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Evangelho segundo S. Lucas 6,1-5. - cf.par.

Mt 12,1-8; Mc 2,23-28

Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a
arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. Alguns fariseus disseram: «Porque
fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David,
quando teve fome, ele e os seus companheiros? Como entrou na casa de Deus e, tomando os
pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era
permitido comer?» E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

S. Macário (?-405), monge no Egipto


Homilias espirituais

« O Filho do Homem é senhor do Sábado»

Na Lei dada por Moisés, que era uma sombra das coisas que haviam de vir (Col 2, 17), Deus
ordenava a todos que repousassem e não fizessem nenhum trabalho no dia de Sábado. Mas
este era um símbolo e uma sombra do verdadeiro sábado, que é concedido à alma por Deus...
Com efeito, o senhor chama o homem ao repouso, dizendo-lhe: «Vinde a mim, vós todos os
que sofreis e andais abatidos, e dar-vos-ei o repouso» (Mt 11, 28). E a todas as almas que
confiam nEle e se aproximam dEle, Ele dá-lhes o repouso, livrando-as de pensamentos
penosos, acabrunhantes e impuros. Elas deixam completamente de pender para o mal,
celebram um verdadeiro sábado, delicioso e santo, uma festa do Espírito, numa alegria e num
júbilo inexprimíveis. Rendem a Deus um culto puro que Lhe agrada provindo de um coração
puro. Aí está o sábado verdadeiro e santo.

Peçamos pois a deus, também nós, que nos faça entrar nesse repouso, que nos faça expulsar
pensamentos vergonhosos, maus e vãos, para que possamos s ervir a Deus com um coração
puro e celebrar a festa do Espírito Santo. Bem-aventurados os que entram nesse repouso.

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja


Comentário sobre o livro de Génesis
«Recorda-te do dia de sábado, para o santificar» (Êx 20, 8)

Agora que estamos no tempo da graça que nos foi revelada, a observância do
sábado, outrora simbolizada pelo repouso dum único dia, foi abolida pelos
fiéis. Efectivamente, nesse tempo de graça, o cristão observa um sábado
perpétuo, se faz tudo o que há de bom na esperança do repouso futuro e se
não se gloria das suas boas obras como se fosse um bem próprio, sem o ter
recebido.
Assim, ao compreender e ao receber o sacramento do baptismo como um sábado,
ou seja como um repouso do Senhor na sua sepultura (Rm 6,4), o cristão
repousa das suas obras velhas para caminhar doravante numa vida nova
reconhecendo que Deus age nele. É Deus que age e repousa ao mesmo tempo,
concedendo, por um lado, à sua criatura aquilo que lhe convém, e por outro
lado gozando em si próprio duma eterna tranquilidade.
Deus nem se cansou de criar o mundo, nem refez as suas forças ao repousar,
mas por estas palavras da Escritura ("Deus repousou ao sétimo dia" Gn 2,2)
quis con vidar-nos a desejar este repouso, dando-nos o mandamento de
santificar este dia (Ex 20,8).

Aelred de Rielvaux (1110-1167), monge cisterciense

O Espelho da Caridade, I, 19.29

«O Filho do Homem é senhor do sábado»

Todos os dias da criação são grandes e admiráveis, mas nenhum pode comparar-se ao sétimo;
nesse dia, não é a criação de um ou outro elemento natural que se propõe à nossa
contemplação, é o repouso do próprio Deus e a perfeição de todas as criaturas. Lemos, com
efeito: «Concluída, no sétimo dia, toda a obra que havia feito, Deus repousou, no sétimo dia,
do trabalho por Ele realizado» (Gn 2, 2). Grande é este dia, insondável este repouso,
magnífico este sabat! Ah, se pudesses compreender! Este dia não foi determinado pelo curso
do sol visível, não começa quando este nasce, não termina quando este se põe; não tem manhã
e tarde (cf. Gn 1, 5). [...]

Escutemos Aquele que nos convida ao repouso: «Vinde a Mim todos os que estais cansados e
oprimidos, e aliviar-vos-ei» (Mt 11, 28): é a preparação para o sabat. E, sobre o sabat
propriamente dito, diz-nos: «Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim que sou manso e
humilde de coração, e achareis alívio para as vossas almas» (29). Eis o repouso e a
tranquilidade, eis o verdadeiro sabat.

Porque este jugo não pesa, este jugo une; este fardo não tem peso, tem asas. Este jugo é a
caridade; este fardo é o amor fraterno. Nele encontramos repouso, nele celebramos o sabat;
nele somos libertados da escravidão. [...] E mesmo que a nossa enfermidade nos leve a
cometer algum pecado, nem por isso o sabat será interrompido, porque «a caridade cobre a
multidão dos pecados» (1Ped 4, 8).

Papa Bento XVI


Homilia, Celebração Eucarística, XX Jornada Mundial da Juventude, 21/08/05

Tornar Cristo senhor do nosso sábado

A Eucaristia faz parte do domingo. Na manhã de Páscoa, primeiro as mulheres, depois os


discípulos, tiveram a graça de ver o Senhor. Nesse momento, compreenderam que, doravante,
o primeiro dia da semana, o domingo, seria o dia dele, o dia de Cristo. O dia do início da
criação tornava-se o dia da renovação da criação. Criação e redenção caminham juntas.
É por isso que o domingo é tão importante. É belo que, nos nossos tempos, em tantas culturas,
o domingo seja um dia livre ou, com o sábado, constitua mesmo o que se chama o "fim-de-
semana" livre. Esse tempo livre, contudo, permanece vazio se Deus não estiver aí presente.
Queridos amigos! Às vezes, num primeiro momento, pode tornar-se talvez incómodo ter de
prever também a Missa no programa do domingo. Mas, se a tal vos comprometerdes,
constatareis também que isso é precisamente o que dá a verdadeira razão ao tempo livre. Não
vos deixeis dissuadir de participar na Eucaristia dominical e ajudai também os outros a
descobri-la. Porque a alegria de que precisamos emana dela, devemos certamente aprender a
preceber cada vez mais a sua porofundidade, devemos aprender a amá-la. Comprometamo-
nos nesse sentido porque isso vale a pena! Descobramos a profunda riqueza da liturgia da
Igreja e a sua verdadeira grandeza: não fazemos a festa para nós mas, pelo contrário, é o
próprio Deus vivo que nos prepara uma festa.

Evangelho segundo S. Lucas 6,6-11. – cf.par. Mt 12,9-4; Mc 3,1-6

Num outro sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem
cuja mão direita estava paralisada. Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se
iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. Conhecendo os seus
pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no
meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é
preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» Então, olhando-
os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã.
Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.

Aelred de Rielvaux (1110-1167), monge cisterciense

O Espelho da Caridade, III, 3-6

Entrar na verdadeira paz do sábado

Quando, afastando-se do ruído exterior, o homem se recolhe no segredo do seu coração e


fecha a porta à multidão barulhenta das vaidades, quando nada mais tem em si que seja
agitado e desordenado, nada que o importune, nada que o atormente, dá-se a feliz celebração
de um primeiro sábado. Mas também pode abandonar este refúgio intimo, este albergue do
coração, para entrar no alegre e aprazível repouso da doçura do amor fraterno. Dá-se então um
segundo sábado, o sábado da caridade fraterna.

