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Armadilha para

um Amante
Título Original:
The Disobedient Mistress

De Lynne Graham
(2002)
“Este Livro faz parte de um projeto individual, sem
fins lucrativos e de fã para fãs de romances. A
comercialização deste produto é estritamente
proibida.”

Digitalizado por: Mikaina


Capítulo 1

Leone Andracchi se recostou na cadeira e examinou


atentamente a jovem Melissa Carlton, que pretendia usar
como instrumento de sua vingança. Sem notar que estava
sendo alvo de vibrações tão negativas, Misty orientava os
garçons e os funcionários que se encontravam na cozinha
para que o serviço se mantivesse impecável.
Como de costume, Misty estava usando um conjunto de saia
e blazer cinza e sapatos sem salto, que escolhera como seu
uniforme. Os cabelos acobreados estavam presos em um
coque simples e o rosto se apresentava ao natural.
Para Leone, Melissa Carlton era perfeita: séria e sem so-
fisticação. Com seu jeito de ser, ela não era alvo de cobiça
por parte dos homens que trabalhavam para ele. Era recon-
fortante saber que nenhum deles falava da nova responsável
pelo fornecimento de refeições aos funcionários das Empre-
sas Andracchi.
Seria possível que todos naquele recinto estivessem cegos,
exceto ele? Ninguém enxergava a promessa sensual que ha-
via por trás daqueles olhos azuis com nuances de prata e
daqueles lábios voluptuosos? Vestida com uma roupa ade-
quada, aquela mulher deveria ser deslumbrante. Seu corpo
era absolutamente adorável, sua pele parecia de pêssego e a
cor de seus cabelos era magnífica.
A imagem da Misty que Leone gostaria de ver materializou-
se em sua imaginação. As pernas longas e bem torneadas
exibindo meias finas e transparentes, as curvas moldadas por
lingerie de cetim e renda. E os cabelos soltos para completar!
Ela era alta, mas não tão alta que fosse precisar se preocupar
com a altura dos saltos quando saíssem juntos...
A essa altura, Leone sorriu consigo mesmo. Eles não haviam
nem sequer conversado ainda e ele já a estava despindo com
os olhos. Culpa, por certo, de seu sangue siciliano. Os
homens de sua terra sabiam reconhecer uma mulher atraente
quando viam uma.
No prazo de duas semanas, o mais tardar, ele faria de
Melissa Carlton uma das mulheres de maior destaque em
Londres. Como sua acompanhante assídua, ela veria seu
nome nas colunas sociais e seria perseguida por multidões de
jornalistas. E se a movimentação em torno de Melissa
Carlton não fosse suficiente, Leone garantiria sua fama por
meio de generosas propinas distribuídas às mãos certas.
Tudo o que iria acontecer no futuro próximo à jovem ruiva
havia sido cuidadosamente planejado por ele durante os úl-
timos seis meses. Não que houvesse algo pessoal entre eles.
O problema envolvia o homem de quem ela era filha: o ho-
mem a quem jurara vingança em nome de sua irmã. Oliver
Sargent.
Oliver Sargent era um dos políticos de maior destaque na
Inglaterra. Seu prestígio tinha como base a moral e o respeito
à família. Oliver Sargent, um hipócrita que herdara a fortuna
do pai e que nunca precisara trabalhar para sua
sobrevivência. O crápula que colecionava casos amorosos e
que abandonara a irmã dele a sua própria sorte, ferida em um
acidente de carro, com medo de um escândalo, em vez de
chamar socorro.
O rosto moreno de Leone, crispou à lembrança da irmã
morta um ano antes.
Naquele verão, Bridget tinha acabado de completar dezenove
anos e estava fazendo estágio, como estudante de sociologia
política, com a equipe de Oliver. Quando Leone poderia
supor que o sujeito, vinte e cinco anos mais velho, além de
casado, fosse seduzir sua linda e meiga irmã caçula?
- Sr. Andracchi...?
Sem ter noção do semblante carrancudo que ostentava,
Leone olhou, surpreso, para os biscoitos de amêndoas e para
as tortinhas de creme que acompanhavam o café.
As mãos da jovem que segurava a bandeja tremiam, embora
houvesse um sorriso corajoso em seus lábios. Os olhos que o
fitavam eram ansiosos. Ele sabia o porquê dessas condições.
Melissa Carlton estava à beira de perder seu negócio.
- Obrigado - Leone agradeceu, formal. Se ela esperava
impressioná-lo com doces e gentilezas estava perdendo seu
tempo. Contratos eram assinados com base em interesses
recíprocos de lucro, eficiência e confiabilidade. Estivesse ou
não ciente disso, ela havia quebrado mais de uma das regras
básicas para se abrir uma empresa. Se houvesse uma pró-
xima vez, Melissa Carlton deveria tomar mais cuidado.
- Gosto de novidades - Misty explicou, tímida. Por mais que
tentasse, não conseguia se portar com naturalidade quando
falava com aquele homem, que representava sua última
chance de sucesso.
A certeza de que a filha de Oliver Sargent estava nas mãos
dele deixou-o excitado por um momento. O modo que ela
lhe falava, como se mal conseguisse respirar, o rosto
afogueado, os lábios entreabertos eram sinais de que, talvez,
ele pudesse aliar o útil ao agradável.
- Quem não gosta, não é mesmo? - Ele estreitou os olhos e
provou a torta. Massa crocante e creme delicado: uma
combinação deliciosa. Seria o caso, talvez, de ele aproveitá-
la também em sua cozinha, Leone pensou. - Está excelente.
O rosto de Melissa Carlton pareceu se iluminar em alívio e
orgulho. Mais uma vez, Leone a imaginou em sua casa, sob
o sol intenso das tardes na Sicília. Mais especificamente em
sua cama, com os cabelos vermelhos e perfumados espa-
lhados sobre os travesseiros.
Leone voltou a si quando ela, com toda sua feminilidade, lhe
perguntou se aceitaria uma xícara de café.
Não que Melissa Carlton fosse uma mulher frágil. A in-
vestigação que ele mandara proceder trouxe algumas sur-
presas. Porque apesar de ter apenas vinte e dois anos, ela
sabia lutar pela vida. Na verdade, ela lhe teria inspirado
compaixão e respeito caso não a desprezasse por ser filha de
quem era e, mais ainda, por ter se apoderado das economias
da velha senhora que a criara.
Mal de família, Leone cogitou, enquanto esperava que o café
fosse adoçado. Porque embora Melissa nunca tivesse
conhecido o pai nem fizesse a menor idéia de quem fosse,
ela e ele eram iguais. Ambos usavam as pessoas em
benefício próprio.
Para Melissa Carlton, contudo, existir não devia ser fácil.
Criada em lares adotivos, ela não teve sorte nem sequer
quando chegou sua chance de formar sua própria família. A
mãe de seu noivo não teve descanso enquanto não conseguiu
que o filho terminasse com ela.
Mais tarde, ela teve outro namorado, um cantor de rock,
desses que berram, fazem trejeitos e descolorem os cabelos.
Enquanto ele tocava e cantava no centro dos palcos, ela se
apresentava como uma das dançarinas ao fundo.
- Posso trocar uma palavra com o senhor, sr. Andracchi? -
ela o trouxe de volta à realidade.
- Não neste momento - Leone respondeu sem o menor
remorso diante da palidez que substituiu o rubor.
Ela que esperasse. Por que não? Em breve, ele lhe estaria
propondo um negócio da China. Porque, afinal, ele não seria
o único a ganhar com o que tinha em mente.
O que Leone mais queria no mundo era destruir Oliver
Sargent e precisava da ajuda de Melissa Andracchi para isso.
Não que ela fosse saber sobre o plano. Quando descobrisse o
que estava para acontecer seria tarde demais.
Ao ver seu nome publicado nos jornais como pai de uma
criança ilegítima, Oliver Sargent poderia dar adeus a sua
carreira política. Como continuar depois que o assunto se
tornasse domínio público? Justo ele que defendia os princí-
pios morais como seu baluarte de campanha?
A esposa, sem filhos, provavelmente o abandonaria. Para
Leone, isso não importava. O que lhe interessava era atingir
Sargent em seus pontos mais vulneráveis: poder e ambição.

Porque quando o escândalo se espalhasse, ele poderia dar


adeus a postos mais elevados no governo.
Mas nada do que acontecesse de ruim àquele homem seria
suficiente para compensar a perda de uma vida no auge da
juventude. O mal que Sargent havia causado a sua irmã era
irreparável. A vingança seria apenas uma maneira de ele
receber um pouco do muito que merecia como castigo.
E era exatamente para Oliver Sargent sentir na pele o gosto
amargo do sofrimento que Leone queria que o outro
soubesse o porquê de tudo que iria lhe acontecer.
Na época, por mais que Leone tentasse encontrar provas de
que Sargent estivera no carro com Bridget na noite de sua
morte, ele não encontrou nenhum vestígio de sua presença.
Mas o problema estava prestes a ser resolvido porque
bastaria o sujeito olhar para Melissa para reconhecê-la. Me-
lissa Carlton era o retrato fiel da falecida mãe...
Misty cogitou se já teria odiado alguém como odiava Leone
Andracchi.
Ele a havia tratado como uma empregada em seu derradeiro
minuto na função e não como uma fornecedora de sua
empresa com contrato de experiência assinado, embora em
vias de vencer.
Esse era o motivo do ódio. Leone Andracchi não havia se
dado nem sequer ao trabalho de fazer uma insinuação sobre a
prorrogação ou não do contrato. Sendo que um "não" sig-
nificaria a falência.
Cada vez que a possibilidade ocorria a Misty, um fio de suor
lhe cobria a testa. Para não pensar, ela mergulhava na tarefa
em que estava empenhada, esquecida de que se achava
cercada por homens e de que Leone Andracchi era um deles.
Ele parecia um verdadeiro chefão siciliano com sua fabulosa
fortuna e com poder suficiente para conseguir tudo o que
queria num estalar de dedos. A melhor comparação que
ocorria a Misty sobre Leone Andracchi era sua semelhança
com uma nuvem escura no céu à espera de uma chance para
disparar seus relâmpagos. Até mesmo os executivos ao seu
redor deixavam entrever o nervosismo que os dominava no
afã de agradá-lo. Muitos, aliás, eram bem mais velhos do que
ele em seus trinta anos.
Um homem brilhante nos negócios, Misty pensou, e um
tirano como pessoa. Era lamentável. Principalmente para ela
que, apesar de detestar arrogância, sentia-se atraída por ele
como nunca se sentira antes por outro.
O modo como Leone Andracchi olhara para ela enquanto lhe
servia os doces e o café contribuíram para aumentar sua
excitação. Era preciso fazer alguma coisa, gostasse ela ou
não. Se o empresário não renovasse o contrato com sua em-
presa, não teria como continuar sustentando Birdie, a mulher
que considerava como sua mãe.
- Como é lindo! - exclamou Clarice, amiga e funcionária de
Misty, ao se referir ao dono das Empresas Andracchi
enquanto colocava as xícaras sujas em um contêiner. - Cada
vez que olho para ele sinto que saio do corpo e vou para o
paraíso.
- Fique quieta! - Misty repreendeu a outra, corada de
embaraço. O que Leone Andracchi pensaria se surpreendesse
as duas olhando em sua direção?
- Você também não perde a oportunidade de admirá-lo
quando o pega distraído.
Misty não retrucou. Para quê? De que adiantaria explicar à
amiga que seus olhares eram como aqueles que lançamos a
uma jaula para ter certeza de que a fera não irá escapar? Uma
mera arma de proteção?
E ele, sem dúvida, olhava para ela como deveria olhar para
toda e qualquer mulher a sua volta. Afinal, o que o dono de
um império iria querer com a humilde fornecedora de
refeições que estava lhe prestando serviços sob um contrato
de experiência?
Como se não bastasse, aquela era apenas uma das muitas
divisões do conglomerado. Não estava situada em Londres,
mas nos arredores de Norfolk, em uma pequena cidade cha-
mada Brewsters.
Fora uma surpresa para Misty ser entrevistada pelo próprio
dono quando se apresentou como candidata ao fornecimento.
Mais ainda, ser aprovada por ele. Não imaginara que
sua empresa sairia vencedora na concorrência. Não depois
dos testes humilhantes a que ele a submeteu e que a fizeram
se sentir como uma criança.
- Isso é que é homem - Clarice voltou à carga. - Ele é todo
músculos e energia. Faz pensar em sexo com um simples
olhar. Deve ser daqueles que enlouquecem na cama e que
também fazem enlouquecer...
- Daria para você parar de falar nesse homem! - Misty
protestou. - Não conhece sua fama de conquistador barato?
Clarice franziu o rosto.
- Eu só estava tentando fazer você rir um pouco. Relaxe,
Misty.
Ciente de que estava com os nervos em frangalhos, Misty se
desculpou. Ninguém sabia, nem sequer Clarice, que sua
pequena empresa de catering estava em iminência de fechar.
Se ela não conseguisse assinar um contrato normal de for-
necimento de refeições nos próximos dias, o banco se recu-
saria a renovar o empréstimo e ela não teria nem sequer
como pagar os funcionários no final do mês. Quanto mais as
dívidas e a hipoteca de Fossetts House.
Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de um
jovem loiro, de terno, cuja expressão não escondia sua
surpresa. Ao ser informada de que o chefe queria vê-Ia em
seu escritório, Misty ficou igualmente perplexa. Quem não
ficaria ao saber que um empresário importante como Leone
Andracchi queria tratar de negócios pessoalmente com al-
guém como ela? A não ser que ele tivesse sido sincero
quando lhe disse quatro meses atrás as seguintes palavras:
- As refeições representam uma arte para os sicilianos e eu
quero proporcionar esse tipo de experiência a meus
executivos. Não gosto de ver as pessoas almoçarem míseros
sanduíches em suas mesas. Sou de opinião que as pessoas
produzem mais quando se alimentam bem.
Assim, enquanto durou o período de teste, Misty serviu
refeições nutritivas e saborosas ao almoço e pequenos lan-
ches à tarde.
Antes de se apresentar para a entrevista, Misty foi ao toalete
para ao menos lavar as mãos e passar um pente pelos
cabelos. Não estava com uma de suas melhores aparências.
Como poderia após tantas noites insones?
E aquela, provavelmente, seria a pior de todas, Misty pensou
com o coração acelerado. Porque não tinha esperança de ver
seu nome assinado em um novo contrato. E mesmo que
Leone Andracchi a quisesse, a Carlton Catering estava tão
mal que suas chances de recuperação eram quase nulas.
Uma secretária abriu a porta e ela respirou fundo antes de
entrar na imponente sala. Queria aparentar calma e tran-
qüilidade, algo que suas mãos úmidas e trêmulas. facilmente
desmentiriam.
- Sente-se, srta. Carlton.
Leone Andracchi estava ao telefone, de pé, junto à janela
inundada de sol. Ele falava baixo, quase sussurrando, como
se estivesse em companhia de uma amante. Sem perceber,
Misty torceu o nariz à idéia. Mas admitiu, a contragosto, que
Clarice estava certa sobre ele ser um homem dos mais
atraentes. Um verdadeiro colírio para os olhos. Seus cabelos
não poderiam ser mais pretos e mais brilhantes. A pele era
lisa e morena e os traços eram perfeitos em sua força e mas-
culinidade. A boca, então, era maravilhosa. E os olhos pa-
reciam mudar de cor de acordo com a luminosidade ou, tal-
vez, com o estado de espírito. Ela já havia pensado neles
como pretos e também como dourados.
Tivera a oportunidade de observá-lo em companhia de
algumas mulheres. Ele parecia dar preferência àquelas que
riam à toa. Patético, com certeza. Porque um homem como
ele deveria se fazer acompanhar por uma mulher de verdade.
Inteligente e dona de suas próprias opiniões. Uma mulher
capaz de tratá-lo de igual para igual e de colocá-lo em seu
lugar, se necessário. E se havia um homem que precisava
aprender a respeitar a individualidade alheia era Leone
Andracchi.
A curiosa expressão de desdém que Leone leu nos lábios de
Melissa ao devolver o fone ao gancho o surpreendeu. Olhou
nos olhos dela e encontrou-os distantes. Eram raras as pes-
soas com poder de abstração tão forte que chegavam a blo-
quear o sentido de tempo e de espaço. Melissa Carlton era
uma delas.
Em seu devaneio, Misty lembrou-se de que haviam lhe
ensinado a despir mentalmente uma pessoa para não se sentir
intimidada por ela. Mas como despir um homem atraente
como Leone Andracchi sem ser afetada por sua sexualidade?
Só de pensar em vê-lo sem roupa, uma onda de calor lhe
subiu pelo corpo.
Misty respirou fundo e pestanejou.
- Bem-vinda de volta à Terra, srta. Carlton - Leone
Andracchi murmurou com ironia.
Misty levantou a cabeça em imediata posição de alerta. -
Desculpe tê-la feito esperar. - Ele não lamentava o feito.
Misty tinha certeza de que as palavras tinham sido ditas
apenas por educação. - Mandei chamá-la para conversarmos
sobre seu contrato que está por expirar. Embora nada me
obrigue a lhe adiantar essa informação, resolvi fazê-lo,
movido pela excelência de seu trabalho no decorrer das
últimas oito semanas, e lhe explicar o porquê de não estar
interessado em suas condições.
O estômago de Misty deu uma reviravolta à confirmação de
seus piores receios.
- Dispenso elogios vagos, sr. Andracchi. Se decidiu não
renovar seu contrato com a Carlton Catering o motivo só
pode ter sido sua insatisfação com os serviços prestados.
- Não é tão simples assim - Leone retrucou. - Sua empresa
está afundada em dívidas e eu não poderia assumir o risco
por todo um ano.
Pela primeira vez, Misty conseguiu enfrentar aquele olhar
que parecia esmiuçar-lhe a alma.
- Posso saber onde conseguiu essa informação? - Tenho
minhas próprias fontes.
- Não é verdade - Misty disse após um momento.
- Não minta para mim. Não tenho tempo para mentiras -
Leone murmurou. - Os dados são precisos. Sei que o banco
não lhe concederá prorrogação do prazo de pagamento a
menos que consiga um contrato de um ano no mínimo.
- Se alguém no banco fez essa declaração, abrirei um
processo. Posso lhe garantir, sr. Andracchi, que cumprirei
minha parte no acordo até o último dia caso resolva contratar
meus serviços.
- Admiro seu otimismo, mas sejamos práticos. Você tem
talento e sabe lidar com seus funcionários. Seu erro foi sub-
meter uma proposta com um valor abaixo do mercado. As
despesas que envolvem uma empresa do ramo alimentício
são altas. Com o preço que me cobrou, você mal cobriu seus
custos.
- Eu queria sua conta. Estipulei um preço irrisório na
esperança de recuperar o investimento no decorrer do ano.
Acreditei quando disse que gostava de apoiar novas ini-
ciativas...
- Não quando o capitão do navio se recusa a reconhecer seus
erros. No seu caso, por exemplo. Como se atreve a discutir
comigo quando já está ciente de que eu sei tudo sobre a real
situação de sua empresa? De que eu sei que está afundada
em dívidas até seu lindo pescoço?
- Deixe meu lindo pescoço fora disto, por favor. - Misty se
levantou, furiosa. Não bastava ele dizer que ela não levava
nenhuma chance de ter seu contrato renovado? Precisava
acusá-la de ter cometido erros?
- 0 fato de não conseguir conter sua irritação me im-
pressionará ainda menos.
A raiva de Misty era tanta que fluía por seus olhos. Contra
sua vontade, Leone observou-a. 0 que havia com ela? 0 que
pretendia? Convencê-lo de que não estava à beira de um
colapso financeiro?
- 0 senhor me chamou aqui e me deu a notícia de que não
pretende assinar um contrato comigo - Misty declarou com
dignidade. - Por que acha que eu desejaria impressioná-lo?
Leone fitou-a de esguelha.
- Eu poderia estar cogitando lhe estender uma tábua de
salvação.
Uma risada trêmula e involuntária escapou da garganta de
Misty. Por sorte, aquele homem não havia lhe dado nenhuma
chance de implorar. Era-lhe grata, aliás, por tê-la
enfurecido. Porque se sentiria a última das criaturas se não
medisse as conseqüências em nome de conseguir o bendito
contrato. Estava diante de um homem que gostava de se
divertir à custa dos outros.
- Existe uma possibilidade real?
0 silêncio pesou no ambiente. Misty precisou umedecer os
lábios com a ponta da língua. Mas antes não o tivesse feito.
Os olhos de Leone Andracchi seguiram o movimento com
total atenção.
Misty precisou baixar os olhos. Uma sensação estranha se
apoderou de seu corpo. Uma palpitação a fez respirar mais
depressa. Os mamilos enrijeceram.
Ela nunca se sentiu tão aliviada pela escolha de uma roupa. 0
blazer não revelaria sua excitação. Leone Andracchi não iria
notar nada. Porque se ele tivesse a menor suspeita de que a
afetava daquele modo, ela estaria perdida.
- Tudo é possível.
Misty sentiu que o ar lhe faltava. Algo estava acontecendo
naquela sala. Ou Leone Andracchi já a teria dispensado. -
Tenho uma outra proposta para lhe fazer - Leone Andracchi
prosseguiu. - Preciso de sua colaboração por um período de
dois meses. Em troca, eu me proponho a salvar sua empresa.
0 que me diz?
- Da última vez que olhei para o céu não havia duas luas.

Capítulo 2
Misty ainda não havia terminado de dizer aquelas palavras e
já estava arrependida. Não conseguia entender o que lhe dera
para apresentar aquele tipo de reação. Ao menos daquela
vez, não podia culpar Leone Andracchi por estar olhando
para ela com reprovação. - Desculpe - disse Misty -, mas
pareceu bom demais para ser verdade.
- Então começa a admitir que está à beira de abrir falência?
Um arrepio percorreu as costas de Misty. Jamais poderia
aceitar o fracasso após tanto trabalho, tanto esforço.
- Sr. Andracchi...
- Enquanto você não admitir essa realidade, não podemos
prosseguir - ele avisou.
Misty mordeu o lábio. Por que aquele homem insistia em
coloca-la contra a parede? Por que a estava julgando por sua
tentativa de firmar o contrato? Ela não seria capaz de trair a
confiança de ninguém. Se soubesse que não conseguiria
cumprir o prazo, não estaria lutando para manter aquela
conta. Faria qualquer coisa para leva-la a termo, até mesmo
passar a pão e água.
- Estou à beira da falência - Misty admitiu, por fim, com um
fio de voz.
- Como eu estava dizendo, tenho uma proposta para lhe
fazer. Não tem nada a ver com arte culinária, embora esteja
liberada para preparar pratos típicos da Sicília caso sinta
vontade de cozinhar em suas horas livres.

