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A CONTRARREFORMA AGRÁRIA
DO BANCO MUNDIAL E O
COMBATE À POBREZA RURAL
CLACSO CROP
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Comparative Research Programme
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais on Poverty
Estados Unidos 1168 P.O. Box 7800
C1101AAX, Buenos Aires, Argentina N-5020 Bergen, Noruega
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MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS,
A CONTRARREFORMA AGRÁRIA
DO BANCO MUNDIAL E O
COMBATE À POBREZA RURAL
OS CASOS DO MST, CONTAG E MARAM:
SUBORDINAÇÃO E RESISTÊNCIA CAMPONESA
A responsabilidade pelas opiniões expressadas nos livros, artigos, estudos e outras colaborações é exclusivamente dos autores
e sua publicação não necessariamente reflete os pontos de vista da Secretaria Executiva do CLACSO.
La responsabilidad por las opiniones expresadas en los libros, artículos, estudios y otras colaboraciones incumbe exclusivamente a
los autores firmantes, y su publicación no necesariamente refleja los puntos de vista de la Secretaría Ejecutiva de CLACSO.
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Prefácio
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Introdução
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Capítulo I:
A influência do Banco Mundial na formulação das políticas
de combate à pobreza rural e reforma agrária no Brasil
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Capítulo II:
O processo de (des)(re)territorialização do campesinato
por meio das políticas de crédito fundiário
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Capítulo III:
A tentativa de assepsia dos conceitos de questão agrária e
reforma agrária no Brasil
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Capítulo IV:
Os movimentos socioterritoriais:
conceito, organização e programa de ação
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Capítulo V:
Resistência e subordinação do campesinato na contrarreforma agrária
de mercado: os casos da Fetase, do MST e do Maram
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Considerações finais
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Bibliografia
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Comenzar es difícil
Pero vamos dando los pasos
Por un futuro
Que los hijos puedan celebrar
Somos el viento
Que baila y que canta
Se estamos juntos
Somos huracán!
(Somos Viento – Amparanoia)
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plantação realizei visitas de campo nos anos de 2005, 2006, 2007 no âmbito do
estudo de doutoramento (Ramos Filho, 2008) e da investigação Avaliação dos
programas de crédito fundiário do Banco Mundial no Brasil, realizada pela Rede
Terra de Pesquisa Popular/Via Campesina Brasil, em 2005 (Via Campesina,
2006a). De modo que a implementação da bolsa Clacso-Crop possibilitou o
retorno a estas áreas, potencializando o monitoramento do processo de desen-
volvimento dos projetos ao logo dos anos.
No tocante a escolha dos empreendimentos ligados ao MST-SE e ao Maram
considerei, concomitantemente, a maior antiguidade da implantação do em-
preendimento, bem como as referências e indicações fornecidas pelos dirigen-
tes das respectivas organizações a fim de encontrar experiências em curso que
possibilitasse tratar de práticas de resistência e subordinação dos camponeses.
Nesse sentido, realizei reunião com a coordenação estadual do MST, especifi-
camente com o dirigente que contribui com a frente de atuação na RAM, com
vista a identificação, no Banco de Dados da Reforma Agrária de Mercado, da-
queles empreendimentos sob a coordenação da organização e qual o panorama
do processo de desenvolvimento dos mesmos.
A partir disso, constatei que a maioria das áreas adquiridas no âmbito do
PNCF encontrava-se em processo de implantação, tendo em vista ser recente
a contratação dos empréstimos. Diante dessa condição, decidi pela seleção dos
empreendimentos mais antigos, contratados pela linha de financiamento Ban-
co da Terra. Na microrregião do Sertão do São Francisco, município de Poço
Redondo, selecionamos o Povoado Bonsucesso, no qual parte das famílias que
vivem na localidade há décadas decidiram pela compra da Fazenda Várzea, or-
ganizados na Associação Nossa Senhora do Rosário e na Colônia de Pescadores
Z-10, de Poço Redondo. No município de São Cristóvão, situado na região
metropolitana de Aracaju, trabalhei com a Associação de Cooperação Agrícola
Florestan Fernandes I e Associação de Cooperação Agrícola Florestan Fernan-
des II, que compraram a Fazenda Aliança.
A seleção dos empreendimentos ligados ao Movimento dos Atingidos pela
Reforma Agrária de Mercado (Maram) ocorreu após a realização de uma reu-
nião com os militantes da Animação Pastoral Rural (APR) e Ação Francisca-
na Esperança e Solidariedade (Afes) que assessoram político-juridicamente o
Movimento, com o intuito de angariar informações sobre a forma organizati-
va deste, assim como reunir os contatos das principais lideranças. De posse de
tais informações, foi possível reunir-me com estes, que indicaram nos dados do
BDRAM aqueles empreendimentos que compõem tal articulação de associa-
ções de trabalhadores rurais.
Diante desta informação, decidi pela realização do trabalho de campo nos
empreendimentos implantados no município Ituiutaba, locus da gênese e cen-
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Boa leitura!
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Desde a década de 1960, até início dos anos 1980, a reforma agrária foi uma
expressão, de certa forma, proibida em muitos países, devido à concepção
ideológica socialista que estava na base das argumentações dos movimentos
sociais e partidos políticos que a protagonizaram. Nos anos 1980, a crise dos
regimes socialistas, o fim da Guerra Fria, e a crise das dívidas externas dos
países pobres abriram caminho para ampliação da influência dos organismos
multilaterais junto aos países pobres. Durante a segunda metade desta década
e início da seguinte, a atuação do Banco Mundial (BM), em particular, foi
marcada pela difusão dos ajustes estruturais, financiamento de infraestrutu-
ra e megaprojetos, com o objetivo de garantir o pagamento dos serviços das
dívidas externas e de transformar as economias nacionais em um padrão li-
beral. Resultaram destes programas sociedades mais desiguais, injustas e uma
conjuntura favorável à intensificação das tensões sociais, a exemplo do ir-
rompimento, em 1994, do Movimento Zapatista de Libertação Nacional, no
México.
Diante do acirramento da tensão social e da intensificação da oposição ao
modelo neoliberal nos países que implementaram os ajustes estruturais, o BM
viu-se na necessidade de controlar as pressões e os movimentos sociais, para ter
caminho livre ao aprofundamento da implementação deste modelo. A forma
definida para este programa foi a condução, a partir dos anos 1990, de uma
segunda onda de ajustes, cujos fundamentos residem no aprofundamento da
redução do papel do Estado com vistas à promoção do crescimento econômico,
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pal imperfeição que necessita ser rapidamente corrigida nos países é a garantia
da posse segura da terra, mero eufemismo para tratar da propriedade privada
alienável da terra. Para os causídicos desta concepção, a inexistência da titula-
ção alienável da terra afasta os investidores privados, limita o acesso ao crédito
e, portanto, aos investimentos necessários ao desenvolvimento econômico, bem
como torna os países suscetíveis à “rapina de la tierra, conflicto y desperdicio de
recursos, que en circunstancias extremas puede minar el potencial productivo y
económico de las sociedades” (Ibid., XVII).
A poção mágica apontada para a redução da pobreza (nunca sua eliminação)
perpassa à estratégia de liberalização da terra, mediante a difusão da titulação
alienável das terras públicas, comunais e privadas, com vistas à promoção de
um ambiente político estável, que não ofereça riscos nem aos produtores nem
aos investidores. Com a posse dos títulos alienáveis, os investimentos podem
facilmente ser ampliados, tendo em vista que a terra, convertida em merca-
doria, pode ser oferecida em troca de créditos, possibilitando, por um lado, a
contratação de seguros em casos de calamidade, por outro alavancar atividades
econômicas que ampliem a produtividade do rural, gerando crescimento eco-
nômico e consequente bem-estar, além de, obviamente, impulsionar o preço da
terra convertendo-a em rentável mercadoria. A perspectiva de desenvolvimento
apresentada assume uma condição unidimensional, cujo crescimento econômi-
co é o fim único. O capital e o mercado de terras assumem a condição de pro-
tagonistas na promoção da redistribuição deste bem ao eliminar aqueles ociosos
por produtores mais eficientes.
Para o Banco, a inexistência ou segurança quanto à propriedade privada da
terra exige grandes gastos na defesa da propriedade, que pode ser ameaçada por
conflitos étnicos, territoriais, lutas por reforma agrária, reivindicação de direitos
ancestrais, direitos adquiridos resultantes de longos períodos de arrendamentos e/
ou parceiras etc. Isto, por um lado, afasta os investimentos, desestimula as bolsas
de arrendamento de terras (apontadas como alternativa de ampliar a exploração
pelos sujeitos mais eficientes); de outro ponto de vista, os conflitos de diferentes
naturezas podem vir a desestabilizar os governos e seus programas econômicos.
Para tanto, faz-se necessário que o Estado estruture instituições voltadas à
gestão da terra que tenham legitimidade e legalidade junto à sociedade. Forja-se
um arranjo institucional e jurídico que garanta a sacralidade da propriedade
privada fundiária. Nos países em que os conflitos étnicos e territoriais apresen-
tam-se explosivos, sobretudo por conta da usurpação deste bem durante a fase
do neocolonialismo, como em países africanos, o Estado deve manter o contro-
le da terra a fim de evitar tais lutas sociais.
Ademais, propala-se que a redução da pobreza terá melhores efeitos nos
locais em que as populações e comunidades mais pobres possam exercitar seu
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poderde decisão, chave para fazer o uso efetivo das terras em seu poder. Para
Deininger, quando os mais pobres podem decidir democraticamente sobre a
atribuição de terras, edifica-se maior tranquilidade para os governos, “como
ilustra el ejemplo de México, donde los beneficiarios mencionaron el govierno
mejorado como um beneficio clave de las reformas de derecho de propriedad
introduzidas desde 1992” (Ibid., p. XXIV).
Obviamente, o autor visa, com este exemplo, à produção de sentido que
contribua com o esvaziamento político das lutas populares que ocorreram na-
quele país, inclusive com o irrompimento do Exército Zapatista de Libertação
Nacional, frente à supressão do artigo constitucional que garantia a propriedade
comunal da terra representada nos ejidos e sua substituição por títulos de pro-
priedade alienáveis no mercado de terras. Neste mesmo país, a eliminação da
indivisibilidade e inalienabilidade das formas comunais de posse da terra têm
contribuído para o avanço do processo de internacionalização das propostas de
integração regional difundidas pelas instituições financeiras supranacionais, em
particular do Plano Puebla Panamá, atualmente denominado Projeto Mesoa-
mérica.
A criação de um dispositivo que permite a fragmentação do ejido e realiza-
ção da mercantilização das parcelas de terras no mercado, abre a condição ne-
cessária para que o capital promova uma espécie de assepsia do território, ou seja,
elimine o campesinato e indígenas do território para liberar as possibilidades de
livre domínio com vistas à implantação de megaprojetos de logística, agricul-
tura capitalista, atividades industriais etc. O capital nem sempre promove, ele
próprio, uma ofensiva direta aos camponeses e indígenas, mas com frequência
utiliza-se do aparato de Estado para fazê-lo de acordo com seus interesses, con-
dição que pode ser observada nas lutas do ejidatários de San Salvador Atenco2 e
do povo Triqui em San Jan Copala3.
A concepção de uso efetivo pode, aqui, ser compreendida como acesso à ter-
ra por instrumentos de compra e venda e sua exploração capitalista, condição
incongruente com as concepções de organização de economias sociais, herda-
das dos povos originários ancestrais, cuja centralidade reside na terra enquanto
valor de uso, espaço de moradia, de realização da cultura, das práticas religiosas
e cuja agricultura prima, primeiramente, pela produção das condições funda-
mentais ao abastecimento familiar e/ou comunitário.
Com vistas à promoção de maior equidade, defende-se, ainda, que a pro-
priedade segura de terras deve ser garantida a grupos que foram tradicional-
2
Para maiores informações sobre a disputa territorial em San Salvador Atenco consultar <http://atencofpdt.
blogspot.com/>
3
Conferir Bárcenas, Francisco Lopéz, 2009, San Juan Copala: dominación política y resistencia popular. De las re-
beliones de Hilarión a la formación del municipio autónomo, Ciudad del Mexico: UAM-Xochimilco.
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países. O receituário liberal, na maioria dos países, foi introduzido a partir dos
anos 1960/1970, como políticas de difusão do modelo produtivo da Revolução
Verde. Nos anos 1990, delimitaram-se suas ofensivas sobre a forma de acesso
à terra para os mais pobres, cujo controle reside, fundamentalmente, nas mãos
do capital representado por grupos econômicos nacionais e corporações trans-
nacionais.
A lógica central das políticas fundiárias neoliberais reside na conversão da
terra como mercadoria, na liberalização das formas de acesso à terra pelos cam-
poneses pobres, nos estímulos às políticas de arrendamento, na promoção de
títulos alienáveis e na eliminação da posse comunitária. As políticas fundiárias
neoliberais são introduzidas para controlar e desarticular conflitos raciais, ori-
ginados na desigual distribuição fundiária, tentar pacificar guerras ou estimu-
lá-las, eliminar as lutas indígenas e de sem-terra. Apesar de se auto-afirmarem
ágeis, baratas e pacificadoras, as experiências analisadas demonstram que os
preços das terras tendem a aumentar com o estímulo aos mercados de terras,
aumentando a necessidade de créditos pelos mutuários e consequente aumento
das dívidas, inviabilizando, em curto prazo, a própria política que nada mais
consegue adquirir, conduzindo, assim, os camponeses a dramáticos processos
de desterritorialização.
Um aprendizado importante neste processo é a permanência da disputa
territorial referente à apropriação fundiária entre o capital e os camponeses
nos diferentes países. Enquanto os primeiros utilizam-se do receituário neo-
liberal, viabilizado por empréstimos das instituições multilaterais, os campo-
neses, considerando a conjuntura política e organização de cada país, buscam
fortalecer suas instituições, com vistas a pressionar o Estado para a realização
de reformas agrárias que promovam a redistribuição da riqueza e do poder
político.
Isto se dá mediante a realização de diferentes formas de lutas reivindicató-
rias ou contestatórias, que vão desde a luta armada, como o caso mexicano com
o Exército Zapatista de Libertação Nacional, até as ocupações de terras, que se
configuram como principal mecanismo contestatório da propriedade privada
com fins especulativos, conforme os casos da África do Sul, Zimbábue, Tailân-
dia e Brasil. Neste último país, as organizações camponesas têm investido na
sua organização mediante a articulação dos movimentos camponeses em torno
da Via Campesina e da produção de conhecimento socialmente engajado, que
possibilite qualificar ainda mais a luta popular.
O caso brasileiro pode ser considerado uma referência na difusão deste pa-
cote de políticas, tendo em vista a existência de programas e/ou projetos em
todos os conjuntos apresentados, sendo alguns exemplos emblemáticos: o pro-
jeto de cadastro e georreferenciamento dos imóveis rurais levado adiante pelo
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variação 1996-2006
1970 1980 1996 2006
População absoluto %
absoluta* 93.134.846 119.011.052 157.070.163 185.564.212 28.494.049 18.1%
População
41.037.586 38.573.725 33.993.332 28.705.000 -5.288.332 -15.6%
rural**
Pessoal
17.582.089 21.163.735 17.930.890 16.567.544 -1.363.346 -7.6%
ocupado
População
44% 32% 22% 15%
rural/total
* projeções do IBGE; **FAO
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das políticas fundiárias neoliberais, em sua manifestação no Brasil por meio dos
programas de crédito fundiário, tomando como referência o modelo de condi-
ção de reprodução do campesinato.
