrefece diante de nenhuma
fórmula disciplinar, determinista, nem tampouco pode ser circunscrito por uma única
teoria, que defina rapidamente o “bom caminho” das pulsões, a melhor teoria para lidar
com alunos, muito menos quem é ou não é violento, apenas do ponto de vista factual
observável. Ora, o renomado psicanalista e pensador brasileiro Jurandir Freire Costa
(2003) é crítico da ideia de que se possa produzir uma profilaxia (prevenção) das
neuroses através da Educação formal, bem como outros autores de tradição freud-
lacaniana francesa (IMBERT & CIFALI, 1998; MILLOT, 1982) veem com
desconfiança a ideia de que a aplicação da psicanálise na educação possa “curar as

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neuroses”, o que podemos transpor, de certo modo, para a falaciosa pretensão de se
prevenir a violência com base em fórmulas psicodiagnósticas e suas respectivas
medicações milagrosas. Sem desconsiderar as importantes precauções não dogmáticas
desses autores, entretanto, há também uma nova tendência em autores que se voltam
para os estudos de psicanálise e educação, que acredita ser sumamente importante levar
em conta a implicação de uma escuta psicanalítica em apoio, junto com os sujeitos
viventes nas escolas (KUPFER, 2000; VOLTOLINI, 2009; LAJONQUIÈRE, 2010), no
sentido de tentar, de algum modo, minimizar e elaborar as eclosões das mais diversas
formas de violência, sobretudo, pelo exercício de uma circulação “assistida” da palavra,
pela via da escuta e da troca de ideias em conversações. Para tanto, o pesquisador
orientado psicanaliticamente se oferece a ouvir, se põe a conversar (vide
VASCONCELOS, 2010). Uma escuta que leve em conta a instituição em suas
especificidades e também uma escuta diferenciada que possa auxiliar na transformação
de um sofrimento psíquico inerente à singularidade dos alunos e dos professores. Esse
processo depende da instauração de laços transferenciais positivos, seguros, desprovidos
de preconceitos e abertos ao encontro com o outro.

Em busca de conclusões críticas


Avançamos em uma discussão teórica que visa investigar se os significados
atribuídos discursivamente para o fracasso escolar (PATTO, 1990) denotam uma
violência simbólica (BOURDIEU, 2000) na relação professor-aluno no contexto
educacional.
Concluímos que certa “violência simbólica” é parte inerente da constituição de
relações hierárquicas, seja no seio da família, seja nas escolas, nas instituições ou na
sociedade, de um modo geral. Por outro lado, a simples proibição legal da violência
subjetiva (física ou psíquica), como ocorreu com a promulgação do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), com o interdito definitivo da “palmatória”, não significa que a
violência será eliminada das relações educacionais, mesmo porque a própria forma
como nossa sociedade capitalista, narcísica e de espetáculo (DEBORD, apud BIRMAN,
1998) se estrutura é, justamente, através de uma “violência objetiva” (ZIZEK, 2008),
assegurada pelas estruturas de poder e de controle, do predomínio do capital (valor de
uso), do imperativo do consumo e da desigualdade social. Para problematizar as
relações entre violência e fracasso escolar, não basta também apelar para a importação
de um conceito “ad hoc”, seja esse, o “bullying”, em que supostamente se deveria

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detectar, enquadrar e tratar (ou punir) a criança, ou jovem algoz, portador (ou
depositário) de um excesso de violência, já que a violência simbólica aparece
disseminada nas mais diversas relações sociais, incitando a “violência subjetiva”, ou
seja, entre os sujeitos. Aliás, o âmago da violência encontra-se na própria constituição
do laço cultural (FREUD, 1913).
Como nos ensina Freud (1913, 1920), a agressividade é indissociável do
humano. Ao longo desta pesquisa, algumas de nossas hipóteses iniciais foram
questionadas, como por exemplo a ideia de que a violência “simbólica” aparecia como
um dos fatores geradores de fracasso escolar. Será possível educar sem repressão, ou
então, sem a interferência da chamada violência simbólica? A pesquisa nos levou para
um caminho em que se reconhece a existência da violência simbólica na própria
constituição do laço social, portanto, é também inerente ao processo de ensino e
aprendizado. De algum modo, o professor precisa que seu conhecimento seja
assegurado por alguma instância que lhe conceda e reconheça em seu poder simbólico.
Nesse caso, a diferença geracional (LAJONQUIÈRE, 2010) e a hierarquia em que os
professores se diferenciam em relação aos alunos permite que estes possam se
identificar simbolicamente com seus professores e, por conseguinte, efetuar uma
transferência positiva, indispensável para o aprendizado. Porém, esses laços
hierárquicos estão extremamente fragilizados na atualidade. Como resquício (ou retorno
do recalcado) do ensino tradicional, vemos que o excesso de poder simbólico
(BOURDIEU, 1989), surge inconscientemente reinvestido no professor como um poder
sádico. Em muitos casos, por meio da anuência das instituições de ensino, esse sadismo
não ultrapassado, das formas de educação pela punição, pode levar a complicações na
relação transferencial entre professores e alunos, e, assim, ao insatisfatório desempenho
escolar do aluno, que não se identifica com a temeridade docente, portanto, se esquiva
de seu próprio desejo de saber.
Entender e atenuar a violência nas escolas, portanto, supõe um entendimento
dialético, complexo e transdisciplinar, de suas múltiplas facetas, num espaço de troca
suficientemente contextualizado em que os sujeitos são ouvidos ao invés de
prioritariamente medicados, punidos e estigmatizados.

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Magis. Revista Internacional de Investigación
en Educación
ISSN: 2027-1174
revistascientificasjaveriana@gmail.com
Pontificia Universidad Javeriana
Colombia

Forero-Londoño, Oscar Fernando


La violencia escolar como régimen de visibilidad
Magis. Revista Internacional de Investigación en Educación, vol. 4, núm. 8, julio-diciembre, 2011, pp.
399-413
Pontificia Universidad Javeriana
Bogotá, Colombia

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=281021722008

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La violencia escolar como régimen
de visibilidad

magis
7
School Violence as a Regime of Visibility

Las escueLas

VOLUMEN 4 / NÚMERO 8 EDICIÓN ESPECIAL / JULIO-DICIEMBRE DE 2011 / ISSN 2027-1174 / BOgOtá-COLOMBIA / Página 399-413
La violence scolaire en tant qu′un régime de visibilité

L a vioLencia en
A violência escolar como regime de visibilidade
Fecha de recepción: 27 DE AgOStO DE 2011 | Fecha de aceptación: 31 DE OCtUBRE DE 2011
Encuentre este artículo en http://magisinvestigacioneducacion.javeriana.edu.co/

SICI: 2027-1174(201112)4:6<399:VECRD>2.0.tX;2-Q

Escrito por oscar Fernando Forero-Londoño


universidad distritaL Francisco José de c aLdas
Bogotá, coLomBia
andofer76@yahoo.com

Resumen
Este escrito aborda los discursos sobre la violencia escolar y los asume
como regímenes de visibilidad que se construyen históricamente. Además,
expone de manera esquemática cómo son asumidas las nociones de ju-
ventud, cultura escolar y cultura juvenil en los estudios sobre la violencia
escolar.
Reflexionar sociológicamente sobre las diversas formas de definir la vio-
lencia escolar y su relación con las poblaciones en condición juvenil implica
asumir que las determinaciones analíticas de estas categorías coadyuvan a
conservar o transformar la realidad y que, en consecuencia, la mirada del
investigador social es una mirada al mismo tiempo política.

Palabras clave autor


Disciplina, acoso, violencia escolar, cultura escolar, cultura juvenil,
violencias difusas.

Palabras clave descriptor


Violencia en la educación, identidad cultural, acoso escolar.

Para citar este artículo | To cite this article | Pour citer cet article | Para citar este artigo
Forero-Londoño, O. F. (2011). La violencia escolar como régimen de visibilidad. magis, Revista Internacional de Investigación en Educación, 4 (8)
Edición especial La violencia en las escuelas, 399-413.
Key words author Abstract
Discipline, Bullying, School Violence, this text approaches the discourse on school violence from the viewpoint of histo-
School Culture, Juvenile Culture, rically constructed regimes of visibility. Also, it briefly describes how the concepts
Diffuse Violence. of youth, school culture and juvenile culture are used in studies on school violence.
For sociological reflections on the different ways to define school violence and its
relation to juvenile populations, it is necessary to accept that the analytical determi-
Key words plus
nations of these concepts may conserve or transform reality, and that the approach
Violence in Education, Cultural
of a social researcher is also a political approach.
Identity, School Harassment.
magis

PágINA 400
Las escueLas

VOLUMEN 4 / NÚMERO 8 EDICIÓN ESPECIAL / JULIO-DICIEMBRE DE 2011 / ISSN 2027-1174 / BOgOtá-COLOMBIA / Página 399-413
L a vioLencia en

Mots clés de l′auteur Résumé


Discipline, harcèlement, violence Cet écrit aborde les discours sur la violence scolaire en les prenant en tant que des
scolaire, culture scolaire, culture régimes de visibilité qui se construisent historiquement. En outre on expose de ma-
juvénile, violences diffuses. nière schématique comment sont-elles comprises les notions de jeunesse, de culture
scolaire et de culture juvénile dans les études sur la violence scolaire.
Réfléchir sociologiquement sur les diverses façons de définir la violence scolaire et
Mots clés descripteur
son rapport aux populations en condition juvénile implique aussi d′assumer que les
Violence dans l′éducation, identité
déterminations analytiques de ces catégories contribuent à conserver la réalité, et en
culturelle, harcèlement scolaire.
conséquence le regard du chercheur est aussi un regard politique.

Palavras chave autor Resumo


Disciplina, assédio, violência escolar, Este escrito aborda os discursos sobre a violência escolar assumindo-os como regi-
cultura escolar, cultura juvenil, mes de visibilidade construídos historicamente. Além disto, expõe de maneira es-
violências difusas. quemática como são assumidas as noções de juventude, cultura escolar e cultura
juvenil nos estudos sobre a violência escolar.
Refletir sociologicamente sobre as diversas formas de definir a violência escolar e sua
Palavras chave descritor
relação com as populações em condição juvenil significa assumir que as determina-
Violência na educação, identidade
ções analíticas destas categorias coadjuvam a conservar ou transformar a realidade
cultural, acosso escolar.
e que em consequência disto o olhar do pesquisador social é um olhar ao mesmo
tempo político.
Introducción

Es necesario insistir en que los estudios sobre la violencia escolar han


trazado históricamente unos regímenes de visibilidad que han descrito de
diversas formas las interacciones sociales que son calificadas como violen-
cia escolar. En este sentido, propongo al lector un recorrido por diversos mo-
mentos del desarrollo de los saberes disciplinares, que desde mediados
de la década de 1970 hasta los prolegómenos del siglo XXI han examinado
el problema de lo que genéricamente se ha denominado como violencia
escolar. La primera sección de este escrito presenta el enfoque psicoeduca-
tivo que centra la mirada en el entorno de las aulas hasta la interpretación
psicosocial, la cual reconfigura el fenómeno al describirlo como un asunto

magis
referido a las experiencias que afectan las relaciones diádicas de las perso-
nas y sus tránsitos entre diferentes entornos sociales. El segundo aparte del PágINA 401

L a vioLencia en Las escueLas


La violencia escolar como régimen de visibilidad
documento es protagonizado por dos discursos diferentes, uno que explica
los fenómenos de violencia escolar en un desatino educativo relacionado
con la enseñanza y el aprendizaje de las normas sociales, y otro que resalta
la existencia de una cultura escolar autoritaria. Un tercer punto desarrollado en
este documento analiza las diferentes formas de entender las relaciones entre
cultura escolar y la cultura juvenil y, por tanto, la noción de juventud. Por
último, reconstruyo como fuente útil para los análisis de la violencia escolar
las nociones de violencias difusas y estructurales, expuestas por Rossana
Reguillo-Cruz.

Violencia escolar: el discurso psicoeducativo

Quiero empezar retomando algunos de los aportes de Lawrence Sten-


house (1974) y William I. MacKechnie (1974), pedagogos anglosajones de
Descripción del artículo | Article
mediados de la década de 1970, pues considero que su estudio nos instau-
description | Description de l'article
ra en los prolegómenos de lo que en la primera década del siglo XXI agru- | Artigo descrição
paremos como estudios sobre la violencia escolar. En este tipo de análisis, Este artículo de revisión hace parte del
proyecto de tesis doctoral Violencia escolar,
se impone el asunto de la disciplina como un problema relacionado con
jóvenes y subjetividad, efectuado en el Doc-
el acatamiento de las normas, condición sin la cual no puede facilitarse el torado Interinstitucional en Educación de la
proceso de enseñanza aprendizaje, fruto de una relación “naturalmente Universidad Distrital Francisco José de Cal-
das, Bogotá, Colombia y el Doctorado en
conflictiva” entre el maestro y el alumno. Así, la disciplina, para estos peda-
Ciencias de la educación de la Universidad
gogos, como control fundado en el poder, no depende de la aceptación de Borgoña, Dijon, Francia, bajo la tutela de
voluntaria y razonada por parte del alumno de las normas, pues “implica la doctora Bárbara Yadira garcía-Sánchez
y la cotutela de la doctora Catherine Blaya,
el empleo, por el maestro, de métodos restrictivos de la posibilidad del
respectivamente.
alumno de aceptar o rechazar libremente una indicación basándose en lo
que este piense de ella. Entre tales métodos se encuentran el castigo o la
amenaza del castigo que el alumno teme” (Stenhouse, 1974, p. 33) y las
técnicas de persuasión.
Así, en el discurso de Stenhouse, la disciplina es un comportamien-
to práctico digno de seguirse, de sancionarse positiva o negativamente.
“Podemos hablar de sanciones negativas, refiriéndonos a los castigos, y de
sanciones positivas, si se trata de recompensas” (Stenhouse, 1974, p. 41).
Aquí, lo que hoy calificaríamos como comportamiento violento aparece
como normalizador o estrategia de regulación social:

(…) Ahora bien, si uno de los niños da parte al educador de que otro com-
pañero ha estado copiando su tarea, el grupo verá amenazado dicho es-
tándar o tratará de castigar al niño que ha traicionado a su discípulo. Se
lo deja solo en el campo de juegos, le vuelven la espalda cuando intenta
dirigirles la palabra y lo apartan del equipo de fútbol de la clase. Si trata
de atravesar una puerta, los compañeros que se hallen cerca lo empujarán
y le darán puñetazos en las costillas. Si su violación lencia en la escuela”. Esta construcción teórica ejercerá
a los estándares persiste, será hostilizado sin pausa. una gran influencia sobre los estudios conexos con el
De esa manera, el grupo trata de encarrilarlo otra vez acoso entre pares, las incivilidades escolares y la vio-
por el buen sendero (Stenhouse, 1974, p. 41). lencia juvenil. Urie Bronfenbrenner (1987, p. 43) afirma
que la teoría de Kurt Lewin instaura una primacía fe-
Después de esta sumaria exposición, puedo afir- nomenológica del ambiente sobre la orientación de la
mar que para Lawrence Stenhouse la disciplina escolar, conducta, puesto que es imposible comprenderla solo
aunque dinámica, es en última instancia un problema a partir de las propiedades objetivas de un ambiente,
de orden, de esquemas mentales evidenciados en una sin hacer referencia al significado que tienen para las
conducta conforme a la norma, que se refuerza por personas que están en el entorno.
medio de recompensas o se castiga ante su incumpli- Paralelamente, Urie Bronfenbrenner (1987) pro-
miento; es decir, es sancionada socialmente. Desde pone, en La ecología del desarrollo humano, el estudio
magis

esta perspectiva, la disciplina escolar se funda en un de los procesos diádicos definidos como las relaciones de
402
PágINA
asunto de aula de clase, de entorno del aula, que se interacción, entre dos personas; esta dimensión diádi-
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instaura en la relación maestro-alumno caracterizada ca es importante para el desarrollo en varios aspectos.


fundamentalmente por el desafío del segundo a la au- A un niño pequeño, la participación en la interacción
toridad del maestro. diádica le brinda la oportunidad de aprender a con-
L a vioLencia en

A continuación, reseñaré los aportes de William ceptualizar y a enfrentarse a diferentes relaciones de po-
I. MacKechnie (1974), que en términos generales coin- der. Sin embargo, las relaciones diádicas entre pares
cide con Lawrence Stenhouse cuando afirma que una por desequilibrio de poder serán precisamente el tema
de las principales labores escolares del maestro es la de estudio sobre lo que más adelante se denominará
instauración de sanciones. Sin embargo, este psicólo- como acoso entre pares.
go matiza la utilidad educativa del castigo: Al llegar aquí, se hace necesario señalar la re-
contextualización escolar de la teoría de Urie Bronfen-
(…) en la medida en que el educador castiga a un brenner, que se evidencia en el concepto de acoso o
individuo determinado con el simple objetivo de ha- bullying propuesto por Dan Olweus (1998) pues, a mi
cerlo adaptarse, está en cierto sentido sacrificando modo de ver, constituye un desarrollo de la noción de
los intereses de esa persona en aras de las necesida- díada. Aun así, la noción de acoso fija la atención
des del grupo en su conjunto. Si bien tales métodos en el desequilibrio de poder característico de las re-
pueden llegar a ser necesarios de tiempo en tiempo, laciones y hace hincapié en el efecto negativo de la
debe tomárselos por lo que son, es decir, en el me- conducta agresiva, es decir, “cuando alguien, de for-
jor de los casos, males menores, aunque tal vez tem- ma intencionada, causa daño, hiere o incomoda a otra
poralmente inevitables, pero no bondades positivas persona” (Olweus, 1998, p. 25). Para describir este fe-
(MacKechnie, 1974, p. 33). nómeno, Dan Olweus (1998) propone una serie de no-
ciones, como víctima, agresor, acoso indirecto, acoso
A pesar de la crítica al ejercicio del castigo realizada directo con el fin comprender mejor el ‘clima social del
por MacKechnie, esta no es radical, no llega a afirmar aula’ y así prevenir la exclusión, la agresión y la intimi-
que el castigo carezca de toda relación con la ense- dación entre pares. Como anuncié antes, el concepto
ñanza y que, por tanto, pueda y deba ser abandonado. de acoso escolar marca un desplazamiento del análisis
Para él, junto con Stenhouse, el orden entendido como de la relación entre maestro-estudiante, en términos del
disciplina, es una condición necesaria a la educación y control disciplinario y el ajuste normativo escolar, al
precisa recurrir al castigo para conseguirlo y mante- estudio de las relaciones diádicas entre pares de estu-
nerlo. diantes caracterizadas por conductas agresivas de una
En términos generales, se puede afirmar que el o de las dos partes involucradas.
enfoque educativo es retomado y superado por el en- Hay otro aspecto que quiero señalar, la apropia-
foque psicosocial, desarrollado en la teoría sobre la ción que hace la Organización Mundial de la Salud,
ecología del desarrollo humano que, a modo de mar- OMS, del modelo ecológico. Obviamente, el discurso
co explicativo de la modificabilidad de las estructuras de esta agencia internacional supera el análisis de la
cognitivas y motivacionales constituye “un intento de violencia escolar propiamente dicho; sin embargo,
darles sustancia psicológica y sociológica a los terri- considero que constituye un nuevo desplazamien-
torios topológicos de [Kurt] Lewin” (Bronfenbrenner, to en el régimen de visibilidad de lo que aquí hemos
1987, p. 35). En este marco analítico, la conducta sur- denominado genéricamente violencia escolar, pues la
ge en función de la interacción de la persona con el mirada no está puesta en el tipo de interacción en-
ambiente, sin estar propiamente relacionada con el tre maestro y estudiante, o entre pares en el entorno
estudio de lo que aquí hemos denominado como “vio- escolar, sino fundamentalmente en las conductas en
conflicto con la ley en los diferentes entornos sociales, ticipativa, democrática y cooperativa; en otras pala-
incluido el escolar. bras, cuando se produce en un sistema generador de
En síntesis, el modelo de salud pública se inspira confianza, colaboración y apoyo mutuo.
en psicología social en general y de la ecología huma- también en España, Ana Isabel Peña-gallo y José
na en particular, al afirmar que ningún factor por sí Luis Carbonell-Fernández (2001) analizan en términos
solo explica por qué algunos individuos tienen com- psicosociales las conductas disruptivas y el acoso, con-
portamientos violentos hacia otros o por qué la violen- siderando que lo que realmente ocurre en los centros
cia es más prevalente en algunas comunidades que en educativos es un deterioro de la convivencia cuya
otras. Este discurso intenta explicar la violencia para responsabilidad, entre otras muchas, recae en la apa-
prevenirla puesto que se asume la modificabilidad de rición de conductas antisociales por parte de algunos
las conductas en relación con el entorno. miembros de la comunidad educativa, unido a proble-
A lo anterior se agrega que cuando se criminaliza mas organizativos o de gestión de los conflictos (Sau-

magis
la violencia en el sentido de ser identificable en rela- ra-Calixto, Ortega-Ruiz & Mínguez-Vallejos, 2003) que
ción con el comportamiento de las personas, a la luz pueden favorecer situaciones de violencia. PágINA 403

L a vioLencia en Las escueLas


La violencia escolar como régimen de visibilidad
de las normas legales que regulan la convivencia en so- Por su parte, Catherine Blaya y Éric Debarbieux
ciedad (Yunes & Zubarew, 1993, p. 105), se constituye (2006) proponen que los enfoques psicoeducativos,
un correlato sobre la seguridad que se preocupa más sociopedagógicos y criminológicos pueden construir un
entonces por la identificación de las conductas anó- ámbito de trabajo interdisciplinar en lo que ellos presen-
malas que por la modificación del entorno que las ge- tan como análisis del clima. A su vez, indican que la in-
nera. Así, en el contexto escolar, no se hacen esperar vestigación sobre violencia escolar en España ha estado
los estudios que harán un vínculo o hasta un tránsito, principalmente ligada a la corriente psicoeducativa que
entre el acoso entre pares y las conductas en conflicto ha focalizado su trabajo en el fenómeno de la violencia
con la ley, pues se considera que los comportamientos interpersonal entre escolares (Blaya, Debarbieux, Del
delictivos y violentos se adquieren y consolidan a ma- Rey-Alamillo & Ortega-Ruiz, 2006, p. 216).
nera de estrategias cognitivas y de conducta durante En Francia, las investigaciones se han focaliza-
los años formativos y, en consecuencia, resultará clave do históricamente en la indisciplina del alumnado y
para la gestión de la convivencia y la seguridad ciuda- la reproducción institucional de las desigualdades so-
dana en ámbitos locales, disponer de elementos para ciales. En la década de 1990, se abordó el problema de
hacer seguimiento de los parámetros de convivencia y la violencia escolar desde la indisciplina del alumno, la
comportamientos agresivos y delictivos en los estable- violencia institucional, la violencia como correlato de
cimientos de educación (Observatorio de Convivencia la marginalidad y la pobreza y finalmente, la influencia
y Seguridad Ciudadana, 2006, p. 14). de las escuelas sobre la violencia y la inseguridad. En
la actualidad, las líneas de investigación más activas
Los estudios empíricos relacionados con el se refieren a los estudios sobre lo que Éric Debarbieux
enfoque psicoeducativo llama microviolencias, incivilidades y clima escolar (Bla-
ya, Debarbieux, Del Rey-Alamillo & Ortega-Ruiz, 2006,
A continuación, presento un repaso a manera p. 297).
de inventario sobre las aplicaciones en investigaciones En el contexto latinoamericano, el problema se
empíricas del discurso psicosocial en el contexto esco- ha asumido inicialmente como una cuestión de ense-
lar, o en lo que algunos como Catherine Blaya (Blaya, ñanza de las normas (Arellano, 2008), se piensa que la
Debarbieux, Del Rey-Alamillo & Ortega-Ruiz, 2006), convivencia se enseña y, por tanto, también se enseñan
han denominado estudios psicoeducativos. Aunque la los contenidos actitudinales, las disposiciones frente a
investigación empírica que se ha desarrollado en Euro- la vida y al mundo, por lo cual “la institución escolar
pa a partir de la influencia de las teorías psicosociales es debe contribuir a generar los valores básicos de la
de largo aliento, me concentro en una exploración de sociedad en la que está inserta” (Ianni, 2003, p. 5).
la producción académica generada a partir de mediados Por ejemplo, en estudios realizados en Brasil se ha
de la década de 1990. llegado a afirmar que estos conflictos en la escuela no
Xesús Rodríguez-Jares (1995) en España partía están necesariamente relacionados con la violencia ur-
del supuesto propio de la psicología social, que indi- bana, sino con la lógica de funcionamiento de ciertos
ca la posibilidad de la resolución positiva del conflic- establecimientos escolares (Abramovay, 2005, p. 835).
to cuando se produce un cambio en el medio social Otros estudios —más escasos por cierto— son
(Rodríguez-Jares, 1995, p. 136). En general, afirma que aquellos que centran su mirada en las percepciones
podemos establecer que un conflicto tendrá más po- de la violencia escolar que manifiestan los estudiantes
sibilidades de ser resuelto en forma positiva cuando se como el realizado por Jason Beech y álvaro Marche-
produce en un medio social cuya estructura sea par- si (2006) en Argentina y Luis Manuel Flores-gonzález
(2009) en Chile. A diferencia de algunos de los cita- aula, la modificabilidad de la conducta, el acoso en-
dos con anterioridad, estos análisis afirman que hay una tre pares y la salud pública. A continuación, me parece
violencia propiamente escolar, que no se reduce a la re- importante indicar cómo en Colombia el estudio de
producción en el espacio del alumno de las violencias la violencia escolar es asumido en la década de 1990
sociales pues la violencia no debe ser considerada un desde una perspectiva sociopedagógica, que intenta
acontecimiento de la subjetividad humana (Flores- explicar la violencia como el resultado de los antago-
gonzález, 2009). nismos entre cultura escolar y cultura juvenil.
El enfoque socioeducativo en Colombia es el de
más amplia difusión en los estudios empíricos relacio- Violencia escolar: pánico moral y pedagogía
nados con la disciplina (Blandón, Patiño & Yusti, 1991), violenta
el acoso (góngora & Pérez, 2007) y la violencia esco-
lar en general. Estos se deslizan desde la preocupación El pánico moral será la primera reacción social,
magis

por la funcionalidad educativa de la escuela, pasan- en medio de la crisis de las instituciones como la fa-
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do por las visiones que reflejan el pánico moral que milia y la escuela, frente al posicionamiento de la ju-
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ubica en la pérdida de los “valores tradicionales” la ventud como actor protagónico de la violencia social.
causalidad explicativa de la violencia escolar, hasta En este sentido, a inicios de la década de 1990 en Co-
aquellos que en la primera década del siglo XXI asu- lombia, Federico garcía-Posada (1992), profesor de la
L a vioLencia en

men el estudio de la indisciplina como conducta dis- Universidad de Antioquia, preocupado por el fenóme-
ruptiva generadora de violencia y retoman las influen- no del sicariato, protagonizado por los jóvenes de Me-
cias de los discursos europeos sobre el acoso escolar dellín, como expresión máxima de la violencia juvenil,
(Peña & Carbonell, 2001). En este tipo de investigacio- opinaba que la escuela había perdido su potencia para
nes también se desarrollan propuestas de intervención prevenir la violencia ante la ausencia en los planes de
sobre el conflicto en el aula con el fin de posibilitar el estudios escolares de la enseñanza relacionada con el
desarrollo de prácticas pedagógicas democráticas en aprendizaje de las reglas sociales, lo cual desestabiliza-
el aula de clase con el fin de generar posibilidades de ba y debilitaba la integración social. A continuación, se
negociación entre actores (Herrera-Duque, 2001). puede leer algunos de sus argumentos:
La perspectiva psicoeducativa en Colombia ha
encontrado en Enrique Chaux (2002b) uno de sus (…) Si la escuela no enseña reglas, no podrá enseñar
máximos desarrolladores, respecto a la investigación tampoco la repugnancia que debe sentirse cuando
empírica. Este investigador ha documentado evalua- esas reglas son violentadas. Hablamos, por supues-
ciones internacionales sobre el efecto positivo de pro- to, de la escuela normal, esto es, como aquel lugar
gramas educativos que buscan promover la conviven- llamado por [John Amos] Comenio [1592-1670] en el
cia por medio de la formación en resolución pacífica siglo XVII un educatorio para la juventud, un lugar
de conflictos; según él, “todos estos estudios indican al cual concurren de buen grado o por la fuerza, dos
que niños que viven en contextos violentos tienen una generaciones al menos: Una, sin sentido de integri-
mayor probabilidad de desarrollar comportamientos más dad de lo social, sin una percepción de la totalidad
agresivos que aquellos que viven en contextos más pa- en el tiempo y en el espacio de cada una de las ins-
cíficos” (Chaux, 2002a, p. 48) y que la educación rela- tituciones sociales, con la excepción de la familia. La
cionada con la transmisión de valores rara vez provee otra generación, con una aceptable percepción de
herramientas prácticas para enfrentar situaciones de la la totalidad social y por lo tanto habilitada para pre-
vida real, lo cual hace que sea necesario desarrollar ha- sentar esa totalidad como una integridad que debe
bilidades sociales y competencias ciudadanas” (Chaux, ser respetada. Así pues, una generación debe ver su
2005, p. 19). Este investigador lideró el Estudio sobre entorno social, si no como deseable, al menos como
convivencia y seguridad en ámbitos escolares, que pre- inevitable. Mientras tanto, la otra generación difícil-
senta un análisis de la violencia escolar en Bogotá des- mente encuentra a la sociedad como algo deseable
de la perspectiva del acoso entre pares y las conductas y mucho menos como inevitable. Si los niños y los
en conflicto con la ley (Subsecretaría de Asuntos para jóvenes no logran reconocer las reglas de la cohe-
la Convivencia y Seguridad Ciudadana, Observatorio de sión, del vínculo o de la integridad social, la escuela
Convivencia y Seguridad Ciudadana & Sistema Unifica- habrá fracasado estruendosamente (garcía-Posada,
do de Información de Violencia y Delincuencia, SUIVD, 1991, p. 42).
2006).
Hasta aquí, he intentado mostrar que los enuncia- De manera semejante, Santiago Peláez (1991) con-
dos psicosociales atraviesan el estudio de la violencia sideraba que los principales agentes de socialización
como problema educativo, lo cual se evidenció en los —la familia, la escuela y el entorno social— deberían
usos particulares de las nociones de disciplina en el cumplir tareas complementarias, armónicas y simultá-
neas y que las deficiencias de un agente deberían ser suplidas por el otro;
de no ser así, se generarían trastornos de la personalidad que inducirían
fácilmente al descontrol de la agresividad y su conversión en violencia.
En general, este tipo de discursos afirmaba que la juventud —des-
conocedora de las reglas elementales de la vida social— “separada de la
familia por el avance de los medios de comunicación e insuficientemente
motivada a intuir en la escuela un mecanismo de movilidad social inten-
taría la violación sistemática de todo orden, con la sola excepción de lo
que se le presentó como alternativa de poder, el delito, para entonces el
sicariato o el narcotráfico” (Peláez, 1991, p. 45). En síntesis, para este mo-
mento histórico son de uso común las explicaciones como las de Rodrigo
Parra-Sandoval (1992a), que ve en las falencias de la formación en valores y

magis
en los mecanismos de organización social de la tolerancia y la justicia en la
vida escolar las fuentes de la violencia en sus diferentes formas. PágINA 405

L a vioLencia en Las escueLas


La violencia escolar como régimen de visibilidad
Respecto a las explicaciones sobre el origen de la violencia juvenil
como las mencionadas, es necesario anotar que, desde 1986, Rodrigo
Parra-Sandoval venía describiendo el problema de la violencia dentro de
la escuela como un asunto de ausencia normativa; en este sentido, resal-
tó las prácticas autoritarias en la escuela. Para este sociólogo, la práctica
pedagógica colombiana de comienzos de la década de 1990 se instauraba
en un tipo especial de relación saber/poder, en la cual el hacer del maestro
se caracterizaba por un ejercicio de una pedagogía violenta determinada
por el ejercicio autoritario del conocimiento (Parra-Sandoval, 1993) y las
relaciones conflictivas entre jóvenes y entre estos y sus maestros. Según
Rodrigo Parra-Sandoval, este tipo especial de educación será la esfera pe-
dagógica que posibilitará la incubación de violencias relacionadas con con-
textos sociales más amplios.
En el Proyecto Atlántida, investigación de alcance nacional, en la que
Rodrigo Parra-Sandoval, acompañado de Francisco Cajiao (1995), abordó
el mundo de la vida juvenil en relación con la cultura escolar. Para estos
investigadores, en el afán por lograr un sistema de disciplina homogénea
y unos estándares académicos regulados por los programas curriculares y
los sistemas convencionales de evaluación, la escuela se convirtió en una
institución que excluyó las inquietudes e intereses propiamente juveniles.
Es oportuno señalar que los estudios reseñados en este escrito no son
ajenos a los intereses políticos; por el contrario, constituyen el marco desde la
cual agencias productoras de discurso pedagógico —como la Fundación para
la Educación y el Desarrollo Social— impulsaron junto con otros actores socia-
les, como la Federación Colombiana de Educadores, FECODE y los gobiernos
de turno, transformaciones al sistema escolar colombiano que se concretaron
en la promulgación de la Ley 115 de 1994 o Ley general de Educación en
1994. Sobre este proceso de reformas nos ilustra Alberto Martínez-Boom:

(…) Es evidente que estas reformas se dan en un momento en el que la


sociedad experimenta un cambio profundo, signado por la complejización
de la vida social y por la aparición de diversas agencias socializadoras (bási-
camente, los medios de comunicación) que están interviniendo en la confi-
guración de nuevos valores que desdibujan la especificidad de la educación
y de la escuela. A ello se agregan el nuevo estatuto del conocimiento, la
tendencia a intensificar el ingreso de productos culturales como la televi-
sión y el cine y el replanteamiento de las relaciones comerciales favorecidas
por las nuevas tecnologías (Martínez-Boom, 2004, p. 286).

A pesar de los cambios introducidos por la Ley general de Educación,


al entender de Parra-Sandoval, el sistema escolar continuó manteniendo
un carácter vertical, en el cual los adultos intentan reseña de algunos de los estudios de este investigador,
imponer un modelo de comportamiento, conocimien- pues resultan representativos en este enfoque.
to, gusto estético y patrones morales, sin considerar Para Parra-Sandoval, “la cultura escolar se refiere
la diversidad de sus alumnos, sus puntos de vista ni a las formas de organización social de la institución
sus expectativas personales. A pesar de las reformas escolar, a los valores y normas que la informan, al con-
escolares, la ruptura entre el mundo de la vida juvenil cepto y manejo del poder, de la participación, de la
y el mundo adulto propio de los profesores continuó solución de conflictos, las reglas que rigen la violencia,
intacta como lo ratifican las observaciones del Proyec- las relaciones entre maestros y alumnos, la disciplina,
to Atlántida. la naturaleza del conocimiento y la manera de tratarlo”
(Parra-Sandoval, 1996, p. 230). Sin embargo:
(…) La organización por grados rígidos, el uso de
magis

uniformes, la vigilancia continua, el temor que los (…) Las investigaciones realizadas hasta ahora sobre
adultos muestran a las expresiones eróticas o a for- la cultura escolar colombiana muestran que la es-
PágINA 406
mas de arreglo personal poco convencionales y el cuela cumple de manera muy deficiente su función
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uso de mecanismos disciplinarios propios de la es- de formar ciudadanos para la vida democrática y que
cuela primaria son algunos de los rituales escolares en muchos casos se ha transformado en una escue-
L a vioLencia en

que utilizan a los adolescentes, como si la escuela la violenta. Su papel debe ser en realidad, en me-
dio de una sociedad violenta, transformarse en una
quisiera perpetuar la inocencia de los niños. Esta si-
cultura alternativa a la sociedad violenta, formando
tuación también conduce a un distanciamiento de los
en su vida cotidiana, en su organización social, en
adultos, con los cuales muchos adolescentes experi-
la práctica pedagógica, ciudadanos de paz, crean-
mentan la sensación de que no vale la pena o es pe-
do, conformando una constelación de valores más
ligroso comunicarse en el terreno de la experiencia
apropiados para la vida en una sociedad igualitaria y
personal (Cajiao, 1995, p. 31).
pacífica (Parra-Sandoval, 1992a, p. 519).

Hasta aquí, he señalado que a comienzos de la


Respecto a la disciplina escolar, las investigacio-
década de 1990 en Colombia reinaban dos argumen-
nes de Parra-Sandoval encontraron que en la cultura
tos que explicaban de manera causal la violencia juve-
escolar colombiana se concebía centralmente desde el
nil y su relación con la escuela. El primero hizo énfasis
ángulo del control: “La norma, el estatuto, el regla-
en las falencias educativas respecto a la enseñanza y el
mento, se aplica de una manera fría, sin explicación,
aprendizaje de las normas sociales; el segundo resaltó
sin análisis de los hechos, no se propicia la reflexión
la existencia de una cultura escolar autoritaria basada
del estudiante para buscar soluciones a los conflictos”
en principios premodernos que no le permitían esta- (Parra-Sandoval, 1992a, p. 543). Desde esta perspecti-
blecer un diálogo transformador con los jóvenes y sus va, se describe cómo la cultura escolar configuró una
experiencias en los nuevos espacios de socialización. A escuela autoritaria en la cual “la falta más grave, la que
continuación, mi intención expositiva se centrará en el se castiga con mayor severidad /…/, es la falta contra
desarrollo de la segunda explicación, elaborada por los la autoridad” (Parra-Sandoval, 1992a, p. 544). En lo
trabajos de Parra-Sandoval, pues constituyó —a mi ma- anterior encontraríamos, según el sociólogo, la natu-
nera de ver— la elucidación sociológica predominante raleza del poder en la escuela, a saber, la autocracia.
sobre la violencia escolar en Colombia durante el pri- En el sentido de lo anterior, para Parra-Sandoval,
mer quinquenio de la década de 1990. el fenómeno de la violencia en la escuela es determi-
nado fundamentalmente por su cultura autoritaria, lo
La violencia escolar: la cultura escolar cual desde esta explicación hace inoperantes los in-
frente a la cultura juvenil termediadores del poder como la tolerancia y la justi-
cia, lo cual genera que los conflictos se resuelvan por
El enfoque sociopedagógico introduce la no- medio de la fuerza, de la violencia. “Algunos trabajos
ción de cultura escolar en relación con el saber, el empiezan a mostrar que ambos fenómenos son extre-
poder, los discursos y las prácticas pedagógicas para madamente débiles en la vida cotidiana de la escuela
abordar la comprensión de las interacciones sociales colombiana, que la tolerancia se enseña verbalmente
que se tejen dentro de las escuelas. Rodrigo Parra- pero no se practica, que los mecanismos de justicia
Sandoval desarrolló esta categoría por medio de una son inexistentes o insuficientes y que el poder se ejerce
gran cantidad de estudios empíricos cualitativos, ricos más bien de manera autoritaria e inapelable” (Parra-
en categorías descriptivas metafóricas y metonímicas Sandoval, 1992b, p. 292).
que intentaban evidenciar las determinaciones cultura- Los estudios de Parra-Sandoval (1992b) identifi-
les de la escuela colombiana. Quiero detenerme en la caron dos modalidades de violencia escolar: la violen-
cia tradicional y la que podría llamarse nueva violencia. manera autorreferencial o ajena a las interrelaciones
La primera —la violencia tradicional— es la que se ha que teje con otros entornos sociales. La metáfora me-
conocido como endémica en la escuela colombiana: la tonímica sobre las violencias incubadas por la escuela,
ejercida por los maestros y la institución escolar sobre no es desarrollada en los estudios de Parra-Sandoval
los alumnos, debido a la concepción autoritaria de la revisados en este escrito; sin embargo, la metáfora es
educación. La segunda —la nueva violencia— es la ejerci- bastante sugerente pero no es este el espacio para ex-
da por la comunidad o los alumnos sobre el docente, por tenderme más sobre el asunto.
los alumnos sobre los alumnos y la derivada de lo que se A continuación, paso a otro asunto, aquel que
podría llamar la crisis ética de los maestros (p. 18). nos habla de la noción de juventud en los estudios so-
A propósito de la violencia tradicional, Parra- bre la violencia escolar, pues considero que las formas
Sandoval (1992b) identificó dos prácticas relacionadas de representar este fenómeno condicionan directa-
con el ejercicio de la violencia en el mundo escolar: el mente las formas de percibir a los jóvenes como su-

magis
regaño y la humillación. “El regaño no es algo aislado, jetos sociales.
circunstancial, causado por las acciones de los alum- PágINA 407

L a vioLencia en Las escueLas


La violencia escolar como régimen de visibilidad
nos, sino que se ha convertido en una manera de traba- La violencia escolar y la noción de juventud
jar: el regaño como pedagogía” (1992, pág. 19). Amplió
lo anterior visibilizando como manifestación máxima Ya es de uso común partir de la premisa funda-
de la represión escolar la humillación como forma mental que nos dice que la noción de juventud es ma-
extrema del regaño. Para Parra-Sandoval, el regaño se leable, configurable y reconfigurable teórica y empíri-
transformó en una forma de la práctica pedagógica camente. Así que en este escrito no ahondaré en estas
en la cultura escolar colombiana. No estará por demás premisas. Buscaré en cambio exponer, de manera es-
traer a colación el siguiente análisis del sociólogo en quemática, cómo es asumida la noción de adolescen-
cuestión: cia y juventud en los estudios sobre la violencia escolar.
A inicios de la década de 1990 en Colombia, se
(…) no resulta sorprendente la sólida presencia de configura a los jóvenes como actores sociales y como
tantas formas de violencia en la escuela modernizan- sujetos de investigación y reflexión desde los discursos
te: violencias físicas de maestros sobre alumnos como de las Ciencias Sociales agenciados por instituciones gu-
en la escuela tradicional, violencia de la cultura escolar bernamentales y no gubernamentales. A la sazón de
sobre los maestros que no se atienen a las reglas de la lo anterior, en sus primeros estudios, la Corporación
escuela autoritaria, deformaciones de la ética docen- Región define a la juventud como un “período de tran-
te, el regaño omnipresente hasta transformarse en el sición (entre el niño y el adulto); /…/ como personas
más socorrido estilo pedagógico, la humillación de los que están en transformación y que se están formando
alumnos, el acoso sexual, el boleteo, el recreo como para cumplir su papel de adultos, de ser ciudadanos,
un espacio en que se generan violencia y sistemas ser sujetos históricos que contribuyen a la construc-
de defensa y justicia alternativos entre estudiantes, ción de sociedad y de futuro” (Márquez-Valderrama,
donde la violencia física es positivamente valorada, la Fernández-Andrade, Bernal-Medina, Zapata & Monca-
conformación de organizaciones tipo pandilla entre los da, 1993, p. 24). Diego Pérez-guzmán y Marco Raúl
niños de la escuela primaria oficial que enseña va- Mejía-Jiménez para aquella época afirmaban que “los
lores y normas contrarios a un régimen democrático jóvenes no son la sociedad adulta en un grado inma-
(Parra-Sandoval, 1996, p. 242). duro de desarrollo, sino la sociedad futura en estado de
gestación y fermentación” (Pérez-guzmán & Mejía-
Me interesa subrayar que para Parra-Sandoval Jiménez, 1996, p. 13). Es importante señalar, como lo
(1992b), la violencia escolar no es explicable o com- hacen los autores referenciados con anterioridad, que
prensible solamente desde las dinámicas culturales de para el caso colombiano este proceso de preparación
la escuela; por el contrario, propone observar lo ex- para la adultez estaría marcado por la exclusión del
terno a la escuela y su influencia en ella, mirar cómo mercado laboral formal, por la ausencia de espacios y
lo extraescolar y lo escolar conviven por medio de las tiempos adecuados para el arte y la recreación y por el
violencias y cómo esas violencias condicionan la vida papel protagónico de la juventud en la violencia distin-
escolar. Las violencias incubadas por la escuela son tiva de la década de 1990 asociada con el narcotráfico
aquellas que siendo generadas por factores externos a y el sicariato.
la escuela, como la familia, la comunidad y la guerrilla, De lo anterior, me interesa resaltar que la juven-
afectan la vida cotidiana escolar. tud, para el período de los estudios, fue entendida
El punto anterior, a mi modo de ver, constitu- como una etapa para y no un momento vital. Los pri-
ye uno de los aportes más significativos de este tipo meros discursos sobre la juventud asumen que esta
de estudios: la cultura escolar no es comprensible de noción hace referencia a un tipo de individuo que no
tiene existencia concreta en el presente y, por tanto, se le debe consignar a
un largo proceso de formación al plantearle como alternativa única la adop-
ción de roles adultos (Alzate, 1995). Así, la juventud fue prefigurada como
“una etapa de preparación, a cuyo término el sujeto se incorpora a la vida
adulta, en tal sentido, la familia y la escuela tendrían la tarea de preparar
a los individuos para su posterior transformación en obreros, jefes o capa-
taces de acuerdo con las nuevas demandas del mercado” (Pérez-guzmán,
1996, p. 5). Esta visión de la juventud —podríamos pensar— está atada al
ideal de socialización lineal e institucional, familia, escuela, ejército y traba-
jo, descrito por Carles Feixa-Pàmpols (1999) que, según este mismo autor,
fue fracturado por la crisis de la autoridad patriarcal, la emergencia de los
medios de comunicación y la fisura de las instancias clásicas de socializa-
magis

ción propias de la modernidad.


408
PágINA
En relación con el contexto anteriormente descrito, en Colombia
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se extendieron durante el primer quinquenio de los años 1990, distintas


críticas a la escuela basadas en el ideal moderno de socialización lineal
—familia, escuela y trabajo—, el cual inspiró los miedos sociales infundidos
L a vioLencia en

por el surgimiento de otros espacios de socialización no institucionales. En


este momento, la crisis de la autoridad patriarcal, el teenage market y la
emergencia de los medios de comunicación —y para el caso colombiano,
el binomio violencia y narcotráfico— visibilizaron a la juventud como actor
social emergente y provocaron que algunos investigadores fijaran su mi-
rada en la escuela, como fuente de los problemas sociales relacionados
con la sociedad en general y la juventud en particular, pero también como
instancia de intervención y regulación social.
Investigadores como Fulvia Márquez-Valderrama, Rubén Hernando
Fernández-Andrade, Jorge Bernal-Medina, María Victoria Zapata & Ramón
Moncada (1993) y Rodrigo Parra-Sandoval (1996) afirmaron para la época
que la educación formal no había tenido los cambios de forma y de conteni-
do que el momento histórico y la situación de los jóvenes estaba exigiendo,
lo cual generaba, según ellos, que la escuela perdiese su capacidad y su
papel socializador, el cual fue reemplazado por las galladas y las bandas
juveniles. Sin embargo, no pierden la fe en la escuela y afirman que la
escuela debía jugar un papel importante al convertirse en una real alter-
nativa para los jóvenes, pues era posible que muchos de los problemas de
la juventud pudiesen ser prevenidos desde el contexto escolar.
Deseo subrayar, con ayuda de Diego Pérez-guzmán y Marco Raúl
Mejía (1996), que los estudios sobre la juventud a mediados de la década
de 1990 en Colombia señalan que los jóvenes son expulsados de la ins-
titucionalidad como producto de las diferentes facetas de la crisis social.
Las instancias que antes se encargaban de la socialización de las nuevas
generaciones no tienen ya la capacidad para la absorción de estos nume-
rosos contingentes: en el empleo, en la educación, en el consumo. Como
respuesta, los jóvenes generan sus propios espacios sociales, concretados
en territorios autogobernables, en los que establecen nuevas relaciones de
poder.
A continuación, pretendo reseñar cómo se asume el estudio de la ju-
ventud en relación con la violencia escolar, en un contexto social marcado
por la crisis de los modelos de socialización tradicionales.

Violencia escolar: violencias difusas y estructurales

Los estudios socioculturales han centrado sus análisis en los espacios


y tiempos no institucionales de la vida juvenil. Para mí, es de especial in-
terés centrar la mirada en los aportes que desde el enfoque sociocultural
se han realizado a la interpretación comprensiva de la violencia escolar.
En este sentido, señalo dos posturas claramente diferenciadas, una que ve
una continuidad entre los espacios institucionales y no institucionales de la
vida juvenil, y otra que establece una diferencia entre los espacios formales
e informales del mundo de los jóvenes. Esta aclaración le da un orden a la
exposición e intenta resaltar que esta distinción conlleva de fondo una pos-
tura epistemológica sobre las determinaciones del sujeto juvenil. Como lo
advierte brillantemente Rossana Reguillo-Cruz:

(…) Sin embargo y pese a la relativa consolidación de este tipo de enfoques,


es frecuente encontrar en estos estudios una tendencia fuerte a (con) fun-

magis
dir el escenario situacional (la marginación, la pobreza, la exclusión) con las
representaciones profundas de jóvenes o, lo que es peor, a establecer una
PágINA 409
relación mecánica y transparente entre prácticas y representaciones. Por

L a vioLencia en Las escueLas


La violencia escolar como régimen de visibilidad
ejemplo, la calle en tanto escenario “natural”, se ha pensado como “anta-
gonista” en relación con los espacios escolares o familiares y no es proble-
matizada como el espacio de extensión de los ámbitos institucionales en las
prácticas juveniles. Así, los jóvenes en la calle parecieran no tener vínculos
con ningún tipo de institucionalidad y ser ajenos a cualquier normatividad,
además de ser necesariamente contestatarios con respecto al discurso le-
gitimado u oficial. En términos generales, esto ha ocultado al análisis la
fuerte reproducción de algunos “valores” de la cultura tradicional, como
el machismo o incluso la aceptación pasiva de una realidad opresora que
se vive a través de una religiosidad popular profundamente arraigada en
algunos colectivos juveniles (Reguillo-Cruz, 2000, p. 32).

En el sentido de lo anterior, algunas tendencias de los estudios cul-


turales en Colombia han brillado por marcar una clara distinción entre los
espacios institucionales de participación juvenil como la familia, la escue-
la y el mundo del trabajo y los espacios y tiempos no institucionalizados
como la calle y el grupo de pares. Por ejemplo, germán Muñoz-gonzález
(1999) y Piedad Ortega (1999), a diferencia de Rossana Reguillo-Cruz, es-
tablecen una clara divergencia desde el punto de vista cultural entre lo que
llamaríamos cultura escolar y culturas juveniles, determinada por las opo-
siciones que estas formas culturales expresan en las formas de sentir, las
formas de actuar, las formas de valorar y las formas de pensar. Interpretan
la violencia escolar como un conflicto cultural que se da entre un modo de
ver que es institucional y otro modo de ver que es esencialmente informal,
por fuera de las instituciones. Al considerar que los jóvenes fuera de la
escuela no son estudiantes y que en casa son hijos de familia, suponen
que únicamente el tiempo y espacio de la calle los constituye como jóvenes
(Muñoz-gonzález, 1999).
Los trabajos realizados por germán Muñoz-gonzález (1999), Piedad
Ortega (1999) y Adira Amaya-Urquijo (1999) interpretan el conflicto en la
escuela fundamentalmente como la deslegitimación de las prácticas cultu-
rales propias de los jóvenes, pues según ellos, gracias a que en la cultura
escolar predominan la imposición de modelos autoritarios y el poco reco-
nocimiento de la alteridad, no se hacen posibles prácticas para el disfrute,
el sentir, el reír, el asombro y la incertidumbre. Conviene señalar que estos
trabajos constituyen un análisis reproductivista del conflicto escolar, es de-
cir, la escuela es representada como uno de los espacios que reproduce la
estructura autoritaria y vertical de la sociedad, por tanto, el espacio escolar
como propuesta pedagógica está inhabilitado o es incapaz de asumir los con-
flictos en los que los sujetos se debaten en ella.
En este sentido, Adira Amaya-Urquijo (1999) violencia escolar entendido como forma de resolución
afirma que en el ámbito escolar hay una gama muy va- y expresión del conflicto.
riada de conflictos; en primer lugar, los que se articu- Las consideraciones anteriores intentaron mos-
lan entre educadores y educandos en los procesos de trar cómo los análisis socioculturales que abordan el
producción y legitimación de saberes; en segundo lu- estudio del conflicto en la escuela, van desde el es-
gar, los que tienen qué ver con los comportamientos, tudio de las relaciones o continuidades entre cultura
principalmente aquellos que alteran la neutralidad de escolar y culturas juveniles hasta la comprensión por
las interacciones al quebrar los dispositivos de control planos del conflicto escolar. A continuación, quiero re-
y desequilibrar las relaciones de fuerza y poder dentro señar algunas consideraciones de Rossana Reguillo
del establecimiento educativo. En tercer lugar, están (2003), provenientes de Violencias y después Culturas
los conflictos más duros, que son todos aquellos que en reconfiguración, pues a mi modo de ver aportan
se dan en el mundo de los imaginarios, las representa-
magis

otro tanto a la comprensión sociocultural de la violen-


ciones o los constructos simbólicos, es decir, en toda cia escolar.
410
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la zona desde donde se interpretan las diferencias, las Para Rossana Reguillo-Cruz, “analizar, desde una
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disonancias cognitivas, las maneras distintas de ver perspectiva sociocultural, el ámbito de las prácticas ju-
las cosas. “Estos conflictos se concretan por ejemplo veniles, hace visibles las relaciones entre estructuras y
cuando el/la educador(a) y el ambiente educativo no
L a vioLencia en

sujetos, entre control y formas de participación, entre


logran aún reconocer a los/las alumnos/as como ‘ac- el momento objetivo de la cultura y el momento sub-
tores’ sociales individuales y colectivos con represen- jetivo. Así, la comprensión de los modos en que se cris-
taciones y valores propios, titulares también de dere-
talizan las representaciones, valores, normas, estilos,
chos, ‘condensadores’ de un pasado pero que viven
que animan a los colectivos juveniles es una apuesta
en el presente, que brindan múltiples posibilidades de
que busca romper con ciertos ‘esteticismos’ y al mismo
comprenderse, sentirse, hacerse y expresarse, con ca-
tiempo con esa mirada ‘epidemiológica’ que ha pesa-
pacidad de producción cultural, y a la vez, también en
do en las narrativas construidas alrededor de los jóve-
proceso de constitución permanente” (Amaya-Urqui-
nes” (2003, p. 32). Considera que hay una tendencia a
jo, 1999, p. 34).
invisibilizar las violencias estructurales y a sobreexpo-
Esta última postura es la que más se ha desa-
ner las violencias difusas y disciplinantes, al aislar es-
rrollado en los estudios sobre juventud en Colombia;
tas últimas de sus anclajes estructurales. Por ejemplo,
investigaciones sobre la violencia juvenil en Colombia
“las muertas están muertas porque eran prostitutas o
como la realizada por Carlos Mario Perea-Restrepo
llevaban una doble vida o se acercaron demasiado a
(2007) en su texto Con el diablo adentro: pandillas,
las zonas prohibidas de la sociedad; los jóvenes idola-
tiempo paralelo y poder, en la que plasma un análi-
sis comprensivo del fenómeno pandillero en Colom- traban al artista proscrito en turno, vieron demasiada
bia. Sin embargo, no he identificado estudios que den televisión o fueron descuidados por sus padres. Víc-
cuenta de las continuidades existentes entre cultura timas y victimarios se vinculan por el mensaje que
escolar y cultura juvenil, de las subjetividades com- prescribe y con su moraleja tienden a generar cierta
partidas, en el sentido de describir y comprender la sensación de confianza y de asegurabilidad”. Así, se
reproducción de algunas determinaciones de la cultu- comprende el sentido de las violencias disciplinantes
ra tradicional en las prácticas y representaciones que que estriba en la búsqueda constante de correlatos
condicionan la interacción de los jóvenes en la escuela. explicativos que generen un sentimiento de salvación
Al llegar aquí, quiero mostrar que las interpre- con el mero cumplimiento de las “normas”.
taciones socioculturales sobre el conflicto escolar He querido permitirme exponer lo anterior pues
amplían la comprensión del fenómeno más allá de la considero que de forma análoga se hace necesario
disciplina en el aula, la conducta y/o la relación anta- plantear la necesidad de ahondar en el estudio de la
gónica entre cultura juvenil y cultura escolar. En este violencia escolar, ya no como la fractura existente en-
punto, bastará reseñar los planos que para el análi- tre el mundo escolar y el mundo extraescolar, cuestión
sis del conflicto en la escuela propone Piedad Ortega ya bastante analizada, sino como el análisis comprensivo
(1999) en su texto Recreando texto y contextos entor- de las frecuentes justificaciones moralizantes de las
no al conflicto y la convivencia escolar. Para Piedad Or- violencias difusas y disciplinantes propias del contexto
tega, el análisis del conflicto en la escuela debe abordar escolar que viven los jóvenes colombianos. Lo anterior
un plano estructural, un plano simbólico y el plano de la permitirá comprender que los discursos conservadores
violencia escolar propiamente dicho; el primero se refie- no son determinaciones de algunos sectores sociales,
re a los problemas económicos, políticos y sociales; el sino que se encuentran esparcidos por todo el tejido
segundo describe el conflicto entre representaciones y social, y a su vez que estas violencias y sus correlatos
dispositivos disciplinarios; y por último, el plano de la obstaculizan la construcción de democracia y desman-
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414
Um olhar psicanalítico sobre o bullying

Autora: Samanta Pedroso Natalo

Resumo
O bullying pode ser considerado um dos retratos do mal-estar contemporâneo na educação?
Esta é a pergunta norteadora de nossa pesquisa de mestrado, cujos primeiros resultados serão
apresentados nesse texto. Em suma, podemos afirmar que o material analisado evidencia a
juridização do campo educacional e uma forte relação entre a recusa da autoridade pelos
adultos e ascensão de situações descritas como bullying.

Nos últimos anos, o bullying tornou-se um dos assuntos predominantes quando se fala em
escola e frequentemente tomamos conhecimento de algum acontecimento, supostamente desse tipo,
ora via relatos da própria comunidade escolar (professores, alunos, pais, etc), ora via notícias
veiculadas pela mídia impressa, televisiva e digital.
Então seria possível considerar o bullying como um dos retratos do mal-estar
contemporâneo na educação? Sem dúvida esta é uma questão que divide opiniões. Para alguns se
trata de uma prática presente desde os primórdios da instituição escolar. De fato, basta uma
conversa simples com nossos avós para, aos lhes interrogarmos sobre suas lembranças da época em
que eram alunos, identificarmos situações que muito provavelmente hoje seriam classificadas como
bullying.
Podemos concordar com o argumento sobre a não novidade do fenômeno, mas não é
possível negar a evidência que o mesmo adquiriu na atualidade. É necessário, pois investigarmos
por que isto acontece. É preciso saber ainda por que situações tão diversas hoje são identificas sob
um mesmo nome: O Bullying. Para tanto precisamos considerar, escutar os discursos sobre esse
tema. Escutar, aqui, aos moldes da Psicanálise: considerar o manifesto para alcançar o latente,
transformar queixa em enigma.
Quando sugerimos a possibilidade do bullying ser pensado como um dos retratos do mal-
estar na educação, é porque aqui utilizamos o mal-estar no sentido freudiano do termo, portanto
estrutural, e estamos em busca de compreender os discursos sobre bullying como evidências de
contingências que acirram esse mal-estar.
Trazer à tona quilo que o uso do termo bullying pretende recalcar: este é o objetivo de nossa
pesquisa de mestrado, cujos s primeiros resultados serão apresentados no presente texto. Para tanto
tomamos como corpus os discursos sobre essa tema presentes em livros, artigos de jornais e revistas
destinados ao público em geral. Consideramos ainda algumas experiências vividas por nós, ao
1
longo dos últimos cinco anos, enquanto psicóloga escolar numa Secretaria de Educação de um
município vizinho à cidade de São Paulo. Salientamos que além do legado teórico deixado por
Freud e Lacan, baseamos nossas análises nas contribuições da filósofa Hanna Arendt ao campo
educacional.
Antes de mais nada, o nosso primeiro passo foi tentar entender do que se está falando
quando se usa a palavra bullying. A partir do material pesquisado, pudemos constatar que, sob a
égide desse conceito, estão alocadas situações muito diversas. Encontramos, por exemplo, no
material pesquisado, descrito como bullying desde o espancamento de um jovem pelos colegas de
sala, danos ao patrimônio físico da escola, ofensas entre alunos e professores, fofocas em redes
sociais até mordidas entre crianças no maternal.
Apesar da diversidade dos casos, quando ouvimos a palavra bullying a impressão que temos
é de que, sem muito esforço, somos capazes de compreender completamente do que se está falando.
Assim, como nos diz Carvalho (2009)

[a palavra bullying] aparece como uma palavra mágica, capaz de esclarecer toda
sorte de condutas que causariam humilhação, dor e mal [...] E ao assim fazer parece
ter o dom de nos dispensar de pensar na complexidade e particularidade de cada
caso, de refletir sobre o desafio prático que sua singularidade nos propõe. Está tudo
explicado: é bullying!

Recorrendo à psicanálise podemos dizer que uso do termo bullying, no material visitado,
tem por consequência manter recalcado tudo aquilo que é da ordem do sujeito, portando do desejo.
O que se quer é apenas administrar o problema, sem a necessidade de compreendê-lo. Não por
acaso são cada vez mais frequentes medidas como expulsão e registro de Boletim de Ocorrência
contra alunos 1, contratação de seguro contra bullying2 e outorga de projetos de Lei, em âmbito
Federal, Estadual e Municipal, que criminalizam sua prática.
Estamos diante da juridização da educação, fenômeno que assola todas as esferas do social.
Sobre esse processo, Voltolini (2004, p.94)

Trata-se de legislar, estabelecer limites e especificações sobre um dado assunto


que envolve um laço entre os indivíduos. E esse legislar deve prescrever princípios
gerais, normativos, e não flexíveis, às idiossincrasias [...] Dito de outro modo, o

1
Exemplificaremos um caso desses mais adiante no texto
2
“As escolas parecem ter uma nova preocupação em relação ao bullying: além de educar seus alunos para evitar esse
tipo de violência física ou psicológica, as instituições de ensino agora querem se proteger de possíveis prejuízos
financeiros causados por ações na Justiça movidas por famílias de vítimas. Vinte colégios já contrataram um seguro
contra bullying, criado há quatro meses pela Ace Seguradora.” In Colégios Contratam seguro contra ‘bullying’.

2
tratamento jurídico da questão agrega, sem se preocupar com a heterogeneidade do
que agrega. Seu princípio é por definição homogeneizante.

Acreditamos ser essencial para a compreensão do problema em questão considerar a


variedade e a complexidade de cada caso definido como bullying. Portanto, seria mais coerente
falarmos em bullyins e não O Bullying, como nos quer fazer crer a maioria dos discursos sobre esse
tema. Apesar de toda variedade de situações simplificadas sob o nome bullying, constatamos que
algo comparece como denominador comum em todo o material por nós analisados. Vejamos dois
exemplos para a partir deles discorrermos sobre esse denominador comum.
O primeiro deles diz respeito a um relato presente no livro “Mentes perigosas nas Escolas –
Bullying”, parte de nosso corpus de pesquisa. De maneira resumida, nesse livro a autora, Ana
Beatirz Barbosa Silva, defende a tese de que o bullying é um problema de “saúde pública” ( Ibid,
p.14) e aquele que o pratica sofre de distúrbio de personalidade – por isso o nome mentes perigosas-
ocasionado por uma “afetividade deficitária” ( Ibid, p.44).
Vamos ao relato:

Antônio tinha dez anos quando chegou ao meu consultório. Apresentava quadro
clínico compatível com depressão [...] vinha sofrendo constantes agressões verbais
e físicas por parte de alguns garotos da escola. Por medo de desapontar os pais e de
sofrer agressões ainda mais violentas, ele permaneceu calado durante todo o
primeiro semestre [...] Como nenhum dos agressores foi reprimido pelas
autoridades escolares, as ações de bullying se intensificaram, chegando a pontapés
e socos [...] A direção do colégio só tomou conhecimento do fato quando os pais de
Antônio foram à escola relatar o ocorrido. Em nenhum momento cogitou-se
advertência, expulsão ou denúncia dos agressores a órgãos responsáveis pela
proteção de crianças e adolescentes.3 [...] Diante de tal negligência, os pais de
Antônio resolveram trocá-lo de escola [...] (Ibid, p.117)

O segundo exemplo, o tomamos de nossa experiência enquanto psicóloga escolar. No


primeiro semestre deste ano, recebemos em nosso departamento um relatório solicitando nossa
atuação no seguinte caso: uma professora, que ministrava aulas para alunos de 5º ano do ensino
fundamental, havia sido mordida em diversas partes do corpo por um de seus alunos e desejava, não
só expulsá-lo da escola, mas também registrar um Boletim de Ocorrência contra esse aluno,
alegando que havia sido vítima de bullying.4
Onde estão os adultos nesses relatos? Em relação ao primeiro relato, onde estavam e o que
fizeram os professores do menino em questão, quando este sofria as agressões em sala de aula?