A proposta não estava relacionada a catering? Misty não


dispunha de nenhum espelho para se mirar naquele momen-
to, mas tinha certeza de que o assombro estava estampado
em suas feições.
- Em primeiro lugar quero sua palavra de que nada do que
será dito nesta sala será repetido lá fora.
Ele não estava fazendo nenhum pedido absurdo. Ao con-
trário. A primeira regra no mundo dos negócios era saber
manter sigilo.
- O senhor a tem.
- Preciso de uma mulher que finja ser minha amante. O
queixo de Misty virtualmente caiu. Por sorte. Assim ela não
correu nenhum risco de dat uma resposta tão absurda quanto
o que acabara de ouvir.
- Espero que tenha prestado atenção ao verbo que usei.
Fingir. Nunca assediei minhas colaboradoras e não pretendo
começar agora. Se você aceitar fazer esse papel, será consi-
derada uma funcionária. Enquanto durar a função, estará
garantida por contrato.
A seriedade com que ele expôs os termos da proposta a
deixou estupefata. Não podia acreditar que fosse verdade.
Por que, afinal, um homem como Leone Andracchi precisava
pedir a uma mulher que se fizesse passar por sua amante?
Sua agenda de conquistas deveria ter o tamanho de uma lista
telefónica. Se ela não estava enganada, ele estava saindo,
inclusive, com uma artista de televisão. Uma loira curvilínea
que arrancava olhares até mesmo de outras mulheres.
- Temo não estar entendendo.
- Não é preciso entender. Tenho minhas próprias razões e
não pretendo explica-las. Sei que as mulheres não gostam de
mistério mas neste caso a discrição é fundamental.
- De qualquer modo, não consigo entender por que o senhor
escolheu justamente a mim para desempenhar esse papel.
- Não mesmo? - Um súbito sorriso apareceu naquela boca
sensual.
Misty não se humilhou a ponto de perguntar a que Leone
Andracchi estava se referindo. Ela não era nenhum exemplo
de beleza nem de glamour e não tinha o perfil das mulheres
com quem ele costumava ser visto.
- É alguma brincadeira? - Não.
- Mas o senhor deve conhecer centenas de mulheres - Misty
protestou, intimidada pela persistência. - Por que eu?
- Prefiro contratar e demitir a atrair com subterfúgios e
confiar - Leone respondeu sem hesitar. - Por que está
tentando me dissuadir de salvá-la da ruína financeira?
Colocado daquela forma, o silêncio parecia a melhor al-
ternativa, mas por mais que tentasse se convencer dessa
tática, Misty sentia necessidade de ter ao menos alguma idéia
do que o levara a fazer aquela proposta.
- Não deixa de ser estranho - Misty insistiu.
- Não se trata de um pedido que eu possa fazer a qualquer
uma - ele se limitou a dizer. - Será preciso ser convincente
no papel. As pessoas terão de acreditar que somos realmente
amantes.
Incapaz de encará-lo, Misty baixou os olhos.
- Não creio que tenha talento para a arte dramática. - Bastará
que siga minhas instruções sem discutir e sem hesitar.
Ocorreu a Misty, naquele instante, que Leone Andracchi
estava lhe falando como um homem de negócios. Ela não
detectou em momento algum um interesse escuso por trás da
proposta. Ele parecia querer realmente uma amante de
mentira.
O que uma amante de mentira precisaria fazer?
- Posso ter certeza de que estamos falando realmente de
apenas fingir?
- Acha que eu preciso pagar para ter sexo? Misty ergueu uma
sobrancelha.
- Não é preciso levar a conversa para o lado pessoal, sr.
Andracchi. Sua vida particular é assunto seu e minha segu-
rança é assunto meu.
- Está insinuando que eu possa ser um pervertido? - Leone
indagou com inegável espanto.

- Como posso saber? Não se trata de uma proposta comum.


Não é todo dia que recebo propostas de milionários
sicilianos dispostos a me oferecer a lua em troca de um papel
de amante. Não acha?
- Eu acho que se esse tom e essa atitude continuarem não
haverá nem sequer um milionário siciliano interessado em
contratá-la.
Incapaz de permanecer sentada e imóvel, Misty se levantou.
Estava do outro lado da sala quando se virou para fitá-lo
novamente.
- Apenas me diga o porquê de estar me pedindo isso. Por que
eu?
- Você não poderia mudar de idéia no meio do caminho e
tentar alterar nosso acordo para sua própria conveniência.
Misty estremeceu. Aquele homem sabia o que estava fa-
lando. Ele tinha a faca e o queijo na mão. Ela não estava em
condições de fazer exigências. E ele não sentia o menor
pudor em usar de total sinceridade.
Ela precisava pensar e rápido. Haveria outra alternativa para
não encarar a falência e a perda de um teto para Birdie? Por
outro lado, como poderia assumir um compromisso para o
qual não tinha nenhum talento? Não era uma atriz. Ele não
conseguia enxergar que ela não seria convincente no papel?
- Eu não seria capaz... Nós somos como água e azeite. Não
temos nada em comum. Eu não saberia viver uma vida em
sociedade como a que está acostumado.
- Você se subestima - Leone murmurou.
Misty se perdeu na intensidade daqueles olhos que se
tornaram dourados ao se estreitarem. A garganta secou. De
repente, contrariando o bom senso, ela quis sorrir e se sentir
feminina mesmo que isso significasse o risco de ter seu co-
ração novamente partido.
A atmosfera estava carregada de eletricidade com as vi-
brações sensuais que Leone Andracchi emitia. Misty sentiu o
calor do desejo se espalhar por todo o corpo.
- Diga a palavra e assine na linha pontilhada, e todos os seus
problemas terão fim.

- O que envolveria essa função? - Misty viu-se perguntando


apesar de tudo.
- Mudar-se para um apartamento de minha escolha, usar as
roupas que eu irei comprar, ir para onde eu determinar, no
momento que eu mandar, sem discutir.
A palavra mais correta seria escrava, Misty pensou. Ao
mesmo tempo, nada sugeria que ele tivesse segundas inten-
ções. A farsa não envolveria nenhum tipo de intimidade.
Seria um caso de representação em público. Apenas isso.
Leone queria ter uma mulher para exibir. O único mistério
em tudo aquilo era o motivo, que ele se recusava a revelar.
Em nenhum momento havia passado pela mente de Leone
Andracchi levá-la para a cama. Misty corou até a raiz dos
cabelos por ter permitido que a idéia lhe ocorresse. Ela não
precisaria se preocupar com sua segurança. O que estaria em
jogo, naquela história, seria seu orgulho.
A verdade nua e crua, Misty pensou, era que se venderia
porque dinheiro estaria envolvido. Não era o mesmo que
trabalhar em troca de um salário. A perspectiva de fazer o
papel de amante de um homem deixava na boca um sabor
amargo. Mas suportar esse gosto amargo não seria melhor do
que prejudicar Birdie e os funcionários que dependiam dela?
Desde quando, afinal, orgulho pagava contas?
- O que o senhor faria por mim? - Misty perguntou com um
fio de voz.
- Em primeiro lugar, você precisa parar de me chamar de
senhor. Eu liquidarei todas as suas dívidas, colocarei sua
empresa em condições de dar lucros e me encarregarei de
cobrir os salários de todos os seus funcionários enquanto
durar nosso acordo. Se tiver mais alguma reivindicação, po-
deremos negociar.
Misty sentiu o estômago queimar embora o olhar de Leone
não pudesse ser mais frio. Aquele homem tinha tudo plane-
jado. Estava certo de que conseguiria comprá-la. Era terrível
para ela ser obrigada a reconhecer que era culpada de dar a
Leone Andrácchi essa certeza.
- Pensarei nisso esta noite e amanhã lhe darei uma resposta.
- O que resta para pensar? - Leone franziu o rosto. - Eu acho
que você está subestimando minha parte no que chama de
acordo - Misty se defendeu.
De sério Leone se mostrou zangado.
- Não vejo nenhum problema nem conflito de interesses.
Você passará a vestir roupas de grife, irá se mudar para um
apartamento deslumbrante e terá oportunidade de freqüentar
lugares caros e de se divertir durante dois meses.
- O que parece muito para uns, não significa nada para outros
- disse Misty e se dirigiu à saída para perplexidade de Leone.
- O que mais você esperava? - Respeito, para começar.
- Respeito precisa ser conquistado... e eu duvido de sua
capacidade de conquistar o meu.
Não ser bem-sucedida nos negócios a transformava em uma
pessoa sem valor? Leone Andracchi só sabia respeitar quem
apresentava uma gorda conta bancária e pedigree social?
- Eu não deveria ter dito o que disse. Sinto muito - ele se
desculpou um instante depois.
- Não é preciso se desculpar. Você disse o que sente. Não
esperava outro tipo de reação de um homem arrogante e
impiedoso como você. Sabe que poderia ter assinado um
contrato comigo sem medo. Sabe que eu cumpriria minha
palavra mesmo que pagasse por ela com minha vida. No en-
tanto, preferiu se aproveitar de meus problemas como uma
arma contra mim. Você não tem compaixão nem
consciência.
Leone não respondeu. Misty encarou-o por um longo mo-
mento. Seu corpo tremia de raiva.
- Eu não deveria ter dito o que disse. Sinto muito - ela o
imitou com a voz impregnada de ironia antes de ir embora,
rápida como o vento.
No meio do caminho, ela parou e se perguntou se havia
agido certo. Afinal, de que adiantaria correr da única mão
que se estendera e que poderia significar seu sustento ama-
nhã? O que Leone Andracchi estaria pensando a não ser que
ela não merecia a oportunidade que ele lhe dava? Não seria
uma paranóia da parte dela acreditar que ele havia se negado
a efetivá-la como sua fornecedora só para ter maiores
chances de pressioná-la a aceitar o papel de amante?
O mais provável, aliás, era que outras mulheres já tivessem
se recusado a assumir esse papel. Ou ele não a teria
procurado.
Enfim, qual seria o plano de Leone Andracchi? Por que ele
estava disposto a gastar uma pequena fortuna para exibir
uma amante falsa? Alguma vantagem ele pretendia obter
disso. Mas qual? Por mais que ela se esforçasse não conse-
guia atinar com o beneficio que poderia advir disso.
O elevador parou no andar térreo e Misty desceu. Estava
atravessando o espaçoso foyer quando seus passos se torna-
ram mais lentos.
Onde havia ido parar seu bom senso? Como pudera dar as
costas a sua oferta de salvação? Em troca do tal papel
ridículo que ela não queria aceitar, Leone saldaria as dívidas
que a impediriam de continuar mantendo um lar decente para
Birdie e pagar os salários que garantiriam a sobrevivência de
várias famílias.
Diante da possibilidade de tantas pessoas virem a sofrer, o
que seriam dois meses da vida dela em comparação? Não era
como se houvesse escolha, era?
Misty se obrigou a tomar o elevador de volta e fazer o
retorno pelo corredor até a sala de Leone Andracchi. Foi
uma surpresa encontrá-lo à porta com dois homens. Parou a
alguma distância e esperou que ele a atendesse.
Quando os minutos passaram e ele continuou ignorandoa,
Misty teve certeza de que o procedimento era deliberado
para humilhá-la. Céus, como gostaria de ir embora dali e
nunca mais voltar!
Por fim, ele se dignou a atendê-la e ela não perdeu mais
tempo.
- A resposta é sim.
Leone encarou-a com olhos estranhamente brilhantes. Misty
se deteve em meio ao movimento de se virar para pegar
novamente o elevador. Os outros homens olhavam, curiosos.
Leone estava sorrindo de um jeito que a deixou sem fôlego.
De repente, ele a pegou pela mão e enlaçou-a.
- Vocês me dão licença...?
Misty não teve tempo para perguntar o que estava acon-
tecendo. Leone colocou-a com as costas apoiadas no batente
da porta e beijou-a como se quisesse devorá-la. Um gemido
de susto escapou-lhe dos lábios, mas não foi além disso. Por-
que, embora não desse para entender, a intensidade daquele
beijo a despertou para uma sensualidade que não sabia pos-
suir. O modo como ele a segurou pelos quadris e a
pressionou firmemente ao encontro da rigidez do próprio
corpo a fez incendiar por dentro.
Ele mergulhou a língua na maciez úmida de sua boca uma
infinidade de vezes, em uma invasão erótica que a deixou
alucinada de paixão. Sentia a força do desejo que o assaltava
junto a suas pernas, mas em vez de repelir o contato, ela se
sentiu ainda mais excitada.
-Acho que a demonstração foi impressionante o bastante
para eles acreditarem em nossas intenções - Misty o ouviu
dizendo.
Mais lenta em sua recuperação, ela precisou buscar o oxi-
gênio como um náufrago prestes a se afogar. Suas pernas
mal conseguiam sustentá-la.
Não dava para explicar o que havia acabado de acontecer.
Um beijo, por melhor que fosse, não era motivo para alguém
sentir o que Misty estava sentindo. A verdade era infinita-
mente mais perturbadora. Ela havia gostado daquele beijo.
Seu corpo vibrara sob o poder de Leone como jamais havia
vibrado antes.
- Nossas intenções? - Misty repetiu, perplexa. O corredor
agora estava vazio, mas ao menos duas pessoas haviam sido
testemunhas do maior pecado que uma empresária poderia
cometer. Portar-se de maneira pouco profissional em um
ambiente de trabalho.
- A oportunidade era boa demais para perder - Leone
respondeu.
- Você disse que jamais seria capaz de assediar sexualmente
uma funcionária - Misty protestou, indignada.
- Seria muita ingenuidade de sua parte esperar convencer os
outros de que estamos tendo um relacionamento sem dar
uma ou outra demonstração de afeto em público. É claro que
nada acontecerá quando estivermos a sós.
- Isso não precisaria nem sequer ser dito - Misty resmungou,
chocada demais para cogitar naquele momento do alto preço
que teria de pagar por aquele acordo. - Posso ir agora?
Leone demorou alguns segundos para liberá-la.
- Sim. Mas esteja no hotel esta noite às nove para acertarmos
os detalhes. Estou hospedado no Belstone House. - Não
posso. Tenho um...
- Cancele-o - Leone ordenou. - Esta é minha última noite
aqui. Amanhã voltarei para Londres.
Misty fez que sim e se afastou, rígida como pedra. Estava
furiosa consigo mesma, mais do que com Leone. Como pu-
dera se abandonar tão completamente em seus braços? Ela
nunca havia se comportado daquele jeito. Nem sequer com
Philip, de quem ficara noiva.
A lembrança das primeiras carícias sensuais que havia
recebido, três anos antes, a fez corar. Ela se considerava
pouco mais do que uma garota na época e a timidez não
permitiu que ela correspondesse com ímpeto. Por outro lado,
Philip não a havia beijado com a perícia de Leone
Andracchi. Leone beijava tão bem que ela chegou a esquecer
o desprezo que sentia por ele.
Confusa com aquela avalanche de sentimentos inexplicáveis,
Misty sentou-se atrás do volante de sua van e seguiu para o
salão que havia alugado para abrigar sua pequena empresa
nos arredores da cidade.
Eram cinco horas quando terminou de fazer a limpeza,
auxiliada por seus três funcionários, e encerrou o expediente.
Estava trancando a porta quando lhe ocorreu que era la-
mentável que um único contrato perdido fosse o responsável
pela falência do negócio que abrira um ano antes, cheia de
ilusões e de esperança.
No início, ela havia se concentrado em servir pequenos
jantares e um ou outro casamento. Nada de grandioso, nada
de extraordinário. Mas após cinco meses, quando um conhe-
cido mencionou que a maior empresa de Brewsters, uma
cidade de grande concentração industrial, estava contratando
um novo fornecedor de refeições para seus funcionários,
Misty se animou a participar da concorrência e venceu-a.
A empolgação, contudo, não parou aí. Entusiasmada com a
vitória, Misty resolveu adquirir mais uma van e modernizar
sua cozinha.
O negócio estava indo bem. Tinha tudo para dar certo. Mas
uma desgraça aconteceu. As instalações foram assaltadas por
vândalos que destruíram o que encontraram pela frente. O
seguro foi acionado sem perda de tempo. Mas o golpe maior
ainda estava por vir. A seguradora se recusou a cobrir o
prejuízo sob a alegação de que a proprietária não havia
tomado as devidas precauções para impedir a ocorrência. Ou
seja, as instalações não ofereciam a segurança adequada.
O golpe foi pesado. Até que todos os danos fossem repa-
rados, a reserva de caixa esgotou.
- Talvez a senhora devesse reduzir os gastos com o pessoal
para compensar a perda. - Foi o conselho que o gerente do
banco deu a Misty. - E, principalmente, parar de empregar
seu dinheiro na quitação da hipoteca de uma casa que não
lhe pertence. Admiro sua generosidade no sentido de querer
ajudar a sra. Pearce, mas em momentos como este
precisamos ser realistas.
A caminho de casa, Misty procurou refletir sobre as palavras
do gerente do banco. Chegou à conclusão de que as
circunstâncias e os laços de amor e de lealdade falavam mais
alto do que a necessidade de ser realista. Birdie Pearce mo-
rava em uma velha casa de campo chamada Fossetts House,
herdada por seu falecido marido, Robin, de antepassados.
Por não terem sido abençoados com a capacidade de gerar, o
casal se dedicou a assumir crianças abandonadas pelos Pais.
Ao longo de trinta anos, Fossetts House se tornou o lar de
quantos foram deixados a sua porta. E Misty foi uma dessas
crianças.
Quando a levaram para lá, aos doze anos, Misty era uma
menina triste amarga e desconfiada. Birdie e Robin não se
acovardaram com sua recusa em receber carinho. Trabalha-
ram até que conseguiram transforma-la em uma pessoa am
rosa e grata. Deram-lhe segurança e proteção e muito, mui
amor. Essa era uma dívida que Misty nunca conseguiria
pagar.
Assim, durante os últimos catorze meses, apesar das
ficuldades em que se encontrava, nenhuma prestação deix de
ser paga. Enquanto ela vivesse, Misty decidiu, a perma `
nência de Birdie na casa seria garantida. Fora um choq
descobrir que seu pai adotivo havia hipotecado Fossetts Ho
se para poder manter suas crianças. A necessidade surgi em
uma época que ele teve um grande prejuízo na bols Para não
preocupar a esposa, ele havia guardado segre do problema.
Agora, aos setenta anos de idade, Birdie estava na lis de
espera para se submeter a uma cirurgia cardíaca q poderia
lhe oferecer uma chance de viver com mais saúde Até esse
dia, o médico recomendou que Birdie fosse poupa de todas
as maneiras possíveis. E era isso que Misty vinte fazendo.
No que dependesse dela, sua mãe continuaria morar na casa
que adorava e não ficaria sabendo a respei da dívida.
Fossetts House era uma casa alta, em estilo gótico, co
telhado de grande inclinação e janelinhas no sótão. Co truída
nos anos vinte, a casa recebia a sombra de imens e frondosas
faias.
Ao descer da van e olhar para a propriedade, Misty deixo
escapar um suspiro. A velha Fossetts House estava com
çando a dar sinais de abandono, com as venezianas pre sando
de uma camada de verniz e as paredes clamando p ,` uma
demão de tinta.
Os problemas foram esquecidos, por um momento, qua do
Misty entrou na casa e foi surpreendida com uma belí situa
cesta de rosas sobre o aparador. 0 perfume das pétala tornava
o ambiente ainda mais acolhedor. Misty aspirou
profundamente antes de se dirigir à cozinha.
Nancy estava junto à pia branca de louça preparando s
duíches naturais para o chá. Nancy era prima do faleci
Robin e se dispôs a ajudar o casal com as crianças, vinte
anos antes, quando soube sobre seu nobre intento.
- Birdie está descansando lá fora - Nancy informou. - Que
acha de tomarmos o chá ao ar livre?
- Boa idéia. Posso ajuda-la a prepara-lo?
- Não, obrigada. Vá e faça companhia a Birdie.
0 calor estava intenso naquela tarde de junho, mas Birdie
estava envolta em uma manta. Birdie sempre sentia frio,
fosse qual fosse a temperatura. Era uma mulher baixa e
miúda com o rosto marcado pela idade. Os olhos azuis,. no
entanto, continuavam vivos e brilhantes.
- Este lugar é lindo, não? - Birdie sorriu. - Nunca me canso
de admira-lo.
Misty olhou para as árvores, para o imenso gramado e para
as azaléias cor-de-rosa ao mesmo tempo que fazia um gesto
de concordância.
- Como passou o dia hoje?
- Recebi visitas. 0 novo vigário e a esposa. Mal se mudaram
para cá e já deram ouvidos àquele boato absurdo de que eu
estou vivendo em situação de penúria porque fui pra-
ticamente abandonada por todos que criei. - Birdie olhou
para Misty e balançou a cabeça. - Não entendo de onde
surgiu essa história. Por que alguém inventaria uma mentira
tão cruel?
- Devem ter ouvido algo sobre aquele problema com o Peter,
provavelmente, e interpretaram tudo errado. - Misty não quis
acrescentar que a vizinhança evidentemente estava
observando o estado em que Fossetts House se encontrava e
que o fato de Peter, uma das muitas crianças que o casal
Pearce havia criado, roubara todas as jóias da mãe adotiva
alguns anos antes a pretexto de lhe fazer uma visita.
Birdie poderia tê-lo denunciado, mas não o fez. Em troca de
seu silêncio, conseguiu o que pouca gente acreditaria ser
Possível. Peter aceitou fazer parte de um programa de rea-
bilitação para drogados e teve sucesso. As jóias, porém, nun-
ca foram recuperadas.
- Por que as pessoas sempre preferem pensar o pior? - Birdie
indagou, triste.
- Não é sempre assim - Misty tentou acalmá-la.
- Bem - Birdie mudou de assunto -, o que tem para me contar
hoje sobre o bonitão siciliano de Brewsters? Eu adoraria
conhecer um verdadeiro magnata dos negócios. Nunca vi
um, exceto pela televisão.
Misty sorriu e precisou pestanejar para conter as súbitas
lágrimas que ameaçaram surgir. Por Birdie, sua amada mãe,
ela precisava começar a encarar Leone Andracchi como seu
salvador. Não era certo ficar fazendo tempestade em um
copo d'água por causa de um simples beijo, era?
- Ele me ofereceu um trabalho em Londres - Misty resolveu
contar. - Como você se sentiria se eu tivesse de me afastar
daqui por um mês ou dois?
- Para trabalhar para um homem rico e atraente? Ótima! -
Birdie exclamou após a surpresa inicial.
Terminado o chá, Misty subiu para o quarto e verificou o
guarda-roupa que Flash lhe comprara para distraí-Ia da
depressão que se seguiu ao rompimento de seu noivado com
Philip. Nenhum daqueles vestidos ou acessórios fora tirado
do armário em mais de dois anos. Misty separou um con-
junto de saia azul-turquesa e um par de sapatos de salto.
Tomou um banho rápido, vestiu-se e fez uma maquilagem
leve com os cosméticos cuja compra datava da mesma
época.
Ela sabia se maquilar e até mesmo se transformar em uma
mulher glamourosa, se necessário. Flash lhe havia ensinado
muitos truques. Era uma pena que a amizade entre eles
tivesse acabado. O fim do relacionamento coincidiu com o
fim de seu noivado com Philip. Porque a partir daquele
momento, Flash parou de pensar nela como a irmã com que
convivera no orfanato e resolveu querer mais.
Para ir ao encontro de Leone Andracchi, Misty fez uso do
velho carro de seu pai, que ainda servia para Nancy ir às
compras. Deixou-o no estacionamento do hotel e entrou no
luxuoso saguão, onde foi informada que o sr. Andracchi se
encontrava no restaurante.
Em dúvida se deveria aguardar ou interrompê-lo em meio à
refeição, Misty seguiu para o local, mas se deteve à porta.

