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E como anda o ensino de literatura

brasileira? Um estudo de práticas


nos níveis fundamental e médio
Lívia Suassuna*
Jailton Nóbrega**

Resumo
Considerando o contexto atual de
ampliação da concepção de linguagem Contextualizando e
e de literatura, pretendeu-se descre- problematizando o ensino de
ver e analisar práticas de ensino de
literatura brasileira nos níveis fun- literatura no Brasil
damental e médio, verificando se os
conteúdos e as metodologias privi-
legiados pelos professores nas aulas Num texto sobre a história do ensino
de literatura são compatíveis com as da língua portuguesa, Soares (1998)
mais recentes propostas para o ensi- mostra que os estudos da linguagem na
no da disciplina. Entre outros, lan-
çou-se mão dos trabalhos de Bordini escola do Brasil Colônia eram apoiados
e Aguiar (1993), Chiappini (2006) e em três bases – gramática, retórica e
Cosson (2006). Quanto à metodologia, poética –, constituindo-se essa última
realizou-se uma pesquisa qualitativo-
-etnográfica por meio da observação em abordagens dos textos literários,
de aulas de literatura brasileira em analisados, frequentemente, na ótica da
duas escolas de perfis diferentes: uma
filologia clássica . Isto é, o texto literário
pública municipal do Recife (ensino
fundamental) e uma pública estadual era visto como exemplar da boa lingua-
de Pernambuco (ensino médio). Pôde- gem e dele se extraíam fragmentos para
-se notar práticas que não promovem
o letramento literário. Enquanto um
o estudo de aspectos gramaticais.
professor reduz suas aulas ao estudo
de história da literatura, o outro não *
Docente Associada IV do Programa de Pós-Graduação
considera os aspectos estéticos desse de Letras Vernáculas da UFRJ; Docente Adjunta III do
Programa de Pós-Graduação de Letras Vernáculas da
gênero, nem leva em conta as inter- UFRJ.
pretações e impressões dos educandos. **
Graduando em Letras-Português pela UFPE; bolsista
do programa PIBIC-UFPE-CNPq - exercício 2011-2012;
Palavras-chave: Ensino de literatura. e-mail: jailtonobrega100@hotmail.com.
Letramento literário. Prática peda-
gógica. Data de submissão: fev. 2013 – Data de aceite: abr. 2013
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v9i1.3533

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Estudando a situação da literatura em 1984, do livro O texto na sala de
na legislação das reformas de ensino do aula – leitura e produção, organizado
século XX no Brasil, Lima (1996) cons- por João Wanderley Geraldi, o qual já
tatou a falta de políticas específicas para continha alguns questionamentos sobre
o ensino desse componente curricular. O a concepção e o ensino da literatura.¹
autor considera que a falta de política já Nessa obra, Chiappini já indagava
é, em si, uma política e também traduz a se a separação entre literatura e gra-
pouca importância que se tem conferido mática faria algum sentido. Segundo a
ao estudo da literatura na escola, apesar autora, estudar literatura seria estudar
de os estudos literários terem presença linguagem. Ela também apresenta cinco
no ensino desde a época dos jesuítas no formas possíveis de se entender o con-
Brasil Colônia, como já apontado. ceito de literatura: (1) como instituição
A Lei n. 5.692/71, que regeu a edu- nacional e patrimônio cultural; (2) como
cação nacional durante o período da sistema de obras, autores e público; (3)
ditadura militar, estabeleceu uma nova como disciplina escolar que se confunde
terminologia para a língua portuguesa: com a história literária; (4) cada texto
a disciplina passou a chamar-se “comu- consagrado pela crítica como sendo
nicação e expressão”, ficando a literatura literário; e (5) qualquer texto, mesmo
brasileira restrita ao antigo 2º grau. não consagrado, com intenção literária,
Nesse segmento, historicamente, a li- visível num trabalho da linguagem e
teratura sempre teve lugar secundário, da imaginação, ou, simplesmente, esse
com poucas aulas semanais, e funciona, trabalho enquanto tal. Argumenta
até hoje, como uma disciplina autônoma, Chiappini que, tradicionalmente, a es-
ao lado da gramática e da redação. No cola utiliza a literatura nas acepções 1,
ensino fundamental, o texto literário 3 e 4. Embora sem desprezar as outras
figura, ainda hoje, como fonte do estudo acepções, especialmente a 2, afirma que
gramatical e como objeto de interpreta- o mais importante seria “exercitar a lei-
ção. Esse panorama perdurou desde a tura e a escrita [de textos], para que a
época do Brasil Colonial até, pelo menos, reflexão teórica e histórica sobre eles se
a década de 1970. dê a partir de uma vivência e do processo
Em meados dos anos 1980, o ensino que os gera: o trabalho criativo com a
de língua portuguesa começou a sofrer linguagem, a prática da expressão livre”
grandes transformações e questionamen- (2006, p. 22).
tos, devidos, principalmente, ao avanço Os anos 1980 foram uma época mar-
dos estudos linguísticos, que passaram cada pela redemocratização do país e, por
a ver a linguagem, para além de mera extensão, pela elaboração de inúmeras
forma ou estrutura, como interação, propostas curriculares de estados e mu-
prática social e discursiva. É marco nicípios, as quais contaram, em maior ou
desse momento histórico a publicação, menor grau, com a ampla participação

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dos professores. Há, inclusive, estudos Escola de Genebra, em cinco grandes
importantes sobre as mudanças concei- conjuntos: argumentativos, injuntivos,
tuais trazidas por esses documentos. expositivos, descritivos e narrativos. Su-
Entretanto, o que esses estudos mos- gere o documento que a escola trabalhe
tram é que as transformações foram textos dos cinco agrupamentos em todos
mais evidentes no tratamento da língua os níveis da escolaridade, mediante os
propriamente dita do que na literatura procedimentos de análise e produção,
(cf. LOUZADA, 1997; OSAKABE, 1987). relevando-se a situação comunicativa
Na última década do século XX, as em que figuram. Há, também, estudos a
perspectivas epistemológicas de tra- respeito de conceitos-chave desse docu-
tamento da linguagem ampliam-se e mento, alguns deles apontando para os
diversificam-se. Exemplo disso são os limites da tipologia dos gêneros, como
estudos no campo da análise do discur- também do tratamento conferido ao texto
so, da pragmática, da teoria literária literário (cf. SUASSUNA, 1998, 1999;
(incluindo a estética da recepção), do VILAR, 2004).
funcionalismo, da análise da conversa- Já neste século, no estado de Per-
ção, da linguística textual, entre outros. nambuco, como extensão da política de
Nessa mesma década, são lançados avaliação educacional implantada ante-
os Parâmetros Curriculares Nacionais riormente, foi lançada a Base Curricular
(PCNs) de Língua Portuguesa, em volu- Comum (BCC) para as redes públicas de
mes diferentes para o 1º e 2º ciclos, para ensino. A instituição desse documento
o 3º e 4º ciclos e para o ensino médio deriva de questões postas na operaciona-
(BRASIL, 1997, 1998, 1999). Ressalte-se lização do Sistema de Avaliação Educa-
que os PCNs surgiram numa conjuntura cional do Estado de Pernambuco (Saepe),
político-econômica neoliberal, atrelados na medida em que os agentes envolvidos
a políticas de avaliação institucional na avaliação questionavam, entre outros
balizadas pelas instituições de financia- aspectos, a legitimidade dos instrumen-
mento da educação pública nos países tos de avaliação empregados, pautados
subdesenvolvidos. Ao contrário do que em currículos previamente traçados e
ocorrera nos anos 1980, a participação que nem sempre coincidiam com o que,
dos professores na formulação dos parâ- de fato, era ensinado em cada escola.
metros foi praticamente nula, e, talvez A ideia da base nasce justamente daí:
em virtude desse fato, a adesão a eles foi o estado como um todo e os municípios
muito baixa. participantes do Saepe negociariam um
Os PCNs trazem como proposta currículo comum que pudesse orientar
básica para o ensino de português o a avaliação, dando-se margem para a
conceito de gêneros textuais, agrupados, inserção de uma parte diversificada,
de acordo com os estudiosos da chamada própria de cada rede/escola, no sentido