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O processo de (des)(re)territorialização
do campesinato por meio das políticas
de crédito fundiário
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Do espaço ao território
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o espaço, na sua expressão territorial, abarca a totalidade concreta dos processos de produção,
distribuição/circulação e consumo, articulados com as dimensões política e ideológica (supe-
restrutura). A luta de classes insurge como síntese contraditória entre as práticas e interesses
das três classes sociais fundamentais: a burguesia, o proletariado e os proprietários de terra. A
contradição entre classes é contínua, assim como é contínua a transformação do território. Da
mesma forma que a configuração territorial manifesta as estratégias de reprodução do capital
ele envolve as lutas de emancipação e resistência. O conceito de território, entendido como
expressão espacial da luta de classes, é definido, então, a partir das relações de poder ensejadas
pelo conflito permanente entre capital e trabalho.
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Tasso Jereissati é fundador do Partido da Social Democracia Brasileira, foi governador do estado do Ceará de
1987 até 1991, e de 1995 a 2005.
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MAPA 1
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meta era atingir 50 mil famílias até 2006. As condições de financiamento pouco
diferem dos programas anteriores. A principal diferença refere-se à redução do
valor financiável ao beneficiário, para o limite de 15 mil reais e o financiamento
a fundo perdido para projetos de investimentos comunitários complementares
(infraestrutura, equipamentos produtivos e sociais). A redução do valor finan-
ciado representa uma sagaz estratégia para ampliar o número de beneficiários,
previsto para 50 mil famílias nos primeiros três anos do projeto.
Vale ressaltar, ainda, que a criação do CFCPR foi marcada pela adesão a
esta política pública da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricul-
tura (Contag) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf ),
que mediante previsão no manual de operações passaram a prestar assessoria ao
Programa. Por fim, os quatro programas apresentados acima (Projeto São José,
Cédula da Terra, Banco da Terra e Crédito Fundiário de Combate à Pobreza
Rural) compõem a experiência da contrarreforma agrária do Banco Mundial,
no Brasil, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Em novembro de 2003, o governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006)
divulgou o II Plano Nacional de Reforma Agrária: Paz, produção e qualidade de
vida no meio rural (II PNRA). Tendo como princípio a necessidade de execu-
ção uma reforma agrária ampla e massiva, o II PNRA rompeu com a prática dos
governos anteriores ao estabelecer doze metas a serem cumpridas até o final do
primeiro mandato deste novo governo. São elas: 1) assentamento de 400 mil
novas famílias em projetos de reforma agrária; 2) regularização fundiária para
500 mil famílias; 3) promoção do acesso à terra pelo crédito fundiário de 130
mil famílias; 4) recuperação da capacidade produtiva e viabilidade econômi-
ca dos assentamentos existentes; 5) gerar 2.075.000 novos postos de trabalho
permanente no setor reformado; 6) cadastramento georreferenciado dos imó-
veis rurais; 7) regularização de 2.200.000 imóveis rurais; 8) reconhecimento,
demarcação e titulação de áreas de remanescentes quilombolas; 9) reassenta-
mento de ocupantes não índios de áreas indígenas; 10) promoção da igualdade
de gênero na reforma agrária; 11) garantir assistência técnica e extensão rural,
capacitação, créditos e políticas de comercialização às famílias assentadas; 12)
universalizar o direito à educação, à cultura e à seguridade social nas áreas re-
formadas.
Evidentemente, Lula não apenas herda do governo anterior o mecanismo
fundiário orientado pelo Banco Mundial, como o incorpora às metas da refor-
ma agrária, mesmo que o discurso oficial refira-se a este como uma ação com-
plementar à reforma agrária. Do ponto de vista das metas de famílias a serem
atingidas, a Contrarreforma Agrária pelo Mercado (Cram) representava 32,5%
do efetivo de famílias programadas para serem assentadas na reforma agrária.
Uma meta bastante ambiciosa se compararmos com o governo Cardoso que, de
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Recentemente, foram criadas mais duas ações dentro do PNCF: Terra Negra
Brasil (TNB) e Terra para Liberdade (TL). Com a mesma lógica de funciona-
mento, visam a atender, respectivamente, populações quilombolas e trabalha-
dores vulneráveis ou resgatados de situações análogas ao trabalho escravo. Os
empreendimentos são implantados por meio de qualquer uma das três linhas
de crédito. O TL integra as ações do Plano Nacional para Erradicação do Tra-
balho Escravo, do MDA/Incra, e foi articulado prioritariamente com a linha de
crédito Combate à Pobreza Rural.
Permanece nas diferentes modalidades de Cram o deslocamento ideológico
do Banco Mundial em relação à reforma agrária constitucional. Insiste-se que
a recriação do campesinato, pela relação de compra e venda de terras, promo-
verá a distribuição da riqueza. Além disso, a própria nomenclatura das linhas
de crédito indica um alinhamento com os pressupostos teóricos das políticas
agrárias do Banco Mundial. As linhas de financiamento de crédito fundiário
obedeceram no Brasil a três fases: a primeira, de introdução da reforma agrária
de mercado com a implantação do Projeto São José, Cédula da Terra e Banco
da Terra; a segunda, de ampliação e consolidação com o Crédito Fundiário, o
Combate à Pobreza Rural e o Consolidação da Agricultura Familiar; e, mais re-
centemente, uma fase de mercantilização das políticas de afirmação expressa na
criação das linhas de financiamento Nossa Primeira Terra, Terra Negra Brasil,
Terra para Liberdade.
A última fase materializa a intencionalidade das políticas agrárias neolibe-
rais em capturar públicos distintos e com uma potencialidade surpreendente de
luta, em face dos processos de exclusão e subordinação que estão submetidos.
Por exemplo, a juventude rural, diante do parcelamento das terras dos seus pais
e inexistência de uma política de reforma agrária que contemple este segmento,
caracteriza-se por sua organização para entrar na terra mediante as ocupações.
Além do que, nos diferentes estados, são os jovens que têm assumido a função
de direção das organizações mais combativas do campo.
A introdução da Terra Negra Brasil em sua lógica mercantil dificilmente
conseguirá resgatar e fortalecer os traços étnicos e culturais de uma dada co-
munidade afrodescendente. O princípio destas comunidades é o uso comum
da terra e transferência geracional do direito de uso. Contraditoriamente, a
contrarreforma agrária do Banco Mundial baseia-se no mercado e na titulação
alienável da terra. Esta linha de crédito pretende conter as lutas e a organização
dos povos remanescentes de quilombolas que reivindicam a demarcação das
suas terras, hoje ocupadas, muitas vezes, por grandes proprietários, disfarçando
a solução de litígios pela esfera do mercado. Retornarei este debate no quinto
capítulo quando discutir a recriação do campesinato no Povoado Bonsucesso,
Sergipe.
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Por sua vez, a criação da Terra para Liberdade contradiz o debate e as dispu-
tas políticas atuais em torno da desapropriação dos imóveis rurais autuados por
prática de trabalho escravo moderno. Novamente, transparece a intencionalida-
de de proteger a grande propriedade no Brasil. As políticas afirmativas devem
ter por objetivo a emancipação de um segmento social historicamente excluído,
mas isto dificilmente se logrará pela lógica mercantil. Estas são dimensões do
aprofundamento da Cram durante o governo Lula. A seguir, remeto ao leitor
uma análise quantitativa da territorialização do campesinato na Cram neste úl-
timo decênio.
7
Plínio Arruda Sampaio, nascido na cidade de São Paulo em 26 de julho de 1930 é graduado em Direito, mestre
em Economia Agrícola. Entre 1959 e 1962 ocupou cargos de destaque no mandato do governador do estado
de São Paulo, Carvalho Pinto, sendo um dos responsáveis pela elaboração da Lei de Revisão Agrária que imple-
mentou uma política reforma agrária naquele estado. Em 1962 foi eleito deputado federal, sendo a principal
liderança da esquerda e foi o relator do projeto de reforma agrária que integrava as reformas de base do governo
João Goulart, derrubado pelo golpe militar em 1964. Foi presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrá-
ria (Abra) entre 2007 e 2010 e candidato à presidente da República pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol),
ficando em quarto lugar com 886.816 votos.
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pelo governo, restou aos movimentos socioterritoriais mobilizar suas bases e reali-
zar pressão para exigir o cumprimento das metas previstas no referido plano.
Passados quatro anos do primeiro mandato, o governo divulgou, no final de
janeiro de 2007, o documento Desenvolvimento agrário como estratégia: MDA Ba-
lanço 2003-2006, vangloriando o cumprimento de 95,35% da meta “estabeleci-
da no início da sua implementação” (Ministério do Desenvolvimento Agrário,
2006, p. 10), ou seja, nos quatro anos teria assentado 381.419 famílias, das 400
mil programadas na primeira meta (assentar 400 mil novas famílias em projetos
de reforma agrária). Enfatiza também o crescimento do número de famílias as-
sentadas em comparação ao governo anterior. Este crescimento resulta de uma
ampliação significativa dos recursos, pois “foram aplicados mais de R$ 4 bilhões
na obtenção e regularização de terras” (Ministério do Desenvolvimento Agrário,
2006, p. 10). Explicita-se a concepção de reforma agrária do governo. Sua conta-
bilidade engloba a arrecadação de terras correspondente às grandes propriedades
improdutivas desapropriadas, à retomada de terras públicas griladas, à compra de
terras, ao reordenamento agrário, bem como à regularização fundiária.
A concepção de reforma agrária apresentada pelo governo é demasiadamen-
te ampla e contribui para confundir a sociedade e tangenciar a busca da altera-
ção da estrutura na propriedade da terra que está no cerne do conceito (o que
buscarei aprofundar no próximo capítulo). A Constituição Federal prevê que
as terras rurais que não cumprirem a função social (baseada em indicadores de
produtividade econômica, cumprimento da legislação trabalhista e ambiental)
e as terras públicas em desuso devem ser incorporadas ao Programa Nacional
de Reforma Agrária, no primeiro caso, prioritariamente, mediante processos
desapropriatórios.
A regularização fundiária é o reconhecimento do direito de posse que têm
as famílias que utilizam terras devolutas há décadas. Terras devolutas são ter-
ras pertencentes ao Estado, portanto, públicas e sua regularização não pro-
vocam alteração na estrutura da propriedade da terra, embora seja uma im-
portante garantia para permanência da condição camponesa dos posseiros.
Estudo recente demonstrou que, parte significativa das famílias computadas
na reforma agrária do governo, foi assentada na Amazônia, justamente onde
se localiza a maior quantidade de terras devolutas e de posseiros. Na prática
ocorreu, meramente, a concessão dos títulos de propriedades às famílias que,
há décadas, ocupam terras públicas. Nestes casos, portanto, não há alteração
da estrutura de propriedade, pois, o Estado somente reconhece a transferên-
cia de uma parcela das suas terras que sempre foram utilizadas por posseiros
(Oliveira, 2006).
O reordenamento agrário é o ato de beneficiar famílias em assentamentos
já existentes como forma de repor as vacâncias surgidas ao longo dos anos. A
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magnitude deste processo foi demonstrada por Fernandes (2006) que consta-
tou no período de 2003 a 2005 somente 25% das famílias assentadas em terras
desapropriadas. A maioria das famílias foi assentada em antigos e já existentes
assentamentos, em terras públicas ou em assentamentos criados em terras do
Estado. Este processo foi denominado pelo autor de autofagia, ou seja, a refor-
ma se deu, por um lado, prioritariamente sobre terras da própria reforma agrá-
ria preenchendo lotes de famílias evadidas devido à incompletude das políticas
públicas, e, sobre terras do próprio Estado. Neste contexto, os números apre-
sentados pelo governo Lula como a maior reforma agrária de todos os tempos,
não condizem com a realidade.
O próprio Ministério, em nota encaminhada ao jornal Folha de São Paulo
(2007), assumiu que houve uma “inversão” na prioridade inicialmente traçada
como meta no II PNRA, de assentar 71% das 400 mil novas famílias de forma
onerosa e 29% de forma não onerosa.8 Na prática, “40% das famílias teriam
sido assentadas por meio de obtenção onerosa e 60% via forma não onerosa.”
Ou seja, o governo assentou mais famílias em terras públicas em detrimento
da desapropriação dos latifúndios propalada como o instrumento central para
assentar famílias em reforma agrária (Ministério do Desenvolvimento Agrário,
2003b, p. 19).
Com esta inversão de prioridade, o governo esvazia o conceito de reforma
agrária, reduz o enfrentamento às terras improdutivas e àquelas que descum-
prem a legislação trabalhista e ambiental, apropriadas pela classe dos rentistas.
Neste contexto, os números da reforma agrária no governo Lula retratam o ga-
nho dos proprietários de terras.
Outro instrumento de acesso à terra para o campesinato, previsto na Meta 3
do II PNRA, o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) objetivava
atingir 130 mil famílias durante sua execução. Herdado da política agrária do
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), o governo
Lula reproduzia o discurso do governo anterior de que este instrumento é com-
plementar à reforma agrária tradicional. Se por um lado, os embates em volta
do crédito fundiário promovidos pelos movimentos socioterritoriais amornam
ou praticamente desaparecem, tendo em vista, de um lado, o apoio político-
-operacional do movimento sindical dos trabalhadores rurais e, por outro, a
prioridade dos movimentos do arco da Via Campesina de enfrentar o capital
configurado no agronegócio, os ruralistas intensificam a defesa deste instru-
mento de acesso à terra como uma alternativa pacífica e viável, como pôde ser
acompanhado durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI da
8
O assentamento de famílias de forma onerosa, segundo o governo, diz respeito a desapropriação prevista na
Constituição Federal e a compra de terras conforme previsto no Decreto 433. A forma não onerosa inclui a
utilização de terras públicas federais ou estaduais.
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9
Cf.: Lupion, Abelardo. Voto em Separado: relato dos trabalhos da CPMI “da terra”. Brasília: Congresso Nacional,
Comissão Mista Parlamentar de Inquérito “da Terra”, 2005.
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mil famílias atingidas pela Cram equivalem a 19%, do montante daquelas be-
neficiadas pela reforma agrária, representando-se como um percentual bastante
expressivo.
No tocante ao crédito fundiário, verifica-se que FHC em cinco anos (1998
a 2002), atingiu 34.648 famílias, o que representa 8,88% das famílias assenta-
das pela reforma agrária no período. Já Lula, nos sete anos que compreendem
o interstício de 2003 a 2009 atingiu 81.190 famílias com os programas de cré-
dito fundiário, o que representa 32,41% das 250.484 famílias assentadas pela
reforma agrária neste período. Não obstante, estes números revelam que além
não cumprir nenhuma das metas de ação fundiária do II PNRA, Lula expandiu
os programas de crédito fundiário no país mediante reformulação das normati-
vas, expansão dos estados parceiros, ampliação do número de famílias atingidas,
tanto em números absolutos, quanto relativos, em relação ao governo FHC.
Desde a introdução dos programas de contrarreforma agrária do Banco
Mundial no Brasil, há uma carência na disponibilização dos dados referentes
ao desempenho dos programas. Geralmente, os governos divulgam os dados
agregados, priorizando demonstrar os valores investidos e o quantitativo de fa-
mílias atingidas, por programas e unidades da federação. Isso dificulta análises
em diferentes escalas do processo de territorialização destas políticas. A fim de
superar esta limitação realizei esforço em estudo anterior (Ramos Filho, 2008)
para reunir microdados sobre a contrarreforma agrária pelo mercado, primei-
ramente no estado de Sergipe. Posteriormente, solicitei à Secretaria de Reorde-
namento Agrário (SRA) – Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF)
os microdados da implantação do crédito fundiário no Brasil, de modo que me
foram fornecidas planilhas com os microdados da contrarreforma agrária pelo
mercado no Brasil no período compreendido entre 1998 e 2004. De posse des-
tes dados e em diálogo permanente com o Banco de Dados da Luta pela Terra
(Dataluta), criei no seu interior a versão Banco de Dados da Reforma Agrária
de Mercado (BDRAM).