O que aconteceu a seguir seria próprio de uma comédia. O


recepcionista abriu a porta para ela entrar. No mesmo ins-
tante, surgiu um homem alto e loiro querendo sair. Ela o
ouviu dizer algo, mas antes que pudesse olhar para o rosto
dele, um garçom tropeçou e caiu.
- Misty?
Por uma fração de segundo, Misty pensou que estivesse
sonhando. Não ouvia aquela voz havia três anos, mas seria
capaz de reconhecê-la em qualquer lugar.
- Philip?
- Quanto tempo...! - O ex-noivo a fitava como se não
conseguisse acreditar em seus olhos. - Como você está? -
Bem - Misty respondeu, trêmula. Sabia que mais cedo ou
mais tarde acabaria encontrando Philip em algum lugar, mas
até aquele instante tivera sorte em evitar os locais em que
teria maior probabilidade de vê-lo.
- Você... Você está linda! Pensei muitas vezes em procurá-la
em Fossetts House...
- Com sua esposa e seus filhos? - Misty indagou entre
irônica e incrédula.
- Uma filha apenas - Philip a corrigiu, sem jeito. - E Helen e
eu estamos nos divorciando. Não deu certo.
A alguns metros de distância, Leone Andracchi observava a
cena perplexo com a mudança operada em Misty Carlton,
sem aquela roupa cinza e folgada. Os cabelos brilhavam à
luz, soltos sobre os ombros como uma cascata de fogo, e
seus olhos pareciam de prata ao fitar o desconhecido. O
corpo, sob o tecido reluzente, era perfeito. Às pernas longas
e bemtorneadas eram de parar o tráfego.
- Misty?
Sem tempo ainda para se recuperar da notícia inesperada,
Misty virou-se para o homem que a chamara. Leone
Andracchi.
De repente, pareceu faltar oxigênio ao ambiente. Misty teve
a nítida sensação de que havia borboletas esvoaçando em seu
estômago. Em comparação com ele, alto, moreno e forte,
Philip parecia pouco mais do que um garoto.
- Sinto tê-la feito esperar, amore - Leone murmurou ao
mesmo tempo que a enlaçava possessivamente pela cintura.
O próprio Philip se apresentou com a mão estendida e um
sorriso.
- Philip Redding. Misty e eu somos velhos amigos.
- Como vai? - Leone respondeu em um tom de condes-
cendência que fez o outro franzir o cenho. - Lamento, mas
Misty e eu estamos atrasados.
Philip hesitou diante da grosseria, mas se despediu de Misty
com uma promessa de que ligaria para ela.
- Não perca seu tempo - Leone sugeriu sem que Misty
tivesse tempo de responder.
Rubra de raiva, mas com os lábios selados porque realmente
não queria que Philip a procurasse, Misty seguiu para o
elevador.
- Ninguém lhe ensinou a ter educação com as pessoas? -
Misty protestou assim que as portas do elevador fecharam. -
Enquanto estiver comigo, você não fala com outros homens.
Aliás, você nem sequer olha para eles! - Leone declarou,
enfático.
Excitada com aquele olhar que deslizava de seus olhos até os
seios e ainda ressentida com Philip pelo rompimento do
noivado, Misty não respondeu.
- Em especial, antigas paixões - Leone acrescentou. - Não
pode me proibir - Misty tentou desafiá-lo, ciente de que iria
perder.
- Claro que posso. Você está sendo paga para me ser
totalmente fiel. Flertes, como o que acabei de ver, estão fora
de cogitação.
Nesse momento, Misty deixou escapar uma risada.
- Flerte? Philip é o último homem com quem eu flertaria. -
Vi o modo como olhou para ele - Leone retrucou. Por um
instante, cenas felizes do passado voltaram à men te de
Misty. Mas a imagem do acidente com Philip apagou-as e
ela se lembrou da terrível conseqüência: sua esterilidade. - E
ele só faltou agarrá-la...
- Philip nem sequer chegou perto de mim!

- Porque não houve tempo.


O elevador parou e interrompeu a conversa. Ao saírem,
Leone a segurou pelo braço e ela se desvencilhou com um
olhar de desprezo.
- Não há ninguém nos vendo. Faça o favor de tirar essa mão
de cima de mim!

Capítulo 3

Misty tremia como uma folha ao vento. Jamais lhe ocorrera


que um breve encontro com Philip fosse desestabilizá-la
daquela forma.
- Quer tomar alguma coisa? - Leone ofereceu. - Não,
obrigada.
- Poderia ajudá-la a se acalmar.
O arroubo de fúria foi tão forte que a fez sentir uma súbita
tontura.
- Não há nada de errado comigo! Leone.encarou-a em
silêncio por um longo minuto.
- Se não houvesse, você não estaria reagindo desse jeito. É
óbvio que o miserável a afetou.
- Não fale de quem você não conhece! Aliás, não fale dos
outros antes de olhar para si próprio!
- Posso não ser perfeito, mas você sente atração por mim.
Misty ficou tão atônita com a declaração que pestanejou. -
Não sei de que você está falando.
- Não mesmo?
O silêncio aumentou ainda mais a tensão. Misty sentiu a
boca secar e o coração disparar no peito. Olhou para aquele
corpo de atleta, para os cabelos que pareciam azulados à luz
e, especialmente, para a boca sensual.
Hipnotizada por aqueles olhos dourado-escuros, Misty
precisou fazer força para respirar.
- Você me quer e eu te quero, mas nada irá acontecer entre
nós - Leone garantiu. - Trata-se de um negócio
única e exclusivamente e não precisamos de complicações
adicionais.
Misty não conseguia se mover. Os seios palpitavam. Ela se
sentia nua, exposta. Queria dizer palavras que defendessem
seu orgulho, mas então Leone voltou a pousar os olhos nos
lábios dela e a excitação tornou a dominá-la.
Por sorte alguém bateu à porta e o momento de desvario
passou. Da janela para onde se dirigiu, Misty viu um homem
cochichar algo com Leone e lhe entregar uma pasta. Nin-
guém jamais havia exercido um poder tão grande sobre sua
vontade. O estranho era que Leone também parecia ter sido
arrastado por esse poder. Essa constatação, por incrível que
pudesse parecer, a fazia sentir-se bem como havia muito não
se sentia.
- O contrato ficou pronto - Leone informou-a quando
tornaram a ficar a sós. - Leia e assine.
- E se eu não assinar? - Não haverá acordo.
Misty sentou-se e começou a ler. Era um contrato comum de
prestação de serviço. Não mencionava o papel de amante,
nem roupas, nem apartamento. Havia uma cláusula, entre-
tanto, que cancelava todos os benefícios caso ela tentasse
desistir antes que o proponente desse o trabalho por con-
cluído. Ela preferiria não concordar com aqueles termos, mas
a menção do valor, logo abaixo, a fez calar seus receios. O
dinheiro seria suficiente para cobrir a hipoteca de Fossetts
House por quase dois anos e ainda garantiria o pagamento
das dívidas da Carlton Catering e o salário do pessoal pelo
tempo que ela estivesse fora.
- Você está sendo generoso - Misty admitiu, constrangida -,
mas o que devo pensar sobre esta cláusula que me proíbe de
desistir do acordo sem seu consentimento?
- Você pode pensar o que quiser - Leone declarou -, mas
dou-lhe minha palavra de que não lhe será exigido nada de
imoral, ilegal ou perigoso.
Sem condições de recusar a única tábua de salvação que lhe
fora oferecida, Misty apanhou a caneta para colocar sua
assinatura sob o testemunho do mesmo homem que viera
entregar o documento.
- Muito bem - disse Leone depois que ambos assinaram. -
Mandarei um carro para apanhá-la na segunda-feira às nove.
- Já nesta segunda-feira? - Misty questionou, surpresa. - Em
menos de uma semana?
- Quero colocar o esquema em ação o mais rápido possível.
Anote suas medidas. Precisamos providenciar um novo
guarda-roupa.
- Eu tenho algumas peças bastante apresentáveis.
- Pode ser, mas eu prefiro que se vista de maneira mais sutil
e elegante, embora goste do estilo "rock-chique" que você
tem usado nos últimos dias.
Misty não entendeu a que Leone estava se referindo. Sua
saia, afinal, não era tão curta, nem o top tão decotado. O que
a fez levar a uma outra conclusão.
- Você sabe sobre Flash, não?
- Claro que sei. Eu precisaria ser muito ingênuo para
oferecer um contrato a alguém sem saber nada a seu respeito.
Misty sentiu que corava. Porque, em outras palavras, Leone
a havia chamado de ingênua. Ou pior. As pessoas que a
conheceram na ocasião em que Flash tentou namorá-la ti-
nham certeza de que eles haviam sido mais do que amigos.
De que adiantaria ela afirmar que nunca houvera nada entre
os dois?
- Muito bem. Você me investigou e não gosta da roupa que
uso. O que mais tem a me dizer?
Leone encarou-a.
- Por acaso você decidiu que sua missão na vida é discordar
de mim?
- O problema é que você não pede, você ordena - Misty
esbravejou. - Mas levando em conta que está me pagando
por um trabalho, farei um esforço para ser mais receptiva. -
Sempre teve dificuldade para seguir instruções?
Misty fez que sim e procurou mudar o assunto e o tom de
voz.
- Qual será a agenda para segunda-feira?
- Mudança para o apartamento novo e um programa à noite.
- Aonde iremos? - Ainda não decidi.
Misty endereçou a Leone um olhar de irritação e deu um
suspiro de enfado.
- Posso ir agora?
Ele foi até a porta e abriu-a. - Eu a acompanho.
- Não é necessário.
Sem responder, Leone se encaminhou para o elevador e
apertou o botão. Depois que desceram, ela tentou seguir so-
zinha, mas ele a impediu.
- Pare de fingir que é um castigo, amore.
Misty estremeceu ao adivinhar que Leone iria beijá-la. Não
tentou evitar. Sabia que era algo inevitável.
Entregue à doçura e à sensualidade do beijo, Misty só
percebeu que havia deixado escapar um gemido de prazer
quando Leone interrompeu a carícia.
- Você foi convincente em sua representação. Estou sa-
tisfeito.
Furiosa, mais consigo mesma do que com Leone, Misty se
desvencilhou e se afastou com um boa-noite mal-humorado.
No meio do estacionamento, ela virou para trás sem refletir.
Leone estava ao pé da escada, observando-a. Grata por isso,
embora preferisse não admitir, deu mais alguns passos à
frente e estava chegando ao carro, quando foi abordada por
uma figura masculina que a fez dar um pequeno grito.
- Sou eu - Philip se identificou. - Reconheci o carro e fiquei
por perto para poder vê-Ia.
- Quase me matou de susto! - Misty colocou a bolsa sobre o
capô para melhor procurar a chave que vinha tentando
encontrar desde que saíra do hotel.
- Desculpe, mas ocorreu-me que conversaríamos mais à
vontade aqui do que em sua casa.

- Não temos nada o que conversar. Sinto que seu casamento


não tenha dado certo, mas não posso ajudá-lo.
- Por favor, ouça. Eu nunca pude te esquecer. Fui um louco
em me casar com Helen.
Com as chaves na mão, Misty procurou encontrar, em vão, a
fechadura.
- O passado passou, Philip. Por favor, não insista. Volte para
sua casa.
- Você escutou o que ela disse. Caia fora.
Misty aproveitou a oportunidade para entrar no carro e bater
a porta. Embora a contragosto, tinha de admitir que estava
feliz pela interferência de Leone. Embora tivesse afirmado a
ele que estava bem antes de sair do estacionamento, a
verdade era que Philip a assustara ao abordá-la.
Com os nervos em frangalhos, Misty parou o carro assim
que teve certeza de que não seria vista por nenhum dos
homens. Precisava enxugar as lágrimas e assoar o nariz.
Como Philip tivera o desplante de procurá-la depois do que
fez?
Ele se casara com Helen passados seis meses apenas do
rompimento do noivado. Uma loira de família tradicional do
tipo exato que a mãe esnobe dele queria. Um ano depois,
nasceu o bebê. Misty vira mãe e filho diversas vezes nos
shoppings da cidade. Por mais que se esforçasse levava dias
para se recuperar do golpe.
Quando se sentiu novamente em controle de suas emoções,
Misty tornou a ligar o carro. A imagem de Leone a
acompanhou durante todo o trajeto. Teria ele insistido em;
acompanhá-la até o estacionamento porque suspeitava de
que Philip rondasse por ali? Ou foi uma mera
coincidência?,,, A segunda hipótese parecia mais provável a
Misty. Por outro lado, por que Leone passara a impressão de
ser ciumento apesar de eles estarem ligados apenas por um
contrato de` negócios?
Talvez ela estivesse enxergando o que não existia. Talvez
Leone fosse apenas um bom ator. Ele se deixava fotografar
com mulheres bonitas, mas se mostrava sempre frio e dis-
tante. Tivera a oportunidade de vê-lo retratado em várias
colunas sociais. Leone era do tipo que cancelava qualquer
encontro por causa de trabalho. Não deveria dar nenhuma
importância a datas comemorativas. Nem sequer ao dia dos
namorados. Em resumo, Leone era o tipo do homem do qual
toda mulher sensata deveria fugir.
No dia marcado, Misty chegou em Londres. A limusine
parou diante do ultramoderno prédio de apartamentos onde
ela iria residir pelo período de dois meses. Enquanto o mo-
torista apanhava as malas, ela aproveitou para admirar a
luxuosa fachada de alto a baixo, ainda incrédula com a mu-
dança drástica que se operara em sua vida.
No decorrer da última semana, à medida que Misty tomava
as providências necessárias para o funcionamento de sua
pequena empresa e de Fossetts House durante sua ausência,
ela se deu conta de que estava animada como não se sentia
havia anos. Porque a verdade era que ela não vinha fazendo
nada de divertido. Sua vida tinha se resumido a trabalho e
preocupações. Birdie era a única saudade que levaria
consigo.
O elevador a conduzia para sua nova vida. Ela se olhou ao
espelho e franziu o rosto. Seus traços denotavam a ansiedade
que lhe invadia a alma. Não entendia o que Leone vira nela.
Desde o término de seu noivado com Philip a baixa auto-
estima era uma constante. Aliás, a baixa auto-estima tinha
raízes mais antigas.
- Assim que eu me organizar, virei buscá-la para morar
comigo - a mãe, ruiva como ela, vivia prometendo. - Tive de
desistir da tutela de sua irmã porque ela não era tão forte
quanto você e eu não tinha meios de criá-la, mas você quase
não me dá despesa.
Mas Misty também acabou sendo criada em lares adotivos e
à idade de cinco anos a imagem de sua mãe se tornou apenas
uma lembrança. Foi duro descobrir, anos mais tarde, que sua
mãe tornou a se casar e nunca contou ao marido sobre a
existência de uma filha ilegítima.
Um homem de cabelos grisalhos e paletó apresentou-se
como Alfredo, o mordomo, à porta do apartamento. Misty
cumprimentou-o e entrou no hall de mármore que dava para
uma sala ampla e moderna, decorada apenas em branco.
Muito elegante, mas fria.
Mas, afinal, o que ela esperava? Uma atmosfera aconche-
gante? Depois de levá-la a uma suíte ampla com quarto de
vestir anexo, Alfredo lhe entregou uma folha de papel.
- A agenda para hoje.
Ao verificar que teria compromissos por todo período da
tarde em institutos de beleza, Misty deixou escapar um sor-
riso sem humor. Evidentemente, no que dizia respeito a seu
aspecto fisico, Leone achava que ela precisava de toda ajuda
profissional que pudesse obter.
Ao final da tarde, com os cabelos cortados, hidratados e
penteados e as unhas curtas tornadas compridas, Misty co-
gitou se teria condições de suportar aquela vida frívola por
dois meses inteiros.
Estava voltando para o apartamento quando o telefone da
limusine tocou. Era Leone, para avisar que a apanharia às
sete horas para saírem.
- Aonde iremos? - Misty perguntou, curiosa. - A uma avant
première.
Misty pestanejou. Não esperava por uma grande ocasião
logo no primeiro dia de trabalho.
- Coloque uma jóia - Leone recomendou. - Comprei
brilhantes para você usar esta noite.
Assim que chegou ao apartamento, Misty foi direto para o
quarto. Encontrou um estojo em formato de coração em cima
da penteadeira. Ao abri-lo viu um conjunto de colar com
brincos de pingentes que lhe tirou o fôlego.
Passada a surpresa, ocorreu a Misty que suas malas não se
encontravam no lugar onde as colocara. Levantou-se no
mesmo instante e abriu os armários para verificar se alguém
as havia guardado lá. Encontrou, nesse momento, uma enor-
me variedade de roupas novas e acessórios. Em destaque,
obviamente para ela se apresentar aquela noite, notou um
vestido longo prateado com alças bem finas, assinado por
uma das grifes mais famosas do mundo.
Às sete e meia, Misty foi ao encontro de Leone, na sala. Ele
estava de costas, olhando por uma das janelas.
- Não gosto que me façam esperar - ele declarou antes de se
virar para cumprimenta-la.
- Você me avisou em cima da hora! - Misty protestou. - Fiz o
melhor que pude!
- Dio mio!
A impaciência foi substituída por um murmúrio de apre-
ciação quando Leone a viu. Seus olhos escuros brilharam.
Misty sentiu um arrepio de prazer.
Ela sabia que nunca havia se apresentado tão bem antes. A
cor prateada realçava o acobreado dos cabelos e a pele clara.
O vestido, em sua simplicidade, aderia com perfeição às
curvas do corpo. Uma fenda exibia uma das pernas até
alguns centímetros acima do joelho. Os sapatos de salto tam-
bém eram prateados.
O silêncio tornou-se palpável.
- Você está fantástica - Leone a elogiou com voz rouca e os
olhos absorvendo cada detalhe do vestido até pousarem nos
lábios pintados de vinho.
Misty precisou se obrigar a responder e a sorrir, tomada de
inexplicável euforia.
- Obrigada.
- Embora isso não signifique que esteja perdoada por me ter
feito esperar - Leone acrescentou.
- É melhor ir se acostumando - Misty sugeriu quando
chegaram ao hall. - Fora do expediente de trabalho, sempre
me atraso.
- Você está trabalhando para mim - Leone lembrou-a. -
Então pare de olhar para mim desse jeito! - Misty conseguiu
protestar após um momento.
- Olhar não tira pedaço - ele retrucou, o que a fez cerrar os
dentes de raiva. Não era justo que ele sempre tivesse o
direito de dar a última palavra!
Na limusine, Misty não conseguiu dominar os pensamentos.
Era muito estranho. Contrata-la havia custado uma fortuna
para Leone. Como se não bastasse, ele havia lhe comprado
roupas caras, jóias fabulosas e a instalara em um bom
apartamento. Em troca de que poderia ser? A imaginação de
Misty chegou a fazê-la acreditar que Leone deveria ter um
caso com uma mulher casada e que para se livrar dela havia
tentado a desculpa de estar apaixonado por outra.
- Não pode me contar qual é seu jogo? - Misty desabafou. -
Juro que guardarei segredo.
Leone alongou as pernas e assumiu uma postura relaxada.
Em seguida, examinou-a da cabeça aos pés.
- Quando a história terminar, você saberá.
Algo na voz de Leone provocou um arrepio na espinha de
Misty.
- Seu tom foi estranho. Acho que não gostei. - Estou lhe
pagando bem por seus serviços. - Cortesia não custa nada -
Misty protestou, ofendida. - Você é orgulhosa demais.
- Não posso evitar. Estou me sentindo uma marionete em
suas mãos. Você não me deixa nem sequer me vestir como
quero!
- Comece a se preocupar se eu tentar desvesti-la. Está bem?
Como evitar o rubor que lhe subiu pelas faces? Por maior
que fosse sua curiosidade em saber o nome do filme a que
iriam assistir, Misty permaneceu em silêncio até o final do
trajeto.
Repórteres e fotógrafos se acotovelavam para presenciar a
chegada das celebridades. Leone, calmo e tranqüilo, cami-
nhou por entre as barreiras com a mão pousada levemente na
cintura de Misty.
- Quem é a nova acompanhante, sr. Andracchi?
Misty não estava preparada para o pipocar dos flashes. Muito
menos para a ousadia do pessoal da imprensa. O que Birdie
pensaria se abrisse o jornal do dia seguinte e a visse na
coluna social? Misty havia alegado uma viagem a trabalho.
Algo que não combinava com uma avant première nem com
brincos e colares de brilhantes!
- Você deveria ter me alertado que seria assim - Misty
reclamou. - Não imaginei que sair com você fosse um acon-
tecimento público.

- Por que acha que eu investi em você? Somente homens


casados escondem as amantes.
- Pois fique sabendo que eu estou odiando ser sua amante! –
Misty praguejou.
O olhar que Leone dirigiu a ela não poderia ser mais ma-
licioso.
- Se fosse verdade, e não um jogo, você não estaria dizendo
isso.
Misty corou ao ouvir aquelas palavras e o rubor aumentou
quando ela percebeu que o modo de Leone sussurrar, junto
ao ouvido dela, daria margem a uma interpretação bem di-
ferente do que estava acontecendo.
Enfim no cinema, Misty aproveitou para tentar localizar
rostos famosos antes que as luzes apagassem. Sua diversão
terminou logo, porém. Porque a recíproca era verdadeira. Ela
também estava sendo alvo de olhares curiosos.
O filme foi um suspense de tirar o fôlego. Por quase duas
horas Misty conseguiu esquecer a farsa que estava vivendo.
Mas assim que as luzes tornaram a ser acesas, ela precisou
enfrentar novamente a realidade. O pesadelo da entrada se
repetiu. Leone fez questão de exibi-Ia como um troféu.
- Deveria ter sorrido o tempo todo - Leone censurou-a
quando finalmente se afastaram na limusine. - Por que se
encolheu daquele jeito?
- Porque não quero que minha foto saia no jornal! Não gosto
de despertar a atenção das pessoas!
Leone fitou-a com ironia. - Não?
O silêncio caiu como uma pedra entre eles. Misty engoliu em
seco ao vê-lo separar um DVD e colocá-lo no aparelho. -
Nesse caso, vou refrescar sua memória...
Misty franziu o rosto sem entender a que Leone se referia.
Um momento depois, a tela da pequena televisão exibiu
Flash em um de seus concertos. Ao se dar conta do show que
Leone havia escolhido, Misty estremeceu. Lá estava ela
dançando como uma alucinada. Os olhos pareciam desvai-
rados, os cabelos agitavam para todos os lados, o vestido
curto deixava ver a calcinha conforme ela se movimentava.

Misty sentiu um suor frio escorrer por entre os seios. Ela . ;


nunca imaginara que aqueles momentos haviam sido gra-
vados e guardados para a posteridade. Em toda sua vida,
jamais havia se sentido tão constrangida. - Desligue isso! -
implorou.
- Por mais que eu me esforce não encontro vestígios de
timidez em você. Afinal, está em um palco diante de milha-
res de pessoas.
- Por favor, desligue isso!
- Não seja egoísta - Leone respondeu com um sorriso de
desdém. - Você focaliza bem. Tenho certeza de que todo o
público masculino adorou sua performance. Você é muito -
sexy.
Misty tentou se apoderar do controle remoto, mas Leone foi
mais rápido.
- Você não entende - Misty tornou a suplicar. - Flash me
desafiou. Eu tinha bebido pela primeira vez em minha vida.
Não sabia o que estava fazendo. - Ao se dar conta,
subitamente, de que estava piorando ainda mais sua situação
ao revelar detalhes, ela parou de falar. Mas apenas porque se
atirou sobre Leone para se apoderar do controle remoto.
-Accidenti! - Leone exclamou ao ser atacado. Não imaginara
que Misty pudesse ser capaz de partir para uma luta corporal
para atingir um objetivo. - Você enlouqueceu?
- Dê para mim!
Leone largou o objeto, mas não Misty.
- Quando a imaginei em meus braços, não foi em uma
situação como esta, amore.
Zangada por se ver impedida de se mover, Misty ordenou
que Leone a soltasse. Em vez disso, ele a atraiu ainda mais
ao encontro de seu corpo de modo que ela pudesse sentir a
intensidade do desejo que lhe despertara.
- Da próxima vez, aconselho que pense duas vezes antes de
agarrar um sujeito e pedir que ele lhe dê algo...
Misty hesitou. Seu vestido havia subido e ela estava sentindo
a rigidez de Leone em suas pernas.
- Você sabe que eu não quis dizer...
- Agora, estou tentado a satisfazer seu desejo - Leone
concluiu como se não a tivesse ouvido. No instante seguinte
estava curvando-a para trás para beijá-la no pescoço, no om-
bro e na elevação dos seios.
Incapaz de controlar o calor que se apossara de todo seu
corpo, Misty enlaçou-o pelo pescoço e gemeu. Leone, como
se esperasse apenas por esse sinal, deitou-a no banco.