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de respeitar a diversidade inerente a Redimensionando e
qualquer grupo social e aos processos
educativos.
ressignificando o ensino
A construção da BCC iniciou-se com de literatura
sua proposição feita por professores
universitários especialistas da área; em Os debates recentes sobre o ensino de
seguida, o documento passou por alguns literatura situam-se num contexto que
pareceres críticos, também elaborados contempla desde os questionamentos
por especialistas. Essa primeira versão, sobre a natureza e as especificidades do
acrescida da contribuição dos pareceris- texto literário, passando pelo papel da
tas, foi discutida em diversas audiências literatura na formação humana, até os
públicas realizadas em todo o estado, até procedimentos metodológicos mais ade-
ser publicada em 2008. Posteriormente, quados. Temos, como ponto de partida
houve uma demanda dos próprios pro- para iniciar o debate sobre o ensino de
fessores para que o documento fosse des- literatura, o artigo de Soares (1999), que
dobrado com sugestões de atividades e trata da escolarização do texto literário.
procedimentos que pudessem se adequar A autora considera que a escolarização
às competências traçadas na BCC. São da literatura é inevitável, se a tomamos
lançadas a público, então, as Orientações como algo fundamental na formação
Teórico-Metodológicas (OTMs), tanto dos alunos. Porém, precisamos atentar
para o ensino fundamental quanto para para as formas dessa escolarização. Se
o ensino médio. o texto literário está na escola para ser
Partindo desse contexto, quando dissecado, usado como pretexto para o
investigadas as referências que os estudo gramatical, banalizado, trata-se
professores de português/literatura do que Soares chama de “má escolariza-
brasileira da rede de ensino estadual de ção”. Ao contrário, se a literatura é in-
Pernambuco adotam para a definição dos cluída na escola para ser trabalhada em
projetos curriculares das escolas em que sua dimensão estética e cultural, para
atuam (SANTOS; SUASSUNA, 2011), promover uma leitura de fruição, para
chamou-nos atenção a quase ausência da um melhor entendimento do mundo e
literatura como um componente curricu- do humano, temos a “boa escolarização”.
lar nas escolhas dos professores. A essa Nessa perspectiva, surge a questão de
lacuna, somou-se a indefinição no que como fazer essa escolarização da litera-
se refere à concepção de literatura, aos tura sem descaracterizá-la, sem torná-
objetivos do ensino desse tipo de texto e -la um fim em si mesma, o que acaba
ao tratamento metodológico dado a esse por negar seu poder de transformação
conteúdo. enquanto instrumento de humanização.
De acordo com Cosson (2006), a leitura
literária não pode ser feita de forma as-

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sistemática; não deve, por um lado, ser ticamente automático e imperceptível
pretexto para se elaborar resumos, para para um leitor maduro; e interpretação
se preencher fichas de interpretação ou – consiste nas relações de inferência que
para se trabalhar gramática, nem deve, o leitor mobiliza no momento da leitura,
por outro lado, ocorrer em nome de um no diálogo que estabelece com o texto,
prazer absoluto de ler. É preciso que tendo como limite o contexto. Dessa ma-
o professor trabalhe com a literatura neira, é essencial que o professor vá da
segundo os objetivos estipulados a fim antecipação à interpretação para que o
de promover o letramento literário dos aluno/leitor, mobilizando suas vivências
alunos. Para tal, o autor afirma que, nas e visões de mundo, atualize os sentidos
aulas de literatura, deve-se desenvolver latentes no texto e construa, assim, no-
mecanismos de interpretação para explo- vas formas de significar sua vida e novas
rar os sentidos, estimular a sensibilidade possibilidades de lidar com a realidade.
de troca, bem como incitar a expressão É preciso, portanto, atribuir à fi-
dos sentimentos dos alunos suscitados gura do leitor um papel essencial, até
na experiência de leitura. Nessa orien- então esquecido no circuito de leitura
tação, unem-se prazer e saber por meio da escola, e, consequentemente, levar
da literatura no âmbito escolar. em consideração suas experiências de
Lajolo (1997) defende que levar em leitura. O professor deve, pois, estar
conta as teorias que incluem, na noção atento aos fatores que influenciam os
de literariedade, o leitor e a prática da interesses literários dos alunos (fatores
leitura é fundamental para inserir a como idade, escolaridade, gênero e nível
literatura na escola. Ou seja, é preciso socioeconômico, por exemplo). Entretan-
considerar a interação texto-leitor para to, é preciso que novos interesses sejam
que ocorra, em sala de aula, o que se suscitados, para aguçar-lhes o senso
denomina de “experiência poética”. Na crítico. Bordini e Aguiar (1993), com base
esteira desse pensamento, é preciso no método que chamam de “recepcional”,
conceber a leitura como um processo de sugerem cinco fases sequenciadas que o
interpelação e subjetivação que demanda professor precisa efetuar, visando à pro-
respostas do leitor. Assim, para que haja moção da expansão de leitura dos alunos.
uma formação efetiva de alunos leitores, São elas: determinação do horizonte de
uma metodologia de leitura eficaz é su- expectativas, fase em que o professor
gerida por Cosson (2006). Essa leitura se diagnostica os interesses dos alunos, a
daria em três etapas: antecipação – con- fim de prever rupturas e suas possíveis
siste nas várias operações que se realiza transformações; atendimento do hori-
antes de penetrar no texto; decifração zonte de expectativas, etapa em que o
– consiste no processo de decodificação professor proporciona à classe leitura de
das letras e das palavras, processo pra- textos que satisfaçam suas necessidades;