3
Note-se aqui um exemplo do que chamamos anteriormente no texto de juridização do campo educacional.
4
Antes que pudéssemos fazer qualquer intervenção, fomos surpreendidos pela notícia de que a diretora de escola,
apoiada por uma Supervisora de Ensino, conseguiram registrar um Boletem de Ocorrência na delegacia do município
contra o aluno em questão.

3
Onde estavam e o que fizeram os outros funcionários da escola quando o menino era agredido no
pátio? Como é possível que a direção da escola só tenha tomado conhecimento do fato quando há a
queixa dos pais? E os pais, onde estavam, o que os impediu de notar o sofrimento do filho antes que
este adoecesse? Se alguém deveria ser denunciado aos órgãos responsáveis pela proteção de
crianças e adolescentes – como sugere Silva (Ibid) 5 - esse alguém deveria mesmo ser a outra, ou as
outras crianças que agrediam Antônio? E qual a responsabilidade dos adultos nesta situação?
No segundo relato a situação parece ainda pior: como é possível que uma criança de 10 anos
tenha conseguido, no mesmo dia, morder uma mulher em várias partes de seu corpo sem que esta
tenha consentido com isso? A impressão que temos é que a professora em questão, ao menos
simbolicamente, abandona a cena e só retorna à mesma para tomar as medidas contra o aluno.
Ainda sobre essa situação, de que maneira podemos dizer que se posicionam a diretora, a
supervisora de ensino e o delegado de polícia quando registram um BO contra um menor de idade?
A omissão dos adultos: este parece ser o denominador comum presente em todos os casos
descritos como bullying. Os relatos são feitos como se nas cenas os adultos tivessem simplesmente
desaparecido, são omitidos voluntária ou involuntariamente das situações descritas, retornando a
aparecer apenas para tomar medidas administrativas – suspender/expulsar o aluno agressor, mudar o
filho de escola, registrar Boletim de Ocorrência - mas de maneira alguma implicando-se nele.
Arendt, no belíssimo livro “Entre o passado e o futuro” de 1954 , afirma que a chamada
crise na educação decorre de uma crise de autoridade na modernidade: tomado pelo que a filósofa
classificou com pathos do novo, o Ocidente teria recusado a tradição e consequentemente, o que é
estrutural do processo educativo, qual seja, a natalidade.
A natalidade, o fato de que crianças nascem para o mundo – mundo esse que as precede e
que permanecerá depois delas – engendra a necessidade de adultos que se disponham a apresentar a
elas esse mundo, responsabilizando-se assim, diz Arendt (2005, p. 235) “[...] pela vida e
desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo”. De acordo com a filósofa, a autoridade
do educador provém desse comprometer-se com o mundo, com o legado desse mundo, portanto
com a tradição.
Na educação, nas escolas, o pathos pelo novo ganhou força com as chamadas teorias
desenvolvimentistas que deslocaram o foco da Educação para o aprendizado d'A criança e
conduziram, assim, o educador à mera posição de facilitador desse processo de aprendizagem.
Em psicanálise, melhor dizendo, em Lacan, esse adulto, descrito por Arendt como
representante de um legado, assume a forma de o grande Outro. Mas para alguns psicanalistas, esse
encontro da criança com o Outro – encontro esse necessário para humanizá-la, para colocá-la no

5
Ressaltamos que não concordamos com a sugestão de Silva (2010).
4
laço social – engendra uma violência própria da educação. Como diz Kupfer (2007, p. 140 ) “[..]
violenta porque desde o princípio, submete o corpo da criança a uma ordem que nada têm de
natural [..] trata-se da imposição do simbólico, da linguagem, sobre o corpo.”
Ao recusar a tradição, o educador/o professor não comparece mais à cena educativa como
Grande Outro, como sustentador de uma ordem, portanto, como autoridade. Na posição de mero
facilitador, o educador, frente a seus alunos, não representa nada além de sua particularidade, de sua
pessoalidade. Assim, adulto e criança, Professor e alunos encontram-se nivelados simbolicamente
no que diz respeito ao mundo. Esvai-se a assimetria trans-geracional, essencial à educação.
Sem a autoridade de um adulto, a criança fica submetida à tirania de seu grupo. Recorrendo
novamente à Arendt (Ibid, p.230)

A autoridade de um grupo, mesmo que este seja um grupo de crianças, é sempre


consideravelmente mais forte e tirânica do que a mais severa autoridade de um
indivíduo isolado. Se a olharmos do ponto de vista da criança individual, as
chances desta de se rebelar ou faze qualquer coisa por conta própria são
praticamente nulas; ela não se encontra mais em uma luta bem desigual com uma
pessoa que, é verdade, tem absoluta superioridade sobre ela, mas no combate a
quem pode, no entanto, contar com a solidariedade das demais crianças, isto é, de
sua própria classe; em vez disso, encontra-se na posição, por definição
irremediável, de uma minoria de um em confronto com a absoluta maioria dos
outros.

Portanto, quando o adulto comparece à cena educativa não como autoridade, mas apenas
em sua pessoalidade, a violência própria da educação torna-se impossível, dando lugar, assim, como
argumenta Kupfer no trabalho citado anteriormente, à violência na educação.
Afinal sem a Lei, a ordem sucumbe dando lugar à horda, condição nunca definitivamente
superada, como nos adverte Freud ao discorrer sobre o narcisismo das pequenas diferenças. O gozo
desenfreado de um tirano, a violência e o medo subjacente à condição de horda: não seria esta a
cena a que somos remetidos quando estamos diante de algo como o bullying?

BIBlIOGRAFIA:

Arendt, H. (2005). Entre o passado e o futuro. São Paulo, SP: Perspectiva.

Associação Psicanalítica de Porto Alegre (2011). Autoridade e Violência. Porto Alegre, RS:
APPOA

Carvalho, J. S. F. (2011). Um bullying fora do lugar: quando o conceito exclui a complexidade de


cada caso. Educação, São Paulo, SP, nº 171, jul de 2011, p.66.

Chemama, R. (2000). Elementos lacanianos para uma psicanálise no cotidiano. Porto


Alegre, RS: CMC.
5
Colégios contratam seguro contra o ‘bullying’. In http://oglobo.globo.com/educacao/colegios-
contratam-seguro-contra-bullying-3787310. Consultado em outubro de 2012.

Kupfer, C. (2007). Educação para o futuro. Psicanálise e Educação. São Paulo, SP:
Escuta.

Silva, A. B. B. (2010). Mentes perigosas nas escolas. Bullying. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.

Voltolini, R. (2004). Psicanálise e Inclusão Escolar: direito ou sintoma? Estilos da Clínica, 2004,
Vol. IX, no 16, 92-101.

6
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v24i2p246-261.

Dossiê

Ferenczi e a educação: desconstruindo a violência desmentida

Marília Etienne Arreguy; Fernanda Ferreira Montes

Resumo. Experiências clínicas e postulados teóricos de Sándor Ferenczi trazem inúmeras contribuições para a
Educação. Procuramos articular, neste artigo, duas formas de violência desmentida, uma coletiva e outra
estranhamente familiar. Trata-se de duas dimensões fundadas num traumatismo radicalmente desestruturante,
posto que resulta na clivagem do eu. Desenvolvemos a hipótese de que a desautorização do sujeito no plano
societário - pela violência objetiva da exploração pelo capital - potencializa a identificação com o agressor e a
reprodução de mecanismos incapacitantes na esfera educacional. O traumático da violência atuada entre os
sujeitos na escola é sobreposto por uma clivagem introjetada na divisão de classes, especificamente na separação
entre o ensino público e privado, bem como no racismo desmentido da sociedade brasileira. Introjeção e
transferência fomentam esse processo. O embate entre os mundos adulto e infantil, com a imposição hierárquica
de um saber vertical e hegemônico, costuma irromper como passagem ao ato no plano intersubjetivo. A
imbricação inconsciente desses dois planos de violência clivada deve ser compreendida para que fragilidades
narcísicas venham a ser integradas empaticamente no sentir com o outro. A sensibilidade para uma transferência
mútua permite ao professor expor corajosamente suas fragilidades diante da hipocrisia sistêmica, promovendo
reconhecimento dos sujeitos mais vulneráveis.
Palavras-chave: violência; desmentido; trauma; psicanálise; educação.

Ferenczi y la educación: deconstruyendo la violencia desmentida


Resumen. La experiencia clínica y los postulados teóricos de Sándor Ferenczi traen innumerables
contribuciones a la Educación. Buscamos articular, en este artículo, dos formas de violencia desmentida, una
colectiva y otra, extrañamente familiar. Se trata de dos dimensiones fundadas en un traumatismo radicalmente
desestructurante, puesto que resulta del clivaje del yo. Desarrollamos la hipótesis de que la desautorización del
sujeto en el plano societario -por la violencia objetiva de la explotación por el capital-potencia la identificación
con el agresor y la reproducción de mecanismos incapacitantes en la esfera educativa. El traumático de la
violencia actuada entre los sujetos en la escuela es superpuesto por una brecha introyectada en la división de
clases, específicamente en la separación entre la enseñanza pública y privada, así como en el racismo desmentido
de la sociedad brasileña. La introducción y la transferencia fomentan este proceso. El embate entre los mundos
adulto e infantil, con la imposición jerárquica de un saber vertical y hegemónico, suele irrumpir como paso al
acto en el plano intersubjetivo. La imbricación inconsciente de estos dos planes de violencia clivada debe ser

1. Professora Associada da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ. E-mail: mariliaetienne@id.uff.br


2. Professora Doutora da Universidade Federal Fluminense. Niterói, RJ. E-mail: fernandamontes@id.uff.br

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261


comprendida para que las fragilidades narcísicas se integren empaticamente en el sentir con el otro. La
sensibilidad para una transferencia mutua permite al profesor exponer audazmente sus fragilidades ante la
hipocresía sistémica, promoviendo el reconocimiento de los sujetos más vulnerables.
Palabras clave: violencia; desmentido; trauma; psicoanálisis; educación.

Ferenczi and education: deconstructing the denied violence


Abstract. Clinical experiences and theoretical postulates of Sándor Ferenczi bring countless contributions to
education. We try to articulate, in this article, two forms of denial of violence, one collective and the other
strangely familiar. These are two dimensions based on a radically destructive traumatism, since it results in a
self-cleavage. We hypothesize that the disavowal of the subject in the societal plane - through the objective
violence of exploitation by capital - strengthens the identification with the aggressor and the reproduction of
incapacitating mechanisms in the educational sphere. The traumatic violence perpetrated among the subjects in
school is superimposed by an introjected cleavage in the division of classes, specifically in the separation
between public and private education, as well as in the denial of racism of the Brazilian society. Introjection and
transfer foster this process. The clash between adult and infantile worlds, with the hierarchical imposition of a
vertical and hegemonic knowledge, usually erupts as a passage to the act on the intersubjective plane. The
unconscious imbrication of these two planes of cleaved violence must be understood so that narcissistic
fragilities come to be integrated empathically into feeling with each other. Sensitivity to a mutual transference
allows the teacher to courageously expose his weaknesses in face of systemic hypocrisy, promoting recognition
of the most vulnerable individuals.
Keywords: violence; denial; trauma; psychoanalysis; education.

O trauma inerente à educação e a clivagem educacional brasileira

A concepção ferencziana confere uma nova leitura do traumatismo psíquico na clínica


psicanalítica, que também é bastante esclarecedora no que concerne à dificuldade de
professores e psicólogos escolares em lidar com o que se convencionou chamar, de modo
bastante genérico, como violência nas escolas. Essa versão antiga, porém sempre inovadora
pelo seu caráter inusitado, recebeu um fôlego novo com a reedição das obras de Sándor
Ferenczi em português em 2011. A leitura tardia desse grande autor, enfant terrible de la
psychanalyse, já recebera a dedicação de psicanalistas que atuam na interface da pesquisa
com a clínica ferencziana (Figueireido, 1999; Reis, 2004; Gondar, 2012, 2013, 2014, 2018;
Kupermann, 2008; 2017; Pinheiro, 1995), potencializando estratégias de escuta do outro. Se a
clínica vem a ser vista de forma dinâmica, com novas técnicas e atitudes, a educação também
pode ser sempre desconstruída e reelaborada como um lugar de escuta, de revelação e de
ação. O ponto de virada dessa perspectiva é que não se trata apenas de um processo de
decifração, liberador dos recalques, mas de uma via de franqueza e interpenetração
intersubjetiva, visando o reconhecimento e a reconfiguração de um trauma incapacitante. Na
escrita e na clínica de Ferenczi, ressalta-se a presença da coragem da verdade - conforme
Foucault (1982/2017) resgatou do pensamento grego – inerente à ousadia de falar
verdadeiramente e de correr riscos ao encarar algo que insiste em se ocultar, e, de modo ainda
mais grave, clivar. A postura impressa por Ferenczi (1908/2011) na psicanálise, estando ao
lado do “pai” Freud, mas também subvertendo seus postulados (Pinheiro, 2016), desde cedo
valorizou mais o sentido de um “incêndio” da educação do que a preservação de uma palavra-
mórbida, que diz o contrário do que se faz, do que se vê e se sente. Ferenczi (1921/2011;
1926/2011; 1928/1992; 1930/2011) avançou, portanto, ao preconizar uma postura amical,

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 247


horizontal, subversiva que nada tem a ver nem com uma psicanálise ortodoxa, tampouco com
uma educação tradicional disciplinar. Essa forma disciplinar tende a ser segregante e punitiva.
Uma visão tradicionalista e conteudista da educação fora também criticada por Paulo
Freire (1996), ao revelar uma preocupação especial acerca do contexto econômico violento e
desigual em que se constituiu o falso projeto de educação no Brasil, ao longo dos séculos XIX
e XX. Pensar a violência nos meios escolares, depende de enxergar tanto a violência da
educação em si mesma, quanto a violência mais ampla, desmentida, aquela de uma
“sociedade partida”. Vemos uma versão clivada da educação em terras tupiniquins, pois o
ensino de qualidade sempre foi um privilégio desenhado para as classes mais abastadas.
Quando a educação pública se estruturou no Brasil no início do século XX, ela foi destinada
aos ricos. Ao longo das lutas por democracia, o ensino público passou a ser destinado aos
pobres, e o ensino privado, para as classes médias e ricas. E mesmo a busca pela
universalização do ensino, no início do século XXI, avançou apenas modestamente, pois a
divisão de classes permanece instituída na separação entre público e privado (Souza, 2017).
Além disso, falseia-se o real motivo dos estudos, dizendo que servem para se alcançar uma
vida melhor para “todos”, no entanto, destinando o acesso aos ensinamentos para os postos de
direção e inovação aos filhos da alta burguesia, e os postos “menores”, técnicos, para os filhos
dos favelados. Embora tenhamos conquistado importantes patamares teóricos com a
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases em 1996, e também tenhamos avançado em
políticas educacionais na primeira quinzena do terceiro milênio, não foi possível atacar uma
série de injustiças, sobretudo essa clivagem entre público e privado na educação. Aí está o
trauma coletivo constitutivo da educação brasileira.
O Brasil jamais consolidou um projeto de nação na realidade. Para além do que foi
preconizado na Constituição Cidadã de 1988, vivemos esse irônico desmentido de uma
“reformitis aguda” na educação, quando se propõe infinitas reformas, porém tudo permanece
na mesma (Lajonquière, 2018, p.61). Nesse sentido, retorna do recalcado a ânsia punitiva
contra os pobres em ascendência e amplia-se a clivagem daqueles que renegam a realidade
das injustiças sociais e da necessidade revolucionária de se investir em políticas de direitos
humanos para combater tais injustiças. As nações mais desenvolvidas só mudaram quando
investiram num projeto de educação pública em todos os níveis, chegando praticamente a
abolir o ensino privado, como é o caso dos países nórdicos e da França, por exemplo. Ao
contrário da plena universalização e democratização da escola republicana e laica, vimos
surgir recentemente uma ofensiva punitiva e privatista, que demanda um retorno ao ensino
tradicional autoritário e à punição individual como solução para a violência estrutural e
sistêmica. Esse aspecto traumático da educação, antes exclusivamente baseado na repressão
social, agora traz a roupagem plumosa do engodo, da mentira, do sarcasmo e do contrassenso
desmedido. Alguns exemplos: a investigação da vida privada em redes sociais, a incitação à
pornografia, a proibição de se falar de gênero e política nas escolas, a armação de golpes, à
manipulação das ideias que vai do consumo à macropolítica, as famigeradas fake news, enfim
a desautorização generalizada que se institui na impostura da propriedade e na perversão do
“rentismo”. A educação, nesses moldes, visa o lucro e não a cidadania e igualdade social.
Toda essa produção discursiva preconiza um desenvolvimentismo que se manifesta de
maneira cruel contra a vida nua, descrita por Agamben (1995/2002) através do conceito de
homo sacer. Trata-se de alijar uma categoria subjetiva específica que estaria sempre fora da
norma (Foucault, 2001/2002), às margens. Num contexto de desautorização instituída, isto é,
no desmentido social, a violência se dirige especificamente a essas vidas que supostamente

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 248


não mereceriam ser vividas (Agamben, 1995/2002), ou seja, aquelas que são continuamente
violentadas pelo aparelho ideológico de Estado (Althusser, 1971/1987). Negros, indígenas,
pardos, mulheres, crianças, aqueles que são sexualmente divergentes do padrão
heteronormativo, pessoas com desabilidades, em suma, todos amalgamados no processo de
exclusão e estigmatização, exatamente porque são pobres. Eis a grande origem da violência
na educação brasileira: no preconceito inconsciente, posto que coletivamente constituído, e
que gera um despreparo subjetivo para lidar com o outro, provocando inúmeras situações
disruptivas que aparecem como sintoma nas esferas subjetivas e social.
No trabalho de formação de professores, seja na pedagogia, seja nas licenciaturas, vemos
constantemente, há quase duas décadas, o despreparo tanto dos estudantes, futuros docentes,
quanto de professores, na ativa, em lidar com certas turmas, em especial, quando nelas
existem crianças ou jovens difíceis. Esses sujeitos irreverentes são vistos como quem vem a
transtornar a ordem disciplinar prevista na educação tradicional. É fato que a transformação
da mentalidade do mundo adulto pouco mudou, e os meios educacionais, em geral, ainda
portam a sombra de um excessivo conservadorismo. Por outro lado, denega-se a função
coercitiva da escola através de um fetichismo educacional em que se prega a ideia de aprender
com prazer e a criatividade no uso de novos métodos didáticos, ao passo que, continuamente,
tenta-se dominar crianças e jovens com a linguagem da paixão (Ferenczi, 1933/2011), naquilo
que representa um traumático inerente ao ensino.
Ao longo do século XX, inúmeras ideias vieram a arejar esse contexto, como o movimento
da Escola Nova e a aplicação das leituras de Piaget, Vigotsky, Freinet, Paulo Freire e tantos
outros. Entretanto, a educação tradicional, disciplinar, promotora de adaptação e
silenciamento, aquela que clama pelo retorno da palmatória recalcada (Arreguy, 2014),
nunca foi totalmente abandonada. Professores e estudantes nunca foram tão vigiados como na
sociedade de controle (Deleuze, 1990/1992), onde câmeras registram continuamente todos os
atos “cometidos” em as salas de aula, num ímpeto de criminalização da docência, por um
lado, e de investigação do potencial criminal de crianças e jovens, por outro. Essa investida do
controle, com a vigilância constante da vida subjetiva, ocorre em esfera mundial. Isso pode
ser exemplificado com a “cruzada” científica exposta no documentário L’enfance sous
controle1, visando o mapeamento da agressividade e seu potencial criminal desde a infância.
Num contexto ultra-pragmático e pretensiosamente tecnológico, as crianças são
sumariamente diagnosticadas, na própria discursividade dos atores escolares, como bullies,
hiperativos e/ou desatentos. Os professores, por sua vez, são tratados como ideólogos de um
marxismo cultural a ser extirpado, juntamente à sua posição política 2. Para lidar com a tão
espetacularizada “violência nas escolas”, projeta-se então o “mal” nas crianças, jovens e
professores isoladamente, culpando os indivíduos e denegando o contexto. Fala-se aos quatro
ventos em crise da educação, culpabilizam-se as famílias ditas desestruturadas do descuido e
despreparo das crianças (Patto, 1990/1996), reclama-se da ausência de autoridade dos
educadores (Arreguy, sous presse), destacando da escola, em si-mesma, sua implicação no
mal-estar educacional. Esse raciocínio vale para a isenção de responsabilidade com as práticas

1 Documentário de Marie-Pierre Jaury (2009), co-produzido entre Canadá e França. Vídeo recuperado em 26 de maio de
2019: https://vimeo.com/229420416
2 Vide Projeto Escola sem Partido, que tramitou no congresso nacional na última década, gerando grande apelo ao
público-alvo de uma sociedade tradicionalista, identificada desde longa data com o slogan “Tradição, família e
propriedade”, fomentador da Ditadura Civil-Militar no Brasil de 1964 a 1985.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 249


profissionais, para o descrédito com a implicação do sujeito no desejo de conhecer e de
reconhecer o outro em suas limitações. Contrariar essa lógica perversa deveria vir antes
mesmo de qualquer obrigatoriedade de transmitir um dado conteúdo. A qualidade afetiva, a
capacidade de cuidado e acolhimento do ambiente são determinantes nos destinos da pulsão
de morte da criança. Observações clínicas apontam que uma educação coercitiva pode
inclusive desencadear impulsos suicidas (Ferenczi, 1929/2011). A autoridade do professor só
pode ser legítima se ele é capaz de ser empático em situações de precariedade generalizada,
expressas tipicamente no enviesado pedido de ajuda atuado por crianças e jovens agressivos.
Professores, por sua vez, ficam na encruzilhada entre serem considerados os “salvadores da
Pátria” e, simultaneamente, serem cerceados por políticas exploratórias, que os tornam
completamente impotentes. Haveria situação mais paradigmática desse desmentido do que o
espancamento de professores pela polícia nas suas greves e manifestações de protesto?
Docentes que reclamam e se mobilizam contra a condição de exploração em que vivem, são
ainda mais punidos por políticas de segurança autoritárias. O discurso sobre “a educação para
todos”, que nunca se efetiva de fato, ocupa o lugar de um fetiche cultural.
Na célebre asserção de Sartre: O inferno são os outros! Esse modo projetivo de lidar com a
alteridade foi detectado há muito na clínica psicanalítica individual, mas é algo que também
apresenta seus tentáculos psicopatologizantes no campo da saúde coletiva. Ora, é impossível
desatrelar totalmente a educação da saúde mental, em discordância parcial a respeito do que
afirma Costa (1984/2003). E, Ferenczi (1908/2011) denunciou de modo contundente a
hipocrisia na educação tradicional e seus efeitos na saúde psíquica. Alertou para a “mentira”
institucionalizada na falsa palavra dada à criança de que tudo aquilo de mais verdadeiro que
ela sente, ou seja, os prazeres percebidos em seu corpo e a forma terna de sua sexualidade,
representaria algo “feio”, “pecaminoso” e “inaceitável”. Lidamos, portanto, com dois
patamares do trauma na esfera educativa: 1) no campo de uma violência objetiva (Žižek,
2008) que denega a exploração de professores e a divisão de classes no Brasil; e, 2) que
recalca a realidade pulsional da criança e desautoriza as práticas de reconhecimento.
Evidente que não se pode desvincular a violência da linguagem - essa violência primária
(Aulagnier, 1975), subsumida no significante, de uma palavra que fecha sentido – do plano
inerente à renúncia pulsional. Essa função do recalque subjaz, na análise precisa de Gondar
(2018), ao trauma específico no plano societário, referindo-se a um racismo desmentido. A
transformação educacional brasileira é impedida por uma violência, e, em específico, um
racismo desmentido nas escolas, como puderam atestar respectivamente as pesquisadoras
Gomes (2017) e Lazzarine (2018), em suas pesquisas de mestrado. Ambas pesquisadoras do
Grupo Alteridade Psicanálise e Educação da Universidade Federal Fluminense, apresentam
em seus trabalhos essa diferença no que se refere à leitura do trauma freudiano, caracterizado
pela lógica do a posteriori. A violência desmentida nas escolas apresenta assim uma
dimensão ternária, expressa nas práticas de desqualificação e denegação do sofrimento
psíquico, seja de crianças, jovens ou professores.
É importante abordar a função do desmentido, no sentido da desautorização daquilo que é
claramente percebido na realidade, porém escamoteado. Em termos clássicos (Ferenczi,
1933/2011), a criança que sofreu um abuso sexual (ou uma violência qualquer) conta o
ocorrido para um adulto de sua confiança e esse adulto desconsidera a veracidade do relato
infantil. Poder-se-ia colocar essa asserção, do ponto de vista estrutural, da seguinte maneira:
um terceiro sujeito sustenta a mentira de um segundo, desautorizando o primeiro e

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 250


provocando-lhe uma comoção traumática (Ferenczi, 1933/2011) muito mais incapacitante do
que a própria violência sofrida.
Nessa forma do trauma, a existência do sujeito é colocada em xeque, pois ele não pode
confiar na sua própria percepção da realidade, já que não há nenhuma forma de
reconhecimento do outro em relação ao sofrimento que lhe foi imputado. Diríamos que sua
percepção da realidade é falseada mesmo sem refutação. Considerada a esfera educacional,
Lazzarine (2018) relata com precisão esse processo de não enxergar a si mesmo no espelho
em relação ao racismo desmentido. O sujeito passa a se ver como um erro, um desacerto da
natureza, como se o que visse não pudesse ter lugar no real; percepção esta que não só
corrobora a tese magistral de Neusa de Souza Santos sobre o ideal de ego do negro ser branco,
mas que vai além. No trabalho de Jô Gondar (2018), o racismo à moda brasileira é
compreendido para além do trauma pela via do recalque, mas como algo que gera uma
fragmentação psíquica (Gondar, 2014), logo, um trauma incapacitante, na medida em que o
traumático não possui representação, apenas “aparece”, é figurado compulsivamente como
num pesadelo (Arreguy, Freitag & Lobo, 2014). Afinal, onde não há reconhecimento, o
sujeito não pode vir se representar. No reinado da pulsão de morte, a única saída seria se
fragmentar ao ponto de ampliar a superfície de contato com o real, criando micro-realidades
distintas, que desconhecem-se entre si, de modo a minimizar o sofrimento psíquico. Uma vez
que a ferida narcísica (Freud, 1914/1996) é insuportável, a angústia transborda todos os
limites, impossibilitando a integração do ego. Assim, o sujeito é ferido de morte. Do ponto de
vista político, diríamos que passa a se comportar de modo alienado, como um zumbi, um
morto-vivo (Arreguy, 2017). Essa realidade social traumática é ainda mais nítida quando os
preconceitos de raça, cor, gênero e diversidade sexual são conjugados.

Agressividade, passagem ao ato e clivagem traumática

A violência está sempre ligada a um contexto de subjugação e uso de poder de um sujeito


sobre o outro. Nesse sentido, é preciso diferenciar a violência interposta na relação de
dominação, subjugação e maus-tratos frequentes, de uma agressividade contingente e inerente
ao plano vital (Winnicott, 1950/2000), necessária para a sobrevivência e para a vida ativa. A
violência que leva à agressão deliberada, à destrutividade (e autodestrutividade), bem como à
eliminação do outro, representa um sintoma atrelado a formas prévias de deprivação material,
mas, principalmente, de ordem afetiva (Winnicott, 1956/1984). Na tradição psicanalítica,
corrobora-se então a hipótese de que os conflitos e impasses violentos estejam mais
estreitamente relacionados ao ambiente, à criação e à educação - supostamente faltante
(indiferente ou ausente) ou excessiva (intrusiva ou ultra-idealizada) - do que exclusivamente a
alguma essência psicopatológica do sujeito.
A passagem ao ato típica das situações de violência intersubjetiva foi definida como um
curto-circuito pulsional (Lacan, 1950). Isso se daria na transposição da agressividade típica
do acting-out (um “ato” endereçado de modo transferencial) para um ato violento que visa
uma ruptura completa com o Outro. As situações de violência revelam uma saída brusca da
cena traumática na tentativa de eliminar toda alteridade e de escapar do regime discursivo.
Esse desinvestimento do endereçamento a um outro significativo ocasiona o descarrilhamento
das amarras subjetivas, expresso na passagem ao ato violenta. Trata-se de uma dimensão
irrepresentável manifesta como função da pulsão de morte (Freud, 1920/2006). Assim, a

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prevenção da violência entre os atores presentes nas escolas só pode ser elaborada, se suas
condições inconscientes forem desconstruídas.
As situações-limite (Chagnon, 2009) que geram violência em contextos educativos podem
ser compreendidas através da percepção da clivagem em experiências clínicas. Em Ferenczi
(1931/1992) temos que a autoclivagem narcísica seria resultante da violência do abandono
presente no desmentido: “Tem-se nitidamente a impressão de que o abandono acarreta uma
clivagem da personalidade. Uma parte da sua própria pessoa começa a desempenhar o papel
da mãe ou do pai com a outra parte (...)” (Ferenczi, 1931/1992, p. 76). O choque traumático
faz com que uma parte da pessoa amadureça de repente. Isso se dá a partir de um tipo de
clivagem que é da ordem da fragmentação (Ferenczi, 1931/1992). Em texto escrito em 1932,
mas publicado postumamente como Diário Clínico (Ferenczi, 1932/1990), o autor ressalta
que haveria uma ruptura entre a parte destruída e a parte que vê a destruição: uma parte “nada
sabe” e guarda uma lembrança sensível do trauma e a outra parte “sabe tudo” e “nada sente”.
Nesses termos, citamos:
Tudo se passa verdadeiramente como se, sob a pressão de um perigo iminente, um
fragmento de nós mesmos se cindisse sob a forma de instância autoperceptiva que quer
acudir em ajuda, e isso, talvez, desde os primeiros anos da infância. (...) as crianças que
muito sofreram, moral e fisicamente, adquirem os traços fisionômicos da idade e da
sabedoria. Também tendem a cercar maternalmente os outros (Ferenczi, 1931/1992., p. 78).

É nesse contexto de violência psíquica e autoclivagem que Ferenczi utiliza a noção de


autotomia (Ferenczi, 1928/1992). Originalmente, a autotomia corresponde ao movimento de
alguns animais que destacam do corpo uma parte deste que provoca dor ou excitação
demasiadamente forte. O autor se apropria desse conceito, trazendo-o para o campo
psicanalítico, de modo que a autotomia passa a constituir uma defesa ainda mais radical,
definindo-se como uma fuga psíquica diante do que provoca dor. À guisa de diferenciação,
Reis (2004) afirma que o recalcamento seria um mecanismo de outra ordem: “menos
primitivo” do que a autoclivagem.
Enquanto no recalcamento perde-se a memória de um primeiro tempo, que será significado
como sintoma a posteriori, em um segundo tempo sobrecarregado de sentido, na clivagem
traumática esses dois momentos não apresentam solução de continuidade. Eles são o
mesmo, isto é, um não dá sentido ao outro porque ambos escapam à possibilidade de
sentido (Reis, 2004, p. 70).

Portanto, a autoclivagem narcísica ferencziana é o mecanismo que nos auxilia na


compreensão dos casos de violência psíquica tão presentes nas patologias narcísicas e nas
situações de vulnerabilidade social, quando o trauma é vivido no cotidiano (Gondar, 2014).
Essa realidade se expressa no narcisismo das pequenas diferenças (Freud, 1929/1996), em
situações de confronto, discussões, brigas e agressões manifestas entre as pessoas nas escolas,
que são difundidas de modo espetacularizado pela mídia, e acabam sendo criminalizadas pela
própria sociedade.
A agressividade excessiva é elemento central presente no entendimento das patologias
narcísicas, situando o não reconhecimento do sofrimento infantil por parte do adulto nas
origens da clivagem do ego infantil (Freud, 1938/2007; Ferenczi, (1933/2011; 1934/2011), o
que culmina com a eclosão de casos difíceis e de situações de passagem ao ato. Levando em
conta essa linhagem do pensamento psicanalítico, pode-se avançar na análise de que a
agressividade atuada pela criança e, mais ainda, tornada violenta em jovens, esteja

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estreitamente relacionada com a cultura, manifesta na atitude dos adultos - pais, educadores e
psicólogos - diante do infantil (Ferenczi, 1929/2011).
A violência atuada com fundamento nessa clivagem psíquica (Freud, 1927/2007,
1938/2007) assinala uma severa divisão no próprio eu do sujeito. A clivagem é, assim,
seguindo a leitura ferencziana, o efeito do trauma causado pela hipocrisia nas relações
alteritárias, no momento em que há a desqualificação global dos afetos das crianças pelos
adultos, sobretudo por aqueles que possuem um papel fundamental para a criança (Ferenczi,
1908/2011; 1933/2011; 1934/2011). Assim, o não reconhecimento do sofrimento infantil
produz essa violência desmentida. O que a criança sente e percebe é desvalorizado e negado
pelo adulto (Ferenczi, 1933/2011). Cria-se então uma incongruência entre o sentir e o pensar,
fruto de uma impossibilidade do adulto de dar sentido às vivências infantis. A arbitrariedade
dos adultos em não acolher, em serem indiferentes, ou mesmo, violentos na interpretação das
situações de desamparo vividas pelas crianças, geraria, portanto, um traumatismo impossível
de ser integrado. Uma parte do eu da criança passa a se identificar inconscientemente com o
comportamento do agressor (Ferenczi, 1933/2011), a outra fica como que anestesiada, sem
afetos, como “morta”...
O pior é realmente a negação, a afirmação de que não aconteceu nada, de que não houve
sofrimento ou até mesmo ser espancado e repreendido quando se manifesta a paralisia
traumática do pensamento ou dos movimentos; é isso, sobretudo, o que torna o traumatismo
patogênico (Ferenczi, 1931/1992, p. 79).

O fato de a criança ser violada ou agredida pode ser recalcado e, posteriormente,


elaborado. Mas quando o adulto não confere valor ao pedido de ajuda da criança, ela perde a
capacidade de dar sentido para suas ações, e pode atuar caoticamente. Por outro lado, quando
se criam chances de se estabelecer uma troca intersubjetiva legítima - permeada pela atenção,
pelo cuidado e pela troca dialógica - a distorção da agressividade em violência é evitada. O
reconhecimento do sofrimento alheio é condição sine qua non para que seja garantida a
integração psíquica e a criação de saídas socialmente aceitas para as demandas pulsionais. A
agressividade como motilidade (Winnicott, 1950/2000) não pode ser extirpada do universo
infantil, assim como a violência do mundo adulto não pode ser denegada ou tratada como se
não existisse, pois isso sim seria muito mais traumático.
Retomando a dimensão coletiva da violência no meio escolar, vemos que a própria
precariedade social é desmentida, como se as pessoas dependessem exclusivamente do mérito
pessoal para progredir intelectual e financeiramente. O discurso derrisório da democracia
racial, suficientemente criticado, por exemplo, por Souza (2017), denega a exploração de
classes. O desmentido mais evidente é o dos antigos escravos tornados “criados”, empregados
explorados pelas elites, mas que são tratados como se fossem da família do explorador. Isso
traz consequências traumáticas em toda esfera educacional, clivada entre os filhos dos ricos e
os filhos dos pobres. Nessa mesma ordem da desqualificação de classes, os professores e
estudantes são culpabilizados pela produção do fracasso escolar (Patto, 1990/1996). As
condições macropolíticas nefastas, por sua vez, são minimizadas nos discursos midiático e
educacional hegemônicos. No contexto de recrudescimento da violência objetiva (Žižek,
2008), macroeconômica, prolifera-se a produção social de educadores adoecidos. E, uma vez
violentados pelo próprio sistema, passam inconscientemente a alimentar esse traumatismo
incapacitante nas próprias relações educativas.
Sendo assim, nesse ponto temos a necessidade de recorrer ao conceito de introjeção
ferencziano, como um fator fundamental para o estabelecimento do próprio psiquismo, do

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sentido e das relações intersubjetivas. Buscaremos compreender a introjeção como um
movimento de inclusão do mundo no eu, que permite ao sujeito uma aproximação com o mais
diferente em busca de semelhanças humanas básicas. Para a construção dessa função egóica
fundamental, Ferenczi (1909/1992; 1912/1992; 1929/2011) sublinha o papel essencial do
outro como fiador da introjeção. Aqui sugerimos compreender que o outro social,
representado pela cultura, teria também esse lugar de fiador da introjeção na esfera coletiva. E
diante da denegação no âmbito social, temos a violência traumática instaurada nas relações,
negando a alteridade.

Introjeção e transferência mútua: inspirações para a sensibilidade na docência

A introjeção ferencziana é o mecanismo que funda o aparelho psíquico e constitui o esboço


da formação do eu. A introjeção é a forma de funcionamento do aparelho psíquico que
compreende a introdução, primeiramente, dos afetos (tonalidades diferenciais do prazer e
desprazer), e, subsequentemente, dos objetos externos à esfera do eu, como se fosse uma
espécie de “alargamento do eu”. Ferenczi afirma textualmente que “o neurótico procura
incluir em sua esfera de interesses uma parte tão grande quanto possível do mundo externo,
para fazê-lo objeto de fantasias conscientes ou inconscientes” (Ferenczi, 1909/1992, p. 84,
grifos do autor). Assim, é através da introjeção que o sujeito pode atribuir sentido ao mundo e
a si mesmo. É a partir da introjeção que o sujeito pode fantasiar, associar e produzir
imaginariamente (Pinheiro, 1995). O conceito de introjeção é bastante abrangente, de modo
que, para Ferenczi, tudo começa no corpo. Todas as experimentações do sujeito se iniciam no
próprio corpo. Esse corpo se deixa afetar pelo mundo ao mesmo tempo em que compreende o
mundo através de si mesmo. Assim, o eu descobre o mundo em comparação ao que lhe é
conhecido: o corpo e suas intensidades. Nesta perspectiva:
As percepções e a organização das percepções que se dão nesse plano de semiotização por
intermédio do processo de introjeção constituem ‘a nova ação psíquica’ [mencionada por
Freud em 1914] (...) O eu não é tematizado aqui como uma instância psíquica constituída, e
sim como a capacidade característica do ser humano de se singularizar como membro de
um coletivo, no que atua como elemento que afeta e é afetado. Essa mútua capacidade de
afetação compõe a matéria introjetada que constitui o ‘mundo próprio’ do eu (Reis, 2004, p.
112)

Ferenczi (1913/1988) afirma, no texto O desenvolvimento do sentido de realidade e seus


estádios, que o sujeito, em certo momento, é obrigado a distinguir as coisas que resistem à sua
vontade - e, por isso, são sentidas como malignas - do seu próprio eu. Isso corresponderia à
distinção entre os conteúdos psíquicos subjetivos (sentimentos) e os conteúdos objetivados (as
impressões sensíveis). A introjeção seria o primeiro estádio, imaginário, em que todas as
experiências permanecem incluídas no eu; um estádio de onipotência. O estádio de realidade,
por sua vez, corresponderia à fase de projeção do desenvolvimento do eu, quando a criança
investe no mundo externo com qualidades que descobriu em si mesma. Ou seja, ela se
relaciona com o mundo tentando encontrar nele qualquer semelhança com seu corpo, seus
órgãos e o funcionamento destes. A criança atravessaria, com isso, um período animista em
sua apreensão da realidade.
Neste sentido, Ferenczi inclui o narcisismo como um estádio de onipotência do erotismo
que protegeria o sujeito diante da catástrofe representada pelo desenvolvimento do eu. Para o

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autor, o desenvolvimento do sentido de realidade é alcançado através de “arrancadas
sucessivas de recalcamento, a que o ser humano é constrangido pela necessidade, pela
frustração exigindo adaptação” (Ferenczi, 1913/1988, p. 86). Temos em Ferenczi uma ideia
de constituição subjetiva traumática, que se dá através de sucessivas catástrofes. São rupturas
nas formas de organização do eu e do mundo. Por isso a denominação de estádios do sentido
de realidade. Não são estádios os quais o sujeito precisa superar para se desenvolver. São
formas de organização psíquica que não são superadas e podem ser reativadas a qualquer
momento. Afinal, o inconsciente é atemporal, ou melhor, tudo permanece no presente, e
assim, todos esses tempos dos estádios do sentido de realidade são conservados (Montes,
2008).
Portanto, o encontro do sujeito com o mundo é traumático por excelência. A própria
introjeção é, a princípio, da ordem do excesso pulsional.
É a introjeção desse “outro” possuidor de um código e de uma linguagem que ultrapassam
as capacidades do bebê que, ao forçar barreiras e criar novas capacidades, constitui o
paradoxo presente no caráter traumático dos processos de estruturação psíquica (Reis,
2004, p. 62).

Cabe a um outro significar o que deve ser introjetado, propiciando a ligação entre o afeto e
a representação; a integração entre o sentido e a intensidade. Podemos afirmar que o trauma
não é, em si, nem constitutivo, nem desestruturante ou patológico. O que define o trauma de
uma forma ou de outra é justamente seu destino. Se esse excesso receber um contorno, ele
será estruturante, ou seja, constitutivo do sujeito barrado, no linguajar lacaniano. Mas, se o
traumatismo não entrar no campo da possibilidade narrativa, a ponto de colocar em xeque a
montagem narcísica do sujeito, ele será desestruturante. É importante ficarmos atentos, desse
modo, ao papel do outro na constituição subjetiva a fim de compreender que o trauma e a
violência só se configuram a partir da relação com o outro, conforme instituída no laço social.
Tomamos o texto Elasticidade da técnica psicanalítica (Ferenczi, 1928/1992) para apontar
o quanto Ferenczi considerava a radicalidade da relação com o outro para a experiência
subjetiva, chegando a compreender o tratamento analítico de maneira intersubjetiva, como um
espaço entre dois sujeitos. Ele afirma, então, que ser analista é estar numa posição
desconfortável e, principalmente, não hipócrita. É ser absolutamente sincero e conseguir
esperar o momento do paciente entrar em atividade; é suportar a transferência negativa – que,
para ele, é fundamental para o tratamento no que diz respeito à superação da identificação
com o agressor.
Claro que, ao colocar nestes termos, Ferenczi está de acordo com Freud, que considera que
o analista deve, ele próprio, passar pela experiência de análise. Afinal, “a modéstia do analista
não é, portanto, aprendida, mas a expressão da aceitação dos limites do nosso saber”
(Ferenczi, 1928/1992, p. 31). O analista precisa, para exercer sua função, saber abrir mão do
próprio narcisismo. Essa ideia está presente na noção ferencziana de tato apresentada no texto
de 1928 (Ferenczi, 1928/1992). É o tato que permite ao analista saber o momento de
interpretar, de aguardar e calar. Através do tato, o analista pode se pôr atento às forças da
resistência. Ter tato é poder sentir com o outro. É se colocar no lugar do outro a partir da
lógica de funcionamento desse outro, e não a partir de sua própria subjetividade. Parece algo
muito óbvio, mas é uma tarefa árdua porque não requer nenhum tipo de racionalização
(Montes, 2008). O sentir com (Ferenczi, 1928/1992) é estar em sintonia afetiva e nos remete a
um campo de afetação (Maia, 2004), apontando para a existência de “um atravessamento

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entre domínios psíquicos” (Maia, 2004, p. 235) . Trabalhar a partir da noção de sentir com é
admitir que as impressões sensíveis são imprescindíveis no circuito da transferência.
A partir dessas colocações e alargando, como Freud (1912/1996), a relação transferencial
para toda relação intersubjetiva, podemos utilizar a noção de tato para nos referir à relação
professor-aluno. A fim de construir teoricamente a possibilidade de uma transferência mútua
nessa relação, recorremos a Ferenczi em seu desejo pela não hipocrisia nas relações. A
hipocrisia, juntamente ao escárnio, à derrisão e ao descrédito da realidade traumática
apresentada por uma criança ou jovem, são capazes de produzir traumas que colocam dúvidas
sobre a própria certeza de si na parte mais fraca da relação. Quem sofre as consequências
desestruturadoras de uma violência desmentida é sempre a parte mais vulnerável, que toma a
palavra do outro como verdade, em detrimento de qualquer suporte nos fatos percebidos como
realidade pelo próprio sujeito.
Concebemos, dessa feita, a existência de atravessamentos entre os domínios psíquicos de
professor e aluno. Constatamos igualmente que o modo como escola funciona ainda hoje, ou
seja, a partir de uma relação altamente hierárquica, favorece à imposição de uma visão única,
verticalizada e imperativa, dos fatos. Entretanto, o professor pode optar pelo lugar do tato ou
do desmentido. Se o professor é capaz de sentir com o outro (e de se colocar de forma
dinâmica na relação, transitando para uma posição horizontal e amical (Arreguy & Bafica,
2017), poderá ter a chance de introjetar novos sentidos e atuar nesse campo de afetação de
maneira a alargar a experiência egóica, propiciando a abertura necessária ao desejo. No
entanto, quando o professor se coloca numa posição hipócrita de negar a realidade e/ou a
existência subjetiva do aluno, desqualificando em vez de valorizar o erro, ele facilita o
caminho de um trauma violento, que tem o poder de causar a desestruturação subjetiva e
afastar o aluno da escola. A posição do/da professor/a na transferência com os estudantes é
capaz de gerar desde a inibição intelectual, provocando a aversão transferencial aos estudos,
até a tentativa de destruição do outro, como tem sido corriqueiro nos massacres feitos por
estudantes a colegas e professores (Arreguy & Gontran, 2012). Reproduzindo uma situação de
violência social, o professor abandona seu posto de fiador de uma cultura pulsante para abrir
caminhos tortuosos, abrindo brechas para mecanismos de defesa arcaicos, tais como a
identificação com o agressor. Nesse ponto, a reprodução do desmentido surge no sadismo
linguageiro do professor; algo corriqueiro em salas de aula (Arreguy, 2014). Trata-se de um
ciclo vicioso: a cultura desautoriza o professor, que desqualifica os estudantes. Estes se
rebelam contra a educação e introjetam o lugar de dejeto, de quem não tem valor, já que o
único valor realmente reconhecido socialmente é atribuído aos mais abastados, inteligentes,
bonitos, descolados que podem consumir e ostentar o que quiserem. Princípios discursivos
como a solidariedade, igualdade, fraternidade acabam não tendo sustentação, pois a impostura
de uma violência objetiva é atuada como violência subjetiva e direta contra o outro.

Considerações Finais

Se, do ponto de vista do sintoma coletivo, ainda não fomos efetivamente capazes de
insurgir contra a violência desmentida no âmbito social, do ponto de vista subjetivo, temos
um pouco mais de margem de manobra. Kaës (2007/2011), por exemplo, é um autor que trata
das alianças necessárias aos laços de grupo e às instituições, reconhecendo aspectos psíquicos
nos grupos sociais e aproximando o funcionamento coletivo ao subjetivo. Podemos, dessa

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maneira, tratar da intersubjetividade e do campo de afetação a partir de um posicionamento
ético. Ao reconhecer a fragilidade do outro a partir do contato com o aspecto traumático da
própria fragilidade narcísica, o/a professor/a tem condições de operar um recuo diante da
agressividade de crianças e jovens e se colocar numa posição de mutualidade e
reconhecimento. Ao também perceber-se como objeto tanto de uma violência objetiva,
econômica, quanto de uma violência estrutural, do mal-estar inerente à educação, rompendo
com um ciclo narcísico de identificação com o agressor, é possível escapar de uma violência
sorrateira, sádica e mórbida: aquela que denega a falta de oportunidades e o sofrimento
psíquico dos sujeitos mais vulneráveis. Isso não significa se posicionar apenas como vítima,
mas como alguém que busca uma trajetória ética e fraterna, jamais indiferente. Apenas
livrando-se dos estereótipos de uma pedagogia da excelência (Miqueias & Arreguy, 2017),
típica da meritocracia, o professor pode olhar nos olhos de seus estudantes mais
desfavorecidos, seja no nível material, seja no nível dos afetos. Nesse sentido, Arreguy e
Coutinho (2015) ressaltam uma situação relatada por um professor, em que ele interrompe o
ataque de chutes que seu aluno, uma criança, desferia contra ele. Ao se abaixar, pegar firme
nos braços do menino, olha em seus olhos, e diz: “˗ Eu já bati em você? Eu já gritei com
você? Então, por que está me tratando assim?” (Arreguy & Coutinho, 2015, p. 286).
Evidentemente, ele mostrou o seu desamparo, ou seja, seu despreparo total para lidar com a
situação. Diante da franqueza e da preocupação ativa do professor, o menino começou a
chorar, entregou-se nos braços do professor e arrefeceu seu “surto agressivo”… Só assim,
despojando-se de preconceitos de classe e de idealizações narcísicas, assumindo uma postura
sem a contaminação da hipocrisia, seria possível produzir identificações sãs, legitimadoras do
que existe de mais íntimo na subjetividade. Nesse sentido, cabe driblar os efeitos deletérios de
um trauma incapacitante, por ventura, introjetado a partir de um agressor íntimo em um
mundo peculiarmente violento.

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Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 260


Recebido em maio/2019 – Aceito em agosto/2019.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 246-261 261


DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v24i2p262-275.

Dossiê

Psicanálise e educação escolar: ressonâncias de Sándor Ferenczi para uma


pedagogia do cuidado

Alexandre Patricio de Almeida; Alfredo Naffah Neto

Resumo. Pretende-se, neste artigo, explorar a possibilidade de propor uma ação educativa, respaldada na ética
do cuidado, orientada pelas contribuições da teoria psicanalítica de Sándor Ferenczi. Para tanto, os autores
iniciam o texto com uma breve discussão sobre a atual situação da educação escolar, apontando a necessidade de
se atentar à dimensão do afeto e das emoções dentro do campo pedagógico. Em seguida, sustenta-se a discussão
pela apresentação de alguns aspectos centrais do pensamento ferencziano. Por fim, postula-se, por meio deste
diálogo entre psicanálise e pedagogia, construir uma conduta de ensino apoiada na empatia, na criatividade, na
liberdade de expressão dos alunos e na autorreflexão dos professores.
Palavras-chave: psicanálise; Sándor Ferenczi; educação; escola.

Psicoanálisis y educación escolar: resonancias de Sándor Ferenczi para una pedagogía


del cuidado
Resumen. Se pretende, en este artículo, explorar la posibilidad de proponer una acción educativa, respaldada en
la ética del cuidado, orientada por las contribuciones de la teoría psicoanalítica de Sándor Ferenczi. Para ello, los
autores inician el texto con una breve discusión sobre la actual situación de la educación escolar, apuntando la
necesidad de atentar a la dimensión del afecto y de las emociones dentro del campo pedagógico. A continuación,
se sostiene la discusión por la presentación de algunos aspectos centrales del pensamiento ferencziano. Por
último, se postula, por medio de este diálogo entre psicoanálisis y pedagogía, construir una conducta de
enseñanza respaldada por la empatía, la creatividad, la libertad de expresión de los alumnos y la autorreflexión
de los profesores.
Palabras clave: entre psicoanálisis; Sándor Ferenczi; educación; escuela.

Psychoanalysis and school education: resonances of Sándor Ferenczi for a care


pedagogy

1. Psicanalista, Docente da Universidade Paulista. Doutorando em Psicologia Clínica da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
alexandrepatriciodealmeida@yahoo.com.br
2. Psicanalista, Professor Titular em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil. E-mail: naffahneto@gmail.com

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275


Abstract. In this article, we intend to explore the possibility of proposing an educational action, supported by
the care ethics, guided by the contributions of Sándor Ferenczi's psychoanalytic theory. To do so, the authors
begin the text with a brief discussion about the current situation of school education, pointing out the need to pay
attention to the dimension of affection and emotions within the pedagogical field. Next, the discussion is
supported by the presentation of some central aspects of Ferenczian thought. Finally, through this dialogue
between psychoanalysis and pedagogy, it is postulated to construct a teaching behavior based on the students'
empathy, creativity and freedom of expression.
Keywords: psychoanalysis; Sándor Ferenczi; education; school.

Desde a publicação de Freud e a educação: o mestre do impossível, em 1989, de autoria


de Maria Cristina Kupfer, muito tem se discutido a respeito dos possíveis diálogos que
poderiam existir entre a teoria psicanalítica e o contexto educacional contemporâneo, assim
como a intersecção da obra freudiana com o arcabouço teórico da pedagogia. No entanto,
apesar de passados trinta anos após uma publicação tão rica e original, pouco se tem pensado
a respeito da relação da educação com as contribuições de outros autores do campo
psicanalítico. Pensamos que a pedagogia, assim como a ação educativa, de fato, só tem a
ganhar quando intercalada às tessituras desenvolvidas pelos estudiosos da psique humana.
Neste artigo, nos debruçaremos sobre algumas das principais ideias de Sándor Ferenczi,
tecendo algumas possíveis reflexões deste analista eminentemente clínico e sensível, a fim de
construirmos uma breve noção do que denominamos de uma “pedagogia do cuidado”, voltada
ao tato, à delicadeza e à empatia do educador ao se colocar perante o seu educando. Fatores,
esses, imprescindíveis aos nossos dias atuais.

A educação e uma psicanálise sensível

(...) Num quarto onde existe uma única vela, a mão colocada perto da fonte luminosa pode
obscurecer a metade do quarto. O mesmo ocorre com a criança se, no começo de sua vida,
lhe for infligido um dano, ainda que mínimo: isso pode projetar uma sombra sobre toda a
sua vida. É muito importante entender a que ponto as crianças são sensíveis; mas os pais
não o creem; não podem imaginar a extrema sensibilidade de seus filhos e comportam-se,
na presença deles, como se as crianças nada sentissem diante das cenas excitantes a que
assistem. (Ferenczi, 1928a/2011, p. 5-6)

Parece óbvio dizer que o processo educativo possui um impacto crucial sobre o
desenvolvimento do ser humano. Contudo, por mais que esta afirmação soe um tanto quanto
redundante, cremos que nunca foi tão urgente e necessário repensar a conduta e a prática dos
educadores dentro do contexto educacional atual. Acreditamos que o mal-estar psíquico
vivido na escola contemporânea não tenha explicações apenas no campo psicológico, pois ele
está em sintonia com as transformações sociais em curso. A sempre mencionada crise nas
instituições sociais de referência (como a família, o estado, a cultura, etc.) e todo o conjunto
de mudanças paradigmáticas que as mesmas atravessam (e são por elas atravessadas) parecem
sustentar o descrédito nas instituições de um modo geral, entre as quais a escola ocupa um
lugar significativo.
É praticamente impossível, no entanto, falar da expressiva crise educacional que nos
atinge, sem mencionar as relações afetivas que constituem as bases do meio escolar. Em
função deste pressuposto, buscar subsídios que enriqueçam o processo de reflexão desta

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 263


problemática, em outras áreas do conhecimento e das Ciências Humanas que não sejam
somente derivadas diretas da pedagogia, parece ser uma condição imprescindível para
sustentar e dar corpo a uma nova ação educativa que promova transformações relevantes no
processo de ensino-aprendizagem. Para isso, faz-se necessário, primeiramente, a ampliação da
visão de sujeito. Sujeito este que ocupa um lugar central dentro do constante desafio que
circunscreve o árduo percurso de aprender (e vir a ser, como dizia Winnicott1).
Nesse sentido, é necessário que nos atentemos à dimensão da complexidade que envolve o
ato de educar. Realizar um trabalho docente, que compreenda a visão de sujeito, abrangendo
os seus devidos aspectos cognitivos, sociais e emocionais é um desafio que ultrapassa as
barreiras impostas pela atual formação do professor. É preciso ir mais a frente, e buscar
recursos que auxiliem o educador a compreender o próprio sentido de sua atividade docente.
Estamos falando, aqui, de um movimento intrínseco, uma reflexão a partir de sua própria
prática. Esse exercício de “olhar para si”, a nosso ver, pode ser o primeiro grande passo para
nos atentarmos às condutas engessadas que tanto prejudicam os processos de aprendizagem.
Philippe Meirieu, em seu livro O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o
compreender, aponta a conduta técnica e mecânica exercida por alguns professores que se
acostumam a uma prática dogmática – fator que, gradativamente, os faz perder o contato
direto com a dimensão sensível necessária ao lidar com o ser humano. Citamos o autor:

Portanto, ensinar não significa apenas pôr em prática um conjunto de competências


separadamente: escolher um exercício e fazer com que reine a ordem, explicar um texto e
corrigir trabalhos... Significa tudo isso sem dúvida, mas com “alguma coisa mais”, “alguma
coisa” que, de resto, os alunos reconheçam suficientemente bem, “alguma coisa” que não é
redutível ao carisma individual e, menos ainda, a uma capacidade relacional. “Alguma
coisa” que, ao contrário, remete a uma “força interior”, uma “força” que expressa uma
coerência e testemunha um projeto. Uma força da qual emana o sentimento de que o
homem e a mulher que ensinam aqui estão no lugar certo. Seu ofício tem sentido para eles.
(Meirieu, 2005, p. 18)

As observações de Meirieu assinalam o que, a nosso ver, corresponde a real essência do


ato de educar. Ensinar não exige do professor, unicamente, uma conduta dirigida somente
pela afetividade. O exercício docente demanda planejamento; organização; didática;
comprometimento com o saber; mas, sobretudo, exige “alguma coisa mais”. Logo, pensamos
que essa “alguma coisa” que Meirieu se refere ao longo de seu texto está voltada ao nosso
autoconhecimento, às nossas próprias indagações e, acima de qualquer coisa, à nossa
capacidade de se transformar e transformar o outro. Sob essa óptica, o uso da psicanálise é
inegável.
Contudo, a aproximação entre psicanálise e educação nunca foi pacífica. Vejamos:

Desde Freud, os psicanalistas tem chamado a atenção a diversas distorções e sofrimentos


oriundos do processo educativo, mas a possibilidade da psicanálise contribuir direta ou
indiretamente para o trabalho do educador não é algo facilmente aceitável. Se em algum
momento Freud supôs que a pedagogia, esclarecida pela psicanálise, pudesse reformar os
seus métodos e seus objetivos a fim de minorar o sofrimento neurótico, ele acabou por
desistir desta possibilidade. Alguns autores sustentam enfaticamente que não é possível

1 Para uma leitura inicial das ideias de Winnicott, recomendamos, aqui, ao profissional da área da educação que não teve
contato com a teoria desse psicanalista, o livro Por que Winnicott de Leopoldo Fulgêncio, publicado pela Editora
Zagodoni, em 2016.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 264


uma “pedagogia analítica”, e que, compreensivelmente, o mesmo indivíduo não pode
ocupar ao mesmo tempo o lugar de educador e analista. (Gurfinkel, 2016, p. 17)

Ora, antes de qualquer coisa, para embasarmos essa discussão no âmbito epistemológico e
histórico, é indispensável que recorramos às bases estruturais do arcabouço psicanalítico, para
que, por meio delas, possamos trilhar uma possível interlocução entre a ciência freudiana e a
educação escolar. Em 1913, o próprio Freud, em um texto chamado O interesse da
psicanálise para as ciências não médicas, se propõe a articular, através de um subitem
intitulado O interesse para a pedagogia, algumas das colaborações fundamentais de sua
ciência à educação. Ele nos dirá que:

A psicanálise revelou os desejos, pensamentos, processos de desenvolvimento da criança;


todos os esforços anteriores eram incompletos e errôneos, porque deixavam completamente
de lado o importantíssimo fator da sexualidade em suas manifestações físicas e psíquicas.
[...] Quando os educadores tiverem se familiarizado com os resultados da psicanálise,
acharão mais fácil admitir certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras coisas,
não correrão o perigo de superestimar impulsos instintuais socialmente inúteis ou perversos
que surgirem nas crianças. (Freud, 1913/2012, p. 361-362)

Neste recorte, percebemos o quanto o mestre de Viena nos convida a repensar o papel do
educador, tomando como referência as descobertas psicanalíticas – aqui, mais precisamente,
ele destaca a importância constitutiva do papel da sexualidade no desenvolvimento da criança.
Todavia, “o ‘interesse pedagógico’ da psicanálise, conforme os termos de Freud (1913), está
longe de ser um campo de grandes acordos no decorrer dos tempos. Nele ressoa,
inevitavelmente, a história do debate mais amplo sobre a aplicação da psicanálise além da
cura” (Lajonquière, 2017, p. 244). A própria noção de sexualidade infantil ainda é,
lamentavelmente, bastante esquecida e pouco mencionada nos vértices da formação
pedagógica.
Apesar das diferenças estruturais (e ideológicas) que existem entre a psicanálise e a
pedagogia2, acreditamos que um educador que “beba da água freudiana”, seja pelo viés do
estudo teórico, ou pela prática subjetiva, fruto de sua própria análise pessoal, nada terá a
perder no trato diário com seus alunos e na conduta didática de suas aulas. Muito pelo
contrário, a psicanálise abarca uma série de questões e assuntos que não foram diretamente
desenvolvidos pela pedagogia, mas tem em comum, o mesmo fio condutor: o ser humano e
todas as suas dimensões que o estruturam. Nesse sentido, podemos realizar muito mais
aproximações do que distanciamentos. No entanto, este desdobramento “exige, como primeira
medida, deixar de lado a ilusão profilática de forma a liberar a aplicação da psicanálise de
toda a tendência técnico-instrumental traiçoeira da ética psicanalítica” (Lajonquière, 2017, p.
252).
Freud, não apenas pensou na possibilidade reducionista (e ilusória) de uma suposta
“pedagogia analítica”, mas finalizou o seu texto de 1913, propondo que “laços” entre outros
saberes e a psicanálise, pudessem ser construídos de modo enriquecedor (e visionário). Em
suma, não se trata de pressupor que Freud, num primeiro momento, iludiu-se com a
possibilidade da institucionalização real (e prática) de uma educação menos repressora. Ao
contrário, suas ideias sugeriam uma espécie de intervenção criativa e ousada na conduta dos

2 Mais sobre o tema pode ser lido no item 3.3 do livro Psicanálise e Educação Escolar: contribuições de Melanie Klein.
Almeida, A. P. São Paulo: Zagodoni, 2018.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 265


adultos em relação às crianças, ou seja, “Freud almejava que os adultos pudessem vir a
endereçar a palavra às crianças em nome de outra coisa que não a moral de seu tempo”
(Lajonquière, 2017, p. 255). Contudo, apesar de ter se colocado contra a pedagogia
hegemônica de sua época, Freud abandonou o tema educacional ao decorrer da evolução de
sua obra. Foi Sándor Ferenczi (1928), conhecido como um analista otimista e sensível, quem
resgatou a proposição de Freud de que o processo analítico poderia ser chamado de uma “pós-
educação” e, foi ainda mais adiante, com uma profecia um tanto quanto idealizada:

Freud chamava à psicanálise uma espécie de pós-educação do indivíduo, mas as coisas


tornaram-se de tal natureza que não tardará muito para que a educação tenha muito mais a
aprender da psicanálise do que o inverso. A psicanálise ensinará aos pedagogos e aos pais a
tratar suas crianças de modo a tornar supérflua qualquer pós-educação. (Ferenczi,
1928a/2011, p. 14)

De acordo com uma matéria publicada em janeiro de 20193, na revista Nova Escola, o
nosso país está entre os 10 mais desiguais do mundo, possuindo quase 12 milhões de
analfabetos e mais da metade dos adultos entre 25 e 64 anos não concluíram o Ensino Médio.
Além disso, temos quase dois milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola e 6,8
milhões de crianças de 0 a 3 anos sem vaga em creches. Esse cenário, no entanto, é o reflexo
de décadas de descaso de uma nação que nunca colocou a Educação entre as prioridades dos
planos políticos e estruturais. Soma-se a esses dados a completa falta de infraestrutura
presente nas instituições públicas escolares: 14,3% das escolas não possui energia elétrica,
esgoto, água e banheiro dentro do prédio e 55,2% não possui biblioteca ou um espaço para
leituras.
Mediante a um contexto educacional que beira os farrapos e o colapso (percebido pela
leitura dos dados acima), não seria o momento de apostarmos numa perspectiva mais
otimista? O que nos faz pensar o quanto a infância da contemporaneidade demanda um
cuidado específico que é pouco ponderado dentro do paradigma educacional. Aliás, as
questões afetivas, quando trabalhadas por um professor que esteja munido deste
conhecimento, consegue ultrapassar obstáculos que, lamentavelmente, ainda estão presentes
em nosso cenário educacional. A escuta de um educador presente; a sensibilidade de se
envolver com a história pessoal do aluno; e, a capacidade de sentir com ele suas próprias
dificuldades, são fatores que podem amenizar o sofrimento imposto ao campo educacional
por meio do descaso do Estado. Ao fecharmos a porta de nossas salas, a relação que se
estabelece entre professor-aluno é um universo potencial para ocorrer transformações. Porém,
isso não é nenhuma novidade4. O que ocorre, é que há tempos essa conduta vem sendo
desvalorizada e esquecida pela imposição de um ensino mecânico que priorize resultados,
apenas, no rendimento quantitativo.
Nesse ponto, vamos de encontro ao pensamento de Sándor Ferenczi. Ao nos dizer que “a
psicanálise ensinará aos pedagogos e aos pais a tratar suas crianças de modo a tornar
supérflua qualquer pós-educação” (Ferenczi, 1928a/2011, p. 14), ele acredita que o estudo da

3 Dados obtidos da matéria intitulada “Os desafios da Educação brasileira em 2019: linhas e cores”, de autoria de
Alessandra Gotti, publicada na revista Nova Escola, em 30 de janeiro de 2019. Acessada pelo link:
https://novaescola.org.br/conteudo/15432/os-desafios-da-educacao-brasileira-em-2019-linhas-e-cores, em 29 de agosto
de 2019.
4 Paulo Freire – que hoje é tão atacado pelo atual governo – já nos dizia isso em suas obras. Ver “Pedagogia do
oprimido”, de 1968 e “Pedagogia da autonomia”, de 1996. Esses livros são apenas alguns exemplos da riqueza teórica
(e prática) deste autor.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 266


teoria psicanalítica tende a possibilitar ao cuidador o desenvolvimento de uma conduta mais
sensível e empática diante do ser humano que está em formação – o infante. Esse autor
inovador (e corajoso) nos permitiu refletir sobre a existência de um manejo psicanalítico
ancorado na empatia e no tato do analista5. Recursos que, por sinal, também são
indispensáveis ao exercício pedagógico. Citamos Ferenczi:

Adquiri a convicção de que se trata, antes de tudo, de uma questão de tato psicológico, de
saber quando e como se comunica alguma coisa ao analisando, quando se pode declarar que
o material fornecido é suficiente para extrair dele certas conclusões; em que forma a
comunicação deve ser, em cada caso, apresentada [...]. O tato é a faculdade de “sentir
com” (Einfühlung). (Ferenczi, 1928b/2011, p. 31, itálicos do autor)

Ao nos depararmos com a obra de Ferenczi, ficamos com a sensação de dúvida e


indignação de como um psicanalista desenvolveu ideias tão revolucionárias, em uma época
onde a ortodoxia da clínica interpretativa imperava. O autor húngaro foi um dos fundadores
da psicanálise, ao lado de Freud, mas ao mesmo tempo, um clínico irreverente e um
pesquisador incansável, contestando tudo que acenasse para uma suposta estagnação. O que
caracterizou, especialmente, o arcabouço ferencziano foi a sua preocupação com a técnica e o
manejo clínico e, diferente de Freud, suas teorias estavam diretamente ligadas à sua atuação
prática, o que lhe conferiu um caráter inquieto, de um psicanalista não preocupado com as
normatizações da psicanálise, mas comprometido com o cuidado de seus pacientes.
Nesse sentido, Ferenczi irá nos apontar a fragilidade (ou narcisismo) do analista que nega
suas inseguranças através da imposição de certezas. Ao questionar a prática clínica ortodoxa,
ele abre espaço para pensarmos a própria dimensão formativa do analista, questionando a
postura inflexível e autoritária exercida por alguns deles. Citamos o autor:

Nada de mais nocivo em análise do que uma atitude de professor ou mesmo de médico
autoritário. Todas as nossas interpretações devem ter mais o caráter de uma proposição do
que de uma asserção indiscutível, e isso não só para não irritar o paciente, mas também
porque podemos efetivamente estar enganados. [...] Do mesmo modo, a confiança em
nossas teorias deve ser apenas uma confiança condicional, pois num dado caso talvez se
trate da famosa exceção à regra, ou mesmo da necessidade de modificar alguma coisa na
teoria em vigor, até então. (Ferenczi, 1928b/2011, p. 36)

Ao questionar a postura rígida e narcísica de alguns analistas, Ferenczi assinala a


necessidade da 2ª regra fundamental da psicanálise, ou seja, quem quiser ser analista, deve ser
ele próprio, muito bem analisado. Será durante a sua própria análise que essa postura
autoritária que camufla a fragilidade e a insegurança do analista, poderá receber outro sentido,
sendo, aos poucos, dissolvida. Ferenczi prioriza, portanto, a capacidade do analista
desenvolver humildade e rever, constantemente, durante a sua prática clínica, os seus
possíveis erros. Deste modo, as fundamentações teóricas e, sobretudo, clínicas da psicanálise
ferencziana e dos princípios de uma educação mais humana se intercruzam indubitavelmente.
Em outras palavras, podemos dizer que a escola é um espaço único que tende a promover os
aspectos cognitivos, emocionais, e psíquicos dos alunos, contemplando os três, de modo

5 Kahtuni & Paraná Sanches, 2009, p. 369, nos indicam: “Empatia é a tendência de o sujeito, no caso, o analista, ser
sensível às comunicações verbais e não-verbais de seu paciente, podendo colocar-se em seu lugar, sem, entretanto, perder
os referenciais próprios (...). A empatia, dessa forma, indica uma habilidade relacional de identificação. Tato, por sua
vez, designa tanto a capacidade de distinguir e escolher o momento justo da intervenção terapêutica adequada do
analista quanto o modo de realizar essa intervenção. O tato se relaciona com o ritmo e o tom da intervenção”.