Capítulo 4

Mediante o pequeno toque em um botão as luzes da cidade


desapareceram da janela e um painel lhes proporcionou
inteira privacidade. Leone se livrou do paletó e tirou os
sapatos de Misty antes de tornar a abraçá-la.
O bom senso começou a instigar novos pensamentos em
Misty ao mesmo tempo que o desejo sexual se manifestava
em Leone. Ela ainda tentou pronunciar a palavra que sig-
nificaria a interrupção do momento, mas a pressão em seus
lábios foi mais forte.
O beijo de Leone lhe deu a sensação de ser levada ao paraíso
em um foguete. Ele mergulhou a língua no fundo de sua
boca e segurou-a pelos quadris de modo a atraí-Ia contra o
próprio corpo. Ela enlaçou-o pelo pescoço e deixou que o
beijo se prolongasse até ficarem sem fôlego.
Subitamente, Leone afastou a cabeça e olhou para ela. Seus
olhos chamejavam de paixão. Ela se sentiu presa de uma
emoção avassaladora. Não conseguiu reagir quando Leone
deslizou as alças do vestido para começar a despi-Ia.
O ar mais frio atingiu-a ao ter a pele exposta. Nesse instante,
ela se lembrou de que estavam na limusine e que aquilo não
era certo. A idéia de perder a virgindade no banco de trás de
um veículo, de luxo ou não, não era romântica. Contrariava,
aliás, todos os seus sonhos de mulher. Além disso, ela teria
de encarar o motorista mais cedo ou mais tarde. Como faria?
Fingiria que nada havia acontecido?

- Você tem seios lindos - Leone murmurou e ela perdeu


novamente a noção de realidade.
A carícia que Leone lhe fez com a ponta da língua e com os
lábios provocou um espasmo em seu baixo-ventre. Ele havia
tomado os mamilos com tanta volúpia que Misty arqueou
involuntariamente as costas e deixou escapar um longo
gemido.
Ela o queria como jamais quisera outro homem. Tinha vaga
noção de estar ouvindo uma música. Reconhecia-a embora
não conseguisse se lembrar do nome. Estava à mercê de seu
próprio corpo.
- Vou lhe proporcionar momentos de delírio - Leone
prometeu, rouco. - Vou aluciná-la de desejo. E depois que
terminarmos aqui, faremos tudo outra vez em minha cama.
Choque, excitação e vergonha se somaram. Mas por maior
que fosse a excitação, as palavras calaram fundo: cruas de-
mais. Ao mesmo tempo, ela se lembrou de que aquela
música era uma homenagem de Flash para ela.
Não era uma mulher fraca. Como pudera permitir que as
coisas fossem tão longe com Leone? Estava sendo usada por
ele. Sexo não era o bastante. Ele, afinal, não se importava
com ela. De outra maneira, não estaria tentando possuí-Ia no
banco de um carro.
- O que houve?
Surpreendeu-a que Leone notasse tão depressa sua mudança.
Ela aproveitou a pausa para se sentar e proteger sua nudez
com o vestido.
- Você desistiu - Leone murmurou diante do silêncio que se
seguiu.
- Sinto muito - Misty balbuciou. - Eu deveria ter decidido
antes, mas... Não é certo. Como você mesmo disse, estamos
tratando apenas de negócios.
- Está querendo que eu inclua uma cláusula que me permita
acesso a seu corpo?
A indignação de Misty foi mostrada com um tapa. Não
houve tempo para raciocinar. O golpe estalou na face de
Leone.
- Não se atreva a falar comigo assim! Não sou quem você
está pensando! - A raiva de Leone se transmitia pelos olhos.
Assim mesmo, Misty continuou. - Não irei me desculpar
pelo que fiz, se é isso que está esperando.
- Eu não a forcei. Soltei-a imediatamente - Leone retrucou. -
Não há desculpa para o que você fez, quando sabe que não
tive escolha.
Misty estava tremendo. Queria puxar o zíper do vestido, mas
tudo que conseguiu foi rasgar um pedaço da seda.
- Deixe-me ajudá-la - Leone ofereceu em tom frio como gelo
e ela aceitou apesar de tudo.
Em seguida, Leone tornou a apertar o botão que controlava
os painéis das janelas. Misty sentiu vontade de gritar, de
abrir a porta e saltar; embora a limusine estivesse em
movimento.
No entanto, quando o motorista finalmente parou e abriu a
porta Misty não se moveu. Como faria para descer? O
vestido estava rasgado à altura da cintura. Não teria como
disfarçar.
Um súbito peso em seus ombros a fez pestanejar. Leone
havia cedido seu paletó e ele próprio a ajudou a saltar e a
atravessar o vestíbulo do hotel rumo ao elevador.
O silêncio era tão absoluto que Misty ouviu as batidas do
próprio coração. Ocorreu-lhe, de repente, que Leone não pre-
cisaria estar a seu lado. Por que resolvera acompanhá-la?
Para recuperar o paletó?
Ele abriu a porta do apartamento e jogou a chave sobre uma
mesa de canto. Ela tirou o paletó e devolveu-o. Leone
apanhou-o, olhou nos olhos dela e se dirigiu ao corredor que
dava para os quartos após dizer boa-noite.
Misty pigarreou.
- O que está fazendo?
- Vou tomar um banho. Algum problema? Os olhos de Misty
dobraram de tamanho. - Está pensando em passar a noite
aqui?
- Não sou sonâmbulo. Você não tem com que se preocupar.
De qualquer forma, sempre é possível trancar a porta do
quarto.
Misty somou dois e dois e descobriu o resultado por si
mesma.
- Você vai ficar porque para os outros eu sou sua amante. -
Naquele momento, Misty se deu conta do erro que havia
cometido. Ela era dona de uma empresa. Não importava o
tamanho. Quem iria levá-la a sério no futuro ao saber que
havia desfilado pela cidade com Leone Andracchi e as jóias
compradas por ele? As pessoas custaram a se convencer de
que não havia nada entre ela e Flash a não ser amizade.
Quando a vissem com Leone a suspeita de que ela era capaz
de se atirar nos braços de qualquer homem que tivesse di-
nheiro se tornaria uma certeza.
Como Leone não respondesse, Misty insistiu.
- Se você ficar aqui esta noite, as pessoas pensarão mal de
mim.
Leone passou uma das mãos pelos cabelos.
- Por sorte, não existe realmente nada entre nós. Sou grato a
você por ter me impedido de cometer o maior erro de minha
vida. Sinta-se à vontade para me acordar se eu tornar a cair
em tentação.
Uma raiva surda invadiu Misty.
- Estou começando a detestar você.
- Excelente. Continue a cultivar essa emoção. Porque se você
acabar indo para minha cama, a vida que está acostumada a
levar nunca mais será a mesma.
Misty precisou de alguns segundos para reagir.
- É mesmo? - indagou com a voz impregnada de ironia. - É
mesmo - Leone afirmou com um olhar que a fez engolir em
seco. - Você ainda estará dormindo quando eu for embora
amanhã. Voltarei na sexta-feira para apanhá-la. Passaremos
o fim de semana na Escócia.
Misty ficou parada, olhando para aquele homem que se
afastava pelo corredor. Ele a fascinava, por mais que dese-
jasse negar.
Algum tempo depois, Misty foi para seu próprio quarto,
fechou a porta e deitou-se. Fechou os olhos mas não conse-
guiu dormir. Sua mente acompanhava Leone naquele banho
e recordava os momentos intensos vividos aquela tarde no
banco da limusine.
Os relatos das mulheres que declaravam ser incapazes de
resistir a alguns homens nunca a impressionaram. Porque
nem mesmo Philip, o homem com quem poderia ter dividido
sua vida, lhe parecera irresistível. Talvez o legado de sua
mãe natural tivesse pesado nessa sua decisão de com-
portamento. O medo de confundir luxúria com amor sempre
a mantinha alerta.
Misty estava cursando a faculdade de Nutrição quando
conheceu Philip. Tornaram-se inseparáveis desde a primeira
semana. O romance parecia perfeito. Ela jamais poderia so-
nhar que fosse acabar como acabou.
Desde o início, entretanto, a mãe de Philip a tratou com
frieza. Uma vez ela chegou a manifestar sua contrariedade
com o namoro.
- Você não sabe nada realmente sobre suas origens?
O que Misty poderia responder exceto que não conhecia
ninguém de seu lado materno e que seu pai era desconhe-
cido? Philip precisou ser firme para a mãe não separá-los. E
por ele tê-la defendido e ao amor que os unia, a confiança
que ela depositava em Philip se tornou ilimitada. Sua relu-
tância em se entregarem um ao outro, contudo, permaneceu
até que finalmente concordou em passar um fim de semana
com ele em um hotel no campo. Esse foi o ponto final do
romance. Um final dramático porque eles nunca chegaram
ao hotel, por causa do acidente que sofreram no trajeto.
Um sono povoado de pesadelos acordou Misty antes do
alvorecer e a fez levantar para tomar um copo d'água. Ao
passar pela sala, a caminho da cozinha, ela quase trombou
com Leone, lindo e elegante com um terno cinza impecável e
uma jarra de café na mão.
- Toma café comigo?
Ela deveria ter ficado tão espantada que Leone precisou
sorrir.
- Por que está olhando para mim desse jeito?
- Porque você é a contradição em pessoa. Parece que alguém
conseguiu lhe ensinar boas maneiras, afinal de contas.
- Minha mãe.
- Pena que você tenha tanta dificuldade em se lembrar das
lições - Misty resmungou. - Na maioria das vezes, ao menos
comigo, metade das palavras que me diz são ofensivas.
Desconcertado, Leone não teve tempo para responder. Al-
fredo, seu motorista e mordomo, entrou na sala naquele mo-
mento com um prato de ovos e de torradas.
- Ainda é tão cedo para você sair para o trabalho... - Misty
viu-se dizendo, movida pela curiosidade.
- Estou indo para Paris.
- Estive lá uma vez, mas não tive chance de conhecer
praticamente nada. Fui ao show de Flash e no resto do tempo
precisamos fugir do assédio das fãs e nos esconder no hotel.
Misty parou de falar ao perceber os olhos de Leone pousados
em sua boca. Uma onda de calor a invadiu e ela procurou
desviar a atenção para o único quadro na parede. Retratava
em óleo uma jovem com grandes olhos escuros e
sonhadores.
- Ela é linda. Alguém que você conhece? - Minha irmã. Ela
era minha irmã.
Misty parou de comer ao perceber que Leone se referira à
jovem no passado.
- Ao menos você a teve por algum tempo.
O modo como Leone franziu o rosto a fez se arrepender do
que dissera.
- O que quis dizer com isso? - Eu tenho uma irmã, mas...
Essa informação, felizmente, teve o poder de distraí-lo. -
Você sabe que tem uma irmã?
- Sim, mas meus conhecimentos a seu respeito se limitam ao
fato de sermos gêmeas, embora não idênticas, e que ela foi
adotada por um casal que a registrou como filha, e eu não.
- Em minha opinião, irmãos gêmeos jamais deveriam ser
separados.
- Eu concordo. Tentei estabelecer contato com minha irmã
quando cresci, por meio da agência de adoção, mas ela
não demonstrou interesse em me conhecer. Birdie acha que
ela poderá mudar de idéia quando ficar mais velha.
- Birdie, a mulher que criou você - Leone falou, mais
consigo mesmo.
- Você sabe bastante a meu respeito. - Não tanto quanto
esperava ontem.
Misty corou até a raiz dos cabelos. Foi um alívio vê-lo se
levantar para ir embora.
- Se alguém ligar ou vier visitá-la durante minha ausência
não diga absolutamente nada sobre nosso relacionamento.
Certo?
Misty concordou com um gesto de cabeça embora não pu-
desse entender como alguém poderia procurá-la. Ficou
olhando Leone se afastar em direção à porta, mas deteve-o
antes que saísse porque não suportaria esperar por sua volta
para esclarecer a dúvida que a assaltara durante toda a noite.
- Leone?
Ele parou e mediu-a com os olhos da cabeça aos pés.
- Alguém já lhe disse que é adorável às seis da manhã? -
Você não pensa em nada que não seja sexo quando está com
uma mulher? - Misty retrucou, irritada.
- Nunca lhe ensinaram como receber um elogio? Misty
entrelaçou os dedos.
- Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Por acaso está tendo
um caso com uma mulher casada e fingindo que sou sua
amante como uma desculpa para terminar com ela?
- Nunca tenho casos com mulheres casadas - Leone retrucou.
- Eu não suportaria dividir uma mulher com outro homem.
Embora embaraçada, Misty continuou. - Então se trata
realmente de negócios?
- Negócios sicilianos - Leone acrescentou. - Não é preciso
entrar em detalhes.
Ele se foi em seguida e Misty abriu o jornal. Antes não o
tivesse feito. Uma foto dela nos braços de Leone figurava em
duas colunas sociais que Birdie costumava verificar to
dos os dias. Fora muito ingênua em acreditar que poderia
poupá-la da decepção.
Misty se levantou, decidida. Iria se trocar, pegar um trem
para Norfolk e um táxi até Fossetts House. Precisava expli-
car a Birdie o que estava acontecendo.
A tarde já estava ao meio quando Misty chegou.
- Deixou-o em Londres? - perguntou a mãe adotiva, sem
preâmbulos.
- Eu sinto...
- Está vivendo um grande romance e não me contou - Birdie
a interrompeu. - Mas por que está com essa cara? Estou feliz
que tenha encontrado alguém e que esteja novamente
apaixonada.
Sem esperar por aquela reação, Misty não soube o que
responder.
- Obviamente você foi morar com ele - Birdie continuou. -
Não concordo com esses costumes de hoje, mas entendo que
não se sentisse à vontade para me contar.
- Desculpe, Birdie.
- Você é uma boa menina. Se esse tal Leone Andracchi não a
fizer feliz, terá de se ver comigo.
A imagem da velha e querida Birdie chamando Leone para
um entendimento fez Misty sorrir.
- Assim que souber, Flash irá procurá-la, eu aposto. Prepare-
se para ouvi-lo resmungar que seu coração está partido e que
fará uma nova música em sua homenagem. Nada agrada
mais aquele jovem do que um desafio. Exceto uma platéia, é
claro.
Misty ficou em Fossetts House por dois dias. Quando voltou
para Londres, na quinta-feira à tarde, Alfredo a recebeu com
um olhar assustado.
- Seria mais fácil se eu tivesse uma cópia da chave.
- Para ir e vir quando bem lhe aprouver? - A voz de Leone
alcançou-a da sala. - Pode esquecer!
Ele estava fascinante, de jeans preto e camisa verde de
algodão de mangas curtas. Mas seu olhar era de fúria.
- O que houve? - Misty indagou, perplexa, diante da
inesperada recepção.

- Ainda pergunta? Mal tomei o avião para Paris, você


desapareceu no ar!
- Estive em Fossetts House com Birdie.
- Não foi o que a governanta de lá me disse quando liguei.
Misty pestanejou. Ela havia atendido uma ligação de um
jornalista logo no primeiro momento que chegou. Para não
ser incomodada, pedira que Nancy dissesse que ela não se
encontrava na casa, se alguém a procurasse.
- Então, onde esteve? Se me disser que ficou com Philip
Redding, farei com ele o que já deveria ter feito.
A perplexidade de Misty era cada vez maior. - O que está
pensando? Que é meu dono? - Sim. Ao menos pelas
próximas semanas. Misty cruzou os braços e deu um suspiro.
- Não acredita mesmo em mim, não é?
- Sem comentários.
- Eu estive em Fossetts House com Birdie. Escondida, por
assim dizer.
- Tão escondida que nem a governanta sabia de sua pre-
sença? Ora, Misty, eu sei reconhecer um álibi. Esteve ou não
com seu ex-noivo?
- Não - Misty respondeu -, mas não lhe diria se tivesse
estado. A meu ver, eu estava de folga. Você viajou e não me
deu ordens para permanecer em Londres. Marcou comigo
para a sexta-feira e eu voltei na quinta. Onde está o
problema?
Aparentemente, Leone não ouviu além da primeira frase. -
Você não me contaria se tivesse estado com aquele sujeito?
- Como não estive, de que adianta ficarmos discutindo o
assunto?
-Você estava ou não estava de serviço na limusine aquele
dia?
- O que você acha? - Misty rebateu com a respiração
imediatamente alterada.
Leone consultou o relógio de pulso, exasperado.
- Estou atrasado para um jantar. Esteja pronta para viajarmos
amanhã à tarde para Aberdeen.
Como se tivesse se transformado em uma estátua, Misty
ficou remoendo a notícia de que Leone tinha um encontro. E
ele passaria a noite inteira fora!
Por outro lado, o que importava a ela o que Leone fazia nas
horas vagas? Aquilo era um emprego. Nada mais que um
emprego. Precisava ter isso em mente. O que havia acon-
tecido no banco daquela limusine precisava ser esquecido a
todo custo. Porque ela não passava de um joguete para
Leone Andracchi.
No dia seguinte, Alfredo a levou para o aeroporto. Certa de
que não era coincidência a presença de um fotógrafo por trás
de Leone, ela se esquivou ao beijo na boca e se deixou
apenas abraçar e beijar no rosto.
- Por que fez isso?
- Beijo é mais íntimo. Um abraço também convence. - Um
abraço de verdade, sim, mas eu acabo de abraçar um bloco
de gelo.
O atraso de quatro horas para o embarque devido a uma
greve dos controladores de tráfego aéreo não ajudou a me-
lhorar o clima entre Misty e Leone. Na sala de espera VIP,
Misty folheou algumas revistas enquanto Leone se ocupava
com seu laptop.
Não passaram despercebidos a ela os olhares constantes de
duas mulheres que deveriam estar aguardando o mesmo vôo.
Ambas tentavam flertar com ele como se ela não existisse. E,
nesse sentido, ela realmente não existia. Embora houvesse
alguém com quem ele tivesse passado à noite...
- Tem planos de descongelar antes de chegarmos à casa de
nossos anfitriões? - Leone indagou no aeroporto quando
entraram no carro que ele alugou.
- Não sei de que você está falando. Meu sorriso está pronto
para ser dado no momento que se fizer necessário. O que
mais você quer?
Não tornaram a falar durante um longo tempo. O fim de
semana prometia ser um pesadelo do começo ao fim: parecia
que tudo que pudesse dar errado, daria errado.
- Dio mio! - Leone exclamou ao celular. - Por que ninguém
está atendendo? E um castelo, afinal de contas. Mesmo que
os Garrison tenham saído, eles devem ter criados que possam
responder. Eu queria avisar que logo chegaremos.
- Quer dizer que nunca esteve com essas pessoas antes? -
Misty indagou, assombrada e ao mesmo tempo entusiasmada
à idéia de se hospedar em um castelo.
- Não.
De repente, Misty não entendeu mais nada. Se Leone não
conhecia os donos do castelo e não parecia entusiasmado
com a perspectiva de visitá-los, o que ele pretendia levando-
a para lá?