Em 2006, diante da necessidade deste pesquisador atualizar os dados já or-
ganizados no BDRAM, o PNCF atendeu ao pedido de fornecimento dos mi-
crodados atualizados sobre o crédito fundiário com o meu cadastramento como
leitor nacional do Sistema de Análise e Contratação (SAC) do Sistema de In-
formações Gerenciais (SIG) do PNCF, que permite acesso às informações de-
talhadas de todas as propostas tramitando no programa e daquelas já contrata-
das. Se por uma lado, possibilita acesso à informações variadas de cada uma das
propostas de contratação de financiamento e daquelas já contratadas através da
home page do programa, por outro a atualização do BDRAM tornou-se exausti-
va e morosa, uma vez que as informações necessárias (estado, município, nome
do empreendimento, número de famílias, área adquirida e data) encontram-se
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pelos agricultores de áreas pequenas, na maioria das vezes insuficiente para ga-
rantir a sobrevivência das famílias. Considere-se que da área média de 19,26
hectares, as famílias devem destinar pelo menos um ou dois hectares para edifi-
cação da habitação familiar, um a dois hectares para destinação da reserva legal,
além de áreas de acesso.
De modo que o restante torna-se bastante exíguo para o desenvolvimento
das atividades produtivas com vistas à geração das condições de sobrevivência
das famílias. Esta situação pode ser ainda mais grave se considerarmos que em
boa parte do território brasileiro, em particular nos sertões semiáridos, onde se
concentra a pobreza rural, 18 hectares é insuficiente para sobrevivência de uma
famílias formada por cinco membros.
Todavia, a área média por família na reforma agrária deve ser relativizada,
tendo em vista que boa parte das áreas incorporadas para assentamentos de re-
forma agrária estão localizadas na região norte do país, em particular na Ama-
zônia, onde as condições naturais exigem uma maior vastidão para realização
da produção. De modo que esta média não corresponde à realidade da reforma
agrária na maior parte do país.
Outra constatação, a partir da confrontação das duas políticas, demonstra
que o número de empreendimentos de contrarreforma agrária pelo mercado
(28.670) é aproximadamente 600% maior que o número de assentamentos
de reforma agrária criados no período. Isso decorre de que na reforma agrá-
ria os assentamentos criados, na maioria das vezes, por meio da luta pela ter-
ra beneficia um grande número famílias, enquanto os empreendimentos de
crédito fundiário abarcam associações de trabalhadores formadas por grupos
reduzidos, em média com 30 famílias; além do que, muitos dos empreendi-
mentos, principalmente aqueles das linhas Banco da Terra e o seu substituto
Consolidação da Agricultura Familiar serem implantados com apenas uma
família. De maneira que, nestes casos, uma família é contabilizada como um
empreendimento.
A partir dos trabalhos de campo que venho realizando nos últimos anos, é
possível inferir que a promoção da entrada na terra dos camponeses organiza-
dos em associações, com pequeno número de integrantes ou mesmo individual-
mente, dá-se em virtude das áreas adquiridas serem de tamanho reduzido, me-
nores que 15 módulos fiscais, uma estratégia de fragmentar a organização dos
camponeses em entidades reivindicatórias ou contestatórias.
Uma evidência desta condição verifica-se na proporção de aproximadamen-
te quatro vezes maior de famílias que entraram na terra a partir dos programas
de reforma agrária (459.731) confrontando com o quantitativo de famílias em
contrarreforma agrária pelo mercado (101.083) (Mapa 2). Apesar do quanti-
tativo de famílias que ingressaram na terra por meio dos dois programas nestes
76
dez anos alcançar o montante de 560.814 famílias, este número ainda é insufi-
ciente diante da enorme massa de excluídos do campo. Os processos de exclu-
são e expulsão do campo, proporcionados por diferentes processos, dentre os
quais os principais são a territorialização do agronegócio e a modernização da
agricultura são muito mais céleres e profundos que as políticas de assentamen-
tos de sem-terras e minifundiários.
MAPA 2
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Fonte: Dataluta – Banco de Dados da Luta pela Terra; BDRAM – Banco de Dados da Reforma Agrária de
Mercado; Programa Nacional de Crédito Fundiário (dados organizados pelo autor)
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As últimas décadas e este início de século têm sido marcados por intensas
transformações nas relações sociais, resultantes de céleres mudanças no desen-
volvimento socioterritorial e podem ser interpretadas como estratégias da atual
fase do sistema capitalista que objetiva expandir-se a todas as áreas do globo, de
modo implacável, intensificando o processo de globalização neoliberal. Diante
deste processo, verifica-se a importância assumida pelo conhecimento produ-
zido por think thanks que atendem as demandas por acumulação, forjam um
imaginário social voltado ao consumo, difundem um padrão de vida urbano e
permeado pela utilização da técnica mais avançada. Difunde-se, em todos os
pontos do globo, uma realidade marcada pelo desemprego estrutural, pobreza e
miséria de vastos contingentes populacionais. No caso brasileiro, o quantitativo
da exclusão atinge índices vertiginosos. Tal cenário resulta, dentre outros fato-
res, do modelo de apropriação do espaço brasileiro historicamente realizado e,
mais recentemente, a forma de inserção do Brasil no capitalismo monopolista.
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é a realidade que contribui para produção da teoria. De uma teoria que con-
tribua para o desvendamento e explicação da realidade, esse é (ou deve ser) um
movimento pertinente ao trabalho dos intelectuais. Assim, a classe resulta da
experiência humana, ou seja, é o fazer-se classe. Segundo Thompson,
(...) as classes não existem como entidades separadas que olham ao redor, acham um inimigo
de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se veem numa sociedade
estruturada de um certo modo (por meio de relações de produção fundamentalmente), su-
portam a exploração (ou buscam manter poder sobre os explorados), identificam os nós dos
interesses antagônicos, debatem-se em torno desses mesmos nós e, no curso de tal processo
de luta, descobrem a si mesmas como uma classe, vindo, pois, a fazer a descoberta da sua
consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro de-
grau de um processo histórico real (2001, p. 274).
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Segundo o site da Fetase, esta Federação “(...) foi fundada em 18 de junho de 1962, e reconhecida pelo Minis-
tério do Trabalho e Previdência Social em 11 de julho de 1963, com registro no Ministério do Trabalho – De-
legacia Regional do Trabalho em Sergipe – Processo n. 186.481/62 – Livro 02 - fls.83. Os cinco primeiros sin-
dicatos que deram origem a Fetase foram: STR de Nossa Senhora da Glória, STR de Aquidabã, STR de Simão
Dias, STR de Nossa Senhora das Dores e STR de Itaporanga d’Ajuda”. Disponível em: <www.fetase.org.br>
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A Comissão Pastoral da Terra, ligada ao setor da Igreja Católica adepto da Teoria da Libertação, foi criada em
1975, durante a ditadura militar e, desde então, vem atuando em três eixos: assalariados e melhores condições
de trabalho; com os posseiros e contra a grilagem de terras; com os sem-terra na defesa da reforma agrária, rea-
lizando e fortalecendo acampamentos, caminhadas e conquista da terra.
107
te da gênese e contribuíram para a formação do Movimento. Assim, a sua gênese não pode ser
compreendida por um momento ou por uma ação, mas por um conjunto de momentos e um
conjunto de ações que duraram um período de pelo menos quatro anos (Fernandes, 2000, p. 50).
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Bayer, Aracruz, Stora Enso, entre outras. Impedir que continuem explorando nossa natureza,
nossa força de trabalho e nosso país.
7. Exigir o fim imediato do trabalho escravo, a superexploração do trabalho e a punição dos
seus responsáveis. Todos os latifúndios que utilizam qualquer forma de trabalho escravo de-
vem ser expropriados, sem nenhuma indenização, como prevê o Projeto da Lei já aprovado
no Senado.
8. Lutar contra toda forma de violência no campo, bem como a criminalização dos Movi-
mentos Sociais. Exigir punição dos assassinos – mandantes e executores - dos lutadores e lu-
tadoras pela Reforma Agrária, que permanecem impunes e com processos parados no Poder
Judiciário.
9. Lutar por um limite máximo do tamanho da propriedade da terra. Pela demarcação de to-
das as terras indígenas e dos remanescentes quilombolas. A terra é um bem da natureza e deve
estar condicionada aos interesses do povo.
10. Lutar para que a produção dos agrocombustíveis esteja sob o controle dos camponeses e
trabalhadores rurais, como parte da policultura, com preservação do meio ambiente e buscan-
do a soberania energética de cada região.
11. Defender as sementes nativas e crioulas. Lutar contra as sementes transgênicas. Difundir
as práticas de agroecologia e técnicas agrícolas em equilíbrio com o meio ambiente. Os assen-
tamentos e comunidades rurais devem produzir prioritariamente alimentos sem agrotóxicos
para o mercado interno.
12. Defender todas as nascentes, fontes e reservatórios de água doce. A água é um bem da
Naturezae pertence à humanidade. Não pode ser propriedade privada de nenhuma empresa.
13. Preservar as matas e promover o plantio de árvores nativas e frutíferas em todas as áreas
dos assentamentos e comunidades rurais, contribuindo para preservação ambiental e na luta
contra o aquecimento global.
14. Lutar para que a classe trabalhadora tenha acesso ao ensino fundamental, escola de nível
médio e a universidade pública, gratuita e de qualidade.
15. Desenvolver diferentes formas de campanhas e programas para eliminar o analfabetismo
no meio rural e na cidade, com uma orientação pedagógica transformadora.
16. Lutar para que cada assentamento ou comunidade do interior tenha seus próprios meios
de comunicação popular, como por exemplo, rádios comunitárias e livres. Lutar pela demo-
cratização de todos os meios de comunicação da sociedade contribuindo para a formação da
consciência política e a valorização da cultura do povo.
17. Fortalecer a articulação dos movimentos sociais do campo na Via Campesina Brasil, em
todos os Estados e regiões. Construir, com todos os Movimentos Sociais a Assembleia Popular
nos municípios, regiões e estados.
18. Contribuir na construção de todos os mecanismos possíveis de integração popular Lati-
no-Americana, através da ALBA - Alternativa Bolivariana dos Povos das Américas. Exercer a
solidariedade internacional com os Povos que sofrem as agressões do império, especialmente
agora, com o povo de Cuba, Haiti, Iraque e Palestina.
Conclamamos o povo brasileiro para que se organize e lute por uma sociedade justa e igualitá-
ria, que somente será possível com a mobilização de todo o povo. As grandes transformações
são sempre obra do povo organizado. E, nós do MST, nos comprometemos a jamais esmore-
cer e lutar sempre.
Reforma agrária: Por Justiça Social e Soberania Popular!
Brasília, 16 de junho de 2007
111
Mesmo diante destes princípios e diretrizes políticas que primam pela luta
por justiça social e enfrentamento ao neoliberalismo o Movimento dos Traba-
lhadores Sem-Terra, em uma posição isolada no estado de Sergipe tem partici-
pado da política fundiária neoliberal do Banco Mundial, o Crédito Fundiário,
naquela unidade da federação. As condições, motivações e contradições advin-
das desta postura localizada e isolada debaterei mais detidamente no próximo
capítulo.
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12
Odelmo Leão Carneiro Sobrinho é produtor rural, bancário e político mineiro filiado ao Partido Progressista
(PP). Foi presidente do Sindicato Rural de Uberlândia e da Federação da Agricultura de Minas Gerais, entidade
patronal a qual foi também seu vice-presidente (<http://www.odelmoleao.com.br/trajetoria.php?q=odelmo-
leao>). Odelmo foi eleito para o seu primeiro mandato como deputado federal entre 1991-1995; neste período,
foi presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural e relator do Projeto que regulamentou a reforma
agrária. Atuando sempre como membro da bancada ruralista no Congresso Nacional, foi deputado federal
também nas seguintes legislaturas: 1995-1999, 1999-2003, 2003-2007. Em 2003 foi Secretário de Estado da
Agricultura de Minas Gerais, do governador Aécio Neves, do PSDB, quando apresentou o Programa Terras
que, segundo ele é uma “grande bolsa de arrendamento com o objetivo de incorporar novas áreas cultiváveis
à agricultura mineira contando com a parceria inclusive de empreendedores de outros estados” (Apud Costa,
2007, p. 56). Costa sintetiza outras realizações do então deputado: a) acrescentou artigo ao Código de defesa do
consumidor, compelindo as concessionárias de máquina e implementos agrícolas a manterem estoques de peças
destinadas à manutenção das primeiras; b) inclusão nas cestas básicas dos programas sociais do governo federal
do leite e seus derivados; c) estabelecimento de novos critérios para o cadastramento dos sem-terra a serem be-
neficiados com os programas de reforma agrária (Ibid., p. 56-57). Atualmente, Odelmo é prefeito da cidade de
Uberlândia – Minas Gerais para o mandato 2008-2012.
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13
A Força Sindical é uma das centrais sindicais que atuam no Brasil. Foi fundada em 8 de março de 1991, em um
Congresso realizado na cidade de São Paulo, agrupando diferentes campos ideológicos.
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9 – Devem ser garantidas as condições de sobrevivência dos assentados bem como a retirada
dos nossos nomes do Serasa e Cadin.
10 – Entendemos necessária a suspensão do Programa Nacional de Crédito Fundiário e que
sejamos incorporados na verdadeira reforma agrária.
No mesmo ano de sua criação (2005) o Maram realizou sua primeira audiên
cia com a Secretaria de Reordenamento Agrário, em Brasília. Aproveitando que
o delegado do MDA, em Minas Gerais, era um militante da APR, assim como
da influência desta entidade em Brasília, reuniram-se com os gestores do pro-
grama em nível federal, apresentando para os mesmos suas reivindicações. A
partir de então, outras reuniões foram realizadas com diferentes órgãos e a Uni-
dade Técnica Estadual. A Carta de Uberlândia foi amplamente divulgada en-
tre os mutuários, organismos públicos e autoridades parlamentares. Adotaram
como tática de ação a realização de reuniões com órgãos e elaboração de notas
políticas públicas.
Realizaram outra audiência com a SRA, em fevereiro de 2008 e, segundo
seus dirigentes, das pressões realizadas junto ao Instituto de Terras de Minas
Gerais e Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Reordenamen-
to Agrário – conquistou-se Medida Provisória n. 432, de 28 de maio de 2008,
que instituiu as condições de renegociação e individualização das dívidas e ter-
ras, bem como a regularização e recuperação dos empreendimentos do progra-
ma Cédula da Terra, Banco da Terra e Crédito Fundiário.
Neste ínterim, decidiu-se pela visita às associações de mutuários em outras
regiões do estado a fim de angariar adesão de mais mutuários; contudo, as con-
dições encontradas em outras áreas eram da mais profunda desterritorialização,
expressa no abandono das áreas e completa alienação dos mutuários, inviabili-
zando esta empreitada. Durante a finalização deste estudo, entre 2009/2010,
o Maram esforçava-se para conseguir realizar a reorganização do quadro social
das associações a fim de assegurar adesão à referida medida provisória e reali-
zar renegociação das dívidas. Além disso, alguns mutuários, geralmente aque-
les com maior inserção política nos municípios, estão conquistando vagas nos
Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, onde é possível
apropriar-se de informações em primeira mão e deliberar sobre questões impor-
tantes para este segmento do campesinato, bem como atuando na política local,
inclusive com a eleição de uma mutuária para o cargo de vereadora, no muni-
cípio de Monte Alegre de Minas.
124
Hoje, mais que nunca, não existe pensamento sem utopia. Ou então, se
nos contentarmos em constatar, em ratificar o que se tem sob os olhos, não
iremos longe, permaneceremos com os olhos fixos no real. Como se diz: seremos
realistas... mas não pensaremos! Não existe pensamento que não explore uma
possibilidade, que não tente encontrar uma orientação
125
governos ao início de cada período, uma vez que sempre o número de famílias
atingidas ficou abaixo do programado.