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efetivo, quando comprometida com a ética do cuidado. Isso significa que a função escolar não
se restringe somente à delimitação de tarefas pedagógicas e de uma rotina tecnicista, pois para
além do que é explicitado, existe um mundo implícito, subjetivo e invisível, repleto de
manifestações emocionais, não verbais, que agem nas entranhas do aluno, podendo levá-lo ao
sucesso ou, lamentavelmente, ao fracasso. Daí a importância da discussão sobre a
participação do inconsciente no processo de produção do conhecimento e das relações sociais
que emergem do universo educacional, o que acaba por justificar, também, a necessidade de
uma constante revisão da conduta docente, dissolvendo a imposição autoritária de certezas
que delimitam direta e indiretamente o espaço disponível para dúvidas e aproximações.
A análise do professor, realizada durante a sua prática docente tende a promover mudanças
em seu próprio interior, tanto ao que tange a seus aspectos pessoais, quanto aos profissionais.
Um educador que revê constantemente a sua conduta, desenvolve a humildade para
reconhecer os seus erros e, por conseguinte, modifica-los. Isso produz um enriquecimento do
próprio sujeito como ser humano e, sobretudo, como um profissional capaz de transformar a
inércia de uma prática engessada.
Iniciamos esta introdução com uma citação do texto “A adaptação da família à criança”
(1928a), uma obra extremamente significativa de Ferenczi que colore o seu amadurecimento
teórico. O psicanalista de Budapeste nos diz que é fundamental entender “a que ponto as
crianças são sensíveis”, ao passo que também afirma a importância do desenvolvimento de
uma infância saudável e emocionalmente equilibrada, distante, na medida do possível, de
qualquer experiência traumática e dolorosa. Isso nos faz pensar que uma conduta abusiva (ou
indiferente) de um professor em nossa infância pode resultar nas mais profundas sombras que
nos obscurecem (e atormentam) em inúmeros momentos de nossa vida adulta. Essa postura
(fria, mecânica e distante), somada a todos os problemas que atravessam o campo educacional
de nosso país, resultaria, muito provavelmente, em um caos total do processo de
desenvolvimento da criança.
Ferenczi, em seu artigo de 1928a, afirma que “o ambiente precisa se adaptar àquele que
chega, acolhendo-o de maneira ativa” (Kupermann, 2017, p. 21). Através deste texto, tão
importante ao arcabouço psicanalítico, percebemos que:

A hospitalidade se apresenta, assim, como o primeiro princípio da ética do cuidado na


psicanálise, de modo a permitir aos pacientes “(...) desfrutar pela primeira vez a
irresponsabilidade da infância, o que equivale a introduzir impulsos de vitalidade positivos
e razões para continuar existindo (Ferenczi, 1959, p. 51)”. (Kupermann, 2017, p. 21)

Ampliamos a discussão, promovendo algumas possíveis reflexões acerca da ética do


cuidado na educação – parafraseando Kupermann. O pensamento inovador de Ferenczi nos
tira de uma posição confortável, produzindo inquietações que, muito embora, sejam difíceis
de aceitar a princípio, libertam o professor das amarras de uma técnica mecanicista e afastada
da dimensão humana. Que possamos, então, desenvolver a capacidade de ter mais empatia às
nossas crianças, “introduzindo impulsos de vitalidade positivos”, ao obter o conhecimento da
necessidade dos cuidados depreendidos nos primórdios da vida, para que as sombras das
mãos não ofusquem o brilho emitido pela luz das velas das experiências iniciais, que são
sustentadoras dos nossos impulsos vitais. Para isso, é necessário que aprendamos a deixar
fluir o brilho de nossos alunos e, assim, permitir que a criatividade se desenvolva, ao respeitar
as linhas que bordejam a essência do seu ser – o que não nos impede também de estendê-las
ou ampliá-las.

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Por que Ferenczi na educação?

É preciso ter tido uma vivência afetiva, ter experimentado na própria carne, para atingir um
grau de certeza que mereça o nome de “convicção”. Assim, o médico que só estudou
psicanálise nos livros, sem ter submetido pessoalmente a uma análise profunda nem
adquirido a experiência prática junto dos pacientes, dificilmente poderá estar convencido da
correção dos resultados da análise. (Ferenczi, 1912/2011, p. 213)

Dando continuidade ao que propusemos anteriormente, a citação de Ferenczi de 1912,


novamente nos atenta à necessidade da empatia. O mais importante dessa afirmação é
priorizar a “vivência afetiva”, “na própria carne”, para que uma experiência possa levar à
convicção e certeza de alguma coisa. Ou seja, uma vivência meramente intelectual não serve
para transformações significativas de quem quer que seja.
A escola atual, preocupada em ocupar os primeiros lugares do pódio correspondente ao
desempenho intelectual dos alunos (obtido, obviamente, por notas e escalas quantitativas),
tem priorizado os aspectos cognitivos e deixado em segundo plano o cuidado com o
desenvolvimento emocional das crianças. Não é raro de ouvir de profissionais da área, que as
escolas que estão em evidência nos rankings são as mais procuradas pelos pais para
matricularem os seus filhos – algumas dessas escolas “famosas” chegam a ter filas de espera.
No entanto, em decorrência dessa cobrança excessiva, os aspectos emocionais são postos de
lado, o que acaba produzindo uma ocorrência bem maior de transtornos psicológicos, como a
ansiedade e depressão, por exemplo. Uma matéria publicada no jornal Folha de São Paulo 6,
em abril de 2018, aponta que as taxas de suicídio de crianças e adolescentes no Brasil têm
aumentado nas últimas décadas. De 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% entre pessoas
com idade de 10 a 14 anos e 45% de 15 a 19 anos – mais do que a alta de 40% na média da
população. Dados que são, no mínimo, preocupantes.
Além disso, é grande o número de sujeitos que chegam às escolas, já muito comprometidos
emocionalmente, pela ação ou omissão de cuidados durante o seu amadurecimento. Aquelas
crianças mais bem-aventuradas, cujo desenvolvimento emocional transcorreu
satisfatoriamente até o momento de ingresso na vida escolar, tornam-se os alunos idealizados
dos professores, pois, provavelmente, irão atender às expectativas acadêmicas e sociais do
ambiente pedagógico, e não criarão tantos problemas para o público, em geral.
Portanto, para falarmos em termos de saúde individual dentro do campo escolar, é
imprescindível discutir a função do próprio ambiente. O “ambiente” é um conceito dinâmico e
vivo que pode ser descrito em termos de movimentos circulares que vão se ampliando ao
longo do desenvolvimento do sujeito. O ambiente é, portanto, essencialmente humano,
mutável e imprevisível. A função do ambiente se cumpre em uma dialética entre oferecer uma
sustentação7 e introduzir gradativamente o princípio de realidade (Gurfinkel, 2016, p. 18).
Ora, esta dupla função que oscila entre cuidado e conhecimento, deve ser considerada durante
todo processo educativo. Alicia Fernández (2001), uma expoente referência da
psicopedagogia nos dirá:

6 Dados obtidos da matéria intitulada “Suicídio de adolescentes avança, e casos recentes mobilizam escolas de SP”, de
autoria de Marina Estarque, publicada no jornal Folha de São Paulo, em 24 de abril de 2018. Acessada pelo link:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/04/suicidio-de-adolescentes-avanca-e-casos-recentes-mobilizam-escolas-
de-sp.shtml, em 29 de agosto de 2019.
7 O que Winnicott chamou de holding.

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Escutamos, muitas vezes, pais e professores dizerem “Tal menino aprende porque é
inteligente”. Perde-se de vista que, se ele está conseguindo aprender, também é graças à
interferência afetiva. Tal como dizia O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos
olhos”. Os aspectos de amor e sustentação, ainda que só sejam visíveis quando se colocam
como obstáculo, são a condição necessária para que qualquer aprendizagem seja possível.
Necessitamos também lhe dar um lugar próprio na teoria. (Fernández, 2011, p. 41)

Sendo assim, ambiente e afeto estão completamente interligados ao processo educativo. Ou


seja, o espaço educacional deve se preocupar com a promoção das capacidades, não só
cognitivas, mas também emocionais dos alunos que nele estão inseridos. Deste modo, torna-
se possível pensar que um meio acolhedor, guiado pela escuta e pela solidariedade, pode
promover mudanças nas estruturas psicológicas do sujeito, garantindo certa estabilidade
emocional, centralizada pela confiança no outro (que virá a se desdobrar, então, numa
autoconfiança). O vínculo professor-aluno, indispensável à construção do saber, ampara-se
pelas condições de empatia oferecidas por uma prática respaldada no cuidado com o outro.
Ao dizer que “é preciso ter tido uma vivência afetiva, ter experimentado na própria carne”,
Ferenczi nos lança questões sobre a própria formação psicanalítica, denunciando algumas
falhas e aberturas que havia nesse processo. “O princípio da empatia foi o que conduziu
Ferenczi a buscar uma atuação clínica mais referida ao ‘coração’ do que à ‘cabeça’, como se
encontra no Diário Clínico (1932)” (Kupermann, 2017, p. 23). O autor denuncia, em seus
escritos, a hipocrisia relacionada à recusa dos próprios afetos por parte do analista, sendo essa
uma das principais causas de resistência dos pacientes ao trabalho elaborativo (Kupermann,
2017). Alguns analistas, por mais surpreendente que isso possa soar, esquecem que, na prática
da psicanálise, o alvo principal deve ser o paciente (e toda a complexidade e fragilidade que o
configura). Aqui, qualquer semelhança entre uma psicanálise que se esquece do paciente
como prioridade, com uma educação que não vê o seu aluno, em sua totalidade, seria mera
coincidência? Acreditamos que não. Diante da atual situação educacional, cremos que ética
do cuidado8, embasada pela empatia e afeto, precisa ser discutida e apresentada ao campo
escolar – em seus mais variados desdobramentos (professores, alunos, família e comunidade).
A formação de professores deve buscar desenvolver a capacidade de estabelecer com as
crianças relações cordiais, acolhedoras, sintonizadas, estimuladoras e balizadoras de limites.
Como o professor repete, na relação com a criança, suas experiências infantis, ele precisa
confrontar-se em um grupo de formação profissional e reconhecer suas próprias emoções,
para poder estabelecer uma relação segura com a criança e construir conhecimentos em clima
de amor e compreensão. A mesma denúncia de Ferenczi se faz útil sobre a educação escolar:
não há como ser professor sem considerar as suas próprias demandas de afeto e sentimentos.
Em seu Diário clínico, Ferenczi nos dirá:

É verdadeiramente impossível [ao analisando] levar a sério seus movimentos internos,


quando me sabe tranquilamente sentado atrás dele, fumando meu cigarro e reagindo no
máximo, indiferente e frio, com a pergunta estereotipada: o que ocorre a esse respeito?
(Ferenczi, 1932, p. 72, colchetes nossos)

Não se pensa aqui na ilusória possibilidade do professor se tornar uma espécie de


psicanalista infantil, totalmente centrado nas condições afetivas e negligenciando os aspectos
cognitivos. Não é disso que estamos falando, afinal de contas, a escola ainda é um espaço

8 Sugerimos como leitura o livro Presença sensível: cuidado e criação na clínica psicanalítica, de autoria de Daniel
Kupermann. Publicado em 2008 pela editora Civilização Brasileira.

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primordial para a aprendizagem. O que propomos, por meio da leitura ferencziana, é uma
visão da situação de ensino redirecionada pela ética do cuidado. A formação dos professores
deve trabalhar certos sentimentos que a atuação profissional lhes desperta, e estimulá-los a
examinar os conflitos surgidos na relação interpessoal com a criança (e também sua família).
É claro que ao falarmos de uma prática guiada pelo cuidado e empatia, estamos nos
referindo à singularidade dos alunos, pois cada sujeito interpreta determinado acontecimento
de acordo com suas vivências prévias. Caminhando nesta via, podemos observar atentamente
o que nos propõe Ferenczi:

De fato, há crianças que apresentam uma constituição tão robusta que suportam da parte de
seus pais as medidas mais absurdas; mas são exceções e observamos amiúde que, mesmo
quando superam essa educação insensata, deixam escapar uma parte da felicidade que a
vida teria podido propiciar-lhes. Isso deveria incitar os pais e educadores a prestar muito
mais atenção às reações da criança para assim saber avaliar as suas dificuldades. (Ferenczi,
1928a/2011, p. 6)

A singularidade é algo que fica em evidência no trecho citado. Ferenczi afirma que cada
criança reage a uma situação ambiental de modo diferente da outra, ou seja, o mesmo fato
pode ser assimilado de maneira divergente, sendo mais ameno para alguns e mais traumático
para outros. Contudo, o tempo destinado à superação do evento traumatizante, assim como a
parte do psiquismo que trabalha em sua ressignificação, poderia ser utilizado para produzir
momentos mais felizes e enriquecedores. Daí a importância atribuída pelo autor à
sensibilidade necessária aos pais e educadores para poderem observar as demandas de atenção
e reações da criança frente aos episódios cotidianos.
Posto isso, entendemos que dentro de uma sala de aula, a postura da mesma professora
pode ser interpretada de modo completamente singular por cada aluno, ou seja, uma bronca,
um castigo uma atitude de desprezo e indiferença, por exemplo, podem simbolizar um
episódio traumático para alguns, e uma situação irrelevante, para outros. O que estamos
tentando demonstrar é que o educador deve manter-se atento aos impactos de sua conduta
sobre os alunos, percebendo que suas atitudes influenciam, diretamente, o campo emocional
de sua turma, movimentando os elos que entrelaçam a situação de aprendizagem.
Porém, sabemos que, perante a nossa realidade educacional, isso não é nada fácil. Ao
ingressar numa escola, o educador se depara com as frustrações e angústias inerentes às suas
expectativas e idealizações. Os professores, acuados em um beco sem saída, responsabilizam
a tudo e a todos pelo insucesso de sua profissão. Apenas alguns pensam a respeito de sua
conduta educacional e refletem diante de suas próprias atitudes pedagógicas. O processo de
autoconhecimento é doloroso e exige certo grau de subjetividade que não se aprende nas
universidades. O que percebemos é que nos últimos tempos, infelizmente, esse jogo de
empurra-empurra tem se agravado ainda mais. É comum vermos pais delegando a função
educativa totalmente à escola, assim como também é frequente ouvirmos as queixas dos
professores “culpando” a instituição, a política, o sistema, a família e principalmente o aluno
pelos altos índices de baixo desempenho escolar que temos presenciado nos dias de hoje.
Ao considerarmos todas essas questões delineadas ao decorrer de nosso texto, o que
podemos, contudo, ponderar a respeito da tarefa educativa guiada pela noção da ética do
cuidado, amparada pelo conceito de tato apresentado no arcabouço ferencziano?
Primeiramente, é preciso que o professor enxergue sentido em seu exercício profissional. É
claro que dentro de um Estado onde a educação é fortemente desvalorizada, essa empreitada

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 271


se torna ainda mais desafiadora. Ser professor dentro do nosso país é ter coragem para
arriscar-se num ofício que exige, sobretudo, vocação – dadas as condições precárias de
trabalho, salários desumanos e doses cavalares de horas extras, dedicadas à elaboração de
aulas, estudo e correções. Acrescentaríamos, aqui, também, que além da vocação, deve haver
certa inclinação por compartilhar conhecimentos – no sentido restrito da frase, pois é do saber
de todos, que muitos professores conhecem tanto, mas compartilham muito pouco.
Apesar de existirem inúmeros problemas na sociedade, na cultura e na instituição em que
trabalhamos, pensamos que é urgente encarar a tarefa de ensinar (e aprender) como uma
missão aliada à ética e à formação do ser humano. São essas atitudes que nos irão separar das
condutas medíocres que se propagam com frequência em nosso meio, colocando o aluno
como um mero coadjuvante de sua própria história.
Em seu artigo “Elasticidade da técnica psicanalítica” (1928b), Ferenczi salienta a sua ideia
a respeito das transformações psíquicas que ocorrem no terapeuta durante as sessões.
Novamente, o nosso autor lembra aos analistas que eles não estavam somente na posição de
escutar o paciente e lhe comunicar uma interpretação, mas deveriam se debruçar
constantemente sobre a dialética subjetiva que envolve não só a relação com o paciente, mas
também consigo próprio. “O conforto se tornou, por assim dizer, um sinal de alerta”
(Pinheiro, 2016, p. 103). Algo “vai mal” no processo terapêutico quando o analista se
acomoda ao procedimento. Essa mesma postura de indagação e autorreflexão pode (e deve)
ser destinada aos professores que exercem há anos a sua profissão. Tomados por um
comodismo automático, as relações subjetivas que percorrem o cotidiano escolar advindas de
uma rica dinâmica interpessoal, passam despercebidas frente a seus olhos. Phillippe Meirieu
propõe alguns apontamentos interessantes a respeito dessa discussão. Citamos o autor:

O pedagogo, por sua vez, ouvindo e respeitando os que fazem suas escolhas, coloca o
problema de outra maneira. Ele está convencido de que a especificidade dos saberes
escolares é justamente que eles devem ser, ao mesmo tempo, ferramentas de integração em
um determinado contexto. [...] É o pedagogo que garante que o grupo não caia na idolatria;
é ele que encarna a busca da verdade e a rejeição a qualquer dogmatismo, duas exigências
que são absolutamente necessárias transmitir aos alunos ao mesmo tempo que os próprios
saberes, no mesmo ato. Assim, a sala de aula torna-se o lugar onde se aprende a
desvencilhar-se do conflito de opiniões, da tentação do “é pegar ou largar”, um lugar onde
se deve justamente discutir, examinar antes de aceitar, pôr em funcionamento sua
inteligência. (Meirieu, 2005, p. 68)

Complementando a citação de Meirieu com o pensamento ferencziano, podemos chegar à


seguinte expressão: nada é mais nocivo para a educação do que um professor autoritário que
não se questiona, não se revê, impõe condutas e, acredita numa educação dogmática,
tradicional e imutável. Num espaço onde não se pode pensar em conjunto, não há como haver
uma aprendizagem transformadora. Ferenczi denuncia o narcisismo da convicção analítica.
Nós, tomando seus pressupostos como referenciais, denunciamos uma educação embasada
pelo autoritarismo e pela convicção cega. A certeza não permite dúvidas (como já dissemos
anteriormente). Não se aprende sem perguntar (nem que as questões sejam para si mesmo). É
este movimento reflexivo que gera o amadurecimento cognitivo e emocional.
A escola é o local onde se pretende compartilhar com as novas gerações todo o acervo
cultural em seu sentido mais amplo. É da generosidade e da empatia que deve nascer a busca
criativa pela metodologia de ensino mais adequada. Essa é a mola propulsora de um trabalho
verdadeiramente educativo.

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Algumas palavras finais

“Ferenczi não é somente um dos pioneiros da psicanálise, ele é, depois de Freud, o


protagonista mais importante dos primórdios de sua história. Junto com Freud, foi um dos
grandes militantes da causa psicanalítica” (Pinheiro, 2016, p. 179). O que orientava a clínica
de Ferenczi era a ética e o compromisso com os seus pacientes. Questionou o lugar do
analista e formulou a hipótese de que o trabalho do analista poderia ser muitas vezes, um
mero instrumento a serviço de suas próprias resistências e dificuldades. Ferenczi criou teorias
sobre a técnica, criticou a si mesmo com veemência, mas nunca desistiu do compromisso de
possibilitar melhoras à saúde mental de seus pacientes. Procurou, até o final de sua vida,
resolver as questões que os impasses clínicos lhe apontavam (Pinheiro, 2016).
Ao ler algumas das ideias que fecundam o pensamento deste grande autor pioneiro da
psicanálise, fomos movidos a pensar como a sua conduta psicanalítica poderia servir de base
para os educadores redirecionarem a sua ação educativa. Perante um sistema que toma como
alicerce mais certezas do que questionamentos; que impõe às crianças verdades absolutas e
não abre espaço para debates ou trocas de ideias, refletir sobre a postura do próprio professor
poderia ser um bom recurso para caminharmos na contramão deste retrocesso educativo.
Ao questionar a psicanálise como um processo que deveria priorizar o paciente, assim
como as demandas de afeto e empatia do analista, Sándor Ferenczi teve de pagar um alto
preço no meio psicanalítico, ficando por muitos anos esquecido, e nem sequer citado por
autores que temiam “vestir a camisa” de sua ousadia. A prática sensível de qualquer
professor, certamente, apontará que dentro de uma escola não é só a dimensão cognitiva que
deve ser considerada, mas também a afetiva, e que o investimento nesse aspecto favoreceria
as relações interpessoais e, portanto, o acesso ao conhecimento.
Em seu texto “Psicanálise e pedagogia” de 1908, Ferenczi dirá de modo bem preciso e
pontual que “a pedagogia cultiva a negação das emoções e das ideias” (Ferenczi, 1908/2011,
p. 40), criticando claramente o sistema repressor e tradicional pertinente ao campo
pedagógico de sua época – o que tanto fez Paulo Freire. Ao final deste mesmo artigo, o autor
ainda afirma que:

(...) o remédio para essa doença da sociedade (a neurose) só pode ser a exploração da
personalidade verdadeira e completa do indivíduo, em particular do laboratório da vida
psíquica inconsciente que hoje deixou de ser totalmente inacessível; e o meio preventivo:
uma pedagogia fundada, isto é, a ser fundada na compreensão e na eficácia, e não em
dogmas. (Ferenczi, 1908/2011, p. 44)

Muitos autores humanistas procuram há décadas, tentar ensinar às pessoas que o “essencial
é invisível aos olhos”, como dizia a Raposa do Pequeno Príncipe9. Entretanto, mesmo depois
de muitos anos de uma teoria que lançou luz sobre um assunto que há muito jazia na
escuridão, poucos, aliás, muito poucos educadores são capazes de sentir empatia pelo aluno (e
captar) este “essencial”. A maioria não alcança esta capacidade, justamente por não ter sido
captada “essencialmente” durante o seu processo de desenvolvimento como ser humano. Isto
é, quem não teve a sua “essência” afetivo-emocional apreendida no decorrer da vida, jamais
conseguirá se colocar no interior do outro. E, aqui, não estamos apenas nos referindo à
formação pessoal do professor, mas, também, ao processo de formação profissional. O curso

9 No original “Le Petit Prince” de Aintoine de Saint-Exupéry.

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de pedagogia, muitas vezes, não abrange, em sua matriz, disciplinas relacionadas às questões
afetivas e emocionais dos próprios alunos – um problema que não caberia ser amplamente
discutido na proposta deste texto.
Uma ação educativa pautada na reflexão, no respeito e na empatia, é o que fundamenta a
teoria ferencziana. Ferenczi pensou num modo de libertar o sujeito da repressão e de permitir
a elaboração de ideias construídas com base na coletividade. Uma crítica realizada no início
dos anos 1900, mas que cabe perfeitamente em nossos dias atuais. A aprendizagem só ocorre
de forma eficaz quando possibilita ao sujeito a expressão e o desenvolvimento de sua
verdadeira personalidade. Qualquer imposição de dogmas nos remete a estados repressivos e
inibidores da criatividade e da originalidade. Nesse aspecto, pensamos que a educação pode
aprender, em muitos sentidos, com as formulações teóricas de Sándor Ferenczi, ao construir
uma conduta de ensino respaldada na empatia, na criatividade e na liberdade de expressão dos
alunos.
Carl Rogers, um grande pesquisador da psicologia humanista, mencionou, certa vez, que
são três os princípios básicos que deveriam reger a relação professor-aluno: consideração
positiva incondicional, empatia e congruência10. Tais princípios, contudo, não podem ser
aplicados como um manual técnico, ou seja, o professor precisa incorporar essas ações em sua
conduta didática, tornando-os próprios, atribuindo seu olhar pessoal sobre eles. Nesse sentido,
a ideia de Ferenczi sobre a análise do analista recai sobre o professor, que deve,
constantemente, analisar a sua própria conduta. Não estamos falando, aqui, de uma análise
pessoal com um psicanalista, pois temos plena ciência das condições de salários e da
qualidade de vida dos professores na atualidade. Estamos falando de um movimento
intrínseco, de descobrir os erros, redimensionar as falhas e, a partir dessa humildade,
transformar a ação educativa em um projeto digno de prosperidade.
Estas considerações nos permitem formular alguns apontamentos, ainda que bastante
gerais, para balizar o trabalho do educador. Cabe ao professor – em extensão aos afazeres
realizados junto aos pais e ao restante da equipe pedagógica – a função de proporcionar a seus
educandos um ambiente humano que dê a sustentação necessária para que os processos de
desenvolvimento possam seguir o seu curso, de forma espontânea e criativa. Para que a
humanidade possa, cada vez mais, caminhar rumo à compensação dos déficits impostos pela
ausência do Estado. Defendemos, por fim, a noção de uma prática educativa que permita ao
educador exercer, sobretudo, a sua capacidade de viver quanto de deixar viver; na qual o
outro possa ser sempre objeto de empatia e de tato – como bem nos disse Ferenczi – estando
disponível para sentir com seus alunos as suas dores, as suas angústias, as incertezas, mas
que, também, os possibilite vibrar e compartilhar cada conquista advinda dessa mutualidade.

Referências

Almeida, A. P. (2018). Psicanálise e educação escolar: contribuições de Melanie Klein. São Paulo,
SP: Zagodoni.
Almeida, L. R. (2009). Consideração Positiva Incondicional no sistema teórico de Carl Rogers. Temas
em Psicologia, 17(1), 177-190. Recuperado de

10 Para quem se interessa sobre o assunto, recomendamos a leitura do artigo Consideração Positiva Incondicional no
sistema teórico de Carl Rogers de autoria de Laurinda Ramalho de Almeida. Publicado na revista “Temas de Psicologia”
N. 1, Vol. 17. Ano 2009. P. 177-190.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 274


http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2009000100015&lng=pt&tlng=pt.
Ferenczi, S. (2011). A adaptação da família à criança. In S. Ferenczi, Psicanálise IV. (A. Cabral, trad.,
pp. 1-15). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928a)
Ferenczi, S. (2011). A elasticidade da técnica psicanalítica. In S. Ferenczi, Psicanálise IV. (A. Cabral,
trad., pp. 29-42). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928b)
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Recebido em maio/2019 – Aceito em agosto/2019.

Estilos da Clínica, 2019, V. 24, nº 2, p. 262-275 275


Violência na escola: reflexões acerca da (re)construção dos laços de autoridade no cotidiano
escolar

Rosana Márcia Rolando Aguiar1


Sandra Francesca Conte de Almeida2

Resumo - Este artigo visa discutir a urgência da (re)construção dos laços de autoridade,
na escola, pela via do reconhecimento da importância da função paterna e do Nome-do-
Pai, na educação e na sociedade. Problematiza, ainda, à luz de alguns pressupostos da
psicanálise, a violência na escola e suas conseqüências no cotidiano escolar, bem como
seus efeitos na sociedade, em geral. As considerações finais serão apresentadas em
torno de algumas iniciativas e ações pedagógicas voltadas para o investimento na
reconstrução dos laços sociais e da autoridade, na escola, como possibilidade de
elaboração psíquica e enfrentamento das violências. A formação clínica de professores,
com dispositivos centrados na análise e reflexão de práticas docentes e ancorada na
tradição e na transmissão cultural de valores morais e éticos e no reconhecimento de
crianças e adolescentes como sujeitos da educação, é considerada essencial na
(re)construção dos laços sociais, no cotidiano das escolas.

Palavras-chave: Escola; violência, professor, autoridade, psicanálise.

A violência pode ser pensada como a expressão subjetiva de um intenso mal-


estar interior, como a exteriorização de pulsões que comparecem de modo violento e
que o sujeito não consegue simbolizar. A palavra é substituída pela passagem a atos
violentos. É a própria radicalidade do desamparo e do mal-estar constitutivos da
condição humana agindo de forma destrutiva, em relação ao sujeito e a seus
semelhantes. Assim, o fenômeno da violência pode ser entendido como um sintoma

1
Psicanalista. Professora da Universidade Católica de Brasília. Mestre em Psicologia e Doutoranda em Educação
pela Universidade Católica de Brasília, sob a orientação da coautora. E-mail: rosanam@ucb.br
2
Psicanalista. Professora dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Psicologia e em Educação da
Universidade Católica de Brasília. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Coordenadora do GT da
ANPEPP Psicanálise, infância e educação. Professora aposentada do Instituto de Psicologia da UnB. E-mail:
sandraf@pos.ucb.br

1
subjetivo, singular, e também social, pois construído e vivenciado nos laços sociais.
Enquanto sintoma, constitui um dispositivo usado pelo sujeito para denunciar um estado
psíquico de sofrimento. Blanchard-Laville (2005) lembra, apropriadamente, que o
sintoma é sempre endereçado ao outro.
Freud escutava as histéricas, queixosas de seu mal-estar, pela via dos sintomas.
Em 1930, anunciou que para o homem conviver na sociedade seria necessário suportar
um quantum de mal-estar, conter a autodestruição e a destruição do outro. Para Freud,
os laços sociais são responsáveis, em grande parte, pelo mal-estar na cultura, já que os
homens possuem inclinação para a agressividade e crueldade. Freud considera as nossas
pulsões destrutivas como responsáveis pelo mal-estar na civilização.
Nesta direção, concorda-se com Marty (2006), que entende que é possível
pensar a violência que se passa no palco social como forma de expressar o que se
produz no palco psíquico.
Já Bettelheim (1979), citado por Costa (2003), adverte que só há violência
quando o sujeito que sofre a ação agressiva percebe no agente da ação um desejo de
destruição. Mas, mesmo assim, é fundamental salientar, conforme Costa, que a
violência é própria do humano, embora não deixe de nos impactar e causar-nos
estranheza.
Birman (2009) enfatiza que a violência é, de fato, uma marca que perpassa a
história humana e está desde sempre presente nas sociedades. Mas, como afirma o autor,
por não ser um dado biológico, existe na própria passagem aos atos violentos a inscrição
de formas de subjetivação particulares de atuação. Sendo assim, a violência não pode
ser vista de forma simplista e sem considerar a complexidade humana.
No processo de subjetivação, ou dito de outra forma, na constituição psíquica do
sujeito, o Outro funciona como aquele a quem é demandado inserir o infans no contexto
social. A presença de um Outro interpela o caminho da constituição subjetiva da criança
e a impele a construir laços sociais. Neste sentido, Bernardino (2006) analisa o
desenvolvimento infantil distanciando-se das idéias organicistas e maturacionistas,
compreendendo-o pela via da psicanálise, ao apontar que as heranças genéticas não são
suficientes para a construção do ser humano, no pleno sentido da palavra. A autora
ressalta que isso só é possível quando um Outro atua nos cuidados do pequeno ser que
acaba de chegar ao mundo. Este pequeno, então, passa a fazer parte de uma rede de
laços sociais, que o constitui psiquicamente, já que o inconsciente não se articula fora
do social, mas, antes, é aí que se inscreve.

2
Assim, a inserção da criança na cultura se dá justamente em virtude de uma lei
simbólica interiorizada, por meio da transmissão do significante que Lacan (1998)
denomina Nome-do-Pai. A função paterna, representante dessa metáfora, pode ser
exercida, simbolicamente, tanto pelo pai real quanto por significantes culturais que
venham a ocupar esse lugar. O Nome-do-Pai tem a função de inserir o infans na cultura,
pela via da linguagem, em um mundo de leis e normas, proporcionando, portanto, a
entrada da criança no laço social e retirando-a da completa dependência de suas pulsões
primitivas ao mesmo tempo em que abre as vias para a operação psíquica de separação
do Outro.
Almeida (1999) e Almeida et al. (2010) entendem que a função paterna poderá
ser exercida simbolicamente, pela via da linguagem, por um outro que não seja o pai.
Chamam a atenção para o fato de que “ao longo do desenvolvimento do sujeito, é
possível que outros significantes e pessoas assumam, simbolicamente, a função paterna.
Deste modo, na busca pelo terceiro, pode surgir, para o adolescente, a figura do
professor ou de alguém próximo como sendo representante da lei paterna. Também o
juiz pode vir a ocupar esse lugar, tendo como função interditar a relação dual e
introduzir a metáfora do Nome-do-Pai” (2010, pp.171-172)3.
Lajonquière (2000) afirma que, nos dias atuais, há uma recusa, na sociedade
moderna, em reconhecer a importância da metáfora paterna na constituição do sujeito e
questiona qual seria, na verdade, a função do pai, na resolução do Édipo. Para o autor, o
pai tem a função de barrar o desejo da mãe e retirar, mãe e filho, da ilusão de
completude narcísica.
Também o professor pode ocupar o lugar simbólico de representante da lei e de
interditor das crianças, na vida escolar, como o de um pai na educação familiar de seus
filhos. Entretanto, na sociedade moderna, este lugar está prejudicado, esvaziado,
desinvestido de autoridade.
Notadamente, na contemporaneidade, o desinvestimento das figuras de
autoridade pode dar lugar a modalidades de violência contra a pessoa. A escola se
insere neste cenário, uma vez que, no seu ambiente, existem atuações agressivas e
violentas contra os professores, alunos e outros membros da comunidade escolar.

3
Para acompanhar as diferentes modificações que a noção de Pai ganhou, no ensinamento de Lacan,
reportar-se ao artigo de A. Zenoni, Versões do Pai na psicanálise lacaniana: o percurso do ensinamento de
Lacan sobre a questão do pai, publicado em 2007, em Psicologia em Revista, v. 13, n. 1, pp. 15-26.

3
Aguiar e Almeida (2008), em pesquisa realizada sobre o sofrimento psíquico de
professores, relatam como a violência escolar pode estar relacionada com o declínio da
função paterna, na modernidade, que se expressa na crise moral, social e familiar e no
desinvestimento do professor de seu lugar de autoridade.
Arendt (2003), referindo-se à inserção da criança no mundo social e na cultura,
afirma que aos adultos é conferida a responsabilidade da educação das crianças e que a
escola participa da responsabilidade de introduzir a criança no mundo. A autora adverte
que, “na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade”
(p.239). Afirma, ainda, que a autoridade do professor se assenta na responsabilidade
assumida como representante do mundo dos adultos.
No entanto, como adverte Arendt (2003), a crise na educação revela que essas
funções e lugares não são bem demarcados e no que concerne à autoridade encontram-
se cada vez mais esvaziados, pois tanto pais como mestres, muitas vezes, se destituem
desse lugar ou dele desistem antes mesmo de assumi-lo. Os efeitos de tal renúncia, na
constituição psíquica do sujeito, podem ser devastadores, uma vez que se soma a isso a
ausência de referências éticas, morais e sociais. Sem referências e proteção, crianças e
adolescentes poderão vir a se organizar psiquicamente de modo não saudável.
Em seu texto, Metapsicologia do sujeito moderno, Fleig (1999) examina os
modos e os princípios organizadores da modernidade e seus efeitos no laço social,
apontando que daí resultam vários impasses, como os sintomas sociais e as dificuldades
subjetivas. Fleig argumenta que o imperativo do sujeito moderno é abandonar as
tradições e entregar-se “ao comando dos objetos”, mas adverte que a constituição
psíquica de todo e qualquer sujeito se dá a partir dos laços que o fundam e daquilo que a
cultura coloca à disposição do sujeito, já que o inconsciente não se articula fora do
campo social. Neste sentido, é preciso refletir acerca das marcas que a cultura
contemporânea tem deixado no sujeito e nos modos pelos quais a sociedade moderna
tem se organizado.
No mesmo texto, Fleig (1999) cita Arendt (1969), que analisa a violência como
uma das faces do sintoma social, fruto do declínio do poder. Para a autora, conforme
Fleig, quanto maior a diminuição do poder legítimo maior a possibilidade de violência,
que ela nomeia “força não legítima”.
Preocupados com os rumos que as novas gerações, a educação e a escola vêm
tomando, governantes de diversos países têm apoiado ações educativas de
enfrentamento da violência, nas escolas. Em maio de 2010, o atual presidente da França,

4
Nicolas Sarkozy, pronunciou um discurso exclusivamente voltado para o preocupante
cenário da escola, em seu país, intitulado “discurso sobre as violências escolares”. Em
certa passagem de seu pronunciamento, destacou que a violência escolar é um problema
de todas as pessoas envolvidas com a escola, embora cada uma tenha um papel definido.
O presidente francês deu ênfase à necessidade da reconstrução da autoridade na
escola como uma das possibilidades de prevenção e combate à violência. Destacou,
também, que o professor é depositário da autoridade a ele conferida pelo seu saber e que
é essencial que o aluno respeite o professor, para com ele aprender. Para Sarkozy, a
ordem (disciplina) tem valor fundamental no cenário escolar. Comprometeu-se, no
discurso, a engendrar estratégias para a reconstrução da ordem e da autoridade na
escola, legitimando a instituição escolar de forma a que o docente seja reconhecido,
novamente, como figura de autoridade. Para o presidente francês, só se ganha essa
batalha se todos se envolverem no mesmo propósito, pois, segundo ele, a violência na
escola se tornou um insulto à sociedade. Nas suas palavras, “não podemos ficar
indiferentes diante deste problema” (Sarkosy, 2010).
O pronunciamento da maior autoridade da França a respeito da violência na
escola anuncia uma atitude de apoio e de suporte à educação escolar, com vistas ao
resgate da autoridade docente e apoio à categoria de professores. Espera-se que essa
posição tenha desdobramentos políticos e éticos e efeitos reais positivos, para além do
que, simbolicamente, ela possa significar.
Debarbieux (2010) compara iniciativas e providências tomadas pelos sistemas
educacionais inglês e francês acerca da violência no âmbito escolar. Aponta que na
Inglaterra a família é convidada a participar das decisões e das ações da escola e da
educação escolar de seus filhos, de um modo geral. E critica duramente o sistema
educacional francês, ao afirmar que, ainda nos dias de hoje, a escola vê as famílias dos
estudantes como suas adversárias.
Entretanto, algumas iniciativas institucionais, no âmbito das escolas francesas,
podem ser citadas, como o de uma escola cuja equipe pedagógica operacionalizou
mudanças significativas na dinâmica das relações interpessoais professores-alunos, no
ambiente escolar, resgatando o sucesso no aprendizado, recompondo os laços sociais e
de autoridade e promovendo o convívio social entre os membros da comunidade, por
meio de medidas relativamente simples. Segundo Feyfant (2010), a equipe de
professores dessa escola organizou, em parceria com representantes dos alunos, novas
normas de regulação de condutas e comportamentos, diminuindo, sensivelmente, os

5
desvios das regras e normas no interior da escola. A autora lembra que o fenômeno da
violência pode ser entendido como não submissão às normas sociais estabelecidas.
Assim, a construção de novas regras, negociadas, partilhadas e acordadas por todos, na
instituição escolar, torna-se absolutamente necessária.
Feyfant (2010) observa, ainda, que o interesse familiar pela escola é fundamental
e enfatiza a necessidade de diálogo, de abertura e de um espaço de interlocução onde
pais e mestres possam conversar a respeito da violência escolar e seus modos de
enfrentamento. A autora também atribui importância às conversações acerca da moral e
dos valores familiares, propõe o resgate dos limites na educação e participação efetiva
dos pais na escola, com vistas a acompanhar de perto o desenvolvimento intelectual de
seus filhos.
Outras iniciativas tomadas por algumas escolas, na França, dizem respeito à
formação continuada de jovens professores, em início de carreira, visando a lhes dar
suporte no exercício de seu métier, sobretudo nas escolas com altos índices de
violência. Nessas instituições escolares, os professores são convocados a participar de
cursos de formação, durante o seu primeiro ano de atuação como docente de ensino
médio. Os jovens professores participam de um programa de acompanhamento e análise
das práticas docentes, de 216 horas de duração, logo após o ingresso na unidade escolar.
Enquanto freqüentam o grupo, seus alunos ficam sob a responsabilidade de professores
substitutos (Guyoyat & Quilleret, 2010). Essa formação em serviço visa dar apoio e
suporte aos professores em início de carreira para que possam expressar suas angústias
e, também, estreitar os laços com a equipe pedagógica. Na maioria das vezes, os jovens
professores se apresentam para o trabalho docente bastante angustiados e inseguros.
Com esse dispositivo, essencialmente um grupo em que a palavra circula, os docentes
ingressantes podem falar de seus sentimentos e angústias em relação à sala de aula e ao
cotidiano escolar.
Contudo, iniciativas de formação continuada focadas no desenvolvimento
pessoal e profissional do professor (Almeida & Paulo, 2009, 2010) não são usuais no
ambiente pedagógico, pois há uma negação, na escola, dos efeitos do inconsciente e do
desejo do sujeito no processo de ensinar e de aprender.
Também Aguiar e Almeida (2008) consideram que “a maioria dos ‘modelos’ de
formação inicial e continuada de professores desconhece ou nega, ainda hoje, as
manifestações psíquicas inconscientes presentes na sala de aula e na escola” (p. 80). Na
mesma direção, as autoras afirmam que o maior desafio de uma nova modalidade de

6
formação continuada de professores, consiste em “privilegiar a subjetividade do
docente, dando-lhe suporte e reconhecimento, criando condições e recursos, pessoais e
profissionais, para que o professor possa modificar o destino do seu sofrimento no
exercício do magistério. A possibilidade de escuta por um profissional qualificado no
percurso de formação e em serviço pode, de alguma forma, contribuir para a
(re)construção da identidade do mestre e para o atravessamento de suas fantasias e
ideais educativos”(p. 84).

(In) concluindo

Para Arendt (2003), o educador se apresenta ao jovem como representante de um


mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade. Esta responsabilidade não é imposta
arbitrariamente aos educadores; ela é implícita, pelo fato de que os jovens são
introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. Arendt afirma que
“qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não
deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação” (p.239).
Na atualidade, no contexto sócio-afetivo de muitas escolas, o sintoma social
dominante se apresenta como a ausência de compromisso com o outro ou rompimento
dos laços sociais, sobretudo com o desinvestimento das figuras de autoridade de suas
funções, ausência de lei e de regras claras de convivência, marcando as relações sociais
e intersubjetivas com o selo de um desejo anônimo, sem filiação simbólica.
Pechberty (2011) fornece pistas às possibilidades de (re)construção dos laços na
escola e aponta que a questão dos conflitos identificatórios são fundamentais na
compreensão e favorecimento da evolução das situações de ensino. Para o autor, esses
conflitos, “motores ou paralisantes, organizam a identidade pessoal e profissional” (p.
67) do professor. Os conflitos identificatórios permitem inferir os desejos inconscientes
e as angústias que interferem na relação educativa, estruturada em torno do aluno, do
professor e do saber. Pechberty enfatiza a distância entre o ideal psíquico do professor e
a realidade atual dos alunos, situação que causa conflitos e mal-estar. Quando as
identificações mútuas não sustentam mais a transmissão e o aprendizado, a perda de
referência invade a situação educativa, afirma o autor. Assim, a crise atual da escola
pode ser entendida como uma resposta à fragilização dos laços culturais e sociais e,
portanto, identificatórios. No contexto escolar, observa o mesmo autor, não é mais
possível ensinar se os laços entre os estudantes e os adultos não forem reconstruídos.

7
Projetos inovadores, tanto intra quanto extraescolares, que fogem à lógica habitual
escolar podem ser construídos, de modo a que sejam redefinidos os espaços de
socialização e retomadas as identificações mútuas entre adultos e adolescentes.
Pechberty faz referência a diversos projetos, não usuais no ambiente da escola, que
permitem reinventar o pedagógico, atravessar a angústia e estabelecer trocas e laços
mais consistentes entre alunos e professores. Dentre os projetos possíveis, ele cita
atividades periescolares, saídas da escola, encontro com artistas, filmes produzidos por
alunos, introdução do lúdico no aprendizado. No que diz respeito aos professores,
enfatiza a importância dos estágios de análise clínica das práticas profissionais,
destinada aos debutantes na profissão, visando à construção da identidade profissional.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que a desconsideração da existência do
outro e de suas ressonâncias psíquicas, o isolamento na sala de aula e o não-
reconhecimento no exercício da prática pedagógica levam a um rompimento das
relações interpessoais e a uma quebra dos laços sociais, no cotidiano do ofício de
ensinar. O fato de não ser reconhecido em sua função de autoridade e representante do
mundo adulto pode ser entendido por muitos docentes como uma violência, de fato,
uma desqualificação pessoal e profissional. No jogo das relações e práticas educativas,
no interior da escola, tanto professores quanto estudantes, ao se sentirem ignorados em
suas demandas psíquicas, reeditam vivências de abandono e desamparo. Quando a
angústia e o mal-estar são muito fortes e sem possibilidade de elaboração simbólica,
corre-se o risco da não-integração de pulsões (seus representantes ideativos e seus
afetos), e o agir e a passagem aos atos violentos podem, então, dominar o ambiente
escolar.
Debarbieux (2010) defende que uma das grandes soluções para os problemas da
escola, na modernidade, é o trabalho em equipe, atividade primordial no contexto
escolar. Segundo o autor, o trabalho em grupo estabiliza o conjunto de docentes e
melhora o funcionamento interno da escola, necessário à transmissão dos saberes, que
não subsiste se a escola não tiver uma estrutura e um funcionamento capazes de garantir
um suporte suficientemente adequado ao exercício do ofício docente.
Com uma visão de cunho mais pedagógico e uma certa idealização do ato
educativo, Clerc (2009) aponta alternativas para que o docente torne seu ofício mais
eficaz e menos penoso, em todos os aspectos. Para o autor, o professor não deve abrir
mão de ter domínio de sua classe, ao mesmo tempo em que deve conquistar a confiança
de seu aluno. Também propõe aos jovens professores, que atuam no ensino de

8
estudantes “difíceis”, alguns dispositivos que ele denomina “Técnicas Pedagógicas”,
cada uma com objetivos precisos, tais como construir e manter o respeito e o rigor com
o objetivo de sustentar a autoridade; trabalhar com atividades teatrais e com dinâmicas
mobilizadoras, para prender a atenção dos estudantes; manejar uma pressão positiva
quanto à disciplina na classe, para que os alunos não percam a noção dos limites, em
sala de aula; proporcionar situações de aproximação entre os alunos, por meio de
trabalhos em equipe; criar condições motivadoras em sala, para que os alunos possam se
manter interessados; fazer a gestão de sua própria energia, para que não sucumba ao
estresse; interessar-se de fato pelos alunos, chamar os pais à escola; manifestar
otimismo no diálogo com os alunos, para que os embates e os confrontos sejam
evitados, respondendo do lugar de adulto e de autoridade e não como uma criança igual
ao seu aluno.
Essas iniciativas, na concepção de Clerc (2009), podem ajudar o professor a
lidar com o cotidiano na escola com menor grau de dificuldade e um pouco mais de
prazer. Visam, também, acolher o jovem professor no início de sua profissão, quando se
confronta com o real da profissão docente.
Com relação à formação docente, sobretudo a formação continuada ou em
serviço, embora não haja solução milagrosa, acreditamos que o suporte dos professores
mais experientes é muito relevante para os jovens professores. Pode-se, inclusive,
planejar e experimentar, na prática, a idéia de tutoria dos mais experientes em relação
aos menos experientes.
Na mesma direção, o dispositivo de análise das práticas, ao facilitar aos
professores o acesso à palavra, escutá-los e acompanhá-los nas situações e experiências
difíceis, de modo a que sua angústia possa ser reconhecida e elaborada, é fundamental.
Esse dispositivo permite troca de experiências, ligadas à história de vida dos sujeitos,
que afetam e são afetadas pelas vivências e dinâmica da profissão, e lhes permite
compreender melhor as ressonâncias subjetivas e profissionais em jogo, na relação
pedagógica, vislumbrando soluções mais criativas e menos repetitivas para os
problemas enfrentados na escola. Almeida (2011) defende essa idéia e assinala a
importância de um adequado manejo dos dispositivos clínicos de orientação
psicanalítica, na formação de professores, atravessados pelo “ethos do cuidado e do
acolhimento” (p. 28). Em sua análise, ressalta que não é possível separar a vida pessoal
da vida profissional do professor, pois ambas são entrelaçadas de modo a determinar o
ser e o fazer na profissão, e chama a atenção para o fato de que “a formação de

9
professores não pode ser centrada apenas nos aspectos técnicos, didáticos, instrumentais
e racionais ligados ao exercício de um saber-fazer profissional” (p.27).
Isto não quer dizer, entretanto, que não se reconheça a importância da inclusão
de temas e problemas atuais que tocam e afetam a sociedade, a família e a escola, no
currículo da formação de professores, tais como o fenômeno das violências, o ensino e o
aprendizado de alunos “difíceis”, as novas configurações familiares, a educação para a
sexualidade, a inclusão escolar de alunos com transtornos de desenvolvimento e/ou com
deficiências, o fenômeno da drogadição, a indisciplina, o sofrimento psíquico de
professores, dentre outros problemas que revelam os impasses da educação, na
atualidade. Contudo, não se pode deixar em segundo plano, no processo de formação, a
premissa essencial da articulação entre o pessoal e o profissional, na função docente,
pois a subjetividade do professor atravessa a sua prática pedagógica e constitui o esteio
que sustenta a relação educativa.
Assim, acreditamos que a (re)construção dos laços de autoridade, no ambiente
escolar, se dará, legítima e eticamente, por meio do reconhecimento e do efetivo
exercício do papel e das funções do adulto na educação das novas gerações, desde o
âmbito privado, no seio familiar, quanto o público, no interior das escolas.
No que toca aos professores, especialmente os que se dedicam ao ensino de
alunos adolescentes, parece-nos essencial que consigam dar testemunho de sua relação
singular com o saber e exercer, por acréscimo, uma função de suplência da autoridade
paterna e de identificação narcísica, essenciais a uma travessia menos traumática e
violenta da adolescência, conforme propõem Almeida et al. (2011), a partir de tese
defendida por Marty (2006). Uma formação continuada, de inspiração psicanalítica,
voltada para a análise clínica das práticas profissionais, trabalha nessa direção: no
avesso da formação teórico-instrumental.

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12
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: um olhar sobre o fenômeno do bullying

Maria Giovanna Machado Xavier23

RESUMO

O artigo discute o fenômeno do bullying, partindo da análise de textos de divulgação


encontrados facilmente na internet. Realiza a discussão buscando na Psicanálise freudiana e
na Psicanálise de Orientação lacaniana, as bases teóricas necessárias para desmistificar o
fenômeno enquanto prática de violência unilateral vivida nas escolas e na sociedade em geral.
O fenômeno é apresentado como um sintoma social contemporâneo, cuja origem encontra-se
no processo de constituição dos sujeitos que praticam o bullying, seja como agressor ou como
receptor da agressividade do outro. Considera que ambos responsáveis pela relação que
constroem, pela via de seus sintomas.

Palavras-chave: Psicanálise. Bullying. Educação. Escola.

154
PSYCHOANALYSIS AND EDUCATION: a look at the phenomenon of bullying

ABSTRACT

The article discusses the phenomenon of the bullying, leaving from the analysis of texts of
spread found easily in the Internet. It carries out the discussion looking in the Freudian
Psychoanalysis and in the Psychoanalysis of Direction lacaniana, the necessary theoretical
bases to demystify the phenomenon while practice of unilateral violence survived in the
schools and in the society in general. The phenomenon is presented like a contemporary
social symptom, which origin is in the process of constitution of the subjects that practice the
bullying, be like an aggressor or like receiver of the aggressiveness of other. It considers that
both persons in charge for the relation whom they build, for the road of his symptoms.

Keywords: Psychoanalysis. Bullying. Education. School.


23
Pedagoga e Mestre em Educação, pela Universidade Federal de Goiás, Doutora em Educação pela
Universidade de São Paulo, coordenadora e professora do Programa de Educação da Universidade Federal do
Oeste do Pará-UFOPA. E-mail: mgmxavier42@gmail.com.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo esclarecer aos leitores quanto ao fenômeno
do bullying, no que tange à sua gênese, tanto do ponto de vista do agressor quanto do ponto de
vista do agredido ou da “vítima”. A Psicanálise Freudiana e lacaniana se põe como ponto de
partida para a análise de discursos a respeito do fenômeno em questão e que se encontram
disponíveis na mídia em geral. O funcionamento psíquico do sujeito precisa ser apreendido,
segundo a teoria freudiana sobre a compulsão à repetição e como modalidade de gozo do
sujeito, na perspectiva da psicanálise lacaniana, para que se possa dar conta dessa discussão
que não pode ser definida unicamente por aspectos internos aos sujeitos, mas sim deste em
suas relações com o contexto sócio-histórico e cultural, no qual os sujeitos se constituem.
Com essa proposta, destaquei, em uma pesquisa realizada pelo Google, dois textos
que estão disponíveis na internet, para qualquer leigo- principalmente os pais, que por
qualquer motivo se queixam às escolas, afirmando que seus filhos estão sendo vítimas de
bullying - que queira saber algo sobre o bullying. Tais textos trazem discursos que são no
mínimo precipitados, em função da superficialidade dos conhecimentos apresentados, tendo
em vista a profundidade do tema.
Para as análises que empreenderemos aqui, foram selecionados dois textos, sendo um 155
24
texto de definição enciclopédica, representado pelo Wikipédia , dicionário encontrado pelo
sistema simples de busca do Google e pelo texto de Orson Camargo, Colaborador da revista
digital Brasil Escola, Graduado em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política
de São Paulo – FESPSP e Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP, intitulado Bullying: não é brincadeira de criança, publicado em um blog
informativo25. O texto também foi publicado pela revista Brasil Escola.
Destes textos de divulgação, depreendemos algumas concepções que não podem ser
confirmadas pelos estudiosos da psicanálise de Freud a Lacan, dois referenciais
importantíssimos para qualquer estudo que se pretenda a propósito dos novos sintomas
contemporâneos. Sendo assim, trataremos destes dois textos de divulgação, à luz dos
principais textos psicanalíticos de Freud e de Lacan, utilizando o crivo dos pressupostos mais
básicos da Psicanálise: a singularidade das manifestações do sujeito e a gênese de todos os

24
WIKIPEDIA. Bullying. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bullying#Terminologia. Acessado em
30/07/2014.
25
http://bullyingnaoebrincadeiradcrianca.blogspot.com.br/2011/04/bullying.html.

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comportamentos violentos, tendo em vista o processo civilizatório empreendido pela
humanidade.
O Bullying será discutido como fenômeno histórico- social que sempre existiu, sob o
nome de violência, mas que se apresenta de formas especificamente construídas no processo
de desenvolvimento da modernidade, cujos efeitos são os novos sintomas contemporâneos.
Assim, penso ser importante iniciar com uma breve exposição acerca do contexto
histórico representado aqui pelo que chamo de contemporaneidade.

A CONTEMPORANEIDADE E SEUS NOVOS SINTOMAS

O tempo atual ou o “nosso tempo” é um tempo histórico diferente de todos os outros,


em função dos avanços científicos e tecnológicos ocorridos nas últimas décadas. É importante
perceber que os avanços tecno-científicos se fazem sentir no bojo de uma reviravolta
silenciosa, empreendida pelo sistema capitalista, no contexto da globalização da economia.
Esse contexto favorece a emergência de novos sintomas sociais. Novos sintomas, não no
sentido de que em outros tempos estes não se dessem, mas sim no sentido de sua significação.
Esses novos sintomas são conhecidos como bulimia, anorexia e os demais transtornos
alimentares, o uso metódico de drogas, os crimes inusitados e a depressão. Tais sintomas 156
sempre existiram, na história da humanidade. Mas sua manifestação na contemporaneidade
adquire uma especificidade que está relacionada justamente com o desenvolvimento científico
e tecnológico e as transformações do tempo (caracterizadas pela pressa e pela criação de
novos mercados de gozo para os sujeitos). Na contemporaneidade há uma massificação dos
padrões de comportamento e de apresentação estética dos sujeitos. Essa massificação se pauta
no discurso politicamente correto do “para todos”, que exclui a possibilidade da manifestação
do singular, que é próprio do sujeito. Esse “para todos” está representado pelos discursos
sociais, que remetem aos mercados de gozo, que o sujeito acessa conforme sua própria
demanda por saúde, educação, alimentação saudável, moradia, objetos da moda, estética,
drogas para se sentirem mais felizes e para afastar o sofrimento e a dor, o medo, enfim, a
angústia.
É neste contexto que discuto o bullying, que assim como o déficit de atenção e a
hiperatividade são causas dos novos sintomas contemporâneos, mas se juntam a eles, trazendo
uma nova configuração das relações sociais e também escolares, tendo em vista se põe como
efeitos de real, provocado pelo simbólico (discursos sociais).

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Para realizar esta discussão, é necessário que se busque primeiramente em Freud e
depois em Lacan, os conceitos que se põem na base do fenômeno do bullying.

FREUD
Freud (2006a) em Além do princípio de prazer, inicia seu texto dizendo:

...não se pode hesitar em supor que o curso tomado pelos eventos mentais está
automaticamente regulado pelo princípio de prazer, ou seja, acreditamos que o curso
desses eventos é invariavelmente colocado em movimento por uma tensão
desagradável e que toma uma direção tal, que seu resultado final coincide com uma
redução dessa tensão, isto é, com uma evitação de desprazer ou uma produção de
prazer. (FREUD, 2006ª: p. 17).

A proposta do texto é descrever os processos mentais e as análises especulativas de


Freud (2006a), a partir de suas observações clínicas. Não questiona o princípio de prazer, uma
vez que as suas impressões são muito evidentes. Mas diz que não se consegue saber por que
esse princípio regula imperativamente o nosso funcionamento mental.
Relacionou o prazer e o desprazer à quantidade de excitação, presente na mente, mas
que não se encontra vinculada. Desse modo, o desprazer corresponde a um aumento na
quantidade de excitação, e o prazer, a uma diminuição. Afirma que não se pode dizer que o
157
princípio de prazer seja dominante nos processos mentais, mas não se pode negar que haja na
mente humana, uma forte tendência nesse sentido, embora esta nem sempre se realize.
Freud (2006a) diz que as circunstâncias que podem impedir o princípio de prazer de
se realizar são várias, dentre elas, as familiares. O princípio de prazer seria próprio de um
método primário de funcionamento psíquico, que se põe como perigoso do ponto de vista da
autopreservação. A influência desses instintos, de autopreservação, adia a satisfação no longo
e indireto caminho para o prazer.
Mas Freud (2006a) vai além, ao dizer que há uma condição que ocorre após graves
concussões mecânicas, desastres e outros acidentes que envolvem risco de vida; essa condição
recebeu o nome de neurose traumática, cujo quadro sintomático aproxima-se do da histeria.
Observa que nas neuroses traumáticas comuns, há o fator da surpresa, o susto como causa. O
susto é o nome que damos ao estado em que alguém fica, quando entra em perigo sem estar
preparado para ele.
A angústia e o medo protegem o sujeito contra o susto e também contra as neuroses
de susto. Utiliza-se do estudo dos sonhos, para investigar esses processos mentais profundos.