Capítulo 5
O ar estava inesperadamente frio para a estação. Antes de
vestir o casaco, Misty esfregou as mãos nos braços em um
gesto instintivo. A sua frente erguia-se uma construção que
parecia uma torre. Estava inteira às escuras.
- Que horas são? - Dez.
- É cedo ainda para todos estarem dormindo. Você tem
certeza de que estamos no castelo certo?
- Claro que tenho. - Leone tornou a bater à porta. Minutos
carregados de tensão se passaram até que uma luz tênue foi
acesa acima das cabeças de Leone e de Misty. - Pretendem
acordar todo o mundo com esse barulho? - reclamou o
homem velho de pijama que abriu a porta. - Sabem que horas
são? Já passa das dez!
Misty precisou conter a vontade de rir. Leone, mais sério,
apresentou-se ao homem, enlaçou-a pela cintura e a fez en-
trar no castelo.
Diante da beleza antiga, quase medieval do lugar, Misty não
pôde evitar uma exclamação. A seu lado, Leone continuava a
falar com o homem.
- Seu nome, por favor? - Murdoch, sir.
- Gostaria de apresentar minhas desculpas ao pessoal, sr.
Murdoch.
- Hoje não será possível. Todos já se recolheram - explicou
Murdoch enquanto os conduzia a uma escada de pedra em
espiral que ficava a um canto do hall. - Dormimos cedo no
castelo Eyrie. Só abrimos exceções em ocasiões especiais.
Após uma longa caminhada por corredores sombrios, o
velho homem abriu uma porta que dava para um quarto.
- Se quiserem comer algo terão de se servir na cozinha no
fim do corredor. Como eu acabei de dizer, todos estão
dormindo.
A expressão de Leone não poderia traduzir maior incre-
dulidade. Misty, contudo, conseguiu arrancar um pequeno
sorriso do homem ao se entusiasmar com a decoração do
quarto. Ela nunca havia visto uma cama de dossel antes, a
não ser em filmes.
O que não ocorreu a Misty, a não ser alguns instantes depois,
foi que aquele era o único leito do quarto.
- Per meraviglia! - Leone exclamou, sarcástico. - Está
congelando aqui dentro! E não tem nem sequer um chuveiro
neste banheiro! - reclamou a seguir.
- Só há uma cama... - Misty balbuciou.
Leone tentou fechar a porta do banheiro e o trinco saiu em
sua mão.
- O castelo está praticamente em ruínas. Não é de admirar
que os Garrison o tenham aberto ao público. Será preciso
uma fortuna para tirar este lugar de seu estado de
decadência.
- Só há uma cama...
- Eu já notei - Leone finalmente respondeu -, mas no
momento estou mais preocupado em arranjarmos algo para
comer e para nos aquecer.
- Você poderia acender a lareira enquanto eu preparo uma
refeição rápida - Misty sugeriu.
- Não era o que eu tinha em mente para um fim de semana
no campo.
- Quer parar de reclamar? É óbvio que os Garrison estão
lutando pela sobrevivência deles e do castelo. Como pode-
riam dispor de mais facilidades se não têm condições de pa-
gar nem sequer um mordomo mais jovem e dinâmico?
- Você está enganada. Eles são ricos e famosos por ex-
plorarem seus empregados. Fizeram fortuna no ramo de con
fecções, que exportam para diversos países. Portanto, poupe
seu fôlego para quem merece.
Embora a cozinha não parecesse ter sido reformada desde a
construção do castelo, em épocas medievais, havia uma
geladeira ampla e sortida. Em poucos minutos, Misty pro-
videnciou uma salada e uma omelete que eles comeram em
silêncio.
No quarto a temperatura estava agradável quando eles
terminaram de comer. Misty olhou para a cama e em seguida
para Leone.
- Eu não imaginava que seria preciso dividir uma cama com
você.
- E eu não imaginava que não seríamos recebidos pelos
donos deste lugar - Leone confessou sem tirar os olhos do
fogo. - Acha que eles estão vivos? E se o velho Murdoch se
livrou deles e espera fazer o mesmo conosco? Quer que eu
monte guarda durante a noite com o atiçador?
De repente, Misty sorriu à tentativa de Leone de fazer graça.
A verdade era que não conseguia parar de pensar nele.
Queria-o. Quase morrera de ciúme na noite anterior e se
fosse sincera consigo mesma admitiria que adoraria dividir
aquela cama com ele.
- Vou tomar um banho. - Misty resolveu colocar um fim
naqueles pensamentos. E enquanto apanhava a roupa e os
objetos de toalete, deu vazão mais uma vez à curiosidade.
- Com quem esteve ontem à noite?
- Com amigos que não via faz algum tempo. - Ele estreitou
os olhos. - Então foi isso que a deixou tão irritada...
Corada, Misty se apressou a fechar a porta do banheiro para
tornar a abri-Ia antes do que esperava.
- Não há água quente - murmurou e subiu na cama, já de
camisola. A única que colocara na mala, aliás. Um modelo
curto, mas discreto, de seda branca.
Leone ainda estava desabotoando a camisa.
- Terei de recorrer a um banho frio outra vez esta noite?
O silêncio pesou no ambiente. Misty não esperava por uma
pergunta tão direta. Cobriu-se até o pescoço.
- Sim. - Ela não daria chance à tentação. Por isso, nem
sequer olhou para Leone ao responder. Aquela intimidade
não tinha um significado real. Ela estava atraída por Leone,
mas contava com bom senso suficiente para saber que não
seria mais do que uma diversão temporária para ele.
Fazia tanto frio que os dentes de Misty começaram a bater.
Ao notar que havia uma janela aberta, ela se levantou e
fechou-a. De que adiantava acender a lareira para se aque-
cerem se Leone deixava uma janela aberta de par em par?
Ao ter de tossir por causa da fumaça, Misty entendeu a
razão. E tornou a abrir a janela.
Leone saiu do banheiro naquele instante, usando apenas
cueca. Ela examinou-o de um só golpe: torso moreno e mus-
culoso, pêlos pretos por todos os lugares...
O colchão cedeu sob o peso de Leone. Ao tentar se cobrir,
ele rasgou o lençol.
- Céus! O tecido deve estar corroído...
- Eu dou um jeito - Misty ofereceu.
- Deveríamos ir para um hotel.
- Não se preocupe. - Misty se levantou e sugeriu que Leone a
imitasse para poder virar o lençol e colocá-lo com o rasgo
sob os travesseiros.
- É vergonhoso tratar hóspedes dessa maneira - Leone
resmungou.
- Mas a idéia de estarmos em um castelo é maravilhosa. - A
umidade e o desconforto também?
Pelo canto dos olhos Misty viu uma traça pousar em uma
mecha de seus cabelos. Sacudiu-os e deu um pequeno grito. -
Saiu?
- Calma! Ela não irá lhe fazer nenhum mal.
Ainda nervosa, embora Leone já tivesse espantado o inseto,
Misty sentou-se no pé da cama.
- Pretende ficar aí muito tempo? - Leone resmungou um
minuto depois. - Contra as chamas, você parece estar nua.
Com um estremecimento, Misty se apressou a deitar. Mas
antes que terminasse de se acomodar, Leone a atraiu para o
aconchego de seus braços e a beijou antes que ela pudesse
reagir. Se é que dava para chamar de reação a rapidez com
que os braços dela o enlaçaram pelo pescoço.
Louco de paixão, Leone a colocou sob seu corpo e a fez
sentir a intensidade de seu desejo. Misty permitiu que Leone
lhe entreabrisse as pernas. Nem sequer uma célula de seu
corpo estava tentando resistir à excitação que a engolfava.
Cada beijo de Leone a incendiava mais.
Por fim, ele ergueu a cabeça e perguntou, quase sem fôlego:
- Você tomou precauções?
A dura realidade substituiu a paixão por um instante. Leone
queria saber se ela poderia engravidar. Ela se lembrou do
acidente e do diagnóstico do médico que ela nunca poderia
conceber.
- Sim.
Um sorriso de satisfação curvou aqueles lábios. - Isto era
inevitável, amore.
Por mais que a razão tentasse fazê-la parar, Misty não
conseguiu. O cheiro e o toque de Leone exerciam um poder
afrodisíaco sobre seus sentidos.
- Eu quis ter você desde o primeiro instante - Leone
confessou. - Fiquei enfeitiçado quando vi seus cabelos bri-
lharem ao sol como se fossem chamas.
Eles ficaram se olhando. A impressão de Misty era que
Leone não estava mais acostumado a dizer aquelas coisas do
que ela a ouvi-Ias.
- Quanto mais eu tenho você, mais o desejo - Misty
murmurou.
Com um sorriso de prazer, Leone mergulhou nos seios de
Misty e sugou-os até fazê-la curvar as costas e gemer alto. E
sem parar de beijá-la, ele a despiu.
- Você é perfeita...
- O que foi? - Misty perguntou algum tempo depois quando
Leone ficou parado, apenas olhando para ela.
- Engraçado. Você pareceu tímida de repente...
- Só um pouco - Misty concordou e, por um momento, seu
coração se encheu de dúvida sobre o que estava prestes a
acontecer. Mas Leone tornou a se apossar de seus seios e ela
não conseguiu pensar em mais nada. Porque seu corpo
parecia estar se derretendo. Apesar de nervosa e apreensiva
com a possibilidade de sentir dor, de trair sua inexperiência,
ela queria ir adiante e não permitir que Leone descobrisse
que seria seu primeiro amante.
Porque Leone poderia imaginar que ela estava com segundas
intenções se soubesse que ainda era virgem. E ela seria
incapaz de se entregar a um homem se não fosse por amor...
- É seu jeito de olhar para mim - Leone contou. - Sua reação
quando a toco...
- Eu te detestava - Misty sussurrou, incapaz de compreender
como pudera passar da hostilidade para o ponto de se
entregar de corpo e alma a ele como se fosse a coisa mais
natural do mundo.
- Agora não mais, não é? - Leone continuou, ao mesmo
tempo que lhe acariciava os cabelos com uma das mãos e os
seios com a outra.
- Não. - A realidade assustou Misty por um instante. No
espaço de alguns dias ela havia se apaixonado por Leone
sem que pudesse explicar como ou por quê. - Eu nunca quis
tanto alguém.
Leone a fez erguer o corpo naquele instante para poder beijá-
la e explorar o interior de sua boca.
O desejo atormentou-a com força avassaladora. Ela sentiu as
pontas dos dedos cravarem nos ombros de Leone e depois
percorrerem toda a extensão das costas.
- Acaricie-me...
Ela obedeceu. A pele de Leone era lisa e macia. Enquanto o
tocava, ele gemia de prazer. Ela gostou disso. Significava
que estava fazendo tudo certo. Mas antes que pudesse se
tornar mais ousada, Leone a fez deitar novamente e mergu-
lhou a língua entre seus lábios ao mesmo tempo que come-
çava a explorá-la em sua parte mais íntima.
Ela não conseguiu conter um gemido mais alto. Leone disse
algo que não deu para ouvir, e se posicionou de forma a
penetrá-la. Quando o fez, com um movimento firme e rá-
pido, Misty sentiu uma dor tão aguda que quase a fez voltar
para o mundo real.

- Estou te machucando? - Leone disse, rouco.


- Não - Misty mentiu.
Ele se tornou instantaneamente mais gentil e delicado. -
Você é incrível.
O desconforto começou a dar lugar a uma sensação de
prazer. Leone conseguiu penetrá-la por inteiro e parou, como
se percebesse que ela precisava de algum tempo para aco-
modá-lo melhor. Depois, ele deu início aos movimentos sen-
suais que a deixaram rapidamente em êxtase.
Misty sentiu Leone parar de repente e tremer com inten-
sidade. Seu corpo inteiro pareceu arder de calor e de paixão.
Ela nunca se sentira tão próxima de outro ser antes. Naquele
momento Leone parecia pertencer a ela. A sensação era
esplêndida.
Leone rolou para o outro lado da cama e abraçou-a com
força, exatamente como ela queria ser abraçada, em com-
pleto silêncio.
- Estive pensando - Leone murmurou algum tempo depois,
enquanto enrolava uma mecha dos cabelos de Misty na ponta
de um dedo. - Talvez eu possa ajudá-la a localizar sua irmã
gêmea.
A essa oferta, vinda do nada, Misty fitou-o com espanto. -
Todos deveriam ter uma família - ele continuou. - Seria
apenas um pequeno favor que eu lhe faria.
- Obrigada - Misty respondeu -, mas prefiro que não.
- Por que não? Não gostaria de conhecê-la?
- É o que ela quer que importa - Misty explicou. - Minha
irmã tem meu telefone e meu endereço há quatro anos e
nunca me procurou. Prefiro deixar como está.
- Você tem medo.
- Por que não teria? - Misty retrucou. - Não se trata de uma
história de ficção. Minha mãe me abandonou e a mais duas
crianças. Somos três irmãos ao todo.
Desconcertado pela reação emocional de Misty, Leone não
insistiu.
- Três?
- Três, talvez mais. Minha' mãe se casou aos dezenove anos
com um homem bem mais velho do que ela e teve uma filha
com ele. Soube de sua existência pelo serviço social. Mais
tarde, ela o deixou para ficar com meu pai, mas não deu
certo e ela me entregou, e a minha irmã gêmea, em um
orfanato.
- E?
- Conheci o ex-marido de minha mãe na época que resolvi
investigar minhas raízes - Misty contou, amarga. - Tola que
era, julguei que ele, talvez, pudesse ser meu pai.
Leone não disse nada. Para confortá-la, tentou lhe segurar a
mão, mas Misty não quis.
- Ele ainda não havia superado a raiva da traição. Expulsou-
me de sua casa e chamou-me de tola por imaginar que
valeria a pena remexer no passado.
Misty não percebeu que Leone havia ficado pálido ao ouvi-
Ia. - Birdie é a única família que tenho. Foi uma loucura de
minha parte ter procurado fazer contato com aquele homem.
Tudo que consegui foi mais tristeza e humilhação.
As mãos de Leone a seguraram pelos braços e a atraíram de
encontro ao peito.
- Nunca mais tocarei nesse assunto.
Mas a conversa havia aberto velhas feridas e Misty sentiu
necessidade de ficar sozinha.
Abriu a torneira da pia para lavar o rosto e ficou surpresa ao
ver o vapor se misturar ao ar. Aproveitou, então, para encher
a banheira e tomar o desejado banho.
Por que havia contado toda sua história a Leone?, perguntou-
se depois de mergulhar o corpo na. água quente e sentir os
músculos relaxarem. Leone não podia imaginar o que ela
estava sentindo. Ele deveria conhecer, provavelmente, todos
os membros de sua família. Diziam que os italianos eram
muito unidos.
Uma batida à porta a trouxe de volta ao presente. - Posso
entrar?
Ela afundou sob as bolhas de sabão.
- Pode, mas sinto dizer que devo ter usado toda água quente
disponível.
- Aproveite para relaxar. Trouxe um cálice de conhaque para
você. - Leone parecia diferente. Havia um sorriso em seus
lábios que o fazia parecer um garoto. - Fui pego em flagrante
por Murdoch, vasculhando a sala à procura de um drinque. O
mínimo que você pode fazer é aceitar.
As defesas de Misty caíram diante do relato. Ao imaginar a
cena, ela se viu rindo. Quando poderia imaginar que aquele
fim de semana fosse se revelar o melhor de sua vida?

Capítulo 6

Misty virou-se na cama e as pequenas e inéditas dores no


corpo a fizeram recordar os acontecimentos da noite. Leone.
Tudo que queria fazer aquela manhã era se entregar à
felicidade que começara a envolvê-la docemente desde
algum momento no meio da madrugada.
A voz da razão tentou alertá-la de que se tratava apenas de
um relacionamento casual e passageiro, mas Misty sufocou-a
porque não estava disposta a pensar, só sentir. Era uma
mulher adulta. Tinha idade suficiente para tomar suas
próprias decisões e ao menos uma vez na vida ela queria
viver apenas o presente.
Por entre as cortinas abertas a luz da manhã penetrava no
quarto. O tempo estava nublado e isso pareceu a Misty
incrivelmente romântico. Naquele dia tudo pareceria.
Leone estava de costas para ela junto à janela. Recortado
contra a luz, seu corpo parecia ainda mais alto e forte. Apro-
veitaria para ficar ali, admirando-o, pelo tempo que fosse
possível. Que homem! Na cama era a fantasia de todas as
mulheres. Como pudera pensar que o detestava? Teria sido
uma arma de defesa? Uma maneira de negar a realidade da
imensa atração que sentia por ele desde o primeiro instante?
O celular de Leone tocou naquele instante e ele falou em
italiano. A tensão estava evidente em sua voz e ele se pôs a
andar de um lado para o outro. De repente virou-se e ela
pôde olhar para seu rosto. Estava sério e ameaçador como
daquela vez no escritório em Brewsters. Não conservava
mais nenhum traço do amante apaixonado de horas antes. O
delicioso calor que a inundava deu lugar a um arrepio. Leone
estava arrependido. Ele havia se levantado e se vestido
enquanto ela dormia. Era o comportamento padrão do
homem que queria uma mulher por apenas uma noite. Ela
estava cansada de ver esse tipo de reação em livros e no
cinema.
A exceção era Leone precisar dela por algum motivo des-
conhecido. Ele só não havia desaparecido ainda porque es-
tava preso a uma armadilha que ele mesmo armara. O que
estaria pensando? Que à luz do dia não conseguia entender o
que vira nela? Ou Leone era do tipo de homem que perdia o
interesse na mulher assim que o jogo da sedução terminava?
E ela precisava admitir que o jogo não fora dos mais longos
e difíceis. Porque ela havia se rendido a ele quase sem
nenhuma resistência.
- A que horas servirão o café? - Misty perguntou com
estudada calma quando o viu desligar.
Ele fitou-a como se não esperasse vê-Ia acordada. Sua
expressão ainda conservava o mau-humor da conversa, mas
logo foi trocada por um sorriso. Um sorriso forçado, porém.
Doze horas antes Misty não teria notado a diferença, mas
muita coisa havia mudado nesse ínterim.
- Lamento, mas você o perdeu. É quase uma hora. Misty
ficou tão desconcertada com a informação que se sentou de
um pulo sem se lembrar de que estava nua. Apressou-se a se
cobrir com o lençol.
- Você deveria ter me acordado!
- Para quê? Para uma pescaria na chuva?
Misty pestanejou. De repente a vergonha e a humilhação se
somaram e a baixa auto-estima começou a crescer em forma
de raiva. Por que Leone não lhe contava o motivo que o
levara a lhe oferecer aquele contrato? À medida que os dias
passavam aquela farsa lhe parecia mais e mais suspeita. Se
havia intimidade entre eles o suficiente para fazerem amor,
por que ele não lhe dava uma prova de confiança?
Para castigá-la da pior maneira possível por ela ter ousado
enfrentá-lo?
- A maioria dos convidados está hospedada em um hotel aqui
perto e seguiu para o lago para a tradicional pescaria. Eu
disse que você estava cansada da viagem. Detesto programas
como esse.
Misty cruzou os braços ao sentir um estremecimento. A
chuva lá fora era tão intensa que dava para ouvir os pingos
baterem contra a janela.
- Não entendo você. Poderia ter ao menos fingido que
gostava de pescar durante algumas horas. Veio para cá, afi-
nal, para encontrar essas pessoas. As mulheres costumam
acompanhar os maridos?
- Algumas. Talvez quase todas.
- Espero que alguém tenha uma capa para me emprestar.
Pena que você não tenha me avisado com antecedência. Não
trouxe nada apropriado para usar. - Misty estava encontrando
dificuldade para não aumentar o tom da voz. - O que devem
estar pensando de nós? Chegamos tarde, surrupiamos duas
doses do bar e eu fiquei dormindo até uma da tarde!
- Ted Garrison só está interessado em nossa presença por
motivos políticos. Desde que eu faça uma gorda contribuição
a sua campanha, tudo ficará bem. Poderíamos passar o fim
de semana inteiro no quarto e ele não daria a mínima.
Nesse momento, Misty se levantou e vestiu a camisola.
Havia um sorriso carregado de malícia em seus lábios.
- Não leve a mal, Leone. Foi uma boa idéia fazer sexo esta
noite para espantar o tédio, mas não vamos nos enganar que
esse tipo de diversão garantiria todo o fim de semana.
Leone ficou rígido. Ela obviamente o chocara com essa
declaração. Ele não esperava que ela fosse inverter o jogo e
ser a primeira a dar o golpe. Quantas vezes Leone a avisara
que o contrato era temporário? Não suportaria ouvi-lo dis-
pensá-la. Preferia ser ela a deixar claro que a noite anterior
não tivera nenhum significado e que a experiência não seria
repetida.
A decisão, no entanto, foi mais fácil de tomar do que de
vivenciar. Misty precisou se refugiar no banheiro para que
Leone não a visse chorar. Por mais que lhe custasse, ela
queria se comportar diante de Leone como se nada houvesse
acontecido.
Encontrou o quarto vazio ao sair. Embora não sentisse
nenhuma disposição, obrigou-se a vestir uma blusa lilás bor-
dada, uma saia que chegava à metade das pernas e um car-
digã com debrum de veludo. Depois escovou os cabelos e
aplicou a maquilagem. Era chegada a hora de encarnar seu
papel. Como amante de Leone precisava se apresentar ele-
gante em todas as ocasiões e se mostrar dócil e feminina.
Ao descer a escada, Misty ouviu barulho de cadeiras sendo
movidas de lugar e um murmúrio de vozes. Estranhou, ao
chegar ao hall, que não houvesse ninguém na sala. A con-
versa certamente estava acontecendo na cozinha.
Ela olhou ao redor e sentiu o calor aconchegante que vinha
das chamas da lareira. Só percebeu que não estava sozinha
quando ouviu um leve ruído as suas costas.
Era um homem muito distinto, moreno, com fios grisalhos
nas têmporas, mas parecia irritado ao se livrar do casaco
molhado de chuva.
- Olá - Misty o cumprimentou, certa de que o conhecia de
algum lugar. O que não esperava era que ele, bem mais
velho do que ela, fosse encará-la com tanto interesse. - Sabe
onde foi todo o mundo?
- Almoçar, eu imagino. Não creio que tenham conseguido
realizar seus planos de fazerem um piquenique no lago. Não
com esse dilúvio. - O homem se aproximou de Misty, lhe
estendeu a mão e sorriu. - Oliver Sargent, ao seu dispor.
- Misty Carlton, muito prazer. - Misty reconheceu aquele
nome de imediato porque pertencia ao político favorito de
Birdie, por estar ligado a causas sociais.
Ele segurou a mão de Misty mais do que seria o normal, mas
o que mais chamou a atenção dela foi o jeito brusco com que
ele se afastou à chegada de uma senhora.
- Céus, Oliver! Olhe seu estado! Troque logo essa roupa
antes que apanhe uma pneumonia. -Em um piscar de olhos, a
mulher havia esquecido o recém-chegado para tratar com
Misty. - Sou Peg Garrison. Você deve ser Misty. É um pra-
zer receber gente jovem aqui para variar. Imagino que Leone
a tenha abandonado...
- Como? - Misty pestanejou.
- Leone e Ted resolveram ir ao encontro do pessoal no lago.
Ted me avisou pelo celular. Duvido que os veremos antes da
festa desta noite. É raro Ted encontrar alguém tão
apaixonado pela pesca quanto ele mesmo. Com certeza apro-
veitará a companhia de Leone ao máximo.
Surpresa com a revelação após o que Leone lhe dissera,
sobre esse mesmo assunto, Misty foi levada pela anfitriã a
uma gélida sala onde cerca de doze pessoas se reuniam ao
redor de uma mesa.
Ao se sentar, Misty estranhou a ínfima porção de salada
colocada em seu prato.
Sua vizinha de lugar, uma senhora muito simpática, co-
chichou para ela.
- Imagino que seja sua primeira vez aqui. - Sim.
- Um erro que todos cometem. Da próxima vez, aconselho-a
a se hospedar no hotel. É muito mais confortável. E a comida
não é racionada - ela acrescentou com uma risadinha. - Sou
Jenny Sargent.
- Sargent? Acho que era seu marido, então, que encontrei no
hall há alguns minutos.
- Oh, Oliver já voltou? Ele sempre procura escapar da
pescaria na primeira oportunidade. Detesta esse esporte. - Eu
me chamo Misty Carlton.
- Misty é seu verdadeiro nome?
- Não. É Melissa. Mas nunca ninguém me chamou assim.
Oliver Sargent se reuniu ao grupo quando o parco almoço já
estava pela metade. A anfitriã indicou o lugar ao lado dela
para que se sentasse ao mesmo tempo que tentava defender
sua opinião de que não havia necessidade de instalarem um
sistema de aquecimento central no castelo, sem