No intuito de promover o monitoramento do processo de implantação e con-
solidação dos empreendimentos do Programa Nacional de Crédito Fundiário,
como parte das exigências do Banco Mundial de implementar, sistematicamente,
mecanismos avaliativos e de controle dos empreendimentos e políticas públicas
implantadas com recursos financeiros advindos desta instituição financeira supra-
nacional, o Banco e os gestores constroem territórios imateriais, como avaliações
acadêmicas de sua implantação. Destaco aqui o último estudo divulgado pelo
governo, no qual o engenheiro agrônomo e professor Dr. Gerd Sparovek, da Uni-
versidade de São Paulo/Escola Superior Luiz de Queiroz (Esalq), realizou pesqui-
sa entre 2003 e 2006, em um conjunto de empreendimentos de crédito fundiário
de combate à pobreza rural (CF-CPR) nos estados nordestinos, com apoio finan-
ceiro do Instituto Americano de Cooperação para Agricultura (IICA). Dentre os
resultados, destaca-se a avaliação da eficácia sobre a redução da pobreza:
Em três anos, boa parte dos beneficiários superou a renda dos critérios de focalização do CF-
-CPR [que possuía renda anual de até R$ 4.800,00 e patrimônio máximo até R$ 9.000,00,
sem contar a casa de moradia da família], isto é, deixou de ser pobre [grifos meus]. O aumento
da renda ocorreu por efeitos intrínsecos ao CF-CPR (aumento da produção agrícola decorrente
do acesso à terra e aos meios de produção), efeitos secundários mas relacionados ao CF-CPR
(salários e diárias, decorrentes da maior estabilidade familiar) e externos (programas de transfe-
rência de renda, pensões, aposentadorias e outras fontes não agrícolas) (Sparovek, 2006, p. 65).
Neste estudo, considera-se a renda das famílias formada pela soma de: renda
agrícola de autoconsumo, renda agrícola advinda da comercialização da produ-
ção no mercado, renda de trabalho fora da propriedade (salários e diárias), apo-
sentadorias ou pensões, renda de programas de transferência de renda, venda de
produtos não agrícolas ou aluguel de máquinas e doações. Constatou-se, entre
2003 e 2005, uma elevação na renda familiar de R$1.656,00 para R$ 4.064,00
por ano, o que representa uma média de R$ 338,00/mês.
Apesar da elevação de renda em torno de 145%, apenas para fins de exem-
plificação do patamar deste rendimento e sem ignorar a especificidade das ren-
das agrícolas de autoconsumo, registre-se que o salário mínimo, instituído em
1º de maio de 2005, era de R$ 300,00 (trezentos reais). De forma que os mu-
tuários alcançaram com esta elevação na renda mensal um patamar superior
ao salário mínimo. Porém, para o Departamento Intersindical de Estatísticas
Econômica e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessá-
rio14 deveria atingir R$ 1.588,80/mês, ou seja, mesmo diante de uma elevação
14
Salário mínimo de acordo com o preceito constitucional “salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saú-
de, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado, periodicamente, de modo a preservar o po-
126
considerável dos rendimentos dos mutuários na Cram, não houve, sequer, uma
aproximação da eliminação de pobreza, como sugere o relatório.
O conceito de pobreza adotado por este think tank e, consequentemente, a
defesa de que os sujeitos saíram da pobreza, é unidimensional e limita-se à men-
suração do valor monetário produzido após a entrada na terra, cujo patamar
supera o mísero salário mínimo aplicado no Brasil. Deve-se considerar que esta
elevação ocorreu, em parte, com marcante participação das atividades externas
ao projeto produtivo, seja sobre a forma de proletarização de membros das fa-
mílias sob a forma de trabalhadores volantes, seja pelo acesso dos idosos a bene-
fícios previdenciários, seja pela maior abrangência das políticas compensatórias,
como o programa assistencialista de transferência de renda Bolsa Família15. As
reflexões do estudo da Esalq parecem, a partir da mensuração da transformação
da renda dos indivíduos, demonstrar resultados positivos no alívio da pobreza e
aquisição da capacidade de quitação da dívida contraída junto aos bancos.
Contudo, diferentes estudos realizados nos últimos anos me levam ao ques-
tionamento de eficácia da saída dos sujeitos da pobreza tendo em vista que, em
muitos dos casos, a geração de renda viabilizada unicamente pelo trabalhado
desenvolvido nos empreendimentos ou com a combinação de diferentes ativi-
dades produtivas como o assalariamento temporário, as pensões previdenciárias
etc., não têm sido suficientes para manter a sobrevivência das famílias com dig-
nidade e ainda sem a geração de um excedente que possibilite o pagamento das
anuidades da compra da terra ou dos créditos agrícolas. Muitas vezes as famílias
têm demonstrado uma extrema necessidade e dependência dos programas assis-
tencialistas de combate à pobreza, como o já mencionado Bolsa Família.
A fim de melhor demonstrar e apreender esta realidade discuto, neste capí-
tulo, os processos e condições de criação e recriação do campesinato, em dois
estados brasileiros: Sergipe, localizado na região Nordeste, e Minas Gerais,
situado na região Sudeste, que configura-se como uma das unidades da federa-
ção mais importantes no setor da agropecuária comercial e agroindústria.
Busco compreender o movimento dialético de subordinação e resistência do
campesinato de empreendimentos selecionados de contrarreforma agrária de
mercado, nos quais os camponeses estão organizados nos movimentos socioter-
ritoriais: Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Sergipe (Fetase), ligada
à Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag); o Movimento dos
der aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim” (Constituição da República Federativa do Brasil, capítulo
II, Dos Direitos Sociais, artigo 7º, inciso IV). O Dieese considera, em cada mês, o maior valor da ração essencial
das localidades pesquisadas. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o
equivalente a um adulto. Ponderando-se o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário.
15
Bolsa família é um programa de transferência de renda direta do governo com o objetivo de aliviar a extrema
pobreza. Transfere mensalmente para as famílias em extrema pobreza, ou aquelas em situação de pobreza que
mantém os filhos frequentando a escola, valores em variam de R$ 22,00 a R$ 200,00.
127
Com área territorial de quase 22 mil km2, Sergipe se configura como a uni-
dade da federação de menor dimensão territorial, o que implica a necessidade de
delimitação de uma classificação dos estratos de área dos estabelecimentos agro-
pecuários. São considerados pequenos estabelecimentos aqueles com área entre
menos de 1 hectare a menos de 100 hectares, médios os estabelecimentos de 100
128
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Historicamente o governo estadual tem sido controlado pelo grupo dos ca-
pitalistas do campo e da cidade. Em 1995 assume o governo de Sergipe Albano
do Prado Pimentel Franco, sucessor do governador João Alves Filho16. Enquanto
16
João Alves Filho é construtor e político sergipano. Foi prefeito de Aracaju de 1974-1977, durante a ditadura
militar. Foi governador eleito governador de Sergipe para o mandato 1982-1987, em 1987 assumiu o cargo de
Ministro do Interior do governo de José Sarney. Exerceu outros mandatos de governador de Sergipe pelo an-
tigo Partido da Frente Liberal (PFL) entre 1991-1994 e 2003-2006. Nas eleições de 2007, quando disputava
o quarto mandato perdeu as eleições por sete pontos percentuais para o ex-prefeito Marcelo Déda. João Alves
Filho representa um dos campos mais conservadores da política sergipana, tem como marca dos seus governos
as políticas assistenciais para os pobres e os mega-projetos de desenvolvimento que atendem diretamente os in-
teresses do capital monopolista em Sergipe.
130
este último manteve uma postura truculenta no trato com os movimentos cam-
poneses, Albano decide abrandar a relação com os movimentos socioterritoriais
camponeses, especificamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), principal agente na ocupação de terras. O mecanismo encontrado para
tanto foi a transformação do paradigma da Segurança Pública, cujo secretário
Wellington Mangueira, ex-perseguido pela ditadura militar, criou uma agência de
negociação de conflitos e buscou a construção de uma polícia cidadã. No campo,
substitui-se a truculência praticada pelo governo anterior, que diante das limi-
nares de reintegração de posse praticava a queima dos barracos das famílias, pela
prática do diálogo com os movimentos socioterritoriais em luta.
Se por um lado o abrandamento no tratamento dos conflitos agradou aos
movimentos socioterritoriais, em particular o MST, possibilitando a fortaleci-
mento dos mecanismos de resistência dos trabalhadores, por outro, a postura
do então governador no que tange ao tratamento da questão fundiária demons-
tra-se ambígua, pois foi no seu segundo mandato consecutivo que este repre-
sentante local da política neoliberal do PSDB, em curso em âmbito federal sob
o comando o presidente FHC, que foram introduzidas no estado as políticas
fundiárias de compra e venda de terras arquitetadas pelo Banco Mundial, me-
diante a introdução, em 2001, do Programa Banco da Terra (BT).
A partir de então, a criação e recriação do campesinato, realizada por suas
próprias lutas de resistência, deixou de ser a única forma de entrada na terra no
período recente. A desigualdade na distribuição fundiária e os processos de ex-
pulsão decorrentes dos projetos de modernização da agricultura conduziram à
formação de milhares de excluídos, difícil de precisar seu quantitativo, de modo
que uma parte destes pode ser verificada nos milhares de trabalhadores que se
reúnem sob as lonas das ocupações e acampamentos de sem-terra. Outra parte
significativa é de mutuários, posseiros, meeiros, desempregados etc.
Os dados das ocupações, representados no Gráfico 2, comprovam a enorme
pressão popular para entrar na terra e me permitem inferir que as ações do go-
vernador Albano Franco, no tocante à questão agrária estadual, foram motivadas
pela intensificação da luta popular no campo. Astutamente, percebeu-se que a
continuidade da repressão aos trabalhadores em luta, provocaria maior resistên-
cia destes e intensificação da violência por parte dos ruralistas. Esta era uma fase
de amplo apoio e legitimidade conferida pela sociedade ao MST e o agravamen-
to da violência poderia comprometer a popularidade do próprio governo. Na
contramão, estavam os ruralistas que exigiam do governador a proteção da pro-
priedade privada. A fim de contemplar este setor, Albano, ao invés de construir
as condições institucionais para criação de um Instituto de Terras e um programa
estadual de reforma agrária, preferiu desenvolver ações de contrarreforma agrá-
ria, criando condições políticas para introdução do Banco da Terra. Enquanto os
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trabalhadores eram tratados nos conflitos fundiários por uma segurança públi-
ca cidadã, consolidava-se um arranjo institucional favorável à Cram que, pouco
tempo depois, passaria a contribuir com a desarticulação da própria luta pela
terra, sem a necessidade de interpor o aparato da segurança pública do Estado a
serviço dos interesses dos ruralistas, conforme demonstrarei a seguir.
Pode-se constatar que a luta pela terra, mediante a realização das ocupações,
está presente em todo o período analisado. Estabelecendo relação com as fa-
mílias em assentamentos de reforma agrária, verifica-se que a permanência das
ocupações garante a conquista de áreas de reforma agrária. Porém, há que con-
siderar que os assentamentos criados em um determinado ano, na maioria dos
casos resultaram de lutas implementadas em anos e até mesmo décadas, ante-
riores. De forma que a intensificação das famílias em ocupações não repercute
diretamente no número de famílias assentadas no mesmo ano, mas sim em anos
e períodos seguintes, sempre em quantitativo inferiores ao número de trabalha-
dores envolvidos na luta pela terra, onde a exclusão é muito maior que os pro-
cessos de inclusão possibilitados pela reforma agrária.
Outro processo a ser constatado no gráfico é que o número de famílias em
ocupações de terras apresenta uma tendência crescente até o ano de 2004 e forte
declínio a partir de 2005, não se recuperando mais desta situação até a atuali-
dade. A ascensão das ocupações atravessou a tratamento brando conferido pela
polícia cidadã do governo Albano, o retorno da truculência e criminalização dos
movimentos socioterritoriais camponeses, por outro mandado de João Alves
Filho (2004-2006). Mas reduziu-se brutalmente a partir do ano 2006, quando
inicia o mandado do governador Marcelo Chagas Déda, do Partido dos Tra-
balhadores e aliado histórico dos sem-terra e movimentos populares. O arre-
fecimento das ocupações de terras no estado repercute decisivamente sobre o
desempenho das famílias assentadas em reforma agrária, especialmente a partir
dos pífios resultados obtidos a partir de 2006.
Somente um estudo mais detido sobre esta questão poderá produzir análi-
ses seguras sobre este processo. Contudo, ouso, neste texto, levantar algumas
ilações sobre a questão apontada. Primeiramente, a tendência de declínio de
famílias assentadas entre 2000, 2001 e 2002 deve ser compreendida como um
momento de forte criminalização dos movimentos socioterritoriais camponeses
pelo governo federal e tentativas de difusão da contrarreforma agrária de mer-
cado por todo o país. Entre 2003 e 2004, é período de início do primeiro man-
dato do governo Lula, que inicia um processo de recuperação da capacidade de
trabalho do órgão encarregado da reforma agrária no país, o Incra, mediante
concursos públicos e aquisição de equipamentos, além da corrida do governo
para atingir de qualquer modo as metas da II PNRA. O ano de 2007 é marcado
pela paralisação temporária do órgão, em virtude de uma greve dos servidores
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Pode-se inferir que a Cram, em que pese os descumprimentos das metas dos
governos estaduais para implantação das linhas de crédito fundiário (quer seja
pelo mal uso dos recursos, pela elevação do preço da terra e/ou pela dificuldade de
qualificação dos proponentes), avança rapidamente em Sergipe a contrarreforma
agrária de mercado. Em que pese ainda vigorar a reforma agrária como principal
instrumento de acesso à terra, a Cram em menos de uma década atingiu 38% das
famílias que entraram na terra no período em análise, em 33% da área redistribuí-
da e utilizando quase a metade dos recursos despendidos na aquisição de terras no
estado. Este feito ocorreu com um dispêndio de recursos por família mais elevado
na Cram que na RA. Verifique-se o valor médio por hectares pago na Cram girou
em torno de R$ 1.127,68 e na RA foi de R$ 563,23.
Além dos valores de venda de terras praticados na Cram apresentarem pata-
mares 50% mais elevados que os praticados na RA, há que enfatizar que o primei-
ro instrumento realiza o pagamento à vista e em dinheiro para os proprietários,
enquanto na reforma agrária os proprietários recebem indenização em Títulos da
Dívida Agrária, resgatáveis em até 20 anos. Diante deste dado, o argumento dos
causídicos da Cram de que o funcionamento do mercado de terras e a suposta
igualdade entre camponeses e proprietários na negociação dos preços das opera-
ções imobiliárias barateariam os custos da reforma agrária vai por água abaixo, ao
menos na escala local de Sergipe. Estes dados me fazem crer, ainda mais, que uma
baixa dos preços da terra nos processos de reforma agrária somente ocorrerão no
campo da luta popular e não no campo das leis de mercado.
Além da aquisição de terras na Cram apresentar um custo 50% mais elevado
que a RA em Sergipe, verifica-se que o número de famílias é também inferior que
a RA, representando 38% das famílias que entraram na terra, no período, con-
forme demonstrei acima. Como se diz no sábio ditado popular: para bom enten-
dedor, meia palavra basta, é possível resumir esta situação assim: A Cram, embo-
ra célere em seu processo de territorialização, atinge quase 50% menos famílias,
com um custo na aquisição de terras 50% mais alto que a reforma agrária. Esta é
outra condição que pode exemplificar a ação da contrarreforma agrária, ao favo-
recer diretamente o capital rentista, que incorpora os pagamentos da terra à vista
e em espécie.