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Freud afirma que nas neuroses traumáticas, o sonho repetidamente traz o paciente de volta ao
momento do trauma, numa situação que repete o susto ocorrido no passado. Esclarece que
isso não abala sua crença no teor de realização de desejos dos sonhos, mas leva a uma
reflexão sobre as misteriosas tendências masoquistas do ego.
Freud (2006a) passa a elaborar uma reflexão sobre o comportamento das crianças ao
brincar e examina o funcionamento psíquico a partir das brincadeiras infantis. Cita um caso
que diz ter observado intensamente por algumas semanas. Trata-se do Fort-dá, muito
conhecido das teorias pedagógicas, que andam pela via da psicanálise e também da
psicologia. Ele refere-se, então, à brincadeira inventada e realizada por um menino de um ano
e meio de idade. O menino era muito ligado à mãe, que tinha de alimentá-lo e cuidar dele sem
ajuda. O observador notou que o menino tinha o hábito de jogar objetos para debaixo de sua
cama e ao fazê-lo, emitia um som de “óóóóó”, expressando interesse e satisfação. A mãe da
criança concordou que isso não era apenas uma interjeição, mas representava a palavra alemã
‘fort’.
Freud (2006a) entendeu que aquilo era uma brincadeira de ‘ir embora’, realizada com
os brinquedos. O menino tinha um carretel de madeira com um dele. Segurava o carretel pelo
cordão e arremessava-o para baixo da cama e dizia o longo óóóó. Depois, puxava o carretel
158
para fora da cama novamente, soltava um alegre ‘dá’ (ali). A brincadeira simbolizava o
desaparecimento e o retorno da mãe.
Para Freud (2006a), a criança se relacionava com a renúncia instintual que realizava
ao deixar a mãe ir embora, como compensação, encenava ele próprio o desaparecimento e a
volta da mãe, utilizando-se de objetos que se encontravam ao seu alcance. Explica que, no
início a criança encontrava-se numa situação passiva, era dominada pela experiência; mas na
repetição, assumia papel ativo. Freud refere-se à prática da análise para continuar sua
reflexão, partindo da neurose de transferência, que se instala no trabalho de análise quando o
paciente repete o material reprimido como se fosse uma experiência atual.
Freud (2006a) diz que fenômeno da repetição realizada pela criança ao brincar é a
compulsão à repetição, que surge durante o tratamento psicanalítico dos neuróticos. Para
compreendê-la, é necessário que se que se concorde que as resistências com as quais a análise
tem que lidar não é inconsciente, porque o reprimido não oferece resistência. Ele quer
manifestar-se ao consciente. Assim, a resistência durante o tratamento tem origem no ego, e a

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compulsão à repetição deve ser atribuída ao reprimido inconsciente. A compulsão só pode se
expressar a meio caminho no trabalho de análise, quando a repressão se afrouxa.
Na psicanálise freudiana, a resistência do ego inconsciente busca evitar o desprazer
que seria produzido pela liberação do reprimido. O esforço do psicanalista dirige-se no
sentido de conseguir a tolerância desse desprazer por um apelo ao princípio de realidade. A
maior parte do que é re-experimentado sob a compulsão de repetição, deve causar desprazer
ao ego, pois traz à luz as atividades dos impulsos instintuais reprimidos. Isso, no entanto,
constitui desprazer de uma espécie que já consideramos e que não contradiz o princípio de
prazer; desprazer para um dos sistemas e, simultaneamente, satisfação para outro.
Freud (2006a) refere-se ao Édipo, explicando que a vida sexual infantil tem seu
desenvolvimento condenado pela incompatibilidade com a realidade física do sujeito,
constituindo uma penosa perda do laço afetivo com o genitor do sexo oposto; a crise inicia
com o ciúme, em razão da infidelidade representada pela chegada do irmão mais novo,
agravando-se com a confirmação do desdém, no processo de repressão pela educação. E o faz,
para dizer que é essa situação que os pacientes repetem na transferência. As experiências de
desprazer são repetidas sob a pressão da compulsão à repetição.
Na psicanálise freudiana, as mazelas vividas pelos neuróticos são produzidas por eles
159
mesmos, por intermédio da compulsão à repetição, fazendo com que as experiências
desagradáveis da infância reverberem sobre o princípio de prazer, como nos sonhos que
ocorrem nas neuroses traumáticas e no impulso que leva as crianças a brincar.
Freud (2006a) diz que a realização de desejos é causada por uma alucinação nos
sonhos e sob a dominância do princípio de prazer. Mas os sonhos dos pacientes que sofrem de
neurose traumática conduzem à situação do trauma. Nesse caso, os sonhos estão realizando
outra tarefa anterior ao princípio de prazer: o esforço para dominar retrospectivamente o
estímulo, desenvolvendo a angustia, cuja omissão deu origem ao trauma. Os sonhos de
angustia não são exceção à realização de desejos que os sonhos têm por tarefa, assim como
não o são, os sonhos de castigo, que simplesmente substituem a realização de desejo proibida
pela punição adequada, ou seja, realizam o desejo do sentimento de culpa, que é a reação ao
impulso repudiado. Esses sonhos surgem em obediência à compulsão à repetição, que por sua
vez é apoiada pelo desejo de conjurar o que foi esquecido e reprimido.
Para o psicanalista, os caminhos para a morte são seguidos pelos instintos de
conservação. O organismo deseja morrer do seu próprio modo. Luta contra os perigos que

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poderiam levá-lo rapidamente à morte, por uma espécie de curto-circuito. Estes são os
instintos sexuais, que são conservadores. A hipótese de instintos de autoconservação, tais
como os atribuímos a todos os seres vivos, se opõe à ideia de que a vida instintual, como um
todo, sirva para ocasionar a morte. Vista sob essa luz, a importância teórica dos instintos de
autoconservação, autoafirmação e domínio diminui grandemente. O que nos resta é o fato de
que o organismo deseja morrer apenas do seu próprio modo. Surge, então, a situação
paradoxal de que o organismo vivo caminha para a morte com a mesma determinação com
que se defende dela.
O debate de Freud (2006a) partiu da distinção entre instintos do Ego, equiparados ao
instinto de morte e os instintos sexuais, equiparados ao instinto de vida. Mas concluiu que a
oposição se dá então, entre pulsão de vida e pulsão de morte. Diz ter identificado a presença
de um componente sádico na pulsão sexual. Esse componente, tornando-se independente, sob
a forma de perversão, domina a vida sexual do indivíduo. O sadismo é um instinto de morte,
que sob influência da libido narcisista, foi expulso do ego e só surgiu em relação ao objeto.
As observações clínicas de Freud conduziram a uma concepção de masoquismo, como o
instinto componente complementar ao sadismo, que deve ser encarado como um sadismo que
se voltou para o próprio ego do sujeito.
160
Em “O futuro de uma ilusão”, Freud (2006b) tenta, a princípio, buscar as vantagens
da civilização na riqueza disponível e nos regulamentos para sua distribuição. Mas reconhece
que toda civilização repousa em uma compulsão a trabalhar e em uma renúncia ao instinto.
Discute os conceitos de frustração e privação, sendo a frustração originada no fato de um
instinto não poder se realizar e a privação como originada na proibição. Esclarece que os
neuróticos reagem à frustração com um comportamento antissocial.
Nesse mesmo texto, o autor diz que há privações que afetam a todos e privações que
afetam a grupos, classes ou indivíduos isolados. Explora o flagrante das restrições impostas
somente às classes subprivilegiadas e afirma que é de se esperar que essas classes invejem os
privilégios das favorecidas e façam tudo o que puderem para se liberarem de seu próprio
processo de privação. Onde isso não for possível, uma parcela de descontentamento persistirá
dentro da cultura, podendo ocasionar revoltas.
Segundo Freud (2006b), as pessoas oprimidas vão desenvolvendo uma hostilidade
contra a cultura que existe por causa de seu trabalho, mas de cuja riqueza não pode usufruir;
em decorrência disso, elas não internalizem as proibições culturais. Elas as reconhecem, mas

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têm a intenção de destruir a própria cultura e os seus postulados. Mas, nesse ponto do texto de
Freud (2006b), o conceito de narcisismo é abordado. Explica que o ideal cultural proporciona
a satisfação narcísica, que atua como força bem sucedida contra a hostilidade para com a
cultura. As proibições são calcadas em ideais para a sociedade e todo ideal é narcísico. O uso
de drogas não se põe como um ideal para a civilização. Assim, a prática de se intoxicar, não
tem origem no narcisismo do sujeito.
Freud (2006b) ainda aborda outros tipos de satisfação que são concedidas aos
participantes de uma unidade cultural: a arte, inacessível às massas, mas que oferece
satisfações substitutivas para as mais antigas e mais profundas renúncias culturais,
apaziguando o homem com os sacrifícios da civilização e elevando os sentimentos de
identificação cultural e a religião ou ilusões do homem, o mecanismo mais eficiente contra o
perigo da hostilidade das massas.
Na psicanálise freudiana, os seres humanos desejam ser felizes e assim permanecer.
Há uma expectativa de completude, na fantasia da felicidade. Para Freud (2006b), essa
empresa apresenta um aspecto positivo, que visa a uma ausência de sofrimento e um aspecto
negativo, representado pela experiência de intensos sentimentos de prazer. Em última análise,
todo sofrimento nada mais é do que sensação. Só existe na medida em que o sentimos, e só o
161
sentimos como consequência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado.
Freud (2006b) também inclui o amor como “técnica da arte de viver”, que consiste
em amar e ser amado, uma atitude psíquica considerada natural para o senso comum: o amor
sexual, que proporciona a mais intensa sensação de prazer, mas mostra que o lado fraco desta
técnica é que o ser humano se vê indefeso quando há perda do ser amado. Esclarece que a
felicidade possível é um problema da economia da libido do indivíduo, que não se aplica a
todos, cada um tem de descobrir por si mesmo seu modo específico de ser feliz. Essa sua
constituição psíquica desempenhará papel decisivo, independentemente das circunstâncias
externas. O homem erótico dará mais importância às relações emocionais; o narcisista com
tendência à autossuficiência, busca suas satisfações principais em seus processos mentais
internos, de acordo com a natureza dos seus talentos e a parcela de sublimação irá incidir
sobre seus interesses; o homem de ação testará sempre sua força no mundo externo. O homem
que vê sua busca de felicidade sem resultado, ainda pode encontrar consolo na técnica da
intoxicação crônica ou então se empenhar na tentativa de rebelião psicótica.

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Freud (2006c) cita a culpa como o mecanismo mais utilizado pela civilização para
livrar-se da agressividade ou inibi-la. A culpa se põe como resultado da agressividade
introjetada, que é enviada de volta para o lugar de onde proveio, ou seja, do próprio ego. A
agressividade é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como
superego, e que então, sob a forma de consciência, está pronta para pôr em ação contra o ego
a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a
ele estranhos. E essa tensão entre ego e superego é a culpa, que se expressa como necessidade
de punição. As origens do sentimento de culpa é o medo de uma autoridade externa e depois
passa a ser medo do superego, autoridade interiorizada pelo sujeito. A consciência então é o
resultado da renúncia instintiva (imposta de fora) e exige mais renúncias instintivas.
O relacionamento entre o superego e o ego constitui um retorno deformado pelo
desejo dos relacionamentos reais existentes entre o ego, ainda individido e um objeto externo.
A diferença essencial, porém, é que a severidade original do superego não representa tanto a
severidade que dele (do objeto) que se experimentou ou que se lhe atribui. Representa, no
entanto, a nossa própria agressividade para com ele.

LACAN
162
No terceiro ensino de Lacan, há um “osso duro” no gozo, que não se consegue
atingir. Assim como Freud se referiu ao “umbigo do sonho”, como um desejo inacessível,
Lacan faz referência a algo que é da ordem do real e, portanto do objeto a, que é impossível
de apreender.
Miller (2009) afirma que para Lacan, o sujeito fala para si mesmo e que essa fala
empreendida pelo sujeito é uma fala gozosa, considerada como pulsão. O circuito da fala-
satisfação, da fala-pulsão. Diz que no terceiro ensino de Lacan, o inconsciente, ao contrário
do inconsciente freudiano, que representa o discurso do Outro, se apresenta como o discurso
do Um. Esse discurso faz com que a fala perca sua função de comunicação e passa a ser só o
gozo do Um.
Ressalta que em seu terceiro ensino, Lacan passa a designar o sujeito como falasser
ou ser na fala e segundo Miller, essa designação compreende o sujeito e o inconsciente.
Recorre ao texto de Lacan, para dizer que a fala é inconsciente, porque se fala sozinho, para si
mesmo e se diz sempre a mesma coisa. Contempla o falasser lacaniano como em uma relação
autística consigo mesmo, que se manifesta na alíngua.

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O gozo, cuja repetição se situa no limite desse saber, que é o gozo do Outro, pela
intervenção do significante. Popularmente, instinto traz a ideia de um saber, faz com que a
vida subsista. O princípio do prazer em Freud é essencial ao funcionamento da vida, embora
mantenha a tensão mais baixa, ele relaciona-se com a pulsão de morte.
O que está no inconsciente é o saber ancestral que faz com que a vida se detenha no
sentido do gozo. A relação entre saber e gozo é primitiva. O saber é um tipo privilegiado de
gozo, que é a perda do gozo sexual – a castração.

ANÁLISES DOS TEXTOS INFORMATIVOS ACESSADOS PELA INTERNET

Camargo (2011) diz que o bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”)
que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e
repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos,
causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a
possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual
de forças ou poder.
Ressalto aqui alguns pontos que precisam ser analisados: a falta de motivação
evidente para a agressão; a relação desigual de forças ou poder dentro da relação existente 163
entre o agressor e a pessoa agredida e a falta de possibilidade ou capacidade de se defender da
pessoa agredida. Estes são alguns pontos do texto que precisam ser mais aprofundados para
que se possa ter uma melhor compreensão da intrincada teia de significações contidas no
fenômeno do bullying, o que faremos ao final deste tópico.
O mesmo autor afirma que o fenômeno bullying se divide em duas categorias:
a) bullying direto, que é a forma mais comum entre os agressores masculinos e
b) bullying indireto, sendo essa a forma mais comum entre mulheres e crianças, tendo como
característica o isolamento social da vítima. Em geral, a vítima teme o(a) agressor(a) em razão
das ameaças ou mesmo a concretização da violência, física ou sexual, ou a perda dos meios de
subsistência.
Aqui neste ponto do texto de Camargo (2011), quero ressaltar as várias formas de
violências implicadas no fenômeno, o que mostra que o bullying pode muito facilmente ser
empreendido em qualquer contexto em que uma criança ou adolescente esteja inserido.
Especial e principalmente, porque mais facilmente, por adultos, quais sejam pessoas

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desconhecidas e até mesmo os pais e os mestres, pessoas que estão posicionadas
simbolicamente como autoridades.
O sociólogo justamente propõe o bullying como um problema mundial, que pode
ocorrer em praticamente em qualquer contexto no qual as pessoas interajam, tais como escola,
família, mas pode ocorrer também no local de trabalho, entre pessoas adultas – e podemos
ampliar também o contexto virtual, estendendo o debate para o chamado cyberbullying- e
entre vizinhos. Ele diz também que há uma tendência de as escolas não admitirem a
ocorrência do bullying entre seus alunos, seja por desconhecimento ou por negação. Mas
ressalta que entre crianças e adolescentes, esse tipo de agressão geralmente ocorre em áreas
onde não há presença ou supervisão de pessoas adultas.
O autor em questão diz que as pessoas que testemunham o bullying convivem com a
violência e se silenciam em razão de temerem se tornar as “próximas vítimas” do agressor. No
espaço escolar, quando não ocorre uma efetiva intervenção contra o bullying, o ambiente fica
contaminado e os alunos, sem exceção, são afetados negativamente, experimentando
sentimentos de medo e ansiedade.
Penso que neste ponto do texto, as intervenções da Psicanálise se fazem necessárias
ao debate, tendo em vista que o autor do texto inverte a posição do bullying como sintoma,
164
para uma posição de origem do sintoma. Os textos de divulgação toma o fenômeno como
sendo a origem da violência e não como sintoma social, que assume a forma do bullying.
O texto que analisamos aqui, afirma também, que crianças ou adolescentes que
sofrem bullying podem se tornar adultos com sentimentos negativos e baixa autoestima.
Tendem a adquirir sérios problemas de relacionamento, podendo, inclusive, contrair
comportamento agressivo. Em casos extremos, a vítima poderá tentar ou cometer suicídio.
O termo contrair, muito usado na definição da origem das doenças transmitidas pelo
contato com uma pessoa infectada, ao compartilhar do mesmo ambiente, não deve ser
aplicado aqui, uma vez que comportamentos agressivos não são contraídos por proximidade e
nem identificação pura e simples a figuras significantes agressivas. É necessário, para que
haja identificação ao agressor, que o sujeito se identifique a algo que possibilite a ele a
repetição de outra experiência traumática, conforme Freud nos indicou em Além do princípio
de prazer e Lacan nos indica através do seu terceiro ensino, em sua concepção de gozo, como
sendo justamente o além do prazer, marcado pelo sofrimento, que constitui o mais-de-gozar
particular imposto pelo Outro (simbólico) na contemporaneidade.

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O texto então conclui que o(s) autor(es) das agressões geralmente são pessoas que
têm pouca empatia, pertencentes a famílias desestruturadas, em que o relacionamento afetivo
entre seus membros tende a ser escasso ou precário. Por outro lado, o alvo dos agressores
geralmente são pessoas pouco sociáveis, com baixa capacidade de reação ou de fazer cessar
os atos prejudiciais contra si e possuem forte sentimento de insegurança, o que os impede de
solicitar ajuda. Finalmente apresenta dados brasileiros sobre o bullying, afirmando que uma
pesquisa realizada em 2010 com alunos de escolas públicas e particulares revelou que as
humilhações típicas do bullying são comuns em alunos da 5ª e 6ª séries. As três cidades
brasileiras com maior incidência dessa prática são: Brasília, Belo Horizonte e Curitiba.
O curioso a se constatar, ao contrastarmos essas afirmações relacionadas às
características psicológicas do agressor e do agredido implicam nas duas formas mais básicas
das manifestações da agressão humana: a agressividade contra o outro e a agressividade
contra si mesmo. Esses dois tipos de agressividade estão implicados nas diferentes posições
assumidas pelos sujeitos envolvidos no bullying, inclusive daqueles que não fazem nada,
apenas assistem. A contemplação de atos violentos, bem como de atos sexuais e ou
libidinosos estão implicados na forma de gozo do sujeito.
A conclusão do autor, que identifica os agressores a sujeitos pertencentes a famílias
165
desestruturadas em que o relacionamento afetivo entre seus membros tende a ser escasso ou
precário. Penso que isso é muito pouco para que o sujeito se torne um agressor.
Esse tipo de agressividade, para ser desenvolvida, necessita que haja uma marca, que
para Lacan, o sujeito traz de um momento pré-linguístico, quando algo traumático do ponto
de vista do bebê aconteceu e não pôde ser simbolizado. O sofrimento do trauma tende a ser
repetido, para além do prazer, como gozo para o sujeito e, portanto implicado na pulsão de
morte, marcando o processo destrutivo e autodestrutivo do sujeito.
O dicionário Wikipédia traz em tese, a mesma definição, porém traz mais alguma
contribuição para o debate que pretendo aqui empreender. Ele define o Bullying como um
termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos,
praticados por um ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo executadas dentro
de uma relação desigual de poder.
Em 20% dos casos as pessoas são simultaneamente vítimas e agressoras de bullying,
ou seja, em determinados momentos cometem agressões, porém também são vítimas de

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assédio escolar pela turma. Nas escolas, a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão
adulta e grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida.
No texto da Wikipédia, o bullying é tomado como um tipo de assédio escolar em que
implica no acossamento ou intimidação por alguém que está de alguma forma, em condições
de exercer o seu poder sobre alguém ou sobre um grupo mais fraco. O texto também define o
conceito em três termos específicos: o comportamento é agressivo e negativo; o
comportamento é executado repetidamente; o comportamento ocorre num relacionamento
onde há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Divide o fenômeno em duas
categorias: assédio escolar direto; assédio escolar indireto, também conhecido como agressão
social, como aquela cuja principal característica é o forçamento da vítima ao isolamento
social. Este isolamento é obtido por meio de uma vasta variedade de técnicas, que incluem
espalhar comentários; recusa em se socializar com a vítima; intimidar outras pessoas que
desejam se socializar com a vítima; ridicularizar o modo de vestir ou outros aspectos
socialmente significativos (incluindo a etnia da vítima, religião, incapacidades etc.).
O texto do Wikipédia ainda ressalta ainda, que o assédio escolar não envolve
necessariamente criminalidade ou violência, uma vez que frequentemente funciona por meio
de abuso psicológico ou verbal. Continua dizendo que os agressores ou “valentões” são
166
pessoas comumente hostis, intolerantes e usam a força para resolver seus problemas. Mas põe
em foco a questão das origens da violência praticada pelo sujeito, que “via de regra” também
foi vítimas de violência, maus-tratos, vulnerabilidades genéticas, falência escolar e
experiências traumáticas. Tais experiências podem levar ao bullying e aos comportamentos
autodestrutivos, como consumo de álcool e drogas e o prazer em correr riscos desnecessários.
Neste ponto do texto do Wikipédia há que se ressaltar que todos estes
comportamentos destrutivos, seja contra o outro ou contra si mesmo, podem ter origem tanto
no agressor quanto no agredido, uma vez que ambas as posições são posições destrutivas.
A Wikipédia aponta algumas pesquisas e informa Em um estudo entre alunos autores
de bullying, 51,8% afirmaram que não receberam nenhum tipo de orientação ou advertência
por seus atos. Provavelmente porque 41,6% dos que admitiram ser alvos de bullying relatarem
não ter solicitado ajuda aos colegas, professores ou família.
A afirmação do texto, de que a orientação ou advertências poderiam ter mudado o
rumo do comportamento do sujeito não tem base na perspectiva psicanalítica, segundo a qual
a finalidade última do funcionamento do desejo inconsciente é a realização do prazer, que

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encontra sempre no seu mais além, a implicação do gozo, que pode ser definido como fruição,
ou seja, uma mistura de prazer e dor, realizado a partir da pulsão de morte.
O texto em análise dá exemplo de técnicas de assédio escolar: insultar a vítima;
acusar sistematicamente a vítima de não servir para nada; ataques físicos repetidos contra o
corpo ou propriedade de uma pessoa; interferir com a propriedade pessoal de uma pessoa,
livros ou material escolar, roupas, etc., danificando-os; espalhar rumores negativos sobre a
vítima; depreciar a vítima sem qualquer motivo; fazer com que a vítima faça o que ela não
quer, ameaçando-a para seguir as ordens; colocar a vítima em situação problemática com
alguém (geralmente, uma autoridade), ou conseguir uma ação disciplinar contra a vítima, por
algo que ela não cometeu ou que foi exagerado pelo bully; fazer comentários depreciativos
sobre a família de uma pessoa (particularmente a mãe), sobre o local de moradia de alguém,
aparência pessoal, orientação sexual, religião, etnia, nível de renda, nacionalidade ou qualquer
outra inferioridade depreendida da qual o bully tenha tomado ciência; isolamento social da
vítima; usar as tecnologias de informação para praticar o cyberbullying (criar páginas falsas,
comunidades ou perfis sobre a vítima em sites de relacionamento com publicação de fotos
etc.); chantagem; expressões ameaçadoras; grafitagem depreciativa; usar de sarcasmo
evidente para se passar por amigo (para alguém de fora). Enquanto assegura o controle e a
167
posição em relação à vítima (isto ocorre com frequência logo após o bully avaliar que a
pessoa é uma "vítima perfeita"); fazer que a vítima passe vergonha na frente de várias
pessoas.
A questão que se põe aqui, é que se tomarmos estas técnicas ao pé- da- letra,
veremos que cada um de nós se identificará em diferentes graus, com estas formas de resolver
problemas ou de realizarmos a nossa vontade, à revelia da vontade do outro. O falasser, termo
proposto por Lacan (1985), para designar o sujeito contemporâneo, como ser na fala, ser
falante, aquele que escorre pela linguagem. O bullyng pode ser realizado pelo sujeito que só é
na linguagem, sujeito que escorre pela linguagem e que é causado pelo simbólico, que incide
sobre o real do corpo, como uma inscrição indelével.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o que foi dito a respeito do gozo do sujeito contemporâneo, a partir
da Psicanálise freudiana e lacaniana, o que podemos ensejar à escola é que vincule a criança
ao desejo, desde sempre atrelado ao conhecimento (desejo de aprender); aos professores, que

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escutem seus alunos muito mais do que falam a eles; aos pais, que fortaleçam a criança, do
ponto de vista da segurança e da confiança, para o enfrentamento de suas questões escolares e
relacionais e que fortaleçam também a escola, no sentido de não desautorizá-la, frente às
questões que envolvem os filhos, mas que a tomem como parceira no difícil trabalho de
participar da constituição de sujeitos, na sociedade do excesso e a todos, que busquem o
desenvolvimento da autonomia, a inclusão e a aceitação do sujeito em sua singularidade,
discernindo bem entre o que é violência e o que é agressividade necessária à sustentação e à
preservação da vida, estimulando a última.

Recebido em: Agosto de 2014


Aceito em: Novembro de 2014

REFERÊNCIAS

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445

Uma reflexão acerca da prevenção da violência

ARTIGO ARTICLE
a partir de um estudo sobre a agressividade humana

A reflection about prevention of violence


based on a study on human aggressiveness

Elaine Vasconcelos de Andrade 1


Benilton Bezerra Jr. 2

Abstract The aim of the present article is to offer a Resumo O objetivo deste artigo é oferecer uma fer-
tool to enlighten the comprehension of aggressive ramenta que ilumine a compreensão acerca dos com-
behavior and violent situations often found in edu- portamentos agressivos e das situações violentas co-
cational institutions. The words “violence” and “ag- mumente encontrados na instituição escolar. As pa-
gressiveness” are not used in an unequivocal way, lavras “violência” e “agressividade” não são utiliza-
and the establishment of a map showing this fact das de forma inequívoca e estabelecer uma cartogra-
allows designating places and ways of treatment spe- fia que demonstre tal fato permite a designação de
cific for the phenomena. Following the theoretical lugares e formas de tratamento específicos aos fenô-
model of the psychoanalyst Donald Winnicott, we menos. Seguindo o modelo teórico proposto pelo psi-
will discuss the differences between aggressiveness canalista Donald Winnicott, faremos uma discussão
and violence, illustrating them through the presen- das diferenças entre agressividade e violência, ilus-
tation of a case experienced by our health team in a trando-a com a apresentação de um caso trabalhado
public school in the state of Rio de Janeiro. In face of por nossa equipe de saúde em uma escola pública do
the difficulties found and the questions raised, we estado do Rio de Janeiro. Diante dos questionamen-
sought to show that the denaturalization of violence tos levantados e das dificuldades encontradas, procu-
and the depathologization of aggressiveness offer us ramos mostrar que a desnaturalização da violência e
the possibility to propose actions which are not re- a despatologização da agressividade nos oferecem a
stricted to the control and correction of such mani- possibilidade de propor ações que não se restrinjam
festations, but can be more efficient in preventing ao controle e à correção de tais manifestações, mas
1
Escola de Defesa Civil,
Superintendência
the irruption and reproduction of violent situations que possam ser mais eficientes em prevenir a irrup-
Operacional do Corpo de for con siderin g th e socia l context in wh ich th ey ção e a reprodução de situações violentas, por leva-
Bombeiros Militar do emerge and the subjective experiences involved. rem em conta o contexto social em que emergem e as
Estado do Rio de Janeiro.
Key words Aggressiveness, Violence, Antisocial ten- experiências subjetivas nelas envolvidas.
Rua Oswaldo Aranha 156,
Praça da Bandeira. dency, School, Social context, Psychoanalysis Palavras-chave Agressividade, Violência, Tendên-
20271-330. Rio de Janeiro cia anti-social, Escola, Contexto social, Psicanálise
RJ. helandrade@hotmail.com
2
Instituto de Medicina
Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
446
Andrade EV, Bezerra Jr B

Introdução: o desafio da “violência na escola” que a educação deve ser realizada através de medi-
das dominadoras e autoritárias (o que fazia com
Este artigo é um ensaio baseado em parte do ma- que essas medidas estivessem fortemente presen-
terial produzido pela dissertação de mestrado da tes na rede social em questão). Em nossa prática, a
autora, sob orientação do co-autor1. O tema sur- avaliação sempre levava em conta o sofrimento da
giu de inquietações éticas, teóricas e clínicas pro- criança ou do adolescente em relação à situação.
vindas da prática com expressões de agressividade Diante de tantas reclamações semelhantes e da
e situações de violência, durante quatro anos de impotência muitas vezes sentida ao recebermos es-
trabalho em um Centro Integrado de Educação ses casos, foi percebida uma grande dificuldade de
Pública (CIEP) da Baixada Fluminense. Nesta épo- lidarmos com algo que nos era familiar e estranho
ca, a autora atuava no Programa Saúde na Escola ao mesmo tempo. O levantamento realizado teve
(PSE) do Corpo de Bombeiros Militar do Estado como resultado o estabelecimento de um estudo
do Rio de Janeiro (CBMERJ) com uma equipe mais sistemático de casos exemplares, no qual se
multidisciplinar – composta também por assis- buscou, através de um diálogo entre essa experiên-
tente social, clínico geral, dentista, fonoaudiólogo, cia e os instrumentos teóricos, aprofundar nosso
nutricionista e pediatra – que recebia encaminha- conhecimento sobre as manifestações que envol-
mentos de profissionais de educação e saúde de vem violência na escola, em especial no que diz
outras escolas da redondeza. respeito aos significados da agressividade infanto-
O primeiro atendimento a essa demanda era juvenil.
feito através de um Grupo de Recepção Integrada Dentre os sujeitos que foram atendidos pela
(GRI), dispositivo através do qual eram realizados psicologia durante o período mencionado acima,
a recepção, o acolhimento, a avaliação e, quando três foram escolhidos para ilustrar os questiona-
necessário, o re-encaminhamento (interno ou ex- mentos presentes, tanto em relação aos significa-
terno) dos casos que chegavam por motivos diver- dos dos comportamentos apresentados, quanto
sos. A riqueza desse grupo – com seus encaminha- aos dispositivos recorrentemente utilizados sem
mentos, relatos e prontuários – tornou-o fonte de grande sucesso. O atendimento de todos os casos
estudo e análise, possibilitando constantes reflexões já tinha sido interrompido quando esse estudo foi
sobre formas de escutar e atuar nesses casos tão realizado e as identidades foram devidamente pro-
recorrentes. Com as discussões daí derivadas, pu- tegidas por troca de características-chave. Neste
demos nos questionar sobre as demandas apre- artigo, escolhemos apresentar apenas certos as-
sentadas, sobre os lugares que as crianças e adoles- pectos relevantes de um dos casos – cujas dificul-
centes atendidos ocupavam em suas famílias e es- dades no manejo serviram de incitação e norte à
colas, e sobre formas possíveis de intervenção. pesquisa teórica subseqüente.
Entre julho de 2002 e novembro de 2005, foi
feito um levantamento dos casos que passaram
pelo GRI e pôde-se verificar que a queixa inicial Visões simplistas de um fenômeno complexo
mais recorrente neste período era a de alunos com
comportamento “agressivo” ou “anti-social” (65 Na sociedade contemporânea, a violência tornou-
dos 273 casos atendidos, o que corresponde a 23,8% se tão previsível e constante no cotidiano que deixa-
do total). Alunos que batiam em outros, desafia- mos de vê-la como um evento extraordinário. In-
vam qualquer pessoa que tentasse ocupar o lugar fluenciados por sua presença difusa, progressiva-
de autoridade ou tinham atitudes com o fim de mente temos sido levados a incorporar a violência
chocar quem as presenciasse eram alguns dos que como um elemento inerente à atualidade. A adoção
acabavam sendo desse modo classificados. Apesar dessa perspectiva produz como efeito a redução de
de somente 5,1% dos casos terem chegado ao Gru- nossas expectativas em relação à possibilidade de
po com queixas de violência sofrida pelo aluno, compreender e enfrentar as causas de sua expansão
quase a metade de todos eles estava, de alguma na vida social, restringindo a abordagem do pro-
forma, relacionada com algum tipo de violência blema ao horizonte estreito das políticas de repres-
pelo qual este havia passado ou estava passando. são e controle – política cujos limites e equívocos
Cabe destacar que, mesmo com todas as classifi- vêm sendo repetidamente demonstrados em todo
cações disponíveis na literatura especializada, a o mundo. Dito de outra forma, a percepção da vi-
equipe enfrentava obstáculos ao tentar avaliar se olência como uma vocação natural do ser humano
em determinado caso havia violência ou não, prin- (ampliada nas condições sociais atuais) somente
cipalmente ao discutirmos o caráter intencional dos contribui para a sua banalização e perpetuação, na
atos ocorridos e as crenças e normas culturais de medida em que a toma como um fenômeno incon-
447

Ciência & Saúde Coletiva, 14(2):445-453, 2009


tornável, ligado a propriedades intrínsecas à subje- pessoais. Contudo, comumente confundido com
tividade humana e à vida em sociedade. conceitos freudianos que o tangenciam (como os
Um dos fatores mais importantes na difusão de agressividade, trauma e pulsão de morte), o ter-
desse modo de pensar tem sido a maneira como mo é freqüentemente utilizado de forma imprecisa
os meios de comunicação noticiam e comentam e com alcance e limites teóricos nem sempre bem
fatos violentos do cotidiano. Estimulada pela lógi- definidos, o que resulta em uma visão pouco clara
ca do mercado, a mídia tende a promover uma do problema ao qual se quer fazer referência4.
espetacularização da informação, acentuando e Uma segunda ilustração dos problemas men-
explorando aspectos que atraiam a atenção imedi- cionados acima pode ser encontrada na produção
ata do público, e deixando, em segundo plano, a que se inspira, não nos modelos psicanalíticos do
reflexão acerca das fontes, causas e características sujeito, mas nas teorias cognitivas e comportamen-
da violência, assim como uma análise de suas tais. Bandura, por exemplo, afirma que a família
múltiplas versões e destinos. A violência é ora apre- tem uma importante influência na aquisição de
sentada como acontecimento passageiro e aciden- modelos agressivos pelas crianças, por estas apren-
tal (através de termos como “onda”, “crise” e “sur- derem modelos cognitivos e comportamentais a
to”), ora como elemento integrante da condição partir de reproduções de eventos diários. Esta for-
humana (“a violência do indivíduo” ou “da socie- mulação, por mais que não seja incorreta, cristali-
dade”). Tanto em um caso quanto no outro, po- za uma equação que não dá conta da totalidade
rém, a inexistência de um ponto de vista crítico dos casos em que a violência aparece, nem dos vá-
resulta em um entendimento da violência como rios sentidos que ela pode exibir. Ademais, a des-
fenômeno natural, cujas causas escapam à ação crição de dados objetivos (episódios de violência
coletiva, e cujos efeitos dependerão exclusivamente sofrida, freqüência, características) não elucida
das medidas que a sociedade tome para reprimi-la tudo o que precisamos saber sobre o fenômeno
ou controlá-la2,3. (todos os aspectos fenomenológicos e psicodinâ-
Seria, no entanto, incorreto atribuir apenas aos micos permanecem excluídos), tampouco pode
meios de comunicação a responsabilidade pelos servir de base para a proposição de uma relação de
obstáculos para tornar inteligível a complexidade causa-efeito que o explique5,6. A articulação entre
do fenômeno da violência e, sobretudo, sua ex- agressividade infanto-juvenil e violência domésti-
pansão no cenário social atual. Esse impasse não ca sofrida, para produzir algum efeito heurístico,
se inscreve apenas no imaginário social – sobre o deve ser pensada a partir de um quadro de análise
qual os meios de comunicação certamente têm mais amplo, em que fatores socioculturais e psico-
enorme influência – mas também pode ser perce- lógicos sejam levados em consideração.
bido no tratamento teórico da violência realizado
por grande parte da produção no campo das ciên-
cias sociais ou humanas. As dificuldades de equa- Agressividade e violência:
cionar o problema da violência (relacionar seus a experiência subjetiva e o contexto social
elementos constitutivos, determinantes e efeitos)
aparecem de diferentes maneiras. Entre elas, pode- É necessário insistir em afirmar que o problema da
ríamos mencionar as falhas no estabelecimento de violência não pode ser compreendido a partir da
uma cartografia semântica que defina violência análise isolada de fatos violentos. Em acordo com
(contrastando seu sentido ao de outros termos diversos pensadores atuais da saúde pública, subli-
próximos) e as tentativas de demonstrar relações nhamos que a violência deve ser entendida como
de causa e efeito que dêem conta de explicar por um fenômeno em rede, com múltiplas facetas arti-
que certos indivíduos e grupos são levados a con- culadas entre si. Tornou-se um problema mundial
dutas violentas. de saúde pública ao afetar significativamente a qua-
Para ficarmos apenas na literatura “psi”, tome- lidade de vida da população em um número cres-
mos dois exemplos dessas dificuldades. O primeiro cente de países e exigir estratégias específicas de pre-
diz respeito ao uso feito pela produção psicanalítica venção e enfrentamento. Em quase todo o mundo,
sobre o tema. Embora violência não seja um con- atos violentos têm tido um impacto direto em im-
ceito psicanalítico, o termo freqüentemente com- portantes indicadores de saúde. No Brasil, a situa-
parece em argumentos e teses que tratam da vida ção é bastante grave: desde a década de 1980, aci-
psíquica e social. Não poderia ser diferente, na ver- dentes e violência ocupam o segundo lugar na mor-
dade, pois a violência tem se situado cada vez mais talidade geral da população7-9.
no centro do cenário social e, por conseqüência, Em complemento, destacamos que a presença
impregna cada vez mais o campo das experiências da violência também se espalha no tecido social,
448
Andrade EV, Bezerra Jr B

ultrapassando em muito os limites dos episódios amoroso e da motilidade)11,12. O bebê naturalmen-


policiais ou da criminalidade stricto sensu. Os am- te se move, explora o ambiente ao seu redor. Esses
bientes doméstico, de vizinhança, da vida pública e gestos espontâneos são tentativas de apropriação
da escola são alguns dos espaços sociais nos quais do mundo e só são destrutivos por acaso, uma vez
esta questão vem se tornando cada vez mais cru- que nas primeiras fases da vida psíquica ainda não
cial. É este último que passaremos a enfocar daqui há um “eu” integrado no qual se possa enxergar
por diante. raiva, ódio ou qualquer intencionalidade destruti-
A violência observada no espaço escolar é, tal- va (característica essencial da violência). A agressi-
vez mais do que em qualquer outro ambiente so- vidade presente nesse movimento tem o sentido eti-
cial, um fenômeno que exige uma abordagem sen- mológico da palavra agredere, a saber, ir ou fazer
sível às suas diferentes modalidades e expressões. um gesto na direção de alguém13.
Usualmente, todos os comportamentos agressi- Na ausência do impulso pessoal, o eu terá difi-
vos ou anti-sociais que ocorrem neste universo são culdade de processar a destrutividade que é funda-
categorizados como “violência na escola”. Essa clas- mental para a discriminação eu/não-eu. Explican-
sificação, entretanto, apresenta sérios problemas: do melhor: para que o bebê possa ampliar seu
não desassocia agressividade de violência, além de mundo subjetivo e compartilhar um mundo obje-
desvalorizar a “violência da escola”, tanto a institu- tivamente percebido, ele deve poder tentar destruir
cional quanto aquela que se expressa pela negli- o objeto, que tem que sobreviver a essa destruição,
gência. Além disso, por ser um espaço de convívio mantendo sua atitude. Essa é a base da percepção
diário, a escola se torna um campo em que emer- de um eu que se relaciona a um não-eu que resiste
gem efeitos de relações violentas externas a ela. (portanto, o eu não é onipotente), mas não retalia
Dessa forma, muitas vezes, comportamentos trans- (logo, o eu pode agir, usar sua agressividade). Na
gressores neste ambiente expressam as conseqüên- medida em que permite a separação entre o que é
cias da violência estrutural ou doméstica às quais eu e o que é não-eu, a experiência desse impulso
os “transgressores escolares” estão submetidos10. destrutivo é integradora e condição de possibilida-
A escola, por sua vez, tem a oportunidade e o de de uma construção posterior. Esse inovador
compromisso de compreender o que efetivamente postulado winnicottiano enuncia um valor positi-
se passa em cada momento de emergência desses vo para a agressividade não-instintual e sem raiva,
comportamentos e, com isso, manejá-los de for- pois, se o objeto transmitir a segurança de quem
ma a contribuir para a saúde mental de quem ain- tem sua existência independente da proteção da
da está em formação. Todavia, construir uma ma- criança, o sujeito não avaliará o mundo como algo
neira de atingir esses objetivos exige ferramentas a que deve se submeter, mas como um lugar criado
teóricas capazes de tornar a complexa rede de fe- para se viver14.
nômenos sob esta rubrica inteligível e abordável. A Ainda segundo Winnicott15, a aceitação de res-
teoria do amadurecimento do pediatra e psicana- ponsabilidades, o esforço de contribuição social e o
lista inglês Donald Winnicott vem sendo cada vez interesse ativo pelo outro estão vinculados à capa-
mais utilizada como um instrumento deste tipo. cidade de concernimento (ou preocupação), que,
Sua visão continua nos encaminhando no sentido para ele, constitui uma etapa de integração desen-
da desnaturalização do fenômeno da violência e, volvida a partir da existência de um ambiente que
como acréscimo, da despatologização de muitas sobreviva aos aspectos construtivos e destrutivos
manifestações de agressividade. Esta teoria, junto da espontaneidade do sujeito, e que ofereça a pos-
com a relevância dada ao ambiente no processo de sibilidade de reparação dos eventuais danos cau-
desenvolvimento emocional, nos oferece a opor- sados por estes. Sem essa conquista, não é possível
tunidade de vislumbrar, ao mesmo tempo, o sen- sentir-se responsável pela agressividade contida no
tido negativo da violência e o papel fundamental impulso amoroso. Esta acaba sendo projetada
da agressividade. para fora e se torna uma ameaça, diante da qual o
Para Winnicott, os termos não são sinônimos e sujeito tem que reagir. Daí podemos retirar um
a violência não é uma expressão da agressividade. sentido para a violência: uma reação relacionada à
Ao contrário, ela é o indício de problemas no exer- intenção de destruir e/ou negar a existência do ou-
cício, vitalmente necessário, da agressividade. A vi- tro devido à incapacidade do sujeito de usufruir de
olência é algo a ser tratado. A agressividade, algo a forma criativa de sua agressividade, o que, longe
ser experimentado, é uma das fontes permanentes de ser uma fatalidade, é resultado da ação de um
da vida psíquica (junto com a sexualidade) e tem meio com atitudes invasivas ou não-confiáveis.
duas raízes. A primeira diz respeito a uma fonte de No estudo do que Winnicott denomina ten-
energia inerente ao ser vivo (provinda do instinto dência anti-social16, podemos vislumbrar um bom
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exemplo do que ele considera a outra origem da vez, no contexto atual. Em um clima de desorienta-
agressividade: uma resposta à frustração. Para o ção e ansiedade baseado na decadência da força
autor, os sujeitos que manifestam essa tendência normativa das instituições e no total descrédito no
sofreram uma deprivação, isto é, foram destituí- poder simbólico da lei, vêm-se perdendo – de ma-
dos de algum aspecto essencial de sua vida em fa- neira rápida e difusa – o sentido de responsabilida-
mília, em uma época na qual já tinham alcançado de e pertencimento sociais. A fragilização das insti-
a capacidade de perceber que a causa desse vazio tuições que serviam como referenciais, auxiliando
era uma falha do ambiente. Houve a perda de algo na estruturação do sujeito e na organização da vida
que havia sido positivo na experiência da criança e do cidadão – como o Estado, a família, a escola e o
a ausência deste marco confiável estendeu-se por trabalho –, propicia um estímulo exacerbado a uma
um período maior do que o que ela foi capaz de “autonomia” que padece de solo seguro justamente
mantê-lo vivo em sua lembrança. por se encontrar ancorada na volatilidade, na su-
Em termos de comportamento, a tendência perfluidade e no caráter “líquido” dos valores, rela-
anti-social resulta em duas principais vertentes: ções e referências. O resultado disso é uma sensa-
uma é representada tipicamente pelo roubo; a ou- ção de insegurança nem sempre suportável. Faltam
tra pela destrutividade. Winnicott afirma que o representações de ideais que possam garantir qual-
roubo é o centro da tendência anti-social e a men- quer fruto do que se plantou, oferecendo motivos
tira é seu correlato. Esses sujeitos sempre negam o para se investir no futuro. A saída apresentada aos
que fizeram quando são interrogados, pois têm indivíduos no imaginário social hegemônico é a frui-
dificuldades de reconhecer certas atitudes como ção absoluta e imediata do presente. O imperativo
suas. O que está em jogo na conduta da criança é ter prazer e evitar o sofrimento a todo custo, o
não é exatamente o desejo pelo objeto furtado, mas que acarreta o apagamento de valores como a soli-
por alguma coisa à qual ela acha que tem direito, dariedade para com o outro, e a responsabilidade
como o amor e a atenção da mãe. O furto do ob- para com o futuro. O outro deixa de ser um “pró-
jeto sinaliza, neste caso, uma experiência de frus- ximo” para se apresentar como um “espelho” (vol-
tração do sujeito, que tenta expressá-la e repará-la tado para a preservação da imagem narcísica do
pela apropriação do objeto. eu), um “rival” (que se torna alvo de destrutivida-
Através de comportamentos agressivos, a cri- de) ou um “objeto” (destinado à obtenção de pra-
ança tenta recuperar uma relação de confiabilida- zer e evitação da dor)19-21.
de com o ambiente, “pedindo” para que este cum- Por conseguinte, ao contrário do que poderia
pra seu papel de continência e provisão que foi, em parecer em uma cultura que cultua a liberdade in-
algum momento, interrompido. Esse é um alicerce dividual e o estímulo ao gozo, boa parte do sofri-
indispensável para que se possa desfrutar da liber- mento está relacionada às sensações de impotên-
dade para agir e ser espontâneo. Como nos diz cia e insuficiência. A imagem de um ego pragmáti-
Winnicott, “sem esse domínio firme, uma criança co, feliz e ajustado às aspirações de uma cultura
é incapaz de descobrir o impulso, e só o impulso narcísica acaba por se mostrar uma miragem, mas
que é encontrado e assimilado é passível de autocon- a força com que esses ideais se impõem aos indiví-
trole e soc ialização”17 (grifos nossos). Por isso, a duos é praticamente inescapável e seus efeitos na
possibilidade do retorno da segurança resulta em cena social, quase inevitáveis22. A combinação de
uma redescoberta da própria agressividade e a cri- um imperativo de gozo e de um ambiente que pri-
ança ou o adolescente age testando o ambiente até va os sujeitos da possibilidade de usufruírem de
reaver a crença em sua indestrutibilidade. Apesar sua espontaneidade e de sua capacidade para agir
de provocar sérios incômodos, esses testes fazem tem refletido freqüentemente na prática da violên-
parte do processo de recuperação do sujeito e, cia – fenômeno que termina por desmoralizar ain-
quando são dirigidos a pessoas das quais ele se da mais a força normativa da idéia de lei e de ideais
sente próximo afetivamente, representam um si- sociais, propiciando um ciclo de medo e reação ao
nal de melhora. O alerta de Winnicott é que o peri- medo que hoje em dia tem-se denominado “cultu-
go maior se dá quando a falha do ambiente é ex- ra narcísica da violência”23.
cessiva (com demasiada indiferença ou repressão) Os efeitos dessa trama social contemporânea
e o sujeito não tem no que se apoiar para vislum- ecoam, em alguma medida, pelo mundo inteiro.
brar um futuro melhor. Nesses casos, devemos Porém, pensando mais especificamente sobre suas
temer a violência de quem foi mutilado em sua implicações para crianças e adolescentes das clas-
experiência subjetiva de tal forma que não pode se ses sociais menos favorecidas de nosso país, pode-
sentir responsável por seus atos18. mos verificar que a exclusão à qual estão submeti-
Pensemos nessas questões calcados, mais uma dos – exacerbada pela exposição à oferta de consu-
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mo e pelo discurso sobre igualdade de direitos – do qual o aluno dificilmente conseguia se desvin-
potencializa as problemáticas familiares e a falta cular. Com uma visão mais curiosa e embasada de
de suporte oferecido. Fatores como a má distri- alguns casos, pudemos ampliar nosso modo de
buição de renda, o desemprego e a instabilidade olhar para certos comportamentos difíceis e pro-
profissional, o aumento do narcotráfico, a des- vocativos. Atentos à possibilidade da existência de
crença na justiça, a mitificação de bandidos facili- uma descontinuidade representativa na infância,
tada por parte dos meios de comunicação, entre foi possível identificar alguns dos significados que
outros, são fortes condicionantes para a dificulda- essas atuações podiam ter: mais esperança do que
de de erradicação da violência, pois estruturam e desespero, mais carência do que maldade, mais
alimentam seu círculo vicioso. apelo do que destrutividade.
Neste trabalho, procuramos destacar a impor- Para ilustrar esse ponto, faremos o recorte de
tância de alguns aspectos subjetivos contidos em um caso que, apesar de singular, se apresenta como
boa parte dos aparecimentos da violência na cena um exemplo paradigmático dos impasses encon-
social e que dizem respeito à busca por visibilida- trados. Não é um caso de sucesso, ao contrário. É
de, reconhecimento e pertencimento, condições que um caso em que aprendemos como boas inten-
são cruciais para o sentimento de responsabilida- ções, postas a serviço de entendimentos equivoca-
de – portanto, para a não degradação da agressi- dos, podem nos levar ao fracasso.
vidade em violência – e que vêm sendo negadas à Rafael, 13 anos, aluno da 7a série, chegou ao
maioria da população brasileira. A desvalorização Núcleo de Saúde encaminhado pela diretora da
da vida, bastante observada e temida nos dias de escola, com a queixa principal de se meter em en-
hoje, torna-se mais compreensível quando pensa- crencas pelas mentiras que contava. O adolescente
mos, com Winnicott, que o medo de uma vida expôs que estava morando com o pai e com a
sem sentido é maior que o medo da morte. Mais madrasta há oito meses e que, desde então, não
importante do que permanecer vivo é ter sua exis- havia visto mais sua mãe. De acordo com ele, esta
tência desejada por um outro significativo, sendo havia lhe perguntado se queria morar com seu pai
reconhecido e valorizado enquanto sujeito e cida- e ele havia respondido que sim. Como ela sabia
dão pela família e pela sociedade24. A resposta de que o pai poderia não aceitar a proposta, quando
uma criança envolvida no tráfico quando pergun- este foi pegá-lo para passar um fim-de-semana, a
tada, em um documentário recente de grande di- mãe havia colocado as roupas de Rafael para fora,
fusão, se não tinha medo de morrer exemplifica fingindo não querê-lo mais lá com ela. O proble-
bem nossa reflexão: “Se eu morrer nasce outro que ma é que o pai e a madrasta acreditaram na histó-
nem eu. Ou melhor, ou pior”25. ria e passaram a impedir que Rafael visse a mãe ou
mesmo ligasse para ela.
A história que Rafael contou foi completamen-
Quando o fracasso ensina: te diferente daquela que o pai e a madrasta conta-
análise de uma experiência de intervenção ram quando os chamamos para uma entrevista.
Esta disse que Rafael mentia muito, que estava fur-
Observamos que o entendimento de atos geral- tando alguns objetos e que era agressivo com ela. O
mente descritos como “agressivos”, “rebeldes”, “de- pai, mais compreensivo e interessado no filho, rela-
sonestos” ou “mentirosos” como carregados so- tou dois fatos extremamente importantes. Um é
mente de destrutividade tem levado a medidas de que Rafael é adotado e não sabe. Seus pais adotivos
instrução e repressão. Isso porque, vistas dessa estavam em outro estado quando conheceram um
forma, essas expressões indicam má educação ou casal que não tinha condições de sustentar o filho
doença e sua eliminação deve ocorrer por correção (na época, com dois anos) e resolveram trazê-lo
ou ajuste. É com esse fim que se dão algumas me- para cá. Poucos meses depois, o casal adotante se
didas disciplinares, como ameaças, expulsões de separou. O outro fato é que a cena na porta da casa
sala de aula acompanhadas de broncas públicas da mãe de Rafael havia sido uma expulsão brutal e
ou mesmo a solicitação de que o responsável leve o chocante e que ele não a via nem falava com a mãe
aluno para tratamento médico. Essas intervenções, porque esta não queria (não atendia seus insisten-
porém, não vinham se mostrando eficientes, nem tes telefonemas de jeito nenhum). Isso foi confir-
para a eliminação dos sintomas, nem para a dimi- mado quando tentamos falar com esta mãe que,
nuição do sofrimento. Ao contrário, as experiênci- ao ouvir o nome de Rafael, disse que nada em rela-
as subjetivas eram rapidamente reduzidas aos ró- ção ao adolescente dizia respeito a ela, que ele estava
tulos de “criança doente” e de “adolescente proble- com seu pai e que era para este que devíamos fazer
ma”, que, de tão repetidos, levavam a um estigma qualquer pedido ou reclamação.
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Desde que começamos o trabalho com Rafael, ções seqüenciais. Roubava – de forma compulsi-
ele passou a freqüentar constantemente o Núcleo va, sem saber o porquê – para reclamar o que lhe
de Saúde: fazia contato com os outros profissio- haviam subtraído.
nais que ali trabalhavam, perguntava sempre se Passados alguns meses de nosso convívio, seu
precisávamos de alguma coisa, ia contar algumas pai estava mais presente, sua madrasta mais paci-
novidades (inclusive reclamações) que o envolvi- ente e atenciosa, e nós permanecíamos ao seu lado,
am. A equipe resolveu que o melhor que podería- apesar de suas constantes provocações. No mo-
mos fazer por ele seria chamá-lo para nos ajudar mento em que estava se sentindo mais acolhido,
no trabalho realizado no Núcleo, oferecendo um com mais esperança de recuperar um ambiente
lugar que lhe servisse de referência. Com a autori- confiável e estável, testou – de forma mais direta –
zação da direção da escola e do pai de Rafael, pas- o nosso carinho e a nossa permanência ao seu lado.
samos a fornecer um “estágio” para ele no turno Nós, apesar do que pudemos fazer durante esse
contrário ao que estudava. tempo, não sobrevivemos ao seu teste. Não sou-
Durante esse tempo (uns seis meses), Rafael bemos dar os limites necessários para sua própria
foi acusado de cometer vários atos anti-sociais, organização, mantendo a possibilidade de criação
como furtos, mentiras e uso de cigarro. As confu- e transgressão ao mesmo tempo (pelo menos, não
sões criadas chegaram a abalar nosso “contrato” – até o fim). Não entendemos que esses testes ocor-
sempre muito respaldado pela questão das regras riam devido às suas vivências anteriores e ainda
– por, entre outras coisas, ele nos dizer que o pro- bastante presentes. Enfim, não suportamos a idéia
fessor havia faltado enquanto, na verdade, era ele de que ele poderia não estar grato a nós e toma-
que estava matando aula no Núcleo. Já no final do mos seus atos de forma pessoal e negativa, como
ano (período no qual naturalmente nos afastaría- uma traição.
mos por conta das férias), Rafael pegou, por duas A partir da experiência com alguns casos como
vezes seguidas, dinheiro em bolsas que se encon- esse, nos propusemos também a pensar de que
travam em nossas salas. Ficamos muito abalados forma a escola – que, em seguida e de forma com-
e todos da equipe acharam que tínhamos que dar plementar à família, serve como a maior institui-
um “basta”, que ele não poderia mais ficar ali, pois ção de referência para o início da vida social – pode
havia ultrapassado os limites. No modo como en- funcionar como um ambiente que auxilie o acon-
xergávamos aqueles atos, eles ilustravam a falên- tecimento de um desenvolvimento emocional sau-
cia da função paterna, tão discutida em nossos dável e de uma inserção social ativa. Sabemos que
tempos, e era contra isso que deveríamos agir. o panorama da violência no espaço escolar reflete,
Mantivemos o limite de forma rígida, terminando em grande parte, o que se passa no cenário social,
nosso “contrato” antes do período de férias. O que o que faz com que a solução de seus problemas
foi uma cena angustiante para nós passou sem dependa, em alguma medida, de mudanças que
qualquer expressão de sentimentos de sua parte. vão além da reprogramação do seu próprio meio
Desde este dia, não voltamos a vê-lo. de funcionamento. No entanto, apesar desta e de
Analisando o caso em um momento posterior, outras limitações encontradas, acreditamos que,
já inspirados pelas idéias winnicottianas que havi- se os valores dominantes ganham força porque
am se incorporado ao nosso olhar, pudemos per- permeiam os laços sociais, é justamente na relação
ceber que Rafael, em meio às atitudes violentas de pessoalizada que pode ocorrer a construção de al-
que era personagem ativo, travava uma luta con- ternativas a estes. Desse modo, fica evidente a ne-
tra a violência sofrida por ele, denunciando as su- cessidade de investir nas diferentes formas por
cessivas falhas do ambiente, e nos convocando a meio das quais o espaço escolar pode se re-apro-
identificar os significados de seus atos enquanto priar do meio social ao seu redor, participando da
havia tempo. Na sua vida, a questão dos limites construção do seu cenário e se inserindo tanto como
estava profundamente vinculada à carência de parte dos problemas quanto das soluções26,27.
amor. Sua mãe o havia abandonado, não queria Nesta perspectiva, a função da escola é educar,
saber dele e nem mesmo ser reconhecida enquanto o que tem o significado etimológico de “colocar
tal. Esse abandono radical o fez reviver um outro para fora”, fazer surgir, criando as condições am-
ainda mais primitivo (o dos seus pais biológicos) e bientais para que o sujeito desenvolva, no seu rit-
seus sintomas haviam se exacerbado como uma mo, o seu potencial. Em contraponto, ensinar sig-
estratégia de sobrevivência psíquica. As mentiras nifica “colocar signos para dentro”, ou seja, fazê-lo
contadas pelo adolescente, em especial a que en- reconhecer e acatar o que é dado como correto28.
volvia a saída da casa de sua mãe, eram como um Assim, um ambiente que propicie segurança e li-
remendo imaginário em uma história de priva- berdade e que ofereça oportunidades de expressão,
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contribuição e participação permite que a criança como podiam, suas indagações e solicitações a
usufrua de forma saudável de sua agressividade e quem pudesse ouvi-los. Nesses casos, a agressivi-
desenvolva sua capacidade de concernimento, exer- dade emitia sinais a serem decodificados, que con-
cendo um movimento importante de prevenção tinham esperança e apelo. De outro, existiam situ-
da violência. A importância de profissionais de ações em que já não parecia haver propriamente
educação procurarem saber com o quê e com quem nem questionamento, nem pedido. Esse apelo já
estão lidando também caminha nesse sentido, uma não fora escutado, e a violência destrutiva surgia
vez que, ao acolher e sobreviver a comportamen- como expressão de desistência em relação a si e
tos agressivos, eles podem evitar que a escola re- indiferença em relação ao outro. Essas duas condi-
produza violências ocorridas em outros âmbitos e ções se mostraram distintas e entender suas dife-
que haja uma explosão mais séria, porque mais renças e semelhanças tornou-se indispensável para
desesperada, por parte do aluno. Por outro lado, se estabelecer um modo minimamente eficaz de
uma educação que vise apenas à adaptação do su- lidar com essas questões.
jeito à sociedade através da transmissão de conhe- Diante da perspectiva mais empírica e menos
cimento técnico, não priorizando o discurso e a especulativa de Winnicott, constatamos que pro-
ação, perpetua e reitera a violência. blemas com os quais nos deparamos cotidiana-
A escolha por permitir e conter – em vez de mente são bem mais complexos e multidimensio-
esconder, proibir e ignorar – expressões emocio- nais do que certas leituras “psi” podem fazer pare-
nais de difícil manejo, como as relacionadas à agres- cer e do que querem fazer parecer certos discursos
sividade, acarreta uma dificuldade ainda maior em apressados ou oportunistas que abundam sempre
tempos como os nossos, nos quais a espontaneida- que esses problemas se tornam objeto de atenção
de causa mal-estar. A falta de limites impede a criança especial na mídia. Na acepção proposta, a violên-
e, principalmente, o adolescente de exercitar sua cia pode situar-se no plano físico, psicológico ou
capacidade de se organizar, de ser criativo e de expe- ético, uma vez que está estreitamente relacionada à
rienciar suas atividades instintivas com segurança. intenção de destruir e/ou negar a existência do ou-
Contudo, vale ressaltar que o limite não está relaci- tro. Já a agressividade pode ter um valor positivo,
onado apenas à interdição, mas à consistência, à de movimento, criatividade ou esperança. Porém,
segurança e ao acolhimento. Nesse sentido, medi- a provisão do afeto e de condições ambientais aco-
das disciplinares como expulsões e suspensões nem lhedoras é determinante para o sujeito ser capaz de
sempre se justificam com base na necessidade de exercer sua agressividade de forma não-destrutiva
ordem, podendo freqüentemente ser consideradas e de se responsabilizar por seus atos. Considera-
uma punição autoritária e uma repressão inibido- mos, então, que devemos relacionar a violência
ra, e não uma colocação firme e madura de limites. atual não só ao declínio da função paterna ou a
A humilhação afronta ainda mais o sentimento de uma ausência de medidas de contenção, mas tam-
dignidade pessoal que muitos alunos estão bus- bém à falta de um ambiente suficientemente bom,
cando resgatar com suas atitudes transgressoras. que sobreviva às expressões da agressividade sem
se sentir ameaçado.
Apontar a dimensão e a relevância das experi-
Considerações finais ências subjetivas e do contexto social no qual estas
estão inseridas contribui para que associações sim-
A análise da narrativa de alguns casos que haviam plistas, que acabam por banalizar fenômenos tão
sido acompanhados na escola e a discussão das assustadores e tão presentes na sociedade que es-
intervenções realizadas nestes mostrou claramen- tamos construindo, sejam substituídas por uma
te como o modo de descrevermos a realidade tem análise mais ampla, que possibilite um horizonte
conseqüência para nossas ações. Ao observarmos de ação mais fértil. Pretendemos que este artigo
com mais atenção as diversas manifestações que seja um instrumento a mais para incitar profissio-
envolviam agressividade e violência no espaço es- nais de saúde e educação a trilhar caminhos teóri-
colar, foi possível perceber que, por trás da apa- co-práticos para a construção de estratégias que
rente homogeneidade do problema “da violência”, não se restrinjam ao controle e à correção, mas
existia uma importante discriminação a ser feita. que propiciem o que consideramos, estas sim, for-
De um lado, havia crianças e adolescentes queren- tes armas contra a irrupção e a reprodução de si-
do falar de alguma coisa de sua subjetividade e de tuações violentas – o uso da criatividade do sujeito
suas histórias de vida, endereçando, da maneira e o exercício de poder do cidadão.
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Colaboradores

EV Andrade e B Bezerra Jr. trabalharam na con-


cepção e na redação final do artigo.

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https://doi.org/10.1590/ES.235730 FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

INDISCIPLINA NA ESCOLA:
UMA APROXIMAÇÃO À LUZ DE WILFRED BION

Ana Archangelo1

RESUMO: O termo indisciplina cobre fenômenos bastante diversos nas escolas.


Baseado nas ideias de Bion, este artigo discutirá que a indisciplina se define
como experiências emocionais não toleradas nem processadas, tanto individual
como institucionalmente, as quais estão em busca de processamento mental.
Este trabalho concluirá que cabe ao adulto responsável pelo encaminhamento
das medidas disciplinadoras não a função de correção, mas a de continência das
ansiedades presentes nos episódios relacionados à indisciplina.
Palavras-chave: Indisciplina. Elementos-beta. Função-alfa. Identificação
projetiva. Psicanálise e educação.

INDISCIPLINE AT SCHOOL:
AN APPROACH IN THE LIGHT OF WILFRED BION

ABSTRACT: The term indiscipline covers a variety of quite distinct phenomena


in schools. Based on Bion’s ideas, this article will argue that indiscipline defines
itself as individual and institutional non-tolerated and non-processed emotional
experiences, which are in search of mental processing. This work will conclude
that the role of the adult responsible for taking the disciplinary measures should
not be a corrective function, but, instead, to provide containment for the
anxieties that permeate the episodes associated to the indiscipline in question.
Keywords: Indiscipline. Beta-elements. Alpha-function. Projective identification.
Psychoanalysis and education.

INDISCIPLINA EN LA ESCUELA:
UNA APROXIMACIÓN A LA LUZ DE WILFRED BION

RESUMEN: El término indisciplina barca fenómenos muy diversos en el ámbito


escolar. Basado en las ideas de Bion, este artículo se propone a discutir la
definición de indisciplina como experiencias emocionales que no son toleradas
tampoco procesadas, tanto en el aspecto individual como institucional, y que
están en búsqueda de procesamiento mental. Se concluye que no le cabe al

*O texto é resultado de projeto de pesquisa fomentado pela Fapesp, linha “Melhoria do Ensino” (processo n. 2010/08739-7).
1.Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educação – Departamento de Psicologia Educacional – Campinas (SP),
Brasil. E-mail: ana.archangelo@gmail.com

Educ. Soc., Campinas, v. 41, e235730, 2020 1


Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

adulto responsable por el reenvío de las medidas de disciplina la función


de corrección, sino la de contener las ansiedades presentes en los episodios
relacionados con la indisciplina.
Palabras-clave: Indisciplina. Elementos-beta. Función-alfa. Identificación
proyectiva. Psicoanálisis y educación.