notar, ou fazendo de conta que não notava, que seus hóspe-


des se esforçavam por não baterem os dentes de frio. Misty
cogitou se Leone se interessava por política. Porque não
dava para entender a razão de ele ter escolhido justamente
aquele lugar para passarem o primeiro fim de semana juntos.
Aquelas pessoas pertenciam a outra geração. Além disso não
falavam sobre negócios. A não ser, é claro, que Leone
estivesse precisando de algum favor político por causa de
problemas envolvendo suas empresas.
Em várias ocasiões Misty surpreendeu Oliver Sargent
olhando na direção da esposa, embora parecesse que era para
ela própria. Mas que interesse aquele homem poderia ter em
sua pessoa, ela não conseguia entender.
Na verdade, Oliver Sargent tinha um olhar que a inco-
modava. Embora a esposa estivesse presente, ele parecia
querer flertar com todas as mulheres a sua volta. Quando
fosse contar a Birdie que o conhecera pessoalmente precisa-
ria ter cuidado para não expressar sua opinião sincera e
magoá-la.
Ao almoço seguiu-se um tour pelos três andares que com-
punham o castelo e também pela majestosa torre. De acordo
com a anfitriã a construção havia sofrido diversas reformas
no decorrer dos séculos, o que explicava as inúmeras esca-
darias e corredores com desvios de noventa graus.
- Depois que as crianças cresceram, o lugar ficou grande
demais para nós - Peg Garrison explicou e Misty lamentou
que um lugar tão lindo estivesse tão abandonado. - Estamos
pensando seriamente em trocá-lo por uma vila no sul da
França.
- Leone está interessado em comprar o castelo? - Jenny
perguntou, surpresa, na primeira oportunidade que Peg
Garrison os deixou a sós. - Jamais me ocorreu que ele
pudesse...
O olhar que Oliver Sargent endereçou à esposa causou pena
a Misty. Era como se a pobre mulher tivesse cometido a
maior indiscrição do mundo.
- Nós conhecemos Leone por meio de sua irmã mais nova -
Jenny Sargent explicou a Misty. - Bridget estava trabalhando
para Oliver na ocasião. Era uma jovem adorável. Leone
custou a se recuperar de sua morte. - A mulher balançou a
cabeça. - Jovens e carros em alta velocidade são uma
combinação perigosa.
- Sim - Misty concordou ao se lembrar da expressão sofrida
de Leone diante da garota do retrato.
- Leone passou a nos evitar desde o ocorrido. Não posso
culpá-lo - Jenny murmurou. - Oliver e eu o fazemos lembrar
a tragédia.
Cada minuto que passava mais Misty precisava se esforçar
para fingir interesse na conversa. Cenas da noite anterior
voltavam a sua mente a todo instante: Leone, por exemplo,
rindo por ter sido pego em flagrante ao se servir de uma
bebida e prometendo, em seguida, que iria repor a garrafa
pela manhã. Eram pequenas atenções como aquela que mais
lhe chamavam a atenção. Leone se preocupou com o
emprego do mordomo. Não quis que ele pagasse por um erro
que não cometera.
Nenhum sonho, nenhuma fantasia se igualavam à paixão
extraordinária que ela estava sentindo. Teria sido por medo
de uma rejeição que ela havia se comportado como se com-
portou? E se a preocupação de Leone tivesse sido causada
por outro motivo que não ela?
Um calor aconchegante lhe deu as boas-vindas ao abrir a
porta do quarto. Leone estava diante da lareira, encolhido e
tremendo. A súbita preocupação que a assaltou a deixou ao
mesmo tempo zangada consigo mesma.
- Você falou sério hoje? - Leone se virou para ela com os
cabelos gotejantes.
Desprevenida para a questão, Misty fechou a porta devagar
para ganhar tempo. Seu coração batia acelerado. Não sabia
como proceder. Porque algo lhe dizia que teria de arcar com
a responsabilidade de sua resposta, qualquer que fosse ela.
-Dio mio! Você não queria dizer aquelas coisas, queria? -
Leone continuou.
A cor desapareceu das faces de Misty e as pernas ameaçaram
ceder sob seu peso, mas ela ainda encontrou forças para
erguer o queixo.
- Achei que precisava dizê-las para me defender ou você as
teria dito.
- Eu não seria rude a esse ponto! Não quero ouvi-Ia falar
daquela maneira nunca mais! - Leone se deteve por um
instante. - Como você se sentiria se tivesse sido eu a tratá-la
daquela maneira?
Misty engoliu em seco. Leone ainda a queria apesar de tudo.
Queria-a tanto, aliás, que forçara um entendimento entre
eles. Como em um passe de mágica, o mal-estar que a
acompanhara durante a tarde se dissipou por completo.
- Vou pegar uma toalha para você.
Misty se aproximou de Leone com a toalha. Ele a fitou no
fundo dos olhos.
- Nunca mais faça isso comigo.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
- Eu teria sido mais delicado se soubesse que você era
virgem.
Incapaz de encará-lo, Misty baixou-os olhos, mas o sangue
deveria ter subido todo para seu rosto.
- Por que fez tanta questão de me esconder o fato?
- Tive vergonha.
- Fiquei surpreso, mas lisonjeado por você ter me escolhido -
Leone murmurou. - Pensava de modo completamente
diferente a seu respeito.
- Flash e eu moramos no mesmo orfanato durante anos. Eu
gosto dele como de um irmão.
- Mas de Redding você foi noiva...
- Não por muito tempo e vamos encerrar esta conversa por
aqui, está bem?
Leone sorriu e puxou-a para reclamar um longo e profundo
beijo. Quando se separaram Misty notou que ele estava rindo
diante da ansiedade com que ela tentava livrá-lo do casaco
molhado. Ele o tirou com um movimento rápido e com a
mesma rapidez a ergueu no colo e a deitou na cama. -
Preciso me arrumar para a festa.
- Tem certeza de que quer ir?
Ela precisou respirar fundo para responder. - Nós temos de
ir, Leone.
- Não, amure. Não temos de fazer nada que não quisermos. -
A não ser quando somos hóspedes de alguém - ela lembrou.
Enquanto Misty falava, Leone começou a se despir. Ela não
conseguiu terminar seu pensamento. Aqueles braços, aqueles
músculos... Com um sorriso de excitação, Leone abraçou-a e
lhe tirou o cardigã e a blusa. Depois se pôs a beijá-la na
boca, no pescoço, nos seios, por cima do sutiã.
- Você é tão sexy! Estou louco para me sentir dentro de você
outra vez.
Ele a tocou e ela descobriu que também o queria. Louca-
mente. A urgência de Leone a excitava. Era maravilhoso
ouvi-lo falar de seu desejo sem reservas.
Leone a penetrou naquele instante e se movimentou de um
jeito que a fez mergulhar em ondas sucessivas de êxtase.

- O que você fez à tarde? - Leone quis saber quando eles


finalmente resolveram descer para se reunirem aos outros
convidados.
Misty examinou o vestido branco que escolhera para usar
naquela festa e alisou a saia.
- Almocei com a dona do castelo e mais algumas pessoas e
depois participei de um tour pelo castelo que é ainda mais
maravilhoso do que eu pensava. Ah, e conheci Oliver Sar-
gent, o político.
- Não pode tê-lo conhecido - Leone a interrompeu. - Oliver
fez parte do grupo da pescaria.
- Só por algum tempo. Quando eu desci do quarto, ele estava
chegando, todo molhado de chuva.
A mão de Leone estava rígida nas costas de Misty. - O que
achou dele?
- Confesso que não simpatizei com ele. Gostei mais de sua
esposa.
- Você também a conheceu?
Misty estranhou o tom.
- Eles não são seus amigos? - Não.
Misty franziu o rosto. Leone parecia não gostar de nada nem
de ninguém relacionado ao castelo Eyrie. O que, afinal, eles
estavam fazendo ali?
- Você parece não ter aprovado que eu saísse do quarto e
encontrasse pessoas. Queria que eu ficasse longe de todos
enquanto você pescava?
- Não - Leone respondeu, mal-humorado. - Esqueça o que eu
disse.
As palavras de Jenny Sargent voltaram à lembrança de
Misty. Ela havia comentado sobre Leone ter passado a evitá-
los depois da morte da irmã. A palidez de Leone parecia
confirmar isso. Uma forte compaixão se apoderou de Misty
ao pensar na perda traumática que ele sofrera.
A festa prometia ser grandiosa, Misty pensou. Um dos salões
havia sido preparado para o baile. Em outro, uma longa mesa
oferecia uma grande variedade de pratos. O jantar seria estilo
bufê, ao que tudo indicava. Belíssimos arranjos de flores
podiam ser vistos por toda parte. Aparentemente, a economia
com o almoço não iria se repetir.
Leone a enlaçou pela cintura e a fez rodopiar ao som de uma
música. Ela estava se sentindo feliz como nunca se sentira
antes. Ao mesmo tempo, não conseguia parar de pensar que
não havia nenhuma garantia de que a paixão que Leone
estava sentindo por ela seria duradoura.
Uma hora depois, no meio de uma dança, Misty pisou na
barra do vestido e a desfez, mas não se preocupou com isso.
Bastaria subir ao quarto e dar uns pontos para consertá-la. O
que não esperava era ser abordada por Oliver Sargent
quando desceu a escada e se preparou para voltar à festa. -
Quero lhe dar um conselho de amigo.
A voz soou empastada pelo álcool.
- Que conselho? - Misty estreitou os olhos.
- Afaste-se de Leone Andracchi. Ele está usando você.
Assustada com as palavras vindas de um homem que mal
conhecia, Misty não soube como reagir. Ele não esperou por
uma resposta. Em poucos instantes havia se misturado no-
vamente à multidão.
Misty permaneceu onde estava por um longo tempo. Era
óbvio que a animosidade entre Leone e o político era mútua.
Mas por que, de repente, ela estava se vendo no meio do
conflito?

Capítulo 7
O dia ainda não havia amanhecido e Misty já estava
acordada olhando Leone dormir. Ele parecia ainda mais
bonito quando relaxado. Seus cílios eram longos e espessos.
Os lábios eram cheios e sensuais. Em um espaço curto de
tempo aquele homem havia se tornado a pessoa mais
importante em sua vida. Ao mesmo tempo, que tipo de
proximidade era aquela que não lhe permitia nem sequer
desabafar sobre o aviso lúgubre que Oliver Sargent lhe dera?
Por outro lado, como ela podia esperar uma intimidade total
entre eles quando mal começavam a se conhecer? O que ela
estava pretendendo não era razoável. Além disso, Oliver
Sargent havia bebido e como Leone devia ser um desafeto,
ele aproveitara a oportunidade para tentar prejudicá-lo.
Essa suposição poderia estar correta. No fundo, porém,
Misty não acreditava na possibilidade. Porque apesar de ter
bebido além da conta, Oliver Sargent parecia estar sendo
sincero com ela.
Leone respirou mais fundo naquele instante e Misty se
apressou a lhe dedicar toda sua atenção outra vez. Não iria se
deixar contagiar pelo pessimismo. Leone estava a seu lado e
a queria. O outro homem vivia no mundo da política. Era
especialista em convencer as pessoas de suas idéias.
- Preciso saber aonde chegaremos com este relacionamento -
Misty desabafou a caminho de Londres.
0 silêncio invadiu o interior da limusine.
- Ainda não posso lhe dar uma resposta - Leone respondeu.
A calma não abandonou Misty, mas seu rosto se cobriu de
uma profunda palidez.
- Não quero me tornar sua amante. O acordo que fizemos
continuará valendo?
- Sim - Leone respondeu sem hesitação.
- Você ainda não tem planos de me contar a razão de toda
essa farsa?
- Por enquanto não.
- Nesse caso, nosso acordo inicial deve prevalecer - Misty
afirmou, categórica. - Será estritamente comercial. Leone
passou uma das mãos pelos cabelos.
- Isso é ridículo!
- Sinto muito, mas não poderá ser de outra maneira. Ou você
confia em mim ou eu continuarei a ser apenas sua con-
tratada.
- O uso de chantagem só tornará a situação mais difícil -
Leone resmungou.
- Não estou chantageando você! - Misty protestou.
- Estarei em Nova York durante a próxima semana.
Aproveite minha ausência para refletir.
Diante dessa notícia inesperada, Misty sentiu o fôlego lhe
faltar. A simples idéia de não ver Leone durante uma semana
inteira a afetava como um golpe físico. Como pudera se
abandonar tão completamente às emoções?
- Não sentirei sua falta - ela respondeu, ressentida. - Você
está falando como se tivesse sete anos de idade, amore -
Leone brincou e colocou sua mão sobre a mão de Misty. -
Por que está tão determinada a acabar com algo que está
dando certo?
-Porque talvez não esteja dando certo para mim - Misty
respondeu, mais para si mesma.
Durante a ausência de Leone, Misty ficou com Birdie por
alguns dias e o tempo passou rápido. Mas de volta à solidão
do apartamento em Londres, ela não sabia o que fazer para
se distrair. Na penúltima noite, depois de ficar horas inu-
tilmente diante do telefone esperando que Leone ligasse, ela
resolveu ir ao cinema.
Deitou-se mais tranqüila e ficou pensando em Leone e em
como seria o reencontro. Estava quase adormecendo quando
lhe ocorreu que seu período estava atrasado. Quase se le-
vantou para verificar a data da última menstruação, mas
desistiu. Não havia nada de extraordinário com ela. Era fato
conhecido e provado que a tensão emocional podia causar
esse tipo de reação nas mulheres.
O telefone tocou no meio da noite. Misty atendeu sonolenta,
mas tornou-se instantaneamente alerta ao aviso de Leone de
que estaria chegando em Londres às sete da manhã.
- Volte para seu sono - ele murmurou. - Estarei em casa
quando você acordar.
Ela sorriu e sorriu. Em casa. Mal cabia em si de felicidade.
Tornou a deitar e a adormecer, mas a adrenalina venceu e a
colocou de pé por volta das cinco horas.
O certo seria ela permanecer na cama, calma e tranqüila.
Mas a vontade de ver Leone foi mais forte. Misty saltou da
cama, vestiu uma calça de sarja branca e uma blusa turquesa
e chamou um táxi.
Consultou seu relógio de pulso dezenas de vezes durante o
trajeto para o aeroporto. Não queria chegar atrasada. Não
queria correr o risco de se desencontrarem.
Por sorte, Misty o viu enquanto atravessava o saguão.
Apressou o passo. Sentia vontade de acenar e gritar o nome
dele. Em vez disso, parou no meio do caminho e prendeu os
cabelos na nuca com as mãos, como se esse gesto fosse
conter sua excitação.
Leone parecia ainda mais lindo, mas sua expressão não
poderia estar mais preocupada. Então ele a viu e se deteve
por uma fração de segundo. Quando tornou a andar, seu
olhar estava tão frio que ela se assustou. Não deveria ter
cedido ao impulso de ir recebê-lo em sua chegada. Movida,
agora, pelo bom senso, ela se virou em direção à saída e
começou a correr.
O mundo explodiu em flashes no minuto seguinte. Ela ficou
atordoada com tantos disparos. E com o vozerio. As pessoas
pareciam estar gritando com ela. O que poderia estar
acontecendo? E por que Leone não ficou contente ao re-
conhecê-la?
- Você sabia que Oliver Sargent era...? - um homem com
uma máquina fotográfica estava perguntando quando outro o
atropelou com outra pergunta direcionada a ela. - Como se
sentiu, srta. Carlton, quando soube? Zangada? De-
cepcionada?
Subitamente, Leone surgiu ao lado dela e a assustou ainda
mais ao tomar a câmera de um dos jornalistas e atirá-la longe
antes de protegê-la do terrível assédio com o próprio corpo.
- O que está acontecendo? - Misty quis saber. - Ouvi
mencionarem o nome de Oliver Sargent.
Não houve tempo para explicações. Até que Leone e Misty
alcançassem a limusine, ela estava sem condições de falar e
até mesmo de respirar.
- Não imaginei que você fosse resolver ir me esperar tão
cedo - Leone admitiu. - A imprensa estava a postos para me
entrevistar. No instante em que vi você adivinhei que aquilo
viraria um inferno. Você está bem?
Misty moveu negativamente a cabeça, que começava a
latejar apesar do alívio da descoberta de que não era por sua
causa que Leone se aborrecera.
- Por favor, conte-me o que está acontecendo.
- Um desses jornais sensacionalistas publicou uma matéria
que envolve você.
Misty não pôde evitar uma exclamação.
- Eu? Meu nome está em um jornal? Já me ligaram a você?
- Não - Leone tirou um recorte de jornal do bolso e entregou-
o a ela. - Sinto muito. A notícia foi publicada em Nova York
em primeira-mão. Nunca me arrependi tanto antes por algo
que fiz.
Por que motivo Leone estava sentindo pena dela?, Misty
cogitou, mais e mais perturbada com o passar dos minutos. E
por que estava arrependido?
Subitamente, ela entendeu. Aquele recorte exibia a foto dela
tirada na noite de estréia daquele filme. A manchete dizia:
Será Melissa Carlton a filha que Oliver Sargent abandonou?
- De onde tiraram esse despropósito? - Misty indagou,
incrédula.
- Ninguém pode provar nada sem o teste de DNA - Leone
explicou -, mas com base nas informações que obtive há uma
grande probabilidade de Sargent ser seu pai.
Misty sentiu-se duplamente atingida. Era dificil saber o
nome do homem que a abandonara ao nascer e que nunca se
importara com sua vida. Mais ainda era tê-lo conhecido e
não gostado de seu jeito.
- Você acha que essa história pode ser verdadeira? - Sim.
Aquela pequena palavra representou o colapso de tudo que
Misty sabia sobre si mesma. Todos os seus esforços em
conhecer seu pai haviam sido infrutíferos. Quando criança
esse era seu maior sonho. A idade trouxe a conformação,
porém, de que havia poucas chances de esse sonho ser rea-
lizado. Após a morte de sua mãe, Misty perdeu a esperança
de encontrá-lo e o afastou de sua mente.
Agora, um jornal qualquer não apenas vinha lhe provar que
ele existia como lhe mostrava quem ele era.
Chocada com a revelação, Misty começou a tremer.
- Deixe para ler depois, quando chegarmos em minha casa -
ele a aconselhou.
- Em sua casa?
- A essa altura o apartamento já deve ter sido invadido pela
imprensa.
A expressão séria e preocupada de Leone enterneceu Misty.
Sentia-se grata a ele e constrangida ao mesmo tempo. - Você
voltou antes de Nova York por minha causa. Sinto muito.
A reação brusca a pegou desprevenida.
- Não sinta. Fui o responsável por tudo isso.
Responsável em que sentido? Por tê-la exposto ao interesse
dos jornalistas? Nesse caso, a culpa não cabia a ela por ter se
negado a responder algumas perguntas? Tivesse saciado a
curiosidade daquela gente, ninguém teria se preocupado em
investigá-la. Por outro lado, como eles puderam ter acesso a
um segredo que nunca ninguém lhe revelara apesar de todo
seu empenho? De qualquer modo, a maior coincidência que
poderia existir era ela ter conhecido Oliver Sargent havia
uma semana.
Em silêncio, ela começou a ler a matéria. Mas antes que
conseguisse passar da primeira linha, Leone tirou o papel de
sua mão.
- Não perca seu tempo. Os tablóides adoram explorar o
sensacionalismo.
A casa de Leone era grande e imponente. Não deu para
Misty conhecê-la no primeiro momento. Assim que deu ins-
truções ao mordomo para que lhes servisse um bom café da
manhã, Leone a levou para a sala.
- Procure não levar essa história para o lado pessoal - ele
avisou-a. - O alvo era Oliver Sargent, não você. Misty
mordeu o lábio. Não sabia se ria ou se chorava. Como os
homens podiam ser tão insensíveis? Ela havia acabado de
descobrir a identidade de seu pai e Leone não queria que ela
levasse o caso pelo lado pessoal?
- Sargent fez muitos inimigos na mídia - Leone prosseguiu. -
Eles estão ao encalço dele, não de você. Naquele instante,
veio à mente de Misty um dos temas mais defendidos por
Oliver Sargent em sua campanha: o número de crianças
nascidas fora do casamento e o efeito dessa situação na
sociedade e nas próprias crianças. O homem vivia sendo
atacado por uns e aplaudido por outros por sua tese moral.
Seria uma revelação e tanto para seus eleitores que ele
tivesse abandonado a jovem que seduzira e a própria filha.
Sua carreira política teria fim. Ele seria considerado um
hipócrita. E ela, Misty notou pelas fotos da casa opulenta de
Oliver e do lar adotivo onde ela fora inicialmente acolhida,
seria alvo da piedade geral.
- 0 primeiro marido de sua mãe era bem mais velho do que
ela - Leone contou antes que Misty pudesse ler o artigo. - Ele
era professor em uma faculdade e a incentivou a estudar.
Sargent estudava na mesma faculdade.
- Não consigo imaginar minha mãe envolvida com livros e
cursos - Misty murmurou.
- Infelizmente, ela e Sargent tiveram um romance na época, e
quando você e sua irmã nasceram e ficou provado que vocês
não eram filhas do professor, Sargent estava namorando
Jenny e se recusou a assumi-Ias, e a sua mãe.
Misty se lembrou da mulher tão simpática e agradável que
conhecera no castelo Eyrie e lamentou que ela estivesse
prestes a descobrir que o homem com quem se casara e
vivera todos aqueles anos a tivesse traído de maneira tão
ignóbil.
Os olhos de Misty pousaram, de repente, em uma linha que
mencionava seu noivado com Philip e a razão pela qual ele
rompera com ela. Misty nunca havia se sentido tão hu-
milhada em sua vida. Porque agora seu maior segredo havia
sido exposto com brutalidade. Leone tinha conhecimento da-
quele artigo. Ele sabia!
- Não!
Diante do grito de agonia, Leone tentou abraçar Misty, mas
ela se recusou a ser consolada.
- Por favor, deixe-me sozinha. Preciso lidar com tudo isso
por mim mesma.
Mas Leone era persistente. Mesmo contra a vontade de
Misty, ele a atraiu de encontro ao peito e a fez deitar a
cabeça em seu ombro. Ela não queria, mas não resistiu por
muito tempo. Chorou e soluçou até cansar.
- Per amor de Dio! - Leone implorou. - Não fique assim.
Misty ergueu os olhos brilhantes de lágrimas.
- Não quero que você se envolva nessa história horrível. Vou
me sentir ainda pior.
- Eu já estou envolvido - Leone respondeu subitamente
pálido. - Estou mais envolvido do que você pode imaginar.
Misty entendeu que Leone estava se culpando por tê-la
exposto ao interesse público.
- Isso não é verdade.
- Tudo que estão dizendo é favorável a você - Leone tentou
consolá-la.
- Também sobre minha infertilidade depois do acidente? -
Misty ressaltou, amarga.
Incapaz de suportar tanta dor, Misty se desvencilhou do
abraço, mas Leone a seguiu e a segurou pelos braços.
- Não faz nenhuma diferença para mim - ele garantiu. A
vontade de Misty foi chorar ainda mais. É claro que não
fazia nenhuma diferença para Leone. Ele a havia contratado
para ajudá-lo em uma farsa. Nada mais. Casamento jamais
lhe passara pela cabeça.
Mas Leone tornou a abraçá-la e suas defesas ruíram. Ela o
amava. Ela o amava porque ele fazia questão de ampará-la
quando outros homens fugiam ao primeiro sinal de
problema. - Faça amor comigo - Misty sussurrou.
A tensão que se apoderou de Leone a deixou rígida. No
instante seguinte ela o empurrou.
- Esqueça o que eu disse.
Ele a alcançou quando já estava saindo da sala.
- Como pôde pensar que eu não queria você? Sonhei em tê-la
em meus braços cada dia e cada noite que estive longe! Mas
antes precisamos conversar...
O alivio que Misty sentiu ao ouvir aquelas palavras foi tão
grande que o resto do mundo deixou de existir naquele
momento.
- Mais tarde. Nada mais me importa agora a não ser nós dois.
- Misty...
Ela não o deixou terminar. Colocou-se nas pontas dos pés e
tomou a iniciativa de beijá-lo. E Leone, incapaz de continuar
se contendo, carregou-a para o quarto.
- Você tem certeza? - ele perguntou no último instante. -
Posso esperar, caso você prefira tomar o café primeiro. -
Misty tentou brincar.
Leone não teve tempo de responder, mas ainda conseguiu
sorrir para ela antes de ser obrigado a desligar o celular que
começou a tocar no mais inoportuno dos momentos.

Misty empregou todas as suas forças para não pensar na


matéria sobre Oliver Sargent que saíra no jornal. Mas por
mais que lutasse não conseguia esquecer a tentativa daquele
homem, que poderia ser seu pai, em colocá-la contra Leone.
Agora estava tudo claro. Ao ouvir o nome dela, Oliver Sar-
gent a reconhecera e a vira como uma ameaça a sua preciosa
reputação. O próprio modo de ele se comportar era uma con-
firmação de que sabia que ela era sua filha. Seria possível
que seu pai acreditasse que ela também sabia quem ele era?
Um arrepio percorreu as costas de Misty. Aquela história a
estava assustando. Mais ainda porque tinha certeza de que
Leone estava ciente de tudo havia muito tempo.
- Você sabia que eu era filha de Oliver Sargent! Você
descobriu a meu respeito quando mandou me investigarem!
Incapaz de negar, Leone admitiu com um gesto de cabeça. -
Está tudo bem - ela murmurou. Não culpava Leone por seu
silêncio. Lembrava-se de que ele ficara imensamente
perturbado quando soube que ela e Oliver Sargent haviam se
encontrado. Talvez tivesse sido realmente uma grande
coincidência que eles tivessem se hospedado no castelo
Eyrie no mesmo final de semana. A relutância de Leone em
participar da festa, aquela noite, talvez também se devesse a
esse motivo.
- Não quero mais falar sobre isso - Misty declarou. - Não
vale a pena. Agora que sei a verdade posso entender o medo
que assaltou meu pai ao se ver frente a frente comigo. Mas
eu passei toda minha vida sem um pai e não me importo
mais em ter um.
Leone a ouviu em silêncio, imóvel como uma estátua. Ao
final, abraçou-a.
- Mas você sofreu muito com isso.
Os olhos de Misty tornaram a encher de lágrimas. Sua
vontade era dizer a Leone que nada mais importava real-
mente desde que eles estivessem juntos, mas a prudência a
impediu de abrir seu coração. Em vez disso, ela se obrigou a
sorrir e a brincar. Quando o empurrou e ele caiu atravessado
na cama, tentou escapar, mas Leone a prendeu em seus
braços.