Uma vez purificada nestas duas formas de amor (de si mesmo e do próximo), a alma aspira
com tanto mais ardor às alegrias do amplexo divino quanto mais segura se sente. Ardendo
com um desejo extremo, passa para o outro lado do véu da carne e, entrando no santuário
(Heb 10, 20), onde Cristo Jesus é espírito diante da sua face, é totalmente absorvida por uma
luz indizível e por uma invulgar doçura. Tendo feito silêncio relativamente a tudo quanto é
corpóreo, sensível, mutável, fixa com um olhar penetrante Aquele que é, Aquele que é sempre
o que é, idêntico a Si mesmo, Aquele que é uno. Livre e capaz de ver que o próprio Senhor é
Deus (Sal 45, 11), celebra sem qualquer hesitação o sábado dos sábados, no doce amplexo da
própria Caridade.

São César de Arles (470-543), monge e bispo


Sermões ao povo nº 57, 4

«Os escribas e os fariseus espiavam-no, a fim de encontrarem motivo para O acusar»


O Senhor dirá àqueles que desprezaram a Sua misericórdia: “Homem, fui Eu que, com as
Minhas mãos, te formei do pó da terra, fui Eu que insuflei o espírito no teu corpo de terra, fui
Eu que Me dignei atribuir-te a Nossa imagem e a Nossa semelhança, fui Eu que te coloquei
no meio das delícias do paraíso. Mas tu, desprezando os mandamentos da vida, preferiste
seguir o sedutor a seguir o Senhor.

“Consequentemente, quando foste expulso do paraíso e ficaste preso nas cadeias da morte
pelo pecado, enternecido de misericórdia, Eu entrei num seio virginal para vir ao mundo, sem
prejuízo para essa virgindade. Fui estendido numa manjedoura, envolvido em panos; suportei
os dissabores da infância e os sofrimentos humanos, pelos quais Me fiz semelhante a ti, com o
único objectivo de te tornar semelhante a Mim. Suportei as bofetadas e os escarros daqueles
que se riam de Mim, bebi vinagre com fel. Flagelado com varas, coroado de espinhos,
pregado à cruz, trespassado pela lança, entreguei a al ma aos tormentos para te arrancar à
morte. Vê a marca dos cravos com que fui pregado; vê o Meu lado trespassado de feridas.
Suportei estes sofrimentos para te dar a Minha glória; suportei a tua morte para tu vivesses
para toda a eternidade. Repousei, encerrado no sepulcro, para que tu reinasses no céu.

“Por que perdeste aquilo que sofri por ti? Por que renunciaste às graças da tua redenção? Dá-
Me a tua vida, pela qual dei a Minha; dá-Me a tua vida, que destróis sem cessar pelos
ferimentos dos teus pecados.”

Santo Atanásio (295-373), bispo de Alexanria e doutor da Igreja


Contra os Pagãos

Uma cura ao sábado, símbolo da plenitude da criação

Este mundo é muito bom, tal como foi feito e tal como o vemos, porque Deus assim o quer;
ninguém poderia duvidar. Se a criação fosse desordenada, se o universo evoluisse ao acaso,
poder-se-ia pôr esta afirmaação em dúvida; mas, como o mundo foi feito com sabedoria e
ciência, de uma forma racional, como ele está ornado de toda a beleza, é preciso que Aquele
que lhe preside e o organizou não seja senão a Palavra de Deus, o seu Verbo...
Como Palavrea boa do Deus de bondade, foi o Verbo quem dispôs a ordem de todas as coisas,
que reuniu os contrários com os contrários para com eles formar uma só harmonia. É Ele,
"poder de Deus e sabedoria de Deus" (1 Co 1,24), quem faz girar o céu e suspende a terra sem
repousar em nada (He 1,3). O sol ilumina a terra com a luz que d'Ele recebe e a lua recebe a
quota parte da sua luz. Por Ele a água está suspensa nas núvens, as chuvas regam a terra, o
mar guarda os seus limites, a terra cobre-se de plantas de todos os tipos (cf. Sl 103)...
A razão pela qual esta Palavra, o Verbo de Deus, veio até às criaturas é verdadeiramente
admirável... A natureza dos seres criados é passageira, fraca, mortal; mas, como o Deus do
universo é por natureza bom e excelente, Ele ama os homens... Vendo, pois, que, por si
mesma, toda a natureza criada se esgota e dissolve, para o evitar e para que o universo não
regresse ao nada..., Deus não a abandona às flutuações que lhe são próprias. Na sua bondade,
pelo seu Verbo, Ele governa e mantém toda a criação... Ela não sofre, assim, a sorte que a
esperava, se o Verbo não a protegesse, digamos assim, do aniquilamento. "Ele é a imagem do
Deus invisível, o primogénito de toda a criatura, porque é por Ele que tudo susiste, as coisas
visíveis e as invisíveis, e Ele mesmo é a cabeça da Igreja"(Col 1, 15-18),
Melitão de Sardes (? - por volta de 195), bispo
Homilia pascal
«Sabia que não ficaria envergonhado. O meu defensor está junto de mim. Quem ousará
levantar-me um processo?» (Is 50, 7-8)

Cristo era Deus e tomou corpo de homem. Sofreu como um sofredor, foi preso como um
vencido, julgado como um condenado e, sepultado como um morto, ressuscitou
dentre os mortos. Ele proclama-vos estas palavras: «Quem ousará levantar-me
um processo? Apresente-se quem tiver qualquer coisa contra mim! (Is 50,8).
Fui eu quem libertou o condenado, vivificou o morto, ergueu o sepultado. Quem
me contesta? Fui eu, diz Cristo, fui eu quem aboliu a morte, venceu o inimigo,
espezinhou o inferno, amarrou o forte (Lc 11,22) e exaltou o homem até ao
mais alto dos céus, fui eu, diz Cristo.
Vinde, pois, homens de toda a terra que estais empedernidos no mal, recebei
o perdão dos vossos pecados. Porque eu sou o vosso perdão, sou a Páscoa da
salvação, sou o cordeiro imolado por vós, sou a água que vos purifica, sou a
vossa luz, sou o vosso Salvador, sou a vossa ressurreição, sou o vosso rei
que vos leva para os céus. Eu vos mostrarei o Pai eterno, e vos
ressuscitarei com a minha mão direita.
Tal é aquele que fez o céu e a terra, que formou o homem no princípio, que
se anunciou por meio da Lei e dos profetas, que encarnou de uma virgem, que
foi crucificado sobre o madeiro, que foi depositado na terra, que
ressuscitou de entre os mortos, que está sentado à direita do Pai e que tem
o poder de tudo julgar e salvar. Por ele, o Pai criou tudo o que existe
desde as origens até à eternidade. Ele é o alfa e o ómega, o princípio e o
fim, é o Cristo. A ele a glória e o poder pelos séculos, Ámen.