Mas outra preocupação que trago, diante destes dados, recai sobre os dois pro-
gramas em curso e diz respeito a área média atribuída por família. A área média
destinada a cada família beneficiada na RA tem sido de 16,61 hectares e de 13,16
hectares nos programas de Cram, dimensões bem abaixo do módulo fiscal prati-
cado em Sergipe, conforme apresentado acima. Desta área média por família de-
ve-se, ainda, ser debitado alguns hectares referentes às áreas de proteção ambien-
tal permanente, estradas, cursos d’água, áreas destinadas à moradia e convivência
comunitária etc. de modo que o lote produtivo é ainda menor. Os dois progra-
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Os Planos Operativos Anuais (POA) são documentos de planejamento e/ou avaliação, balanço das atividades,
metas e custos de implantação desta política elaborados a cada ano. Solicitei à Empresa de Desenvolvimento Sus-
tentável de Sergipe, em 10 de setembro de 2009, os POA de 2008 e 2009, os dados referentes à amortização das
anuidades por parte dos mutuários, bem como as adesões às medidas de renegociação das dívidas previstas na MP
432/2008; contudo, até a finalização deste texto, em fevereiro de 2010, os dados não me foram fornecidos.
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Embora as casas não tivessem sido contempladas com eletrificação, água en-
canada ou até mesmo cisternas, o projeto foi dado por implantado. Em seguida,
as famílias acessaram, cada qual, aproximadamente sete mil reais pelo crédito
agrícola Pronaf-A, destinados à compra de duas vacas, 10 ovelhas e um repro-
dutor como principal investimento destinado à geração de renda. Como com-
plemento, foi incentivado pelo técnico agrícola a implantação de uma roça de
mandioca, juntamente com uma pequena lavoura de autoconsumo. Somava-
-se a expectativa de exploração de uma balança embarcadeira bovina, comprada
como benfeitoria da Fazenda Fabiana. Como o imóvel se encontra situado em
uma zona pecuarista, na qual há diversas transações de compra e venda de gado,
esperava-se gerar significativa renda com a prestação de serviços de pesagem do
gado, voltada aos pecuaristas e abatedouros.
Devido às limitações do solo, segundo a comunidade, a lavoura de man-
dioca não vingou levando as famílias ao endividamento com o banco em face
do crédito agrícola. Outra condição que agrava a falência do projeto produtivo
para além da inadequação da assistência técnica é o relato da ocorrência de cor-
rupção na distribuição dos recursos no momento de implantação dos projetos
produtivos e solicitação de propinas para encaminhar documentos.
Porque no início aqui foi muita coisa irregular! Não vale a pena nem a gente comentar. Que
foi muita coisa irregular aqui no início foi. Foi! Eu mesmo era pra pegar dez ovelhas e um
reprodutor, e eu fui dar fé que eu tinha sido lesado, pra não dizer outra palavra, com mais de
ano! Com mais de ano foi que veio uma cobrança pra mim (...) o rendimento das suas ovelhas.
Eu dei a quantidade das ovelhas que tinha, né. Aí só faltou o reprodutor. Por que o reprodu-
tor, ainda hoje eu tô com o carneiro do lugar do véio meu pai. Aí disse: ‘Não. O carneiro era
pra tá no meio’. E eu fui o presidente que assumiu na época aí falei: Agora, depois de mais de
ano que o senhor vem atrás desse reprodutor, Seu Zé? Que dizer que foi uma irregularidade
que não devia usar com a gente aqui, né. Porque além de umas, outras. Além de a gente com-
prar a fazenda já caríssima, ainda ter que pagar propina naquilo que num devia ter. Porque as
vaca a gente comprou mais teve que pagar! Dizia assim: ‘Ói! A gente só libera o dinheiro lá
no banco se o senhor me der cinqüenta reais’. Então é irregularidade ou não é? Muitos...Isso
aí num foi só eu não que passou por isso. Eu perdi um carneiro, que era pra ser reprodutor, e
perdi cinqüenta reais ou foi cem das vaca. Diz: ‘Não, o senhor pode pegar amanhã, bem cedo,
o dinheiro lá no banco. Agora, só se o senhor me der cinqüenta reais’. E a gente já tava apiado
no dizer da estória. (Entrevista Simão 01, Simão Dias, 2009).
Também a implantação do sistema pecuário, já no primeiro ano, amargou
perdas no rebanho em virtude de problemas ambientais e de execução. A li-
beração do crédito destinou a compra de pequeno rebanho antes mesmo dos
agricultores formarem pastos ou condição de adquirir ração para alimentar os
animais. Diante da primeira seca esgotou-se a pastagem, conduzindo à perda
gradativa do rebanho. Em outro período da implantação do projeto, o excesso
de chuvas destruiu a estrada interna do imóvel que dá acesso à balança embar-
cadeira, tornando-a inacessível para veículos automotores. Diante dos sucessi-
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dentre as áreas visitadas, a menor parte das associações de mutuários foi criada
em função da atuação do Sindicato de Trabalhadores Rurais ou da Fetase. A
fundação das associações tem sido articulada e estimulada, com maior frequên
cia, por atores políticos como líderes comunitários locais (que podem conver-
ter-se em vereadores com apoio das respectivas associações) e por atuação de
corretores fundiários que atentem aos interesses dos fazendeiros.
Em geral, no primeiro caso, ou seja, quando criadas por lideranças comuni-
tárias, a criação ocorre no interior de outra associação pré-existente, que, geral-
mente, mobiliza as famílias na comunidade de atuação. Quando o número de
famílias, por algum problema, não atinge o quantitativo mínimo para comprar
uma dada propriedade, os convites são estendidos para as comunidades dos po-
voados adjacentes. É comum, nessa forma de mobilização, a formação de novas
associações compostas por grande número de parentes e/ou relações de compa-
drio. Esta composição pode ser potencial para o desenvolvimento das atividades
no empreendimento.
A criação das associações também pode ser fomentada por agente externo
a comunidade e ligado ao fazendeiro. Verifica-se que quando uma associação é
criada por outra pré-existente, mesmo que haja um fortalecimento do persona-
lismo dos respectivos presidentes, há uma menor possibilidade de intervenção
dos agentes imobiliários que realizam a intermediação entre os fazendeiros inte-
ressados em vender as terras e os trabalhadores rurais. Em ambas as origens, são
realizadas reuniões com a Empresa do Desenvolvimento Sustentável de Sergipe
(Pronese), cujo objetivo é a qualificação dos candidatos para o acesso aos crédi-
tos. O conteúdo das reuniões realizadas pelos líderes comunitários, corretores
fundiários ou gestores do programa é centrado nos procedimentos financeiro-
burocráticos, necessários à qualificação das propostas e liberação dos financia-
mentos. Não há reflexão sobre as condições materiais das famílias, sobre suas
realidades, seus dilemas. Visa unicamente forjar nos trabalhadores uma decisão
de ingresso no Programa. Estas são algumas das formas e relações que pode as-
sumir o espaço da subalternidade.
Os gestores do programa podem promover, ainda, outros eventos voltados
a difundir a concepção do programa, angariar apoios estruturantes que garan-
tam a sua territorialização. Entre maio e junho de 2002, a Pronese realizou qua-
tro seminários regionais para difundir a implantação e a execução do Crédito
Fundiário no estado, em diferentes localidades a saber: em Salgado, na porção
centro-sul do estado, Itabaiana, na zona do agreste; em Nossa Senhora da Gló-
ria, cidade polarizadora do alto sertão sergipano e em Propriá, no vale do São
Francisco. Participaram destes: lideranças de trabalhadores rurais, membros dos
Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) e se-
cretários municipais de Agricultura do Estado de Sergipe (Nead, 2002).
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O Grupo José Augusto Vieira, também conhecido como Grupo Maratá, nasceu na década de 1970, quando
seu fundador, José Augusto Vieira, dedicava-se à comercialização de fumo, produzido nos estados de Sergipe e
Alagoas. Ampliando sua atuação, ainda nesta década, dedicou-se à agropecuária e deu os primeiros passos no
ramo da torrefação de café. Hoje, o Grupo José Augusto Vieira é um conglomerado de empresas de sucesso, que
abrange desde o comércio de café (situa-se entre os maiores torrefadores do Brasil, segundo o ranking da Abic),
fumo, sucos naturais concentrados, aguardentes, agropecuária, fábrica de plásticos, até automóveis. Atuando
também no âmbito social, o grupo mantém a Fundação José Augusto Vieira, a qual recebe crianças carentes
de Lagarto e adjacências, proporcionando-lhes educação, saúde e iniciação à profissionalização. Disponível em:
<http://linux.alfamaweb.com.br/marata/new/empresa.php>. Acesso: 15 abr. 2008.
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Este tipo de investimento era mais elevado que a própria remuneração pro-
porcionada pela venda do leite aos laticínios da região. Diante desta situação, é
muito comum o relato de mutuários que tiveram de vender um animal a fim de
alimentar o restante do rebanho, até findar todo o plantel neste processo auto-
fágico. Diante da inexistência das condições para alimentar o rebanho, os agri-
cultores veem-se obrigados à utilização da área de reserva permanente de caa-
tinga como pasto para alimentação destes (Figura 13). Este é um grande dilema
para os camponeses que, vivenciando um cotidiano de escassez dos recursos ne-
cessários à sua subsistência, e para a garantia das condições de sobrevivência do
seu rebanho, tem que optar entre cumprir a legislação ambiental ou ver morrer
de fome todos os animais. Isso tudo atesta que qualquer política, plano ou ação
de preservação ambiental somente terá eficácia se o homem tiver suas necessida-
des multidimensionais atendidas, conforme aportou Diegues (1996).
Em todas as visitas que realizei na área (2005, 2007 e 2010), encontrei recla-
mações dos mutuários sobre a exiguidade dos lotes familiares e sua inviabilidade
para garantir as condições de subsistência sequer do grupo doméstico, exigindo
que um ou mais membros buscassem, permanentemente, trabalho assalariado
nas fazendas do entorno, na maioria das vezes sem sucesso. Decorrente des-
ta situação, encontrei a substituição de 12 mutuários. Enquanto os primeiros
atingidos decidiam voltar às condições de sobrevivência anterior, isto é, apenas
assalariando-se nas fazendas, outros sem terras pobres decidiam pela compra da
dívida dos mutuários como forma de alimentar o sonho da transformação das
suas realidades.
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O campo sergipano vem passando, nas últimas décadas, por um processo de in-
tensificação da modernização da agricultura em cujo bojo encontra-se a amplia-
ção da mecanização, utilização em larga escala de insumos e defensivos químicos,
implantação de projetos de irrigação destinados aos grupos capitalistas urbanos e
rurais, incentivos à implantação e modernização de agroindústrias em diferentes
setores, dentre os quais se destaca mais recentemente a recuperação do setor açu-
careiro, e realização de investimos na atualização do seu parque produtivo para
a produção de álcool combustível. Este processo tem provocado o aumento do
desemprego estrutural no campo, a exclusão e expulsão da terra, ampliação da po-
breza e a miséria no campo e nas cidades. É preciso registrar que, muitas vezes, os
estímulos a este modelo de desenvolvimento ocorrem através da ação estatal.
Frente à ampliação das desigualdades sociais decorrentes deste modelo de
desenvolvimento capitalista no campo sergipano, forjam-se as condições neces-
sárias para a organização e mobilização dos trabalhadores, bem como a criação
de novos atores sociais que passam a contribuir com a implementação da luta
social reivindicatória por direitos e contestatória do modelo de desenvolvimen-
to hegemônico.
Neste contexto, surge em Sergipe, no ano de 1985, o Movimento dos Tra-
balhadores Rurais Sem-Terra (MST). Os anos de gestação do MST em Sergi-
pe foram marcados por uma atuação localizada no Alto Sertão Sergipano e no
Baixo São Francisco, na qual se buscava realizar ações conjuntas com a Igreja
Católica, por meio da Diocese de Propriá. Gradativamente, o MST vai se dis-
tanciando da Diocese e construindo ocupações que culminam, em 1990, em
seu processo de territorialização por todo o estado, o que lhe confere a condição
de principal interlocutor dos sem-terra, bem como o maior e mais combativo
movimento social.
Desde a sua gestação à territorialização, diferentes táticas de luta têm sido
construídas, como a realização de caminhadas, marchas, ocupações de prédios
públicos, acampamentos no campo e na cidade e, mais recentemente, a reali-
zação de ações solidárias (a exemplo dos mutirões de distribuição de sangue e
leite materno). Todavia, a tática que mais impacto tem causado na pressão pela
reforma agrária é a ocupação de terras.
Com o advento das medidas provisórias de criminalização da luta pela terra,
promulgadas pelo governo FHC, as ocupações cederam lugar às manifestações
na frente dos imóveis reivindicados para reforma agrária, que seguem com a
edificação de acampamentos rurais nas margens das rodovias, na entrada das
fazendas ou em outros locais de visibilidade pública. Tais lutas, além da reforma
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Manoel Dionízio da Cruz foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Poço Redondo e importante
líder das lutas camponesas no Alto Sertão Sergipano durante a década de 1980, com destaque para a ocupação
da Fazenda Barra da Onça, em Poço Redondo.
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O Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Barra da Onça, localizado no município de Poço Redondo,
resulta da desapropriação da fazenda de mesmo nome realizada em 27 de junho de 1986. A conquista das terras
deste latifúndio resulta do processo de ocupação desencadeado no ano de 1985, por dezenas de famílias orga-
nizadas pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Poço Redondo, Porto da Folha, Nossa Senhora da Glória,
com apoio da Diocese de Propriá e Comitê de apoio à luta dos trabalhadores rurais de Sergipe. Com um total
de 6.261 hectares, até a atualidade, é o maior assentamento em área territorial já criado em Sergipe, benefician-
do 211 famílias. Cf. Silva, Rosemiro Magno e Lopes, Eliano Sérgio Azevedo, 1996. Conflitos de terra e reforma
agrária em Sergipe. Aracaju: Adufs. Lopes, Eliano Sérgio, 1989. A reforma agrária em Sergipe: estudo sobre a luta
pela terra, condições de trabalho e vida dos assentados da Barra da Onça. Aracaju: mimeo.
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cava perto da estrada, né, no alto que tem por aí, pra conseguir se via algum movimento de
carro de polícia. De certo jeito que eles desceram um pouquinho distante aqui, uns 2 ou 3
quilômetros. A noite eles estavam debaixo de uma quixabeira no beiço do rio, fora da água,
né. Aí o pessoal se assustaram, né. A pessoa quando anda com medo qualquer coisa se assusta.
O quê que eles fizeram? Tem um... o beiço do rio é cheio de calumbi, é um mato que ele é
daqui da água mesmo, do beiço do rio. Até que ele protege muito a margem do rio ele segura
muito a erosão da água. Mas que é cheio de espinho, tem muito aqui ainda. Eles passaram a
noite com água aqui pelo pescoço, pra não sair. (...)
Tinha um rapaz na época que era um pouco jovem, aí eles vieram aqui, mandou esse rapaz
vim aqui, pediram uma canoinha, um barquinho daqueles pra botar eles do outro lado, em
Alagoas. Repare o sofrimento que o pessoal passava com medo! Foram pra Alagoas, aí Durval
Rodrigues Góes mandou um recado não mandou recado. Eles foram lá falar com Durval, que
ele era amigo do governador para ver se ele conseguia. Ele disse: ‘Rapaz! A coisa tá feia pra vo-
cês, e é ordem para vocês serem preso mesmo!’ Aí foi que os home endoidaram mesmo. Aí vol-
taram pra caatinga. Isso foi mais de mês, dentro da caatinga! Quem tinha coragem ria, quem
não tinha começava a chorar. Até que eles conseguiram através da justiça engavetar o processo
deles. E a terra nada. Perderam! (Entrevista Poço Redondo 01, Poço Redondo, 2009).