- Você é uma mulher e tanto, bella mia.


- E você parece ter ficado tímido de repente - Misty o
provocou com um beijo.
- É que nós realmente precisamos ter uma conversa - Leone
insistiu.
- Acho que você já não me deseja como antes...
- Verifique por si mesma. - Leone a fez tocá-lo e Misty se
sentiu aquecer por dentro. - Fico sempre assim quando estou
perto de você - Leone confidenciou e beijou-a apai-
xonadamente. - Venha morar comigo.
Sem esperar por um convite como aquele, Misty não con-
seguiu responder.
- É a primeira vez que convido uma mulher para se mudar
para minha casa - Leone se apressou a explicar. Mas o
convite pareceu precipitado a Misty. Na verdade, ela não
gostou da proposta.
- Eu precisaria conhecê-lo muito melhor antes de considerar
me mudar para Londres por sua causa.
Ficou óbvio que Leone tampouco gostou do rumo que a
conversa havia tomado.
- Não permitirei que você volte a Norfolk.
- Você precisa parar de pensar que o mundo gravita ao seu
redor.
A reação de Leone foi imediata. Ele fez Misty rolar na cama
e se colocou por cima.
- Estou cansado de tomar duchas frias a semana inteira. Ela
olhou para ele e eles sorriram um para o outro. Em seguida,
de mútuo e silencioso acordo, os dois se levantaram e se
despiram com a urgência que a paixão clamava.
- Você é demais! - Leone exclamou. - Pensei que essa
história do jornal fosse desmoroná-la.
Misty não respondeu. Estava ocupada demais em admirar
aquele corpo bronzeado e musculoso, ardendo por ela. En-
quanto tivesse Leone, nada poderia afetá-la.
Em poucos minutos, Misty estava perdida em um deslumbre
sensual que a levou ao total abandono. Agarrou-se aos
ombros de Leone, a seus cabelos negros e sedosos e se
deixou
levar por onda após onda até ser tragada em uma explosão de
prazer.
- Espero que não tenha de viajar por um longo tempo - Misty
murmurou algum tempo depois.
- Também senti sua falta, amore - Leone confessou e eles se
deixaram governar novamente pelo desejo insaciável que
sentiam um pelo outro.
Foi lindo. Foi maravilhoso. Misty sentiu, pela primeira vez,
que não era apenas paixão da parte de Leone, mas também
uma grande ternura. Ela nunca havia experimentado tanta
felicidade.
Eles estavam descansando nos braços um do outro quando
Leone voltou a falar.
- Agora nós iremos nos levantar e fazer uma refeição. Mas
antes quero que prometa que ouvirá tudo que tenho para lhe
dizer, antes de me julgar.
O que Leone tinha de tão importante para lhe dizer? De
repente, Misty se sentiu apreensiva. Teria a ver com a pro-
posta que lhe fizera para que se mudasse para a casa dele? O
que mais poderia ser? De onde ela tirara a idéia de que o
convite fora precipitado? Leone não era do tipo impulsivo.
Ao contrário. Ele parecia ter sempre tudo cuidadosamente
planejado. Na verdade, Leone estava insistindo em terem
aquela conversa desde que chegaram na casa. Talvez a idéia
de convidá-la para morarem juntos tivesse surgido quando
ele ainda se encontrava em Nova York...

Capítulo 8

Misty colocou o açúcar no café de Leone e mexeu a bebida


como se estivesse participando de um grande ritual.
- Daria para você me levar a sério por um instante? Ela
sorriu, provocante. Não estava conseguindo se concentrar.
Duas horas antes chegara a acreditar que o mundo houvesse
acabado. De repente, embora ainda tivesse de lidar com o
problema relacionado a Oliver Sargent, a alegria estava
transbordando de seu ser.
O mordomo entrou na sala para servir o desjejum. Ao abrir a
tampa que cobria os ovos com o bacon para que não
esfriassem, Misty sentiu o cheiro da comida e pensou que
fosse desmaiar. Uma náusea terrível a fez se levantar e correr
para o banheiro.
- Você está bem? - Leone bateu à porta alguns minutos
depois.
Misty estava segurando o estômago porque ele parecia
insistir em dar voltas. Assim como sua cabeça. Ela lavou o
rosto, olhou-se ao espelho e fez uma careta. Justo quando
queria parecer o mais bonita possível...
- Desculpe, mas acho que não estou com fome - ela sé
justificou ao retornar à mesa.
- Está doente?
- Claro que não. - Misty forçou um sorriso. - Mas acho que
vou ficar com uma xícara de chá apenas. Você estava
dizendo...

- Antes de tudo, quero lhe contar sobre minha irmã, Bridget.


Misty se lembrou instantaneamente da história que Jenny
Sargent havia lhe contado no castelo. Sentiu-se comovida
por Leone finalmente ter decidido lhe confiar seus sentimen-
tos mais íntimos.
- Bridget fez parte da equipe de Oliver Sargent no verão
passado e se erivolveu com ele também no aspecto pessoal -
ele acrescentou com amargura.
- Você tem certeza? - Misty indagou.
- Tenho. A melhor amiga dela me contou toda a história,
inconformada com sua morte. Sargent conduz seus casos ex-
tramatrimoniais com discrição. Ele leva suas amantes para
um chalé no campo.
Misty fechou os olhos e suspirou. Então o homem que a
abandonara e a sua mãe também era um sujeito desonesto e
traidor. Agora ela não se preocuparia mais em tentar ima-
ginar o motivo que causara a animosidade entre os dois ho-
mens. Uma hostilidade que Jenny Sargent lhe explicara se-
gundo a própria interpretação porque nunca tivera conheci-
mento da verdade.
- Na noite em que Bridget morreu, ela viajava com Sargent
para o chalé, mas embora eu tenha certeza do fato não
consegui provas de que ele estava com ela no momento do
acidente. - Leone se deteve por um instante. - O carro saiu da
estrada. Não houve testemunhas. Ele a deixou lá à própria
sorte e fugiu.
Misty pestanejou, horrorizada. - Não pode ser!
- Passou-se mais de uma hora até que o serviço de res-. gate
recebesse a comunicação por um telefonema anônimo.
Quando eles chegaram ao local já era tarde demais. Meu
único consolo foi o depoimento dos médicos de que ela ficou
inconsciente de imediato com a batida.
O que Leone estava lhe contando era absolutamente in-
concebível.
- Como você pode ter tanta certeza de que Oliver Sargent
estava com sua irmã no momento do acidente?
- Eu vi a culpa e o medo de ser descoberto escritos nos olhos
dele na primeira vez que o vi após o acontecido. Mas o
homem é poderoso e tem amigos. Um deles se tornou seu
álibi ao afirmar que estavam viajando juntos para a Cor-
nualha naquela noite.
- Você nunca se confrontou com ele?
- Como? Ele poderia me processar por acusá-lo sem provas.
Para atingi-lo, eu teria de me igualar a ele. Então, com a
firme convicção de que encontraria algo de vergonhoso em
seu passado que ele desejaria esconder a todo custo, mandei
investigá-lo. Foi quando soube de você...
Um alarme soou para Misty naquele momento. De repente
seu relacionamento com Leone assumia novas dimensões.
Ela parou de respirar na esperança de que suas piores sus-
peitas não tivessem fundamento.
- Oliver Sargent leva uma vida dupla - Leone prosseguiu. -
Ele é um político corrupto e eu decidi destruí-lo. Escolhi
você como arma.
O choque de Misty foi tamanho que ela não conseguiu
reagir.
- Eu me recusava a vê-Ia como uma pessoa - Leone explicou.
- Eu a considerava apenas uma extensão do homem que
odiava com todas as minhas forças. Para facilitar meu
trabalho, resolvi ver apenas o que poderia parecer negativo
em sua existência.
- Por favor, diga-me que não é verdade - Misty implorou. -
Diga que isto é um pesadelo.
- Ninguém gostaria de um milagre como esse mais do que
eu, amore - Leone desabafou. - Acha que eu queria lhe
contar a verdade? Eu não tive escolha. Mais cedo ou mais
tarde você descobriria tudo e seria ainda pior. Eu a contratei
com o único intuito de colocá-la nas colunas sociais como
minha amante para despertar a curiosidade dos jornalistas.
Incapaz de permanecer perto de Leone, Misty se levantou e
se colocou junto à janela.
- Eu deixei pistas para facilitar o serviço da imprensa. Levei-
a ao castelo Eyrie de propósito. Já estávamos lá quando
descobri quem você era realmente e resolvi desistir de minha
vingança. Infelizmente já era tarde demais para deter a
engrenagem...
Cada palavra de Leone a fazia se sentir mais traída, mais
decepcionada.
- Tentei impedir que você conhecesse Oliver porque sabia
que ele a reconheceria quando ouvisse seu nome. Só fui
pescar para poder ficar de olho nele. Por azar, ele ficou com
outra turma e eu o perdi de vista. Depois, ainda naquele dia,
tentei impedir que divulgassem a conexão entre você e
Oliver, mas não pude. Depois de abrir a caixa de Pandora
perdi totalmente o controle da situação.
As pernas de Misty estavam tremendo tanto que ela precisou
voltar a se sentar. Havia informações demais para serem
absorvidas em um só golpe. Longe de ser a última arma de
vingança para Leone, ela havia sido sua única arma. Uma
vingança siciliana.
O sangue de Misty gelou nas veias. Que tipo de mente era
capaz de usar um ser humano como se ele fosse um objeto
qualquer, sem importância e sem sentimentos? Uma mente
fria e calculista, sem dúvida.
- Não é de admirar que você não pudesse me contar o porquê
de sua proposta.
- Eu só me dei conta de que estava cometendo um erro
quando comecei a conviver com você.
Mas ele a levou ao castelo assim mesmo e a atirou no tanque
do tubarão, embora já soubesse que ela era um simples e
inofensivo peixinho. Ou seja, Leone só se arrependeu do que
fizera depois que dormiram juntos. Até então, ele não a
considerou como nada que não fosse um meio para um fim.
- Você acreditou alguma vez que o dinheiro que me ofereceu
iria compensar o mal que me causou?
Leone não teve coragem para encará-la.
- Sinto vergonha de admitir, mas no início eu acreditei que
sim.
Naquele instante, o sangue subiu à cabeça de Misty.
- Ao menos seja honesto! - ela gritou. - Tanto fazia para você
se eu iria ficar bem ou não.
- Eu não quis ver o caso sob esse ângulo - Leone tentou se
defender.
A cada minuto Misty encaixava mais uma peça do enigma. -
Foi sua a idéia de contratar um serviço de bufê para a filial
de Brewsters?
- Foi.
- É claro. E fui contratada porque era a única fornecedora
que lhe interessava. - Misty respirou fundo. - Diga, você
também deu um jeito de fazer com que meu negócio
afundasse de maneira a me obrigar a aceitar sua proposta
como meu último recurso para salvá-lo?
- Você enlouqueceu? - Leone retrucou. - Eu não tenho a
menor idéia do que você está falando.
- Mal comecei a trabalhar para você, minhas instalações
foram assaltadas e destruídas e o seguro se recusou a cobrir o
prejuízo.
Talvez ela estivesse sendo injusta, mas agora também não
estava preocupada em poupar Leone. Porque não conseguia
admitir que o homem por quem se apaixonara havia se
aproximado dela com o firme propósito de destruí-Ia.
- Não pode me culpar pelo assalto nem por seus problemas
financeiros - Leone repetiu. - Mas você tem toda razão em
me culpar por tudo o mais que lhe aconteceu.
- Oh, sim, eu te culpo. Inclusive por meus problemas
financeiros. De outra maneira, como você teria me persua-
dido a fingir que era sua amante?
- Pensei que a oferta em dinheiro seria suficiente para
despertar sua ambição.
- Agora, provavelmente, você irá dizer que estou em débito...
- Não. Não quero nada de volta. Ouso esperar que nosso
relacionamento tenha ultrapassado esse aspecto...
- De maneira alguma - Misty interrompeu-o, taxativa. -
Antes de você viajar para Nova York eu lhe perguntei se
ainda estava a seu serviço e você disse que sim.
- Se eu tivesse dito que nosso acordo não era mais válido
depois de nosso fim de semana na Escócia, o orgulho a teria
feito me deixar. Segundo eu acreditava, o problema com a

imprensa havia sido resolvido. Pensei que seria bom se ti-


véssemos mais algum tempo juntos para estabelecermos um
relacionamento mais normal.
- Oh, sim, você estava tão preocupado comigo que me
telefonou duas vezes de Nova York naquela semana que pas-
sei com Birdie.
- Eu estava bravo com você quando parti - Leone tentou
justificar.
- Oh, sim, depois de tudo que me fez, você estava zangado.
- Eu me preocupo com você. Não queria perdê-la.
- Ninguém trata as pessoas com quem se preocupa do modo
como você me tratou. Não posso perdoá-lo por ter se deitado
comigo em primeiro lugar apenas porque meu suposto pai
teve um caso com sua irmã. Sinto muito, mas ela não era
mais uma criança e já deveria saber que não é certo se
envolver com um homem casado.
Um silêncio de morte pairou sobre eles, mas Misty não se
arrependeu do que disse. A sensação que tinha era de que
algo havia quebrado dentro dela e que nunca mais poderia
ser consertado. E esse algo precioso chamava-se confiança.
- Misty...
- Naquela festa no castelo, Oliver Sargent me avisou para
que saísse de sua vida porque você estava apenas me usando
- Misty confidenciou com um fio de voz.
- Você não me disse nada - Leone comentou, perplexo. - Eu
preferi pensar que ele havia bebido demais e que disse aquilo
porque simplesmente não gostava de você. - Uma risada
amarga escapou dos lábios de Misty. - Talvez o instinto
paternal tardio o tivesse feito sentir pena de mim. Porque
apesar de ele ter um grande interesse em meu de-
saparecimento de cena, o que disse sobre você foi a pura
verdade.
Uma batida à porta os interrompeu. Misty olhou para Leone.
Ele parecia ter levado um golpe físico tal seu abatimento.
Como nenhum dos dois se dispôs a verificar quem era,
tornaram a bater. Dessa vez, Leone atendeu. Era um recado
para ela entrar em contato com uma mulher chamada Nancy.
No mesmo instante, Misty se colocou em alerta. A essa
altura, Birdie já deveria ter tomado conhecimento do artigo
no jornal.
Leone colocou o telefone sem fio na mão de Misty e ela
ligou para Fossetts House. A notícia que recebeu foi com-
pletamente inesperada e diferente do que imaginava. Birdie
havia sido submetida a uma cirurgia cardíaca no dia anterior
e estava passando bem.
- Foi de repente? - Misty perguntou, atônita.
- Não. A data estava marcada havia duas semanas, mas
Birdie não quis que você soubesse. Eu tentei argumentar,
mas ela não me ouviu. Pensei em avisar você assim mesmo,
mas receei que ela fosse se aborrecer comigo.
Preocupada agora mais com sua mãe adotiva do que consigo
mesma, Misty decidiu qual seria o próximo passo que teria
de dar. Iria embora dali naquele mesmo instante, voltaria
para casa e faria uma visita a sua benfeitora no hospital.
- O que houve? - Leone quis saber.
- Birdie foi operada. Vou arrumar minhas coisas.
- Eu gostaria muito de conhecê-la. Não imaginava que você
a amasse tanto. Quando penso no mau julgamento que fiz
sobre você...
- Não vejo nenhuma razão para ela querer conhecê-lo.
Silenciado pela observação, Leone se limitou a colocar a
limusine à disposição.
O primeiro impulso de Misty foi repudiar o oferecimento,
mas ciente de que chegaria em Brewsters mais depressa de
limusine do que de trem, ela aceitou.
- Dê-me uma chance de compensá-la pelo que fiz - Leone
pediu no último minuto.
Ela olhou nos olhos dele sem conseguir admitir que o ho-
mem por quem se apaixonara não era real.
- Como poderia? Você me causa medo.
A expressão de Leone permaneceu na mente de Misty
durante toda a viagem. Ela o chocara com sua resposta. Mas
o que ele esperava? Que fosse aceitar a cruel realidade como
se nada houvesse acontecido? E como pudera se enganar tão
completamente sobre o caráter dele? A primeira impressão
estava correta. Leone era um siciliano duro e intransigente.
O homem doce e carinhoso só existira a seus olhos de
mulher apaixonada.
Três semanas depois, Misty resolveu consultar um médico.
Birdie havia tido alta na semana anterior e resolvido ficar
com a irmã viúva em Oxford durante o período de
convalescença.
Enquanto aguardava na sala de espera o resultado dos testes
que o médico solicitara, Misty pensou que sua mãe poderia
ter ido direto para Fossetts House. Ela nunca havia se sentido
tão só antes. Além disso, desde o que acontecera entre ela e
Leone não estava se sentindo bem.
A culpa era toda de Leone: sua infelicidade, sua digestão
difícil, o atraso em seu ciclo menstrual. Seu estado
emocional estava abalado e prejudicara todas as suas
funções.
Leone telefonou algumas vezes mas ao identificar a voz ela
sempre desligava. Até que ele parou de ligar e ela se obrigou
a agradecer mentalmente pela mensagem ter sido entendida.
Isso não impediu, contudo, que ela ficasse furiosa quando
Birdie lhe contou que ele estivera no hospital para visitá-la e
que o achara um encanto de homem. É claro. Sua mãe
adotiva não sabia nada sobre o mal que ele lhe causara.
Ao mesmo tempo, Misty não entendia como a falta de Leone
podia afetá-la tanto. Desde que eles terminaram, sua
sensação era de que o sol havia sido tirado de sua vida. Não
adiantava repetir a si mesma que ele a usara para um fim
desprezível sem se importar que iria feri-Ia. O vazio e o
desalento aumentavam dia a dia.
- Srta. Carlton - a recepcionista a chamou e fez sinal de que
poderia entrar novamente na sala do médico.
- A senhorita me disse que foi alertada, três anos atrás, de
que só conseguiria ter chances de engravidar se procurasse
um tratamento específico para infertilidade.
Misty fez que sim com a cabeça.
- Pois bem. A medicina procura ser o mais racional possível,
mas a margem de erro muitas vezes não corresponde ao fato.
Porque no seu caso, por exemplo, a cirurgia conseguiu
resolver o quadro por si só. Meus parabéns. A senhorita está
esperando um bebê.
Se Misty já não estivesse sentada, ela teria de fazê-lo. -
Como?
- A senhorita está grávida.
Misty ficou parada, apenas olhando para o médico, diante da
grandiosidade da informação. No início, ela pensou que se
tratava de um equívoco e não deu importância ao relato.
Mas, pouco a pouco, a esperança substituiu a falta de fé e
depois veio a certeza e uma felicidade indescritível.
- Imagino que essa condição não foi planejada.
- Não foi planejada? É um milagre! - Misty exclamou.
Quinze minutos depois de receber as primeiras orientações
do médico, Misty estava na loja especializada em artigos
infantis que ficava ao lado do consultório, olhando com fas-
cinação para as roupinhas e para os bichos de pelúcia.
Leone a engravidara. Ele havia partido seu coração, mas o
que significava um coração partido quando ela poderia ter
um bebê?
Um livro sobre gravidez foi sua primeira aquisição. Ao
comprá-lo, ela teve a oportunidade de ver uma manchete em
um jornal sobre Oliver Sargent ter renunciado a seu cargo
público.
Não foi uma surpresa para ela. Nas últimas semanas, o nome
dele raramente havia sido mencionado pela imprensa.
Seguida ao escândalo da revelação sobre a existência de uma
filha natural houve uma denúncia de que ele aceitava su-
borno em troca de favores políticos.
Misty desejaria sentir pena do pai que ela nunca conheceu,
mas era dificil se preocupar com alguém que jamais a
procurara, embora soubesse de sua infeliz situação. E ele não
tinha outros filhos, além de Misty e de sua irmã gêmea.
Oliver Sargent estaria acusando-a de ter precipitado sua
derrocada? Ou ele continuava ignorando-a como sempre ig-
norara?

Ainda durante o trajeto para Fossetts House, Misty pensou


em seu empreendimento e deu um suspiro. Durante sua
ausência, dois dos três empregados encontraram outras ocu-
pações. O fechamento da Carlton Catering era fato quase
certo. Nos primeiros dias ela recebeu vários pedidos para
preparar jantares e coquetéis. Os clientes, provavelmente,
estavam interessados em conhecer a filha ilegítima do co-
nhecido político. Mas a alegria de ter seu negócio de volta e
com chance de sucesso teve curta duração.
Agora que sabia que estava grávida, a venda da pequena
empresa lhe parecia a melhor solução. Com o dinheiro em
mãos ao menos ela poderia começar a reembolsar Leone
pelo dinheiro que lhe dera para destruir seu próprio pai, sem
que ela tivesse a menor noção desse objetivo. Porque
enquanto ela não quitasse esse débito, não conseguiria ter
paz.
Na sala de estar de Fossetts House, Misty se preparou para
verificar a correspondência entregue aquela manhã. Ao abrir
o primeiro envelope, estranhou que ele contivesse o último
cheque que enviara ao banco para amortizar a dívida. No
mesmo instante, ela ligou para o gerente e recebeu a
informação de que a hipoteca havia sido totalmente liquidada
antes da remessa do último cheque.
Certa de que a única pessoa no mundo que poderia responder
por aquele ato era Leone, Misty ficou furiosa. Então Leone
ainda insistia em comprá-la? Seria preciso ela ir até ele e lhe
dizer com todas as letras que não queria nada que viesse
dele?
Determinada a provar a Leone que estava bem e que ele não
mais fazia parte de sua vida, Místy colocou seu vestido mais
justo e provocante, penteou-se e maquilou-se com capricho e
estava prestes a avisar Nancy que iria para Londres, quando
alguém tocou a campainha.
- Onde está o tapete vermelho? - Flash perguntou com a
costumeira exuberância.
Fazia cinco meses que Misty não o via e dois que lhe falara
pela última vez ao telefone. Hesitou por um instante, mas em
seguida atirou-se nos braços dele e seus olhos encheram de
lágrimas.
- Você nunca aprenderá a escolher? - ele a afastou e fitou-a
como se estivesse muito zangado.
- Por que diz isso? - Misty pestanejou.
- Posso ter ficado distante daqui, mas não perdi o costume de
ler os jornais ingleses. Primeiro descubro que você está
usando brilhantes presenteados por um mafioso siciliano,
depois que é filha de um político sem escrúpulos e agora que
foi abandonada pelo primeiro e pelo segundo pela segunda
vez?!
Misty se defendeu, orgulhosa. - Fui eu que o abandonei.
Flash deu um largo sorriso e se sentou.
- Isso me faz sentir melhor. Onde está Birdie? Enquanto
Misty explicava sobre o acontecido, Flash, incapaz de
permanecer parado por mais de dez segundos, se levantou e
pegou o livro que Misty deixara em cima da mesa. - Quem
está lendo isto?
Misty ficou rubra. Era o livro sobre gravidez que comprara
no dia da consulta.
- Por que está lendo este tipo de coisa? Não sabe que irá se
machucar ainda mais? Pensei que tivesse superado esse
trauma.
Misty pensou em calar a verdade, mas não teve coragem. -
Algo de bom surgiu do mal - ela murmurou.
- Não é nada bom. Não basta o que você já passou? - Flash
esbravejou.
Diante dessa reação, Misty resolveu contar os detalhes sobre
sua história com Leone. Flash ouviu-a entre resmungos. Ao
final, ele se ofereceu para levá-la a Londres.
- Muito bem. Depois que você mandar o mafioso às favas,
nós sairemos para comemorar!

