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Caroline Beuren
RESUMO
INTRODUÇÃO
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disso, é possível a terceiros estimular a criação de falsas memórias através de
sugestões sutis, que acabam por distorcer pouco a poucoa percepção do sujeito
acercado evento.
MEMÓRIA
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Sendo assim, nossas lembranças funcionam apenas como um recurso
aproximativo, criando representações limitadas pelas condições e capacidades do
cérebro e condicionadas às nossas interpretações pessoais. Tal fato foi corroborado
por uma experiência realizada em 1932 pelo psicólogo inglês Frederic Charles
Bartlett, conforme mencionado em artigo de Stein e Neufeld (2001, p. 179):
não existe uma História neutra; nela a memória, enquanto uma categoria
abertamente mais afetiva de relacionamento com o passado, intervém e
determina em boa parte os seus caminhos. A memória existe no plural: na
sociedade dá-se constantemente um embate entre diferentes leituras do
passado, entre diferentes formas de “enquadrá-lo”.
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consequentemente, uma variedade incrível de verdades para um único fato. Assim,
não podemoster a pretensão de retratar o passado em sua totalidade, nem mesmo
quando relatamos um fato do qual fomos testemunhas.
FALSAS MEMÓRIAS
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A Síndrome das Falsas Memórias traz em si a conotação das memórias
fabricadas ou forjadas, no todo ou em parte, na qual ocorrem relatos de fatos
inverídicos, supostamente esquecidos por muito tempo e posteriormente
relembrados. São erros que se devem à memória, e não à intenção de mentir.
Podem ser implantadas por sugestão e consideradas verdadeiras e, dessa
forma, influenciar o comportamento.
Estas memórias falsas devem ser distinguidas das memórias recobradas, isto
é, aquelas que realmente permanecem inacessíveis por algum tempo, mas,
posteriormente, vêm à tona. [...]
Em seu artigo, Lopes Jr. e Di Gesu (2007) fazem referência à uma pesquisa
que ilustra claramente a maneira como sugestões externas podem ser incorporadas
a lembranças reais, gerando memórias falsas, e o quão fortes elas podem se tornar:
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[...] psicólogos apresentaram a voluntários acontecimentos reais relatados por
membros da família, o que de fato dá mais credibilidade à história, misturados
a acontecimentos inventados — ter derramado champanhe nos pais da noiva,
em uma festa de casamento. Na primeira vez em que o fato fictício foi
relatado, nenhum dos participantes lembrava-se dele. Entretanto, os
resultados da pesquisa mudaram ao longo de duas entrevistas consecutivas:
18% e depois 25% dos voluntários afirmaram se lembrar do incidente falso.
Cabe ressaltar, como faz Trindade (2012, p. 222), que a Síndrome das Falsas
Memórias não aparece no Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais
(DSM – IV), nem na Classificação Internacional de Doenças (CID – 10), referências
mundiais na classificação e diagnóstico de doenças mentais. No entanto, “o DSM –
IV traz alguns transtornos que se relacionam à memória, tais como os Transtornos
Amnésicos, os Transtornos Dissociativos, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático,
o Delirium e a Demência”, que, apesar de provocarem efeitos semelhantes em
termos de memória, não devem ser confundidos com as falsas lembranças.
Três diferentes modelos teóricos têm sido usados para tentar explicar o
fenômeno das falsas memórias: o Construtivista, o modelo de Monitoramento da
Fonte e o modelo da Teoria do Traço Difuso (TTD), sendo esta última a mais
popular. Essa teoria
[...] propõe que a memória não é um sistema unitário, mas sim constituído de
dois sistemas independentes e em paralelo (Reyna&Brainerd, 1995). Esses
dois sistemas codificam as informações sob a forma de diferentes
representações, denominadas representações literais e de essência. A
memória literal armazena os traços específicos, episódicos e detalhes das
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palavras, enquanto a memória de essência armazena o sentido de forma
inespecífica, ou seja, o significado, e os padrões gerais das palavras
apresentadas. Para a TTD, as falsas memórias seriam decorrentes da
recuperação de memórias da essência do material estudado, quando as
memórias literais não estão mais acessíveis. Já as memórias verdadeiras
seriam decorrentes, em sua maior parte, da recuperação de memórias literais
(Brainerd&Reyna, 2002). (SANTOS e STEIN, 2008, p. 417)
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Além disso, pesquisas apresentadas no artigo de Stein e Neufeld (2001)
também demonstram que a variável temporal é uma forte influência quando se trata
da formação de falsas memórias, isto é, quanto mais tempo decorre entre o
momento do acontecimento e seu posterior relato, mais provável é que certos
elementos das lembranças sejam preenchidos por memórias falsas espontâneas ou
sugeridas. Essa afirmação é particularmente importante no contexto forense, uma
vez que o depoimento de algumas testemunhas, devido ao próprio desenvolvimento
do processo, acaba sendo colhido algum tempo depois do evento investigado –
tempo que pode não ser significativo para nós, mas que é demais em termos de
memória.