Introdução


reflexão aqui apresentada é síntese de um processo de estudo e análise de uma experiência vivida
em uma escola pública brasileira, de Ensino Fundamental, na qual as ocorrências de indisciplina
passaram a ser pensadas à luz dos conceitos de elementos-beta, função-alfa e elementos-alfa, bem
como dos conceitos de relação continente–contido, de Bion (2004a). Inicialmente pautada pela correção, a
escola tinha alguns padrões de resposta para as ocorrências de indisciplina. Esses consistiam, basicamente,
em: 1) orientação para que o aluno aceitasse as exigências dos professores; 2) convocação dos pais e exigência
do compromisso, da parte deles, para com o bom comportamento de seus filhos na escola; e 3) suspensão.
Essa última, diferentemente do que se possa imaginar, era medida utilizada com frequência, não como
recurso extremo ou exceção. Por essa razão, vários alunos eram sistematicamente obrigados a se ausentar
da escola durante vários dias. Ao contrário do que se esperava, porém, tal punição não coibia novos “atos
indisciplinados” e parecia fazer com que os mesmos alunos voltassem cada vez mais frequentemente à sala
do diretor, tendo cometido novas “infrações”, o que exigia que a direção lançasse mão de suspensões por
períodos cada vez mais longos.
Durante dois anos, alguns professores e um vice-diretor da escola estiveram envolvidos em um
projeto que previa encontros semanais, nos quais eram abordados, entre outros assuntos, episódios escolares
rotineiros, além de serem estudados alguns textos de autores da psicanálise ou de inspiração psicanalítica.
Em virtude das inúmeras queixas de indisciplina na escola, esse passou a ser um tema de preocupação do
grupo e o vice-diretor, mais diretamente implicado com a intervenção sobre as ocorrências de indisciplina,
foi convidado a organizar o registro sistemático de tais ocorrências, para análise longitudinal.
A partir das alarmantes constatações iniciais e do estudo empreendido pelo grupo, a intervenção
da direção da escola nos episódios de indisciplina, gradualmente, deixou de ser balizada apenas pela ideia de
controle e correção do aluno e passou a ser pautada pela escuta e pelo acolhimento do sofrimento presente
nessas situações. A análise de alguns casos exemplares, a diminuição progressiva e sensível das “ocorrências” de
indisciplina e o movimento interno à instituição na busca por meios para atender a algumas das necessidades
de alunos e professores foram apresentados em Archangelo (2014). O presente texto tem o desafio de formular
alguns pressupostos acerca da produção, da circulação e do manejo do fenômeno chamado indisciplina,
à luz das ideias de um autor alheio ao discurso educacional, mas que contribuiu com uma intervenção
propriamente pedagógica na escola aqui citada.

Para Entender por que Bion Pode Ser Útil ao Tema da Indisciplina Escolar

Bion jamais tratou da indisciplina escolar. No entanto, suas ideias sobre a constituição e o
desenvolvimento do psiquismo humano ecoam sobre todas as situações em que pessoas experimentam
o viver com o outro. Para Bion (2004a), qualquer experiência entre o sujeito e o mundo (outro objeto, outra

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Archangelo A

pessoa ou situação) evoca impressões sensoriais que vêm sempre acompanhadas de uma qualidade emocional.
Portanto, todas as nossas experiências carregam um vetor afetivo a ser processado, elaborado ou “digerido”.
Toda experiência que temos com um objeto ou uma pessoa implica impressões sensoriais (p. ex., frio e
quente), que são carregadas de uma resposta emocional, não sensorial (agradável, violenta etc.).
Ao tocar uma xícara de chá quente, percebo não apenas a temperatura, mas registro a agradável
experiência de aquecer a mão fria em um dia de inverno. A mesma xícara de chá quente, porém, pode, pelo
contrário, constituir experiência de violência, caso a alta temperatura chegue a queimar minha mão. Posso,
ainda, ansiar pela experiência agradável que um chocolate quente me traria, sem que ele esteja disponível.
Algo em meu corpo dará sinais de minha capacidade ou incapacidade momentânea de imaginar e verbalizar
meu desejo e/ou minha frustração.
A esse conjunto indissociável entre a impressão sensorial e o vetor emocional da experiência, Bion
(2004a) dá o nome experiência emocional – ou seja, a experiência emocional não é apenas relacionada aos
órgãos sensoriais, mas também à qualidade afetiva que o psiquismo confere a esse contato eu–mundo e ao
que se pode imaginar e criar a partir dele. Em igual medida, podemos dizer que aspectos afetivos de nosso
psiquismo são indissociáveis dessa experiência no nível de nosso corpo.
Ainda segundo o autor, os elementos resultantes da experiência emocional não podem ser
armazenados como memória tampouco se prestam ao pensamento onírico, a menos que sejam processados
mentalmente. Para fazer-se entender, o autor explora a metáfora da digestão, afirmando que nossas
experiências, para serem convertidas em memória ou em algo pensável, antes precisariam de uma “digestão
mental”; ou seja, do processamento ou da “digestão” desses elementos aos quais Bion chamou elementos-beta.
Bion (2004a) afirma que o elemento-beta, tal e qual é produzido na experiência, seria uma “coisa em
si”, que necessita de uma função mental capaz de processá-la. Apenas após esse processamento o elemento-
beta ficaria à disposição do pensamento e do armazenamento. A metáfora da digestão coloca em relevo
justamente esta qualidade: o alimento só serve à nutrição depois que sofre a ação de uma função que o
transforma em algo absorvível pelo organismo. Antes disso, serve somente para ocupar espaço no estômago
ou ser expelido. O mesmo ocorreria com os produtos de nossas experiências: ou são processados por uma
função mental, ou apenas servem à evacuação ou à fragmentação.
Também como no fenômeno da digestão, enquanto houver uma “coisa” indigesta ou indigerível no
estômago, o sujeito é incapaz de usufruir de outro alimento. Todos sabemos que, se algo não nos cai bem, só
conseguimos comer novamente depois de normalizada a digestão, seja mediante reações que permitam que
seja expelida a coisa indigerível, seja mediante medidas externas (p. ex., medicação) que recomponham a
dinâmica digestória. Às vezes, passamos dias ingerindo apenas o mínimo necessário à manutenção de outras
funções corporais, até que a função digestória se estabilize. Enquanto isso, não apenas recusamos grande
parte do alimento que nos é oferecido, como também perdemos parcela do entusiasmo e da vitalidade que
nos caracteriza.
Bion (2004a) diz que, no plano mental, o mesmo ocorre com as impressões sensoriais e as emoções.
A essa função mental que processa/digere os elementos-beta, o autor dá o nome função-alfa, a qual seria,
portanto, responsável por tornar alimento “a coisa” não digerida da experiência, transformando-a em algo
pronto a ser utilizado pela mente, seja em forma de pensamento, seja em forma de memória, sonho etc. Aos
produtos desse processamento, o autor dá o nome elementos-alfa: aqueles que podem vir a ser armazenados
como memória e utilizados nas atividades de pensar e sonhar.
Quando não há função-alfa disponível, os elementos-beta são como o alimento/coisa que intoxica:
são transformados em fragmentos e expulsos, tal como no vômito. Exigem que o corpo não apenas se livre
deles, mas recuse outros alimentos, provocando certa impressão de desinteresse pelo que se passa ao redor.

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Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

Nessa situação, a expulsão da “coisa” indigesta e fragmentada agride o aparelho digestório tanto quanto
a experiência emocional não processada agride o psiquismo do sujeito ou, em outras palavras, provoca
sofrimento psíquico. Ao mesmo tempo, o vômito faz da “coisa” indigesta algo que se espalha sem controle
nem finalidade pelo entorno. Os elementos-beta não processados pela função-alfa fazem o mesmo, ao que
Bion (2004a) chamou identificação projetiva: a expulsão desordenada dos fragmentos não processados ou
não digeridos da experiência emocional do sujeito, os quais se espalham pelo ambiente e atingem a todos,
provocando neles algum impacto.
Segundo Bion (2004a), ao nascer, não temos ainda a função-alfa desenvolvida. Vivemos nossos
estados emocionais na sua forma bruta, o que produz muita ansiedade – em especial ansiedade persecutória
(KLEIN, 1991), cuja característica fundamental é o temor pelo aniquilamento do ego. No entanto, não estamos
sozinhos nessa experiência, mas sim acompanhados sempre de um outro – usualmente, mas não apenas,
a mãe, nos estágios iniciais da vida. Esse outro, em tese, disporia da função-alfa e seria capaz de ajudar no
processamento dos estados emocionais do bebê. Portanto, ao chorar desesperadamente de fome ou dor, o bebê
estaria expulsando de si sua ansiedade (elemento-beta). Ao fazer isso, evocaria no outro que lhe dá suporte
uma resposta. Tendo sorte, a resposta seria justamente o oferecimento daquilo que ao sujeito é necessário
naquele momento: o alimento, um banho morno, o colo, um remédio ou outra providência e, somado a isso,
o conforto de ter sido compreendido em sua necessidade.
Em outras palavras, aquilo que o bebê não sabe o que é, mas que nele provoca sofrimento e
ansiedade, vai sendo expulso pelo choro, pelo movimento de contorcer-se etc., até o ponto de comunicar ao
outro a necessidade que o bebê apresenta naquele momento. Ao mecanismo envolvido nessa ação do bebê,
Bion (2004a) dá o nome identificação projetiva realista. O termo realista significa que essa é uma atividade
necessária à sobrevivência do bebê, uma vez que seria, nessa etapa da vida, um dos únicos recursos psíquicos
disponíveis para ele estabelecer alguma comunicação com o outro, com o mundo. Portanto, essa identificação
projetiva teria um caráter comunicativo, cabendo à mãe estar sensível àquilo que lhe é comunicado, embora
nem sempre isso ocorra.
O que o autor quer dizer é que, ao nascer, o bebê não tem recurso interno suficiente para processar
por conta própria sua ansiedade e seu medo de morrer; para entender de onde eles vêm e a que se referem; e
para compreender como podem ser atenuados. Em outras palavras, quando nascemos, não temos função-alfa
disponível para o processamento de nossas experiências. Voltando à metáfora digestória, podemos dizer que
não dispomos inicialmente de aparelho mental de digestão ou processamento das ansiedades que sentimos
desde o nascimento. Essa função deverá ser desempenhada pelo adulto.
É a mãe (ou outro cuidador) que traduz e discrimina o choro de sono, de fome ou de dor e oferece
a resposta adequada; que faz com que o choro cesse e a ansiedade seja atenuada. Quando isso ocorre, o bebê
pode retomar o contato consigo mesmo e com as experiências que teve, bem como entrar em contato com a
capacidade de compreensão ofertada pela mãe. Ao intuir e identificar a razão do choro, a mãe está processando
os elementos da experiência do bebê até esses se tornarem a informação necessária para que ela saiba o que
fazer para ajudá-lo. Repetidas experiências como essas fazem com que, progressivamente, o bebê passe a
aceitar a fome e a dor como algo que se pode tolerar e, ainda, sobre o que se pode pensar.
O que Bion (1994) está dizendo é que, inicialmente, a digestão da experiência emocional é feita pela
mãe (ou quem a substitua), no lugar do bebê, tornando a ansiedade tolerável para ele. Ao viver essa mudança,
o bebê não apenas tomaria para si sua própria experiência, agora tolerável, mas também a capacidade desse
outro de processar o sofrimento. Em suma, a função-alfa, que permite ao sujeito processar suas experiências
emocionais tornando-as toleráveis e “pensáveis”, nasceria do contato do bebê com o outro, com a capacidade
da qual o outro fez uso no processamento da ansiedade do bebê.

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Archangelo A

Segundo Bion (1994), tornamo-nos tanto mais capazes de processar e digerir nossas experiências
quanto mais oportunidade tenhamos tido de estar em companhia de pessoas que nos tenham ofertado a
sua própria capacidade no momento em que precisávamos. Se tudo correr bem, aos poucos abriremos mão
da identificação projetiva, já que nos tornaremos capazes de tolerar nossas experiências e as frustrações
decorrentes delas. Sendo capazes de tolerar a frustração que advém da experiência, suportamos ser
atravessados pela ansiedade e acolhemos mentalmente os elementos que precisam ser processados, digeridos
e pensados. É dessa capacidade de processar que nasce a capacidade de pensar. Os pensamentos sobre nossas
experiências são, na origem, esses elementos-beta acolhidos pela função-alfa; tornam-se pensamentos quando
já processados. Como afirma Bion (1994), somente os elementos-alfa (elementos da experiência que foram
tolerados pela mente e processados pela função-alfa) são passíveis de serem pensados. Portanto, ao longo
do desenvolvimento, substituímos, progressivamente, a identificação projetiva realista pela função-alfa.
Em vez de expulsarmos os elementos frustrantes da experiência, acolhemos a necessidade de pensá-los.1
Contudo, todos sabemos que isso não ocorre sempre: nem no mesmo nível nas diferentes esferas de nossa
existência, nem igualmente com todos os sujeitos. Alguns são privados do suporte que o adulto deve dar nesse
processo inicial da vida; outros vivem repetidas experiências de profundo sofrimento (p. ex., em situações de
desamparo, injustiça, discriminação e preconceito, exclusão social etc.), sem tempo nem suporte ambiental
suficientes para o processamento delas; outros ainda vivem experiências traumáticas, que tornam tanto o
montante de sofrimento por demais intenso quanto a área da mente tomada pela ansiedade por demais extensa
– contaminando e danificando os recursos mentais que até então estavam disponíveis para o acolhimento
e o processamento dessas experiências. Nessas circunstâncias, o que fazer com esses estados emocionais,
quando a função-alfa não se desenvolveu suficientemente ou foi prejudicada por algum acontecimento
da vida?
Segundo Bion (2004a), permaneceríamos fazendo uso da identificação projetiva. Nesse caso, ela já
não seria predominantemente realista ou uma forma de comunicar o estado de sofrimento ao outro, mas sim
de fugir “da verdade da experiência”; ou seja, um modo de o sujeito evadir-se do sofrimento, na esperança de
controlá-lo. A expulsão dos estados emocionais brutos teria o caráter preponderante de fuga da frustração e
da ansiedade decorrentes da experiência, pelo que tenderia a ser uma expulsão violenta e desordenada dos
elementos-beta. Esses seriam, mediante um pensamento onipotente (BION, 1994), depositados no interior do
psiquismo do outro, de modo que não fossem reconhecidos como sofrimento próprio. Ou seja, se a função-
alfa é aquela que nos permite digerir o próprio sofrimento e torná-lo algo tolerável e “pensável” como parte
de nós mesmos, a ausência ou a insuficiência momentânea dessa função nos obrigaria à atitude de “fazer
picadinho” dessa experiência e “evacuá-la”, até o ponto de torná-la irreconhecível, como se não fosse nossa.
Os efeitos da ausência de função-alfa são vários, sendo talvez o mais evidente a violência com que o
sujeito expele partes de suas experiências e repele aquilo que lhe é oferecido, assim como o estômago tomado
pela comida estragada expele-a e repele outras tentativas de alimentação. Outro efeito seria certa perda de
interesse por algumas novas experiências – ou um interesse inicial que se mostra repulsivo logo adiante. Por
fim, o efeito de longo prazo, caso perdure a ausência de função-alfa, é o distanciamento do sujeito em relação
à sua própria experiência de ser, já que, em vez de se permitir ser atravessado por ela e de se constituir a
partir dela, o sujeito se empenharia em livrar-se dela, contaminando todo o ambiente com esse sofrimento,
cuja origem o sujeito não reconhece. Todos são acometidos pelo que é expulso, mas ninguém sabe de onde
aquilo vem, pois, como a experiência foi fragmentada, ficaria “irreconhecível”.
Quando, numa organização, o espaço para o pensamento sobre sentimentos dolorosos e ansiedades
não existe ou é recusado, esses se tornam provavelmente tóxicos e disruptivos em seus efeitos, materializados
em doença e conflito entre as pessoas. Portanto, para pensarmos a indisciplina à luz dos conceitos de Bion,

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Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

é necessário problematizarmos a natureza dos chamados atos indisciplinados, sua origem e seu sentido, em
termos institucionais, para, somente então, pensarmos nas possibilidades de manejo desse problema.

A Indisciplina da Escola Pensada à Luz dos Pressupostos Bionianos


Considerando-se o anteriormente exposto, podemos refletir sobre a indisciplina a partir dos
seguintes pressupostos.

Primeiro pressuposto

A indisciplina se refere à manifestação, em atos, palavras ou recusas, de elementos-beta produzidos


na experiência, sem uma função-alfa correspondente capaz de processá-los.
A situação mais comumente lembrada para ilustrar esse pressuposto é a de alunos cuja experiência
doméstica ou social seja de negligência ou violência. Tais alunos tendem a chegar à escola tomados por uma
ansiedade intolerável (elementos-beta) e momentaneamente sem condições (função-alfa) de processar tal
sofrimento. Nesse cenário, podem não apenas se recusar a realizar as atividades escolares, como também
reagir desproporcionalmente aos apelos do professor para que as realizem.
Todavia, frustrações e ausência de suporte para processá-las não são exclusividade dos ambientes
extraescolares. Muito pelo contrário: originam-se e se perpetuam, em muitos casos, no interior da própria
escola. São muitos os alunos, por exemplo, que, diante de alguma dificuldade de aprendizagem, encontram,
por parte da instituição e de seus membros, apenas indiferença ou críticas ao seu baixo rendimento.
Não são poucas as escolas que imaginam a relação de ensino–aprendizagem como unilateral: se a
escola ensina, então, consequentemente, o aluno deve aprender. Não há espaço para autocrítica, revisão de
rumos e compartilhamento de dúvidas e dificuldades, o que significa, aos olhos do aluno, indiferença. Em
alguns casos, essa falta de espaço constitui uma violência, já que a responsabilidade sobre as experiências de
frustração decorrentes de uma relação entre professor, conhecimento e aluno é toda depositada sobre um
dos polos da relação – o aprendiz.
De qualquer modo, tanto em cenários que envolvam o ambiente externo à escola quanto naqueles
em que os elementos-beta sejam produzidos no interior da instituição, podemos dizer que o aluno não tem,
ao menos momentaneamente, a função-alfa necessária para transformar seu sofrimento em algo capturável
por sua mente, seja sob a forma de pensamento, seja como palavra.
Como a função-alfa capaz de processar os elementos-beta provenientes de uma experiência não
necessariamente precisa estar disponível na mente do sujeito da experiência, mas deve estar também na mente
de outros que se relacionem com ele, chegamos ao pressuposto seguinte.

Segundo pressuposto

A indisciplina, antes de ser considerada como tal, é um conjunto de elementos-beta em busca


de uma função-alfa.
Voltando às situações mencionadas no primeiro pressuposto, o professor pode ser aquele que
acolhe os elementos-beta do aluno. Se tiver à disposição sua função-alfa, naquele momento, ela poderá
ajudá-lo a processá-los. Tal processamento pode ser de diferentes níveis, mas sempre tendo como base a
natureza de sua atividade profissional. No caso de elementos-beta exclusivamente resultantes da experiência
frustrante de aprendizagem “malsucedida”, caberá à função-alfa do professor não apenas proporcionar

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Archangelo A

diferentes meios e estratégias para que o aluno aprenda, mas acolher o ódio, o ressentimento e o sentimento
de impotência ou inadequação que perpassam a relação desse aluno com o professor, com a disciplina e com
o conteúdo específico. Acolher tais sentimentos significa legitimá-los como elementos intrínsecos à aventura
de aprendizagem. Nada mais reconfortante do que perceber que fazemos tão mais parte da comunidade
humana quanto mais somos capazes de experimentar sentimentos intensos, e nem sempre prazerosos.
Também a capacidade de rever-se em sua atividade pedagógica – seja didática, seja metodológica,
seja de escolha de conteúdo ou de instrumentos de avaliação – compõe essa capacidade de processamento
do professor. Tomar a dificuldade do aluno como algo pensável em vários níveis e direções divide a
responsabilidade pela frustração e, sobretudo, dá mostras de como fazer uso da função-alfa – investigando,
levantando as mais diversas hipóteses e colocando-se aberto ao que o aproxima da verdade da experiência
(BION, 2004b).
Quando os elementos-beta são resquícios de experiências externas à escola, a situação torna-se um
tanto mais complexa, pois ao professor é mais difícil reconhecer o sofrimento que atravessa a experiência
de aprendizagem. O aluno, por sua vez, sem função-alfa suficiente para reconhecer e processar sua própria
experiência, faz tentativas desordenadas de comunicar seu sofrimento, muitas vezes depositando-o no
ambiente escolar de maneira considerada “injusta” pela instituição.
Se, nas situações descritas, o professor não tiver função-alfa suficiente à sua disposição, considerará
o aluno malcomportado ou indisciplinado e tenderá a colocá-lo para fora de sala, para que medidas
administrativas sejam tomadas. Em nível administrativo, o mesmo pode se repetir. Caso o diretor tenha
função-alfa disponível, pode fazer uso dela para processar tanto os elementos-beta do aluno quanto do
professor, produzidos nessa relação tensa com o “aluno indisciplinado”. No entanto, na escola, a tendência,
por parte do professor e do gestor, tem sido abordar a situação pela via do controle – de maneira prescritiva
(“você deve fazer isso ou aquilo”) ou corretiva –, aplicando medidas punitivas, com “o rigor da lei”. Essa era
normalmente a situação com a qual se deparavam os alunos indisciplinados da escola estudada.

Terceiro pressuposto

Como dito anteriormente, a ansiedade não tolerada é expelida pela mente que não dispõe de função-
alfa suficiente em um determinado momento. Nesse sentido, basta que mudemos o vértice de observação
para perceber que os elementos-beta a que se refere a indisciplina podem ser provenientes do aluno,
mas não apenas dele. Podem provir do professor, do grupo-classe ou mesmo dos profissionais responsáveis
pela gestão da instituição. Ou seja, ao se falar de indisciplina, não apenas o aluno está implicado, mas a
totalidade da instituição. Um professor pressionado por excessivas exigências profissionais ou ainda pelo
descaso institucional pode não suportar a intensidade da frustração presente nessas experiências, gerando,
dessa maneira, uma tensão em sala de aula que resulte, fundamentalmente, de sua ansiedade não processada
e expelida sob a forma de identificação projetiva.
Já há algum tempo tem sido grande a preocupação com a saúde dos profissionais da educação
(CODO, 1999). Depoimentos de professores que se ausentam do trabalho com ou sem justificativa revelam
que, muitas vezes, fazem-no por não tolerar o contato com a escola e não se sentir amparados pela instituição
na tarefa que lhes cabe com os alunos todos os dias da semana. Faltam um dia, esperando recuperar forças
para o dia seguinte. Ao fazerem isso, têm um alívio momentâneo. Contudo, como os elementos-beta não
são processados ou pensados, produzem outro nível de desgaste: a ausência voluntária expulsa o sofrimento
sob a forma de resposta hostil ou de indiferença dos professores em relação à instituição. A hostilidade e a
indiferença, porém, recaem também sobre os alunos, os quais, por sua vez, veem no professor uma figura

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Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

que os agride com sua ausência–indiferença ou uma figura frágil, incapaz de estar frente a frente com os seres
(alunos) de quem deveria cuidar.
Os alunos são tomados pela violência dessa identificação projetiva vinda dos adultos, de modo
difuso. Sem saber de onde vem e a que serve, reagem, num crescendo, com sarcasmo, indiferença ou
outra forma de violência que o professor, mais uma vez, não suporta. Ao final, é a essa reação dos alunos
que o professor e a escola dão o nome indisciplina, embora não tenha sido gerada no segmento dos
alunos, apenas tenha encontrado neles um ponto de reverberação dos elementos-beta produzidos por
uma instituição que não dá suficiente apoio aos professores. Essa mesma dinâmica pode ser verificada na
relação entre a administração central e os gestores das unidades escolares, fazendo com que elementos
não processados desencadeiem respostas igualmente não processadas entre os professores e os alunos,
num efeito dominó.

Quarto pressuposto

Partindo-se da ideia de que o uso excessivo da identificação projetiva fragiliza e empobrece o


sujeito, já que faz com que ele expulse de si não apenas a própria ansiedade, mas também partes de seu self,
quanto menos a instituição for capaz de acolher e processar mentalmente essa ansiedade, mais frágil e
vulnerável o sujeito ficará. Em outras palavras, quando os elementos-beta são nomeados como indisciplina
e passam a receber um tratamento exclusivamente prescritivo ou corretivo, o aluno tende a perceber-se
ainda mais desprovido de condições psíquicas para atender às exigências da escola, pois precisará arcar
solitariamente não apenas com os aspectos intoleráveis de sua experiência anterior, mas também com aqueles
que surgem desse enfrentamento com o professor ou com o diretor. Se ele já se encontrava em condições
de maior fragilidade e esvaziamento, a pressão da escola para corrigi-lo tende a constituir nova experiência
emocional intolerável – ressentimento e hostilidade inundam o psiquismo já vulnerável desse aluno, de modo
que a ele só resta repetir os mecanismos de fuga (de identificação projetiva).
Não por acaso, portanto, os alunos sistematicamente “corrigidos” pelas medidas disciplinares mais
extremas tendem a ter inúmeras e frequentes recidivas de indisciplina. O caso é ainda mais grave quando
consideramos que, muitas vezes, a pressão da escola é feita mediante aliança com os pais, a qual recairá
duplamente no próprio aluno.

Quinto pressuposto

Quando um sujeito vê processados por um “outro” (indivíduo, grupo, instituição) seus


elementos-beta que, num dado momento, ele mesmo foi incapaz de processar, toma para si sua própria
ansiedade, transformada em algo tolerável, mas não apenas isso. Recolhe também as partes perdidas de
seu self e introjeta a capacidade de processamento demonstrada por esse outro, assim como o conforto
de ter sido socorrido.
A título de ilustração, podemos retomar a situação descrita no primeiro pressuposto. Quando o
processamento de uma experiência emocional do aluno é possível mediante a utilização da função-alfa do
professor (ou de um colega, ou da direção da escola), a resposta dada ao aluno não se refere apenas a tornar
tolerável ou palatável o que se passa com ele – o que já é bastante, e bem mais do que a resposta correcional
e disciplinadora. Trata-se também de uma resposta que permite um espelhamento e propicia ao aluno
apropriar-se dessa ferramenta de pensamento que ao outro está disponível. Além disso, trata-se de uma
experiência de conforto por ter sido compreendido e atendido em sua necessidade. Oposto ao descrito no
quarto pressuposto, o que ocorre aqui é o fortalecimento do sujeito.

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Archangelo A

Tomando a situação do professor descrito no terceiro pressuposto, podemos pensar em uma classe
que, em vez de reagir violentamente à identificação projetiva do professor, fique sensível ao estado dele e se
comporte de maneira a oferecer maior atenção ao que ele fala. A empatia da turma para com o sofrimento
do professor, muitas vezes, é suficiente para que ele recobre o entusiasmo, a esperança na educação e, por
conseguinte, a capacidade de enfrentar as dificuldades inerentes ao processo; ou seja, recupere sua função-
alfa. Esse comportamento não é incomum entre os alunos, em especial quando o estado de tensão criado
pelo professor é algo esporádico. Quando, contudo, a dificuldade do professor é algo sistemático, os alunos
tendem a identificar não o sofrimento pelo qual ele passa, mas apenas a agressão a que estão submetidos em
virtude dele.
Às vezes, a classe percebe o estado do professor, mas não está em condições de acolher, ser continente
ou ter empatia. Nesses casos, é comum que a turma se sinta responsável pelo mal-estar do professor. Em nível
administrativo, o gestor também pode ser aquele que faz uso de sua função-alfa para ajudar o professor a
processar alguns elementos de sua experiência, em particular aquelas relacionadas à própria profissão. Muitas
das reações hostis de professores são motivadas por sofrimento intenso e não acolhido, relativo a dificuldades
no cotidiano da escola e no trato tanto com alunos que não aprendem ou se mostram refratários a toda e
qualquer estratégia do professor quanto com a burocracia escolar. Encontrar no gestor da escola uma figura
disposta a acolher, legitimar e processar a angústia mobilizada nessas experiências pode ajudar o professor
a recuperar sua própria função-alfa.

Sexto pressuposto

Como afirma Bion (2004b), nem sempre é o analista que está de posse da função-alfa, mas sim
o paciente. Quando isso ocorre, o analista deve ser capaz de aceitar que a contribuição do paciente, não a
sua própria, é a que permite à dupla (analista–paciente) se aproximar da verdade da experiência. O “outro”,
que, em tese, pode acolher e processar os elementos-beta de um sujeito, também pode ter sua função-
alfa variando para mais ou para menos, dependendo das condições em que se encontra (p. ex., maior ou
menor tensão).
Portanto, quando a função-alfa desse “outro” está disponível ao uso, pode ajudar a processar os
elementos-beta que circulam na instituição. Por outro lado, quando sua função-alfa está diminuída, maior é a
chance de que os elementos-beta do primeiro sujeito sejam potencializados com os desse “outro”. A instituição
escolar é sempre um ambiente de intensas trocas emocionais. Nem sempre o profissional de quem se espera
maior lucidez está de posse de sua função-alfa. Nesses casos, o importante é avaliar de onde parte a maior
capacidade de processamento das experiências emocionais ali presentes, além de confiar que as soluções
para alguns problemas nem sempre partem das pessoas formalmente incumbidas dessa função. Em outras
palavras, é importante que a instituição reconheça que funciona de maneira mais apropriada ou saudável
se acolher o melhor uso da função-alfa, venha de onde vier - pais, secretários, vigias, merendeiras, alunos,
professores ou equipe gestora.
Quando Bion (2004a) introduz o conceito de função-alfa, a ideia de compreensão – voltada para o
âmbito da racionalidade –, cede lugar às ideias de continência e acolhimento que invadem o âmbito afetivo. A
verdade da experiência, portanto, deixa de ser apreensível exclusivamente pela consciência e pela razão e passa
a ser apreensível por uma função que exige o processamento mental das emoções contidas nessa experiência.
A capacidade de ser continente (de acolher mentalmente um conteúdo), portanto, não está
mecanicamente associada a níveis de ensino, idade ou nível socioeconômico. Consequentemente, a relação
entre um conteúdo e uma mente continente não é unidirecional. Embora se espere maior capacidade de

Educ. Soc., Campinas, v. 41, e235730, 2020 9


Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

resolver problemas e enfrentar dificuldades daqueles que possuam maior qualificação profissional, dos mais
velhos e daqueles que ocupem funções de maior responsabilidade institucional, nem sempre isso ocorre.
Assim se espera porque se imagina que a idade e a qualificação profissional desenvolvam a capacidade
de compreensão de um maior espectro da realidade, bem como que a progressão na carreira derive dessa
maior capacidade. Muitas vezes, todavia, esperamos um professor continente às necessidades da sala e
encontramos uma sala continente para as dificuldades do professor; filhos continentes para dificuldades dos
pais; merendeiras continentes para dificuldades de professores e alunos.
Ainda que a posição do profissional não implique necessariamente a disponibilidade de sua
função-alfa, deve ser objetivo dele pensar-se como um agente de recuperação ou desenvolvimento da própria
função-alfa e da função-alfa dos demais da instituição. Ou seja, aos gestores e aos professores caberia
incansavelmente pensar em como não devolver ou potencializar os elementos-beta (não processados) que
circulam na instituição e em como “conter” ou ser continente para os aspectos intoleráveis produzidos
nas experiências institucionais.

Para Além da Indisciplina


Portanto, a indisciplina pode ser considerada manifestação de um ecossistema cuja capacidade de
processamento dos elementos-beta ali circulantes está diminuída ou inexistente. A relação entre o conteúdo
a ser processado e a mente continente, capaz de processá-lo, portanto, falha.
Daí que indisciplina não é o mesmo para pessoas e grupos diferentes (ou até para os mesmos grupos
e pessoas em momentos diferentes). Ela depende da capacidade daquele ecossistema de acolher e processar
o que ali circula, transformando-o em elementos disponíveis ao pensamento. Por isso, é comum vermos
uma mesma instituição respondendo diferentemente (com sansões e punições distintas) a uma mesma
manifestação “indisciplinada” do aluno.
Em geral, a instituição pensa a indisciplina apenas a partir da sala de aula; ou seja, o vértice de observação
considera apenas a parcela do ecossistema que inclui alunos e professor. Quando os problemas começam e são
manejados em sala, esse vértice é suficiente. Contudo, pode ser diferente e englobar outros profissionais e instâncias
da instituição. Quando um aluno é expelido da sala e mandado para a direção, por exemplo, o vértice de observação
deve considerar essas outras instâncias como parte do ecossistema, fazendo com que a relação continente–contido
seja pensada também em função desses outros segmentos (quem contém, o que é o conteúdo a ser contido, de
quem parte o conteúdo), pois haverá um emaranhado entre sala, aluno expelido, direção e professor. A demanda
por continência virá de várias partes. O professor que não conseguiu ser continente para a manifestação do aluno e
que está dominado por seus próprios elementos-beta exigirá uma resposta, por vezes impossível, da direção. Nesses
casos, e se os elementos-beta do professor não excederem demasiadamente sua função-alfa, ele poderá demandar
continência tanto para ele mesmo quanto para o aluno. Se a situação for mais grave, o professor poderá exigir que a
direção ofereça continência para ele, mas que promova a retaliação do aluno. Pode, por exemplo, reivindicar que o
gestor use sua autoridade e sua posição para forçar para dentro do aluno (identificação projetiva) os aspectos mais
destrutivos da instituição, fazendo-o sentir-se a escória não pertencente e não desejada pela instituição. Em outras
palavras, nesses casos, o professor acaba por exigir, sem perceber, que o diretor sirva de veículo para a projeção de
seus elementos-beta sobre o aluno.
Para que possa refletir e agir sobre a indisciplina, a escola precisa considerar que a manifestação
da indisciplina é problema institucional, em termos de um ecossistema que falhou no processamento dos
elementos-beta – não de um sujeito sem lugar e sem história.

10 Educ. Soc., Campinas, v. 41, e235730, 2020


Archangelo A

É possível antecipar-se a alguns problemas relacionados à indisciplina, identificando situações-


limite, em que há maior probabilidade de os elementos-beta não encontrarem função-alfa disponível para
processá-los. Contudo, nas situações já instaladas, é preciso identificar quais desses elementos estão envolvidos
no processo (culpa, desamparo e hostilidade são alguns deles). Levantar hipóteses sobre eles permite que a
intervenção seja mais efetiva.
É também necessário indagar se a escola desencadeou as experiências às quais os elementos-beta
se referem. É fundamental diferenciar as experiências de sofrimento que têm origem na própria instituição
daquelas que são extraescolares. A escola tem responsabilidade de intervir em ambas, já que se manifestam em
seu interior, mas as intervenções podem ter características diferentes. Mesmo nos casos em que os elementos-
beta ali presentes sejam predominantemente comunicações de experiências extraescolares, feitas mediante
o uso da identificação projetiva, cabe à escola acolher tal comunicação. Ao fazê-lo, a instituição reconhece e
legitima o sofrimento do sujeito e, ao fazê-lo, oferece oportunidade para que ele desenvolva recursos psíquicos
de enfrentamento e superação.
Caso os elementos-beta se originem nas experiências intramuros – e, muitas vezes, isso ocorre –,
além de acolher a experiência de sofrimento, cabe à escola, sobretudo, revisar as práticas educacionais
que o impõem aos sujeitos. Tais práticas podem ser racistas; homofóbicas; meritocráticas; de indiferença
em relação a injustiças; de cobranças excessivas; de desvalorização da capacidade do aluno ou dos demais
membros da instituição; de subtração de espaços de socialização; de ensino pouco ou nada significativo; de
pressões profissionais descabidas; de excessiva hierarquização interna; de submissão excessiva e acrítica às
políticas educacionais; e de aniquilamento do potencial criativo das pessoas – para lembrar apenas alguns
nossos conhecidos.
Assim, não se trata de identificar culpados. Trata-se de se pensar que cabe ao adulto responsável
pelo encaminhamento das medidas disciplinadoras não a função de correção, mas de processamento das
ansiedades presentes nos episódios relacionados à indisciplina. Em outros termos, trata-se, de um lado, de
ser capaz de oferecer espaço mental e continência para aqueles que, em dado momento, são os depositários
dos elementos-beta não transformados em elementos-alfa na instituição. De outro, trata-se de reconstruir a
instituição, para que ela seja capaz de oferecer uma rede de proteção e cuidado aos seus membros, ao mesmo
tempo que os desafia e encoraja a dar o melhor de si, tanto ensinando quanto aprendendo. É disso que é feita
uma escola significativa (VILLELA; ARCHANGELO, 2013). É assim que a indisciplina deixa de ocupar o
centro das preocupações da instituição.

Notas
1. “Pensar os pensamentos”, em termos bionianos, difere de “pensar sobre eles”, pois exige deixar-se atravessar por
aquilo que deriva da experiência, e não apenas uma tarefa sobre a qual podemos nos debruçar intelectualmente.

Referências

ARCHANGELO, A. (org.). Professores que não jogaram a toalha. São Paulo: Loyola, 2014.

BION, W. R. Estudos psicanalíticos revisados (Second Thoughts). Rio de Janeiro: Imago, 1994.

BION, W. R. Learning from experience. Maryland: Jason Aronson, 2004a.

Educ. Soc., Campinas, v. 41, e235730, 2020 11


Indisciplina na escola: uma aproximação à luz de Wilfred Bion

BION, W. R. Transformações: Do aprendizado ao crescimento. 2. ed. Trad. Paulo Cesar Sandler. Rio de
Janeiro: Imago, 2004b.

CODO, W. Educação: Carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999.

KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos. 4. ed. Trad. Elias Mallet da Rocha. Rio de Janeiro: Imago,
1991.

VILLELA, F. C. B.; ARCHANGELO, A. Fundamentos da escola significativa. São Paulo: Loyola, 2013.

Sobre a Autora
Ana Archangelo é Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1988.
Mestre (1995) e Doutora (1999) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Realizou estudos pós-
doutorais na Univesity of the West of England; na University of Colchester; e no Dipartimento di Psicologia,
da Università degli Studi di Torino (2011). Livre-docente (2019) pela Unicamp. Líder do grupo de pesquisa
DiS (Diferenças e Subjetividades em Educação), junto ao CNPq.

Recebido: 29 mar. 2020


Aceito: 18 jun. 2020

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Recibido / Recebido: 11.07.2016 - Aceptado / Aceite: 27.10.2016 https://doi.org/10.21865/RIDEP45.3.12

Agressor, Vítima e Testemunha: Construção e Validação de uma Escala de


Identificação dos Participantes do Bullying (QIPB)

Aggressor, Victim and Witness: Construction and Validation of a Bullying Scale


(QIPB)

Nair Neves1, Margarida Pocinho2 e Soraia Garcês3

Resumo
O bullying é considerado uma problemática social que emerge no contexto escolar e que está atingindo
elevadas proporções. O panorama do bullying não inclui somente uma vítima e um agressor. Este é mais
abrangente e os papéis distribuem-se entre uma ou mais vítimas, agressores, testemunhas (passivas ou ativas)
e apoiantes do agressor. Objetivou-se estudar a identificação destes participantes, por meio da construção e
validação de um questionário para este efeito. A amostra é composta por 561 alunos, de duas escolas do 2º e
3º ciclos da Região Autónoma da Madeira, com idades entre os 11 e os 19 anos. A validação do instrumento
demonstrou um valor de fiabilidade de .85 e a análise fatorial exploratória revelou a existência de três
fatores, nomeados de agressor, vítima e testemunha. Através da correlação de Spearman verificamos uma
relação significativa entre todos os fatores do instrumento.

Palavras-chave: bullying, agressor, vítima, testemunha, validação, instrumento

Abstract
Bullying is considered a social problem that emerges in the school context and that is reaching high
proportions. The panorama of bullying includes not only a victim and aggressor. This is more comprehensive
and roles are distributed between one or more victims, offenders, witnesses (passive or active) and offender’s
supporters. The objective was to study the identification of these participants, through the construction and
validation of a questionnaire for this purpose. The sample consists of 561 students from two schools in the
2nd and 3rd cycles of the Autonomous Region of Madeira, with ages between 11 and 19 years. The
instrument validation demonstrated a .85 reliability value and the exploratory factor analysis revealed three
factors, named aggressor, victim and witness. Through Spearman correlation we found a significant
relationship between all instrument factors.

Keywords: bullying, aggressor, victim, witness, validation, instrument

1
Mestre pela Universidade da Madeira, Portugal. E-mail: n.vn@hotmail.com
2
Professora com Agregação da Universidade da Madeira, Portugal. Tel.: 291705280. E-mail: mpocinho@uma.pt
3
Investigadora do Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais pela Universidade da Madeira, Portugal. E-
mail: soraiagarces@gmail.com

Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica. RIDEP · Nº45 · Vol.3 · 147-157 · 2017
Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 148

Introdução considerado mais fraco, ou está numa posição


fragilizada não conseguindo se defender.
A escola é por excelência, um ambiente Segundo Fante (2005) o bullying é um tipo de
fundamental para todas as crianças e jovens, uma agressão escolar, que se traduz em agressões
vez que esta organização educativa é considerada físicas, insultos, exclusões, difamações,
uma promotora de aprendizagem e de isolamento, humilhações, discriminações, entre
desenvolvimento das relações interpessoais, outros, sendo este, considerado um tipo de
contudo, por esta ser o principal microssistema agressão proactiva, uma vez que a agressão é
que contribui para a relação entre pares, é aquela utilizada como um instrumento para alcançar um
onde se identifica a maior incidência de agressão, objetivo ou para exercer um poder sobre o outro
nomeadamente o bullying (Lisboa & Koller, (Cuello & Oros, 2013).
2004). Neste âmbito, torna-se crucial A amplitude do fenómeno bullying é vasta,
compreender as formas como a violência se esta inclui vítimas, agressores, testemunhas e
apresenta em contexto escolar, constituindo assim apoiantes de agressores. De acordo com Berger
um parâmetro que irá proporcionar um grande (2007), o agressor ou bullie, carateriza-se por ser
desafio para todos os agentes educativos aquele aluno que age de forma agressiva contra
especialmente os pais, encarregados de educação, outro colega, cuja sua intenção é de magoar
professores, psicólogos, diretores entre outros fisicamente ou psicologicamente este último, uma
(Blaya, 2006). vez que este supostamente é mais fraco em
Na escola, as relações entre pares por vezes relação ao agressor. Estes alunos têm pouca
assumem diversas formas de agressão, sendo o empatia pelos pares, têm dificuldades em seguir
bullying um fenómeno que assume maior regras, apresentam uma atitude positiva em
relevância. Este tipo de agressão escolar é relação a atitudes ou comportamentos violentos
considerado um abuso sistemático do poder, (Carvalhosa, Lima, & Matos, 2001). Já as vítimas
sendo caraterizado como uma forma de são as crianças ou jovens alvos de bullying e
comportamento agressivo entre pares, maldoso, caraterizam-se por ter comportamentos sociais
deliberado e persistente, podendo ocorrer e durar inibidos uma vez que são constantemente
semanas, meses ou anos (Pereira, 2001; Smith & abusadas pelo bullie, assumindo comportamentos
Sharp, 1994). passivos ou submissos, sentindo-se mais
Assim de acordo com Olweus (1993), o vulneráveis, com medo ou vergonha intensas,
bullying carateriza-se como sendo um conjunto de tornando-se crianças silenciosas contendo um
comportamentos negativos que ocorre ao longo do forte medo em dizer a um adulto que são vítimas
tempo ao qual um aluno está exposto de modo de bullying (Matos & Gonçalves, 2009). Os
repetido e constante, sendo praticado por um ou investigadores Carvalhosa, Lima e Matos (2001)
vários colegas. salientam que a vítima é o individuo com quem
Deste modo, este fenómeno ocorre de ações implicam, batem, irritam ou fazem-lhe outras
agressivas, intencionais e repetitivas, causando coisas desagradáveis. Assim as vítimas
dor, angústia e sofrimento (Fante, 2005). Esta caraterizam-se pelas crianças que são vulneráveis,
tipologia de violência escolar, como salienta inseguras, possuem baixa autoestima e pouca
Olweus (1999) distingue-se dos outros tipos de assertividade, frágeis, e apresentam poucas
agressão nas escolas, porque inclui três critérios habilidades emocionais para opor-se à situação, o
que são fundamentais na sua caraterização: a) é que normalmente afeta o foro psicológico da
um comportamento agressivo intencional; b) mesma (Vila & Diogo, 2009). Numa situação de
ocorre ao longo do tempo, sendo repetitivo; e c) duplo envolvimento designada como vítima-
há um desequilíbrio de poder nas relações entre agressora ou vítima-provocadora, esta categoria
pares. De acordo com os investigadores Almeida, está inerentemente ligada ao género masculino,
Lisboa e Caurcel (2005), este fenómeno sendo estes indivíduos impopulares e rejeitados
identifica-se pelo seu caráter sistemático e pelos pares, sendo que esta ocorrência realiza-se
repetitivo, pela intencionalidade de prejudicar o esporadicamente não sendo um comportamento
outro par, em que por norma este último é frequente (Seixas, 2005).

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 149

No que concerne às testemunhas, são aquelas (OMS), que estão envolvidas na educação e saúde
crianças e jovens que não se envolvem dos jovens. Em contexto escolar há cada vez mais
diretamente em episódios de bullying, mas ocorrências de episódios de bullying, sendo este
participam como espetadores, em que maioria considerado um problema de saúde pública a nível
sente simpatia pelas vítimas e fica triste ao mundial que causa grande impacto na saúde das
presenciar situações de bullying em que os pessoas, famílias e comunidades (Molcho et al.,
colegas são vitimizados (Bandeira & Hutz, 2012). 2009).
As testemunhas caraterizam-se por ativas, Através de diversas investigações realizadas,
passivas ou neutras. As que sentem empatia, constatou-se que este fenómeno expande-se a uma
condenam os comportamentos dos agressores e larga escala, atingindo as diversas faixas etárias,
avisam ou tentam avisar os professores/auxiliares contextos e culturas. Em Itália, Baldry e
da situação ocorrente, são caraterizadas como Farrington (2004), estudaram os comportamentos
ativas. Contudo na maioria das situações as de bullying e vitimização a nível escolar. Através
testemunhas não conseguem ajudar as vítimas por de uma amostra de 661 alunos com idades
receio de represálias ou de tornarem-se a próxima compreendidas entre os 11 e os 15 anos de idade,
vítima dos bullies (Berger, 2007; Neto, 2005). constataram que as raparigas têm maior risco para
Outra razão para não ajudarem a vítima é porque queixas internas (queixas a nível somático,
as mesmas não sabem o que fazer, ou porque ansiedade e depressão).
fizeram algo de errado causando mais problemas. No Canada, Duck (2005), estudou as atitudes
Nesta situação as testemunhas são passivas porque associadas a comportamentos de bullying e de
sofrem em silêncio, apesar de não serem alvos vitimização entre pares em contexto escolar.
diretos de bullying (Salmivalli, 2010). As Através de uma amostra de 1.066 adolescentes do
testemunhas não envolvidas, ou seja, as neutras, 7º ao 10º ano de escolaridade, constatou que as
englobam todos aqueles alunos que estão atitudes de vingança estavam associadas aos
presentes, por vezes em número significativo, mas comportamentos de agressão e não aos
não querem se envolver com medo de se tornarem comportamentos de vitimização.
o próximo alvo (Swearer, Espelage, Vaillancourt Em Portugal, Espinheira e Jólluskian (2009)
& Hymel, 2010). realizaram um estudo com crianças do 5º ano de
Os assistentes dos agressores, caraterizam-se escolaridade com idades compreendidas entre os
pelos alunos que pertencem ao grupo dos bullies, 10 e os 12 anos e concluíram que 44.7% eram
aquele grupo que é popular e que domina. Estes vítimas de agressões prevalecendo o sexo
alunos desempenham o papel de apoiante ao masculino. Já Pereira, Silva e Nunes (2009),
incentivar e assistir aos comportamentos realizaram um estudo em Lisboa com alunos de 2º
agressivos dos colegas (Neto, 2005). Estes ciclo e concluíram que 20% dos alunos já tinham
discentes por vezes acreditam que o método de sido vítimas de bullying e que 16% eram
alcançar a popularidade e o poder é através da agressores verificando-se um aumento nos últimos
prática de comportamentos agressivos contra os tempos.
colegas, tornando-se também em agressores de Na Grécia, Stamos, Pavlopoulos e Motti-
bullying. Quando estes alunos não estão em Stefanidi (2005), estudaram a relação entre
contacto com o bullie o seu envolvimento comportamentos de bullying e a predisposição
diminui, no entanto as suas caraterísticas para a depressão, através de uma amostra com 485
agressivas são muito parecidas às do agressor alunos do 5º e 6º ano de escolaridade. Os autores
(Neto, 2005). constataram que o nível de incidência de
O bullying não é uma problemática recente, agressores e vítimas era de 15%, os alunos
devido à sua elevada prevalência existe uma vítimas-agressivas de 30% e os alunos sem
crescente preocupação de diversas organizações, envolvimento de 40%. Averiguaram que as
como a United Nations International Children's vítimas-agressivas apresentavam índices mais
Emergency Fund (UNICEF), a United Nations elevados de afetos negativos.
Educational, Scientific and Cultural Organization Os investigadores Linares, Acién, Díaz e
(UNESCO) ou a Organização Mundial Saúde Fuentes (2009), realizaram um estudo em três

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 150

países europeus (Espanha, Hungria e República investigações. O questionário de violência entre


Checa). O mesmo centrou-se na perceção dos pares de Freire, Simão e Ferreira de 2006, foi
professores sobre a violência escolar e outro instrumento inspirado nos estudos de Dan
constataram que na perspetiva dos docentes, havia Olweus e validado para a população portuguesa.
uma elevada prevalência de comportamentos Avalia especificamente todas as situações de
agressivos, insultos e desmotivação por parte dos violência possíveis em contexto escolar, os seus
alunos, sendo esta última componente participantes, a perceção dos alunos, os tipos de
(desmotivação) o aspeto que mais os afetava violência e a sua frequência. O questionário é
pessoalmente. composto por sete etapas: 1º etapa (A) diz respeito
Assim, podemos verificar que o bullying, aos fatores sociodemográficos, composto por 13
mesmo sendo uma problemática muito estudada, itens; 2º etapa (B) refere-se à perceção dos alunos
devido à sua elevada ocorrência e consistência em relação ao meio escolar, composto por 2 itens;
nunca é demais estudar este fenómeno. Nesta 3º etapa (C) sinaliza os locais e frequência de
linha de pensamento, embora haja a existência de vitimização, composto por 8 itens; 4º etapa (D)
vários instrumentos em Portugal que permitem identifica as situações de observação, composto
avaliar as caraterísticas do bullying, o nosso por 3 questões; 5º etapa (E) refere-se às agressões
objetivo consiste em construir e validar um diretas e indiretas da perspetiva do agressor,
instrumento de rápida aplicação que permita fazer composto por 14 questões; 5º etapa (F e G)
um rastreio de uma forma simples e eficaz de reporta-se às considerações dos alunos sobre o
identificação de participantes do bullying. tema e possibilita perceber como estes se sentem
De modo a diferenciar o nosso instrumento de mediante situações de agressividade, composto
outros criados em Portugal, vamos exemplificar por 5 itens. A escala revelou boas qualidades
alguns destes instrumentos para que se possa psicométricas de consistência interna (Freire,
verificar a respetiva diferenciação. Simão, & Ferreira, 2006).
O Peer Victimization Scale, foi adaptado em A partir do questionário criado por (Freire et
Portugal por Veiga no ano de 2008 e trata-se de al., 2006), os investigadores Matos, Simões e
um questionário de auto-relato, tipo likert, com Jesus (2012), criaram o inventário para a
três opções de resposta relativas a avaliação da violência na escola (IAVE) que
comportamentos específicos de vitimização (0 = avalia a violência entre pares em contexto escolar
nunca, 1 = uma vez, 2 = duas ou mais vezes). O e o seu ambiente. Este instrumento é constituído
autor realizou o estudo com uma amostra de 279 por quatro escalas de autopreenchimento,
alunos do ensino básico que frequentavam as composto por seis itens em cada escala, tipo likert.
escolas das periferias de Lisboa. Este instrumento Pretende avaliar os participantes e o ambiente
apresentou bons índices de consistência interna, (agressor, vitima, espetador e o ambiente da
tendo identificado quatro dimensões de escola), tendo em conta o tipo de violência (física,
vitimização: física; social; verbal e vitimização psicológica, entre outras) e a frequência que esta
relativa à propriedade. Os resultados obtidos ocorre. As escalas correspondem a diferentes
foram semelhantes aos resultados encontrados dimensões: a 1ª dimensão designa-se por “Eu
noutros países, conferindo à escala boas como agredido/vitima”; 2º dimensão refere-se ao
qualidades psicométricas permitindo a esta avaliar “Eu como espetador”; 3º dimensão denomina-se
a vitimização entre pares nas escolas (Veiga, “Eu como agressor”; e a 4º dimensão representa o
2011). Outro instrumento adaptado em Portugal “Clima geral da escola”, com duas vertentes: a
do original de Dan Olweus (1989) foi o componente interna e a componente externa.
questionário “Bullying, Agressividade em O instrumento revelou boas qualidades
contexto escolar” por Pereira e Almeida no ano de psicométricas, uma vez que apresentou valores
1994. Este constitui-se por 25 itens, tipo likert, adequados à consistência interna e uma boa
que engloba quatro dimensões: amigos; vítimas; estrutura fatorial (Matos, Simões, & Jesus, 2012).
agressores e recreio (Pereira, 2008). O Já em 2008, Pereira adaptou para versão
instrumento revelou boas qualidades portuguesa o Bullying questionnaire de Olweus
psicométricas sendo utilizado em outras (1989). Este instrumento avalia os níveis de

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 151

bullying em contexto escolar. O questionário de nos permita identificar situações de bullying,


bullying é composto por 35 itens de resposta permitindo criar, delinear e executar projetos de
fechada, e divide-se em cinco dimensões: 1º intervenção e de prevenção deste fenómeno
dimensão compõe os dados sociodemográficos; 2º (Amado & Freire, 2002).
dimensão refere-se aos pares, composta por 7
itens; 3º dimensão refere-se às vítimas, composta Método
por 15 itens; 4º dimensão denomina-se como
agressores, composta por sete itens; e por fim a 5º Participantes
dimensão refere-se ao recreio composto por seis Os participantes deste estudo foram 561
itens. Relativamente às qualidades psicométricas, alunos de duas escolas do 2º e 3º ciclos da Região
o instrumento apresentou uma consistência interna Autónoma da Madeira (RAM), sendo esta amostra
adequada, com um alfa de Conbach de .80 constituída pela totalidade dos alunos do 3º ciclo
(Pereira, 2008). de ambas as escolas. A amostra foi recolhida em
Para finalizar, outro instrumento utilizado nas janeiro 2015, sendo constituída por 50.4% do
investigações em Portugal, é o de Cunha (s.d) e género masculino (n=283) e 49.6% do género
denomina-se como “Escala de Vitimização e feminino (n=278). Relativamente à média da
Agressão Escolar” (EVAE). Tem como objetivo idade dos alunos esta encontra-se nos 14 anos,
analisar os comportamentos referidos pela própria com um desvio de padrão de 1.39, sendo a idade
pessoa (“self-report”) nas diversas situações de mínima 11 anos e a máxima de 19 anos. A
agressão, vitimização ou observação em contexto percentagem da amostra para os 11 anos
educativo. A escala analisa o tipo e o grau de corresponde 2%; os 12 anos correspondem 14.3%;
envolvimento de um individuo em episódios de os 13 anos revelam 22.4%; os 14 anos apresentam
bullying. Este instrumento é constituído por 70 29.8%; os 15 anos correspondem 17.6%; os 16
itens, tipo likert com quatro opções resposta anos revelam 10.6%; os 17 anos apresentam
(1=Nunca; 2=Raramente; 3=Muitas 4.3%; os 18 anos revelam 0.6% e por fim os 19
Vezes/Frequentemente; 4=Sempre/Quase anos correspondem 0.2%.
Sempre), em que os resultados mais elevados
indicam frequências de comportamentos mais Instrumento
elevados. O instrumento divide-se em três fatores Construímos inicialmente um questionário
específicos: Fator 1 refere-se aos “ que permitisse a identificação dos participantes do
comportamentos de agressão” (CA) e constitui 31 fenómeno bullying. Este, na sua versão inicial,
itens; Fator 2 expõe os “Comportamentos de continha 20 itens cujo seu objetivo consistia em
Observação” (CO) e constitui 24 itens; e por fim o identificar os participantes do bullying. Os itens
Fator 3 salienta os “Comportamentos de do questionário foram construídos com base na
Vitimização” (CV) e constitui 15 itens. revisão da literatura de modo a que
Relativamente às qualidades psicométricas do conseguíssemos identificar as caraterísticas de
instrumento, revelou bons índices de consistência cada um dos participantes. A escala construída
interna e uma análise fatorial adequada (Cunha, inicialmente pretendia identificar quatro tipos de
s.d). participantes: vítimas, agressores, apoiantes de
Como podemos verificar na literatura acima agressores e observadores. Foram construídos
mencionada, alguns dos instrumentos cinco itens que contemplavam cada um destes
demonstrados são demasiados extensivos na sua tipos de intervenientes.
aplicação, assim nesta perspetiva, o nosso objetivo O questionário é composto por uma escala
foi construir um questionário pequeno sendo Likert, com quatro opções de resposta: nunca;
necessário menos tempo para a sua aplicação e poucas vezes (1 a 2 vezes por mês); muitas vezes
preenchimento, e permitindo caso seja necessário (3 a 4 vezes por semana); constantemente (mais
a aplicação conjunta com outros instrumentos. do que cinco vezes por semana), sendo que os
Deste modo emerge a necessidade de se alunos por cada item só podiam assinalar uma
continuar a construir instrumentos empiricamente única resposta. Após a construção do questionário
validados e aferidos à população portuguesa, que

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 152

designado como “Questionário Identificação dos verificou-se que o valor do teste de Kaiser-Meyer-
Participantes do Bullying” (QIPB), o mesmo foi Olkin, foi de .87, valor considerado bom e
enviado por e-mail a alguns profissionais da área adequado para prosseguimento desta análise de
para verificar a validade de construto do mesmo. acordo com os autores Pestana e Gageiro (2008).
Este instrumento foi sujeito a um processo de Nesta análise a variância explicada por estes
validação cujos procedimentos estatísticos se quatro fatores foi de 52.79. Ao analisar o scree
apresentam nos resultados. Para uma avaliação de plot (Figura 1) verificou-se que a composição
pré-teste aplicou-se este instrumento a duas fatorial deveria, provavelmente incidir sobre três
turmas de alunos, no sentido de verificar como o fatores.
mesmo era compreendido pela população-alvo. Relativamente à análise da consistência
Após esta primeira aplicação, verificou-se que era interna verificou-se que o Alfa de Cronbach para
necessário fazer algumas alterações devido a os 20 itens era de .62, sendo este valor
complexidade das questões. Realizou-se a sua considerado fraco pela literatura (Pestana &
simplificação substituindo as frases complexas Gageiro, 2008). Ao analisarmos
por mais simples de modo a não se tornar tão pormenorizadamente o Alfa de Cronbach apurou-
exaustivo e complexo na sua leitura e se que se eliminássemos o item sete o valor de
compreensão. Este questionário confere o Alfa aumentaria para .85 (Quadro 1). Assim deste
anonimato e a confidencialidade de identidade dos modo procedemos à sua eliminação.
seus participantes. Posteriormente voltou-se a realizar uma nova
análise AFE com o método de componentes
Procedimentos principais, rotação varimax, forçada a 3 fatores e
Inicialmente foram pedidas as respetivas com carga fatorial superior a .4. Forçamos a três
autorizações a duas escolas de 2º e 3º ciclos do fatores, visto que o scree plot (Figura 1) justificou
Ensino Básico da Região Autónoma da Madeira. esta decisão.
Após a aprovação do estudo pelos Presidentes dos
Conselhos Executivos de ambas as escolas,
solicitamos aos diretores de turma (DT) que estes
entregassem os consentimentos informados aos
seus alunos para que estes dessem os mesmos aos
seus encarregados de educação. Depois foi
agendado o dia e a hora da aplicação das provas.
Com a aprovação dos encarregados de educação e
dos alunos participantes do estudo, através dos
consentimentos informados, realizou-se
primeiramente um pré-teste que serviu para
observar a validade de construto do instrumento
(QIPB) e verificar se o mesmo era compreensível
para os alunos e para os diretores de turma numa
das escolas escolhidas. De seguida, procedeu-se à Figura 1. Scree Plot
recolha final dos dados.
Nesta nova análise apurou-se que o valor do
Resultados teste Kaiser-Meyer-Olkin foi de .88, valor
considerado adequado para prosseguimento desta
Análise Fatorial Exploratória (AFE) e análise de acordo com os autores Pestana e
Consistência Interna Gageiro (2008). Nesta análise a variância
Numa primeira análise fizemos uma Análise explicada por estes três fatores foi de 50.02%. No
fatorial exploratória (AFE) com o método de que respeita à matriz rodada, os itens 4 e 6 não
componentes principais, rotação varimax e carregaram em nenhum dos fatores pelo qual
forçada a quatro fatores. Nesta análise inicial decidiu-se excluir os mesmos da versão final do

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 153

Quadro 1. Alfa de Cronbach - Estatísticas de item-total


Alfa de
Média de escala Variância de Correlação de
Cronbach se
se o item for escala se o item item total
o item for
excluído for excluído corrigida
excluído
1.Empurraram-me com muita força 10.63 65.80 .43 .59
2.Ajudei um colega a empurrar com
10.79 67.04 .35 .60
muita força outro colega
3.Ouvi um colega contar mentiras
9.81 64.06 .43 .58
sobre outro colega.
4.Deixei de lado alguém do grupo 10.72 66.97 .38 .60
5.Gozaram comigo ou ameaçaram-me 10.62 66.02 .36 .59

6.Apoiei um colega a deixar de lado


10.87 67.76 .19 .61
outro colega
7.Vi um colega gozar ou ameaçar
9.75 43.87 .10 .85
outro colega.
8.Gozei ou ameacei outro colega 10.87 67.43 .37 .60
9.Contaram mentiras a meu respeito 10.23 64.83 .40 .59

10.Ajudei um colega a contar mentiras


10.96 67.58 .40 .60
a respeito de outro colega.