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ruptura do horizonte de expectativas, competências indicadas nesses estudos
momento em que o professor introduz são trabalhadas por esses docentes? As
textos que abalem as certezas literárias orientações metodológicas sugeridas são
e culturais dos alunos; questionamento seguidas? Há relações entre os documen-
do horizonte de expectativas, quando o tos curriculares, a prática pedagógica e
professor compara as duas fases ante- os livros didáticos adotados? A literatura
riores, fazendo que os alunos analisem é um componente curricular autônomo,
dificuldades, desafios e preferências; e ou é tratada de modo articulado com a
ampliação do horizonte de expectativas, leitura, a produção de textos e a reflexão
passo em que o professor sistematiza, metalinguística? A partir desses questio-
junto com os alunos, os resultados da namentos, decidimos, então, desenvolver
reflexão feita na fase anterior, assim a pesquisa aqui descrita, que tem seus
como as alterações e as aquisições pro- objetivos elencados a seguir.
movidas durante todo esse processo.
Podemos perceber, então, que se trata Procedimentos metodológicos
de uma metodologia bastante eficaz para
se proporcionar o alargamento das prá- A pesquisa, predominantemente qua-
ticas de leitura dos alunos, partindo de litativa, interpretativa e etnográfica, foi
seus horizontes de expectativas. Enfim, realizada em duas escolas caracteriza-
se forem respeitadas as especificidades das por perfis diferentes: uma pública
do fenômeno literário por meio de uma estadual de Pernambuco (em que foram
“boa escolarização”, se forem alargadas observadas aulas numa turma de 2º
as concepções de linguagem, de litera- ano de ensino médio) e uma pública
tura e de leitura por parte dos docentes municipal da cidade do Recife (em que
e se forem ampliados os horizontes de foram observadas aulas do 7º ano do
expectativas dos alunos, partindo-se de ensino fundamental). A opção por duas
seus interesses de leitura, então, pode- escolas de perfis e realidades diferentes
remos promover o letramento literário justifica-se pelo intuito de se realizar
na escola, formando leitores críticos e uma análise comparativa entre ambas.
criativos capazes de transformação pes- Em cada uma das unidades educacio-
soal e social. nais, foram colhidos dados com auxílio
Isso posto, cabe perguntar: dentro de protocolos de observação, técnica de
desse contexto de mudanças e novas coleta de dados que tem a vantagem de
proposições para o ensino de português captar os fenômenos a serem estudados
e literatura, como os professores orga- no ambiente natural em que acontecem.
nizam sua prática pedagógica frente Os materiais de pesquisa envolvidos na
às teorias atuais no que concerne ao coleta dos dados foram diários de cam-
ensino de português/literatura? As po e um gravador de voz do tipo MP3,

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empregados para o registro das aulas Aula de leitura e interpretação
observadas, além de materiais didáticos
e instrumentos de avaliação utilizados
(?) do poema “Canção do
pelos professores. Exílio”, de Gonçalves Dias
Quanto aos critérios de análise,
debruçamo-nos sobre: (a) os conteúdos O caso em análise revela-nos uma
e as competências privilegiados pelos aula em que a interpretação do poema,
professores; (b) os procedimentos me- quando houve, ficou subjugada ao crivo
todológicos adotados para o tratamento do professor. Assim, apesar de o profes-
do texto literário, considerando as suas sor 1 utilizar-se de diferentes métodos
especificidades; (c) a possível relação para fazer os alunos entenderem o poe-
entre as propostas curriculares, a prática ma, não lhes foi dada voz de expressão
docente e o livro didático adotado; (d) a no que se refere às suas impressões sobre
conexão entre a literatura e as demais o texto lido.
unidades de ensino de português (leitu- O professor 1 inicia a aula pedindo
ra, produção textual e reflexão metalin- a um grupo de alunos que cada um leia
guística). uma estrofe do poema – que consta no li-
Cumpre esclarecer que, para empre- vro didático Língua Portuguesa – Projeto
ender a investigação, providenciamos as Eco, 7º ano, de Cristina Azeredo. Após a
devidas autorizações para a coleta e o leitura, o docente distribui vários dicio-
tratamento dos dados, mediante os ins- nários para que os alunos busquem o sig-
trumentos adequados, inclusive o Termo nificado das palavras que não conhecem
de Consentimento Livre e Esclarecido, (exílio, gorjeiam, várzeas, cismar, primo-
assinado pelos gestores das unidades res etc.). Assim, ele os orienta quanto à
escolares e pelos professores observados. questão da ordem alfabética, explicando
A eles foi assegurado o anonimato quan- que as palavras são sequenciadas nos
do da divulgação dos dados em textos e dicionários, e tira dúvidas quando al-
eventos de caráter científico. guns ainda não conseguem apreender
Para realizarmos a discussão dos re- os significados de termos que constam
sultados de nossa pesquisa, destacamos na definição, para com eles interpretar
três situações didáticas que ilustram as palavras do poema.
bem as práticas dos professores obser- Em seguida, o docente pergunta aos
vados no que se refere ao ensino de alunos o que significa exílio, exilar-se,
literatura. As duas primeiras situações ao que os alunos respondem lendo as
descritas dizem respeito à prática do definições do dicionário. Então, ele ex-
professor da escola municipal (denomi- plica que esse poema é assim intitulado
nado de “professor 1”) e as duas últimas, porque seu autor, Gonçalves Dias, estava
às aulas do professor da escola estadual afastado do Brasil, sua terra natal. Diz,
(chamado de “professor 2”). também, que esse é um dos poemas mais

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conhecidos e admirados no país, tendo, não tendo eco algum na vida dos educan-
inclusive, um de seus trechos incluído no dos (SANTOS, 2009). Quando se trata de
hino nacional. Após isso, ele lê o poema, literatura, não é só o conteúdo do texto
exaltando a nação brasileira e enaltecen- que faz parte do processo de ensino-
do sua natureza; salienta a semelhança -aprendizagem; é sua condição mesma de
de uma estrofe com o hino nacional, ex- texto, abrangendo tanto as questões de
plicando que “o poema veio primeiro”, ou produção desse texto quanto de recepção/
seja, exerceu influência na composição do percepção por parte dos alunos. “Impor-
hino. Por fim, fala do desejo de retorno ta, pois, no âmbito da disciplina Língua
sentido pelo eu lírico/poeta. Portuguesa, colocar em causa a função
No que se refere à proposta de Cosson de ‘literário’, e distinguir, na análise, o
(2006) para uma metodologia de leitura, que diz respeito ao efeito estético e o que
vemos, nesse caso, que o professor 1, diz respeito a outras funções que o texto
apesar de prescindir da antecipação, assume enquanto obra de linguagem”
estabelece com eficácia a fase de leitura (MAGNANI, 2001, p. 51).
da decodificação no momento em que Além disso, esse tipo de abordagem
impele os alunos a se esforçarem para contribui bastante para uma “entroni-
buscar os significados das palavras que zação” do texto literário, na medida em
não conhecem. Essa atividade é essen- que é legítimo apenas o discurso do pro-
cial para desenvolver a familiaridade fessor (balizado pela crítica) a respeito
dos alunos com termos menos comuns da literatura. Quando não se abre espaço
na fala cotidiana, sobretudo porque se para os alunos expressarem-se diante da
trata de uma turma de 7º ano do ensino leitura de um texto literário, ou quando
fundamental, fase em que se deve cons- essa expressão não é considerada, cria-se
truir um vasto domínio semântico de uma representação de intangibilidade
palavras de diversas esferas. Entretanto, em torno da literatura que provoca um
a etapa da interpretação ficou realmente distanciamento entre a obra literária e o
comprometida. educando e que, consequentemente, faz
Após a decifração do poema, o profes- perpetuar o mito de que literatura é um
sor 1, empregando o método expositivo, conteúdo escolar “muito difícil”.
impõe aos alunos suas interpretações Nesse sentido, seria mais produtivo
– ou, melhor, a interpretação oficial e que o professor, concluída a fase de
autorizada – a respeito do poema. Dessa decodificação, conversasse mais livre-
forma, mesmo que se tenha trabalhado mente com os discentes sobre o que foi
(superficialmente, é válido salientar) lido, atentando para a musicalidade do
noções como as de autoria, intencionali- poema e para a inventividade do poeta
dade e intertextualidade, a leitura acaba e extraindo dos alunos suas impressões
tornando-se uma mera obrigação escolar, acerca do texto e os sentimentos por