Como explica Di Gesu (2010) em seu livro, excetuando-se algum delito que
possa eventualmente ocorrer na sala de audiência ou na sessão de julgamento –
constituindo uma prova direta –, todas as provas oferecidas são indiretas.
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Assim, concluímos que existem vários fatores que contribuem de maneira
específica para a formação de falsas memórias na dinâmica penal. Um deles é o já
mencionado fato de as provas basearem-se principalmente em testemunhos orais,
indiretos e apresentados em retrospecto, dependentes da memória do indivíduo e
sujeitos às suas interpretações. Outro fator decorre da forte correlação entre falsas
memórias e fortes emoções, isto é, quando passamos por um acontecimento que
envolve forte emoção, o que costuma permanecer na nossa memória é a sua
essência, aquilo que foi mais significativo ou que representou maior perigo para nós
dentro daquele contexto, enquanto os elementos menos relevantes desaparecem da
lembrança ou são reconstruídos pela imaginação. Dessa forma, podemos dizer que
esse mecanismo do cérebro certamente é acionado em grande parte dos sujeitos
envolvidos em ações penais, uma vez que situações criminosas costumam envolver
fortes emoções.
A fim de mitigar a influência das falsas memórias na prática jurídica, Lopes Jr.
e Di Gesu (2007) apresentam sugestões que devem ser levadas em consideração e
que consideramos enriquecedoras para o debate:
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Em que pese ao juiz seja dada a prerrogativa de vetar perguntas
consideradas irrelevantes, inoportunas ou que sugestionem o depoente a uma
determinada resposta, a verdade é que os advogados, de igual sorte, necessitam
ficar atentos à condução do depoimento e à formulação dos questionamentos
dirigidos às testemunhas, com o objetivo de extrair, da melhor forma possível, a
verdade dos fatos.
A partir de tudo que foi apresentado até aqui, tornam-se evidentes as sérias
implicações que as falsas memórias podem trazer para o contexto jurídico,
especialmente no âmbito penal. Apesar de as memórias ilusórias constituírem uma
parte natural da psicologia humana, nós, como operadores do direito, temos o dever
de buscar soluções para esse grave problema, ainda que não definitivas, tendo em
vista a complexidade da tarefa.
CONCLUSÃO
Entendemos que o delito penal, devido à sua própria natureza, gera forte
emoção para todos os envolvidos, o que, como vimos, favorece o desenvolvimento
de falsas memórias, uma vez que, nessas condições, a tendência da mente humana
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é reter apenas aquilo que contribuiu significativamente para o surgimento dessa
emoção, “deixando no esquecimento justamente o que seria mais importante a ser
relatado no processo, ou seja, a memória cognitiva, provida de detalhes técnicos e
despida de contaminação (emoção, subjetivismo ou juízo de valor)” (LOPES JR. e DI
GESU, 2007).Cumpre, portanto, analisar todas as provas com máxima cautela para
chegar o mais próximo possível da verdade dos fatos.
Concluímos, a partir de tudo que foi demonstrado neste trabalho, que existem
inúmeras variáveis que podem comprometer a veracidade dos depoimentos dados
no contexto forense, entre elas “os questionamentos repetidos durante longo
intervalo de tempo, o tipo de perguntas feitas e o status do entrevistador” (STEIN e
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NEUFELD, 2001, p. 184), que pode, por exemplo, intimidar a testemunha a ponto de
fazê-la recorrer a distorções de maneira inconsciente. Além disso, o modo como as
perguntas são feitas durante o processo deve ser sempre observado de perto pelo
magistrado e a conduta geralmente lenta do judiciário brasileiro deve ser acelerada
para que sejam evitados julgamentos injustos porque baseados em memórias falsas,
que tantos prejuízos trazem para a vida pessoal de alguns indivíduos e,
consequentemente, para a sociedade como um todo.
ABSTRACT
REFERÊNCIAS
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DI GESU, Cristina C. Prova penal e falsas memórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010.
LOPES JR., Aury; DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias: em
busca da redução de danos. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 175, p. 14-16,
jun. 2007. Disponível em: <https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigos/210-175-
Junho-2007>. Acesso em: 30 mar. 2019.
SANTOS, Renato Favarin dos; STEIN, Lilian Milnitsky. A influência das emoções nas
falsas memórias: uma revisão crítica. Psicol. USP, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 415-
434, set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0103-65642008000300009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso
em: 27 mar. 2019.
STEIN, Lilian M.; NEUFELD, Carmem B. Falsas memórias: por que lembramos de
coisas que não aconteceram? Arq. Ciênc. Saúde Unipar, 5 (2): 179-186, 2001.
Disponível em: <http://revistas.unipar.br/index.php/saude/article/view/1124>. Acesso
em: 01 abr. 2019
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