11.Vi um colega empurrar com muita


9.96 64.64 .36 .59
força outro colega
12.Contei mentiras a respeito de
10.96 68.45 .32 .60
alguém
13.Deixaram-me de fora do grupo 10.64 65.99 .37 .59
14.Ajudei um colega a gozar ou
10.97 67.20 .46 .60
ameaçar outro colega
15.Vi um colega deixar de parte outro
10.17 65.20 .40 .59
colega
16.Empurrei ou espanquei alguém
10.96 67.56 .38 .60
com muita força
17.Magoaram-me de propósito 10.54 64.92 .38 .59
18.Ajudei um colega a magoar de
10.97 67.28 .41 .60
propósito outro colega
19.Vi um colega magoar de propósito
10.17 64.14 .46 .58
outro
20.Magoei de propósito um colega 10.90 66.64 .43 .59

instrumento (Quadro 2). Posteriormente analisou- com a testemunha (fator 3 do QIPB). Por outras
se a consistência interna aos três fatores (Quadro palavras, quanto mais os alunos se percecionam
3), sendo que o Alfa da escala total manteve-se como agressores, mais estes se percecionam como
em .85. No quadro 4 apresenta-se a composição vítimas. E quanto mais se percecionam como
de cada um dos fatores, tendo os mesmo sido vítimas, mais se percecionam como testemunhas
designados da seguinte forma: fator 1 do QIPB que presenciam a agressão (Quadro 5).
corresponde ao nome de agressor; o fator 2 do
QIPB designou-se como vítima, e o fator 3 do Discussão
QIPB intitulou-se como testemunha.
O bullying é um fenómeno desafiante, que
Análise Correlacional causa um grande impacto na sociedade, cultura e
Os fatores do bullying correlacionam-se entre principalmente na vida de cada pessoa. Este
si. O agressor (fator 1 do QIPB) correlaciona-se estudo pretende trazer à comunidade científica,
positivamente com a vítima (fator 2 do QIPB) e um instrumento de avaliação psicológica que
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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 154

Quadro 2. Matriz Rodada - Matriz de componente rotativaa


Componente
1 2 3
1.Empurraram-me com muita força .675
2.Ajudei um colega a empurrar com muita força outro colega .645
3.Ouvi um colega contar mentiras sobre outro colega. .469 .419
4.Deixei de lado alguém do grupo
5.Gozaram comigo ou ameaçaram-me .800
6.Apoiei um colega a deixar de lado outro colega
8.Gozei ou ameacei outro colega .670
9.Contaram mentiras a meu respeito .685
10.Ajudei um colega a contar mentiras a respeito de outro colega. .666
11.Vi um colega empurrar com muita força outro colega .715
12.Contei mentiras a respeito de alguém .558
13.Deixaram-me de fora do grupo .712
14.Ajudei um colega a gozar ou ameaçar outro colega .766
15.Vi um colega deixar de parte outro colega .675
16.Empurrei ou espanquei alguém com muita força .710
17.Magoaram-me de propósito .614
18.Ajudei um colega a magoar de propósito outro colega .781
19.Vi um colega magoar de propósito outro .688
20.Magoei de propósito um colega .732

Nota: Método de Extração: Análise de Componente Principal. Método de Rotação: Varimax com Normalização de Kaiser
a
Rotação Convergida em 6 Interações
agressores, testemunhas e apoiantes de
Quadro 3. Consistência Interna QIPB - Valores de agressores). Para apurar a validação e fiabilidade
consistência interna dos fatores do QIPB do instrumento, realizou-se uma análise fatorial
Alfa de exploratória, forçada a 4 fatores, mas ao
N de itens
Cronbach
analisarmos minuciosamente o scree plot (Figura
Fator 1 .84 8
1) levou-nos a concluir que estariam em evidência
Fator 2 .79 5
sobretudo três fatores. Realizamos uma nova
Fator 3 .71 4 análise fatorial exploratória, com as mesmas
características da análise anterior mas forçada a 3
permita identificar os participantes do bulliyng. fatores. Apurou-se que o valor do teste de Kaiser-
Este instrumento ajudará a traçar um perfil Meyer-Olkin nesta nova análise era de .88, valor
relativamente aos alunos que são participantes do considerado bom e apropriado para seguimento
bullying em contexto escolar, podendo ser desta análise (Pestana & Gajeiro, 2008).
utilizado pelos diversos agentes educativos na Relativamente à análise da variância explicada
prevenção de episódios de bullying. pelos três fatores foi de 50.02%, um valor
De modo a identificar a tipologia de considerado bem no campo das ciências sociais e
participantes construiu-se um questionário humanas, uma vez que está a explicar 50% dos
composto por 20 itens e com opções de resposta participantes do fenómeno bullying. Por fim
numa escala de Likert. Estes itens contemplam verificou-se que ao nível da consistência interna a
quatro categorias de participantes (vítimas, versão final com 17 itens foi de .85 um valor

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 155

Quadro 4. Composição dos Fatores do QIPB - Descrição dos fatores do QIPB


Itens nº Descrição
2 Ajudei um colega a empurrar com muita força outro colega
8 Gozei ou ameacei outro colega.
Fator 1- Ajudei um colega a contar mentiras a respeito de outro
10
Agressor colega
12 Contei mentiras a respeito de alguém.
14 Ajudei um colega a gozar ou ameaçar outro colega.
16 Empurrei ou espanquei alguém com muita força.
18 Ajudei um colega a magoar de propósito outro colega.
Magoei de propósito um colega.
20
1 Empurraram-me com muita força.
5 Gozaram comigo ou ameaçaram-me.
Fator 2- 9 Contaram mentiras a meu respeito
Vítima 13 Deixaram-me de fora do grupo.
Magoaram-me de propósito.
17
3 Ouvi um colega contar mentiras sobre outro colega.
Fator 3- 11 Vi um colega empurrar com muita força outro colega.
Testemunha 15 Vi um colega deixar de parte outro colega.
19 Vi um colega magoar de propósito outro.

Quadro 5. Análise Correlacional - Relação entre verificou-se que o instrumento construído é uma
as variáveis (Correlações de Spearman) ferramenta adequada com caraterísticas
Agressor Vítima Testemunha psicométricas apropriadas e satisfatórias. Este
Coeficiente de instrumento permitiu identificar três grandes
1.00 .23** .35**
Agressor Correlação categorias de intervenientes dentro do fenómeno
Sig. . .00 .00 bullying, nomeadamente o agressor, a vítima e a
Coeficiente de testemunha, contribuindo para o aumento dos
1.00 .53**
Vítima Correlação
instrumentos de avaliação psicológica em
Sig. . .00
Portugal.
Coeficiente de
FatorFT 1.00 Os fatores do QIPB (agressor, vítima e
Correlação
Testemunha testemunha) estes estão correlacionados entre si, o
Sig. .
* A correlação é significativa no nível .01 (2 que significa que há uma relação entre os vários
extremidades) intervenientes no bullying, ou seja, quanto maior a
** A correlação é significativa no nível .05 (2 perceção que os alunos têm como agressores,
extremidades)
*** p<.05
maior a sua perceção como vítimas e também
maior a sua perceção enquanto testemunhas. Por
considerado bom pela literatura (Pestana & outro lado quanto maior a sua perceção como
Gageiro, 2008). Relativamente à consistência vítima, maior a sua perceção como testemunha.
interna individual de cada fator (Quadros 3 e 4), Este resultado demonstra que existe uma relação
verificou-se que o fator 1 do QIBP obteve um entre os diferentes papéis assumidos pelos
Alfa de Cronbach de.84 e designou-se o mesmo participantes numa situação de bullying. Numa
por agressor. Relativamente ao fator 2 do QIPB, dada situação podemos ter um agressor e esse
este apresentou um Alfa de Cronbach de.79, mesmo agressor noutro local ou em outras
denominou-se o mesmo por vítima. Finalmente, o circunstâncias, pode ser vítima ou até mesmo uma
fator 3 do QIPB revelou um Alfa de Cronbach de testemunha. Segundo Matos e Goncalves, (2009),
.71 e nomeou-se o mesmo de testemunha. Através o bullying, não é assim um fenómeno isolado, ele
dos resultados dos alfas acima expostos e da AFE provém de uma panóplia de situações abrangendo

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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 156

um amplo panorama e os papéis dos Brasileira de Psicologia Escolar e


intervenientes distribuem-se e/ou aumentam em Educacional, 16 (1), 35-44.
uma ou mais vitimas, agressores ou testemunhas. Berger, K. S. (2007). Update on bullying at
Como em qualquer investigação científica, school: Science forgotten? Developmental
existem sempre aspetos a melhorar. Neste sentido, Review, 27 (1), 90-126. doi: 10.1016/j.dr.2006
existiram algumas limitações importantes que .08.002
deverão ser mencionadas, estas prendem-se a Blaya, C. (2006). Violência e maus-tratos em
questões relacionadas a nível do tempo, a nível meio escolar. Lisboa: Instituto Piaget.
financeiro e a nível logístico. Para sugestões Carvalhosa, S. F., Lima, L., & Matos, M. G.
futuras, seria relevante estudar a diferenciação (2001). Bullying – A provocação/vitimização
entre o bullying e outras variáveis, possibilitando entre pares no contexto escolar português.
a ampliação do nosso conhecimento sobre as Análise Psicológica, 19 (4), 523-537.
mesmas e da sua possível relação com o Cuello, M., & Oros, L. (2013). Adaptación de una
fenómeno do bullying. Outra possível sugestão escala de agresividad física, verbal y
seria adaptar e validar o instrumento em outros relacional para niños argentinos de 9 a 13
países e culturas bem como realizar uma análise años. Revista Iberoamericana de Diagnóstico
fatorial confirmatória do mesmo. y Evaluación – e Avaliação Psicológica, 36
Finalizando, podemos verificar que o bullying (2), 209-229.
não é um fenómeno uniforme, mas sim Cunha, S. M. (s.d). Escala de Vitimação e
multicausal e bidirecional. É relevante Agressão Escolar (EVAE). Lisboa: Faculdade
compreender a magnitude deste problema, uma de Psicologia, Universidade Lusófona de
vez que atinge o individuo em diversas vertentes Humanidades e Tecnologias.
da sua vida (a nível psicológico, físico, familiar, Duck, R. (2005, julho). Bully/Victim relationship
relacional, social, entre outras) trazendo and school violence: An examination of the
consequências que por vezes até são irreversíveis, potencial for revenge among adolescents.
e que poderão prejudicar o indivíduo durante o Comunicação apresentada no 27th
seu desenvolvimento ao longo do seu ciclo vital. International School Psychology Colloquium,
Atenas, Grécia.
Referências Espinheira, F., & Jólluskin, G. (2009). Violência e
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As explicações dos maus-tratos em de Ciências Humanas e Sociais, 6, 106-115.
adolescentes portugueses. Possíveis vantagens Fante, C. (2005). Fenómeno Bullying: Como
de um instrumento narrativo para a prevenir a violência nas escolas e educar
compreensão do fenómeno. Revista para a paz. Campinas: Verus.
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– e Avaliação Psicológica, 19 (1), 31-54. (2006). O estudo da violência entre pares no
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Escala de Identificação dos Participantes do Bullying 157

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Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica. RIDEP · Nº45 · Vol.3 · 147-157 · 2017
Role Models, Contagions, and Copycats:
An Exploration of the Influence of Prior Killers
on Subsequent Attacks Peter Langman, Ph.D.

INTRODUCTION TERMINOLOGY

There is a great deal of interest in the idea that mass shootings The terms contagion, copycat, and role models may not refer to
have a contagion effect or can result in copycat attacks, i.e., clearly distinguishable dynamics. Some preliminary definitions,
that one attack leads to more attacks. Certainly, many school however, are provided here.
shooters have not only been aware of previous shooters, but A “general contagion” effect may occur for some perpetra-
have studied their attacks and their writings, and on occasion tors, meaning that someone perceives that mass attacks are
apparently sought to follow in their footsteps. becoming more common and this perception (whether accurate
In my book School Shooters: Understanding High School, Col- or not) makes it easier for him to proceed with his own attack.
lege, and Adult Perpetrators, I discussed three types of external This is discussed below in “Breaking the Taboo” and “Normal-
influence: peer influence, media violence, and role models / izing, or Finding a Peer Group.”
ideology. Though role models can be found among real people In contrast to this general contagion effect, there may be
as well as fictional characters (whether in books, movies, vid- more “specific contagion” effects related to the influence of
eogames, etc.), the focus in this document is on influence by one or more particular perpetrators. This is what is referred
actual people. to as role-modeling. The term copycat could possibly refer to
This document includes an exploration of role models for copying a specific perpetrator or perhaps also include copying
violence, but also considers other factors that might contribute attackers in general.
to the contagion or copycat effect. The second section provides
speculation and documentation regarding instances in which
one perpetrator may have found inspiration from previous per- BREAKING THE TABOO
petrators.
Finally, it must be kept in mind that influence is not causa- One way of understanding the concept of contagion is the pos-
tion. Knowing about a school shooter doesn’t cause someone sibility that the more the taboo against mass murder is broken,
to become a school shooter. For people already at risk or on a the easier it becomes for the next perpetrator. Each time that
path toward violence, however, external influences in the form of threshold is crossed may lower the threshold for people already
other mass attacks may be a factor in spurring them on toward on the path toward violence. Thus, the phenomenon may be
committing their own attack. feeding on itself, growing with each new incident.

WWW.SCHOOLSHOOTERS.INFO Copyright © 2016–2017 by Peter Langman, Ph.D. Version 3.1 (22 June 2017) 1
NORMALIZING, OR FINDING A PEER GROUP by Chris Harper-Mercer, the Umpqua Community College
shooter, who wrote a blog about Vester Flanagan’s murder of
Another aspect of the concept of contagion may be that it serves the television newscaster:
to normalize mass violence and those who commit it. If the po- On an interesting note, I have noticed that so many people
tential perpetrator feels alone, outcast, perhaps even despised, like him are all alone and unknown, yet when they spill a
studying shooters or joining an online forum or chat-group little blood, the whole world knows who they are. A man
about mass murderers gives them a virtual peer group. It is who was known by no one, is now known by everyone.
their way of joining a subculture in which they are not only His face splashed across every screen, his name across
normal, but perhaps feel themselves to be special, apart from the lips of every person on the planet, all in the course of
and above mainstream society. Multiple shooters have criticized one day. Seems the more people you kill, the more you’re
mainstream culture or society, as if they had greater insight in the limelight.²
than the masses of people. This includes Eric Harris, Sebastian
Bosse, Pekka-Eric Auvinen, and Adam Lanza. For those who feel like they are nobody, the path to becoming
Adam Lanza, for example, appears to have found two ways somebody is very simple — get a gun and shoot a lot of people. 
of creating virtual peer groups. He compiled a remarkably de- Thus, in addition to breaking the taboo against killing, mass
tailed spreadsheet of information on five hundred mass mur- shootings also generate incredible media attention. Perhaps
derers. Being immersed in this research may have made his some perpetrators are not as preoccupied with killing as with
own interest in homicide seem less aberrant. Similarly, Lanza, fame, with murder serving as the vehicle of their own elevation
who did not have a group of friends to hang out with, found to what seems to them like celebrity status.
an online forum that originally was focused on the videogame
Super Columbine Massacre but broadened into a discussion of LIST OF PERPETRATORS
mass murderers and movies about them. This was a place where
Lanza could communicate with people who shared his interests.
In one post, he wrote, “Serial killers are lame. Everyone knows The following list includes documented evidence as well as
that mass murderers are the cool kids.”¹ This comment did not speculation regarding the impact of prior killers on subsequent
elicit any alarm or condemnation on the forum. Apparently, in killers. Though the primary focus is on school shooters, non-
that context, such a comment was not strange or out of place. school shooters who may have influenced (or been influenced
Thus, both Lanza’s research and the online forum may have by) school shooters are also cited. There have also been many
served to make mass murder not only normal, but “cool.” potential or foiled attacks in which people cited Columbine or
other attacks as influences; these are not included here. Only
incidents in which people were shot are listed.
ROLE MODELS THAT LEGITIMATE VIOLENCE Though the idea of contagion is concerned with contem-
porary figures who may have inspired subsequent attackers,
Many shooters have found role models in the months or years historical figures are also noted as possible influences. Though
leading up to their atacks. Many school shooters were interested these may not have contributed to a current contagion, it is
in Hitler and the Nazis, while in the years since Columbine, interesting that perpetrators find role models from previous
many subsequent shooters have taken Eric Harris as a role decades, centuries, and even millennia.
model. Having a role model or an ideology that supports their The perpetrators are listed alphabetically, but their “follow-
violent intentions may serve the purpose of transforming what ers” (i.e., those subsequent shooters who referred back to them)
is otherwise aberrant and abhorrent into something admirable. are listed chronologically.
It validates, or legitimates, the urge toward violence. Finally, rather than using phrases such as “clearly was a role
There may not be a meaningful difference between finding model,” “appears to have been a role model,” or “might have
a peer group that normalizes one’s violent intentions and find- been a role model,” for the sake of simplicity people are simply
ing a role model to admire that inspires imitation. The possible listed as role models, with the reason for including them as
difference is that one involves more of a friendship among such presented and referenced. This should not be taken as a
equals, whereas the other consists of someone of lesser stature definitive determination of a contagion effect.
looking up to a more exalted figure. The end result, however, Following the list of perpetrators and their role models, a
appears to be the same. diagram illustrates the apparent lines of influence from Col-
umbine through subsequent attacks.
◆ ◆ ◆
SEEKING FAME

In some cases, the concept of contagion appears to be intimately


tied up with the idea of fame. This was perhaps best expressed

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DARION AGUILAR 25 January 2014 Nazis and Unabomber
He also was interested in the Nazis: “He became absorbed in
aguilar’s role models: totalitarian regimes, including North Korea and the German
Third Reich.”¹² Finally, Auvinen’s manifesto “was influenced
Eric Harris / Dylan Klebold
by Theodore Kaczynski’s Industrial Society and Its Future (the
Aguilar was not a school shooter, but he conducted thou- ‘Unabomber manifesto,’ 1995).”¹³
sands of online searches related to mass murder and showed
a “particular fascination with the Columbine shooting.”¹ He auvinen as role model: see Matti Saari.
reportedly imitated some of the clothing Harris wore on the
day of the attack and timed his attack to begin at about the
same time as Columbine.²
AMY BISHOP 12 February 2010

bishop’s role models:


PEKKA-ERIC AUVINEN 7 November 2007
Killer in the news
In 1986, long before Amy Bishop committed her mass at-
auvinen’s role models:
tack at the University of Alabama she shot and killed her
Eric Harris / Dylan Klebold brother with a shotgun, fled the scene, and tried to hijack a
Though Auvinen lived in Finland, his manifesto reveals car from a car dealership. She claimed the shooting was an
clear influence by Eric Harris. Not every similarity will be accident and it was accepted as such at the time. Interest-
cited here, but several will be pointed out. For example, ingly, however, an article was found in her room about a
Harris wrote multiple times about “natural selection” (see man who committed murder with a shotgun, fled the scene,
“Themes in the Writings of Eric Harris” at www.school- and hijacked a car from a car dealership. This suggests that
shooters.info). Auvinen also wrote about natural selection Bishop’s actions were copied from the news story.¹⁴
and titled his statement, “Natural Selector’s Manifesto.” Har-
ris wrote scathing comments about “retards,” and Auvinen
also complained about retards. Harris wrote about himself
ROBERT C. BONELLI, JR. 13 February 2005
as being above humanity and god-like, and Auvinen did,
too. Both also wrote about “existentialism.” bonelli’s role models:
More specifically, Harris wrote, “HATE! I’m full of hate Eric Harris / Dylan Klebold
and I love it.”⁵ Auvinen wrote, “Hate, I’m so full of it and I Though Bonelli was not a school shooter, he apparently
love it.”⁶ When Auvinen wrote, “Like some other wise people was obsessed with Columbine and had a large collection of
have said in the past, human race is not worth fighting for Columbine memorabilia in his home.¹⁵
or saving,”⁷ the wise man he was referring to was Eric Har-
ris, who wrote, “The human race isn’t worth fighting for
anymore . . . people just aren’t worth saving.”⁸ SEBASTIAN BOSSE 20 November 2006
On 2o April 2007, Auvinen “made his first comment in
the ‘Eric Harris and Dylan Klebold’ group in the irc-Galleria bosse’s role models:
social network. It was the anniversary of the Columbine
Eric Harris / Dylan Klebold, other school shooters
shooting.”⁹
In one of his journals, Bosse wrote:
Seung Hui Cho
ERIC HARRIS IS GOD! There is no doubt.
On the day of Cho’s attack, Auvinen wrote: “Hahhahhaa! A
It is scary how similar Eric was to me. Sometimes it
historic day. Cho Seung-Hui has just killed 33 people in a
seems as if I were to live his life again, as if everything
university in Virginia. The new record in so-called educa-
would repeat itself. I am not a copy of REB, VoDKa,
tional institution shootings.”¹⁰
Steinhäuser, Gill, Kinkel, Weise or anybody else! I am
October Revolution the advancement of reb! I learned from his mistakes,
Auvinen’s manifesto framed his shooting as a political revo- the bombs. I learned from his entire life.¹⁶
lution; he apparently picked the date of 7 November for the
Reb and VoDKa were the nicknames of Eric Harris and Dylan
attack because it was the anniversary of the October Revolu-
Klebold. The other references are to Robert Steinhäuser,
tion, also known as the Bolshevik Revolution that occurred
Kimveer Gill, Kip Kinkel, and Jeffrey Weise, all of whom
in Russia in 1917.¹¹
were school shooters. Later in the journal, he referred to
Harris, Klebold and himself as heroes.

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MICHAEL CARNEAL 1 December 1997 cre. They went for two days to Colorado. Alvaro was
excited to visit Columbine. He bought a trench coat
carneal as role model: see Eric Harris / Dylan Klebold. in Colorado because Eric Harris had worn a trench
coat during the Columbine massacre . . . On July 10, he
wrote that on the day of the massacre, “I will contact
ALVARO CASTILLO 30 August 2006 the principal of Columbine High School and tell him
about my plans” . . . He began to make pipe bombs
castillo’s role models: because Harris and Klebold used pipe bombs at Col-
Eric Harris / Dylan Klebold umbine; he learned how to make them from a movie
The first page of Castillo’s journal has a photograph of Har- about the Columbine massacre. On July 24 (his last
ris as well as the dates of Harris’s birth and death.¹³ Cas- day of therapy), he wrote, “I know that I am doing the
tillo attempted to kill himself on the seventh anniversary of right thing. We must remember Columbine. Sacrifices
the attack at Columbine, but his father intervened. Harris must be made.”²³
named one of his guns Arlene, and as Castillo noted in his He said he would buy black cargo pants and boots for
journal, he did the same. He noted his desire to buy clothes his shooting. He wrote, “I must do this! I have to show
to match those that Harris wore when he attacked Colum- the world Columbine.” . . . On August 29, he wrote,
bine High School: “I will buy black cargo pants and black “Well, tomorrow is the day that Hillsborough, NC will
boots online to complete the uniform that Eric was wearing remember Columbine once and for all” . . . Alvaro also
on April 20, 1999.”¹⁸ His journal refers to an autobiography talked about the significance he found in similarities
he had written that was saved on his computer with the title between the signs for Columbine and Orange High
“Columbine.” His journal also refers to the day of his attack Schools: “I’ve been looking for signs of Columbine in
as “Operation Columbine.” Orange High School. And look. Look at this. That sign,
The court case in the North Carolina Court of Appeals my friends, looks exactly like the one in Columbine . . .
(State of North Carolina v. Alvaro Rafael Castillo, No. coa10- It looks exactly like it. This is why it must happen.”²⁴
814¹⁹) contains a wealth of information regarding Castillo’s
fascination with Eric Harris and the attack at Columbine. [Castillo wrote:] “Today is the big day for Operation
The following passages are direct quotations from the court Columbine. It is time that the world be reminded of
report: Columbine. I will die today!” . . . He had written “Shoot
me” and “Columbine” in marker on the headband. He
On March 10, Alvaro wrote that he was obsessed with had written “Natural Selection” on the front of the T-
the Columbine massacre. He mentioned videos he had shirt [note: Harris had done this, too] and “Remember
seen about school shootings. He wrote that he felt Columbine, April 20, 1999, Littleton, Colorado” on the
sorry for the Columbine shooters — Eric Harris and back . . . According to [Officer] Ivey, Alvaro said “non-
Dylan Klebold — as well as for their victims. He ex- sensical things, talking about Columbine.” Alvaro said
pressed a physical attachment to Eric Harris, and he twice, “Kill me. Just kill me. Remember Columbine.”
worried about his sexuality.²⁰ Sheriff’s deputies arrived at the school. As Ivey put him
He also put in his journal photographs of the guns used into a patrol car, Alvaro said, “Remember Columbine.”²⁵
by Harris and Klebold and a photograph of their bodies Further light is shed on the reference to Castillo express-
after they had killed themselves . . . On March 29, Alvaro ing a physical attachment to Eric Harris by a passage in
wrote that he would kill himself with a shotgun because his journal: “Eric is just so good-looking. I can’t believe he
Eric Harris killed himself with a shotgun . . . On April 5, couldn’t get a date from the prom. If I was a girl, I would
Alvaro wrote that he had chosen April 20 (the seventh have gone to the prom with him. Does that sound gay,
anniversary of the Columbine shootings) for his suicide straight or bi[sexual]?”²⁶
and that he would kill himself at the exact time of day
that Eric Harris had killed himself.²¹ Kip Kinkel
Castillo deliberately committed his attack on Kip Kinkel’s
[Castillo wrote:] “Anyway, I now realize what I must birthday. The evidence for this is found in the court case:
do. I must commit a Columbine-like massacre at . . .
Orange High School.”²² On August 10, Alvaro wrote that he had chosen August
30 as the date for his planned Orange High School
In June, Alvaro told his mother that he wanted to visit massacre. He noted that it was the anniversary of the
Columbine High School in Colorado, and she agreed flooding of New Orleans from Hurricane Katrina and
to go with him. She somehow thought that visiting the birthday of Kip Kinkel, who killed his parents and
Columbine might end his obsession with that massa- then killed two students in a school shooting in 1998.²⁷

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Charles Whitman LAURIE DANN 20 May 1988
In 2006, Alvaro Castillo mentioned in his journal having
watched a documentary about Whitman, noting that the dann as role model: see James Wilson.
40th anniversary of Whitman’s attack was approaching.²⁸
John Hinckley WELLINGTON DE OLIVEIRA 7 April 2011
He was also interested in John Hinckley, who shot President
Reagan in 1981. He compared his obsession with a girl de oliveira’s role models:
(A.R.) he knew to Hinckley’s obsession with Jodie Foster:
“He observed that he was obsessed with A.R., just as John Seung Hui Cho
Hinckley, Jr. was obsessed with actress Jodie Foster when Wellington de Oliveira referred to Cho as “a brother”: “Like
he shot President Reagan.²⁹ Castillo also listed Hinckley as Cho, he says he was once weak and now is strong and will
someone he would he would like to meet.³⁰ seek revenge for himself and others who like him were
persecuted.”³⁵ Also, “Among the seven photos of Oliveira
Other role models recovered from his computer and released, two show him
Castillo “compiled an 18-page notebook with detailed de- in poses similar to those seen in photos of Cho;”³⁶ whether
scriptions and photographs of school shootings, other mass this was imitation or coincidence is unknown.
murders, and shooters, which he named, ‘Mass Murderers
and School Shootings of the 20th and 21st Centuries.’”³¹ The Edmar Freitas and Muslim terrorists
court report also quotes Castillo referring to Jeffrey Weise. De Oliveira identified with a previous Brazilian school shoot-
er, Edmar Freitas. In addition he was fascinated by Muslim
terrorists and told people he was Osama bin Laden.³⁷ In fact,
SEUNG HUI CHO 16 April 2007 his obsession with terrorists appears to have been the major
influence on his pursuing a path of violence.
cho’s role models:
Eric Harris / Dylan Klebold BRUCO EASTWOOD 23 February 2010
Cho’s interest in Columbine long pre-dated his attack. The
official report on the Virginia Tech shooting states, “During eastwood’s role models:
the 8th grade, suicidal and homicidal ideations are identi-
fied by Cho’s middle school teachers in his writing. It is Eric Harris / Dylan Klebold
connected to the Columbine shootings this year. (He refer- Eastwood reportedly wrote in a journal:
ences Columbine in school writings.)”³² The report also Where I come from they, or I should say, respect life
notes that shortly after the attack at Columbine: “Cho wrote 100%, but what do I do when I’m the only one who
a disturbing paper in English class that drew quick reaction understands that way. Are they going to listen, prob-
from his teacher. Cho’s written words expressed generalized ably not. Like Columbine H. S. Do they ever think that
thoughts of suicide and homicide, indicating that ‘he wanted some of us just ain’t playing?³⁸
to repeat Columbine,’ according to someone familiar with
the situation.”³³ In Cho’s manifesto, he identified with the
Columbine killers in the phrase, “we martyrs, like Eric and CHAD ESCOBEDO 10 April 2007
Dylan.”³⁴
escobedo’s role models:
Hitler and Manson
Cho also used the number “88” in his manifesto, citing Eric Harris / Dylan Klebold
it as the number of the Anti-Terrorist. The number 88 is Escobedo reported to law enforcement officials that he had
sometimes used to mean “Heil Hitler” because “h” is the watched a documentary on Columbine and shortly after this
8th letter of the alphabet. Whether this was Cho’s reason had the idea to commit his own attack.³⁹
for using it is unknown.
Cho also used the name Ax Manson in his fiction;
whether or not this was a reference to Charles Manson is VESTER FLANAGAN 26 August 2015
also unknown.
flanagan’s role models:
cho as role model: see Matthew Murray, Steven Kazmierczak,
Pekka-Eric Auvinen, Matti Saari, Wellington de Oliveira, Adam Eric Harris / Dylan Klebold and Seung Hui Cho
Lanza, Aaron Ybarra, Vester Flanagan, and Chris Harper- According to one source, Flanagan “expressed admiration
Mercer. for the gunmen who carried out mass shootings at Virginia
Tech in 2007 and Columbine High School in 1999.”⁴⁰ An-

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other source quoted Flanagan’s manifesto: “I was influ-
enced by Seung Hui Cho. That’s my boy right there. He got
NEARLY double the amount that Eric Harris and Dylann ANDREW GOLDEN
[sic] Klebold got.”⁴¹ Based on this, it isn’t clear that he ad- MITCHELL JOHNSON 24 March 1998
mired Harris and Klebold or if he were just using them for
comparison; the manifesto has not been released. golden and johnson’s role model:
Joseph Todd
EDMAR FREITAS 27 January 2003 On 24 March 1998, Golden and Johnson committed their
attack in Jonesboro, Arkansas. They did not enter the school,
freitas as role model: see Wellington de Oliveira. but carried out a sniper attack from the woods overlooking
the school. In my book, Why Kids Kill: Inside the Minds of
School Shooters, I speculate that Golden got the idea for the
KIMVEER GILL 13 September 2006 attack from Joseph Todd, who committed a sniper attack
from the woods by his school in Stamps, Arkansas on 15
gill’s role models: December 1997.
Eric Harris / Dylan Klebold and Nazis During his deposition (after his release), Johnson said
Gill’s online postings reveal his interest in Harris and Kle- that Golden first approached him with the idea of the attack
bold. In a list of “Likes” he includes “Reb and V (Modern around Christmas, 1997.⁵⁴ This would have been shortly
Day Saints).”⁴² Reb was Harris’s nickname and V was short after Todd’s attack. As I noted in Why Kids Kill:
for Vodka, which was Klebold’s nickname. Gill also appears Although there is no proof that Drew [Golden] knew
to imitate Eric Harris. For example, Harris wrote “Ich bin of the shooting, there are several reasons to think this
gott” (German for “I am God”) and Gill also wrote “Ich bin event may have influenced the boy’s plan. It occurred
gott.”⁴³ (See “Themes in the Writings of Eric Harris” at www. in the same state and would have been covered in tele-
schoolshooters.inf regarding his writing of this phrase.) vision news and in newspapers. Drew first mentioned
There are other possible connections to Columbine but they his idea for the attack to Mitchell shortly after Todd’s
may be coincidental. For example, Gill wrote that “Black shooting. And all three boys carried out their shoot-
leather Trenchcoats rule.”⁴⁴ Whether this was related to his ings from hidden, protected areas. Joseph Todd did not
interest in Harris and Klebold is unknown. Another possible enter the school and shoot people; he hid in a wooded
connection is that Harris wrote about his desire to “KILL area near the school and gunned people down from a
MANKIND” and “Destroy as much as possible,”⁴⁵ and Gill distance. This is precisely what Drew and Mitchell did.⁵⁵
wrote, “Destroy all mankind.”⁴⁶ Similarly, Harris wrote about
himself as god-like (see “Themes in the Writings of Eric golden and johnson as role models: see Andrew Wurst,
Harris) and Gill wrote, “I am God.”⁴⁷ Harris wrote about Kip Kinkel, and Eric Harris / Dylan Klebold.
the government “lying to everyone all the time”⁴⁸ and Gill
wrote that the “governments of the world keep lieing [sic]
ERIC HAINSTOCK 29 September 2006
to the people of the world.”⁴⁹
Gill may have also imitated Harris in his fascination
hainstock’s role models:
with the Nazis, or perhaps this was something Gill came
to on his own. His online posts include praise of Aryans,⁵⁰ Eric Harris / Dylan Klebold
the phrase “Germany rulz” (i.e., “rules”),⁵¹ and multiple Hainstock reportedly “invoked Columbine” in the days lead-
repetitions of “Heil Heil Heil.”⁵² ing up to his attack.⁵⁶

gill as role model: see Sebastian Bosse.


CHRIS HARPER-MERCER 1 October 2015

ROBERT GLADDEN 27 August 2012


harper-mercer’s role models:

gladden’s role models: Various killers


Based on the videos he uploaded, Harper-Mercer appears
Eric Harris / Dylan Klebold
to have been interested in Adam Lanza. The final video
Gladden reportedly listed Harris and Klebold on his Face-
he uploaded, just three days before his attack, “was a bbc
book page as inspirations.⁵³
documentary called Surviving Sandy Hook about the school
shooting in Newtown, Connecticut, in 2012.”⁵⁷ According to

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another source, he also uploaded “an interview with Charles this paper, but his choice of topic shows his awareness of
Manson and documentaries about the 1999 Columbine other shooters and an interest in the phenomenon.
massacre and the 2007 Virginia Tech shooting.”⁵⁸ He may
Andrew Golden / Mitchell Johnson
also have had an interest in the Nazis. One source stated,
Harris also apparently referred to Golden and Johnson but
“His username on the dating site Spiritual Passions was
thought they were in Kentucky: “Do not think we’re trying
ironcross45, an apparent reference to the Nazi military hon-
to copy anyone. We had the idea before the first one ever
our.”⁵⁹ Another source noted that he had the movie ufo
happened. Our plan is better, not like those fucks in Ken-
Secrets of the Third Reich.⁶⁰ Finally, as noted in the introduc-
tucky with camouflage and .22s.”⁶⁷ Though he denied being
tion, Harper-Mercer apparently imitated Vester Flanagan in
influenced by them, this needs to be taken with a grain of
an attempt to achieve notoriety.
salt. Harris wrote repeatedly about the issue of influence
and how much he wanted to never be influenced by anyone,
MARK RICHARD HARRIS 4 August 1966 but recognized that this was impossible (see “Themes in
the Writings of Eric Harris” at www.schoolshooters.info).
harris’s role models:
harris and klebold as role models: see Todd Cameron
Charles Whitman and Richard Speck Smith, T.J. Solomon, Seth Trickey, Andy Williams, Jason Hoff-
Harris committed a random murder, not a school shooting, man, Robert Steinhäuser, Robert Bonelli, James Newman,
three days after Charles Whitman’s attack in Austin and just Jeffrey Weise, Alvaro Castillo, Kimveer Gill, Eric Hainstock,
a few weeks after Richard Speck’s mass murder in Chicago. Sebastian Bosse, Chad Escobedo, Seung Hui Cho, Pekka-Eric
After his capture, he said, “I wanted to have fun like the Auvinen, Matthew Murray, Steven Kazmierczak, Matti Saa-
guys in Chicago and Austin who had fun killing people.”⁶¹ ri, Tim Kretschmer, Bruco Eastwood, Robert Gladden, Adam
Lanza, Jose Reyes, Karl Pierson, Darion Aguilar, Alex Hribal,
Geddy Kramer, Aaron Ybarra, Vester Flanagan, Chris Harper-
ERIC HARRIS / DYLAN KLEBOLD 20 April 1999 Mercer, and Randy Stair.

harris and klebold’s role models:


Hitler and Manson JASON HOFFMAN 22 March 2001
During their senior year at Columbine High School, Eric
Harris wrote a paper on Hitler and the Nazis,⁶² and Dylan hoffman’s role models:
Klebold wrote one on Charles Manson and his “family.”⁶³ In Eric Harris / Dylan Klebold
his journal, Harris commented on the assignment he was According to a reporter, Hoffman “made a reference to the
writing: “by the way, this Nazi report is boosting my love of Columbine High massacre in class earlier this year and
killing even more.”⁶⁴ He also wrote: simulated guns with his hands, a classmate said.”⁶⁸
I fucking can’t get enough of the swastika, the SS, and
the iron cross. Hitler and his head boys fucked up a
few times and it cost them the war, but I love their ALEX HRIBAL 9 April 2014
beliefs and who they were, what they did, and what
they wanted.⁶⁵ hribal’s role models:

In Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters, I wrote Eric Harris / Dylan Klebold
about the apparent influence of these figures on Harris and Though Hribal committed a mass stabbing at his school
Klebold. See also my article, “Influences on the Ideology rather than a shooting, he was clearly influenced by the
of Eric Harris” at www.schoolshooters.info. For additional attack at Columbine. Hribal’s final letter stated, “I would
information regarding Harris’s interest in Hitler and the Na- be nothing and this whole event would never occur if it
zis, see “jcso Columbine Documents Organized by Theme” weren’t for Eric Harris and Dylan Klebold of Columbine
at www.schoolshooters.info. High School.”⁶⁹ A few sentences later he wrote, “I became a
prophet because I spread the word of a God, Eric Harris.”⁷⁰
Michael Carneal
Regarding possible influences from previous school shoot- Caesar and Lenin
ers, Eric Harris wrote a paper called “Guns in School” (dated Hribal also wrote that Julius Caesar and Vladimir Lenin
10 December 1997).⁶⁶ He referenced the recent shooting by became gods.⁷¹
Michael Carneal (1 December 1997), though he erroneously
said it occurred in Texas. There is no indication that Harris
was thinking of committing an attack at the time he wrote

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STEVEN KAZMIERCZAK 14 February 2008 school and both said, ‘Hey, that’s pretty cool.’”⁷⁹ Two months
after Jonesboro, Kinkel carried out his attack.
kazmierczak’s role models:
Ted Kaczynski (Unabomber)
School shooters, mass murderers, serial killers, terrorists Kinkel “had made comments to other students about his
According to the official report on his attack: ability to build bombs . . . and had expressed admiration for
the Unabomber.”⁸⁰
Throughout his lifetime, Steven Kazmierczak was never
able to shake his obsessional interest in violence, de- kinkel as role model: see Alvaro Castillo, Sebastian Bosse,
struction, murder, and the macabre. Wherever he hap- Adam Lanza, and Jose Reyes.
pened to find it, whether in video games, films, books
about serial killers, Hitler, reports of new horrors on the
nightly news, Columbine, Jeffery Dahmer or Virginia
GEDDY KRAMER 29 April 2014
Tech, it all fascinated him and he could never seem to
get enough.⁷² kramer’s role models:

The report also noted, “The niu assailant spoke persistently Eric Harris / Dylan Klebold
and admiringly of Adolph [sic] Hitler, Jeffrey Dahmer, Ted Kramer was not a school shooter, but he viewed them as role
Bundy, and other mass murderers. He examined the meth- models. He wrote, “I’ve found that Eric Harris and Dylan
ods of the Columbine and Virginia Tech killers.”⁷³ Klebold are some of my heroes . . . So I’m going to go out
Kazmierczak’s interest in violence showed up in his guns blazing.”⁸¹
academic writings, which included “Hamas: The History
and Ideology of the Islamic Resistance Movement” and “No TIM KRETSCHMER 11 March 2009
Crazies with Guns!: A Brief Summary of the Aftermath of
Virginia Tech and the Ensuing Debate Over Mental Health
kretschmer’s role models:
and Gun Control Legislation.”⁷⁴
Kazmierczak openly discussed his fascination with Eric Harris/Dylan Klebold
school shootings with his friends: “Steve admired how Cho Kretschmer reportedly researched Columbine.⁸²
thought to chain the doors, how Dylan and Eric planned to
Robert Steinhäuser
create confusion with the propane-tank bombs.”⁷⁵ He talked
Kretschmer, like Steinhäuser, was a German school shooter.
about “the methodology of Columbine, going through weap-
Kretschmer wrote an essay for school about Steinhäuser’s
ons choices, the plan, each step, what they could have done
shooting; whether he was given this topic to write on or
differently.”⁷⁶ When Cho committed his attack,
chose it himself is unknown.⁸³
“Steve’s excited. He’s firing off emails. ‘Crazy,’ he tells Kretschmer also participated in an online forum devoted
Jessica [his on and off girlfriend], and sends her Cho’s to school shootings where he reportedly commented, “the
writings. He’s all over this with Kevin [a friend], studying funny thing is that even when that person announces it,
everything. The writings, where Cho bought his guns, nobody believes him.”⁸⁴
his mental-health history, the photos, the planning, the
kretschmer as role model: see Ali Sonboly.
timing, even his favorite songs.”⁷⁷

In addition to school shooters and serial killers, Kazmier-


czak reportedly was interested in domestic terrorism, such T.J. LANE 27 February 2012
as the Oklahoma City bombing, as well as the incident in
Waco, Texas.⁷⁸ lane as role model: see Jose Reyes.

kazmierczak as role model: see Adam Lanza.


ADAM LANZA 14 December 2012

KIP KINKEL 21 May 1998 lanza’s role models:

kinkel’s role models: Eric Harris / Dylan Klebold, a multitude of mass murderers
Lanza studied mass murderers perhaps more than any other
Andrew Golden / Mitchell Johnson school shooter. He compiled a massive spreadsheet that
Kinkel was reported to have been interested in the Jonesboro contained data on five hundred mass murderers.⁸⁵ He also
attack. According to Frontline, Kip and a friend “watched mentioned various school shooters and other killers in his
some of the school shootings coverage on tv monitors at online posts.⁸⁶ According to the official report, he had “an

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obsession with mass murders, in particular the April 1999 MATTHEW MURRAY 9 December 2007
shootings at Columbine High School.”⁸⁷ Lanza’s computer
contained “hundreds of documents, images, [and] videos murray’s role models:
pertaining to the Columbine H.S. massacre including what
Eric Harris / Dylan Klebold, other shooters
appears to be a complete copy of the investigation.”⁸⁸
Though Murray did not commit a school shooting, he re-
The official reported also noted that Lanza had “a New
York Times article from February 18, 2008, regarding the portedly was influenced by school shooters as well as other
killers. Evidence from his computer indicated he had re-
school shooting at Northern Illinois University”⁸⁹ by Steven
searched school shooters including Harris and Klebold,
Kazmierczak. According to Matthew Lysiak’s book on the
Seung Hui Cho, and Duane Morrison. He also studied other
Sandy Hook attack, Lanza seemed particularly interested
perpetrators of violence, including Ricky Rodriguez, Sulej-
in Kazmierczak.⁹⁰ Other killers Lanza reportedly showed
man Talovic, and Robert Hawkins.⁹⁸ Murray also posted
more interest in than most (based on Lysiak’s investigation)
a message online that was copied from Eric Harris’s writ-
included James Holmes, Jared Loughner, Charles Roberts
iv, John Allen Muhammad and Lee Boyd Salvo, and An- ings.⁹⁹
ders Behring Breivik. Also, Lanza’s computer contained Kip
Kinkel’s confession⁹¹ as well as documents about George JAMES NEWMAN 14 March 2006
Sodini,⁹² Robert Hawkins,⁹³ and James Huberty.⁹⁴ In addi-
tion, Lanza referred to “the enthusiasm I had back when newman’s role models:
Virginia Tech happened.”⁹⁵
Eric Harris / Dylan Klebold, other school shootings
lanza as role model: see Chris Harper-Mercer, Karl Pierson, Newman reportedly “researched Columbine and other
and Randy Stair. school shootings online, and read copies of diaries and
journals left behind by Eric Harris and Dyland Klebold.”
He also told the police that Columbine “kind of inspired
MARC LÉPINE 6 December 1989
me. If they could do it, I thought I could do it.”¹⁰⁰
lépine’s role models:
BRYAN OLIVER 10 January 2013
Denis Lortie
In his suicide note, Lépine referred to Denis Lortie.⁹⁶ In
1984, Lortie had stormed the Canadian Parliament in a oliver’s role models:
murderous rampage attack against the government. The Unspecified school shooters
reference to Lortie was perhaps Lépine’s way of framing Oliver reportedly talked with his peers about “school shoot-
murder as a political act. ings.”¹⁰¹ I have not found any other details.
Julius Caesar Hitler
In addition, Lépine’s suicide note contained a quote that is Oliver also appears to have had a fascination with Hitler
attributed to Julius Caesar (“Alea Iacta Est,” which is Latin and sent a text message stating “I’m right as Hitler was.”¹⁰²
for “the die is cast”). Whether or not this is evidence that
Caesar was a role model is unknown.
KARL PIERSON 13 December 2013
Hitler
According to his mother, Lépine had “once admitted to being
pierson’s role models:
a fervent admirer of Adolf Hitler.”⁹⁷
Eric Harris / Dylan Klebold
Pierson not only studied the attack at Columbine, but made
JOHN McLAUGHLIN 24 September 2003 a PowerPoint presentation based on the book, Columbine: A
True Crime Story, by Jeff Kass.¹⁰³ A search of his computer
m c laughlin as role model: see Jeffrey Weise. revealed that Pierson had done online research on Colum-
bine and had downloaded photographs of the school.¹⁰⁴ In
addition, he had a copy of my book Why Kids Kill: Inside
DUANE MORRISON 27 September 2006
the Minds of School Shooters,¹⁰⁵ which includes profiles of
ten school shooters. Though he may have studied multiple
morrison as role model: see Matthew Murray.
shooters in the book, his primary influence appears to have
been Eric Harris. As I wrote in my article on Pierson:

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Pierson’s journal echoed the words of Eric Harris. For ROBERT POULIN 27 October 1975
example, Harris wrote, “I’m full of hate and I love it.”
Pierson wrote, “I am filled with hate, I love it.” Similarly, poulin’s role model:
Harris said, “It’s a weird feeling knowing you’re going to
Michael Slobodian
be dead in two and a half weeks.” Pierson wrote, “It’s
weird going through life knowing that in 19 days, I’m
Robert Poulin committed his attack on 27 October 1975 at
going to be dead.” Also, Harris and Klebold referred to
St. Pius X in Ottawa, Ontario. At that time, school shoot-
their attack as “nbk,” which was the abbreviation for
ings were much less frequent than they have since become.
Where did Poulin get the idea to commit such an attack?
one of their favorite films, Natural Born Killers. Like
One possibility is that he had read about Michael Slobodian’s
Harris and Klebold, Pierson used the abbreviation “nbk”
attack, also in Ontario, that occurred five months earlier (28
and he listed the film as one that he liked. In another
possible imitation, Pierson wrote “kmfdm” on a test
May 1975). The authors of the book about Poulin compared
at school when he got a disappointing grade (this may
the two attacks and believed that Slobodian’s attack was a fac-
have been meant as an indirect threat to the teacher;
tor in Poulin’s decision to commit a shooting at his school:
the abbreviation is generally translated as “no mercy/ The reason the two incidents can be related with such
pity for the majority”); kmfdm was one of Harris’s fa- certainty is that in the April 7 diary entry, in which the
vorite music groups. Ottawa youth [i.e., Poulin] mapped out his master plan,
Prior to going on his rampage, Pierson went bowl- there is no mention whatsoever of his school, or any
ing. This may have been done in imitation of Eric Harris hatred he may have had towards fellow students and
and Dylan Klebold, who allegedly went bowling the teachers. It seems likely that if St. Pius had been part
morning of their attack. Though this turned out to be of Robert’s plan in April, he would have written about
false, the idea became widespread, and inspired the it. Therefore, he may have picked up the idea sometime
title of the film Bowling for Columbine.¹⁰⁶ between April 7 and October.¹¹⁴
Adam Lanza The authors concluded that Poulin got the idea of commit-
Pierson was interested in the Sandy Hook shootings and ting a school shooting after reading about Slobodian’s attack.
not only had photographs of the incident but showed them Though this may have likely been the case, there is no solid
to his peers. He even thought they were “funny in a crude evidence to confirm it.
way.”¹⁰⁷ It was also reported that he “had photoshopped a
Korean pop star in the Newtown photos” and thought they
were “hilarious.”¹⁰⁸ JOSE REYES 21 October 2013

Other school shootings reyes’s role models:


Besides having conducted online searches for Columbine
and Sandy Hook, Pierson also searched for “school mas- Eric Harris / Dylan Klebold, Kip Kinkel, T.J. Lane, the Nazis
sacres” in general.¹⁰⁹ Though Reyes was interested in Columbine, his fascination
with violence went beyond this one incident. He searched
Julius Caesar, Hannibal, and Hitler online for information on the Nazis as well as Kip Kinkel.¹¹⁵
Pierson also appears to have found inspiration in historical He also used the internet to find photographs of Eric Har-
figures. Pierson was interested in Hitler and the Nazis and ris and Dylan Klebold in the cafeteria of Columbine High
had a swastika as his computer’s screensaver.¹¹⁰ He wrote School, music videos that included scenes of the attack at
on his arm “Alea Iacta Est,” which is Latin for “the die is Columbine, and a photograph of school shooter T.J. Lane.¹¹⁶
cast” and is attributed to Julius Caesar.¹¹¹ Marc Lépine had
also used this quote; whether or not Pierson knew this is
unknown. Pierson named his attack Saguntum,¹¹² after a CHARLES ROBERTS IV 2 October 2006
town that had been annihilated by Hannibal. The full name
of the attack, however, was Saguntum88.¹¹³ As noted above roberts as role model: see Adam Lanza.
in the section on Seung Hui Cho, “88” could refer to “Heil
Hitler.”
ELLIOT RODGER 23 May 2014

rodger’s role models:


Nazis and George Sodini
Rodger did online research on several Nazis, including Hit-
ler, Himmler, and Goebbels. He also researched George

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Sodini, who committed an attack against women at an LA school. He ordered a handgun from the Web site of
Fitness center in 2009.¹¹⁷ the same shop where Auvinen bought his weapon.
They shared the same social network in YouTube.¹²²

JON ROMANO 9 February 2004 The official report on Saari noted that he used the internet
to view “material on the Columbine and Jokela school shoot-
romano’s role models: ings.”¹²³ Another source noted that in 2007, Saari’s friends
“observed his interest in the Columbine, Virginia Tech, and
Eric Harris / Dylan Klebold Jokela shootings.”¹²⁴
This is an ambiguous case. On the one hand, Romano left a
note about having watched the film Bowling for Columbine.
On the other hand, after the attack he reportedly wrote, “It MICHAEL SLOBODIAN 28 May 1975
was said that I ‘studied’ Columbine and was trying to repeat
it. That’s just ridiculous.”¹¹⁸ slobodian as role model: see Robert Poulin.

MATTI SAARI 23 September 2008 ROBERT BENJAMIN SMITH 12 November 1966

saari’s role models: smith’s role models:


Eric Harris / Dylan Klebold, Pekka-Eric Auvinen, Richard Speck and Charles Whitman
Seung Hui Cho Robert Benjamin Smith committed his attack a few months
Less than a year after Auvinen’s attack, Matti Saari commit- after those of Speck and Whitman, and after he was cap-
ted another school shooting in Finland. He apparently was tured, he told police that he got the idea for mass murder
influenced by the Columbine killers as well as Auvinen. from these attacks.¹²⁵
Regarding his interest in Columbine, “Clips from the 1999
Other role models
Columbine school shootings in Colorado were listed among
Smith also appears to have had other role models for vio-
his favorite videos.”¹¹⁹
lence, including Julius Caesar, Napoleon, John Wilkes
As I wrote in an article on Auvinen and Saari:
Booth, Jesse James, Lee Harvey Oswald, and Hitler.¹²⁶
Saari, like Auvinen, admired Harris and Klebold. In ad-
dition, however, he also admired Auvinen. He traveled
TODD CAMERON SMITH 28 April 1999
to Jokela and took photographs of the school where
Auvinen committed his rampage. He also bought guns
from the same company that Auvinen bought his guns smith’s role models:
from. And, like Auvinen, he not only shot people but set Eric Harris / Dylan Klebold
fires in the school. On the day of his attack, Auvinen Todd Cameron Smith, whose attack on 28 April 1999, was
wore a shirt that said, “Humanity is overrated.” Sev- just eight days after the Columbine shooting, reportedly
eral days before his attack, Saari got drunk and said to “alluded to the Littleton massacre” to one or more peers,
people, “Humanity is overrated.”¹²⁰ noting that he had a gun and “thought it would be cool to
In addition: see what it felt like to shoot somebody.”¹²⁷ Like Harris and
Klebold, Smith committed his at lunchtime, and also like
The perpetrator’s [Saari’s] hair and dressing style had Harris and Klebold, he wore a trench coat.¹²⁸
undergone a change during the summer preceding the
incident. He now combed his hair back and wore a
black leather jacket, which attracted attention. His T.J. SOLOMON 20 May 1999
new style was reminiscent of that of the Jokela school
killer [Auvinen].¹²¹ solomon’s role models:

Researchers noted numerous similarities between Saari’s Eric Harris / Dylan Klebold
and Auvinen’s attacks: T.J. Solomon committed his attack just a month after Col-
umbine. Following the shooting at Columbine, he made
There are many indications that Saari was influenced
“a statement to others in reference to Columbine about
by Auvinen. He followed the same procedure of leav-
doing it differently and saying how cool it was.”¹²⁹ He report-
ing a media package in Rapidshare, entitled “Massacre
edly “began to talk about Columbine in odd ways to other
in Kauhajoki.” He took similar photos of himself with
people.”¹³⁰ During a scout meeting in which Columbine
a gun, visited Jokela, and photographed Jokela high

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was discussed, Solomon said, “I should do something like Breivik, the white supremacist who murdered 77 people
that,” adding that “‘it should have happened to our school in Norway in 2011. The massacre in Munich took place
a long time ago,’ that he ‘could understand’ the Columbine on the fifth anniversary of the Norway attacks and
killers ‘wanting to shoot the jocks and preps.’”¹³¹ Sonboly had recently changed a profile picture on an
Prior to his attack, he had written a statement about why online messaging service to one of Breivik.¹³⁹
he was doing this, commenting:
For the sake of my brothers and sisters related to the RANDY STAIR 8 June 2017
trench coat mafia [a group that in the immediate after-
math of the attack at Columbine it was believed Harris stair’s role models:
and Klebold belonged to], that will have to remain a
mystery to the public eye. I have been planning this for Eric Harris / Dylan Klebold
years, but finally got pissed off enough to really do it.¹³² Though Stair was not a school shooter (he committed his
attack at Weis Market), he was obsessed with Columbine and
After his attack, he explained, “I had just gotten the idea in particular with Eric Harris. His journal quotes Harris and
from the shooting at Columbine High School on April 20. refers to him as a “hero.” He wrote, “I cannot get Columbine
So the Monday of the May 20 shooting, I decided to open off my mind” and expressed a wish to meet Harris in the
fire May 20, one month after the Colorado shooting.¹³³ In afterlife. Shortly before his attack, he wrote, “As of right now
another statement, Solomon “emphasized how much he . . . Weis Markets is officially Columbine High School.” He
envied the attention that the Columbine killers got as a imitated Harris by making three shirts that said “Natural
result of their deeds. He said that he was thinking of that Selection,” just like the shirt Harris wore on the day of the
when he acted.”¹³⁴ attack. He acknowledged Harris’s birthday and the anniver-
The assistant prosecuting attorney on the case stated, sary of the attack, writing “18 YEARS OF COLUMBINE.”
“Columbine was the trigger that gave T.J. the permission to He wrote several times that he loved Harris.¹⁴⁰
do it. It showed a way that T.J. could gain power; he could
be in control. He envisioned he could be someone; that he Other role models
could be infamous.”¹³⁵ Stair also expressed interest in meeting “dead celebs” such as
Lee Harvey Oswald, Adam Lanza, and Timothy McVeigh.¹⁴¹

ALI SONBOLY 22 July 2016


ROBERT STEINHÄUSER 26 April 2002
sonboly’s role models:
steinhäuser’s role models:
Tim Kretschmer and other school shooters
Though Sonboly did not commit a school shooting, there is Eric Harris / Dylan Klebold
reason to believe that he found role models among them. Steinhäuser reportedly researched Columbine online,
First, he owned a copy of my book, Why Kids Kill: Inside the discussed the attack with his friends, reportedly was im-
Minds of School Shooters.¹³⁶ Whether he was interested in one pressed with Harris and Klebold’s execution of the attack,
or more particular shooters, or perpetrators in general, is and was both appalled but fascinated by photographs of
unknown. More specifically, “Sonboly had visited the scene the victims.¹⁴²
of a school shooting in the German town of Winnenden steinhäuser as role model: see Tim Kretschmer and Sebas-
in 2009, when Tim Kretschmer, 17, killed 15 people at his tian Bosse.
former school before fleeing and killing himself.”¹³⁷ While
there, Sonboly took photographs.
JOSEPH TODD 15 December 1997
Hitler
Sonboly “boasted to friends that he was proud to be an
todd as role model: see Andrew Golden / Mitchell Johnson.
“Aryan”, citing Iran as the land where Aryans originated . . .
Sonboly boasted of having the same birthday as Hitler, 20
April, saying it was an “accolade.”¹³⁸ SETH TRICKEY 6 December 1999
Anders Breivik
Sonboly also appears to have sought to follow in the foot- trickey’s role models:
steps of Norwegian killer Anders Breivik: Eric Harris / Dylan Klebold
police discovered extremist material linked  to mass According to a psychiatrist who evaluated Trickey after his
shootings, including the attack by Anders Behring attack, Trickey “was strongly influenced by media accounts

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of their [Harris and Klebold’s] April 20, 1999, rampage . . . ANDY WILLIAMS 5 March 2001
He started wondering what he would do if he were placed in
the role of the perpetrators that were previously depicted on williams’s role models:
the tv and media.”¹⁴³ Elsewhere it was reported that Trickey
Eric Harris / Dylan Klebold
had “a yearning to know what it was like to be in the shoes
Andy Williams “had told as many as a dozen people he was
of Columbine perpetrators Harris and Klebold.”¹⁴⁴
going to ‘pull a Columbine.’”¹⁴⁹
General Patton
In addition to the Columbine influence, “Several psycholo-
gists who interviewed Trickey said that what pushed him to JAMES WILSON 26 September 1988
act was his obsession with military tactics and his identifica-
tion with World War ii Gen. George Patton.”¹⁴⁵ wilson’s role models:
Laurie Dann
JEFFREY WEISE 21 March 2005 On 20 May 1988, Laurie Dann committed a bizarre, multi-
faceted rampage attack. On 6 June 1988, People magazine
weise’s role models: published an article about Dann and her rampage.¹⁵⁰ This
article was so fascinating to James Wilson that he tore it out
Eric Harris / Dylan Klebold of the magazine and reportedly read it daily until he com-
Weise mentioned Columbine in a short story, but there is mitted his own attack on 26 September 1988.¹⁵¹
no direct indication that his attack was influenced by Harris
and Klebold. John Wayne Gacy
In addition, Wilson was fascinated by true crime stories and
John McLaughlin read a biography of John Wayne Gacy,¹⁵² who had killed over
The same story mentioned the school shooting at Cold thirty men and boys and buried at least some of the bodies
Spring, which was an attack by John McLaughlin.¹⁴⁶ Though on his own property. The morning of Wilson’s shooting,
McLaughlin’s attack has not received the attention of many he asked his grandmother, “Would you live in a house with
school shootings, it is not surprising that Weise was aware of thirty bodies buried under it?”¹⁵³
it because it occurred in Minnesota, which is where he lived.
Hitler ANDREW WURST 24 April 1998
He also joined a neo-Nazi forum and expressed his admi-
ration for Hitler. His name on the form was “Todesengel,” wurst’s role models:
which is German for “Angel of Death.”¹⁴⁷
Andrew Golden / Mitchell Johnson
weise as role model: see Alvaro Castillo and Sebastian Bosse. The Jonesboro attack occurred on 24 March 1998. Shortly
after this, Wurst “said he was going to do something like
that someday.” He also remarked, “That Jonesboro thing,
CHARLES WHITMAN 1 August 1966
that would be like me bringing a gun to the dinner dance.”¹⁵⁴
Wurst did exactly that — he brought a gun to the school din-
whitman’s role models:
ner dance and opened fire. He did this on 24 April 1998
In Cold Blood and Richard Speck — one month to the day after the Jonesboro attack.
As noted by Whitman’s biographer, Gary Lavergne, Whit-
Napoleon and Hitler
man’s decision to commit mass murder may have been
In addition, Wurst reportedly talked about thinking that
influenced by the fact that the book In Cold Blood (about a
Hitler was “cool.”¹⁵⁵ It was also reported that both Hitler
mass murder) was a best-seller in 1966, and less than three
and Napoleon were his heroes because of their ability to
weeks before his own attack, Richard Speck committed a
lead people.¹⁵⁶
mass murder that was called “the crime of the century.”
Lavergne stated, “The power of mass murder to capture
the attention of, to shock, and to break the heart of a nation AARON YBARRA 5 June 2014
could not have escaped Charlie.”¹⁴⁸
ybarra’s role models:
whitman as role model: see Mark Richard Harris, Robert
Benjamin Smith, and Alvaro Castillo. Eric Harris / Dylan Klebold, Seung Hui Cho
Ybarra reported being influenced by Eric Harris and Seung
Hui Cho. In his journal he wrote, “Since Virginia Tech and

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Columbine, I’ve been thinking about these a lot. I used to the voices of Harris and Cho talking to him.¹⁵⁸ Also after
feel bad for the ones who were killed, but now Eric Harris the attack, Ybarra told police “that he had been inspired
and Seung Hui Cho became my idols. And they guided me by the killers in the Columbine shooting and the Virginia
til[l] today.”¹⁵⁷ After the attack, Ybarra claimed to have heard Tech shooting.”¹⁵⁹

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APPENDIX: THE INFLUENCE OF COLUMBINE

This diagram portrays the apparent lines of influence from Columbine through subsequent attacks. Attacks are arranged chronologically within each column.

direction of influence Todd Cameron Smith

T.J. Solomon

Seth Trickey

Andy Williams

Jason Hoffman

Robert Steinhäuser

Robert C. Bonelli, Jr.


Sebastian Bosse
Jeffrey Weise
Pekka-Eric Auvinen
James Newman
Matthew Murray Matti Saari Karl Pierson
Alvaro Castillo
Harris & Klebold Steven Kazmierczak Adam Lanza Chris Harper-Mercer
Kimveer Gill
Tim Kretschmer Ali Sonboly Randy Stair
Eric Hainstock
Wellington de Oliveira
Chad Escobedo
Aaron Ybarra
Seung Hui Cho
Vester Flanagan
Bruco Eastwood

Robert Gladden

Jose Reyes

Darion Aguilar

Alex Hribal

Geddy Kramer

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NOTES 33 “Mass Shootings at Virginia Tech,” p. 35.
34 “Seung Hui Cho’s ‘Manifesto,’” p. 3. Available at www.school
shooters.info.
1 “Adam Lanza’s ‘Shocked Beyond Belief’ Posts,” p. 25. Available 35 Juliana Barbassa. “Video, Texts of Brazil School Shooter Show
on www.schoolshooters.info. Anger,” Associated Press, 15 April 2011.
2 “Chris Harper-Mercer’s Blog,” p. 1. Available at www.school 36 Barbassa, “Video, Texts.”
shooters.info.
37 Peter Langman. School Shooters: Understanding High School,
3 “Columbia Mall Shooter Obsessed with Columbine, Mass Mur- College, and Adult Perpetrators. Lanham, MD: Rowman and Little-
der,” cbs-dc, 13 March 2014. field, 2015, p. 139.
4 Alice Popovici. “Maryland Mall Shooter May Have Copied Col- 38 Pierre Thomas, Mike Levine, and Jack Cloherty. “Columbine
umbine Massacre, Police,” Chicago Tribune, 12 March 2014. Shootings’ Grim Legacy: More Than 50 School Attacks, Plots,”
5 “Eric Harris’s Journal Transcribed and Annotated,” p. 8. Available abc News, 7 October 2014.
at www.schoolshooters.info. 39 Mara Stine. “Shooter Was Crying Out for Help, Friends Say,”
6 “Pekka-Eric Auvinen Online,” p. 4. Available at www.school Portland Tribune, 13 April 2007.
shooters.info. 40 Erin McClam. “Vester Lee Flanagan II, aka Bryce Williams,
7 “Auvinen Online,” p. 5. Named as Suspect in Live tv Shooting in Virginia,” nbc News,
8 “Harris’s Journal,” p. 4. 26 August 2015.
9 Atte Oksanen, Johanna Nurmi, Miika Vuori, and Pekka Räsänen. 41 Pierre Thomas, Jack Cloherty, Jack Date, and Mike Levine. “Af-
“Jokela: The Social Roots of a School Shooting Tragedy in Fin- ter Shooting, Alleged Gunman Details Grievances in ‘Suicide
land,” in School Shootings: International Research, Case Studies, Notes,’” abc News, 26 August 2015.
and Concept for Prevention, edited by Nils Böckler, Thorsten 42 “Kimveer Gill Online” (scans of printed pages), p. 11. Available
Seeger, Peter Sitzer, and Wilhelm Heitmeyer, pp. 189–215, New at www.schoolshooters.info.
York: Springer, 2013, p. 200. 43 “Kimveer Gill Online” (electronic version), p. 11. Available at
10 Oksanen et al., “Jokela,” p. 200. www.schoolshooters.info.
11 Ministry of Justice, “Jokela School Shooting on 7 November 44 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 29.
2007: Report of the Investigation Committee,” 2009, p. 18. 45 “Eric Harris’s Journal,” pp. 5 and 6.
12 Oksanen, et al., “Jokela,” p. 198. 46 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 10.
13 Oksanen, et al., “Jokela,” p. 201. 47 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 27.
14 Amy Wallace. “What Made This University Scientist Snap?” The 48 “Eric Harris’s Journal,” p. 4.
Huntsville Times, 28 February 2011.
49 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 40.
15 Associated Press. “Columbine Influence in Mall Shootings?”
nbc News, 14 February 2005. 50 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 12.
16 “Sebastian Bosse’s Journal,” pp. 2–3. Available at www.school 51 “Kimveer Gill Online,” (electronic version), p. 50.
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17 “Alvaro Castillo’s Journal,” p. 1. Available at www.schoolshooters 27.
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18 “Castillo’s Journal,” p. 6. Page Lists Columbine Shooters as Inspiration,” cbs Baltimore,
30 August 2012.
19 “North Carolina v. Castillo 2010.” Available at www.schoolshooters
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20 “North Carolina v. Castillo,” p. 8.
55 Peter Langman. Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters.
21 “North Carolina v. Castillo,” p. 9. New York, NY: Palgrave Macmillan, 2009, p. 24.
22 “North Carolina v. Castillo,” p. 11. 56 Bill Lueders. “Eric Hainstock: Free at Last,” Isthmus, 31 July 2008.
23 “North Carolina v. Castillo,” pp. 12–13. 57 Ben Jacobs and Nicky Wolf. “Chris Harper Mercer: Details
24 “North Carolina v. Castillo,” pp. 14–15. Emerge of Oregon College Killer,” The Guardian, 2 October 2015.
25 “North Carolina v. Castillo,” pp. 16, 17, 18. 58 Chuck Ross. “Oregon Shooter Uploaded Documentaries of Mass
26 “Accused Shooter’s Journal: ‘Planning Your Suicide is so Fun,’” Shootings, Conspiracy Theories, Porn Videos,” Daily Caller,
wral, 19 August 2009. 2 October 2015.
27 “North Carolina v. Castillo,” p. 14. 59 Tim Walker, “Oregon shooting: Shooter Chris Harper Mercer
was reclusive 26-year-old with an interest in ira and Nazism,”
28 “Alvaro Castillo’s Journal,” p. 5. Available at www.schoolshooters
Independent (UK), 2 October 2015.
.info.
60 Jack Healy and Ian Lovett. “Oregon Killer Described as Man of
29 “North Carolina v. Castillo,” p. 8.
Few Words, Except on Topic of Guns,” New York Times, 2 October
30 Leah Friedman, Cheryl Johnston Sadgrove, and Jessica Rocha. 2015.
“Castillo Family Abuse Denied,” News Observer, 2 September
61 “Youth Tells of ‘Urge to Kill,’” Abilene Reporter-News, 5 August
2006.
1966, p. 1.
31 “North Carolina v. Castillo,” p. 15.
62 “Jefferson County Sheriff ’s Office Columbine Documents,”
32 Report of the Review Panel, “Mass Shootings at Virginia pp. 25,964 to 25,978. Available at www.schoolshooters.info.
Tech, April 16, 2007,” August 2007, p. 21. Available at www
63 “Jefferson County Sheriff ’s Office Columbine Documents,”
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pp. 16,023 to 16,034.