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O que eles discutia era o seguinte: o que podia acontecer de bom e o que podia acontecer de
ruim. O que mais nóis discutia era força de vontade, a coragem pra lutar, um pedaço de chão
que era o que mais a gente tinha vontade, como hoje a gente conseguimos. E casa que a gente
não tinha, as pessoas não tinham, escola, essas coisas. Era o que a gente mais discutia era isso.
Não deixamo, que a gente também ia sofrer, ia demorar, porquê essas coisa demorava mesmo
(Entrevista Poço Redondo 01, Poço Redondo, 2009).
Dois meses após da edificação do acampamento, o proprietário obteve, no
Judiciário, uma medida liminar de reintegração de posse, sendo as famílias des-
pejadas da fazenda em litígio por ação da polícia militar, sendo as roças de arroz
e milho plantadas pelas famílias destruídas por tratores. Porém, como habita-
vam vizinho ao imóvel, sempre estavam na área reatualizando a luta pela terra,
reconstruindo o acampamento e insistindo no desenvolvimento de cultivos na
terra reivindicada.
Então passamos ai dentro em torno de um mês, dois meses, depois veio a polícia pediram para
gente sair, retirar de vez, a gente saímos. Já tinha plantado essa área aqui, tinham plantado
tudo, os trator vieram e passaram por cima mas, sem problema nenhum, ninguém foi brigar
com a polícia. Só veio a ordem pra gente sair, a gente saiu. Se acampamos onde hoje é o fundo
dessas casas. Tinha minha casa que ficava há 100 metros do barraco de lona, mas toda noite a
gente dormia ali. E a polícia sempre vinha, sempre vinha, que a gente também não deixava de
tá aí dentro mexendo em alguma coisa. Eles arracavam um pé de milho aqui, a gente plantava
outro ali na frente. A polícia vinha de novo. Até que uma das vezes a ex-primeira dama do es-
tado, que era Leonor Barreto Franco, ela veio aqui na casa que hoje é de um cunhado meu, de
uma irmã minha, mora ali. Ela chegou lá dentro, a casa tava até em construção, ela disse que
a partir daquele dia a polícia não viria mais aqui. E foi provado isso, a polícia não veio mais e
daí pra cá comecemos as negociação, junto com o MST mesmo. Esse nunca nos abandonou!
(Entrevista Poço Redondo 01, Poço Redondo, 2009).
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o sonho das famílias. Decidiram que o sonho deveria ser alcançado de modo a
garantir sua permanência no local em que nasceram e cresceram. Buscavam a
preservação das raízes deixadas pelos ancestrais. Almejava-se ampliar a exígua
área territorial do povoado com a incorporação de terras agricultáveis que nun-
ca haviam possuído até então. A decisão foi de negociar a compra dos dois imó-
veis pelo Programa Banco da Terra. O MST, mesmo que contrariado nas suas
diretrizes, acatou a decisão da comunidade e seguiu conferindo apoio ao grupo
que manteve a ocupação da fazenda.
Passaram, então, à formação da associação de trabalhadores com vistas ao in-
gresso no Banco da Terra. O MST auxiliou também neste processo, bem como
na negociação do preço e compra das fazendas até o processo de implantação do
empreendimento. Durante a fase de negociação da compra, descobriram que
cada imóvel somente poderia ser comprado por uma associação composta por
no máximo 30 famílias, criando novo impasse já que eram ao todo 64 famílias
reivindicantes. As relações de parentesco e a vivência na luta pela terra contri-
buíram para o fortalecimento da solidariedade entre as famílias.
Decidiram sobre o prosseguimento das negociações e fundação de dois agru-
pamentos: a Associação Nossa Senhora do Rosário, com 32 membros, e a Co-
lônia de Pescadores Z 10 de Poço Redondo, também com 32 membros. Após
a aprovação destas pelo órgão gestor do programa realizaram a tomada de em-
préstimos em nome de 60 famílias que se converteram em mutuárias. No mo-
mento de implantação do projeto, demarcação dos lotes, construção das mora-
dias etc., realizaram a divisão igualitária dos lotes e recursos acessados entre as
64 famílias que participaram da luta. Mesmo que as 4 famílias excedentes não
tivessem nenhum tipo de contratualidade legal junto aos bancos, registraram
em ata de reunião das Associações criadas que as famílias excedentes assumiriam
os compromissos financeiros como um mutuário regular.
O caso das famílias do Povoado Bonsucesso comprando a Fazenda Várzea foi
o primeiro envolvimento do MST de Sergipe com a compra de terras pelo Banco
da Terra. A organização atuou nesta luta como mediadora junto à uma comuni-
dade ribeirinha que demandava se (re)territorializar, e, esclarecida da situação e
dilemas do referido programa, decidiram livremente pelo ingresso no programa
de terras. Portanto, este caso não se configura como uma ação deliberada do MST
de adesão à política fundiária neoliberal. Mesmo assim, a organização, até a atu-
alidade, reconhece os mutuários daquela localidade como sua base no Banco da
Terra. Por sua vez, os mutuários não se apresentam como membros do MST, mas
reconhecem a importância da interlocução com este movimento socioterritorial
nos momentos de necessidades.
Para as famílias, a possibilidade de entrar na terra tão sonhada, iniciar
os plantios e obter suas casas para moradia gerou um grande anseio coleti-
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Só perdeu mesmo foi a parte de casas, de animais...foi o da gente! A parte que era pra ser da
gente mesmo, sem ser a terra, essa a gente perdeu porque o tempo que foi elaborado o projeto,
para gente conseguir, o que valia R$ 300,00 a gente comprou por R$ 800,00, R$ 1.000,00.
Aí a gente perdeu muito, que era pra gente ter mais coisas ainda (Entrevista Poço Redondo
01, Poço Redondo, 2009).
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ela veio aqui: ‘pode comprar que vai.’ Uns comprou, eu não comprei. (...) Quem comprou tá
aí com o material jogado, as caixas jogada, nem mandala nem energia, nem nada. Tem que
fazer um documento pra levar pra Energipe. Fazemos mil documentos, não deu certo. Era pra
vim bomba. Tava tudo no projeto, bomba de puxar água, mangueira...Galinheiro. Pediu pra
gente buscar madeira aí na serra, nas costas a poxa toda. Fizemos galinheiro. Nossa parte nós
fizemos, agora quando chegou, era a hora deles nada funcionou. (...) Faltou mangueira pra
uns. Tinha as mangueira como veio completo. Adepois o rapaz veio panhá aqui pra levar pra
Currais Velho, depois trazia outras e a mangueira acabou(...) (Entrevista Poço Redondo, 01,
Poço Redondo, 2009).
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caracterizado pela escassez de chuvas, a situação se agrava, uma vez que aumen-
ta a dependência da compra de ração, farelo, soja etc. para alimentar o rebanho,
tendo em vista se tornam rarefeitas a alimentação natural.
Ademais, praticamente todos os homens mantêm a tradição da pesca (Fi-
gura 16) no rio São Francisco, que é realizada, principalmente, no período
noturno, enquanto que durante o dia são realizadas a atividades ligadas à pe-
cuária e agricultura. O pescado atende diretamente ao consumo das famílias,
assim como as roças familiares que dispõem de pouco ou quase nenhum ex-
cedente.
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A Torre Empreendimentos Rurais e Construções Ltda presta os serviços de limpeza pública na capital Aracaju
e outros municípios sergipanos.
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A Fazenda Aliança possuía área total de 318 hectares, que foram vendidos
em dois fragmentos de 159 hectares cada um. Os sem-terra tiveram que cons-
tituir duas associações de trabalhadores rurais destinadas à compra das parcelas
do imóvel, conforme a composição e respectivos preços, a seguir: a Associação
de Cooperação Agrícola Florestan Fernandes I, formada por 29 famílias, ad-
quiriu o fragmento do imóvel por R$ 301.490,00 e a Associação de Coope-
ração Agrícola Florestan Fernandes II, composta por 26 famílias, pagou R$
298.164,00 pelas terras.
O estado, ao mesmo tempo em que pode ter salvado a Igreja [e a Empre-
sa] da perda de sua propriedade para o programa de reforma agrária, destinou
terras aos trabalhadores em dimensão inferior ao módulo fiscal, mediante uma
linha de financiamento bancário, uma vez que na Associação de Cooperação
Agrícola Florestan Fernandes I, formada por 29 famílias, a área média para cada
uma foi de 5,48 hectares e na Associação de Cooperação Agrícola Florestan
Fernandes II, composta por 26 famílias, a área média foi de 6,11 hectares. Se
excluirmos destes cálculos médios as áreas destinadas à preservação, moradias
e equipamentos comunitários, estradas, corpos d’água, dentre outras área não
agrícolas, resta para cada um dos mutuários uma ínfima área de “aqui [lote de
moradia] eu tenho 3 tarefa22 e [no lote de produção] 10” (Entrevista Cristovão
01, São Cristovão, 2009).
Duas questões precisam ser elucidadas. A legislação de reforma agrária prevê
que os imóveis acima de 15 módulos fiscais, que não cumprirem a função so-
cial, serão passíveis de desapropriação para implantação de projetos de reforma
agrária. A respectiva fazenda, com sua área total, caso não cumprisse a função
social, tranquilamente poderia ser arrecada para fins de reforma agrária, uma
vez que possuía dimensão acima dos 15 módulos previstos na legislação agrária,
considerando que o módulo para o município de São Cristóvão é de 10 hectares.
Evidencia-se, conforme os relatos dos agricultores, uma ação dos agentes do Es-
tado em fragmentar imóvel em dois estabelecimentos de modo a dissimular, pela
segunda vez, o óbice interposto ao avanço da reforma agrária. Já que a primeira
foi convencer os trabalhadores da troca do latifúndio pela falsa reforma agrária.
A mesma legislação prevê que a reforma agrária deve atacar os dois extremos
dos problemas de acesso a terras no campo, ou seja: redistribuir a grande pro-
priedade improdutiva, atendendo as famílias sem-terras, bem como promover a
redistribuição de terras para aqueles que dispõem de pouca terra, compreendi-
das como abaixo do módulo fiscal adotado em cada região. Neste caso, ocorreu
exatamente o inverso. Ao financiar a compra de terras para camponeses pobres
que buscam se ressocializar mediante a entrada na terra, o governo de Sergipe
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1 tarefa equivale a 0,30 hectares.
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(...) é uma parceria que é feita aí entre o banco, o Incra e o Movimento...que entra um di-
nheiro do Movimento, que é um dinheiro nosso. (...) Entra outra parceira aí do Incra com
o banco, o governo aí, uma coisa aí. Só que é o seguinte: como isso num tem dinheiro pra
esse setor, tamém num pode crescer, né. Tem a falta de técnico, né. Aí acontece que fica
um ténico pra 3, 4, 5, 6 área, aí num dá mode ele acompanhar, né. Então mais ou menos a
gente discute isso, né. Como é que a gente...Nóis samo responsave por isso. Como é que a
gente agora vai discutir pra butar cada ténico em duas área, três área? Né. A gente tá fazendo
esses estudo, né. A gente tem um bucado de militante nosso fazendo curso pra ténico aí na
Escola Agrícola23, né. Aqui tem menino e tal. Mas a gente tamo estudando, né. Mesmo esse
pessoal que hoje tá se formando, se entrar hoje não dá pra demanda (Entrevista Cristóvão
01, São Cristóvão, 2009).
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A Medida Provisória 432/2008, de 27 de maio de 2008, instituiu medidas de estímulo à liquidação ou regula-
rização de dívidas originária de operações de crédito rural e de crédito fundiário foi substituída pela Lei 11.775
de 18 de setembro de 2008.
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ríodo das safras, o mutuário freta um transporte pelo preço de R$ 40 para car-
regar a produção de, aproximadamente, 40 caixas de acerola. Cada uma destas
é vendida por R$ 25 (em média) aos feirantes da Central. Como isto, o agricul-
tor consegue eliminar a apropriação da sua renda pelos atravessadores e perfazer
uma renda em dinheiro que pode variar entre R$ 1.000 a 1.200 de acordo com
a entrega realizada. Esta condição é viabilizada pela proximidade do empreendi-
mento da capital e a boa condição das estradas que interliga os dois pontos.
A renda familiar é complementada pelos rendimentos advindos do trabalho
temporário de um dos filhos que limpa canavial para médios produtores do en-
torno, bem como pelos ganhos obtidos por outros dois filhos que vendem ali-
mentos nas feiras de Aracaju. Estes últimos perfazem juntamente, por semana,
aproximadamente R$ 80 a R$100. Segundo o entrevistado, a irregularidade no
volume da composição da renda monetária é uma constante. Semanalmente
dispõe-se de pelo menos R$ 200 para os gastos da casa, somadas todas as ren-
das. Para o autoconsumo retira-se muito pouco do lote agrícola, de modo que
os únicos produtos que a família não necessita comprar na feira são a acerola, o
leite e a mandioca. Esta condição demonstra a insuficiência de renda monetária
e produção de autoconsumo para seus nove membros; a alternativa criada para
este dilema é relatada assim:
Quanto mais a gente tem, mais gasta […] eu matava aqui um porco de 50, 60 quilo butava
dentro do freezer, quando era com 15 dias não tinha nada (...) se tem, quanto mais tem mais
gasta, e quando não tem se come o que tem. Então só tem o pão e uma xiquinha de café, então
um pão e uma xiquinha de café. Ah! Não tem o pão, então compra um bulachão. Compra, um
real o pacote de bulachão, toma café todo mundo, todo mundo vai dormir. Tchau! (Entrevista
Cristóvão 1, São Cristóvão, 2009).
Estamos diante de uma família numerosa que, ao mesmo tempo em que ex-
pressa a potencialidade na disponibilidade de força de trabalho para a agricul-
tura e atividades não agrícolas que permitem complementar a composição da
renda familiar, configura-se, também, um grave dilema, tendo em vista o baixo
patamar da renda alcançada pela familiar e frente ao elevado custo da reprodu-
ção de todos os seus componentes. Analisando os relatos sobre a composição
da renda, atesta-se a irregularidade da conversão do produto agrícola em renda
monetária, sujeito, sobretudo, aos períodos das safras da acerola e aos preços
pagos pelo produto no mercado. Este fato torna-se mais grave pela escassez dos
cultivos de autoconsumo no lote da família, que depende quase que exclusiva-
mente da aquisição dos víveres no mercado local, neste caso a feira da cidade
de São Cristóvão. A permanente ausência de excedentes monetários atesta a
impossibilidade desta família quitar as dívidas de compra da terra e do crédito
agrícola. Todavia, o entrevistado, quando, questionado sobre a embaraçosa si-
tuação, apresenta o seguinte testemunho:
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Assim, a necessidade a gente divide ela, né. Se existe uma necessidade para uma coisa e pra outa,
então a gente tem que dividir ela. A necessidade da minha casa hoje [por exemplo] eu gasto mais
ou menos 1.500 conto, pra passar mais ou menos um mês. Mas para o mês eu vou ter 2 mil
para pagar. Então se eu tenho 2 mil pra pagar para o mês, então precisa agora reduzir esse gasto,
reservar 300 reais pra comida e já vou prevenindo todo o pessoal. Pessoal senta aqui pra discutir:
‘tem 2 mil pra pagar para o mês e então, então essa semana que ia gastar 1.500 conto, já não vou
gastar 1.500 conto. Vou ficar com 1.300 conto, só vai ser gasto na feira 200 conto. Vocês se vi-
rem lá...arrume uma barraquinha por aí, vai ajeitando por aí, porque só vai ser assim mesmo,
que essa parte aqui eu vou negociar com o banco porque para o mês eu vou ter que arranjar
o resto. E para o mês vai ser a mesma coisa, eu não vou poder gastar o 1.500 conto na feira
(Entrevista Cristóvão 01, São Cristóvão, 2009).