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este suscitados (considerando-se o fato que sim, e o professor, então, faz uma re-
de que, na vida, mesmo quando crian- flexão quanto à limpeza da sala de aula,
ças, mudamos de escola, de bairro ou de afirmando que “o aluno que suja a sala é
cidade, ou nos afastamos de pessoas de o mesmo que joga lixo na rua e no canal”,
quem gostamos – um “exílio” inevitável). e busca conscientizá-los de que jogar lixo
nas ruas, principalmente na cidade do
Leitura da crônica “Floresta Recife, causa entupimento de bueiros e,
consequentemente, alagamentos.
incendiada”, de Cecília Logo, podemos perceber que o profes-
Meireles: um exemplo da má sor revela uma preocupação de compro-
escolarização da literatura misso com a comunidade, ao vincular o
tema do texto à realidade dos alunos e
Dando continuidade às atividades do ao expandir a reflexão para fora dos li-
livro didático, foi lida a crônica “Floresta mites da escola. Esse intercâmbio entre
incendiada”, de Cecília Meireles, que escola e sociedade é essencial para que
trata da indignação da poetisa frente às os educandos conscientizem-se do seu
queimadas ocorridas constantemente no papel de cidadãos e de agentes na trans-
morro de Dona Marta. Nessa crônica, formação da realidade, no caso, referente
a escritora descreve poeticamente os ao meio ambiente e à limpeza tanto da
incêndios que presencia e os toma como cidade quanto do espaço escolar. En-
símbolo para questionar a “humanidade” tretanto, quando se trata de literatura,
do ser humano. estacionar na discussão temática acaba
Após a leitura dessa crônica, o profes- por desconsiderar o texto como trabalho
sor passa a tecer comentários, alegando de linguagem e imaginação. Ou seja, o
que queimadas e derrubadas não são esquecimento da dimensão poética acaba
algo tão incomum, e pergunta aos alu- por reduzir o aproveitamento da crônica
nos se eles já viram uma árvore sendo em sua mensagem.
derrubada, ao que os alunos respondem O objetivo é sugerir que as atividades de
positivamente. Então, relata um caso leitura propostas ao aluno, quando este
se debruça sobre um texto literário, têm
em que sua vizinha mandou derrubar
sempre de ser centradas no significado
um pé de jambo por causa do barulho mais amplo do texto, significado que não se
dos passarinhos e critica-a, bem como confunde com o que o texto diz, mas reside no
critica a derrubada de árvores para se modo como o texto diz o que diz (LAJOLO,
1997, p. 50).
fazer construções. Depois, pergunta aos
alunos se eles concordam com a visão Em seguida, o professor 1 passou
pessimista da autora de que “os homens uma atividade no quadro, a qual será
estão ficando piores” no que se refere ao reproduzida a seguir:
meio ambiente. Os alunos respondem

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Atividade de análise do texto “Floresta alunos atentem para a contraposição
incendiada” – Cecília Meireles. entre os verbos no passado e no pre-
1 - A característica principal do texto “Flo- sente; por fim, esclarece o significado
resta incendiada” é a indignação da au- da palavra “pessimista” – presente na
tora perante a devastação das florestas terceira questão –, usando um aluno
brasileiras. A quem ela dirige uma crítica
no 4º parágrafo sobre a responsabilidade
como exemplo.
de ensinar as novas gerações? Portanto, novamente, percebemos que
2 - No 5º parágrafo a autora faz uma compa- foram desprezados a busca de diferentes
ração entre passado e presente. Copie o significados num texto notadamente po-
trecho que expressa bem essa compara- lissêmico, o trabalho com a linguagem
ção.
poética (presente, sobretudo, na passa-
3 - A partir de sua visão pessimista, o que gem em que Cecília Meireles personifica
a autora afirma com relação aos seres
o fogo dos incêndios e descreve a agonia
humanos e seu comportamento perante
a natureza? das árvores que queimam) e o papel do
Ao analisarmos o livro didático da leitor enquanto elemento fundamental no
turma, pudemos observar que essas processo da experiência literária. Dessa
questões propostas pelo docente resul- maneira, “os exercícios acabam funcio-
tam de uma adaptação simplificada e nando como uma espécie de filtro seletor
superficial das questões originais que se em que o relacionamento do leitor com o
seguem ao texto no manual. Em alguns texto fica distorcido e apequenado, não
exercícios do livro, ainda podemos notar obstante a virtualidade estética de que o
um caráter reflexivo, na medida em que texto seja dotado” (LAJOLO, 1997, p. 51).
certas perguntas fazem o aluno atentar Na aula seguinte, o professor 1 passa
para algumas ironias presentes no tex- para os alunos os exercícios do livro di-
to, pedem a sua opinião sobre o estado dático da seção “A linguagem do texto”,
pessimista da autora, perguntam sobre ainda referentes à crônica de Meireles.
o fato de os incêndios serem “simbóli- O enfoque desses exercícios é o trabalho
cos” e ainda os levam a refletir sobre a com a metalinguagem do texto, especifi-
natureza subjetiva da crônica. Já nas camente no que se refere à concordância
perguntas adaptadas pelo professor 1, e à retomada de elementos como recursos
predomina um caráter de identificação coesivos. Ocorre que esses exercícios em
de informações no texto e de reprodução momento algum se voltam para a signifi-
de alguns de seus trechos. O docente, ao cação global do texto, muito menos para
fim da aula, responde às questões, expli- sua literariedade. As questões colocam
cando que “as professorinhas” – resposta em foco passagens isoladas da crônica
da primeira questão – representam “a que melhor exemplificam o conteúdo
escola, a educação”; explica, também, a linguístico trabalhado, como podemos
definição de “comparação” – referente à ver, explicitamente, na segunda questão
segunda questão –, solicitando que os da seção, transcrita abaixo:

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2 - Releia este trecho da crônica: “Em redor temática é a maneira mais pobre de a
deste vale, tudo era virente e feliz”. conceber. Reduzindo o texto literário à
a) De acordo com a leitura que você fez
do texto, o que “era virente e feliz”? mesmice dos assuntos, a leitura temá-
b) Qual é a função da palavra “tudo” tica empobrece não apenas o texto, mas
nessa frase? também o seu leitor” (apud CHIAPPINI,
c) Por que o verbo ser usado nessa frase
na terceira pessoa (“era”) está no sin-
2005, p. 256). Isso porque procedimentos
gular? desse tipo “pouco ou nada contribuem
para a formação de leitores capazes de
Assim, ao se trabalhar os pronomes reconhecer as sutilezas, as particularida-
indefinidos funcionando como apostos des, o sentido, a extensão e profundidade
recapitulativos no processo da anáfora, das construções literárias” (PINHEIRO,
o texto passa a ser pretexto para se 2001, p. 70).
abordar aspectos gramaticais e textuais. Outro problema observado na práti-
Mais uma vez, o questionário valoriza ca do professor 1 diz respeito à seleção
um esforço de compreensão racional, dos textos para se trabalhar em sala de
nunca articulado ao lúdico/estético pre- aula e, numa visão mais ampla, ao pro-
sente na crônica. É preciso, portanto, jeto curricular que a sua prática revela.
que as orientações de leitura levem em Apesar dos recentes debates sobre ensino
conta a dimensão estética do texto – não de literatura, que dão destaque especial
meramente a técnica. ao interesse de leitura dos alunos, foi
Em síntese, podemos notar que, no notado que a seleção dos textos e do tema
que se refere ao ensino reservado ao em questão decorreu do livro didático. A
texto literário, os conteúdos e as com- temática da natureza foi trabalhada pelo
petências privilegiados pelo professor professor, não por conta de uma decisão
1 dizem respeito à decodificação desse tomada em conjunto com os alunos, mas
texto, a discussões de caráter temático porque era o tema trabalhado na primei-
e ao trabalho com questões gramati- ra unidade do livro didático, intitulado
cais/textuais. Nesse sentido, podemos A natureza em prosa e verso. No caso do
afirmar que há uma integração entre o poema “Canção do exílio”, observamos
ensino de literatura e o ensino de língua um sério descompasso entre o seu teor
materna (leitura e análise linguística). nacionalista/ufanista e os horizontes de
No entanto, essa integração acaba sendo expectativas dos alunos – crianças de,
nociva ao texto literário, por torná-lo re- em média, 12 anos de idade.
positório de exemplos para se trabalhar Dessa forma, podemos inferir que o
questões de análise gramatical e mote projeto curricular que norteia a prática
para debates estritamente temáticos desse professor é subjugado ao conteúdo
após sua leitura. De acordo com Perrone, do manual didático. Apesar de perce-
“Estudar literatura apenas a partir da bermos certas tendências voltadas ao