Evangelho segundo S. Lucas 6,12-19. – cf.par. Mt 10,14; Mc 3,13-19

Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. Quando
nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de
Apóstolos: Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e
Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; Judas, filho
de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor. Descendo com eles, deteve-se num sítio
plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de
Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus
males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; e toda a multidão
procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.

Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-padroeira da
Europa
A oração da Igreja

“Jesus subiu à montanha para rezar a Deus”

Todas as almas humanas são, em si mesmas, templos de Deus; e este fato abre-nos uma
perspectiva vasta e completamente nova. A vida de oração de Jesus é a chave para
compreendermos a oração da Igreja. Vemos que Cristo participou no culto divino, na liturgia
do seu povo; levou a liturgia da Antiga Aliança a completar-se na da Nova Aliança.

Mas Jesus não se limitou a participar no culto divino público prescrito pela Lei. Os
evangelhos fazem referências ainda mais numerosas à sua oração solitária no silêncio da
noite, nos cumes selvagens das montanhas, em locais desertos. Quarenta dias e quarenta
noites de oração precederam a vida pública de Jesus (Mt 4, 1-2). Retirou-Se para a solidão da
montanha para orar antes de escolher os doze apóstolos e de os enviar em missão. Na hora do
Monte das Oliveiras, preparou-Se para subir ao Gólgota. O grito que lançou ao Pai nessa hora,
a mais dolorosa da Sua vida, é-nos revelado em breves palavras, que brilham como estrelas
nas nossas próprias horas no Monte das Oliveiras: ‘Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice,
não se faça, contudo, a Minha vontade, mas a Tua’ (Lc 22, 42). Elas são uma espécie de
clarão que ilumina para nós, durante um instante, a vida mais íntima da alma de Jesus, o
mistério insondável do Seu ser de homem-Deus e do Seu diálogo com o Pai. Este diálogo
durou certamente toda a vida, sem nunca se interromper.

Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade

Something Beautiful for God

«Passou a noite a orar a Deus. Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu
doze dentre eles»

Creio que as nossas irmãs receberam aquela comunicação da alegria que se percebe em
muitos religiosos que sem reservas se deram a Deus. A nossa obra é apenas a expressão do
amor que temos a Deus. Este amor precisa de alguém que o receba, e é assim que as pessoas
que encontramos nos dão o meio de o exprimirmos.

Precisamos de encontrar Deus, e não é na agitação nem no barulho que poderemos encontrá-
Lo. Deus é o amigo do silêncio. Em que tamanho silêncio não crescem as árvores, as flores e
a erva! Em que tamanho silêncio não se movem as estrelas, a lua e o sol! Não é nossa missão
dar Deus aos pobres dos casebres? Não um Deus morto, mas um Deus vivo e que ama.
Quanto mais recebermos na oração silenciosa, mais podemos dar na nossa vida activa.
Precisamos de silêncio para sermos capazes de tocar as almas. O essencial não é o que
dizemos, mas o que Deus nos diz e o que diz através de nós. Todas as palavras que dissermos
serão vãs se não vierem do mais íntimo; as palavras que não transmitem a luz de Cristo
aumentam as trevas.
Os nossos progressos na santidade dependem de Deus e de nós próprios, da graças de Deus e
da própria vontade que temos de ser santos. Temos de assumir o compromisso vital de atingir
a santidade. «Quero ser santo» significa: quero desligar-me de tudo o que não é Deus, quero
despojar o coração de todas as coisas criadas, quero viver na pobreza e no despojamento,
quero renunciar à minha vontade, às minhas inclinações, caprichos e gostos, e tornar-me o
dócil servo da vontade de Deus.

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja


Carta a Proba sobre a oração, 9-10

"Passou a noite a rezar"

Quando o apóstolo Paulo diz: "Apresentai a Deus os vossos pedidos" (Fi 4,6), isso não quer
dizer que os demos a conhecer a Deus, porque Ele já os conhecia mesmo antes de existirem,
mas que é pela paciência e pela perseverança diante de Deus e não pelo palavreado diante dos
homens que conheceremos se as nossas orações são boas... Não é proibido e inútil rezar
durante muito tempo, quando isso é possível, quer dizer, quando não impede outras ocupações
boas e necessárias; aliás, ao cumpri-las devemos sempre rezar pelo desejo, tal como eu vos
disse.
Porque, se rezarmos durante muito tempo, isso não é, como alguns pensam, uma oração de
repetição (Mt 6,7). Falar muito é uma coisa, amar longamente é outra coisa. Porque está
escrito quer o próprio Senhor "passou a noite em oração" e que "rezava com mais insistência"
(Lc 22,44). Não terá Ele querido dar-nos o exemplo rezando por nós no tempo, Ele que com o
Pai atende as nossas orações na eternidade?
Diz-se que os monges do Egipto fazem orações frequentes mas muito curtas, lançadas como
flechas, para evitar que, prolongando-as muito, a atenção vigilante se dissolva e dissipe... A
oração não deve conter muitas palavras, mas muita súplica; ela pode assim prolongar-se numa
atenção fervorosa... Rezar muito é bater durante muito tempo e com todo o nosso coração à
porta daquele a quem rezamos (Lc 11,5sg). Com efeito, a oração consiste mais em gemidos e
lágrimas do que em discursos e palavras.

Santo Ambrósio (cerca de 340-397), arcebispo, doutor da Igreja


Comentário sobre S. Lucas 6

«Passou a noite a orar a Deus» (Lc 6, 12)

O Senhor reza, não com o fim de implorar favores para Si, mas com o fim de os obter para
mim. Ainda que o Pai tenha posto todas as coisas à disposição do Filho, no entanto o Filho,
para realizar plenamente a Sua condição de homem, visto que é o nosso advogado, acha por
bem implorar o favor do Pai para nós. Não façais ouvidos insidiosos, figurando-vos que é por
fraqueza que Cristo pede, para obter o que não pode realizar, Ele que é o autor de todo o
poder. Como Mestre na obediência, Cristo forma-nos pelo Seu exemplo aos preceitos da
virtude: «Temos junto do Pai um advogado, diz Ele» (1 Jo 2, 1). Se é advogado, deve intervir
pelos meus pecados. Por conseguinte, não é por fraqueza mas sim por bondade, que Cristo
implora. Quereis saber até que ponto Ele pode fazer tudo o que quer? Ele é ao mesmo tempo
advogado e juiz: num reside um ofício de compaixão, no outro a insígnia do poder. «Passou a
noite a orar a Deus». Cristo dá-vos um exemplo, traça-vos um modelo para imitardes.
O que é ne cessário fazer pela vossa salvação quando, por vós, Cristo passa a noite em
oração? Que vos cabe fazer quando quereis empreender uma obra de piedade, see Cristo, no
momento de enviar os Seus Apóstolos, orou e orou sozinho? Em parte nenhuma, se não estou
em erro, encontramos que Ele tenha rezado com os Apóstolos. Por toda a parte, Cristo
implora sozinho. É que o grande desígnio de Deus não pode ser tomado por desejos humanos,
e ninguém pode entrar no pensamento íntimo de Cristo. Aliás, quereis saber como é bom para
mim e não para Cristo, que Ele tenha orado? «Chamou os Seus discípulos e escolheu doze de
entre eles» para os enviar, como semeadores da fé, a propagar por todo o mundo o auxílio e a
salvação dos homens.