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não preparou terra nenhuma pra ninguém morar, né verdade? A maior ilusão da gente é dizer
que tudo tem um dono. […] Ele não tem nada aqui! Aqui é meu! Eu lutei. Eu devo dinheiro
do projeto [Pronaf ], da terra eu disse que comprei, eu disse que comprei porque queria. Mas a
terra é um praneta. Ela num ficou pra ser negociada. Ela ficou pra tudo mundo ter uma par-
te, pra cada um que nascer ter uma parte. Cada um que nascer nessa Terra ter uma partizinha
dela, pra ter onde morar! Entendeu como é? (Entrevista São Cristóvão1, São Cristóvão, 2009).
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Tais famílias foram, ao meu ver, cooptadas pelo Estado para abandonarem
as lutas pela reforma agrária e aderirem ao programa de compra e venda de ter-
ras, mesmo que estivessem sendo apoiadas ou fossem orgânicas do MST, mo-
vimento contrário às políticas fundiárias neoliberais. O avanço destas políticas
tem sido marcado por diferentes outras formas de tentativa de desarticulação
das lutas pela terra, como nos caso a seguir.
No município de Nossa Senhora da Glória, fazendeiros atuaram ardilosa-
mente para convencer um grupo de famílias para formar uma associação para
comprar a Fazenda Poço do Capim, onde 43 famílias acampavam reivindican-
do a implantação do PA Luis Beltrano, conquistado no ano de 2005. No muni-
cípio de Estância, às margens da rodovia BR-101 Sul, onde hoje está constituí-
do o PA 17 de Abril, a fazendeira, amedrontada com uma ocupação de terras no
imóvel vizinho, a Fazenda Vera Cruz, decidiu ela mesma negociar sua fazenda
pelo crédito fundiário. Com perspicácia diante da situação, os coordenadores
do acampamento sem-terra decidiram pela ocupação, tendo a vistoria denun-
ciado a improdutividade do imóvel. Neste ínterim, o proprietário da Fazenda
Vera Cruz, dividiu a propriedade, originando a Fazenda Planalto, de modo que
o acampamento segue no local, onde, de um lado da estrada vicinal que corta o
imóvel, um conjunto de famílias do MST resiste reivindicando a desapropria-
ção, enquanto do outro lado da estrada estão famílias do MST e Fetase reivin-
dicando a compra pelo crédito fundiário da Fazenda Planalto.
É possível ainda encontrar famílias que, ansiosas por entrar na terra mantêm
um barraco e/ou pequenos cultivos alimentares em ambos imóveis, não impor-
tando para as mesmas o instrumento de acesso a terra. As diferentes linhas de
crédito fundiário vêm sendo operadas pelo estado não somente para desarticu-
lar os conflitos de terra, mas, sobretudo, para enfraquecer o movimento social
mais combativo, o MST. Estas são dimensões do crédito fundiário que explici-
tam sua ação de contrarreforma agrária.
Uma nova fase da participação do MST na contrarreforma agrária do Ban-
co Mundial foi iniciada no ano de 2007, quando a organização flexibilizou sua
posição política e deliberou por demandar a compra de terras pelo Programa
Nacional de Crédito Fundiário, mesmo que esta posição contrarie suas diretri-
zes gerais e a linha de ação da Via Campesina.
Esta é uma postura isolada do MST-Sergipe. Decorre da especificidade da
questão agrária sergipana e conjuntura atual da política local. Segundo Esme-
raldo Leal, dirigente estadual da organização em depoimento ao site do Prone-
se (Secretaria de Estado do Planejamento, 2007), no estado de Sergipe, menor
unidade da federação, com 21.910,348 km², “existe uma demanda de terra
reprimida ocasionada pela pouca quantidade de terras passíveis de desapropria-
ção no estado” e esta condição derivaria, principalmente, dos seguintes fatores:
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Marcelo Chagas Déda foi eleito governador de Sergipe, pelo Partido dos Trabalhadores, para exercer o mandato
de 2007 a 2010. Exerceu o mandato de deputado estadual de 1986-1990. No ano de 1994, foi o deputado federal
mais bem votado do estado e, reeleito, em 1998, com a maior votação proporcional do Brasil. Foi eleito prefeito de
Aracaju, em 2000, ainda no primeiro turno, com 52,8% dos votos válidos. Em 2004, foi reconduzido ao mandato
com 71,38% dos votos válidos.
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Por sua vez, o Incra no Sistema Nacional de Cadastro Rural, criado pela Lei
5.868/72, utiliza como unidade básica o imóvel rural que é uma área contínua,
na zona urbana ou rural, que se apresenta em exploração ou com aptidão para
exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. Em
suma, o IBGE adota como unidade básica as unidades econômico-adminis-
trativas e o Incra as propriedades agropecuárias. De modo que é possível, no
interior de uma imóvel rural existir, mais de um estabelecimento agropecuário
e diferentes condições do produtor (proprietário, arrendatário, meeiro etc.) ou
também encontrar diferentes imóveis rurais que se agrupam em um único esta-
belecimento agropecuário.
Para efeito do tema em questão (o sentido da realização da reforma agrá-
ria em Sergipe, que provoque uma justa e equânime distribuição das terras)
os dados do SNCR se aproximam mais da capacidade analítica necessária.
No princípio deste capítulo, analisei os dados do Censo Agropecuário 2006
que demonstram a estrutura fundiária de Sergipe (a partir da unidade bási-
ca estabelecimentos agropecuários) marcada pela polarização entre minifún-
dios e grandes propriedades e cujo índice de Gini de 0,776 é considerado
concentrado.
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Sobre as transformações recentes na estrutura fundiária de Sergipe cf. Ramos Filho, Eraldo da Silva, “Os (des)cami-
nhos da estrutura fundiária e reforma agrária em Sergipe”. In: Boletim Dataluta. Presidente Prudente: Nera, n. 58,
out. 2012. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/nera/boletimdataluta/boletim_dataluta_10_2012.pdf>
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A luta pela terra e pela reforma agrária realizada nacionalmente pelo MST
reivindica, a um só momento, o acesso à terra, à ruptura com o rentismo fundiá
rio, a garantia dos direitos sociais e combate ao capital na medida que contes-
tam a propriedade privada concentrada e seu modelo de desenvolvimento ine-
rente. Ao passo em que os mutuários da Cram, ligados ao MST-SE, seguirem
compreendendo a terra enquanto valor de uso, buscando construir as possibi-
lidades de realização da dignidade de suas famílias e atuarem na contramão do
capital, vislumbra-se uma tendência a não realizarem o pagamento das anuida-
des referentes ao financiamento das terras.
Algumas razões podem ser destacadas para esta posição: a) para o Movi-
mento a terra é um bem natural, não passível de ser convertida em mercado-
ria – atitude já demonstrada pelos mutuários que adquiriram os dois primei-
ros empreendimentos contratados, por sujeitos ligados direta ou indiretamente
ao MST; b) porque os empreendimentos de Cram, conforme venho demons-
trando, limitam-se a viabilização do acesso à terra, desvinculado de qualquer
perspectiva de garantia de direitos sociais; c) inexistência de organismos pú-
blicos que realizem o acompanhamento do processo de desenvolvimento dos
empreendimentos.
Portanto, é previsível uma decisão pelo não pagamento das anuidades refe-
rentes ao financiamento da terra, por parte dos integrantes do MST (ou outros
movimentos socioterritoriais) que contrataram os empreendimentos, a partir
de 2007, cujo período de carência deve terminar no curso do ano de 2010. O
cenário de inexistência do acesso aos direitos sociais e ausência de acompanha-
mento e investimentos no desenvolvimento das áreas, como é característico do
programa, desencadeará determinadas formas de pressão popular junto aos ór-
gãos gestores do PNCF em Sergipe, reivindicando a superação desta realidade.
Contudo, esta ação se dará somente na escala local e as diretrizes sobre a Cram
são definidas em um espaço jurídico institucional em nível de governo federal.
Portanto, o deslocamento da Cram do território da economia para o territó-
rio da política necessitará da pressão para além de Sergipe, especificamente jun-
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27
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adota como unidade de análise a mesorregião do Trian-
gulo Mineiro/Alto Paranaíba, enquanto que Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com
a finalidade de organização e sistematização dos dados, trata as regiões em separado. Adoto, concomitantemen-
te, ambas definições.
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norte com o sul do estado de Goiás, ao sul com os municípios paulistas de São
José do Rio Preto e Ribeirão Preto, a leste com a Central Mineira e o Oeste de
Minas e a oeste faz fronteira com o estado do Mato Grosso do Sul.
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Cf. Mitidiero Junior, Marco Antonio 2002 O Movimento de Libertação dos Sem-Terra e as contradições da luta pela
terra no Brasil Dissertação de Mestrado em Geografia (São Paulo: Universidade de São Paulo).
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Importante fonte de registros da luta pela terra no Brasil desde os anos 1980, consulte os Conflitos no campo, da
CPT, disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/>
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<http://www.ofm.org/3/just/JUSperet3.html>.
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Esta empresa carrega na sua razão social o disfarce para uma joint venture formado por cinco grupos estrangeiros,
a saber: Global Foods Holdings, The Carlyle Group/Riverstone, Goldman Sachs, Discovery Capital, DiMaio Ahmad
Capital. A CNAA detém o controle de três destilarias, cada qual com capacidade de processamento de 2,5 milhões
de toneladas de cana por ano, voltadas à produção de açúcar cristal, açúcar VHP, álcool anidro, álcool hidratado e
energia elétrica a partir do bagaço da cana. Suas três unidades fabris estão localizadas em Minas Gerais (municípios
de Ituiutuba e Campina Verde) e Goiás (Itumbiara).
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A práxis camponesa deste sujeito foi uma das poucas que encontrei nas an-
danças pelo campo brasileiro para realização deste estudo que contribui para
construção do paradigma da soberania alimentar, compreendida aqui como:
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A Associação dos Produtores Rurais do Córrego dos Pilões foi fundada com
10 famílias no ano de 2001, especialmente para comprar uma fazenda com 39
hectares, cujo valor do contrato pelo Banco da Terra foi de R$ 229.440,00. A
fazenda localiza-se estrategicamente há 7 km da sede municipal de Ituiutaba,
quase às margens da rodovia BR-356, possuindo, ainda, excepcional potencia-
lidade agrícola. A formação desta está relacionada com o sonho de recampesi-
nização de um homem, filho de meeiros do Triângulo Mineiro, escolarizado
somente até a segunda série do ensino fundamental menor.
José Vicente Tavares dos Santos, no seu livro Colonos do Vinho, assinala di-
versos elementos estruturais da produção camponesa, dentre os quais ressalto a
socialização, desde quando criança são iniciados como protagonistas da divisão
do trabalho na unidade de produção camponesa, brincando com os instrumen-
tos de trabalho e, ao crescer um pouco, trabalhando com estes instrumentos.
Assim, iniciou-se a trajetória deste sujeito, que aos seis anos de idade já contri-
buía com as atividades no lote que sua família trabalhava. Aí permaneceu, ao
lado do seu pai, até os 17 anos de idade.
Ao atingir a maioridade, decidiu sair para trabalhar por conta própria, con-
seguiu empregos de condutor de trator nas fazendas da região. Aos vinte anos,
optou por aventurar-se em busca de melhores condições de vida e passou a tra-
balhar como vendedor ambulante de aviõezinhos de isopor. Com este ofício
viajou boa parte do território brasileiro, principalmente a faixa litorânea. Con-
tudo, o que lhe fazia feliz eram as atividades no campo, de maneira que, após
alguns anos, resolveu regressar para Ituiutaba, onde aceitou convite para geren-
ciar uma fazenda pecuarista no estado do Tocantins. Depois de sete anos longe
da sua terra e da sua família, realizou migração de retorno a Ituiutaba. Diante a
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mento. Neste sentido, passo a seguir a uma breve caracterização dos sistemas
agrários em desenvolvimento, das relações de produção, os dilemas e as pers-
pectivas da reprodução camponesa e os efeitos sobre a pobreza no empreendi-
mento em foco.
Quando da visita de campo, foi possível constatar no empreendimento a
seguinte infraestrutura: a) uma área de 2 alqueires com estrutura de irrigação,
cuja água é bombeada desde o Córrego da Mamona; b) quatro barracões com
estrutura adequada para a prática da avicultura, necessitando reforma urgente,
sobretudo no telhado e piso (Figura 28); c) estrutura para confinamento de 500
cabeças de gado; d) cercado com criação de 60 suínos caipiras; e) água abun-
dante o ano inteiro captado no Córrego da Mamona e o Córrego dos Pilões,
que cortam o empreendimento; f ) um galpão amplo onde funciona a prepa-
ração de ração para aves e armazenamento de sementes, grãos etc.; g) diversos
implementos agrícolas; h) no que tange a logística de transporte da produção,
há uma perua Kombi e uma motocicleta utilizada para deslocamentos rápidos
à cidade; i) 10 casas de moradia, sendo 8 construídas com recursos do Banco
da Terra e outras duas herdadas das benfeitorias da antiga fazenda; j) destaca-se
uma área de preservação permanente e matas ciliares, ambas em processo de re-
cuperação espontânea; faz-se mister registrar que o imóvel está circundado por
outras propriedades que são exploradas pelo agronegócio pecuarista, em cujas
margens dos córregos, as matas ciliares encontram-se visivelmente degradadas.
No intuito de recuperar a capacidade produtiva do empreendimento, o pre-
sidente da Associação tem se esforçado para realizar a recomposição do quadro
de sócios, mediante convite a familiares e conhecidos que têm se interessado
no projeto. Foi realizado o processo de exclusão dos mutuários pioneiros utili-
zando a cláusula do abandono prevista na MP 432/2008 e reestruturação com
seis novos candidatos a mutuários, de maneira que houve uma redução de dez
para sete integrantes da Associação. Dentre os novos membros, no momento
do trabalho de campo, três seguiam trabalhando nas atividades fora do estabe-
lecimento, até que fosse liberado um novo aporte de créditos agrícolas, uma
vez que não dispunham de capacidade de investimento naquele momento. Os
outros três novos membros já se encontravam habitando e produzindo no esta-
belecimento, cujo acerto previa a partilha dos investimentos, trabalho e renda
obtida em determinado sistema agrário e sendo que um destes novos mutuários
é a genitora do líder comunitário, que contribui, principalmente, no sistema
produtivo do leite.
Dentre os novos mutuários, um sobrinho do presidente da Associação, com
30 anos, que atua como funcionário da destilaria CNAA, conduzindo carretas
de máquinas e equipamentos agrícolas, assumiu o compromisso de dividir os
custos de renegociação da dívida do Pronaf com o presidente da Associação,
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bem como, a partir dos seus ganhos salariais, tem realizado importantes inves-
timentos para a recuperação da capacidade produtiva do sistema de avicultu-
ra. Para o final do segundo semestre de 2009, estava prevista a necessidade de
pagamento de R$ 8 mil referente à negociação do crédito agrícola, cujo valor
seria divido entre este e o presidente da Associação. Esta última entrou com a
estrutura física existente e a força de trabalho da família do seu líder. No ano
de 2008/2009, este sujeito já havia adquirido 2.000 galinhas de postura, os
instrumentos e alimentação necessários para viabilizar a produção, alavancan-
do este sistema agrário, que é a principal fonte geradora de renda monetária da
comunidade.
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mentar das famílias, pois parte da produção as abastece. A meta neste sistema
produtivo é ampliar o rebanho para 20 vacas leiteiras, aumentando a produção
leiteira, e consequentemente a produção de flamengo, contribuindo para am-
pliar a renda monetária da comunidade. Por fim, vale ressaltar que se busca
integrar os diferentes sistemas produtivos, de maneira que a perspectiva de am-
pliação da roça de milho contribuirá na elevação da disponibilidade de alimen-
tação para o gado, tendo vista a destinação da palha. E, da produção de leite,
após a produção do flamengo, pode-se retirar o soro para alimentar os suínos,
reduzindo assim a dependência da compra de alimentação para os animais e
contribuindo para a elevação da produtividade.