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letramento durante a observação de Assim, ao passo que o professor de lite-
suas aulas – provavelmente decorrentes ratura ensinava o Romantismo, o outro
das orientações da BCC –, é notório que professor, nas aulas de português, tra-
os conteúdos, as temáticas e os textos balhava as regras referentes às flexões
selecionados para o ensino de língua dos substantivos – pelo método indutivo,
portuguesa são determinados mais pelo ou seja, mediante a memorização das
manual didático, que funciona como prescrições e posterior identificação em
a fonte efetiva do currículo. No que exercícios do livro didático – e, nas aulas
concerne, especificamente, ao ensino de redação, o gênero informativo – numa
de literatura, essa postura traz sérios perspectiva da tipologia textual clássica
prejuízos para a promoção do letramento “narração-descrição-argumentação”. A
literário dos alunos, pois seus interesses coordenadora pedagógica, no momento
são descartados em nome do que é dita- em que solicitamos autorização para re-
do pelos livros didáticos, que, segundo alizar a pesquisa na escola, justificou-se
Freinet, “raramente [...] são feitos para dizendo que, apesar de saber que “não
a criança. Eles alegam facilitar, ordenar é isso que se prega na universidade”,
o trabalho do professor; eles se gabam era necessário fazer essa separação;
de seguir passo a passo os programas. do contrário, se fosse um professor só
Mas a criança acompanhará, se puder... e as três disciplinas fossem integradas,
Não é dela que eles se ocupam” (apud corria-se o risco de o docente dar ênfase
CHIAPPINI, 2005, p. 96). à área de sua preferência, minimizan-
do as demais. Afora isso, alegou que a
Uma aula de história da separação facilitava a organização dos
horários por parte da gestão. Logo, po-
literatura sem leitura literária demos notar que o currículo referente ao
A situação que passamos a descrever ensino de língua materna comporta um
refere-se à prática do professor 2, re- caráter burocrático, na medida em que
gente de uma turma de 2º ano do ensino é formatado com base na organização
médio. Nessa escola, o ensino de língua e categorização dos conhecimentos em
materna é dividido em três disciplinas: detrimento da aprendizagem dos alunos.
literatura, português e redação. Para Ademais, essa justificativa comprova o
cada turma, havia dois professores: um que Chiappini (2006) afirma quando diz
se encarregava de literatura, e outro, de que a divisão entre língua e literatura se
português e redação. Para essas duas dá muito mais por concepções estreitas
últimas disciplinas, mesmo sendo mi- de língua e de literatura do que por uma
nistradas pelo mesmo professor, eram didática que favoreça seu ensino.
reservados horários diferentes em que Para iniciar os estudos sobre o Ro-
eram trabalhados conteúdos diversos. mantismo brasileiro, esse docente pede

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que a turma se divida em seis grupos formações adicionais sobre o episódio
de, em média, quatro alunos. Assim, ele histórico em questão. Na aula seguinte,
enumera os grupos e diz que cada equipe o professor, a partir do manual didático,
corresponderá a um dos seis tópicos que escreveu no quadro características, auto-
estão escritos no quadro, a saber: res e obras referentes à primeira geração
1 - Uma corte em fuga – os nobres invadem o da poesia romântica brasileira, conforme
Rio o esquema a seguir:
2 - Romantismo no Brasil: discurso da nacio-
nalidade
3 - Resgate do mito do território sagrado – ROMANTISMO NO
Von Martius e a gênese do povo brasileiro BRASIL – POESIA
4 - Proclamação da independência: impacto
na produção cultural 1ª geração
5 - O manifesto romântico brasileiro (indianista/nacionalista/religiosa)
6 - A poesia indigenista da 1ª geração – o - Gonçalves Dias  (I-Juca Pirama; Se se morre de amor)
projeto literário da poesia da primeira
- Gonçalves de Magalhães  (Suspiros poéticos e saudades)
geração

Em seguida, o docente explicou aos


Esses temas/títulos foram extraídos
alunos as características elencadas,
de seções do livro didático da turma
sem, no entanto, buscar as causas des-
(Português: texto, interlocução e sentido,
sas características, e salientou que, dos
de Abaurre et al., Editora Moderna) re-
dois autores, Gonçalves Dias é o mais
ferentes ao capítulo sobre o Romantismo
representativo, porém não esclareceu
brasileiro. Dessa forma, o professor 2
o critério utilizado para essa classifi-
solicitou que, depois de realizar a leitura
cação. Essa falta de porquês revela-nos
do texto do manual correspondente a seu
um modelo de ensino diretivo, baseado
tópico, cada grupo fizesse um resumo e
na memorização de informações, e não
apresentasse o que havia entendido para
na reflexão e no exercício da crítica e
o restante da turma; após cada apresen-
da investigação. Quanto a ter dito que
tação, ele faria perguntas aos alunos.
Gonçalves Dias é mais representativo,
No momento das apresentações, os
provavelmente o docente o fez porque é
alunos falavam textos memorizados
o que consta no livro didático. Isso nos
previamente ou reproduziam o texto do
conduz a pressupor que o professor 2
livro didático, chegando mesmo a lê-lo.
nunca questionou o fato de que o cri-
Quando o professor fazia perguntas à
tério para tal afirmação, longe de ser a
equipe, os membros calavam-se; quan-
qualidade dos textos de Gonçalves Dias,
do as lançava para a turma, os alunos
é, na verdade, a adequação da sua obra
alegavam: “Essa não é minha parte!”.
às características convencionadas para
Então, ele prosseguia, explicando cada
aquela geração. Dessa forma, podemos
tópico apresentado por meio de uma
notar que o professor desconsidera que
paráfrase do texto do livro e dando in-