S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo, doutor da Igreja


Comentários sobre o evangelho de João

“Escolheu doze e deu-lhes o título de Apóstolos, de enviados”

Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu guias e mestres para o mundo inteiro, e “dispensadores
dos mistérios divinos” (1 Co 4,1). Ordenou-lhes que brilhassem e iluminassem como archotes
não só no país dos Judeus…, mas por toda a parte debaixo do sol, para os homens que
habitem sobre toda a superfície da terra. É, portanto, verdadeira esta palavra de S. Paulo:
“Ninguém atribui esta honra a si mesmo; recebemo-la por apelo de Deus” (He 5,4) …
Se ele achava que devia enviar os seus discípulos como o Pai o tinha enviado a ele (Jo 20,21),
era necessário que estes, chamados a ser seus seguidores, descobrissem a que tarefa tinha o
Pai enviado o Filho. Por isso nos explicou de diversas maneiras o carácter da sua própria
missão. Disse um dia: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores, para que eles se
convertam” (Lc 5,32). E também: “Eu desci do céu não para fazer a minha vontade mas a
vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38). E de outra vez: “Deus não enviou o seu Filho ao
mundo para o julga r, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17).
Resumia em algumas palavras a função dos apóstolos, dizendo que os tinha enviado como o
Pai o tinha enviado a ele: saberiam assim que lhes competia chamar os pecadores a se
converterem, cuidar dos doentes, corporal e espiritualmente; nas suas funções de
dispensadores, não procurar de modo algum fazer a sua própria vontade mas a vontade
daquele que os tinha enviado; a fim de salvarem o mundo na medida em que ele aceitar os
ensinamentos do Senhor.

Cromácio de Aquileia (? -407), bispo


Homilias sobre o Evangelho de Mateus
A lâmpada no candelabro

O Senhor é o Sol de justiça; é com toda a razão, portanto, que chama aos seus discípulos «luz
do mundo», porque é por meio deles que irradia sobre o mundo inteiro a luz da sua própria
ciência… Iluminados por eles, também nós passámos das trevas à luz, como diz o Apóstolo:
«Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; vivei como filhos da luz». E noutro
passo: «Não sois filhos da noite nem das trevas, mas sois filhos da luz e filhos do dia». Com
razão diz também S. João numa sua Epístola: «Deus é luz; e quem permanece em Deus está
na luz, como também Ele próprio está na luz». Portanto, uma vez que temos a felicidade de
estar libertos das trevas do erro, devemos andar sempre na luz, como filhos da luz que somos.
Por isso, diz o Apóstolo: «Vós brilhais entre eles como estrelas no mundo, ostentando a
palavra da vida» …
Aquela lâmpada resplandecente, que foi acesa para nossa salvação, deve brilhar sempre em
nós … Por isso é nosso dever não ocultar esta lâmpada da lei e da fé, mas colocá-la sempre no
candelabro da Igreja para salvação de todos, a fim de gozarmos nós da luz da própria verdade
e de serem iluminados todos os crentes.

Papa Bento XVI

Audiência geral de 3/5/2006 (trad. DC 2359, p. 514 © copyright Libreria Editrice Vaticana)

"Convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de
Apóstolos"

A Tradição Apostólica não é uma colecção de objectos, de palavras como uma caixa que
contém coisas mortas; a Tradição é o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós,
e envolve-nos na história de Deus com a humanidade. Este tema da Tradição é de grande
importância para a vida da Igreja.

O Concílio Vaticano II realçou, a este propósito, que a Tradição é apostólica antes de tudo nas
suas origens: "Dispôs Deus, em toda a sua benignidade, que tudo quanto revelara para a
salvação de todos os povos permanecesse íntegro para sempre e fosse transmitido a todas as
gerações. Por isso, Cristo Senhor, em quem se consuma toda a revelação de Deus Sumo (cf. 2
Cor 1, 30; 3, 16; 4, 6), mandou aos Apóstolos que pregassem a todos os homens o
Evangelho... como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes,
comunicando-lhes os dons divinos" (Const. dogm. Dei Verbum, 7).

O Concílio prossegue, anotando como tal empenho foi fielmente seguido "pelos Apóstolos
que, pela sua pregação oral, exemplos e instituições, comunicaram aquilo que tinham recebido
pela palavra, convivência e obras de Cristo, ou aprendido por inspiração do Espírito Santo"
(ibid.). Com os Apóstolos, acrescenta o Concílio, colaboraram também "varões apostólicos
que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a Mensagem da salvação" (ibid.).

Como chefes do Israel escatológico, também eles doze como doze eram as tribos do povo
eleito, os Apóstolos continuam a "recolha" iniciada pelo Senhor, e fazem-no antes de tudo
transmitindo fielmente o dom recebido, a boa nova do Reino que veio até aos homens em
Jesus Cristo. O seu número expressa não só a continuidade com a santa raiz, o Israel das doze
tribos, mas também o destino universal do seu ministério, que leva a salvação até aos
extremos confins da terra. Pode-se captar isto do valor simbólico que têm os números no
mundo semítico: doze resulta da multiplicação de três, número perfeito, e quatro, número que
remete para os quatro pontos cardeais, e portanto para todo o mundo.

Evangelho segundo S. Lucas 6,17.20-26. – cf.par. Mt 5,2-12

Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma
grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, Erguendo os
olhos para os discípulos, pôs-se a dizer: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de
Deus. Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora
chorais, porque haveis de rir. Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos
expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do
Homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era
precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». «Mas ai de vós, os ricos, porque
recebestes a vossa consolação! Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter
fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! Ai de vós, quando todos
disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».

São Gregório de Nissa (c. 335-395), monge e bispo


Homilias sobre as Bem-aventuranças, 1

“Felizes os pobres”

Como quase todos os homens são naturalmente conduzidos ao orgulho, o Senhor começa as
Bem-aventuranças por afastar o mal original da auto-suficiência, aconselhando-nos a imitar o
verdadeiro Pobre voluntário que é verdadeiramente feliz – de maneira a parecermo-nos com
Ele por via de uma pobreza voluntária, segundo as nossas capacidades, para participarmos na
Sua bem-aventurança, na Sua felicidade. “Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia
em Cristo Jesus: Ele, que era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a
Deus. Mas despojou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo” (Fil 2, 5-7).

Haverá coisa mais miserável para Deus do que tomar a condição de servo? Haverá coisa mais
ínfima para o Rei do universo do que partilhar a nossa natureza humana? O Rei dos reis e
Senhor dos senhores, o Juiz do universo, paga impostos a César (1 Tim 6, 17; Heb 12, 23; Mc
12, 17). O Senhor da criação abraça este mundo, vem por uma gruta por não ter lugar na
estalagem, refugia-se num estábulo, na companhia de animais irracionais. Aquele que é puro e
imaculado toma sobre Si as manchas da natureza humana e, depois de ter partilhado toda a
nossa miséria, vai a ponto de fazer a experiência da morte. Considera a desmesura da Sua
pobreza voluntária! A Vida toma o gosto da morte, o Juiz é levado a tribunal, o Senhor da
vida de todos submete-Se a um magistrado, o Rei das potências celestes não se subtrai às
mãos dos carrascos. É por estes exemplos, diz o apóstolo Paulo, que podemos medir a Sua
humildade (Fil 2, 5-7).