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64 “Eric Harris’s Journal Transcribed and Annotated,” p. 7. Available 97 Monique Lépine and Harold Gagné. Aftermath, translated by
at www.schoolshooters.info. Diana Halfpenny. Toronto: Viking, 2008, p. 32.
65 “Eric Harris’s Journal,” p. 8. 98 Howard Pankratz, “Murray Obsesses with Guns, Shootings,”
66 “Jefferson County Sheriff ’s Office Columbine Documents,” Denver Post, 27 March 2008.
pp. 26,150 to 26,154. 99 Christopher N. Osher. “Diatribe Foretold Church Shooting Hor-
67 “Transcript of the Columbine ‘Basement Tapes,’” p. 4. Available ror,” Denver Post, 10 December 2007.
at www.schoolshooters.info. 100 Thomas, Levine, and Cloherty, “Columbine Shooting’s Grim
68 Ben Fox, “School Shooter Referred to Columbine, Says Class- Legacy.”
mate,” The Washington Post, 24 March 2001. 101 Jason Kotowski, “Oliver on the Stand: I Don’t Remember Events
69 “Alex Hribal’s Letter,” p. 1. Available at www.schoolshooters.info. Leading Up to School Shooting,” Bakersfield Californian, 19 No-
vember 2014.
70 “Hribal’s Letter,” p. 2.
102 Kotowski, “Oliver on the Stand.”
71 “Hribal’s Letter,” p. 2.
103 Arapahoe County Sheriff’s Office (acso), “Arapahoe High School
72 “Report of the February 14, 2008 Shootings at Northern Illinois Investigation,” p. 1,494. Available at www.schoolshooters.info.
University,” p. 42.
104 David C. Walcher, “Investigative Report: Arapahoe High School,”
73 “Report of the February 14, 2008 Shootings,” p. b-17. p. 29. Available at www.schoolshooters.info.
74 “Report of the February 14, 2008 Shootings,” p. 28. 105 acso, “Arapahoe High School Investigation,” p. 1,607.
75 David Vann. “Portrait of the School Shooter as a Young Man,” 106 Peter Langman. “Karl Pierson: ‘A Psychopath with a Superiority
Esquire, August 2008. Complex,’” 2016, p. 6. Available at www.schoolshooters.info.
76 Vann, “Portrait of the School Shooter.” 107 acso, “Arapahoe High School Investigation,” p. 5.
77 Vann, “Portrait of the School Shooter.” 108 acso, “Arapahoe High School Investigation,” p. 1,674.
78 Vann, “Portrait of the School Shooter.” 109 acso, “Arapahoe High School Investigation,” p. 1,492.
79 Frontline, “The Killer at Thurston High: Chronology.” Available 110 acso, “Arapahoe High School Investigation,” pp. 1,417; 1,726;
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FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

Fatores Psicológicos e Sociais


Associados ao Bullying

Social and Psychological Factors


Associated with Bullying

Factores Psicológicos y Sociales


Asociados con la Intimidación
José Leon Crochík ★
jlchna@usp.br

Resumo
O objetivo deste ensaio é analisar a relação entre alguns fatores
sociais, mais propriamente educacionais, alguns fatores
psicológicos e o bullying. Tais fatores se expressam nas
hierarquias estabelecidas entre os alunos na escola; no
autoritarismo e na ausência de autonomia individual. Para isso,
apresentamos alguns conceitos e dados de pesquisas sobre o
bullying e depois discutimos a relação daqueles fatores com
essa forma de violência à luz da Teoria Crítica da Sociedade e
da Psicanálise.
★ Doutor em Psicologia Escolar

Palavras-chave e do Desenvolvimento Humano e


Livre Docente em Psicologia pela
Bullying, Autoritarismo, Preconceito, Teoria Crítica da Universidade de São Paulo,
Sociedade, Psicanálise. Brasil. Atualmente é Professor
Titular do Instituto de Psicologia
e no Programa de Pós-Graduação
Abstract em Psicologia da Aprendizagem,
do Desenvolvimento e da
The objective of this essay is to analyze the relationship between Personalidade da Universidade
some social factors, more specifically educational, some de São Paulo, SP, Brasil. É
bolsista de Produtividade em
psychological factors and bullying. Such factors are expressed in Pesquisa do Conselho Nacional de
the established hierarchies among students in the school; in Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, Brasília, DF, Brasil.
authoritarianism and in the lack of individual autonomy. To do
this, we introduce some concepts and research data about
bullying and then we discussed the relationship of those factors Crochík, José Leon. (2012).
with this form of violence in the light of the Critical Theory of Fatores Psicológicos e Sociais
associados ao bullying.
Society and psychoanalysis. Psicologia Política, 12(24),
211-229.

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 211
JOSÉ LEON CROCHÍK

Keywords
Bullying, Authoritarianism, Prejudice, Critical Theory of Society, Psychoanalysis.

Resumen
El objetivo de este ensayo es analizar la relación entre algunos factores sociales, más
específicamente los factores educativos, algunos psicológicos y la intimidación. Tales
factores se expresan en las jerarquías establecidas entre los estudiantes en la escuela; en el
autoritarismo y en la falta de autonomía individual. Para ello, introducimos algunos
conceptos y datos de investigación sobre la intimidación y, a continuación, discutimos la
relación de estos factores con esta forma de violencia a la luz de la Teoría Crítica de la
Sociedad y el Psicoanálisis.

Palabras clave
Intimidación, Autoritarismo, Perjuicio, Teoría crítica de la sociedad, Psicoanálisis.

212 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

Introdução

Este ensaio tem como objetivo refletir sobre fatores determinantes da violência escolar,
sobretudo a que tem sido denominada bullying1. Tais fatores envolvem as esferas psicológica
e política, que medeiam a formação da consciência, que pode resistir à violência que visa a
destruição irracional ou, em sua ausência, promover essa mesma violência. A divisão dos
alunos em hierarquias escolares, o tipo de personalidade propiciado por uma sociedade
hierárquica e a questão da presença ou ausência da autoridade expressam aqueles fatores.
Cabe enfatizar que tanto a psicologia quanto a política, em nosso entendimento, são mediadas
pela sociedade, razão pela qual inicialmente a violência será pensada, neste ensaio, em termos
gerais e associada a esta sociedade, ainda que já sejam destacados aspectos psicológicos. Na
sequência apresentaremos:
1. uma contradição social recente, presente na escola: o convívio da violência escolar com
a educação inclusiva;
2. algumas considerações sobre o bullying;
3. alguns fatores determinantes do bullying – hierarquias escolares; personalidade
autoritária e relação entre responsabilidade e autoridade.
Ao final do ensaio serão expostas duas tendências de entendimento da violência e da
consequente responsabilização ou não de seu autor: o determinismo e o livre-arbítrio.

Violência Social

A violência é preocupação social antiga e própria de uma sociedade conflitante e, mais do


que isso, contraditória. Os seus membros, que pertencem a classes sociais distintas, têm
interesses divergentes, o que os leva frequentemente ao confronto. Mas a violência não ocorre
somente entre os membros das classes sociais existentes e, segundo Freud (1986), é inerente
ao homem como expressão da pulsão de morte: há uma tendência que nos leva a querer
eliminar toda tensão existente – dentro e fora de nós – que explicaria a agressividade voltada a
si mesmo e aos outros; essa tensão é incrementada pelo sofrimento gerado ao homem por três
fontes: 1- sentimento da fragilidade do corpo; 2- força incomensurável da natureza; e 3-
relações sociais. Kant (1992) argumenta nesse mesmo sentido; para ele, essa tensão é própria
ao homem, que detém uma natural “sociabilidade insociável”: sente-se bem com os outros e,
ao mesmo tempo, prazer em dispor tudo ao seu gosto, o que provoca resistência dos demais.
Marcuse (1981), ao analisar a argumentação freudiana, dirá que uma sociedade que gere
menos tensão, terá menos a expressão da pulsão da morte, ou seja, a violência.
Assim, temos variáveis sociais e psicológicas envolvidas no mal-estar que provoca e é
provocado pela violência. A violência se apresenta nas instituições sociais e nos indivíduos:
nas instituições, mediada pela hierarquia social que classifica e ordena os homens em
conformidade com a classe social a que pertencem e às suas competências; a hierarquia social,

1
O termo bullying não tem tradução precisa e única para a língua portuguesa (ver Fante, 2005), assim,
neste ensaio, utilizaremos os termos ‘intimidação’ e ‘provocação’, como algumas de suas traduções e
mais frequentemente o próprio termo bullying, que nos meios acadêmicos já é bastante difundido e utili-
zado.
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 213
JOSÉ LEON CROCHÍK

ao dispor os homens em inferiores e superiores, deve tornar os primeiros submissos e os


últimos comandantes; deve-se sublinhar que, na hierarquia, quase todos mandam em alguém e
são mandados por outros; no nível individual, isso se expressa pelo sadomasoquismo, que
nesse caso suscita o prazer de mandar e o prazer de se submeter, conforme argumentam
Horkheimer e Adorno (1985). Apesar da relação entre a estrutura social e a constituição
psicológica não ser imediata – cabe lembrar a afirmação de Adorno (1991) de que a sociedade
leva os homens às regressões psíquicas que necessita a cada momento – como a individuação
só pode ocorrer pela incorporação da cultura e está depende da estrutura social, a constituição
do indivíduo não se reduz, mas é determinada por fatores sociais e culturais.
Adorno (1995a) e Bleichmar (2008) indicam que há um tipo de violência necessária,
racional, que se contrapõe às outras formas de violência, presentes para a manutenção da
dominação social; esse tipo de violência obra contra essa dominação. Dessa forma, a crítica
deve ser dirigida ao tipo de violência que destrói a cultura, que aniquila o indivíduo. A
violência contra o homem é a que se volta contra o tempo, contra a ideia de um projeto, é a
que reduz o homem ao presente. Nas palavras de Bleichmar (2008):”A violência é produto de
duas coisas: por um lado, o ressentimento pelas promessas não cumpridas e, pelo outro, a falta
de perspectiva de futuro.”(p. 35). Freud (1943) argumentou que as neuroses eram
provenientes da não compensação dos desejos adiados em troca da ‘vida civilizada’ e que as
pessoas que não desejam ter filhos (uma das formas de futuro) são as que têm pouco apreço à
vida. Dessa maneira, a cultura, segundo esses autores, é uma das determinantes da violência.

Uma Contradição: violência escolar e educação inclusiva

Se a violência tem sido constante, a escola é uma das instituições que tem como objetivo
desenvolver a civilidade em seus alunos, isto é, a possibilidade de os homens conviverem
pacificamente e discutir suas divergências de forma pacífica, por meio de normas aceitas
coletivamente. Sem dúvida, precisamos dessas normas, assim como as relações entre os países
também devem ter as suas para conseguirem a ‘paz perpétua’, segundo Kant (1992).
As leis, regras e normas, conforme se enunciou antes, são estabelecidas em situações
sociais contraditórias e conflitantes e os indivíduos também detêm certa quota de violência
para enfrentar seu sofrimento, oriundo de renúncias a seus desejos, necessárias para viver em
coletividade. Dessa forma, a tensão entre a tendência ao progresso das relações humanas e os
conflitos sociais e psíquicos prossegue. Com a escola, assim como com qualquer outra
instituição social, não poderia ser diferente: a violência também se apresenta nela.
Alguns autores distinguem a ‘violência na escola’ da ‘violência da escola’(por exemplo,
Paula e D’Aura-Tardeli, 2009); a primeira se refere à presença da violência que tem origem
fora dos muros escolares, mas nela se apresenta; a outra se refere à violência que a escola gera
ou fortalece a partir de suas regras. A nosso ver, essa distinção pode atribuir à ‘violência da
escola’ uma ausência de relação com a sociedade que não é real, pois o que a escola valoriza
ou não, seus objetivos e métodos não são plenamente determinados por ela. Neste sentido,
Adorno (1995a) defende que os professores são malvistos porque fazem o ‘trabalho sujo’ que
as demais instituições se recusam a fazer: impor a domesticação às crianças e aos
adolescentes. Esse mesmo autor indica a existência de duas hierarquias na escola: a que
classifica os piores e os melhores alunos, segundo o rendimento escolar, e uma outra, não
214 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA
FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

oficial, que os classifica segundo habilidades prático-corporais, tendo a virilidade como uma
de seus critérios; segundo ele, o fascismo se aliou a essa última contra a primeira das
hierarquias citadas. Ora, a existência de hierarquias na escola é coerente com a sociedade que
gera constantemente a ordenação entre os homens: mais rico – mais pobre; mais forte – mais
fraco; mais belo-mais feio etc. O favorecimento da ‘hierarquia corporal’ sobre a ‘hierarquia
intelectual’ não é algo específico da escola, mas da sociedade. Claro que interesses ligados ao
tráfico de drogas, aos conflitos policiais, roubos etc. não são próprios da escola e lá ocorrem,
mas todas as demais formas de violência também não podem ser atribuídas na origem à
escola: são expressões de violências sociais, que adquiriram características específicas na
escola.
Se a violência escolar tem sido uma preocupação constante, de outro lado, a legislação e
as estatísticas mostram que as escolas se voltam cada vez mais para a inclusão de contingentes
maiores de pessoas: é dizer, tem se voltado para os trabalhadores, para as mulheres, para os
pobres e, atualmente, com o movimento da educação inclusiva ou educação para todos, tenta
que todos não só tenham acesso à escola, como estudem conjuntamente. Claro, há problemas
de evasão escolar, de repetência, de analfabetismo funcional, mas a tendência de a educação
ser cada vez mais inclusiva numa sociedade excludente é apreciável. Para constatar isso, basta
assinalar que, no Brasil, em 2003, o número de matrículas de alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular era de 29%, e, em 2009, passou para 61% (ver
INEP/MEC, 2009): cada vez mais, alunos que frequentavam instituições especiais ou classes
especiais, ou que não estavam na escola, se matriculam no ensino regular.
O fortalecimento da chamada educação inclusiva ocorreu a partir da década de 1990, com
marcos como a conferência de Jontiem, em 1990 e a de Salamanca, em 1994. Muitos países,
nesse último evento, foram signatários dessa luta: permitir que as minorias sociais, que, por
vezes, variam entre os países, possam estudar nas escolas regulares, sem nenhum tipo de
segregação. O Brasil foi um desses países, e os dados explicitados acima mostram que vem
obtendo êxito na implementação dessa proposta. Claro, há obstáculos. Um deles se refere a
que a educação inclusiva tem se voltado, sobretudo, para os alunos com deficiência, quando
deveria se dirigir a todas as minorias que, por diversos motivos, não estão podendo frequentar
a escola ou têm dificuldades de nela permanecer. Outro deles é que as escolas não têm se
modificado para incluir todas as minorias que deveriam nela adentrar; os alunos considerados
em situação de inclusão são, quando muito, integrados, mas não incluídos. A distinção entre
educação integrada e educação inclusiva, conforme Ainscow (1997) e Vivarta (2003), é que a
primeira adapta o currículo, os métodos de ensino e a avaliação para os alunos em situação de
inclusão, ao passo que a educação inclusiva altera a estrutura e funcionamento da escola tendo
em vista uma politíca-pedagógica que contemple a todos.
Além desses obstáculos, a literatura científica tem mostrado que se, de um lado, há
aceitação dos alunos em situação de inclusão – basicamente, alunos com deficiências-, de
outro, é difícil que seus colegas os aceitem em seus grupos. O estudo de revisão elaborado por
Vieira e Denari (2007) indica que os alunos com deficiência são pouco valorizados pelos seus
colegas. Conforme as autoras, essa desvalorização pode ser devida a concepções sociais
atuais: um preconceito que se reproduz. No estudo de Batista e Enumo (2004), testes
sociométricos foram aplicados a três classes de escolas municipais, contendo cada uma, um
aluno considerado com deficiência intelectual; os três alunos foram filmados durante o recreio
para verificar suas interações com as outras pessoas. Os testes sociométricos evidenciaram
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 215
JOSÉ LEON CROCHÍK

três resultados distintos: um dos alunos não foi escolhido por nenhum de seus colegas e foi
rejeitado por dois deles; outro foi considerado como popular por ter sido escolhido por vários
de seus colegas para as tarefas escolares (seis colegas) e para brincar (sete colegas); um
terceiro teve nove rejeições, que foram justificadas pelo seu comportamento motor
inadequado, inadequação social e falta de repertório acadêmico. Quanto às filmagens,
observaram que, apesar das diferenças enunciadas entre os alunos em foco, a maior parte do
tempo, esses ficaram sozinhos; quando interagiram, em geral, o fizeram com apenas uma
pessoa por vez e por um breve tempo.
Além da distinção entre educação integrada e educação inclusiva, acima indicada, há
diversos modelos de educação inclusiva. Um deles é desenvolvido na Escola da Ponte, em
Portugal (ver Pacheco, Eggertsdóttir e Marinósson, 2007), que centra a atenção nos currículos
individuais e no trabalho em grupo; outro deles desenvolveu-se na Espanha, por meio de
Melero (2006), que defende a proposição de um mediador junto à família e à escola para
alunos com deficiência intelectual, principalmente pessoas que têm Síndrome de Down.
Outro, desenvolvido, sobretudo, na Inglaterra, mas também proposto e difundido pela
UNESCO, trabalha a comunidade escolar: não deixa de atentar às diferenças individuais, mas
não descuida da coletividade (ver Ainscow, 1997). Como este ensaio tem como objeto a
violência escolar, é importante destacar que as mudanças propostas nesses diversos modelos
são antídotos contra ela, por lutar contra o preconceito e a discriminação presentes na
segregação e na marginalização, por insistirem tanto no aprendizado individual como na
relação com o grupo. Apesar disso, como vimos, ainda há problemas na implementação desse
tipo de educação.
Ora em uma sociedade totalitária, definida como aquela na qual o todo é mais importante
do que seus membros (Adorno, 1991), totalitarismo que pode se manifestar quer nas
sociedades comunistas quer nas capitalistas, todos são excluídos: uns têm mais condições que
outros para sobreviver, mas mais cedo ou mais tarde, as tragédias sociais recaem sobre todos,
e a impotência individual se faz notar. Não obstante, não é menos verdadeiro que ao lado de
sua tendência totalitária, a sociedade também se movimenta para a liberdade, para a inclusão
de todos; o progresso é contraditório: fortalece os que têm mais poder, mas contribui para
melhorar a vida de todos. Na escola isso também ocorre. Ao lado do movimento da educação
inclusiva, assistimos a violência presente no bullying, fenômeno que tem tido muito destaque,
em nosso meio, nos últimos anos.
A perseguição aos que parecem frágeis é marca frequente em diversas formas de
preconceito, fenômeno esse que compõe boa parte da violência existente em diversas épocas e
em distintos lugares (ver Horkheimer e Adorno, 1985). Seria de se esperar que os novos
alunos incluídos – sobretudo os que têm deficiência – sejam as vítimas preferenciais do
bullying, tal como afirmam Freire e col. (2006) e Fante (2005); segundo Fante (2005:64): “As
crianças portadoras de deficiências físicas e de necessidades educacionais especiais correm
maiores riscos de se tornarem vítimas de bullying, riscos estes duas a três vezes maiores do
que as crianças consideradas normais.”
Monteiro e Castro (1997), contudo, mostraram que os alunos com deficiência têm sido
bem recebidos pelos colegas, que aprendem com eles; apesar disso, há de se perguntar se não
desenvolvem outras formas de violência em relação a esses alunos em situação de inclusão: a
de marginalização e/ou a de segregação.

216 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

Antunes e Zuin (2008), a partir da literatura da área, indicam que as vítimas do bullying
têm sido: pessoas que têm características físicas, socioeconômicas, étnicas e preferências
sexuais específicas, entre eles, ciganos, artistas de circo, estrangeiros, alunos obesos, de baixa
estatura, homossexuais. Se os alunos com deficiência física, sensorial e intelectual têm uma
distinção perceptível em relação a outras pessoas, se essas diferenças são frutos da natureza
ou de acidentes, os demais alvos podem apresentar características de fragilidade que são
culturalmente desvalorizadas.
Uma pesquisa que fizemos (Crochík, 2004), comparando o preconceito contra indivíduos
com deficiência física com o preconceito contra indivíduos com deficiência intelectual,
evidenciou que os que têm deficiência física são mais discriminados do que os que têm
deficiência intelectual: o que é mais próximo à ‘normalidade’ parece atrair mais a ira dos
‘normais’ do que o que é mais distante. Está presente o fenômeno descrito por Freud (1986)
como ‘narcisismo das pequenas diferenças’: o que está mais próximo, mas detém alguma
diferença, deve ter essa diferença ampliada para que os mais ‘semelhantes’ sejam alvos
possíveis de identificação. Assim, os alunos não considerados em situação de inclusão, mas
que tenham características desvalorizadas: usar óculos, ser muito magro, muito gordo, alto,
baixo, podem ser mais destinados a ser alvos do bullying do que os em situação de inclusão,
ou talvez tipos diversos de bullying sejam destinados a esses dois grupos; não encontramos
pesquisas na área que elucidem essa questão.

Algumas Características do Bullying

É recente a discussão sobre o bullying escolar, mas a sua existência, segundo Fante (2005)
não é nova, e cabe destacar que Grossi e Santos (2009), assim como Voors (2006), não
deixam de associar esse fenômeno com a violência social. Pinheiros e Willians (2009) e
Antunes e Zuin (2008) indicam que, não só no Brasil, a partir da década de 1980, a violência
tende a se tornar mais grave: antes, danos ao patrimônio; agora, violência interpessoal,
incluindo agressão a professores e funcionários e a intimidação acarretada pela presença de
gangues na escola.
Alguns adultos, segundo Freire e col. (2006) e Voors (2006), julgam o bullying como
brincadeiras infantis, que deverão ser superadas, ou que as crianças devem resolver por si
mesmas, e que como ‘brincadeiras’ não acarretam nenhum dano; às vezes, consideram-no
natural, necessário sobretudo para os meninos. Parte dos alunos entrevistados na pesquisa
realizada pela Plan (2010) 2, sobretudo do sexo masculino, também considera o bullying uma
brincadeira, ao contrário das meninas que tendem a ficar magoadas, e que o bullying parece se
iniciar como uma brincadeira que se transforma em agressão. Na atitude de se considerar o
bullying como brincadeira, os valores da força e da virilidade podem ser destacados em
detrimento dos direitos humanos e do desenvolvimento da sensibilidade.
Se é clara, para alguns, a distinção entre ‘brincadeiras’ e violência, deve-se lembrar que
piadas contra pessoas com deficiência, imigrantes, negros, podem ser expressões do
preconceito sutil, que é uma das formas da violência se manifestar (ver Meertens e Pettigrew,

2
A PLAN é uma Organização Não Governamental voltada à defesa dos direitos da criança; foi responsável
por esse estudo sobre o bullying em território brasileiro.
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 217
JOSÉ LEON CROCHÍK

1999). A esse respeito, é interessante a relação estabelecida entre bullying e preconceito, por
Antunes e Zuin (2008) e por Grossi e Santos (2009), os primeiros indicando que esse último
fenômeno é a base do primeiro, os últimos evidenciando a presença do preconceito na
violência escolar.
O bullying escolar tem sido definido como a hostilidade de um aluno mais velho ou mais
forte, ou grupo de alunos, intencionalmente e com frequência, dirigida a um mesmo aluno,
podendo gerar diversas consequências psíquicas no que o sofre, desde uma angústia acentuada
até o assassinato e o suicídio (Pinheiro e Willliams, 2009; Fante, 2005; Freire e col., 2006;
Voors, 2006); como se percebe, as consequências desse fenômeno não devem ser associadas a
meras brincadeiras ou a situações que são facilmente superáveis.
Antunes e Zuin (2008) expõem que o bullying pode ser de três tipos: direto e físico
(agressões físicas, roubo, destruição de objetos de colegas, exploração sexual); direto e verbal
(insultos, apelidos, ‘sarros’, comentários discriminatórios ofensivos); e indireto (fofocas,
boatos, ameaças).
Há diversas pesquisas que revelaram variáveis ligadas quer à prática da intimidação, quer
aos alvos. Pinheiro e Willians (2009) citam Berdondini e Smith (1996), que avaliaram
aspectos da coesão familiar em alunos vítimas de bullying, alunos autores da intimidação e
alunos sem envolvimento em situações de bullying. Os autores concluíram que a ausência do
pai tornava mais provável o aluno ser intimidador e que o carinho familiar, expressado pela
superproteção, estaria relacionado com a vítima da hostilidade. Freire e col. (2006)
apresentam considerações distintas: parece haver relação entre o estatuto de aluno-vítima e
famílias com um só ou nenhum dos pais presentes; quanto aos alunos com estatuto de
agressores, tendencialmente vivem com ambos os pais.
Os provocadores tendem a vir de famílias que os agridem (Fante, 2005; Voors, 2006;
Antunes & Zuin, 2008). Fante (2005), a partir de quatro estudos realizados, indica que a
violência familiar pode ser uma das causas do bullying, o que é respaldado pela opinião de
alunos e funcionários coletada nesses estudos e pela opinião de especialistas; esse fator –
violência doméstica – também é considerado pela pesquisa realizada pela Plan (2010), na
opinião dos professores entrevistados, como importante para se entender o comportamento
dos que provocam. Fante (2005) acrescenta a necessidade de o agressor ser notado, buscando
reconhecimento. Em sua pesquisa, Pinheiro e William (2009) verificaram a relação entre a
violência doméstica quer no que se refere à exposição à violência entre os pais, quer a
violência diretamente voltada aos filhos e o papel a ser assumido no bullying: agressor,
alvo/agressor, alvo, e concluíram que a mera exposição à violência entre os pais não se
relacionou com a prática da intimidação, já a violência direta a eles os tornou alvos e
agressores no caso dos meninos e agressoras, no caso das meninas.
No estudo de Pinheiro e Williams (2009), assim como nos relatados por Fante (2005),
quase metade dos participantes declarou participação no bullying. Segundo o estudo da Plan
(2010), aproximadamente 10% dos alunos praticam o bullying e outros 10% o sofrem; a maior
parte é da quinta ou sexta série do ensino fundamental e os meninos têm uma frequência
maior como vítima; os autores desse estudo nacional indicam que os diversos sujeitos
entrevistados – alunos, professores, pais – têm dificuldades de distinguir entre mau trato e
bullying, além do que algumas vítimas podem ter vergonha de dizer que apanharam, por isso

218 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

os autores desse estudo supõem que a frequência do fenômeno deva ser maior do que a
constatada.
Veiga Simão e col. (2004) indicam que a maior parte dos alunos – quase 70% – é
observadora do bullying e ‘passiva’ frente à violência que assiste; é provável que alguns
satisfaçam seus próprios desejos agressivos dessa maneira e que outros se identifiquem com
os agredidos; segundo a pesquisa desenvolvida pela Plan (2010), essa identificação é
expressada por parte dos alunos que observam o bullying. Já o desejo de humilhar o outro
ocorre com o que agride e com aquele que é partidário do ataque, mas não agride diretamente.
A satisfação com a agressão é destacada por Fante (2005):

O bode expiatório constitui-se, para um aluno agressor, num alvo ideal. Sua ansiedade,
ausência de defesa e seu choro produzem um forte sentimento de superioridade e de
supremacia no agressor, que pode então satisfazer alguns impulsos de vingança... Ao que
parece, o agressor sente a mesma satisfação quando ataca ou quando são outros que
atacam a vítima. (p. 48)

Já os observadores do bullying, segundo Voors (2006), podem se sentir temerosos de eles


mesmos se tornarem vítimas, caso interfiram para cessar a violência, e se sentem impotentes
por isso.
No que se refere aos danos posteriores nas vítimas e nos agressores do bullying, Freire e
col. (2006), a partir de diversos estudos, alegam que as primeiras se tornam deprimidas e com
baixa autoestima; quanto aos agressores, confirmam a ideia de que jovens que são agressivos
com os seus pares correm um risco maior de mais tarde se envolverem em outros problemas
de comportamento, tais como a criminalidade, o abuso de substâncias aditivas ou o
comportamento agressivo em família.

Fatores Relacionados com o Bullying

Sem reduzir o fenômeno a questões individuais, mas também sem negar o que há de
próprio aos indivíduos que praticam o bullying, cabe mencionar três fatores que parecem se
relacionar com esse fenômeno: a dupla hierarquia social, presente na escola, e sobre a qual já
se escreveu algo aqui, a que tem como critério o desempenho intelectual, cultural e a que tem
como crivo a força física, a virilidade; a formação da personalidade autoritária ou não; e a
autonomia, ou a ausência dela, em relação à autoridade.

a) Hierarquias Sociais e Escolares

Conforme dito antes, nossa sociedade é estruturada com base em hierarquias: os mais e
menos aptos, os mais e menos fortes, os mais e menos inteligentes e assim por diante. A
existência de duas hierarquias básicas que se confrontam e se complementam – a do
desempenho intelectual/cultural e a do desempenho corporal – tende a contribuir, sob forma
de ideologia, com a reprodução da estrutura de classes descrita por Marx (1984). Na história
de nossa civilização, a inteligência e os instrumentos que criou foram substituindo a força
necessária para modificar a natureza para a reprodução da espécie, mas como a necessidade

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 219
JOSÉ LEON CROCHÍK

de dominar a natureza não foi, segundo Horkheimer e Adorno (1985), superada, mesmo a
inteligência ainda representa a força na sobrevivência do mais apto. Assim, na base de
qualquer hierarquia, a ideia da dominação estaria presente, mas a hierarquia
intelectual/cultural contém o germe para superar a própria ideia de hierarquia, que pode pelo
pensamento desestruturá-la. A percepção sobre o intelectual é ambígua, segundo Adorno
(1995a), pois esse mostra ser ao mesmo tempo digno de respeito, por aquilo que possibilita na
adaptação e na superação dessa, e desprezado, por ser considerado frágil frente à força da
mesma natureza que se pretende dominar para que o homem possa sobreviver. Essa
ambiguidade frente ao intelectual, que no fascismo, segundo Adorno (1995a), é eliminada, por
puro desprezo a tudo o que não represente a força, na escola pode colocar os que têm bons
desempenhos escolares a ser invejados e desprezados pelos que não os têm; esse desempenho
pode representar a valorização do que é ‘frágil’, que ao mesmo tempo é almejado e, por não
ser obtido, é desprezado pelos que não o conseguem. Assim, o aluno que obtém bom
desempenho escolar parece ser um alvo de hostilidade adequado para aqueles que não o
conseguem, e o aluno que se destaca por sua destreza e/ou beleza corporais pode ser tanto
aquele que exerce a violência de formas diversas sobre os mais fracos ou um modelo que
serve de contraponto ao desenvolvimento intelectual.
Claro, o modelo incentivado atualmente pela sociedade é o do desenvolvimento intelectual
e corporal, mas nesse caso, um e outro dizem respeito, conforme Adorno (1995a:168), ao
‘menino saudável’ e a ‘menina espontânea’ que se contrapõem à diferenciação, ao
desenvolvimento intelectual, pois têm como objetivo principal a adaptação; certamente, a
adaptação é necessária, mas para a formação de um indivíduo autônomo não é suficiente.
Numa sociedade que incita a competição para que os mais aptos se destaquem, a adaptação,
quer como intectualidade, quer como habilidade corporal, representa força para a superação
dos adversários; já o corpo e o espírito que se formam para a emancipação devem poder
expressar a violência e o sofrimento existentes, sob a forma de arte e de ciência.
O combate à fragilidade é fruto de uma identificação negativa: os indivíduos que não
podem aceitar alguns medos, desejos ou ideais como próprios atribuem a outrem a culpa por
expressá-los e, por isso, os perseguem (ver Horkheimer e Adorno, 1985). A necessidade de
ser forte é própria de uma sociedade que cultiva a sobrevivência, ou ao menos o privilégio dos
mais fortes. A fragilidade remonta a estágios superados que o homem civilizado deseja
esquecer, lembra a natureza que o homem presume ter superado (ver Horkheimer e Adorno,
1985). Porque a força deve ser substituída pela inteligência, a inteligência é vista como força
e valoriza ela mesma o que pretensamente superou; reciprocamente, os que se valem da força
física se ressentem da inteligência: isso resulta na inteligência a serviço do irracional; daí o
surgimento de duas hierarquias sociais que conforme assinalamos antes, segundo Adorno
(1995a), apresentam-se na escola: a hierarquia formada pelos mais e menos desenvolvidos
cognitivamente (intelectual e culturalmente) e a hierarquia formada pelos desempenhos
corporais, entre os quais encontra-se a força física e as habilidades para imobilizar e/ou
machucar os outros. Os que estão no topo dessas hierarquias podem utilizar a inteligência e a
força para intimidar os que estão na base, reproduzindo assim o poder existente e a
necessidade social de que haja a hierarquia; Horkheimer e Adorno (1985) não se furtam de
mencionar que somente a renúncia ao desejo da dominação possibilitaria a paz entre os

220 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

homens, a existência de hierarquias, contudo, reproduz a dominação, que se expressa


claramente no bullying.

b) Personalidade Autoritária

Se nossa sociedade é hierarquicamente estruturada, conforme foi enfatizado no início


deste texto, o tipo de personalidade adequado para expressá-la e contribuir para a sua
reprodução é a sadomasoquista, que associa o prazer à superioridade – no que ela permite de
dominação aos que estão abaixo na hierarquia – e à inferioridade, devido ao prazer obtido em
obedecer, possível pela identificação com o agressor (ver Horkheimer e Adorno, 1973).
Personalidade é definida por Adorno e col. (1965) como:

[...] uma organização mais ou menos permanente das forças internas do indivíduo. Estas
forças persistentes da personalidade contribuem a determinar a resposta do sujeito frente a
distintas situações, e, portanto, é a elas que se deve atribuir em boa parte a constância do
comportamento, seja verbal, seja físico. (p. 30; tradução do autor deste ensaio)

O sadomasoquismo, como o entende a psicanálise, é a base da personalidade autoritária


estudada por Adorno e col. (1965). Esse tipo de personalidade já não se manifesta mais como
a do fim do século XIX, não é alguém que age diretamente por paixão, ao contrário, satisfaz
seus ímpetos destrutivos, quer seu alvo seja externo ou interno, utilizando o que a civilização
permite para expressar e exercer friamente a violência. Aliás, essa é uma marca importante da
contemporaneidade, segundo Horkheimer e Adorno (1985), pois foi um país desenvolvido do
ponto de vista técnico e cultural – a Alemanha – que construiu a câmara de gás: um
instrumento de alta tecnologia, asséptico, que permitiu eliminar multidões de indivíduos.
Os tipos de personalidade descritos como autoritários por Adorno e col. (1965) variam dos
mais simples: ‘ressentidos manifestos’, aqueles que tinham de expressar seu ódio por alguém
que supostamente seria responsável pelo seu fracasso, passando pelo autoritário, propriamente
dito, que aparentemente respeitava a autoridade, mas efetivamente, de forma inconsciente, a
odiava, até o manipulador, que cinde seus afetos das pessoas e das coisas, tornando-se ele
mesmo um objeto entre outros, e obtendo prazer unicamente manipulando objetos e pessoas
para cumprir suas tarefas.
No estudo sobre a personalidade autoritária, Adorno e col. (1965) verificaram e
constataram a relação entre tipo de personalidade – autoritária ou não – e concepções
ideológicas acerca de minorias e a respeito de posições políticas e econômicas. O autoritário
tende a ser preconceituoso e conservador no que se refere à estrutura social; concluíram
também, com base em seus dados, que algumas pessoas podem ser politicamente
conservadoras e não autoritárias e outras podem ser autoritárias e defenderem ideários
liberais, nesse caso, o ideário não seria defendido pela sua racionalidade, mas por ser
expressão de alguns desejos individuais. Os autores não julgam que o autoritarismo e o
preconceito sejam variáveis unicamente individuais, mas também derivados de alterações
sociais:

[...] os estudos realizados oferecem-nos alguns conhecimentos sobre as características


psíquicas inconscientes, em virtude das quais poderá obter o seu apoio uma política que
contradiz os interesses racionalmente entendidos pela massa. Essas características
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 221
JOSÉ LEON CROCHÍK

psíquicas, por seu turno, são o produto de fenômenos contemporâneos tais como a
desintegração da propriedade média, a crescente impossibilidade de uma existência
econômica auto-suficiente, certas transformações na estrutura da família e certos erros na
direção da economia. (Horkheimer & Adorno, 1973:173)

Se a personalidade autoritária pode ser associada à hierarquia e ao prazer de submeter ou


de se submeter, no que se refere ao bullying, ela pode distinguir o líder dos que praticam a
intimidação de seus seguidores; pode também caracterizar alguns dos observadores e mesmo
algumas das vítimas, quando essas são também agressoras; quanto a essas últimas – às vítimas
–, não cabe esquecer que podem ter sido criadas para o convívio pacífico com os outros e por
isso têm dificuldades de reagir à violência.

c) Autoridade e responsabilidade

Fante (2005:61) diz que os especialistas consideram como causa do bullying quer a
ausência de autoridade, quer a sua presença violenta: “As causas desse tipo de
comportamento, segundo especialistas, devem-se à carência afetiva, à ausência de limites e ao
modo de afirmação do poder dos pais sobre os filhos, por meio de ‘práticas educativas’ que
incluem maus-tratos físicos e explosões emocionais violentos.”
Nesse mesmo sentido, na pesquisa realizada pela Plan (2010), parte dos professores alega
que não foi preparada para conter a indisciplina a não ser pela coerção; já as famílias dizem
que a escola tem falta de hierarquia e autoridade.
Dessas atribuições de causas, podemos supor duas tendências de pensamento no que se
refere à autoridade educativa – familiar ou escolar: uma defende a imposição de limites de
forma rígida; outra, ao contrário, negligencia a necessidade da indicação de limites pelas
autoridades. Ambas, paradoxalmente, são semelhantes em seus efeitos: não possibilitam
adequadamente a formação da consciência moral3, nomeada pela psicanálise de superego; a
primeira, porque ao mesmo tempo em que indica claramente o que a autoridade deva incutir
às crianças e aos jovens, o faz calcada no princípio e não em sua racionalidade: é pelo
medo, segundo essa tendência, que as pessoas seguem os indicadores morais, e não por
convicção, assim, essa consciência se forma fragilmente e se torna ambígua; a segunda,
porque a autoridade não oferece nenhum modelo para que seus filhos se identifiquem, e
assim o que se pode ou não fazer é dirigido externamente; segundo Freud (1986), esse tipo
de pessoa que não desenvolve o superego já era bastante frequente na época que viveu: não
sente culpa.
Outro resultado possível da formação da consciência moral é também destacado por Freud
(1986); argumenta que pais indulgentes podem formar filhos com consciência rígida, pois não
fornecem um objeto para que possam depositar seu ódio pela repressão acarretada aos desejos,
assim, o indivíduo volta a agressão sob a forma de culpa a si mesmo; essa explicação pode ser
adequada para as vítimas do bullying, que tendem a se deprimir e a ter baixa autoestima.

3
Para este texto, os conceitos de consciência moral, superego e ideal de ego serão considerados como
similares, ainda que um não se reduza ao outro; não explicitaremos a distinção existente entre eles para
não tornar ainda mais longo este ensaio.
222 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA
FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

A fragilidade da formação do ideal do eu é indicada por esse autor, em outro livro (Freud,
1993), como elemento fundamental para que os indivíduos ajam irracionalmente nas massas e
pode explicar o porquê do bullying ser praticado, parte das vezes (ver Plan Brasil, 2010), em
grupo, e porque os observadores podem tirar prazer do sofrimento das vítimas da humilhação.
Numa perspectiva teórica distinta, Voors (2006) propõe que as crianças, mesmo de pouca
idade, assumam a responsabilidade por suas condutas violentas e saibam que essas condutas
não são desejadas.
Assim, a consciência moral, expressa quer por sua ausência ou por sua rigidez – estaria na
base da prática do bullying. Como essa discussão diz respeito à formação, refere-se também à
autoridade e sua distinção do autoritarismo, uma autoridade esclarecida, que deveria , segundo
Adorno (1995a), ser substituída pela consciência individual, à medida que o indivíduo vai se
tornando autônomo.
Bleichmar (2008) descreve dois tipos de autoridade: a que tenta se impor externamente
e a que se constitui por meio de identificações. Defende essa última forma e argumenta que
o vínculo de confiança estabelecido com o adulto é o que permite a constituição de normas.
Não só a psicanálise, mas também a vertente construtivista distingue duas formas de
relações educacionais com resultados distintos para a autonomia. Segundo Carvalho (1999),
Piaget denomina a primeira como tradicional, centrada no conteúdo e responsável pela
heteronomia do aluno; já o método ativo, centrado no aluno, que reduziria o professor a um
‘amigo mais velho’ em jogos, pela cooperação entre os indivíduos geraria a autonomia.
Essas tendências – Psicanálise e Construtivismo –, no entanto, quase não se pronunciam
quanto à reflexão sobre a racionalidade das normas, que só pode ser pensada conforme as
necessidades da época e do lugar, sem perder o movimento do todo; o ideário nazista, por
exemplo, tem normas, mas dificilmente elas podem ser consideradas racionais (ver
Horkheimer & Adorno, 1973).
Essa crítica contra a autoridade educacional que gera a heteronomia também é feita por
Adorno (2004), mas dialético que é, argumenta que o declínio da autoridade não trouxe algo
melhor, pois enfraqueceu junto com o autoritarismo, as referências que a autoridade traz.
Aliás, esse autor insiste que o desprezo pela autoridade intelectual é também desprezo pela
cultura, a qual, por sua vez, quanto mais desenvolvida for, mais poderá diferenciar os
indivíduos que se formam por meio de sua incorporação. Em sentido similar, argumenta
Arendt (1978): emancipar-se da autoridade dos adultos pode significar conformismo ou
delinquência das crianças – frequentemente uma combinação de ambas- pois a criança
pretensamente livre queda sob a tirania da maioria.
A autoridade é importante para a formação do indivíduo, pois oferece referências,
princípios, valores; serve como modelo que deve ser incorporado para depois ser superado.
Se não há esse modelo, a individualidade não se constitui, pois a pessoa mal consegue saber
o que quer, o que deseja; se não supera o modelo introjetado, só o reproduz rigidamente
(ver Adorno, 1995a). Nos dois casos a autonomia é impedida. A autonomia deve se
constituir na possibilidade de analisar e decidir sobre as próprias ações e escolhas com base
na expressão adequada do próprio desejo e das condições adequadas para realizá-lo sem por
em risco a si próprio e aos outros. Somente seguir regras ou não segui-las indica
heteronomia. Como hipótese, podemos supor que os provocadores do bullying devem ser
heterônomos: nem conhecem bem seus desejos, nem conseguem encontrar formas de
realizá-los adequadamente.

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 223
JOSÉ LEON CROCHÍK

Impunidade, livre-arbítrio e determinismo

A questão da responsabilidade pelos atos, que se define propriamente como autonomia,


não pode prescindir do julgamento racional de uma situação objetivamente delimitada pela
sociedade; assim, uma infração à lei não pode ser reduzida nem ao sujeito nem ao que é
objetivo: deve haver consequências claras do que ocorre com cada ato, e como nem todos
agem segundo o imperativo categórico (Kant, 1980) ou desenvolvem superego (Freud, 1986),
se não há sinalização clara dos atos permitidos e proibidos e se não há consequências para
esses atos, surge outro obstáculo ao combate à violência: a impunidade. Bleichmar (2008:26)
defende que a impunidade é o principal problema a ser combatido em seu país, cujo arbítrio,
caracterizado e exercido pela ditadura militar, levou à descrença no sistema de leis: “O
problema é ver como se detém os bolsões de impunidade que se armam em um país
totalmente desgastado, desde muitos anos, pela impunidade dos estamentos do poder. Essa
impunidade infiltrou o conjunto da sociedade, determinou formas de violência e arrasou uma
cultura, não somente do trabalho, mas da ética” (tradução nossa).
A autora se refere à história recente da Argentina e discute a necessidade de se julgar os
crimes cometidos durante a ditadura militar. Interessante é o destaque da autora para a
impunidade que caracterizou o poder e como ela se alastrou para toda a sociedade; não é
somente um problema individual.
A questão da impunidade aos atos considerados contrários às leis e às regras, quando é
considerada da perspectiva individual, divide dois grupos de entendimento que acirram essa
questão (ver Adorno, 2009), que são similares aos discutidos quanto ao uso ou não da
disciplina para impedir o bullying. De um lado, há aqueles que defendem os infratores,
alegando que não se pode imputar plenamente a responsabilidade a eles, uma vez que seus
atos são determinados por fatores sociais e/ou psíquicos sobre os quais não têm controle. De
outro lado, há aqueles que julgam que o infrator deve ser totalmente responsabilizado pelos
seus atos e receber a consequência (punição, em geral) por eles, de sorte que o infrator não
volte a romper a lei. Os primeiros lutam por condições adequadas para a vida e para a
formação individual para que o crime, propiciado pela ausência dessas condições, possa ser
evitado. Os últimos, devotos da responsabilidade individual, independentemente das
condições, julgam que pela vontade/escolha do indivíduo o crime poderia ser evitado.
Quando se trata de responsabilizar crianças e adolescentes por atos infracionais, o
primeiro grupo fortalece seus argumentos, alegando que quem está em formação não pode ser
responsável pelos seus atos; daí a polêmica em nosso meio, e não só nele, acerca da
menoridade penal. O que parece se apresentar, em um primeiro momento, são duas posições
antagônicas, uma, ‘quase religiosa’, propõe que tudo se deve entender e perdoar: ‘se os
indivíduos tivessem outras condições e recursos não cometeriam o crime’; outra, legalista,
diminui a importância do que pode ter acarretado o crime, defende predominantemente a
responsabilização individual por ele. Ambas, contudo, são idealistas, como contraposição ao
materialismo e, certamente, não pensam o objeto por meio de suas contradições.
O idealismo pode ser delimitado como aquele modo de pensar que enfatiza o primado do
sujeito em detrimento do objeto (ver Adorno, 1995b) e por um conjunto de ideias que se
interpõe entre o indivíduo e a realidade dificultando a sua adequada percepção (ver Adorno,
2004). Poder-se-ia dizer que a segunda perspectiva é idealista, mas não a primeira. Há de se
considerar, contudo, que a defesa do vir-a-ser do sujeito em uma sociedade não repressiva e

224 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

justa – ainda não existente – pode dificultar pensar o que já é possível haver de sujeito nesta
sociedade, com as atuais condições concretas de existência. Se uma sociedade injusta e
violenta como a nossa não é favorável ao surgimento de um indivíduo que possa se
responsabilizar inteiramente pelos seus atos, não impede de pensar que esta mesma sociedade
também luta pela justiça e pela paz e, assim, os indivíduos deveriam lutar para manter e
fomentar o que há de mais racional nesta sociedade. Assim, é possível exigir ações racionais
dos sujeitos, sem descuidar das determinações objetivas. O progresso, conforme Adorno
(1995b) o defende contra os niilistas, não é somente excludente, também gera condições para
a liberdade. Justiça, liberdade, autonomia, não podem ser pensadas em abstrato, mas segundo
a história da sociedade; são mediadas pelas contradições sociais. Assim, considerar com base
no materialismo a responsabilidade individual é afirmar e negá-la simultaneamente: os
indivíduos ainda não podem assumir plenamente os seus atos quer por condições sociais, quer
por condições psíquicas, mas isso não significa que não tenham opções pelas quais possam se
responsabilizar e ser responsabilizados, entre elas evitar o crime.
Foucault (1987) mostra o momento de passagem entre a compreensão do crime devido a
condições circunstanciais e o seu entendimento como fruto de fatores inerentes ao indivíduo –
psíquicos e/ou educacionais. Não são mais as condições concretas as responsáveis pelo crime:
o indivíduo é responsável pelo crime antes de cometê-lo. Segundo Freud (1975), o crime
permite aliviar a culpa; a intenção do crime gera a culpa, a sua realização alivia. Esse
entendimento, no entanto, em vez de atribuir a responsabilidade ao indivíduo pode ser
utilizado como uma forma de compreensão que retira a intenção (consciente) e permite
atenuar o delito: ‘ele não sabia o que fazia’.
Os legalistas, por sua vez, defendem a exigência do cumprimento das leis sem se
perguntarem se os indivíduos têm condições de cumpri-las. Foi Freud (1986) também que fez
a crítica contundente a essa posição e à cultura de uma forma geral, ao mostrar que os
indivíduos passam a ser hostis à cultura, uma vez que os sacrifícios exigidos não são
compensados. Em ‘Futuro de uma ilusão’, Freud (1978) defende que se os homens
aprendessem desde crianças a perceber o valor que a cultura tem para a sua vida, não a
agrediriam. Se essa discussão se aplica quando não há muitas dúvidas de se houve ou não
crime, ela se acirra mais quando, como dito antes, os agentes são crianças ou adolescentes e se
a infração for considerada, por alguns, como algo ‘natural’, como brincadeira infantil, como
ocorre, por vezes, com o bullying.
Voltando às duas hipóteses enunciadas por Fante (2005) em relação às causas do bullying
– família violenta e insegurança do aluno –, em relação à primeira cabe mencionar a discussão
de Horkheimer e Adorno (1973) sobre a forma contemporânea de autoridade, que
diferentemente da de outrora não é mais, prioritária e predominantemente, calcada na força,
mas na ameaça – sutil ou não de abandono – o que fortalece a sua segunda hipótese: se a
ameaça de sermos excluídos a todo o momento aumentou, a necessidade de fazer parte, ser
aceito no grupo – ainda que por meio de imposição – é cada vez maior; isso não retira a
importância de se estar atento à violência física da família sobre seus filhos na tentativa de
explicação da ocorrência do bullying, mas fortalece a outra hipótese.
Não foi, segundo esses autores, o poder paterno que deu base ao fascismo, mas o declínio
da autoridade. O enfraquecimento da autoridade retirou as referências necessárias para que os
indivíduos buscassem seus caminhos na vida, e aqueles que trazem essas referências ocupam
o lugar do pai. Em relação ao declínio da autoridade paterna, dizem os autores:

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 225
JOSÉ LEON CROCHÍK

A efetiva debilidade do pai na sociedade, que tem sua origem na redução da esfera da
concorrência e da livre iniciativa, penetra assim até as células mais profundas do
equilíbrio psíquico-moral; a criança já não pode identificar-se totalmente com o pai, não
pode fazer a interiorização das exigências impostas pela família que, apesar de seus
aspectos repressivos, contribuía de uma forma decisiva para a formação do indivíduo
autônomo. (p. 144)

Se a consciência moral é cada vez mais obstada em sua formação, a autonomia não pode
surgir e, dessa maneira, a possibilidade de se agir racionalmente e controlar as ações
individuais destrutivas, presentes do bullying e na discriminação aos alunos em situação de
inclusão, se torna cada vez mais difícil.
Tendo em vista o que foi discutido neste ensaio, cabe propor estudos empíricos que
confirmem ou não a determinação dos fatores aqui explicitados sobre o bullying – a
hierarquia escolar, o autoritarismo e a ausência de autonomia (ou de consciência).
Obviamente, esses fatores não devem ser limitados aos indivíduos e suas famílias, mas
refletidos em relação aos conflitos existentes nesta sociedade e as consequentes implicações
individuais. Caberia também verificar empiricamente se as propostas de educação inclusiva,
nas escolas que a adotam, não contêm o combate ao bullying e se o novo alunado,
possibilitado por ela, pode ser ou não um novo alvo desse tipo de violência, apesar de este
tipo de educação lhe ser contrário.

226 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FATORES PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ASSOCIADOS AO BULLYING

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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• Recebido em 05/02/2011.
• Revisado em 27/04/2011.
• Aceito em 14/05/2011.

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 211-229. MAIO – AGO. 2012 229
Boletim de Psicologia, 2015, Vol. lXV, Nº 142: 015-028

VIOLÊNCIAS E JUVENTUDES: PROCESSOS DE


SUBJETIVAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR
CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE
Universidade Federal de Ouro Preto - MG - Brasil

RESUMO
O artigo pretende analisar a manifestação da violência na juventude, especialmente, em relação aos casos de
conflito entre grupo de jovens. Para tal, propõe uma reflexão sobre a complexidade do fenômeno da violência
em seu aspecto semântico conceitual e sobre os impactos da reestruturação da figura do jovem na sociedade
contemporânea, sustentando a hipótese de que a violência se tornou uma referência fundamental nas formas
atuais de subjetivação. Por fim, o artigo discute as várias perspectivas da violência escolar, da abrangência do
tema às tentativas de definir seu campo e faz uma análise crítica das medidas protetivas propostas para o seu
enfrentamento.

Palavras-chave: Violência; juventude; subjetivação; contemporaneidade.

ABSTRACT
YOUTH AND VIOLENCE: SUBJECTIVITY PROCESS ON SCHOOL AMBIANCE
The article intends to analyze the exhibition of violence by youth, particularly that related to conflicts betwe-
en youth groups. In order to attain this we propose a reflection about the complexity of the phenomenon of
violence through its semantical concepts and also about the impacts caused by youth figure restructuring into
the contemporary society, sustaining the hypothesis that violence has turned to be a fundamental reference on
the current forms of subjectivity. Finally, the article discusses several perspectives of school violence, such as the
amplitude of the subject, the attempts to define the field making a critical analysis of the protective measures
proposed to solve it.

Key words: Violence, youth; subjectivity; contemporaneity

Endereço para correspondência: Rua Paissandu 93/701, Flamengo. Rio de Janeiro – RJ. CEP: 22210-080.
E-mail: cb.andrade@terra.com.br
CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE

INTRODUÇÃO

O fenômeno da violência na sociedade contemporânea vem ganhando maior visibilidade so-


cial, tornando-se um objeto de preocupação do poder público e tema de inúmeras pesquisas aca-
dêmicas. Em 2002, a Organização Mundial de Saúde divulgou o Relatório Mundial sobre a Violência
e Saúde, no qual admite que o tema da violência assume grande importância para a Saúde Pública
em função de sua magnitude, gravidade, vulnerabilidade e impacto social sobre a saúde individual e
coletiva. Nos últimos anos, o expressivo aumento de registros de violência relacionada à juventude
vem demandando uma maior reflexão sobre o assunto.
Estudos em Antropologia, Sociologia, Psicologia Social e Saúde Pública entendem a violência
como um fenômeno socialmente construído. No âmbito dessas teorizações, Minayo (1994) trata a
violência como um fenômeno biopsicossocial, mas cujo espaço de desenvolvimento é a vida em so-
ciedade, podendo assumir formas peculiares em contextos sociais específicos.
A literatura coloca a violência como um fenômeno de grande complexidade, sendo conceitua-
do de diversas maneiras e a partir de distintas perspectivas. Em relação aos problemas referentes à
definição da violência, Ristum (2004) observa que nos textos acerca do tema, encontra-se um amplo
espectro de definições, das muito abrangentes às mais particularizadas, denotando polissemia do
conceito, controvérsia na delimitação do objeto e difícil definição conceitual.
Na mesma perspectiva, Waiselfisz (2003) aponta duas questões que dificultam a conceituali-
zação da violência. A primeira se refere ao fato de que os significados do termo violência são social-
mente construídos, modificando-se de acordo com o momento histórico e contexto social. A segunda
está relacionada ao fato de que a palavra violência pode se referir a situações bastante diversificadas,
tais como a doméstica, juvenil, bélica, contra a criança, simbólica, que se associam a modos de mani-
festação e de entendimento diferentes.
Realmente a violência não é um fenômeno social recente ou inédito, mas pode-se admitir que, na
atualidade, são múltiplas as formas que a violência assume, como também é crescente e alarmante sua
incidência envolvendo jovens. O desafio teórico de refletir sobre as formas de violências, juventudes e
processos de subjetivação exige uma análise sobre a complexidade do fenômeno da violência em seu
aspecto semântico e conceitual e as especificidades da juventude na contemporaneidade.

VIOLÊNCIA: UMA MULTIPLICIDADE DE SENTIDOS

A racionalidade da violência

A violência faz parte da história humana e está presente nas diversas sociedades e tradições
culturais. Conforme assinala Birman (2009a), a violência é sempre um traço da experiência social que,
nos seus múltiplos registros, político, religioso e simbólico, regula e desregula a relação entre as sub-
jetividades. A constatação da presença da violência ao longo da história da humanidade não significa,
contudo, uma naturalização da mesma.

16
Violências e JuVentudes: Processos de subJetiVação no contexto escolar

A afirmação da naturalização da violência aparece na formulação do argumento biológico


sobre a natureza da violência, na qual a mesma é percebida como expressão de instinto animal e se
vincula à noção de defesa ou preservação da comunidade. Esta premissa poderia levar à ideia de que
em ocasiões de guerras, por exemplo, a violência poderia estar relacionada à ideia de sobrevivência
e não de um ato deliberado de desejo. A aproximação entre a irracionalidade do animal e a violência
humana é bastante frequente. Freud numa troca de correspondência com Einstein sobre as razões
da guerra, afirma “é um principio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso
da violência. É isto que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivos para se excluir”
(Freud, 1933/1976, p. 246). No entanto, o fato do homem manifestar um ato violento tal como um
animal, não faz com que esta violência assuma as mesmas características e finalidades em ambos
os casos. A aproximação das ações humanas e dos animais não sustenta, contudo, o argumento da
violência como um componente animal no homem. Arendt (1999) acredita que compreendermos a
agressividade instintiva como o ‘componente animal do homem’ e causa da violência é uma ideia
inconsistente, uma vez que se baseia na redundância do tipo “se definirmos o homem como pertencente
ao reino animal, por que deveria ele tomar seus padrões de comportamento de outra espécie animal?” (Arendt,
1999, p. 134). A autora questiona a lógica da associação entre a animalidade e a violência humana:

Para saber que o povo lutará por sua pátria não precisamos descobrir instintos de
‘territorialismo grupal’ em formigas, peixes e macacos ... Basta passar um dia nos cor-
tiços de qualquer grande cidade. Fico surpresa e encantada de ver que alguns animais
se comportam como homens, mas não consigo ver de que forma isto pode justificar
ou condenar o comportamento humano. Não consigo compreender, por que devemos
reconhecer que o homem se comporta como um espécime de grupo territorial e não
o contrário – que certas espécies animais se comportam muito como homens (Arendt,
1999, p. 133-134).

O argumento biológico sobre a natureza da violência é frágil, pois se apoia na premissa de que
a violência é produto da conduta humana movida pelo instinto e não pela razão. A oposição entre ra-
zão e violência não se sustenta, uma vez que a razão não impede um ato violento. Freud (1915/1976)
discute como os instrumentos da razão não serviram, por exemplo, para impedir a violência da guer-
ra. Outro problema do argumento biológico da violência é a ligação que se estabelece entre irracional
e emocional. Para a psicanálise, a violência não está isenta de razão e a emoção não se opõe à razão.
O que a hipótese da irracionalidade da conduta violenta pode revelar é que a razão desconhece as
verdadeiras intenções e finalidades (Costa, 1986).
O fato de a violência apresentar uma disposição autônoma e originária não corresponde a uma
biologização da mesma. Freud (1920/1976) não postula a pulsão de violência, mas a pulsão de morte
que, na sua vertente destrutiva, também coexiste com a pulsão de vida. A violência, considerada um
dos elementos primordiais do destino da vida psíquica e social do homem, coloca uma situação para-
doxal. Embora se admita que a agressividade esteja presente no ser humano, há uma forte resistência
em admiti-la como algo inerente ao campo da subjetividade.

17
CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE

As modalidades da violência

Algumas diferenças nas modalidades da violência são destacadas no campo da psicanálise,


como, por exemplo, a diferença entre a violência e a agressividade. A violência está situada no tipo de
ação destrutiva que, embora irracional, porta a marca de um desejo. Segundo Costa (1986, p. 30), “a
violência é o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. Esse desejo pode ser voluntário, delibera-
do, racional e consciente, ou pode ser inconsciente, involuntário e irracional”. Na violência a ação é traduzida
como violenta pela vítima, pelo agente ou pelo observador. Nesta formulação, está evidente o com-
ponente subjetivo do comportamento violento, assim como sua relação com a intencionalidade de
negação e destruição do outro. Neste sentido, o ato violento se relaciona ao emprego deliberado da
agressividade e sua característica marcante é o desejo de causar mal, humilhar, fazer sofrer o outro.
Como desenvolve Freud (1930/1976, p. 133) em “Mal-estar na civilização”,

o seu próximo não é para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual,
mas também alguém que tenta satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua
capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consenti-
mento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar sofrimento, torturá-lo e matá-lo.

A agressividade inscreve-se na constituição da subjetividade, que como afirma Lacan (1948,


p. 105), “se manifesta em uma experiência que é subjetiva por sua própria constituição”.
Segundo Birman (2009a), a leitura de Lacan permite supor na existência de diferentes formas
de violência, polarizadas entre os efeitos mortíferos e os estruturantes da subjetividade. Duas mo-
dalidades de violência: aquela que funda a lei e impõe um limite à força originária, possibilitando
a constituição de laços sociais; e aquela onde a fragilidade da instância do poder não consegue se
contrapor como força à violência originária.
No campo da Sociologia, destacamos uma interessante contribuição proposta por Bourdieu
(1974) em Economia das trocas simbólicas. O autor propõe uma distinção entre violência simbólica e
violência real. A violência simbólica define um conjunto de códigos simbólicos que funda a cultura
instituída pelo poder, define uma medida para se opor à violência real que constitui um código co-
mum, tornando possível que os laços sociais sejam forjados. Já a violência real promove uma descon-
tinuidade, uma ruptura com a ordem simbólica delineada no contexto de uma dada tradição cultural.
Conforme destaca Birman (2009a), o conceito de violência simbólica desenvolvido por Bourdieu indi-
ca as dimensões constitutivas dos sujeitos e dos laços sociais.
A ideia de que a violência implanta a ordem da lei e do direito e a possibilidade de construção
do laço social é uma tese que permite uma conexão entre a psicanálise e as ciências sociais. Fazendo
um paralelo com a psicanálise, a ordem simbólica é o polo fundamental de alteridade que funda o
psiquismo no registro da representação contrapondo-se à anarquia e à insistência por descarga das
forças pulsionais. Na obra freudiana, algumas passagens sinalizam a ideia de que a própria construção
de laços sociais pode funcionar como um regulador da violência originária. Em “Psicologia das massas
e análise do eu” ao desfazer a oposição entre a Psicologia individual e das massas, Freud (1921/1976)

18
Violências e JuVentudes: Processos de subJetiVação no contexto escolar

ressalta que poucas são as ocasiões que o indivíduo pode prescindir do vínculo com os outros e que
este outro está sempre presente em sua vida psíquica “como modelo, como objeto, como auxiliar e como
inimigo” (p. 67.) Na construção do mito de “Totem e Tabu”, Freud (1913/1976) trabalha com a ideia de
que a violência simbólica introduz um limite à força bruta. A morte do pai da horda primitiva seria
fundador da sociedade propriamente dita. Os irmãos, mais frágeis, permitem impor um limite à vio-
lência absoluta da figura do pai primordial. Esta violência, que pode impor um limite à violência real,
constitui um código de ética. A tese freudiana é que o uso do poder pode ser feito através das leis. A
união dos grupos pode garantir a manutenção de uma comunidade, mas a violência sempre é o pano
de fundo dessa manutenção (Freud, 1933/1976).