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os estilos e as características dos movi- As observações realizadas permiti-
mentos literários são abstrações constru- ram-nos notar que o professor 2 adota
ídas a posteriori pelos críticos, uma vez integralmente o livro didático como
que são as obras que determinam essas base curricular para sua prática peda-
sistematizações. Ademais, dificilmente gógica. Assim, se pensarmos em termos
uma obra identifica-se inteiramente com de formação de leitores literários, com-
essas posteriores esquematizações, pois promete-se tanto a metodologia – como
se trata de generalizações (COSSON, vimos acima – quanto o conteúdo das
2006). aulas de literatura. Com efeito, resta
Na atividade de apresentação, ob- claro, ao analisarmos esse manual, que
servamos a reprodução literal do texto sua proposta de trabalho está calcada
do livro didático (lido ou decorado) por na história da literatura em detrimento
parte dos discentes, cujo discurso não da compreensão, da interpretação e da
era de autoria própria, uma vez que o fruição das obras literárias. Ensinar lite-
conteúdo da aula não resultou de um ratura por meio da apreensão de técnicas
conhecimento construído pela turma, e períodos literários não vai resultar em
juntamente com o professor, por meio alargamento dos limites culturais dos
de uma reflexão sistemática. Essa re- alunos. Assim, uma prática pedagógica
produção também ocorreu por parte do significativa é aquela que proporciona ao
docente, tendo em vista que se limitou a discente a vivência da experiência literá-
parafrasear o texto do manual didático ria. Por isso, concordamos com Bordini e
e a extrair dele o conteúdo para suas Aguiar, quando dizem que,
aulas, acrescentando algumas poucas [...] antes de formalizar o estudo do texto por
informações – o que revela um ensino essas vias, é preciso vivenciar muitas obras
superficial de caráter informacional. A para que estas venham a preencher os es-
quemas conceituais. [...]. Será no 2º grau que
esse fato, podemos associar a seguinte a sistematização teórica do conhecimento
afirmação de Chiappini: literário poderá ser introduzida, desde que,
mesmo então, seja fundada na leitura prévia
[...] o fato de tratar-se de um manual – o
de textos (1993, p. 17).
saber ao alcance da mão – faz do professor
um repetidor que não se interroga sobre Logo, é pouco proveitoso ensinar os
aquilo que transmite, e do aluno, um exe-
cutante que não se interroga sobre aquilo educandos a memorizarem as caracte-
que executa. [...]. Um livro para fazer isso, rísticas de um estilo de época – situando
para colocar o saber ao alcance da mão, a produção da literatura em blocos es-
tem que comprimir, diluir, homogeneizar,
congelar, desistoricizar o saber. Ele tem de
tanques de períodos literários – se eles
dar a impressão de que o saber é neutro, de não têm uma compreensão mais ampla
que é o mesmo para todos os pontos de vista e crítica do objeto literário: o texto.
e para todos os que o buscam, de que o saber Ainda assim, dentro dessa proposta
é apenas resultado, pronto e acabado, e não
uma construção (2005, p. 96-112). de estudo da história da literatura, há

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uma tendência, como restou-nos compro- entre a expansão do público leitor femi-
vado nessa situação didática, de se enca- nino e o advento de narrativas de perfis
rar o processo histórico como a visão es- femininos que defendiam valores a se-
treita de uma mera sucessão de eventos. rem seguidos pelas mulheres). Todavia,
Essa visão trata os fatos relacionados como já anunciamos, essas ligações não
à literatura por um viés enciclopédico, foram feitas, na medida em que fatos
compartimentando-os em períodos isola- da história e características a respeito
dos e em individuações descontínuas do dessa escola literária foram abordados
processo cultural. Conforme Chiappini, de forma isolada, em tópicos separados.
essa abordagem contribui sobremaneira É importante salientar, como bem
para “homogeneizar e simplificar o saber, afirmam Bordini e Aguiar (1993), que
diluindo as contradições e as particula- não se trata de negar a história da litera-
ridades, numa ilusória visão harmônica tura enquanto um conhecimento válido
do mundo e, sobretudo, agravando a no processo de letramento literário es-
ruptura já existente entre a escola e a colar (sobretudo no ensino médio); mas,
vida” (2005, p. 97). antes, de valorizá-la por meio de uma
Além disso, apesar de o conteúdo da contextualização que parta da leitura
aula privilegiar a história da literatura, efetiva das obras, num processo reflexivo
as características do movimento român- de construção de conhecimentos, e de
tico não foram historicizadas. Ou seja, reconhecer sua importância com base
o professor 2 não estabeleceu vínculos em uma metodologia que contemple o
entre os episódios históricos apresen- diálogo que a obra estabelece com os
tados e os ideais do Romantismo, des- fatos históricos do período.
considerando a relação dialógica que há
entre esse dois elementos – ainda mais Atividade sobre o
quando se trata de um estilo de época
tão marcadamente definido por questões
poema “Olhos verdes”,
históricas (como é visto, por exemplo, de Gonçalves Dias: um
na associação entre a independência do exercício da obrigação
Brasil e a necessidade de criar, pela via
da literatura, uma identidade nacional
escolar
baseada na valorização da figura do ín-
Na aula seguinte, o professor 2 passou
dio, uma vez que esse era o habitante do
para os alunos o exercício do livro didáti-
Brasil antes de os portugueses chegarem
co referente ao poema “Olhos verdes”, de
aqui; na correspondência entre a instau-
Gonçalves Dias. Ele leu o fragmento do
ração da burguesia enquanto produtora
texto que constava no livro e as pergun-
de literatura e o surgimento dos gêneros
tas (explicitadas abaixo); depois, deixou
romance, novela e conto; e na relação
que os alunos respondessem.

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6 - O eu lírico se apaixona por uma mulher Dessa forma, fica claro que a leitu-
depois de ver seus olhos verdes. Que efei- ra do texto literário e a exploração de
tos esse fato tem sobre ele? Explique.
7 - A referência à beleza da amada é feita seus recursos expressivos por meio das
com base na cor de seus olhos. Que recur- questões do exercício foram totalmen-
so o poeta utiliza para caracterizá-los? te secundarizadas, uma vez que esse
a) Que elementos do poema indicam
que o sofrimento do eu lírico já estava
trabalho revestiu-se da artificialidade
anunciado nos olhos da amada? Expli- típica do ensino tradicional. A leitura,
que por quê. portanto, não interpelou os alunos, e a
b) Quem afirma no poema: “Eram verdes
tarefa ganhou um tom de execução e de
sem esp’rança” e por quê?
8 - Em todas as estrofes do poema há um obrigação, na medida em que o professor
mesmo refrão, com pequenas alterações. utilizou o exercício como um instrumento
Transcreva-os no caderno. para promover a disciplina da turma,
a) A que tipo de poesia a presença do
refrão nos remete? subjugando-o à atribuição de nota. Haja
b) O uso do refrão permite identificar vista que não se identificaram com o
certa influência literária na lírica de texto (e que não houve qualquer esforço
Gonçalves Dias que a distingue das
outras obras desse autor. Que influ-
da parte do professor para tal), os alunos
ência seria essa? Por que ela revela não empregaram energia para entendê-
uma diferença em relação à produção -lo, sequer para significá-lo com base em
indianista do autor?
suas experiências. Como seu papel na
recepção textual é desprezado, os edu-
Porque vários alunos estavam fazen- candos não se veem como coenunciadores
do barulho durante a aula, o professor do texto; assim, a literatura, para eles,
ameaçou-os, dizendo, com um tom de torna-se impenetrável e indecifrável
autoridade, que perto do fim da aula iria (MARTINS, 2009).
passar “de caderno em caderno, dando o No que se refere ao exercício do manual,
visto” para saber quem estava fazendo e percebemos que o poema em questão
quem estava conversando. Para aqueles acaba servindo para ilustrar traços do
que tivessem feito a atividade, ele disse estilo de época, características do autor,
que “daria ponto”. Assim, os alunos pas- além de estar incompleto. Some-se a
saram a fazer silêncio e muitos copiaram isso o fato de que os autores omitem sua
a atividade de outros colegas sem que referência bibliográfica. Essa preferência
o professor visse; quando ele se aproxi- por excertos descontextualizados e desli-
mava, fingiam que estavam fazendo os gados do livro que os comporta
exercícios. Depois, o professor passou
desvirtua o universo de sentidos das obras,
de classe em classe, averiguando se o produzindo no imaginário do aluno leitor um
exercício estava feito e conferindo se a caos de representações desarticuladas que
letra no caderno de alguns alunos eram nem de longe correspondem ou insinuam a
proposta de cada original, e acabam por fa-
mesmo suas, e, por fim, deu as respostas zer da noção de literatura assim construída
das questões sem discuti-las. uma colcha de retalhos em que nada tem a