Leão XIII, papa de 1878 a 1903

Encíclica Rerum novarum, 13

"Felizes vós, os pobres"

Os deserdados da fortuna aprendem da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza
não é um opróbrio e que não se deve corar por ter de ganhar o pão com o suor do seu rosto. É
o que Jesus Cristo Nosso Senhor confirmou com o Seu exemplo. Ele, que «de muito rico que
era, Se fez indigente» (2Co 8,9) para a salvação dos homens; que, Filho de Deus e Deus Ele
mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho dum artesão; que chegou até a consumir
uma grande parte da Sua vida em trabalho mercenário: «Não é Ele o carpinteiro, o Filho de
Maria?» (Mc 6,3).

Quem tiver na sua frente o modelo divino, compreenderá mais facilmente o que Nós vamos
dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto
é, na sua virtude; que a virtude é o património comum dos mortais, ao alcance de todos, dos
pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a
pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade. Mais ainda: é para
as classes desafortunadas que o coração de Deus parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama
aos pobres bem-aventurados: convida com amor a virem a Ele, a fim de consolar a todos os
que sofrem e que choram(Mt 11,28); abraça com caridade mais terna os pequenos e os
oprimidos. Estas doutrinas foram, sem dúvida alguma, feitas para humilhar a alma altiva do
rico e torná-lo mais condescendente, para reanimar a coragem daqueles que sofrem e inspirar-
lhes resignação.

Com elas se acharia diminuído um abismo causado pelo orgulho, e se obteria sem dificuldade
que as duas classes se dessem as mãos e as vontades se unissem na mesma amizade.

Paulo VI, papa de 1963-1978

Exortação apostólica “Sobre a alegria cristã”

«Olhando os seus discípulos, Jesus disse: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino
de Deus”»

É muito importante apreender o segredo da alegria insondável que está em Jesus e que lhe é
própria… Se Jesus irradia uma tal paz, uma tal segurança, uma tal alegria, uma tal
disponibilidade, é por causa do amor inefável com que ele se sabe amado por seu Pai.
Aquando do seu baptismo nas margens do Jordão, este amor, presente desde o primeiro
instante da sua encarnação, manifesta-se: “Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus todo o
meu enlevo” (Lc 3,22). Esta certeza é inseparável da consciência de Jesus. É uma presença
que nunca o deixa só (Jo 16,32). É um conhecimento íntimo que o preenche: “Assim como o
Pai me conhece também eu conheço o Pai” (Jo 10,15). É uma partilha incessante e total: “E
tudo o que é meu é Teu, e tudo o que é Teu é meu” (Jo 17,10)… “Tu me amaste antes da
fundação do mundo” (Jo 17,24). Há ali uma relação incomunicável de amor, que se confunde
com a sua existência de Filho e que é o segredo da vida trinitária: o Pai aparece aí como
aquele que se dá ao Filho, sem reserva e continuamente, num ardor de alegre gratidão, no
Espírito Santo.

E eis que os discípulos, e todos os que acreditam em Cristo, são chamados a participar desta
alegria. Jesus quis que eles tivessem em si mesmos a plenitude da sua alegria (Jo 17,13).:
“Dei-lhes a conhecer o teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que me amaste
esteja neles e eu esteja neles também” (Jo 17,26).

Esta alegria de habitar no amor de Deus começa aqui em baixo. É a do Reino de Deus. Mas
ela é concedida por uma via escarpado, que exige uma confiança total no Pai e no Filho, e
uma preferência dada ao Reino. A mensagem de Jesus promete antes de tudo a alegria, esta
alegria exigente; não começa ela pelas Bem-aventuranças? “Felizes, vós, os pobres, porque é
vosso o Reino de Deus. Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes
vós, os que agora chorais, porque haveis de rir”.

Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja


Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas

“Bem-aventurados os pobres. Bem-aventurados os que choram.”

“Bem-aventurados os pobres.” Os pobres não são todos bem-aventurados; porque a pobreza é


uma coisa neutra; pode haver pobres bons e pobres maus. Bem-aventurado o pobre que
clamou e que o Senhor ouviu (Sl 33, 7): pobre de pecados, pobre de vícios, o pobre em quem
o príncipe deste mundo nada encontrou (Jo 14, 30), pobre à imitação daquele Pobre que,
sendo rico, Se fez pobre por nós (2Co 8, 9). É por isso que Mateus dá a explicação completa:
“Bem-aventurados os pobres de espírito”, porque o pobre de espírito não incha de orgulho,
não se exalta em pensamentos exclusivamente humanos. Essa é, pois, a primeira bem-
aventurança.

[“Bem-aventurados os mansos”, escreve Mateus em seguida.] Tendo abandonado por


completo o pecado, feliz com a minha simplicidade destituída de mal, resta-me moderar o
carácter. De que me serve faltarem-me os bens do mundo, se não for manso e tranquilo?
Porque seguir o caminho recto é, evidentemente, seguir Aquele que diz: “Aprendei de Mim,
que sou manso e humil de de coração” (Mt 11, 29).

Dito isto, recorda-te de que és pecador; chora os teus pecados, chora as tuas faltas. E é
razoável que a terceira bem-aventurança seja para aqueles que choram os seus pecados,
porque é a Trindade que perdoa os pecados. Purifica-te, pois, pelas tuas lágrimas e lava-te
pelo teu pranto. Se choras por ti mesmo, mais ninguém terá de chorar por ti. Toda a gente tem
mortos por quem chorar; estamos mortos quando pecamos. Que aquele que é pecador chore,
pois, por si mesmo e se repreenda, a fim de se tornar justo, porque “o justo acusa-se a si
mesmo” (Pr 18, 17).

São Leão Magno (? - cerca de 461), papa e doutor da Igreja

"Felizes, vós, os pobres"

"Felizes os pobres em espírito, porque é deles o Reino dos Céus" (Mt 5,3). Poderíamos
perguntar-nos de que pobres teria querido falar a Verdade se, ao dizer: "Felizes os pobres",
não tivesse acrescentado a que tipo de pobres se estava a referir; pareceria então que, para
merecer o Reino dos Céus, bastaria o despojamento de que muitos sofrem como efeito de uma
penosa e dura necessidade. Mas, ao dizer: "Felizes os pobres em espírito", o Senhor mostra
que o Reino dos Céus deve ser dado àqueles que são marcados pela humildade da alma mais
do que pela penúria dos recursos.
Contudo, não podemos duvidar de que os pobres adquirem mais facilmente do que os ricos o
bem que é esta humildade porque, para esses, a mansidão é uma amiga na sua indigência,
enquanto para estes o orgulho é o companheiro da sua opulência. No entanto, também em
muitos ricos se encontra essa disposição de alma que os leva a usar a abundância não para se
incharem de orgulho, mas para exercer a bondade e que considera entre os maiores benefícios
aquilo que é dispendido para aliviar a miséria e o sofrimento dos outros. A todos os tipos e
classes de homens é concedido terem parte de tal virtude, porque podem ser ao mesmo tempo
iguais na intenção e diferentes na fortuna; não importa quanto diferem em recursos terrestres
homens que consideramos iguais em bens espirituais. Feliz, pois, aquela pobreza que não se
prende ao amor das riquezas temporais; ela não deseja aumentar a sua fortuna neste mundo,
mas ambiciona tornar-se rica em bens celestes.