Violências e juventudes no contexto escolar

A questão da violência entre jovens é abordada diretamente e indiretamente por vários estu-
dos. Deter-nos-emos nas análises desenvolvida sobre o tema violência escolar. Um ponto importante
a ser realçado é que a violência escolar não é considerada um fenômeno recente. O que surge como
um fato novo na atualidade são, além de seu alto índice de incidência, suas inéditas formas de mani-
festações. A pesquisa da UNESCO sobre violências nas escolas, coordenada por Abramonovay & Rua
(2002), levanta a complexidade do tema definindo-o como um grave problema social. Uma das causas,
que são apontadas como responsáveis pela gravidade assumida atualmente, se deve a transforma-
ções tais como: surgimento de armas nas escolas, disseminação do uso de drogas e a expansão do fe-
nômeno de gangues, influenciando na rotina das escolas, eventualmente associadas ao narcotráfico.
Estes dados evidenciam a interseção da violência escolar e da violência social.
Até a década de 80, o estudo desenvolvido sobre a violência escolar a associava às questões
de disciplina. Na década de 90 começa a ser considerada como uma manifestação de delinqüência
juvenil e expressão de um comportamento anti-social. Na literatura contemporânea se nota uma mu-
dança no enfoque pelo qual o tema é abordado. Isto, na medida em que aparece uma preocupação
em demarcar uma variabilidade de sentidos da violência no contexto escolar e sua correlação com as
representações de juventude e da educação (Abramovay & Rua, 2002).
Charlot, professor em Ciências da Educação, chama a atenção para a dificuldade em definir
violência escolar por sua referência a fenômenos heterogêneos, difíceis de delimitar e de ordenar
(Charlot & Émin, 1997) e também porque o fato desestrutura “as representações sociais que têm valor
fundador: aquela infância (inocência), a da escolar (refúgio de paz) e da própria sociedade (pacificadora no
regime democrático)” (Charlot & Émin, 1997, p. 1). Procurando estabelecer instrumentos para analisar
a complexa questão da violência escolar, Charlot (2002) propõe uma distinção conceitual entre a vio-
lência na escola, à escola e da escola. A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço
escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar. A violência à escola está
ligada à natureza e às atividades da instituição escolar, trata-se de uma violência contra a escola. Por
fim, a violência da escola como a violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam
através da maneira como a instituição e seus agentes a tratam.

19
CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE

As pesquisas na área da Educação destacam que a experiência da violência no contexto escolar


era analisada exclusivamente como um fator externo que se originava fora dela e a atingia. Segundo
Aquino (1998), a maior parte da análise do fenômeno da violência escolar se fundamenta por um lado
numa visão sociológica e, por outro, numa visão psicológica. A posição sociologizante compreende
a experiência de violência como conseqüência das determinações macroestruturais sobre o âmbito
escolar, por outro lado, na visão clínico-psicologizante a violência ganha um diagnóstico de caráter
evolutivo e patológico, o que levaria a um núcleo conceitual abstrato como o de “personalidade” ou
mesmo de “identidade” atrelado a um padrão de desenvolvimento independentemente da configuração
institucional na qual o sujeito da ação está inserido. O autor ressalta que em ambas leituras, a violência
é analisada por uma vertente essencialmente exógena em relação à prática institucional escolar.
Segundo dados da pesquisa de Abramovay & Rua (2002, p.85),
Atualmente se delineia uma preocupação com as violências nas escolas não mais como
um fenômeno de origem exógena, ainda que dê ênfase, em especial, ao problema do
narcotráfico (Zaluar, 1994; Guimarães, 1998; Peralva, 2000), à exclusão social (Araújo,
2001). Conclui-se que estes estudos constatavam a existência de outras causas atribu-
ídas à violência que não só a questão da autoridade, conforme enfatizado nos estudos
dos anos 80.

Nas últimas duas décadas, os estudos sobre a violência no contexto escolar destacaram, es-
pecialmente, que a instituição escolar não funciona apenas como reprodutora das experiências de
opressão e violência advindas do plano macroestrutural, mas que as escolas também produzem sua
própria violência e sua própria indisciplina. Um outro recorte da violência no âmbito escolar passa a
ser destacado, sem desconsiderar a influência e afetação da violência presente na sociedade. No âm-
bito escolar, começa a surgir uma preocupação com a violência gerada no interior da própria escola
(Sposito, 2001; Njaine & Minayo, 2003).
O campo da educação aparece como elemento fundamental na distinção entre a violência es-
colar propriamente dita e a violência escolar que é ocasionada em consequência da violência social.
Sposito (2001) expõe claramente sua preocupação em destacar uma violência escolar stricto-sensu,
que nasce no interior da escola ou como modalidade de relação direta com o estabelecimento de
ensino, da violência social, determinada por condições históricas e sociais que explicariam o apare-
cimento de condutas violentas na escola. A autora ainda esclarece que o fato de reconhecer certa
moldura social propiciadora das condições para a eclosão da conduta violenta, não é o suficiente para
estabelecer uma linearidade entre o quadro social, que favorece o seu aparecimento, e as práticas de
violência na instituição escolar.
O tema da violência escolar também encontra uma dificuldade de análise, uma vez que o
significado de violência não é conceitual. Na tentativa de delimitar a fronteira e delimitar diferentes
formas de tratamento dos fenômenos, pesquisadores franceses desenvolveram, nos últimos anos,
uma distinção entre a violência, a transgressão e a incivilidade. O termo violência se reserva ao que
ataca a lei com uso da força ou ameaça usá-la, tais como lesões, extorsão, tráfico de drogas, roubos.

20
Violências e JuVentudes: Processos de subJetiVação no contexto escolar

A transgressão é o comportamento contrário ao regulamento interno do estabelecimento, caracte-


rizado pelo absenteísmo, falta de respeito. Por fim, a incivilidade não contradiz, nem a lei, nem o
regimento interno do estabelecimento, mas as regras da boa convivência, como por exemplo: humi-
lhações, xingamentos, falta de respeito, etc. Esta distinção permite formalizar diferentes categorias
na análise de formas de tratamento dos fenômenos (Charlot, 2002).
Sposito (2001), ao fazer um balanço da pesquisa da violência escolar no Brasil, aponta que a
prática de incivilidade frequente na convivência entre jovens evidencia como a crise socializadora da
escola recobre a experiência juvenil de diversas classes sociais na sua relação com o mundo adulto,
representado pela instituição escolar. Portanto, as incivilidades sinalizariam, também, um conjunto
de insatisfações manifestadas no cotidiano escolar.
A noção de incivilidade parece pertinente para refletir sobre a problemática da violência na ju-
ventude na contemporaneidade, que não estão na esfera da delinquência e da criminalidade. Traduz
uma forma de sociabilidade entre pares do mundo juvenil, marcada pelas agressões vivenciadas no
cotidiano da vida escolar, tanto de escolas situadas em periferias, como em instituições particulares
destinadas a elites da sociedade brasileira. As práticas de incivilidade evidenciam a crise socializadora
das instituições e indicam também a crise de um padrão civilizatório ocidental, caracterizado pela
contenção da agressividade e dos impulsos e pelo crescente papel do Estado como instância que
reúne o monopólio da força e da coerção (Elias, 2004).

O FENÔMENO BULLYING

Para a análise sobre a violência entre jovens consideramos relevante o debate sobre o fenô-
meno bullying, termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e
repetidos, praticados com o objetivo de intimidar ou agredir.1 O tema tem despertado um extenso
debate no âmbito da violência escolar. No ano de 2003, a ABRAPIA - Associação Brasileira de Proteção
à Infância e à Adolescência, em uma pesquisa com 5.875 alunos, entre 10 e 19 anos, da 5ª a 8ª séries
de 11 escolas do município do Rio de Janeiro, entre elas nove municipais e duas particulares, da zona
sul e norte, teve o resultado de que 40,5% dos alunos entrevistados admitiram estar envolvidos em
casos de bullying, no qual 16,9% eram alvos deste tipo de agressão, 10,9% se caracterizavam como ví-
timas e autores, 12,7% como autores. Em 2009, uma pesquisa do IBGE revelou que cerca de um terço
(30,8%) dos estudantes em todo o país informou já ter sofrido bullying. De acordo com a pesquisa, a
maior proporção de estudantes atingidos ocorreu em escolas privadas (35,9%) em relação às escolas
públicas (29,5%).
O bullying se tornou um emblema na discussão sobre a violência entre jovens. O tema gera
controvérsias se realmente não se trata de uma ‘nova’ nomeação para um velho e conhecido proble-
ma. O estudo sobre o bullying indica que não se trata de uma violência qualquer, mesmo que apon-
1
Recentemente, apareceu um novo modo de intimidação chamada cyberbullying que representa o uso da tecnologia da infor-
mação para a prática de atos hostis, deliberados e repetidos, por um indivíduo ou grupo de indivíduos, em direção a outro
indivíduo ou grupo de indivíduos. São cada vez mais comuns os casos de cyberbullying em redes sociais da chamada Web, tais
como Orkut, Facebook, MySpace, Twitter e assemelhados.

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CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE

tado como um fenômeno que ocorre sem causa evidente, há evidências de que ele não corresponde
a uma simples manifestação da violência sem fator determinante. Alguns autores observam que as
causas do bullying incluem, além de fatores econômicos, sociais e culturais, os fatores relacionados
ao temperamento do indivíduo, às influências familiares, de colegas, da escola e da comunidade (Smi-
th, 2002; Lopes Neto, 2005). Embora tais estudos tenham o mérito de desenvolver classificações e
tipologias que tornam visíveis determinadas manifestações de violência, nota-se a importância de
que tais definições sejam analisadas considerando a constituição subjetiva e social do jovem. Nesta
perspectiva, Antunes e Zuin (2008), propõem uma interessante relação entre bullying e o conceito de
preconceito, a partir do exame dos fatores sociais que determinam os grupos-alvo e dos indicativos
da função psíquica para aqueles considerados como agressores. Portanto, as causas do fenômeno de-
nominado bullying fornecem um importante dado para sua análise, uma vez que sejam devidamente
problematizadas.
A identificação do fenômeno bullying tem sido o motivador de um conjunto de leis de combate
e prevenção. No Brasil não existe nenhuma legislação específica sobre bullying. O Estatuto da Criança
e do Adolescente (1990) prevê medidas protetivas e socioeducativas a jovens que cometam atos in-
fracionais. Mas, na última década, uma série de medidas jurídicas vêm sendo implementada no Brasil,
como por exemplo, algumas iniciativas políticas que deram partida a um programa de enfrentamento
do bullying. Os projetos de Lei de uma política anti-bullying trazem como justificativa o fato do bullying
favorecer o surgimento de várias doenças, dificuldade de aprendizagem, exclusão social, transtornos
emocionais, dentre outros sintomas psicossomáticos, podendo levar a vítima a assumir um compor-
tamento agressivo e nocivo à sociedade. Destacamos, a seguir, algumas destas iniciativas. No Rio de
Janeiro, o Projeto de Lei no 94/2009 (Projeto Lei, 2009) prevê que as escolas públicas da Educação Bá-
sica do Município do Rio de Janeiro devem incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscienti-
zação, prevenção e combate ao bullying escolar. Em setembro de 2010, também no Rio de Janeiro, foi
sancionada a Lei no 5824 (Lei no 5824, 2010) que torna obrigatória a notificação de casos de bullying.
De acordo com esta lei, os casos de bullying e de violência contra crianças e adolescentes em escolas
públicas e particulares do Rio terão que ser notificados à polícia. A lei prevê uma multa de três a 20
salários mínimos (até R$ 10.200) para instituições de ensino que descumprirem a norma. Pelas novas
regras, professores e funcionários de escolas terão que denunciar os casos a delegacias e conselhos
tutelares. No Rio Grande do Sul, a Assembleia Legislativa (2010) aprovou a Lei no 13.474, que prevê
políticas de combate ao bullying em escolas. A defesa para a aplicação da Lei faz menção a combater
um problema social que tem provocado distúrbios psicossomáticos nas vítimas. Seu principal obje-
tivo é reduzir a violência física e psicológica nas instituições. No Distrito Federal, em 24/05/2012, foi
decretada a Lei No 4.837 (Câmara Legislativa do Distrito Federal (2012), que pretende conscientizar,
prevenir e combater o bullying nas escolas públicas e privadas.
O fenômeno bullying expressa uma face da criminalização e da judicialização da violência entre
jovens, tornando-se alvo de uma série de processos judiciais.2 Tem se traduzido como uma expres-
2
Muitos casos de bullying foram julgados e condenados à pena de indenização. Em outubro de 2008, dois adolescentes de
classe média entre 15 e 16 anos foram acusados de terem apelidado de bode e, ainda, divulgado os xingamentos na internet de

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Violências e JuVentudes: Processos de subJetiVação no contexto escolar

são da violência e também de uma quebra na regulação social. Compreendemos que este fenômeno
indica que os laços sociais não têm funcionado como um fator de regulação da violência. Torna-se
evidente a precariedade da regulação social e uma nova estruturação do laço social que reorganiza
por completo nossa vida coletiva.

Nova cartografia social

A questão sobre como a subjetividade se insere no campo da experiência contemporânea


da violência deve ser pensada sob a perspectiva das mudanças decorrentes da nova organização
social da sociedade. Estudos no campo das Ciências Sociais identificam uma mudança estrutural nas
sociedades modernas, uma nova configuração em que se enfatiza a descontinuidade, a ruptura e a
fragmentação. Bauman (2001) através do conceito de modernidade líquida procura demarcar as parti-
cularidades da contemporaneidade, quando as relações não são identificadas por laços estáveis, mas
por sua fragilidade. A sociedade instável se defronta com a crise das instituições modernas, no qual a
escola apresenta sua fragilidade no seu viés institucional que afeta seu lugar como sua função social.
O enfraquecimento da função socializadora da escola, enquanto instituição de formação de
novas gerações, se vincula ao esgotamento do modelo de escolaridade voltado para as expectativas
de mobilidade social. O projeto de escolarização sempre esteve ligado às possibilidades de ascen-
são social e inserção no mercado de trabalho. No entanto, o aumento dos níveis de escolaridade da
população não tem significado, de modo imediato, melhores condições e absorção dos jovens pelo
mercado de trabalho.
A nova cartografia no campo de trabalho afeta, sobretudo, a juventude na atualidade. Na
instabilidade do mundo contemporâneo, o sujeito não consegue obter através do discurso e dos
laços sociais o reconhecimento simbólico, deixando-o, portanto, numa posição de desamparo. Na
dinâmica econômico-familiar da contemporaneidade há um esvaziamento dos processos de simboli-
zação que interferem principalmente no público jovem. A relação da juventude com a ordem social é
marcada pela imponderabilidade em decorrência da impossibilidade vivida pela juventude em traçar
de maneira segura as relações entre presente e futuro. Neste contexto, a experiência da temporali-

uma colega de classe de uma escola tradicional de Ribeirão Preto (SP). O juiz puniu os jovens a prestar serviços comunitários
por seis meses. (Folha online, 2008). Em 2009, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou uma escola particular de
Ceilândia a pagar uma indenização de R$ 3 mil à família de um garoto que sofreu bullying no ano letivo de 2005, quando tinha
7 anos e cursava a 2ª série. O aluno apanhava constantemente dos colegas. (Correio Braziliense, 2009). Em maio de 2010, o juiz
Luiz Artur Rocha Hilário, da 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, condenou um estudante de 7ª série do Colégio Santa Doroteia a
indenizar a sua colega de classe em R$ 8 mil pela prática de bullying. A estudante disse que, em pouco tempo de convivência
escolar, o menino começou a lhe colocar apelidos e fazer insinuações sobre a sua sexualidade. (Folha online, 2010). Em julho de
2010, a justiça do Rio Grande do Sul condenou uma mãe a pagar indenização no valor de R$ 5.000 por danos morais em nome
do filho, menor de idade, que criou um site para ofender um colega de classe. De acordo com o entendimento da 6ª Câmara
Cível, que manteve a decisão de primeira instância, a prática de bullying é ato ilícito e enseja reparação. (Última Instância,
2010). Em abril de 2011, o Tribunal de Justiça condenou o Colégio Nossa Senhora da Piedade, na zona norte do Rio, pagar R$
35 mil de indenização à família de uma aluna que sofreu agressões físicas e psicológicas na escola. Os desembargadores da 13a
Câmara Cível negaram por unanimidade o recurso da instituição que é dirigida por freiras. A menina, hoje com 15 anos, vai
receber R$ 15 mil e seus pais, R$ 20 mil. (Estadão, 2011).

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CLÁUDIA BRAGA DE ANDRADE

dade inscrita no registro econômico, político, social e simbólico caracterizam a precária condição da
juventude (Birman, 2006, 2009a, 2009b).
Podem ser demarcadas profundas mudanças na experiência da temporalidade no contexto das
transformações ocorridas no capitalismo na segunda metade do século XX (Sennett, 1999). A perda
de noção linear do tempo e a ruptura da noção de tempo e espaço aparecem como reflexo não só da
dinâmica imposta pelo novo modelo de trabalho. O mercado de trabalho se tornou instável e variável,
colocando em questão a existência social do sujeito. Sennett denomina como ‘corrosão de caráter’
estas mudanças nas formas de subjetivação, decorrentes da sensação de fracasso, da constante incer-
teza e das mudanças rápidas, que corroem, não só o trabalhador, mas o seu caráter, a família e mesmo
as suas perspectivas de vida.
Nesta nova configuração social, a instabilidade e a precariedade se tornam marcas das relações
pessoais e das relações de trabalho. O espaço social da família e do trabalho não mais se constitui
como uma fonte de segurança e estabilidade perdendo, desta forma, sua eficácia normativa.
Além das novas condições existentes no mundo do trabalho, a juventude também se depara
com as transformações ocorridas no registro social da família. A crise das instituições coloca em
questão a autoridade e o reconhecimento do outro, conferindo uma nova estruturação do laço so-
cial, reorganizando por completo a nossa vida coletiva. A autoridade sempre esteve relacionada às
instituições com poder político, econômico e social. Atualmente nos deparamos com o poder sem
autoridade, sem reconhecimento moral (Costa, 2004). A experiência dos jovens é marcada por uma
precariedade da alteridade, uma vez que o mundo adulto não oferece uma referência subjetiva se-
gura e uma perspectiva de futuro. Segundo Kehl (2004, p. 97), “a experiência do adulto, assim como a
memória, produz consistência subjetiva. Descartado o passado, em nome de uma eterna juventude, produz-se
um vazio difícil de suportar”.
A falta de referentes simbólicos culturais produzidos na sociedade contemporânea promove
o sentimento de não-pertencimento, de não-filiação. Junto a este cenário, se apresenta uma forma
individualista da sociabilidade voltada para o consumo, que afeta, sobretudo, o seguimento juvenil.
A vertente principal desta precariedade da construção subjetiva dos jovens aparece na identificação
subjetiva com a violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir sobre a violência entre os jovens na atualidade é uma questão urgente. O debate
sobre a violência na juventude, mais precisamente a forma como o tema tem sido veiculado serve,
sobretudo, à função adaptativa ao classificar a violência e, pretensamente, justificá-la e controlá-la,
como são os exemplares e extensos casos de processos judiciais para casos de violência entre jovens
no espaço escolar.
Nos últimos anos, é clara a inserção do campo jurídico na esfera escolar e a busca de discus-
sões sobre o papel do educador e da figura representativa da Lei. Promotores de justiça são convida-
dos para fazer palestras em escolas, o policiamento passou a fazer parte da rotina no interior da esco-

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Violências e JuVentudes: Processos de subJetiVação no contexto escolar

la, casos de danos morais entre alunos são julgados em tribunais de justiça. Podemos aludir que nos
deparamos com o retorno ao reconhecimento da palavra da Lei, que somente ganha sua legitimidade
através de um discurso de verdade encarnado, neste caso, em uma teoria do direito (Foucault, 2002).
A elaboração de medidas protetivas ao enfrentamento da violência não deve se restringir a um
determinado modelo de comportamento e conduta moral, mas englobar uma compreensão sobre os
reflexos da nova cartografia social da juventude. Neste sentido, os casos de violência de jovens no
ambiente escolar não apenas devem ser explicados pela deterioração do contexto social e da imagem
da escola (e do saber) como lugar de promoção social, mas também decorrentes da alteração dos
processos de formação da subjetividade, próprios à nova condição da juventude e ao seu desamparo,
que leva os jovens a procederem a um processo de socialização e constituição de sua identidade so-
cial no “enfrentamento” com outros jovens. Desta forma, poderemos fornecer subsídios para avançar
a discussão sobre a violência e a produção subjetiva de laços violentos na juventude.

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Recebido em 10/04/2014
Revisto em 07/07/2015
Aceito em 9/07/2015

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A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR:


UMA LEITURA INTERDISCIPLINAR
Fábio Santos Bispo*
Nádia Laguárdia de Lima**

RESUMO: Este artigo apresenta uma abordagem interdisciplinar acerca


da problemática da violência na escola. Discutem-se, primeiramente,
as possíveis definições e caracterizações da violência, tomando-a a
partir de diferentes dimensões, tais como a violência subjetiva, a
violência simbólica e a violência objetiva, sistêmica ou estrutural. São
analisadas as formas simbólicas e sociais da violência institucional
que permeia o âmbito escolar, sobretudo a partir de suas relações
com a noção foucaultiana de poder disciplinar. Em oposição às
crescentes estratégias de controle e segregação articuladas ao
biopoder que se fazem presentes no espaço escolar, destacamos
a importância de uma educação que valorize a participação ativa
dos jovens na construção de saídas para os impasses e conflitos
presentes nas relações sociais e pedagógicas, bem como as possíveis
contribuições da psicanálise para esse processo.
Palavras-chave: Violência; Escola; Poder Disciplinar; Psicanálise.

* Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Psicólogo da Escola
Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).
Email: fabio.siloe@gmail.com
** Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professora Adjunta do
Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).
Email: nadia.laguardia@gmail.com
Educação em Revista|Belo Horizonte|v.30|n.02|p.161-180|Abril-Junho 2014
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VIOLENCE IN THE SCHOOL CONTEXT: AN INTERDISCIPLINARY READING


ABSTRACT: This paper shows an interdisciplinary approach on the
problematic of violence in schools. Firstly, we discuss their possible
definitions and characterizations, considering different dimensions,
such as subjective violence, symbolic violence and objective, systemic
or structural violence. The symbolic and social forms of institutional
violence that permeates the school are analyzed, especially for their
relations with the foucauldian notion of the disciplinary power.
In contrast to the increasing strategies of control and segregation
articulated to biopower that are present in the school, we highlight
the importance of an education that values the active participation
of young people in the construction of solutions to problems and
conflicts present in social and pedagogy relations, as well as the
possible contributions of psychoanalysis to this process.
Keywords: Violence. School. Disciplinary power. Psychoanalysis.

DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Na contemporaneidade, o crescimento da violência no espaço


escolar passou a ocupar um lugar de destaque nos discursos sociais,
escolares e midiáticos, o que tem levado a um aumento de pesquisas
sobre o tema. Buscam-se as suas causas mais específicas, situadas
no interior das escolas, e também mais abrangentes, ou seja, suas
relações com os processos sociais, políticos e econômicos. Surgiu,
portanto, uma demanda crescente por investigação e compreensão
do fenômeno, além da exigência de implantação de políticas e ações
educacionais para o enfrentamento do problema. Cabe questionar,
entretanto, o uso que se faz do termo violência e os riscos que
acarretam as universalizações e generalizações precipitadas.
A palavra violência é utilizada para nomear condutas
diversificadas e, em termos linguísticos, comporta múltiplas
possibilidades de significação. Drawin (2011) destaca duas acepções
distintas, a partir de uma raiz etimológica vinculada ao substantivo
latino violentiae, que significa veemência, impetuosidade e força.
Nesse primeiro sentido, a significação não estaria restrita ao universo
humano, mas a força dos fenômenos físicos ou naturais tam aridades
e segregação. Nesses casos, a violência juvenil, constantemente
taxada de delinquência, precisa ser redimensionada e escutada em
seus aspectos geradores de transformação. Para isso, entretanto, é
preciso reconhecer a violência no laço social para além daquilo que
Educação em Revista|Belo Horizonte|v.30|n.02|p.161-180|Abril-Junho 2014
163

costuma aparecer, destacando-se as nuances envolvidas nos jogos de


poder das relações sociais. Žižek (2009) apresenta, nesse sentido, três
formas pelas quais a violência pode manifestar-se no laço social:
1) A violência subjetiva seria a forma mais visível e designa a
violência exercida por agentes sociais determinados, como indivíduos
considerados malévolos, aparelhos repressivos disciplinados e turbas
fanáticas, passíveis de serem identificados como sujeitos do ato
cometido. Nesse caso, a agressão ao outro ou as agressões mútuas
são visíveis, normalmente por envolverem o uso de uma força
que excede determinados limites. Muitas das vezes, essa é a única
forma de violência destacada na escola, pois é o que geralmente vira
manchete, expondo as fragilidades das estruturas sociais para conter
os ímpetos agressivos de seus agentes.
2) A violência simbólica, por sua vez, apresenta-se de forma
mais sutil nas palavras, nomeações, classificações e formas de
utilização da linguagem, não sendo, muitas vezes, reconhecida como
violência, mas produzindo efeitos de forma mais insidiosa. Devido a
esse caráter de invisibilidade, o agente da violência também se torna
mais difuso, o que dificulta a sua superação. Se, em muitas ocasiões, a
escola é o lugar onde se podem almejar transformações positivas no
uso social da linguagem, justamente por ser um lugar de transmissão
e crítica da língua, em outras ocasiões, a própria dinâmica escolar
pode reforçar, em suas práticas disciplinares e administrativas, a
proliferação desse tipo de violência.
3) A violência objetiva ou sistêmica é sustentada pelos jogos
de relações sociais, políticas e econômicas, podendo ser demarcada no
próprio discurso como referida à sustentação de laços de dominação
e de exploração. Encontra-se geralmente arraigada nas instituições
sociais e pode valer-se do poder econômico, político ou midiático
para impor-se ou perpetuar-se. A violência objetiva não deixa de
lançar mão de diversos mecanismos de violência simbólica e, em
muitas ocasiões, até da violência física direta contra determinados
sujeitos, como parte das relações de dominação.
Arendt (2000) relaciona uma forma de violência que ela
designa como estrutural com a violência social. Segundo a autora,
a violência estrutural apresenta-se como resultado de uma ideologia
presente na sociedade, que impõe leis e regras para o controle social,
privilegiando alguns grupos em detrimento de outros, determinando
as desigualdades e promovendo a exclusão de determinados grupos
sociais. Dessa forma, a sociedade, por ser hierarquizada cultural,
econômica e socialmente, determina exclusões e discriminações
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que se reproduzem no interior das escolas, de modo que se pode


interpretar a violência aí presente também como resultado da
violência social (ARENDT, 2000).
Para Arendt (2000), o poder é inerente a qualquer
comunidade política, pois é oriundo da capacidade humana
para agir em conjunto, o que, por sua vez, requer o consenso de
muitos quanto a um curso comum de ação. Nesse sentido, poder
e violência seriam fenômenos opostos: a afirmação absoluta de
um significa a ausência do outro. É a desintegração do poder
que enseja a violência, “pois quando os comandos não são mais
generalizadamente acatados, por falta do consenso e da opinião
favorável, implícita ou explícita, de muitos, os meios violentos
não têm utilidade” (ARENDT, 2000, p.8). Assim, é a situação-
limite que torna possível, mas não necessária, a revolução. Para a
autora, a violência destrói o poder, não o cria.
Bourdieu e Passeron (1975) também discorrem sobre a
violência simbólica, relacionando-a com o exercício do poder. Para
os autores, existe um poder invisível, ignorado, todavia, um poder
de construção da realidade, que é o poder simbólico. Os sistemas
simbólicos são estruturas sistematizadas de produção simbólica,
como a língua, a arte, a religião, etc. A sua função política é a de
impor ou de legitimar a dominação, assegurando a dominação de
uma classe sobre a outra. O poder de violência simbólica é aquele
que chega a impor significações como legítimas, dissimulando as
relações de força que estão na base de sua atuação. A violência
simbólica pode ser identificada na escola através da imposição de
uma cultura escolar própria à classe dominante, que serve para a
reprodução das estruturas de poder.
Se, por um lado, como salientam Arroyo (2007) e Arreguy,
Morena-Torres e Camporez (2012), o conjunto de condutas
indisciplinadas que sempre aconteceram nas escolas vem sendo
interpretado e classificado como violências, a unificação de uma
diversidade de condutas, bem como sua rotulação segregativa e
discriminatória operam a favor da perpetuação de uma violência
sistêmica que produz seus impactos nos processos de desenvolvimento
humano, ético, cultural e na identidade dos sujeitos.
Na atualidade, um exemplo desse tipo de situação é o
fenômeno denominado bulliyng. Esse termo passou a ser utilizado
de forma generalista e indiscriminada, o que não contribui para
a compreensão e o enfrentamento das situações específicas de
violência subjetiva, na medida em que coloca em operação outras
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formas de violências mais sistêmicas. A utilização do termo de forma


generalista apaga as condições específicas de cada contexto e de cada
sujeito envolvido na situação.
Célio Garcia destaca, de forma veemente, a gravidade da
violência presente nas práticas de nomeações e classificações.
Embora sutil, trata-se de uma violência com repercussões que
podem vir a ser desastrosas. Ele cita a tese de Badiou segundo a
qual “o predicado ‘judeu’ seria uma ameaça para os próprios judeus,
havendo contribuído para o extermínio durante o regime nazista”
(GARCIA, 2010, p.147). O nome passa a operar com o “valor de
‘significante destinal’ (termo heideggeriano que sugere um tempo
para além da história)” (GARCIA, 2010, p.147). Da mesma forma,
outros predicados identificatórios, como ‘imigrantes’, ‘clandestinos’,
‘infratores’, ‘repetentes’, etc., podem adquirir um potencial destrutivo
para os sujeitos aos quais se aplicam. As classificações desse tipo,
envolvendo crianças e jovens, mostram-se cada vez mais presentes
nas escolas e na sociedade, podendo ocorrer tanto por parâmetros
morais quanto baseadas no rendimento escolar. Podem ocasionar
efeitos nefastos para os sujeitos, pois geram discriminações e
exclusão social, fixando-os a um destino trágico, já que eles passam
a ser considerados ‘fracassados’ ou até ‘perigosos’ socialmente e, por
isso mesmo, alvos de uma violência repressora.
A violência nas escolas não é um fenômeno recente nem
exclusivo de nosso país, mas apenas recentemente ela passou a ser
fonte de preocupação e interesse social, levando a um incremento de
pesquisas sobre o tema. Na Europa, o tema começou a ser estudado
nos países escandinavos na década de 1970, atingindo outros países
como a Inglaterra, a Holanda e a Espanha na década de 1980 e
promovendo uma maior compreensão das diversas facetas que
envolvem a violência (SPOSITO, 1998). No Brasil, esse tema ganha
espaço nas discussões e pesquisas acadêmicas na década de 1980,
quando a violência no contexto escolar é analisada como resultado
do processo de democratização das escolas.
Em concordância com Goldenberg (2011), consideramos
que a violência é um processo com uma lógica própria, pela qual
todos nós temos alguma responsabilidade. Não se trata de uma
lógica restrita ao sujeito, nem ao seu núcleo familiar. Há uma ordem
simbólica que cria as condições a partir das quais cada um, a seu
modo, a subjetiva. Goldenberg (2011) retoma Girard (1983), em
La violência y lo sagrado, para lembrar que não há violência sem
espetáculo, e que essa colocação em cena supõe um efeito
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contagioso do qual devemos nos precaver. O autor conclui que


a violência não pode ser separada de sua representação e de sua
subjetivação. Ele nos adverte de que a diversidade e a complexidade
das manifestações, etiologias e formas de abordagem da violência a
fazem resistente a indicadores quantitativos precisos e simples.
O debate atual sobre o bulliyng introduz uma série de
questionamentos sobre a utilização do termo, o seu alcance e o que
ele apresenta de novo. Segundo Goldenberg, o crescimento desse
fenômeno em todo o mundo está relacionado a três fatores principais.
Uma primeira transformação social que substitui o conceito de
autoridade como vetor social e relacional pelo de segurança como
metavalor. A violência se situa, assim, como resposta a um declínio
social do mestre, que leva a uma lógica da rede com sua horizontalidade.
Nessa perspectiva, há uma vitimização horizontal. Ou o sujeito se
coloca como vítima ou como provocador e como espectador mudo.
Uma segunda transformação está relacionada ao lugar ocupado
pelos objetos de consumo na atualidade, os gadgets modernos. O
intercâmbio crescente entre os próprios jovens, e através dos suportes
digitais, de imagens e textos de agressão, junto à proliferação dos
reality shows televisivos, em que se expõem os atos violentos, confirmam
que a violência, hoje, inclui a cena mesma e a fascinação que produz
entre os atores e espectadores. E, finalmente, a crise das identidades
sexuais, que leva à dificuldade de encontrar uma referência para a
masculinidade e a feminilidade. Assim, há um aumento dos estilos
viris entre as mulheres, com o aumento das condutas agressivas por
parte das jovens (GOLDENBERG, 2011, p.34).
Goldenberg (2011) lembra ainda a homogeneização dos estilos
de vida, que leva à preferência por signos normativos, reforçam um
imaginário de igualdade que leva à segregação daqueles que, por uma
razão ou outra, se apresentam como diferentes ou deficitários (gordos,
sem roupas de marca, imigrantes, homossexuais...). Estes que encarnam
a diferença estranha provocam o ódio do grupo. Como destaca o autor,
o bullying envolve sempre um ternário, formado pelo(s) agressor(es),
pela(s) vítima(s) e pelo grupo de espectadores, muitas vezes, mudos.
Se a utilização do termo bulliyng pode levar ao apagamento
das singularidades, como um efeito de toda classificação, ela permite,
entretanto, a entrada do discurso jurídico em cena, que introduz
a discussão sobre a responsabilidade das escolas nas situações de
violência que ocorrem no interior dos seus espaços, pois, como
vimos, a violência objetiva é aquela que ocorre nas instituições
sociais, dentre elas, a escola.
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Algumas pesquisas realizadas em serviços de saúde atestam


que grande parte das crianças encaminhadas para esses serviços
provém de instituições escolares com queixas de comportamentos
violentos. Segundo Souza (2002), a maior parte dos encaminhamentos
de crianças feitos pelas escolas para os serviços de saúde tem
como causa os problemas de aprendizagem e de comportamento.
A maior parte das queixas por problemas de comportamento
relacionados à escola é por agressividade/nervosismo (35,5%) e
dificuldade de socialização (17,8%). Esse aumento considerável de
encaminhamentos de crianças para os serviços de saúde com queixas de
comportamentos violentos e/ou agressivos aponta para a necessidade
de se considerar a relação desse fenômeno com a instituição escolar.
Para o trabalho da psicologia e da psicanálise na escola, é
importante esclarecer esses modos de violência mais implícitos nos
laços sociais, porque há sempre o risco de que o saber técnico seja
tomado como instrumento a favor da manutenção de alguns tipos
de violência. Essa violência que Žižek (2009) chama de objetiva ou
sistêmica e que é nomeada por Arendt (2000) como estrutural lança
mão de diversas estratégias simbólicas, dentre elas, do próprio poder
epistemológico, ou seja, dos instrumentos que o saber proporciona,
a favor do controle dos sujeitos. Michel Foucault (1994) esclarece,
de forma mais pormenorizada, essa violência institucionalizada
nos métodos disciplinares, presentes nas práticas discursivas e que,
grande parte das vezes, é utilizada para combater a violência subjetiva
mais direta, mas sem que haja uma percepção de outras dimensões
que a sustentam e põem em jogo.

A VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA NO LAÇO SOCIAL

Freud (1930/1996), ao refletir sobre a existência de um


mal-estar na cultura, defende a impossibilidade de se eliminar por
completo as dificuldades e os conflitos presentes nos relacionamentos
humanos. Ele propõe, como lembram Arreguy, Morena-Torres e
Camporez (2012), que a forma mais penosa de sofrimento humano
advém de seus relacionamentos com os outros, sobretudo os mais
íntimos e próximos, que se constituem a partir dos processos de
identificação, determinantes da subjetividade. Freud defende que
não existe uma solução universal para aplacar o mal-estar presente
nas interações sociais. Se a educação é necessária para a formação
humana, persiste uma dimensão ineducável em todo sujeito, que
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aponta para o real pulsional. As tentativas de erradicação dessa


dimensão ineducável acabam por promover sua irrupção de forma
drástica e, por vezes, destrutiva.
Destacamos, nesse sentido, a dupla função da ordem simbólica
em relação à violência. Por um lado, funciona como o elemento de
mediação transcendente graças ao qual os confrontos imaginários
entre os semelhantes podem encontrar soluções pacificadoras. Por
outro, extrai sua força de uma violência que pode inclusive vir a ser
mais letal que a própria violência a que ela visa conter. De um lado,
pois, há uma função pacificadora e estabilizadora na cultura e nos
seus mecanismos simbólicos de educação das pulsões e, de outro, há
uma função violenta que visa justamente a constranger os indivíduos
a adequarem-se às normas.
Benjamin (1986) já identificava esse elemento violento
presente nos dispositivos simbólicos. Ao analisar o poder que sustenta
e fundamenta a esfera do direito, ele propõe que um elemento
ameaçador pertence à sua ordem de maneira irrevogável, “pois o
poder mantenedor do direito é um poder ameaçador” (BENJAMIN,
1986, p.165). Há, dessa forma, uma violência que se institucionaliza
e se organiza em dispositivos simbólicos, como na própria lei e nos
aparelhos repressivos do Estado. Essa violência permanece velada,
mas se coloca como necessária para manter o funcionamento da
ordem cultural, de modo a ser socialmente legitimada. Surge, assim,
um aparato simbólico coercitivo que servirá para inibir as desordens.
O resultado é que temos, de um lado, uma violência supostamente
legítima, não apenas apoiada nas instituições sociais, mas por elas
exercida; e, de outro, uma violência ilegítima, praticada por aqueles que
resistem à ordem, colocando-se como uma ameaça ao poder vigente.
No interior da escola, aqueles alunos considerados perigosos
passam, pois, a ser alvos dos dispositivos institucionais de controle. Os
meios utilizados por esses dispositivos, com sua violência considerada
legítima, precisam recorrer a técnicas diversas, signos de autoridade
e a demonstrações de força para ratificarem sua legitimidade. Freud
esclarece que, apesar de todos os benefícios que a vida social traz
para os homens, os sacrifícios que ela exige para tornar possível a
vida comunitária podem ser sentidos como um pesado fardo. Desse
modo, a civilização “tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus
regulamentos, instituições e ordens dirigem-se a essa tarefa” (FREUD,
1927/1996, p.16). Ao mesmo tempo, pois, em que a ordem simbólica
protege o sujeito do desamparo, imprime também sanções que podem
abater-se violentamente sobre os indivíduos recalcitrantes.
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São essas técnicas de controle e sanção que Foucault esclarece


ao tratar do biopoder como um poder centrado na administração dos
corpos e na gestão calculista da vida (FOUCAULT, 1999). O biopoder
ajuda a legitimar a violência social justamente por deslocar sua força
da ameaça de morte contra o indivíduo em direção ao controle de sua
vida. É o que Foucault esclarece na seguinte passagem:
A lei não pode deixar de ser armada e sua arma por excelência é a morte;
aos que a transgridem, ela responde, pelo menos como último recurso, com
essa ameaça absoluta. A lei sempre se refere ao gládio. Mas um poder que tem
a tarefa de se encarregar da vida terá necessidade de mecanismos contínuos,
reguladores e corretivos. Já não se trata de pôr a morte em ação no campo
da soberania, mas de distribuir os vivos em um domínio de valor e utilidade.
Um poder dessa natureza tem de qualificar, medir, avaliar, hierarquizar, mais
do que se manifestar em seu fausto mortífero; não tem que traçar a linha que
separa os súditos obedientes dos inimigos do soberano, opera distribuições em
torno da norma. Não quero dizer que a lei se apague ou que as instituições
de justiça tendam a desaparecer; mas que a lei funciona cada vez mais num
contínuo de aparelhos (médicos, administrativos, etc.) cujas funções são,
sobretudo, reguladoras. Uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de
uma tecnologia de poder centrada na vida (FOUCAULT, 1999, p.135.)

A sociedade funciona, nesse sentido, sob a égide do biopoder,


que assegura a constituição de uma sociedade normalizadora,
cujos mecanismos de regulação e correção produzem, avaliam e
classificam as ‘anomalias sociais’.1 Nessa sociedade, os indivíduos
são tomados como objetos de medidas reguladoras e corretivas,
submetidos à quantificação generalizada dos comportamentos
e dos desvios, classificados como nor mais ou patológicos
(LIMA; REZENDE, 2013). O discurso científico defende o controle
sobre os corpos, a vida e a morte, reforçando o biopoder. Se, em
algumas situações, como para os jovens envolvidos com tráfico
de drogas e moradores de favelas, a ameaça de serem mortos pela
polícia ainda deixa transparecer essa força mortífera da lei, é preciso
chamar a atenção para esse outro tipo de violência, articulado à
norma e ao biopoder, que permanece velado nos dispositivos de
controle dos corpos e que, justamente por esse velamento, pode
causar tantos estragos na vida dos sujeitos. Daí a importância de
se indagar como as técnicas disciplinares na escola podem ser
empreendidas como técnicas relativas ao biopoder.

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A DISCIPLINA INSTITUCIONAL E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Segundo Foucault (1994), as técnicas disciplinares e o exame


surgiram no século XVIII com o objetivo de transformar os homens
em força de trabalho produtiva, proporcionando-lhes o sentimento
de utilidade máxima e diminuindo sua capacidade de revolta e de
resistência contra o poder instituído. O que ele chama de poder
disciplinar tem o objetivo de tornar os homens dóceis politicamente,
por intermédio, principalmente, das estratégias de organização do
espaço e de controle do tempo. A vigilância é, nesse sentido, um dos
principais instrumentos de controle, devendo ser contínua, discreta e,
ao mesmo tempo, vista por todos.
Foucault (1994) nomeia como ‘disciplinas’ os métodos que
permitem o controle minucioso das operações e atividades do
corpo. Elas visam a potencializar as energias e aprimorar as aptidões,
adestrando os indivíduos, tornando-os dóceis e produtivos. Assim, o
conjunto das estratégias de controle social que incidem sobre o corpo
das pessoas configura o poder disciplinar, que inclui recursos coercitivos
como vigilância, sanções e exames.
O poder disciplinar pode ser relacionado com a disciplina
escolar. A disciplina distribui os indivíduos no espaço, permitindo
o controle da localização e da circulação dos alunos, bem como das
atividades que realizam. A determinação de lugares, a organização
das carteiras em fila, bem como a compartimentalização do ambiente
são estratégias que permitem vigiar, romper as comunicações
perigosas, além de criar um espaço onde o trabalho de cada um
possa ser mais bem conhecido, controlado e utilizado. A organização
do espaço determina uma hierarquia entre as pessoas e entre os
objetos, a partir da constituição do que Foucault chama de quadros
vivos “que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas
em multiplicidades organizadas” (FOUCAULT, 1994, p.172). É,
desse ponto de vista, uma importante técnica de poder utilizada
pela escola, pois permite, por um lado, conhecer o potencial de cada
um, classificando-os em séries ou por desempenho acadêmico, e,
por outro, manter sob controle toda uma multidão de estudantes,
cujos esforços devem ser cuidadosamente direcionados para a
melhoria do desempenho.
O horário deter minado de trabalho produz um
condicionamento que também serve ao controle das atividades
dos indivíduos. A disciplina requer esforço do indivíduo para
incorporar procedimentos precisos e padronizados, cuja função é
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aumentar a eficiência. A eficiência da disciplina reside em obter o


melhor resultado com o menor desgaste possível, sem repressão ou
o uso de uma força violenta, mas com a utilização de instrumentos
manipulados para que o corpo seja utilizado da forma mais adequada.
A duração de uma aula, por exemplo, bem como os diversos recursos
audiovisuais, são determinados de modo a aproveitar o máximo da
capacidade de atenção cognitiva e a evitar um desgaste que coloque
em risco o desempenho acadêmico.
Os exercícios também se constituem como mecanismos
utilizados para garantir a formação evolutiva de indivíduos
diferenciados e para um aprimoramento contínuo da performance
dos alunos. Trata-se, como mostra Foucault, de “prescrever a cada
um, de acordo com seu nível, sua antiguidade, seu posto, os exercícios
que lhe convêm” (FOUCAULT, 1994, p.182). Essa prática, inspirada
nas instituições militares e religiosas, passou a ser assimilada pelos
programas educacionais, de modo que os próprios exercícios têm um
papel diferenciador e definidor de níveis e categorias.
Apesar da tentativa de controle operada pela escola, alguns alunos
elaboram estratégias de resistência aos mecanismos disciplinares vigentes
no sistema escolar, encontrando saídas alternativas, cumplicidades
subversivas ou paralelas à hierarquia burocrática. Tentam escapar à
vigilância, desafiam os mecanismos de punição e burlam as normas
estabelecidas. Mas, como ressalta Foucault, essas estratégias e práticas
alternativas sempre têm um caráter paradoxal, pois articulam elementos
opostos que se sustentam mutuamente.
Essas práticas alternativas e transgressoras revelam a origem da
vitalidade que, conflitante com a disciplina escolar, traz um potencial
transformador raramente enfatizado. Assim, no âmbito da escola,
as práticas de transgressão revelam seu potencial transformador,
constituindo as bases para processos educativos democráticos que
superem as relações de saber-poder disciplinar, na medida em que
forem assumidas coletiva (consolidando relações de reciprocidade
e solidariedade) e ativamente (cultivando a diversidade de iniciativas
e interações). E, para potencializar a rede viva de solidariedade,
criatividade, liberdade e organização cultivada no cotidiano escolar,
é preciso desvencilhá-la do caráter de transgressão e delinquência que
lhe é impingido pelo sistema disciplinar de vigilância e sanção.
Existe, portanto, uma importante relação entre violência
e disciplina. A constituição dos alunos ‘violentos’ na escola pode
ser pensada como pertinente à manutenção da ordem disciplinar.
Isso pode ser compreendido da seguinte forma: a escola segrega e
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exclui sistematicamente todo aquele que manifesta comportamento


divergente, submetendo-o a vigilância constante e a punições
exemplares, e, sobretudo, impede o surgimento de formas amplas
e manifestas de rebeldia.
Como adverte Fleuri (2008), a manutenção, sob o controle penal,
de um meio transgressor no âmbito da escola torna-se um antídoto
ao desenvolvimento de processos democráticos. A construção de
processos participativos, dialógicos, críticos e cooperativos implica, pois, a
desconstrução dos dispositivos disciplinares de poder.
Ubjeto (2011) destaca a diferença entre a violência fruto da
desregulação social, de outra violência, mais ligada aos sentimentos
de fracasso e humilhação dos segregados. Seriam, pois, duas formas
de mal-estar, coletivo e subjetivo. O autor considera que a distinção
entre elas se faz importante para avaliar as respostas dos sujeitos. No
primeiro caso, a violência se dá como forma de restaurar algo do
lugar de exceção, anulado pelo empuxo à uniformização e exclusão
do sujeito, coisificado e reduzido à condição de consumidor e
consumível. No segundo caso, a violência se dá contra o laço social,
para destruir o sistema, pondo em cena a violência como signo da
pulsão de morte. Aqui o acontecimento se mostra fora de medida,
com um sentimento ligado ao pulsional.
De acordo com a psicanálise, as medidas de contenção e
erradicação do mal-estar acabam por exacerbar a agitação, a falta
de concentração e a violência nas escolas. Quanto mais se pretende
homogeneizar as formas de vida, mais se segrega (TIZIO, 2005).
O que é segregado não desaparece, mas se transforma em um obstáculo,
que insiste, fazendo naufragar o discurso. Ou, parafraseando Lacan
(1955-1956/1988), aqueles impulsos que são rejeitados no simbólico
— cuja manifestação é suprimida ou silenciada no âmbito da palavra
— retornam no real, por meio de atos destrutivos.

PERSPECTIVAS PARA SE LIDAR COM A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Para que a instituição escolar não seja tão somente uma


instituição disciplinar, mas também um espaço de criação e
transformação social, comprometida com a formação de cidadãos
críticos e reflexivos, ela precisa propiciar a articulação entre diferentes
contextos, subjetivos, sociais e culturais. Para Freire (1975), trata-se
de compreender e construir processos educativos em que diferentes
sujeitos, de forma autônoma, elaborem uma consciência crítica
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na relação de reciprocidade (cooperativa e conflitual) com outros


sujeitos, criando, sustentando e modificando contextos significativos
que interajam dinamicamente com outros contextos.
Tal concepção de educação traz a necessidade de reelaborar a
concepção de educador. O processo educativo consiste na criação e
no desenvolvimento de contextos educativos e não simplesmente na
transmissão e assimilação disciplinar de informações especializadas.
Educador, nesse sentido, é propriamente um sujeito que se insere
num processo educativo e interage com outros sujeitos, dedicando
particular atenção às relações e aos contextos que vão se criando,
de modo que contribua para a explicitação e a elaboração dos
sentidos (percepção, significado e direção) que os sujeitos em relação
constroem e reconstroem. Nesses contextos, Freire (1974) defende
que o currículo e a programação didática, mais do que um caráter
lógico, terão uma função ecológica. Sua tarefa não será meramente
configurar um referencial teórico para o repasse hierárquico e
progressivo de informações. Sua competência será prever e preparar
recursos capazes de ativar a elaboração e a circulação de informações
entre sujeitos, de modo que se auto-organizem em relação de
reciprocidade entre si e entre seus respectivos ambientes.
O processo educativo constitui-se, assim, simultaneamente,
na perspectiva dos sujeitos singulares, como relação entre pessoas
mediatizadas pelo mundo, como afirma Freire (1974). Ao mesmo
tempo, na dimensão contextual, configuram-se relações entre
mundos (culturais, sociais, ambientais) que se transformam — ou
se educam — reciprocamente, na medida em que são mediatizados
pelas pessoas que interagem dialogicamente.
Todas as contradições, conflitos de interesse, relações de
poder, discriminações, exclusões e formas de violência presentes
na sociedade estão presentes também no interior das escolas.
Os problemas sociais invadem as salas de aula, interferindo nos
processos de aprendizagem escolar. Assim, a escola é uma instituição
que utiliza o poder disciplinar para o controle social. No entanto,
ao mesmo tempo em que ela produz corpos dóceis e submissos, ela
também produz comportamentos de transgressão, como forma de
não submissão às regras impostas. Para Freire (1974), à medida que
a transgressão é rotulada como ‘violência’ e passa a ser submetida
à clandestinidade, ela deixa de operar como potencial criador e
torna-se destrutiva, realimentando o sistema de controle.
Segundo Arantes (2013), a violência, na atualidade, é fruto
de um longo e complexo processo histórico que, de forma contínua
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e intensa, tem condenado parte da população brasileira ao descaso


e à subcidadania, privando-os de mecanismos de proteção social.
A autora comenta, em concordância com Hébrard, que um dos fatores
que está na raiz da violência encontrada nas médias e grandes cidades
brasileiras é a separação das crianças em dois mundos que não se
encontram, como a escola pública e a escola privada. Essa separação
acaba certamente em um desastre, pois a escola, como lugar onde
se partilha uma cultura comum, é absolutamente essencial numa
democracia. Hébrard comenta, segundo a autora, que a sociedade
brasileira estaria diante de uma escolha: educação ou tanques nas ruas.
Arroyo (2007) considera que a instituição escolar não dialoga
com a sociedade, isolando-se e evitando o debate público sobre os
problemas que acontecem em seu interior. Apesar dos avanços no
equacionamento da relação educação-sociedade, Arroyo considera
que ainda permanece uma cultura de isolamento das instituições
escolares. Ele levanta a hipótese de que talvez a escola tenha
reduzido sua função a ensinar, a transmitir conteúdos, habilidades e
competências para a inserção no mercado, estando mais sensível às
exigências do mercado do que aos grandes embates da sociedade.
Assim, o autor observa que, diante da pressão para que as escolas
se tornem mais públicas, um caminho para essa abertura ao público
é a sua constituição como um espaço de embate dos problemas
que afetam toda a sociedade. É próprio dos espaços públicos
abrirem-se aos debates públicos, publicizando conhecimentos
e análises, valores, sentimentos e políticas que afetam o coletivo.
Dessa forma, cabe à escola se abrir para o debate público, revelando
as dificuldades e tentativas de compreensão e enfrentamento da
situação, para que a violência escolar possa deixar de ser vista como
um fenômeno isolado e circunscrito à escola e possa ser analisado
na sua complexidade e abrangência, como um fenômeno que não
é só escolar, mas social, buscando soluções coletivas, levando à
criação de políticas públicas para a solução do problema.
Para além das relações existentes entre as escolas e os
contextos sociais, políticos e econômicos nos quais elas estão
inseridas, a psicanálise nos ensina a reconhecer os sujeitos envolvidos
nas situações de conflito em suas singularidades. Qualquer trabalho
voltado para os jovens em situação de violência deve considerar
a articulação possível entre o universal e o singular. Para tanto, ao
invés de estratégias pautadas em modelos universais, deve-se elaborar
projetos de intervenção que incluam as especificidades.

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Uma possibilidade de se atuar nas escolas é através da oferta


de espaços para a palavra aos sujeitos envolvidos em situações de
violência escolar. Um trabalho realizado em uma escola pública de
ensino fundamental tem permitido aos professores uma postura ativa
na elaboração de soluções contingentes para lidar com alguns impasses
surgidos na relação pedagógica. Utiliza-se, para esse fim, o dispositivo
da conversação orientado pela psicanálise, que é assim definido
por Miller: “Uma conversação é uma série de associações livres.
A associação livre pode ser coletivizada na medida em que não somos
donos dos significantes. Um significante chama outro significante,
não sendo tão importante quem o produz em um momento dado”
(MILLER, 2003, p.16). A proposta de ofertar um espaço para a
palavra aos professores surgiu a partir da queixa formulada por eles
com relação aos alunos. Referenciados pela psicanálise, buscamos a
implicação dos professores nas situações de conflito em que estão
envolvidos. Trata-se de abrir possibilidades para que eles reflitam sobre
os efeitos de seus atos e palavras sobre os alunos. As nomeações dos
alunos-problema pelos professores, como “violentos”, “agressivos”
ou “hiperativos”, por exemplo, fazem perpetuar a violência simbólica
nas escolas e têm efeitos segregativos sobre os jovens, agravando as
situações de conflito. Nas conversações com os professores, é ofertado,
a cada sujeito, um lugar em que ele poderá ter a possibilidade de entrar
num discurso, em uma tomada de enunciação (LACADÈE, 2000).
Nesse espaço coletivo de conversação, são valorizadas as opiniões
divergentes, que exprimem as diferentes leituras e percepções de
uma mesma situação. A conversação propõe o surgimento de
uma fala própria de cada sujeito (VASCONCELOS; SANTOS;
SANTIAGO, 2009). Assim, os professores percebem que
experimentam, interpretam e reagem às situações de forma particular.
Busca-se extrair, por meio das conversações, a dimensão subjetiva.
Numa das conversações realizadas com os professores sobre
a possível perda da autoridade na época atual, cada professor teve
a chance de definir o que é autoridade para ele, descrevendo os
comportamentos dos alunos que o incomodavam. A partir de um
tema proposto pelos professores, “a perda da autoridade”, cada sujeito
pôde nomear a sua dificuldade de forma particular. Uma professora
declarou no grupo que não sabia lidar com as manifestações de
“sexualidade exacerbada” dos alunos. O problema, antes centrado
“no aluno”, sofreu um deslocamento, na medida em que a professora
reconheceu a sua dificuldade em lidar com a situação. As conversações
promovem uma implicação dos sujeitos nas situações das quais se
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queixam, o que lhes permite refletir sobre a responsabilidade de


cada um nos conflitos existentes no espaço escolar e buscar soluções
coletivas. A partir dessa tomada de posição dos professores, é possível
criar estratégias para a melhoria do vínculo educativo. Busca-se extrair,
a partir da troca entre os componentes do grupo nas conversações,
um saber que favoreça a relação professor-aluno e a transmissão
pedagógica. Tendo em vista a complexidade que envolve as situações
de violência escolar, faz-se necessário buscar soluções que não sejam
pautadas em modelos repressivos e segregativos, mas voltadas para o
fortalecimento dos vínculos educativos.
França Neto e Randow (2012) advertem que não é apenas
pelas tentativas de contenção do gozo irregular dos adolescentes
que uma perspectiva tanto clínica quanto política de trabalho pode
ser construída. “Não é a partir de um enredamento ou classificação
do ato infracional que cometeram, inserindo-o nas normas da
sociedade, que um sujeito pode advir, mas de um lançar-se a, onde
a busca de si construa-se, em processo, no próprio lançamento”
(FRANÇA NETO; RANDOW, 2012, p.11).
Célio Garcia relaciona essa ideia de lançamento à construção de
um “pro-jeto” conjunto, ao discorrer sobre alguns princípios diretivos
para intervenções junto a jovens infratores ou em conflito com a lei.
“Um pro-jeto”, diz o autor, “não se reduz à inserção, ou à inclusão na
sociedade de consumo” (GARCIA, 2011a, p.185). De igual modo, não
se trata, no âmbito da escola, apenas de buscar a inclusão dos alunos-
problema às suas normas de conduta. A frase de um garoto numa
conversação, escolhida como tema para a Jornada Internacional do
Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Criança (CIEN) de 2013,
aponta bem a recusa aos projetos estabelecidos unilateralmente: “Me
inclua fora dessa” (BARROS-BRISSET, 2013, p.7). Essa lógica da
inclusão/exclusão precisa ser repensada se almejamos encontrar
soluções para superar a violência na escola. Não se trata de incluir
os alunos numa ordem que eles infringem, afinal, são justamente os
furos da norma os pontos a partir dos quais o sujeito se produz para
além da dominação. É no espaço desse furo (ou desse lapso) que
pode haver transformação da lógica de controle e dominação, se esse
espaço puder ser apropriado pelos próprios atores sociais (alunos
e professores) para a invenção de saídas próprias para os impasses
vivenciados no cotidiano.
É preciso evitar os equívocos que colocariam o trabalho do
psicólogo a serviço da biopolítica. Podemos evocar Giorgio Agamben
(2010), que nos apresenta uma problematização foucaultiana
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relacionada com a que foi aqui discutida. Ele destaca que o corpo
biológico do cidadão ocupa posição central nos cálculos e estratégias
do poder estatal. Isso significa que a política moderna transformou-
se numa biopolítica, em que a vida politicamente qualificada (bios)
perde todo seu espaço para a vida nua (zoé) — a vida natural,
que coincide com o corpo biológico dos cidadãos, despojado de
toda relevância política. Uma possível contribuição psicanalítica
preconiza justamente a abertura de espaço para a emergência do
sujeito, para além de seu corpo biológico. Ou seja, quando o cálculo
utilitário e a biopolítica excluem totalmente da cena as dimensões
incalculáveis, contingentes e sutis que concernem ao sujeito, temos
o império de um discurso de domínio que apenas retroalimenta
sistematicamente o ciclo de violência. Para que haja um rompimento
desse ciclo, é preciso entrar em cena uma preocupação que vá além
da simples preservação dos corpos das crianças na escola. É preciso
preservar-lhes a possibilidade de ação e transformação, de resposta
aos impasses ocasionados pelas recusas cada vez mais insistentes dos
modelos tradicionais de escolarização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação é um processo de formação humana, para além


da transmissão de conteúdos formais. Ela ocorre no encontro entre
dois desejos, o de ensinar e o de aprender. A transmissão envolve
o imprevisto, o inesperado e o ineducável. O crescente desinteresse
pela aprendizagem escolar e o aumento da violência nas escolas
evidenciam que a escola está em crise. As transformações do laço
social consequentes da época atual afetam as relações do aluno com a
escola e com os educadores. Estamos diante de um novo contexto que
deve ser avaliado em toda a sua complexidade. Os jovens hoje buscam
diferentes formas de laço social, marcados pela descentralização,
horizontalidade, fragilidade e multiplicidade. A escola não pode
manter-se alheia às transformações sociais. Os métodos educacionais
não podem ser pautados na centralização do poder e no reforço do
controle, que levam ao aumento da violência.
A contribuição psicanalítica nesse processo é por meio da
palavra e do incentivo aos projetos que fomentem a sua circulação
e que se atentem para a escuta dos sujeitos envolvidos nas situações
de conflito, possibilitando a construção de um projeto de trabalho
coletivo na instituição escolar. Barros-Brisset nos lembra do desejo
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decidido de Célio Garcia “de que um dia o jovem pudesse largar suas
armas e tomar a palavra” (BARROS-BRISSET, 2013, p.6). De fato, ele
aponta que, quando alguém fala, o faz a partir de uma posição própria.
“Criar condições para o reconhecimento dessa posição subjetiva
[...] significa deixar vir sua voz nua e crua, sem garantia de realidade”
(GARCIA, 2011b, p.24). Essa perspectiva traz uma inspiração ética
profunda, na medida em que a tomada da palavra permite uma
enunciação que pode abrir alternativas aos atos de violência. “Eis a
forma analítica de dispensar o aprisionamento ao discurso do mestre
contemporâneo para dar lugar ao saber fazer de cada um”, apresenta
Barros-Brisset: “convidando cada um a tomar a palavra para falar
mais sobre isso” (BARROS-BRISSET, 2013, p.6).
Como também sugere Lacadée (2000), ao invés de medidas
puramente proibitivas, é preciso autorizar os sujeitos a respeitarem-
se a si mesmos, para que eles possam se reconhecer na sociedade. A
escola se ocupa de jovens em formação, que precisam ser amparados
nesse momento de suas vidas. Educar é ajudar a construir um sentido
para a vida, é despertar, nos jovens, o desejo de viver. Para além da
transmissão de conhecimentos universais, a escola deve acolher o
novo que cada jovem porta em seu corpo e em sua palavra.
Cabe à escola abrir espaços para a palavra, para a construção
de um sentido individual dentro desse espaço coletivo. A criação
surge da transgressão, do conflito, presente em todo grupo social.
Como adverte Arendt (2000), a violência resulta da severa frustração
da faculdade de agir no mundo. É necessário que o sujeito dê o seu
consentimento “para participar da teia de relações inter-humanas
que constituem toda sociedade” (ARENDT, 2000, p.91). Ao invés
de buscar propostas somente de natureza coercitiva, a escola precisa
investir em projetos educacionais que garantam a participação ativa
de cada um na vida social.

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NOTA
1
A ideia de anomalias sociais remete à discussão empreendida por Canguilhem (2009)
sobre a confusão semântica entre anomalia, que teria um sentido mais descritivo, e anormal,
que guardaria uma referência a um valor. “Nem toda anomalia é patológica”, diz ele, “mas
só a existência de anomalias patológicas é que criou uma ciência especial das anomalias
que tende normalmente — pelo fato de ser ciência — a banir, da definição da anomalia,
qualquer implicação normativa” (CANGUILHEM, 2009, p.52-53). Foucault (1999) mostra
precisamente como o biopoder retoma a noção de anomalia para implicar os desvios em
relação a uma normatividade social.

Recebido: 18/08/2013
Aprovado: 14/03/2014

Contato:
Universidade Federal de Minas Gerais.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha,
Belo Horizonte | MG | Brasil
CEP 31.270-901

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