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ver com nada. Ou melhor, tudo tem a ver dado como ‘exemplar’, ao mesmo tempo
com as intenções (nem sempre louváveis) em que se trabalha aspectos estáticos
daquele que seleciona os textos e os recorta
(BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 37). da literatura passíveis de serem opera-
cionalizados e comportamentalizados”
A poética do texto, então, é reduzida (MAGNANI, 2001, p. 48).
à identificação de influências de outros Em síntese, temos, como objeto de
períodos literários e de características estudo e habilidades privilegiados pelo
do movimento, o que restringe sua in- professor 1 , a apreensão da história da
terpretação à catalogação de itens em literatura, usualmente na sua forma
detrimento da fruição do poema, da expe- mais simplificada, ou seja, enquanto
riência poética. No mais, a ilusão de que uma cronologia literária que leva em
há “respostas certas”, quando se trata do conta características de estilos de época,
trabalho com a literatura, contribui para cânone e dados das obras de autores. O
a entronização do texto (ou melhor, do texto literário, quando compareceu, re-
fragmento). Assim como ocorreu com o duziu-se à apresentação de um fragmen-
professor 1, o professor 2 dá as “respostas to como pretexto para se comprovar as
certas”, tidas como as melhores e, por- características do movimento romântico,
tanto, difíceis de serem alcançadas pelos o que serviu como exercício do cumpri-
alunos e/ou contestadas por eles. Dessa mento das tarefas escolares sem sentido
maneira, promove-se um distanciamento e sem reflexão. Dessa forma, a única
entre literatura e aluno, uma vez que razão que resta para os alunos estuda-
este passa a representar aquela como um rem literatura é a presença desse tipo de
repositório de ideias fixas, verdadeiras, conteúdo nos exames vestibulares.
indiscutíveis e intangíveis. Quanto à metodologia, por eleger um
O trabalho didático-pedagógico se- ensino de caráter enciclopédico, o pro-
ria mais proveitoso se o professor 2 fessor 2 priva os alunos da experiência
dedicasse o mesmo tempo da aula a literária, na medida em que os conduz
uma discussão do poema, fazendo uma a entrar em contato com poucas obras,
contraposição entre a postura do poeta conhecendo muito pouco sobre cada um
e a postura dos alunos em relação a um desses textos, sobretudo no que eles têm
amor não correspondido e voltando seus de singular. Essa abordagem histórica,
esforços para uma exploração dos recur- portanto, não incentiva a leitura, uma
sos estéticos que revelam o sofrimento do vez que o texto literário desempenha
eu lírico, o que certamente configuraria uma função secundária e ilustrativa, e
um ensino capaz de despertar o interesse prescinde de uma sistematização meto-
pelo texto literário e propiciar a experi- dológica que favoreça o letramento lite-
ência poética por parte dos educandos. rário, já que se espera do aluno apenas
Em contrapartida, como vemos, “solicita- a assimilação de informações que pouco
-se do aluno uma atitude meramente lhe servem para a vida concreta, numa
passiva e reprodutora diante de um texto

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postura acrítica em relação ao conheci- das tendências presentes nos documen-
mento trabalhado. tos curriculares oficiais de Pernambuco
Em consonância com esse ensino de (BCC e OTM). Embora ainda apresen-
caráter histórico voltado para o vesti- tem indefinições quanto ao objeto de es-
bular, o professor 2 submete seu projeto tudo literário e falta de critérios quanto
curricular ao livro didático, seguindo-o aos procedimentos metodológicos para o
à risca e com exclusividade – tenha sido ensino de literatura, como apontam Silva
ele ou não a indicá-lo. Além disso, esse e Suassuna (2012), esses documentos
ensino de língua materna fragmentado já revelam avanços na área à medida
em literatura – em que se estudam os que defendem a integração do ensino
períodos literários –, português – em que de língua e literatura tanto no ensino
se estudam regras gramaticais – e reda- fundamental como no ensino médio e a
ção – em que se estudam tipos textuais leitura e análise de textos literários.
– revela-nos que há uma desconsideração

Quadro 1 - resumo comparativo


Professor da escola municipal Professor da escola estadual
– ensino fundamental – ensino médio
Conteúdos e - leitura como sinônimo de decodificação; - memorização de períodos históricos, de característi-
competências - leitura para interpretação (do professor) no nível cas de movimentos literários, de dados sobre autores
temático; representativos e de obras canônicas;
- texto literário como pretexto para análise gramati- - leitura de fragmento de poema do autor estudado
cal e textual. para identificação de características.

Procedimentos - incitação ao uso do dicionário por parte dos alunos; - apresentação dos alunos sobre tópicos do livro di-
metodológicos - exposição do professor (ora diretiva, ora entremea- dático para memorização das informações sobre o
da de questionamentos e reflexões); estilo de época mediante reprodução do que consta
- resolução de exercícios do livro didático em con- no manual;
junto com a turma. - exposição diretiva do professor;
- resolução de exercícios do livro didático realizada de
forma impositiva e mecânica.
Integração - há integração entre o ensino de língua e de literatu- - não há conexão entre ensino de língua e de litera-
entre literatura ra, porém não são respeitadas as especificidades tura. O ensino de língua materna, nessa escola, é
e os demais do texto literário. Este é subjugado ao ensino da dividido em (história da) literatura, português (que se
eixos do leitura, funcionando como um gênero como outro confunde com gramática normativa) e redação. Essa
ensino de qualquer para se trabalhar a temática definida pelo separação é justificada pela coordenadora pedagó-
português livro didático, e ao ensino de análise linguística, gica por uma necessidade de facilitar a organização
servindo como repositório de exemplos para se das atividades escolares e de controlar a garantia de
trabalhar questões gramático-textuais. que cada um desses saberes está sendo ensinado –
o que revela tanto um ensino de caráter burocrático,
com foco no planejamento, e não na aprendizagem
do aluno, quanto concepções estreitas de língua e
de literatura.
Relação entre - o professor 1 leva em conta orientações da BCC - o professor 2 submete seu projeto curricular integral-
as propostas quanto a práticas de letramento; no entanto subju- mente ao livro didático, reservando à literatura, na
curriculares, a ga suas aulas ao livro didático, sobretudo no que esteira da visão tradicional, um ensino de caráter his-
prática docente diz respeito à seleção dos textos e à definição dos tórico que relega a leitura das obras. Desse modo, o
e o livro temas trabalhados com os alunos. A literatura, por docente desconsidera as orientações da BCC e das
didático sua vez, não é estudada de forma adequada, re- OTMs, que, apesar de revelarem indefinições, têm
alidade que resulta de uma possível carência na como foco do ensino de literatura a leitura das obras.
formação do professor nessa área e se mantém
devido às lacunas presentes na BCC e nas OTMs
quanto ao tratamento desse tipo de texto.