Paulo VI, papa entre 1963-1978


Exortação «A alegria cristã» (1975)
«Felizes, os que sois pobres; porque é vosso o reino de Deus»

A alegria de permanecer no amor de Deus começa neste mundo. É própria do Reino de Deus.
Mas é-nos dada ao longo de um caminho escarpado, que exige uma confiança total no Pai e
no Filho, e a preferência pelo Reino. A mensagem de Jesus promete, antes de mais, a alegria,
uma alegria exigente: não é ela a que abre as bem-aventuranças? «Felizes, os que sois pobres,
porque vosso é o reino dos Céus. Felizes, os que tendes fome, porque sereis saciados. Felizes,
os que agora chorais, porque haveis de rir».

Misteriosamente, o próprio Cristo, para desenraizar do coração do homem o pecado da


suficiência e manifestar ao Pai uma obediência filial sem reservas, aceita morrer numa cruz.
Mas… doravante, Jesus está vivo para sempre na glória do Pai, e é por isso que os discípulos
ficaram penetrados de uma alegria inabalável quando viram o Senhor na tarde da Páscoa (Lc
24,41).

Acontece que, neste mundo, a alegria do Reino já realizado não pode brotar senão da
celebração conjunta da morte e da ressurreição do Senhor. É o paradoxo da condição cristã o
que vem esclarecer de modo singular o da condição humana: nem a provação, nem o
sofrimento são eliminados deste mundo, mas adquirem um novo sentido na certeza de
participarmos na redenção levada a cabo pelo Senhor e de partilharmos da sua glória. É por
isso que o cristão, submetido às dificuldades da existência comum, não se vê, no entanto,
constrangido a procurar o seu caminho às apalpadelas nem a ver na morte o fim das suas
esperanças. Como já o anunciava o profeta: «O povo que andava nas trevas viu uma grande
luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles. Multiplicaste a sua
alegria, fizeste irromper seu júbilo» (Is 9, 1-2).

Evangelho segundo S. Lucas 6,27-38. – cf.par. Mt 5,38-48; 7,12;7,1-5.16-18.21.24-27

«Digo-vos, porém, a vós que me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. A quem te bater
numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar
também a túnica. Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho
reclames. O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também. Se amais os que
vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam.
Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores
fazem o mesmo. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento
mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto.
Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca.
Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom até para
os ingratos e os maus. Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.» «Não
julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis
perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será
lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.


Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Onde houver ero, que eu leva a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
´Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido; amar que ser amado.
Pois, e dando, que se recebe. É perdoando, que se é perdoado.
E é morrendo, que se vive para a vida eterna.
Cantemos, 833

Doroteu de Gaza (cerca de 500 - ?), monge na Palestina

Instruções, IV, 76

"Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso"

Se a nossa caridade fosse acompanhada de compaixão e de pena, não daríamos tanta atenção
aos defeitos do próximo, de acordo com a palavra que diz: "A caridade cobre uma multidão
de pecados" (1Pe 4,8) e também: "A caridade não se atarda no mal, desculpa tudo" (1Co,
13,5.7). Por isso, se tivéssemos caridade, essa mesma caridade cobriria toda a falta e nós
seríamos como os santos quando vêem os defeitos dos homens. Será então que os santos são
cegos a ponto de não verem os pecados? Mas haverá quem deteste tanto o pecado como os
santos? E, contudo, eles não odeiam o pecador, não o julgam, não o evitam. Pelo contrário,
compadecem-se dele, exortam-no, consolam-no, tratam-no como a um membro doente; fazem
tudo para o salvar... Quando uma mãe tem um filho deficiente, não se afasta dele com horror
mas tem gosto em vesti-lo bem e em tudo fazer para o embelezar. É assim que os santos
protegem sempre o pecador e se ocupam dele para o corrigirem no momento oportuno, para o
impedirem de prejudicar outrem e, assim, para eles próprios progredirem na caridade de
Cristo...

Adquiramos, pois, também nós, a caridade; adquiramos a misericórdia para com o próximo,
para nos defendermos da terrível maledicência, do julgamento e do desprezo. Prestemos
socorro uns aos outros, como se fossem os nossos próprios membros... Porque "somos
membros uns dos outros", diz o apóstolo Paulo (Rm 12,5); "se um membro sofre, todos os
membros sofrem com ele" (1Co 12,27)... Numa palavra, tende cuidado, cada qual à sua
maneira, em permanecer unidos uns aos outros. Porque, quanto mais unido se está ao
próximo, tanto mais se está unido a Deus.

Santo Isaac o Sírio ( sec. VII), monge em Ninive, perto de Mossoul, no actual Iraque
Discursos, 1ª série, nº 34

«Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso»

Irmão, recomendo-te isto: que a compaixão cresça sempre na tua balança, até que sintas em Ti
a compaixão que Deus experimenta pelo mundo. Que este estado se torne o espelho no qual
vemos em nós próprios a verdadeira «imagem e semelhança» da natureza e do ser de Deus
(Gn 1,26). É por essas coisas e por outras semelhantes que recebemos a luz, e que uma clara
resolução nos leva a imitar Deus. Um coração duro e sem piedade nunca será puro (Mt 5,8).
Mas o homem compassivo é o médico da sua alma; como por um vento violento, ele afasta
para fora de si as trevas da perturbação.

S. Máximo, o Confessor (c. 580-662), monge e teólogo

Centúria 1 sobre o amor, ne Filocalia

"Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso"

Não te prendas às suspeitas nem às pessoas que te levam a escandalizares-te com certas
coisas. Porque aqueles que, de uma forma ou de outra, se escandalizam com as coisas que lhes
acontecem, quer as tenham querido quer não, ignoram o caminho da paz que, pelo amor, leva
ao conhecimento de Deus os que dela se enamoram.

Não tem ainda o perfeito amor aquele que é ainda afectado pelo temperamento dos outros,
que, por exemplo, ama uns e detesta outros ou que umas vezes ama e outras detesta a mesma
pessoa pelas mesmas razões. O perfeito amor não despedaça a única e mesma natureza dos
homens só porque eles têm temperamentos diferentes mas, tendo em consideração essa
natureza, ama de igual forma todos os homens. Ama os virtuosos como amigos e os maus,
embora sejam inimigos, fazendo-lhes bem, suportando-os comn paciência, aceitando o que
vem deles, não tomando em consideração a malícia, chegando mesmo a sofrer por eles se se
oferecer uma ocasião. Assim, fará deles amigos, se tal for possível. Pelo menos, será fiel a si
mesmo; mostra sempre os seus frutos a todos os homens, de igual modo. O Nosso Deus e
Senhor Jesus Cristo, mostrando o amor que tem por nós, sofreu pela humanidade inteira e deu
a esperança da ressurreição a todos de igual forma, embora cada um, com as suas obras, atraia
sobre si a glória ou o castigo.

