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Resumo
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Doutora em História Social da África - IFCH - UNICAMP. Autora de “Vestidos de Realeza”: Fios e nós
centro-africanos no candomblé de Joãozinho da Goméia. Série Recôncavo da Guanabara, vol. 1. Duque
de Caxias, RJ: APPH – Clio, 2014. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-3902-2835. E-mail:
andreamendeskaya@gmail.com
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Xicarangoma: chefe dos tocadores do engoma, ou tambor, nos candomblés Angola Congo; similar ao
ogan alagbe, do candomblé ketu, ou do huntó, do candomblé jeje. (ALMEIDA apud MENDES, p. 68).
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Mukondo: rito fúnebre do candomblé Angola-Kongo.
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Sobre os usos da escrita epistolar e da escrita de si como fonte histórica, ver GOMES, Angela de
Castro (org). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004, pp. 7 a 24
5
Yaô, Ìyàwó: filha/o de santo, pessoa iniciada no candomblé.
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Tata de inquice, tata ria nkisi: Pai-de-santo, líder religioso do candomblé Angola-Kongo.
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Uma das integrantes desse barco de iniciação foi mãe Mirinha do Portão, líder do terreiro São Jorge
Filho da Goméia, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador – BA. Terreiro da Goméia mais
antigo ainda em funcionamento, foi fundado em 1948, e atualmente é dirigido por Maria Lúcia Santana
Neves, Mam’etu Kamurici, neta carnal de mãe Mirinha.
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Roncó, camarinha: espaço sagrado, cômodo onde ficam reclusas as iniciadas e iniciados no candomblé.
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Carta 5 - Joãozinho a Maria Florença, 26 de junho de 1965
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Carta 6 - Joãozinho a Maria Florência, 8 de janeiro de 1966
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Sobre os acontecimentos relacionados ao axexê (rito funerário) de Joãozinho e a definição sobre a
escolha de Seci Caxi como sucessora de Joãozinho, ver PEREIRA, Rodrigo. Análise do espaço e da cultura
material no extinto terreiro da Goméia (Duque de Caxias/RJ): um estudo etnoarqueológico. Tese de
Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Museu Nacional, 2019, pp. 197-206.
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Em outras grafias, Diamungo, Diamungu, Ria Mungu. Optamos pela grafia Diamongo, forma escrita
utilizada pela comunidade do terreiro fundado por ela, o Mansu Bantu Kuenkê Do Inkinamsaba, no
bairro de Pirajá, em Salvador.
No início dos anos 1940, Mãe Samba já possuía seu terreiro na Fazenda
Grande do Retiro, em Salvador, em uma localidade denominada Jaqueira do
Carneiro, quando começou sua amizade com Joãozinho. A aproximação inicial
talvez tenha se dado pelo fato de que Mãe Samba era costureira e
confeccionava trajes em bordado richelieu13, mas é certo que os laços de
amizade se estreitaram, a ponto de Joãozinho convidá-la para morar na roça
da Goméia, onde havia duas casas, além do barracão do terreiro. Mãe Samba
sofria com sucessivas perdas em função das inundações ocorridas pelo
transbordamento do rio que passava próximo ao seu terreiro, no tempo das
chuvas. (MENDES, 2014, p. 80).
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“No candomblé, o richelieu surgiu como um elemento que conferia luxo às vestimentas, em função da
sofisticação da técnica empregada (...). Se junta à joalheria ritual, assumindo um significado de “pano-
jóia”, e usado apenas em situações especiais, de festa, em contraposição ao despojamento das roupas
de uso cotidiano.” (MENDES, 2014, p. 100)
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Diferentes versões e narrativas sobre as tensões entre Bernardino e mãe Samba, assim como entre
Bernardino e Joãozinho, ver NUNES, Erivaldo Sales. Bate Folha: Trajetória e memória do candomblé de
Bernardino. Salvador: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, 2020
Ao final do ano de 1971 já era certo que mãe Samba seria a sucessora
de Joãozinho na Goméia de São Caetano. No mês de junho foi realizado o
axexê em Salvador, presidido por Samba Diamungo, mas pelo menos desde o
mês de maio já era sabido que ela seria a sucessora do terreiro: a escolha de
seu nome parecia indiscutível, segundo uma notícia de imprensa. Diferente
das tensões causadas pelo processo de sucessão na Goméia de Caxias, em
Salvador não há registros de que a definição de Mãe Samba como sucessora
tenha gerado conflitos, sendo bem aceita inclusive por Josefina Torres, uma
prima-irmã de Joãozinho, residente na roça da Goméia com seus sete filhos,
que recebeu “(...) com alegria a escolha (...), [fazendo] “muitos elogios à sua
bondade, e ao carinho com que sempre zelou pelas coisas de Joãozinho”.