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Considerações finais prática do professor 1 quanto na prática
do professor 2, é totalmente desprezado,
Ao término desta pesquisa, perce- pois não se levam em conta nem seus in-
bemos que, apesar de se tratar de di- teresses de leitura, nem sua impressões e
ferentes níveis de ensino, nenhum dos interpretações acerca do texto estudado.
professores investigados promove uma Não há um equilíbrio entre seus interes-
adequada escolarização da literatura, ses de fruição pessoal e as necessidades
na medida em que não compreendem a de escolarização do texto literário em
literatura à luz de uma perspectiva mais ambas as práticas. Além disso, tal des-
ampla e tomam como base de suas aulas prezo pela leitura (quando há) do aluno
o livro didático, que raramente aborda o é inverso à valorização da interpretação
fenômeno literário de forma adequada. ilustre e autorizada do professor ou do
Ainda que o professor 1 promova livro didático. Assim, as informações que
trabalhos de leitura sistemáticos, os con- estes detêm e transmitem são tratadas
teúdos privilegiados e as metodologias como verdades indiscutíveis, e não como
adotadas não favorecem o letramento ferramentas que ajudem os discentes a
literário, uma vez que não contemplam conferirem sentido ao texto. Essa situa­
a dimensão lúdica e estética dos textos. ção acaba por torná-los espectadores
Assim, há uma integração entre ensino silenciosos e apáticos do estudo da
de língua e de literatura, porém o texto literatura, revelando trabalhos inade-
literário é subjugado aos exercícios de quados e infrutíferos para a formação
leitura e de análise linguística, sem que e o amadurecimento de futuros leitores
suas especificidades sejam respeitadas. desse tipo de texto.
Já o professor 2 restringe o ensino de Nessa perspectiva, percebemos que
literatura a um inventário de períodos a adoção acrítica do livro didático con-
literários, de características de movi- tribui bastante para fomentar o quadro
mentos, autores representativos e suas acima descrito, pois, nos manuais dos
obras canônicas. Não é realizada a lei- dois professores observados, à leitura
tura dessas obras; apenas nos exercícios seguiam-se exercícios gramaticais ou
propostos pelo manual didático, para interpretações com itens programados
reconhecimento de características e iden- e direcionados para uma compreensão
tificação de categorias literárias, é que literal e primária, sem qualquer relação
um ou outro fragmento do texto costuma com o caráter artístico do texto literário.
ser lido – o que notadamente prejudica a As atividades do livro, então, seguidas
formação de leitores de literatura. à risca, sem discussão ou reflexão do
O papel do leitor como coenunciador professor com os alunos, acabam por
que dialoga com o texto e como constru- adquirir um caráter de obrigação e exe-
tor de sentidos a partir do texto, tanto na cução, em que os discentes são levados a

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crer que a razão do estudo da literatura fazendo persistir um modelo de ensino
é o mero cumprimento de tarefas esco- tradicional problemático.
lares sem sentido para sua vida, senão A partir dos indícios de nossa pes-
para que sejam aprovados na escola e/ quisa, faz-se necessário, portanto, que
ou no vestibular. Parece ser da essência haja uma maior ênfase quanto a uma
mesma do manual a homogeneização didática do texto literário nos cursos
dos saberes literários, que nega a expe- de graduação em Letras no estado de
riência poética como algo que deve ser Pernambuco. Igualmente, é importante
vivenciado, refletido e construído, não que esse tema ganhe destaque nos pro-
algo imposto por meio de interpretações gramas de formação continuada, a fim
que se recebem prontas. Assim, o uso de superarmos as barreiras do ensino
indiscriminado do livro didático torna o tradicional e do livro didático, para que
professor um “aplicador”, na medida em os alunos tenham, na escola, através
que este não reflete sobre o que ensina do estudo da literatura, a oportunidade
aos seus “alunos-máquinas”, os quais de expandir seus horizontes de leitura;
têm tolhida sua capacidade de questio- de experienciar o texto literário no que
nar, opinar e expressar-se. Enfim, por ele tem de lúdico e de humanizador; de
comportar “o saber” necessário, o manual descobrir sentidos para ressignificar sua
didático termina por afastar o aluno dos realidade a partir do cuidado, do humor
livros, das bibliotecas, das bibliografias, e do amor; de refletir sobre si e sobre o
do diálogo com outros leitores, do diálo- outro; de elaborar seus sentimentos para
go com os autores e do diálogo consigo melhor lidar com as complexidades da
mesmo. vida e das pessoas; e, enfim, de “desver
Essa realidade pode ser consequência o mundo para encontrar nas palavras
da combinação de vários fatores, que vão novas coisas de ver”, segundo versos do
desde as condições sociais em que a esco- poeta Manoel de Barros.
la está inserida até a falta de formação
no que se refere aos estudos recentes Et comment est l’enseignement
sobre uma pedagogia significativa para de la littérature brésilienne? Un
o ensino da literatura, que a trate como étude de pratiques aux nivaux
um meio de se (re)conhecer transfigura-
“collège” et “lycée”
do nas palavras do autor, de reconhecer
o mundo transfigurado no texto. Como
pudemos constatar por meio desta inves-
Resumé
tigação, essa falta de formação literária En considérant le contexte actuel
dos professores aponta para um ensino de l'élargissement de la conception de
langue et de littérature, nous souhai-
que desabona uma vivência relevante
tons décrire et analyser des pratiques
das obras literárias por parte dos alunos, de l’enseignement de la littérature

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brésilienne dans les nivaux “collège” et _______. ______. Parâmetros Curriculares
“lycée” et vérifier si les contenus et les Nacionais: língua portuguesa – 5a a 8a série.
méthodes adoptés favorisent la forma- Brasília: SEF/MEC, 1998.
tion des lecteurs littéraires. Entre au- BRASIL. SEMTEC/MEC. Parâmetros Cur-
tres, nous avons utilisé les travails de riculares Nacionais do Ensino Médio: parte
Bordini et Aguiar (1993), Chiappini II – linguagens, códigos e suas tecnologias.
(2006) et Cosson (2006). Em ce qui Brasília: SEMTEC/MEC, 1999.
concerne la méthodologie, nous effectu-
ons une recherche qualitative et eth- BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera
nographique par l’obsérvation des Teixeira de. Literatura: a formação do leitor
cours de littérature brésilienne dans – alternativas metodológicas. 2. ed. Porto
deux écoles de profils différents: une Alegre: Mercado Aberto, 1993.
publique municipale de Recife (“col- CHIAPPINI, Lígia. Reinvenção da catedral:
lège”) et une publique de l’État du Per- língua, literatura, comunicação – novas
nambouc (“lycée”). Nous avons remar- tecnologias e políticas de ensino. São Paulo:
qué, donc, des pratiques qui ne favoris- Cortez, 2005.
ent pás la formations de lecteurs litté-
_______. Gramática e literatura: desencon-
raires Tandis que un professeur réduit
tros e esperanças. In: GERALDI, João Wan-
leurs classes à l'étude de l'histoire lit- derley (Org.). O texto na sala de aula. 4. ed.
téraire, l'autre ne considère pas les as- São Paulo: Ática, 2006. p. 17-25.
pects esthétiques de ce genre, et ne
tient pas en considération des interpré- COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria
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¹
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foi assumida pela Editora Ática, e a obra foi revista e LEONEL, M. C. (Orgs.). O que quer, o que
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