Youssef Bousnaya (c. 869-979), monge sírio


Vida e doutrina de Rabban Youssef Bousnaya, por Jean Bar Kaldoum

«Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai»


A misericórdia é a imagem de Deus, e o homem misericordioso é, em verdade, um Deus que
habita na terra. Tal como Deus é misericordioso para com todos, sem fazer distinções,
também o homem misericordioso distribui os seus dons por todos de igual forma.
Meu filho, sê misericordioso e distribui por todos os teus dons, para que possas elevar-te ao
grau da divindade […]. Não te deixes seduzir por este pensamento que poderás achar atraente:
« Mais vale ser misericordioso para com o que tem fé que para com quem nos é estranho».
Não é essa a misericórdia perfeita que imita a Deus e que distribui os dons por todos, sem
inveja, «que igualmente faz o Sol levantar-se sobre os bons e os maus e a chuva cair sobre os
justos e os pecadores» (Mt 5,45) […]
«Deus é amor» (1 Jo 4,8); a sua essência é amor, e o amor é a sua própria essência. Por amor,
o nosso Criador foi levado a produzir a nossa criação. O homem que possui a caridade é
verdadeiramente Deus no meio dos homens.

S. Siluane (1886-1938), monge ortodoxo


Sophrony
"Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso"

Senhor misericordioso, como é grande o teu amor por mim, pecador! Permitiste-me que te
conhecesse; deste-me a provar a tua graça. «Saboreai e vede como o Senhor é bom» (Sl.
33,9). Deixaste que eu saboreasse a tua bondade e a tua misericórdia, e insaciavelmente, dia e
noite, a minha alma é atraida por ti. A alma não pode esquecer o seu Criador, porque o
Espírito divino lhe dá forças para amar aquele que ela ama; Não pode saciar-se, mas deseja
sem cessar o seu Pai celeste.
Feliz a alma que ama a humildade e as lágrimas e que odeia os maus pensamentos. Feliz a
alma que ama o seu irmão, porque o nosso irmão é a nossa própria vida. Feliz a alma que ama
o seu irmão; ela sente em si a presença do Espírito do Senhor; Ele dá-lhe paz e alegria e chora
pelo mundo inteiro.
A minha alma recordou-se do amor do Senhor e o meu coração acalentou-se. A minha alma
abandonou-se a uma profunda lamentação, porque ofendi tanto o Senhor, meu Criador bem-
amado. Mas Ele não se recordou dos meus pecados; então a minha alma abandonou-se a uma
lamentação ainda mais profunda para que o Senhor tenha misericórdia de cada homem e o
leve para o seu Reino celeste. A minha alma chora pelo mundo inteiro.

Evangelho segundo S. Lucas 6,39-42.

Jesus disse-lhes ainda esta parábola: «Um cego pode guiar outro cego? Não cairão os dois
nalguma cova? Não está o discípulo acima do mestre, mas o discípulo bem formado será
como o mestre. Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na
trave que está na tua própria vista? Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o
argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave
da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»

S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo, doutor da Igreja


Comentário ao evangelho de Lucas

«Aquele que é bem formado será como o seu mestre»

”O discípulo não está acima do mestre.” Porque é que estás a julgar quando o mestre ainda
não julga? Porque ele não veio julgar o mundo mas derramar nele a sua graça. Entendida
neste sentido, a palavra de Cristo passa a ser: “Se eu não julgo, não julgues tu também, tu que
és meu discípulo. Pode acontecer que tu sejas culpado de faltas mais graves do que aquele que
estás a julgar. Como será a tua vergonha quando disso tiveres consciência!
O Senhor dá-nos o mesmo ensinamento na parábola em que diz: “Porque te preocupas com a
palha no olho do teu irmão?” Com argumentos irrefutáveis, ele convence-nos a não querer
julgar os outros e a estarmos sobretudo atentos ao nosso íntimo. Em seguida, pede-nos que
procuremos libertar-nos das paixões que aí se instalaram, pedindo a Deus essa graça. Com
efeito, é ele quem cura os que têm o coração desfeito e nos liberta das nossas doenças
espirituais. Porque, se os pecados que te esmagam são maiores e mais graves do que os dos
outros, porque é que o s criticas sem te preocupares com os teus?
Todos os que querem viver piedosamente e sobretudo os que têm o encargo de instruir os
outros, tirarão necessariamente proveito deste preceito. Se forem virtuosos e moderados,
dando com as suas acções o exemplo da vida evangélica, repreenderão com doçura aqueles
que ainda não se tiverem decidido a fazer o mesmo.

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja


Explicações do Sermão da Montanha
A palha e a trave

O Senhor, nesta passagem, alerta-nos contra o julgamento temerário e


injusto. Ele quer que actuemos com um coração simples e que apenas tenhamos
Deus em vista. Como a força motriz de muitas acções nos escapa, seria
temerário fazer um julgamento. Os mais prontos a julgar temerariamente e a
censurar os outros são aqueles que gostam mais de condenar do que de
corrigir e reconduzir ao bem, o que denota orgulho e mesquinhez... Um homem,
por exemplo, peca por cólera, tu reprova-lo com ódio. Há a mesma distância
entre a cólera e o ódio que entre a palha e a trave. O ódio é uma cólera
arraigada que, com o tempo, ganhou uma tal dimensão que merece justamente o
nome de trave. Pode suceder que te encolerizes desejando corrigir, mas o
ódio nunca corrige... Expulsa primeiro a cólera para longe, depois poderás
corrigir aquele que amas.
Evangelho segundo S. Lucas 6,43-49.

«Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. Cada árvore conhece-
se pelo seu fruto; não se colhem figos dos espinhos, nem uvas dos abrolhos. O homem bom,
do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau;
pois a boca fala da abundância do coração.» «Porque me chamais 'Senhor, Senhor', e não
fazeis o que Eu digo? Vou mostrar-vos a quem é semelhante todo aquele que vem ter comigo,
escuta as minhas palavras e as põe em prática. É semelhante a um homem que edificou uma
casa: cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio uma inundação, a
torrente arremessou-se com violência contra aquela casa mas não a abalou, por ter sido bem
edificada. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem
que edificou uma casa sobre a terra, sem alicerces. A torrente arremessou-se contra ela, e a
casa imediatamente se desmoronou. E foi grande a sua ruína!»