(Jornal do Commercio, 1 e 2/05/1971). É importante frisar que àquela época,
Mãe Samba possuía seu próprio terreiro no bairro de Pirajá, em Salvador, o
Mansu Bantu Kuenkê Do Inkinamsaba15, e que ela apenas continuaria cuidando
da Goméia de São Caetano como já fazia anteriormente, com o deslocamento
de Joãozinho para o Caxias.
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Ainda em funcionamento, o terreiro atualmente é dirigido por Mam’etu Marilda (Marilda Ferreira).
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Ekedi: Similar à makota, dos candomblés Angola Kongo, é um cargo hierárquico feminino nos terreiros
de candomblé. São mulheres que não entram em transe, escolhidas pela divindade do líder religioso, e
assumem papel fundamental no andamento das atividades do terreiro, acompanhando a dança das
divindades, de suas roupas sagradas, das filhas e filhos de santo, entre outras atribuições.
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Mãe Tundaseli é mam’etu ndenge do terreiro Mansu Bantu Kuenkê do Inkinamsaba. Agradeço
especialmente à nengua de Nkisi Mãe Dango de Hongolo por intermediar o diálogo que culminou nessa
informação).
* * *
As cartas
(sem data)
Sua saúde é que desejo, como vai José, aqui todos bons graças ao bom
Deus. Nenem fiquei muito contrariado quando soube que você alugou a casa
sua aí na roça, você dê um jeito em mandar a pessoa mudar pois eu não quero
gente estranha aí na roça, não vê a minha[,] eu ponho gente para morar mas
não alugar, se você não quer morar feche a casa[,] mas alugar não, eu
João Dagoméa
Caxias 12 de Março 57
Comadre Nenem.
Recebi sua cartinha e estou ciente de tudo[,] como vai Zefa e o José[?]
lembranças a todos[.]
João Dagoméa
Notei tudo que me manda dizer e peço que vá fazendo aí o que puder
de acordo com as necessidades mais urgentes.
Como hoje é dia de Oxosse e a casa está cheia de gente, sendo a festa
logo mais, não posso escrever muito.
Joãosinho Dagomea
Mamãe também foi operada da vista e[,] embora esteja passando bem,
graças a Deus, me deu muita preocupação.
Se estivesse aí seria mais fácil chamá-lo e ter uma conversa com ele,
fazendo ver a sua responsabilidade como chefe de família, mas assim de
longe, vou escrever para ele dando alguns conselhos.
Sobre Agaunsi, está certo o que fez e em vista de já estar aí, pode ficar
até arranjar um lugar e trabalho ou amparo. Mande dizer se precisa alguma
coisa que mandarei a ajuda que puder.
Espero que em breve tudo se acalme e faço voto para que tenham paz
e saúde.
João Dagoméa
João Dagoméa
(manuscrita)
Querida mãe
Pedra Preta está sempre olhando pela senhora. Seu Pedra Preta me fez
uma caridade que eu não esperava. Ele está sempre olhando por mim.
Maria Florença
Sem mais para o momento, quero renovar meus votos de um venturoso Natal e
um Ano novo de Paz e amor.
Caxias, 24/4/72
Estimo que ao receber esta esteja com saúde juntamente com todos
seus.
Entre tanto, gostaria que você mandasse me dizer se ela pode vir para
que eu mande a passagem, e se posso mandar para esse endereço, e peço um
grande favor – de ver se você com a mãe Samba conseguem uns 2 pais de
santo famosos para jogarem os búzios juntamente com sr. Belarmino, para ver
se confirma o jogo do Tião do Irajá. Isto será feito no dia 2 de junho porque a
festa de Oxoce será no dia 1º de junho (corpus christis)[.]
Rio, 1. 3. 78
Venho por meio desta, comunicar que o axexê de pai João começa dia
12 de março e termina no dia 19 [de] Março;
Quanto à passagem para buscar a ebame Mãe Samba, o povo não tem, e
Antônio Motta falou que a sua passagem ele paga.
Aqui todos estão lhe aguardando e o Ogan Valentin manda dizer para
você vir sem falta, pois ele precisa muito de você para ajudá-lo. Queríamos
que ebame Samba viesse mais não temos condições para mandar buscá-la.
Sem mais[,] um abraço para sua mãe, e sua esposa e filhos. De sua irmã
Ekede Lurdes
* * *
Referências
Fontes primárias
A Luta Democrática
Diário da Noite
Jornal do Brasil
O Fluminense
Última Hora
Referências Bibliográficas
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia. das Letras, 1989