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Então, na moda do otro, igual a gente vai pagar agora, que é que acontece, tudo é tirado dos
braços, não tem nada do Pronaf que os outro menino gastou, né. Tudo é da cabeça da gente,
é do trabalho da gente que a gente tá tentando sobreviver e tentando pagar a dívida, pra po-
der limpar o nome, pra você ter como cê comprar. Porque eu vou numa firma comprar um
adubo, comprar uma semente, eu não tenho crédito! Então como que eu vou? (Entrevista Itu
03, Ituiutaba, 2009)
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cito tem que tá formando os seus peão de batalha porque se não num vai a lugar nenhum (...)
mas aí ó Deus tá preparando as pessoas certa, a lá, o menino tá trabaiando, cê tá vendo o vei-
nho tá trabaiando, então o que acontece, eu não chego lá, eu num vou amolar eles, eles trabaia
do jeito que eles dá conta, né. Eu vou chegar lá, chegar como patrão lá falando assim: “não, cê
tá fazendo errado, você não pode fazer assim, você não pode fazer assim, você não pode fazer
aquilo, você tá parado, o serviço não tá andando”, não. Eles é que sabe a necessidade deles, se
eles tá ali, se eles tá pelejando eu tenho certeza procê que num precisa deu tá lá abalando, en-
chendo o saco deles não, porque as coisa anda (Entrevista Itu 03, Ituiutaba, 2009).
239
A Associação dos Agricultores Familiares Ribeirão dos Baús foi formada no de-
correr do ano 2001, com o objetivo único de comprar um imóvel rural pelo
Programa Banco da Terra (BT). O processo para sua criação foi desencadeado
pelo presidente da Associação dos Produtores Rurais Córrego dos Pilões, ana-
lisada na seção anterior, que motivou um amigo a formar outro grupo para in-
gressar no Programa. Este sujeito por sua vez, no dizer de nossa entrevistada,
“Foi batendo de porta em porta convidando as pessoas, sem saber se elas tinha
essa aptidão para a terra ou não” (Entrevista Itu 04, Ituiutaba, 2009). Obede-
cendo as diretrizes do BT e orientações da Emater-MG formaram um grupo
de 16 famílias que decidiu adquirir a Fazenda Pouso Alegre, de 148 hectares.
Localizada na região do Brumado, próximo ao município de Capinópolis, dis-
ta, aproximadamente, 30 km da sede municipal de Ituiutaba, sendo que 5 km
destes são percorridos em estrada não pavimentada, que interliga o imóvel e a
rodovia; dista do município de Capinópolis, 14 km, dos quais 5 km na estra-
da vicinal mencionada. Esta é uma diferença importante, com relação aos de-
mais empreendimentos pesquisados no Triângulo Mineiro, a maior distância
do mercado consumidor ituiutabano indubitavelmente é uma dificuldade in-
terposta aos mutuários deste empreendimento.
De acordo com os relatos dos mutuários, a Fazenda Pouso Alegre dedica-
va-se à pecuária intensiva de gado de corte, atividade comum na região Bru-
mado, onde no entorno há vários grandes criadores de gado, como a Fazenda
Santa Maria do Brumado, de Luis Adauto, Agropecuária Cury, Fazenda Santa
Edwiges, de Celso Vilela Guimarães, Fazenda Campo Verde, de David Gou-
veia, dentre outros. Os mutuários tomaram conhecimento da venda da Fazen-
da Pouso Alegre através de um anúncio no jornal e buscaram a Emarter para
realização da avaliação econômica e produtiva do imóvel. Descobriram que o
imóvel estava hipotecado ao banco por conta de endividamento do então pro-
prietário e declararam que eles próprios tiveram que quitar a hipoteca, para
poder realizar os procedimentos de compra do imóvel. Ao realizar a vistoria, o
preço estipulado para a transação de compra e venda de R$ 288 mil, aproxima-
damente R$ 2 mil por hectare.
Apesar de existir no momento da entrada na terra apenas “aquele chiqueiro
quebrado que cê viu lá, aquele barracão véio que tá ali caindo os pedaço e a
sede e os pau da cerca, só! Não tinha mais nada!” (Entrevista Itu 04, Ituiutaba,
2009) o imóvel apresentava boa disponibilidade de água, terra e área com um
pasto formado levando-os à decisão de fechar o negócio, apostando na possi-
bilidade de converter o modelo produtivo empresarial para um modelo pro-
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plantar! O meu sonho é eu vou vim pra cá, eu pretendo vim, mas eu quero vim... Porque eu
já morei aqui! Eu já passei muita dificuldade aqui. Eu vou te falar sinceramente, a gente não
pode falar fome, porque fome é muito triste de ser falado, mas eu passei muita vontade! Por-
que quando eu fui embora daqui, nóis voltamos pra cidade, se não fosse a ajudar de amigos,
de pessoas que a gente conhecia nóis tinha passado fome. Aí sim, nóis tinha passado fome
mesmo! Porque quando nóis viemo praqui, isso aqui era pura braquiária, do jeitinho que é os
pasto que cê vê aí para cima, era aqui. Aí depois que foi capinando, pondo fogo, matando um
toco daquele ali e plantando. Num tinha um pé de mandioca aqui nessa fazenda! Num tinha
um pé de mandioca, num tinha um pé de abóbora, num tinha nada! Aqui tudo o que a gente
comia tinha que ir buscar na cidade, até um ovo. Aí depois foi que começou a plantar, plantou
mandioca, aí começaram a trazer um porquinho, uma galinhinha, uma coisa. Aí começou a
ter como sobreviver, mas até então a maioria das pessoas aqui sobrevivia com, é, como eu te
falei, com os desvio de verba que era pra se fazer uma coisa e desviava pra poder fazer feira,
sabe? (Entrevista Itu 04, Ituiutaba, 2009)
Dos 16 mutuários que assinaram a escritura de compra e venda ape-
nas 15, efetivamente, ingressaram no empreendimento. Com o agravamento
das condições de trabalho e produção no empreendimento, diversas famílias
evadiram-se. A cada evasão, as famílias buscavam outra para realizar a subs-
tituição. As famílias neófitas se deparavam com os mesmos problemas das
famílias anteriores e também desistiam, e novas substituições eram realiza-
das, perfazendo um movimento tautológico. Foi inevitável, para aqueles que
permaneciam no empreendimento, converter-se em trabalhadores assalaria-
dos temporários nas fazendas do entorno. Demonstrando como o empreen
dimento de contrarreforma agrária de mercado atende as necessidades do
capital, seja através da disponibilidade de terra para alugar, quer por meio de
força de trabalho, ambos a baixo custo. Dos 15 mutuários pioneiros, sobra-
ram apenas seis, dentre os quais a maioria decidiu retornar para a cidade, a
fim de garantir alguma atividade assalariada que possibilitasse a reprodução
da família e, nas horas de folga dos empregos, realizam sobretrabalho no em-
preendimento, geralmente cultivando uma roça de hortaliças e legumes no
quintal produtivo.
No momento do trabalho de campo, as famílias demonstraram gran-
de expectativa com relação à possibilidade de recuperação da capacidade
produtiva do empreendimento tendo vista o anúncio de individualização
das dívidas e das terras, retirada das restrições interpostas pelo cadastro de
inadimplentes e possibilidade de, finalmente, cerca de nove anos após a cria-
ção do empreendimento, possam acessar o crédito agrícola. Já haviam reali-
zado todos os procedimentos referentes a recomposição do quadro de sócios
da Associação, que foi reduzido de 16 mutuários para apenas 12. Decorrente
do processo de renegociação, já sabiam que devem ao todo 670 mil reais, re-
ferente à compra da Fazenda Pouso Alegre e que deverá ser paga em parcelas
anuais de aproximadamente R$ 2.100,00 por família. Já haviam elaborado
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aqui?” Eu disse, não. “Mas como é que sua horta tá tão bonita desse jeito, e de quem mora
aqui não tá bonita?” (...) Meu sonho é implantar, colocar minhas galinha, tenho vontade de
implantar uma miniestrutura de galinha de postura, não em grande escala. Eu quero ter em
pouca escala, tipo assim umas 200 galinha, de 50 em 50 para poder nunca faltar ovo e nunca
ficar sem. E também o de corte, pretendo colocar em pequena escala, umas 200, mas também
de 50 em 50, quando sair um lote o outro tá chegando. E continuar minha plantação e meu
bananal que eu já comecei. Eu pretendo levar a linha de banana até lá em cima, rodear todi-
nho aqui, o quintal é 50 de largura e 100 de comprimento. Pretendo rodear todinho, em volta
de banana e entre uma bananeira e outra pretendo plantar mamão. Eu vou fazer um cinturão
verde no meu quintal, mas sendo de coisas frutíferas. E no meio, assim, eu pretendo plantar
minhas mandioca, pretendo continuar com as minha hortalice, pretendo ter minha criação de
galinha caipira (Entrevista Itu 04, Ituiutaba, 2009).
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O grupo dos vinte maiores economias do mundo, também conhecido como G20 financeiro é integrado pelos
seguintes países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia
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do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União
Europeia
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Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) preveem até o ano de 2015: reduzir a metade o quanti-
tativo de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza; proporcionar que crianças de todo o mundo possam
terminar um ciclo completo de ensino primário; eliminar a desigualdade de escolarização entre os gêneros; reduzir
em dois terços a mortalidade das crianças menores de cinco anos; reduzir em 75% a taxa de mortalidade materna;
deter a contaminação por Aids, especialmente o continente africano; difundir os princípios do desenvolvimento
sustentável nas políticas públicas nacionais; fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento.
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ção dos Prefeitos do Vale do Alto Paranaíba, controlada por prefeitos ruralistas
e articulada à bancada ruralista mineira no Congresso Nacional, forjou um ar-
ranjo institucional favorável à municipalização do programa, enquanto que o
governo estadual mineiro proibia por decreto a contratação do programa Banco
da Terra pela esfera estadual.
Quanto à condição dos imóveis adquiridos, verifica-se com certa frequên-
cia a transação de compra e venda de imóveis hipotecados, em vias de serem
leiloados, pertencentes a fazendeiros endividados, ou mesmo àqueles que são
fragmentados pelos proprietários rurais em dimensões inferiores ao mínimo
previsto em lei para desapropriação para fins de reforma agrária. Constatei que,
mesmo após o estouro do litígio reivindicatório da reforma agrária, o fazendei-
ro conseguiu dividir o imóvel e vendê-lo para o crédito fundiário. Estas foram
duas formas manifestas de utilização dos créditos disponíveis para a compra de
terras a favor dos fazendeiros e contra o avanço da reforma agrária.
Outra dinâmica muito frequente, diz respeito às incompletudes na implan-
tação dos empreendimentos e os equívocos nos projetos produtivos que dificul-
tam ou impedem os mutuários de conseguir da agricultura os meios para uma
reprodução digna das famílias camponesas. Buscando uma alternativa econô-
mica de sobrevivência as famílias podem arrendar as terras do empreendimento
ao capital, implantar projetos produtivos integrados com a agroindústria e, no
extremo, chegam ao assalariamento de um, alguns ou todos os mutuários de
uma mesma família e/ou empreendimento nas fazendas do entorno ou em ati-
vidades de baixa qualificação nos espaços urbanos. É possível, ainda, encontrar
mutuários cujo trabalho assume essas diferentes condições simultaneamente.
Decorrente da incapacidade de geração de excedentes monetários suficien-
tes para a reprodução das famílias, portanto, ausência de capacidade de paga-
mento das dívidas financeiras contraídas para a compra da terra e/ou crédito
agrícola, forja-se uma subjetividade do endividamento, que se materializa em
um sentimento de aprisionamento à condição da dívida. Em alguns locais esta
subjetividade do endividamento contribui para amortecer a capacidade orga-
nizativa dos sujeitos para reivindicar direitos sociais, limitando os esforços or-
ganizativos à busca de condições de pagamento das dívidas. Por outro lado, há
aqueles sujeitos que, coletivamente, decidiram pelo não pagamento das dívidas
financeiras referentes à compra da terra. Neste caso, verifica-se uma organiza-
ção política em movimento socioterritorial anterior à entrada no empreendi-
mento.
Ademais, no plano teórico, a difusão dos programas de crédito fundiário,
com sua centralidade nas diretrizes de mercado intencionam esvaziar politica-
mente o conceito de reforma agrária ao tentar, de modo comparativo, demons-
trar a maior celeridade no processo de implantação dos empreendimentos de
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Esta última reivindicação foi acatada pelo governo Lula e já entrou em ope-
ração através da Resolução 3.869, elevando para R$ 80 mil o teto para o finan-
ciamento de terras. Todavia, o atendimento do governo não foi diretamente
às reivindicações do trabalhadores, mas sim ao mercado, que neste momento
apresenta uma célere e vertiginosa elevação dos preços das terras no país, decor-
rente das políticas de incentivo à agricultura comercial, atualização da infraes-
trutura e financiamento do negócio dos agrocombustíveis. Diante deste cená-
rio, os valores praticados no mercado de terras levariam à eliminação do crédito
fundiário. Entretanto, aqui o Estado age com vetor da garantia do mercado de
terras, sob o discurso do compromisso com o combate à pobreza rural.
Na intrigante experiência do MST-Sergipe na Cram, verifica-se o dimensio-
namento do espaço de socialização política característico das lutas por terras,
com a formação de espaço interativo, comunicativo e o espaço de luta e resis-
tência, com a concretização das ocupações e edificação dos acampamentos ru-
rais. Contudo, a ação do governo deslocou o espaço de luta e resistência para o
espaço da subalternidade, ao conduzir as famílias para a compra da terra pelo
programa Banco da Terra. Atualmente, em uma ação isolada no estado de Ser-
gipe, o MST tem demandado oficialmente terras pelo Programa Nacional de
Crédito Fundiário. Mas, segue dimensionando os espaços interativo, comuni-
cativo, de luta e resistência, fundamentais para despertar a consciência e recriar
o campesinato como classe.
Embora exista um conjunto de trâmites burocráticos específicos, o MST
adotou uma metodologia própria para o ingresso das famílias no programa. En-
quanto para a Contag e outros movimentos camponeses, adota-se a mobiliza-
ção de grupos de famílias para formar associações de trabalhadores rurais volta-
das à compra da terra pelo PNCF, o MST prioriza contemplar aquelas famílias
que se encontram na luta pela terra, particularmente em acampamentos rurais
por longos períodos como 5, 10 anos ou mais, geralmente os imóveis reivindi-
cados mediante ocupações têm seus processos judiciarizados e sem perspectivas
de conquista dos assentamentos.
A reivindicação de uma nova área para assentamento de famílias sempre se
dá, primeiramente, com a realização da ocupação do imóvel ou manifestação
próximo ao mesmo. Esta tática impõe ao Incra a necessidade de realizar a vis-
toria do imóvel, a fim de constatar a condição de cumprimento da função so-
cial da terra. Após o laudo de vistoria, se o imóvel for considerado produtivo e
de interesse para o programa nacional de reforma agrária o Incra, pode iniciar
negociação de compra do imóvel utilizando o instrumento legal da compra di-
reta previsto na Lei Federal 433/1992. Caso a arrecadação tenha algum impe-
dimento de se dar por este instrumento, o MST pode reivindicar a compra do
imóvel pelo PNCF.
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e pra aqueles que precisa que a gente pode levar pra frente, né. É, é isso que eu vejo o Ma-
ram, uma coisa que serve de ajuda pra gente. Na moda do outro, é ocê ser uma pessoa mais
respeitada ainda, que cê tem uma ajuda pra frente e você pode ajudar pra frente, né. Que a
gente é um ponto de apoio, um ponto que cê pode ajudar e ser ajudado (Entrevista Itu 02,
Ituiutaba, 2009).
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