Santo Ireneu de Lyon (c. 130 - c 208), bispo, teólogo e mártir

Contra as Heresias III, 24, 1-2

Assentar os alicerces sobre a rocha

A pregação da Igreja apresenta, sob todos os aspectos, uma solidez inabalável; permanece
idêntica a si mesma e beneficia do testemunho dos profetas, dos apóstolos e de todos os seus
discípulos, testemunho que engloba "o começo, o meio e o fim", a totalidade do desígnio de
Deus infalivelmente ordenada para a salvação do homem e pedra angular da nossa fé. Por
isso, nós guardamos com cuidado essa fé que recebemos da Igreja... Com efeito, foi à Igreja
que foi confiado o "dom de Deus" (jo 4,10) - assim como o sopro tinha sido confiado à
primeira obra que Deus modelou, Adão (Gn 2,7) - a fim de que todos os membros da Igreja
possam dele participar e por ele ser vivificados. Nela é que foi depositada a comunhão com
Cristo, isto é, o Espírito Santo, penhor do dom da incorruptibilidade, confirmação da nossa fé
e escada para a nossa ascenção até Deus: "Na Igreja, escreve S. Paulo, Deus colocou
apóstolos, profetas, doutores" e todos os outros, por acção do Espírito (1 Co 12,28.11).

Onde estiver a Igreja, está também o Espírito Santo; e onde está o Espírito de Deus, está
também a Igreja e toda a graça. E o Espírito é Verdade (1 Jo 5,6). É por isso que aqueles que
se excluem do Espírito deixam de se alimentar no seio de sua Mãe para receber a vida e de
participar da fonte límpida que brota do corpo de Cristo(Jo 7,37), mas, pelo contrário,
"controem para si cisternas quebradas" (Jr 2,13)... Tornando-se estrangeiros à verdade, é fatal
que persistam no erro e sejam sacudidos por ele, que... não tenham nunca uma doutrina
firmemente estabelecida, uma vez que preferem ser argumentadores de palavras mais do que
discípulos da verdade. Porque não se alicerçam na única Rocha mas na areia.

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja


Sermão 179

Construir sobre a rocha


Irmãos, o apóstolo S. Tiago dirige-se a ouvintes assíduos da palavra de Deus dizendo: “Não
vos contenteis em escutar a palavra; ponde-a em prática; senão, enganar-vos-íeis a vós
mesmos” (Ti 1,22). Não seria o Autor da palavra quem vós enganaríeis, nem sequer aquele
que vo-la anuncia; mas seríeis vós mesmos… O pregador também anunciaria bem inutilmente
a palavra de Deus se a não escutasse primeiro dentro de si mesmo para a pôr em prática…
Quem pratica interiormente a palavra? Aquele que se guarda dos maus desejos. Quem a
observa exteriormente? Aquele que “partilha o pão com o que tem fome” (Is 58,7). O que
fazemos, o nosso próximo pode ver, mas da razão por que fazemos, só Deus é testemunha.
“Ponde, pois, a palavra em prática, não vos contenteis em escutá-la; enganar-vos-íeis a vós
mesmos”; não enganaríeis Deus nem o seu ministro. Eu não posso ler no vosso coração mas
Deus, que sonda os corações, vê o que os homens não podem ver. Vê o vosso zelo em escutar,
os vossos pensamentos, a s vossas resoluções, os progressos que fazeis com a sua graça, a
assiduidade da vossa oração, os pedidos que lhe dirigis para obter o que vos falta e as vossas
acções de graças para lhe agradecer os seus benefícios…
Pensai bem, irmãos! Se é louvável escutar a palavra, quanto mais será pô-la em prática. Se
não a escutais, viveis na negligência e não construis nada. Se a escutais sem a praticar, só
construis ruinas. A este respeito, o Senhor deu-nos uma comparação muito justa: “Aquele que
escuta as minhas palavras e as põe em prática, é semelhante a um homem prudente que
construiu a sua casa sobre a rocha”. Escutar e pôr em prática é construir sobre a rocha…,
escutar sem praticar é construir na areia; recusar mesmo escutar é não construir nada.

Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade


Não há amor maior

“As árvores conhecem-se pelos seus frutos”

Se há coisa que sempre nos garantirá o céu, são os atos de caridade e de generosidade com
que tivermos preenchido a nossa existência. Saberemos jamais o bem que pode fazer um
simples sorriso? Proclamamos que Deus acolhe, compreende, perdoa. Mas somos a prova
viva disso que proclamamos? Os outros detectam em nós esse acolhimento, essa compreensão
e esse perdão, vivos? Sejamos sinceros nas nossas relações uns com os outros; tenhamos a
coragem de nos aceitar uns aos outros tal como somos. Não nos deixemos espantar nem
preocupar com os nossos fracassos nem com os fracassos dos outros; antes, vejamos o bem
que há em cada um de nós; descubramo-lo, porque todos nós fomos criados à imagem de
Deus.

Não esqueçamos que ainda não somos santos, mas que nos esforçamos por sê-lo. Sejamos,
pois, extremamente pacientes com os nossos pecados e com as nossas quedas. Não te sirva a
língua senão para o bem dos outros, “porque a boca fala da abundância do coração”. Temos
de ter alguma coisa no cor ação para podermos dar; aqueles cuja missão é dar têm primeiro de
crescer no conhecimento de Deus.

S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja


Vigésimo quarto sermão sobre o Cântico
Cada árvore se conhece pelo seu fruto
Se acreditais em Cristo, praticai as obras de Cristo, para que viva a vossa fé. O amor animará
essa fé, a acção será prova dela. Vós, que pretendeis habitar em Cristo, é preciso que
caminheis seguindo o Seu passo. Se procurais a glória, se invejais os que são felizes neste
mundo, se dizeis mal dos ausentes, e se pagais o mal com o mal, essas são as coisas que Deus
não fez. Dizeis que conheceis Deus, mas os vossos atos negam-nO... «Este homem glorifica-
me com os lábios, diz a Escritura, mas o seu coração está longe de mim»» (Is 29,13)...
Ora a fé, mesmo recta, não chega para fazer um santo, um homem recto, se não opera no
amor. Aquele que não tem amor é incapaz de amar a Esposa, a Igreja de Cristo. E as obras,
mesmo que realizadas na rectidão, não conseguem, sem fé, tornar um coracção recto. Não se
pode atribuir a rectidão a um homem que não agrada a Deus; ora diz a Epístola aos Hebreus:«
Sem a fé é impossível agradar a Deus» (Heb 11,6). Aquele que não agrada a Deus, Deus não
saberia agradar-lhe; mas aquele a quem Deus agrada não saberia desagradar a Deus. E aquele
a quem Deus não agrada, também a Igreja-Esposa lhe não agrada. Como poderia pois ser
recto aquele que não ama nem a Deus nem à sua Igreja, à qual foi dito:« Os justos sabem
amar-te».
Ao santo não lhe basta a fé sem as obras, nem as obras sem a fé, para fazer a rectidão da alma.
Irmãos, nós que cremos em Cristo, precisamos de tentar seguir uma via direita. Elevemos a
Deus os nossos corações e as nossas mãos conjuntamente, a fim de sermos considerados
inteiramente rectos, confirmando pelos atos de integridade a rectidão da nossa fé, amando a
Igreja-Esposa e amados do Esposo, Nosso Senhor Jesus Cristo, abençoado por Deus através
dos séculos.

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