Capítulo 9

Flash deixou-a diante da entrada principal das Indústrias


Andracchi e seguiu com o carro para o estacionamento.
Misty se identificou à recepcionista e foi orientada para subir
até o último andar. Ela estava se sentindo pouco à vontade
com aquele vestido. Sentia todos os olhares voltados para
sua figura.
Inclusive o de Leone quando a viu, ao sair de uma das salas,
e lhe endereçou o mais sensual dos sorrisos.
- Como se atreveu a quitar a hipoteca de Birdie? - perguntou-
lhe de chofre, decidida a não permitir que seu corpo a traísse,
embora seu coração teimasse em bater forte.
- Por que não conversamos em meu escritório?
- O que eu tenho para lhe dizer pode ser dito aqui!
- Não, não pode - Leone retrucou, firme. - Se espera que eu a
ouça, não serviremos de espetáculo.
Ciente de que Leone estava com a razão naquele aspecto,
Misty o seguiu até uma ampla e bem decorada sala, mas
recusou-se a se sentar quando ele lhe indicou uma cadeira e a
chamou de amore.
- Não me chame assim!
- Por que não? Até que eu tenha outra, você continua a ser
minha amante.
Outra? A mera suposição de que Leone poderia ter outra
mulher a dilacerou, mas ela se obrigou a permanecer em
controle de suas emoções.
- Vou repetir minha pergunta - Misty insistiu. – Por que
pagou a hipoteca de Birdie? Se está tentando me comover
com sua generosidade e ter-me de volta...
- Não estou.
Furiosa demais, Misty não parou para pensar na implicação
da resposta.
- Não conseguirá me persuadir de que merece uma segunda
chance. Sei que está apenas querendo me subornar outra vez
para me levar de volta para sua cama...
- Não, não estou.
- Saiba que está perdendo seu tempo e que seu compor-
tamento é revoltante e... - Misty se deteve, confusa, quando
as palavras de Leone foram finalmente registradas.
- Não lhe devo nenhuma explicação - ele lembrou-a =, mas
como você interpretou mal meu gesto, vou lhe dizer o que
me motivou: minha simpatia pela mulher que a acolheu. Eu
fiz isso anonimamente.
- Ora, se acredita que eu...
- Faço doações para instituições de caridade todos os anos.
Achei que Birdie merecia uma ajuda pelo bem que fez junto
com seu falecido marido a inúmeras crianças carentes. - Sim,
é verdade, mas...
- Se Robin Pearce não tivesse desistido de sua carreira para
apoiar a esposa nessa missão, ele a teria deixado amparada
financeiramente quando partiu. Não acho justo que ela tenha
dívidas a pagar nessa altura de sua vida quando tudo que fez
foi o bem aos outros. Portanto, se resolvi bancar o Papai
Noel, foi com meu dinheiro e por minha escolha.
Misty não teve como retrucar. Cada palavra que Leone lhe
dissera soara justa e bem pensada. Sua vontade era afundar
no chão. Era ficar invisível. Viera ao local de trabalho de
Leone e se portara como uma megera. As acusações que lhe
fizera agora lhe pareciam absurdas e ridículas.
- Como desconfio de que você praticamente mendigou para
manter Birdie naquela casa, deveria se sentir aliviada. Por
mais que tentasse se conter, Misty sentiu lágrimas inundarem
seus olhos. Para que Leone não as visse, levantou-se
bruscamente e se dirigiu à saída, mas uma tontura a impediu
de realizar seu intento.

- O que tem feito com você mesma? - Leone perguntou,


preocupado, ao ampará-la. E ela, incapaz de responder sem
se trair, manteve a cabeça baixa e completo silêncio.
- Por que veio até aqui me ver? - Leone insistiu.
- Por ódio - Misty encontrou forças para encará-lo e mais
uma vez se arrependeu ao fazê-lo. Porque sua vontade era
esquecer tudo e se aninhar naqueles braços que ainda a
sustentavam.
- Então grite comigo, esbraveje. Neste momento o que eu
mais quero é deitá-la no tapete e me perder outra vez dentro
de você. - Ele ficou olhando para ela em silêncio e depois
respirou fundo. - Como sei que não é possível, contento-me
com sua companhia ao jantar.
Misty ficou chocada consigo mesma ao perceber que a re-
ferência ao sexo com Leone ainda a excitava. À velocidade
da luz ela havia trocado a tontura pelo calor do desejo.
- Não, eu não posso. - No meio de uma verdadeira batalha
com seus instintos, Misty se forçou a se concentrar no
beneficio que ele havia feito a Birdie. Quisesse admitir ou
não, ela também havia sido beneficiada com a doação. E isso
significava que ela já poderia começar a devolver o dinheiro
que ele lhe pagara.
- O que está fazendo? - Leone franziu o cenho ao vê-Ia tirar
o talão de cheques da bolsa.
Misty preencheu uma folha e estendeu-a a ele. - Para que
isto?
- É o primeiro pagamento daquilo que lhe devo. Afinal, eu
aceitei sua proposta justamente para poder pagar a hipoteca
de Birdie. Como você se incumbiu disto, não tenho mais por
que conservar seu dinheiro.
- Eu já disse que não quero nada de volta.
- Eu não queria me envolver no esquema que acabou com a
carreira política de meu pai. Infelizmente, você não me
deixou escolha. Agora, porém, eu me recuso a lucrar com
sua desgraça.
Misty sentiu pena de Leone ao se lembrar de sua agonia ao
perder a irmã em circunstâncias tão lamentáveis, e de sua
impotência em acusar Oliver Sargent pelos canais normais.
Mas dois erros não faziam um acerto, em sua opinião, e ela
não concordava com vinganças.
Leone rasgou o cheque pelo meio sem dizer nada.
- Tudo bem. - Misty disse, da porta. - Nesse caso, eu também
farei caridade com essa importância.
- Você não está em condições! - Leone lembrou-a. - Vou
colocar minha empresa à venda.
Ele pestanejou, incrédulo. - Perdeu o juízo?
Um sorriso amargo acompanhou a última declaração de
Misty.
- Graças a toda essa publicidade, tornei-me uma celebridade
local. Apenas não me agradou ouvir, da cozinha, meus
clientes falarem sobre mim com seus convidados.
Ao notar o rubor tingir as faces de Leone, Misty percebeu
que não precisaria dizer mais nada, pois ele era tão orgu-
lhoso quanto ela.
Rígida e com um nó na garganta, Misty se precipitou para o
elevador e apertou o botão do subsolo, onde ficava o esta-
cionamento. Mas antes que as portas fechassem, Leone en-
trou atrás dela. Seus olhares se cruzaram e não houve tempo
para mais nada. Ele a pressionou contra a parede do elevador
e seus lábios esmagaram os dela em um beijo explosivo.
Separaram-se apenas quando o elevador parou.
- Preciso ir... Flash está me esperando - Misty avisou, mas
não teve chance de sair porque os dedos de Leone a
seguraram pelo pulso como se fossem tentáculos.
- O que ele está fazendo aqui com você? Misty tentou se
desvencilhar.
- Não é de sua conta.
- Solte-a! - Flash ordenou.
Ao longe, Misty viu a turma de músicos que acompanhava
Flash saltar da van. Certa de que haveria briga e que seriam
três contra um, Misty gritou para que Leone voltasse para o
elevador.
- Fique fora disto! - Ele a soltou para que se afastasse, mas
ela saltou para a frente para protegê-lo.

- Não, Flash! - Misty ordenou. - Se tocar em Leone, nunca o


perdoarei!
- Não posso permitir que ele trate uma mulher grávida dessa
maneira!
O silêncio substituiu a gritaria. Boquiaberto pela referência à
criança que Misty estava carregando, Leone deixou escapar
um som de incredulidade.
- Você está grávida?
A essa altura, Misty estava puxando Flash pelo pulso de
volta para o carro.
- A criança é minha? - Leone perguntou com um fio de voz.
Nesse instante, Flash escapou e voou para cima de Leone.
Aconteceu tão rápido que Misty não teve tempo nem sequer
de piscar. Não esperava que fosse Flash a levar um soco que
o colocou no chão.
- Parem, vocês dois!
Como não foi ouvida e não conseguia admitir o que acabara
de acontecer, Misty foi para o carro.
Se a criança era dele? Como Leone tivera a coragem de fazer
aquela pergunta?
Um minuto depois Flash sentou-se ao volante com ar de
satisfação. Misty olhou para o local onde a briga havia acon-
tecido e viu Leone parado, observando o carro se afastar.
- Você devia estar me agradecendo por eu ter defendido sua
honra - Flash reclamou. - Como eu podia ter adivinhado que
você não havia contado a ele sobre o bebê? Pensei que essa
fosse uma das principais razões para você querer vê-lo.
- Só descobri que estava grávida esta manhã - Misty
explicou. - Ainda não sabia se iria ou não contar. Depois do
que ele disse, acho que fiz bem em não me dar ao trabalho.
- De certa forma, não o culpo por ter feito a pergunta. Afinal,
você estava comigo e ele ficou obviamente com ciúme. - O
que foi agora? - Misty protestou. - Depois da briga resolveu
ficar do lado dele?
- O que dirá a Birdie? - Flash mudou de assunto e Misty não
respondeu. Essa era uma questão da qual ela havia tentado
escapar até aquele momento. - Ela ficará arrasada.
Em resposta, Misty deixou escapar um soluço. O mais
provável era que a boa mulher fosse se culpar por ter falhado
na educação que lhe dera.
- Nessa história toda - Flash continuou -, o que me deixou
mais perplexo foi saber que você e ele estavam se beijando
no elevador.
O choque da revelação a fez olhar instintivamente para o
irmão adotivo.
- Você deixou batom na boca do sujeito.
Flash levou Misty para o apartamento dele na cidade, pediu
pizza por telefone e depois ligou o vídeo para assistir aos
jogos de futebol que deixara gravando durante sua turnê
pelos Estados Unidos. Exausta após os eventos do dia, Misty
se deitou em um sofá e adormeceu quase que de imediato.
Flash acordou-a algumas horas depois para que se arrumasse
para saírem.
Mesmo sem disposição, Misty tomou um banho, lavou os
cabelos e vestiu uma saia preta e uma blusa verde-esmeralda
que valorizavam seu corpo e a cor de seus cabelos.
A chegada de Flash em seu clube noturno favorito foi mar-
cada por um pipocar de flashes. Ao lado dele, Misty
procurou se mostrar alegre e sorridente. Queria que Leone a
visse, quando fosse ler o jornal do dia seguinte, e imaginasse
que ela o havia riscado de sua vida.
- Você não reclamou do futebol - disse Flash quando se
sentaram a uma mesa reservada especialmente para ele e sua
banda.
- Porque peguei no sono.
- Senti saudade - Flash confessou, e não deu mais para
conversarem porque as pessoas não pararam mais de cum-
primentá-lo.
As horas avançavam pela madrugada quando Misty re-
conheceu Leone entre a multidão. Ele se destacava entre
todos os homens, alto e sério. Antes que Flash o visse e
pudesse acontecer outro desentendimento, Misty se levantou
e tentou se esconder no toalete.

- Ei? O que está fazendo? - ela protestou quando Leone a


agarrou pelo pulso e começou a puxá-la em direção à saída
sem lhe dar chance de falar.
- Você vai voltar comigo para casa. Já é de madrugada e
você precisa parar de beber.
- Não, não vou. Para sua informação, só tomei suco de
abacaxi.
Sem lhe dar ouvidos, Leone chamou um dos seguranças e
pediu que avisassem o artista que a moça estava indo embora
com ele. Misty ficou ainda mais furiosa.
- Eu vim com Flash e vou voltar com ele. Leone encarou-a.
- Você tem duas opções, amore. Ou sai daqui por seus
próprios pés ou carregada.
Misty estreitou os olhos. - Você não se atreveria...
- Experimente - Leone desafiou-a. - Estou tentando localizá-
la desde ontem. Minha paciência está no limite. Diante da
informação de que Leone estivera a sua procura desde a
briga no estacionamento, Misty o seguiu sem dizer mais
nada. Era natural que Leone quisesse ter uma conversa
depois do que descobrira. O que deveria ter sido sexo casual
acabou tendo sérias conseqüências. Ele deveria estar
culpando-a. E ela não podia acusá-lo de irresponsável. Antes
de fazerem sexo, ele havia se preocupado em saber se ela
estava tomando precauções. Certa de que não poderia en-
gravidar, ela disse que sim.
Leone a acomodou na frente de seu carro esporte vermelho e
deu a partida
- O que pensa fazer sobre o bebê? - ele perguntou sem
preâmbulos.
Com receio de que Leone fosse sugerir que ela interrom-
pesse a gravidez, Misty decidiu ser completamente franca. -
Para ser sincera, fiquei nas nuvens quando soube o resultado
do teste. Pensava que nunca poderia conceber. Para mim foi
um verdadeiro milagre. Mas não fique preocupado. Não
espero nada de você.
Leone estava ouvindo-a com tanta atenção que não per-
cebeu que o farol havia mudado até outro motorista buzinar,
impaciente.
- Recebi uma visita da última pessoa que poderia esperar -
ele prosseguiu. - Oliver Sargent.
- Ele o procurou? - Misty repetiu, surpresa. - Mas por quê?
- Para admitir, finalmente, que estava com minha irmã na
noite do acidente. Disse que foi jogado para fora do carro e
que desmaiou. Quando voltou a si, Bridget já estava morta e
ele entrou em pânico.
- Você acreditou nele?
- Sim - Leone respondeu, rouco. - Ao me confessar a
verdade, Sargent se colocou em minhas mãos.
- Você pretende denunciá-lo à polícia? - De que adiantaria?
Um suspiro escapou dos lábios de Misty. - Então foi tudo
por nada.
- Não - Leone retrucou. - Não lamento que ele tenha caído
fora da política, porque era corrupto. Só lamento pelo mal
que causei a você.
Misty não esperava que fosse sentir tanto alívio por seu pai
não ter abandonado a irmã de Leone à morte. Conseguia
compreender seu desespero naquele momento e apoiava seu
ato de coragem e decência em procurar Leone, embora muito
tempo houvesse passado.
Misty tampouco esperava que Leone fosse levá-la ao apar-
tamento que ela ocupara por tão pouco tempo.
- Você deixou suas roupas aqui.
Misty se sentou no sofá. Estava tensa. Sentia-se ameaçada de
um ataque iminente. Se pudesse ter escolhido, ela não lhe
teria contado sobre o bebê.
- Quero que se case comigo - Leone propôs de súbito, e antes
que ela pudesse responder, ele implorou que o deixasse falar.
- A criança é minha também. Quero que meu filho tenha o
meu nome e receba o mesmo amor e a mesma proteção que
meu pai me ofereceu.
Incapaz de ficar imóvel, Misty se levantou. Mas suas pernas
tremiam tanto que tudo que pôde fazer foi ficar parada.
Jamais esperara por esse tipo de situação.
- Os sicilianos prezam a família - Leone contou. - Você sabe
o que significa não ter ninguém. Quer que lhe aconteça o
mesmo que a sua mãe?
- Deixe meus problemas fora disto - Misty protestou. - Posso
cuidar sozinha de mim mesma e do bebê.
- Mas não precisa ser assim, Misty. Não castigue nosso filho
por meus pecados.
O apelo comoveu Misty. Era isso que estava fazendo? Ten-
tando punir Leone? Na verdade, ela não tinha motivos para
cogitar que Leone não aceitaria a responsabilidade por sua
gravidez.
Insegura, ela apertou as mãos uma contra a outra.
- Você tem certeza de que quer casar só por causa de uma
criança que não planejou ter?
- Não é só por causa da criança, amore - Leone murmurou. -
Quero tê-la de volta em minha cama também. Sei de
casamentos que deram certo por muito menos.
Ela poderia enumerar uma dúzia de razões para aceitar o
pedido de Leone, mas a verdade era uma só. Nenhuma delas
significaria sua concordância se não estivesse comple-
tamente apaixonada.
- Está bem - ela respondeu sem coragem para encarálo,
envergonhada que estava de sua fraqueza. Porque sabia que
sua vida seria uma eterna batalha contra seus pensamentos
caso nunca mais pudesse vê-lo.
No silêncio que recaiu sobre o ambiente; Misty percebeu que
Leone ficara surpreso com sua resposta.
- Estou pensando no que é melhor para o bebê - ela se ouviu
justificando.
- Por que não? - Leone encolheu os ombros. - Se não fosse
pelo bebê, nós não estaríamos tendo esta conversa. Você
concorda em marcarmos a data imediatamente?
Misty fez que sim.
- Aceita mais um suco de abacaxi para brindarmos?
- Não, obrigada. Estou cansada. Gostaria de me deitar agora,
se você não se importa.
O orgulho impedia Misty de demonstrar alegria pelo rumo
que sua vida estava tomando. Se fosse sincera consigo mes-
ma admitiria que estava esperando que Leone a tomasse nos
braços e derretesse seu gelo. Mas ele não se moveu do lugar.
Ela se afastou em direção ao quarto mas não conteve a
curiosidade de olhar para trás. Leone estava de pé, olhando
pela janela. Ao vê-lo tão tenso, ela sentiu um nó na garganta.
Ele não a havia censurado nem sequer por um segundo por
colocá-lo em uma situação que teria enraivecido a maioria
dos homens. Ele havia aceitado a criança e a pedira em
casamento. Não só isso. Leone havia assumido sua culpa por
tê-la usado em sua vingança contra um homem que ela nem
sequer imaginava que fosse seu pai. O problema era que ela
não conseguira perdoá-lo.
Deitada, sem conseguir fechar os olhos, Misty fez uma
análise de seus próprios sentimentos e de seus próprios erros.
Tinha dificuldade em perdoar.
Ao mesmo tempo, haveria alguma chance de seu casamento
dar certo se ela colocasse o ressentimento acima do amor?
Em uma súbita decisão, Misty se levantou e foi para o quarto
de Leone. Caminhou rápido, com medo de mudar de idéia.
Entrou justamente quando ele estava saindo do banheiro,
enxugando-se.
Ao vê-Ia, Leone deixou a toalha cair.
- Dio mio, amore! Você sempre me surpreende.
Misty estava igualmente surpresa. Parou no meio do quarto e
se esforçou por respirar quando ele veio ao seu encontro e
abraçou-a com força antes de deitá-la na cama.
- Estou louco por você - ele murmurou. - Não sei por onde
começar.
- Beije-me - Misty suplicou, quando ele tomou seus seios
com as mãos e com os lábios, fazendo com que um gemido
escapasse de sua garganta. Abraçou-o pelo pescoço e fechou
os olhos, ébria de paixão e de felicidade.
Estavam tão excitados que não se demoraram com preli-
minares. Misty o queria dentro dela e Leone mal podia es

perar para senti-Ia por inteiro. As últimas vinte e quatro


horas de tormento estavam cobrando seu tributo. Misty se
movimentou junto com ele em total abandono e sintonia até
explodir em êxtase.
- Eu encontrei o paraíso quando conheci você - Misty
confessou.
Leone riu como um garoto.
- E eu não percebi que havia encontrado o paraíso até
tropeçar no inferno. Não esperava que você fosse correr para
os braços daquele sujeito no primeiro instante...
- Eu não corri para os braços de ninguém - Misty se
defendeu, irritada.
- Eu vi com meus próprios olhos o modo como vocês
estavam se tratando naquele clube.
- Eu gosto de Flash.
- Ele vive cercado de mulheres. - Veja quem fala!
Misty se deteve ao questionar que tipo de casamento eles
teriam se estavam discutindo cinco minutos depois de terem
feito amor.
- Se você vai ser minha esposa, precisa começar a se portar
como tal.
De repente, Misty sentiu que empalidecia. Leone havia
voltado para o chuveiro e a deixou angustiada. O que ele
pensava? Que podia trancá-la em casa para levá-la para a
cama a hora que quisesse, sem respeito por sua vontade, por
seus poucos amigos?
Magoada, Misty fechou os olhos e tentou dormir. Mas os
pensamentos continuaram assaltando-a. Leone estava com
ciúme. Como pudera esquecer o modo como ele tratara
Philip bem no início do relacionamento?
Naquele instante, ela começou a sorrir...

Capítulo 10

Uma semana depois, Misty estava experimentando o vestido


de noiva que acabara de comprar quando foi avisada de que
havia uma visita para ela.
Em menos de vinte e quatro horas ela seria a sra. Andracchi.
Mal podia esperar pelo momento de entrar na igreja. Birdie
estava de volta. Assim que Misty lhe telefonou para avisar
que Leone a pedira em casamento, ela fez questão de
reassumir seu lugar em Fossetts House e trouxe a irmã con-
sigo. Nada, ela disse, a impediria de ajudar sua querida filha
com os preparativos.
Misty ficou radiante ao vê-Ia com as forças e as energias
recuperadas, mas tanto entusiasmo por parte de Birdie tam-
bém lhe trouxe uma grande preocupação, porque receava que
a mãe quisesse fazer mais do que a prudência mandava.
Birdie estava esperando ao pé da escada com um sorriso nos
lábios, mas Misty notou que ela estava ansiosa. E antes que
pudesse perguntar a razão, a resposta foi dada.
- É seu pai...
Misty parou, surpresa.
- Oliver Sargent? Ele está aqui?
- Dê-lhe uma chance, querida. Tente ser generosa. Dividida
entre a curiosidade e a perturbação, Misty entrou na sala
como um autômato. Seu pai havia perdido peso desde o
encontro no castelo. O abatimento parecia tê-lo envelhecido.
Parecia outro homem.

- Se não fosse por Leone, eu não teria vindo - ele confessou.


- Leone?
- Seu noivo me incentivou a visitá-la. Eu receava não ser
recebido.
- Por favor, sente-se.
O desconforto era patente de ambas as partes.
- Imagino que você esteja esperando que eu fale sobre meu
relacionamento com sua mãe.
Misty fez que sim.
- Quando nos conhecemos, Carrie já era casada e mãe. Logo
depois que entrou na faculdade e se ambientou entre pessoas
de sua idade, ela se arrependeu de ter se unido a um homem
mais velho.
- Você a amou? - Misty fez a pergunta que mais lhe
interessava.
- Eu gostei dela, mas já estava namorando Jenny na ocasião.
Mas Jenny morava em outra cidade e quase não tínhamos
oportunidade de nos encontrar. Não irei mentir para você.
Meu relacionamento com Carrie foi mais uma válvula de
escape para nós dois. Só fui perceber que o caso não era tão
simples assim quando era tarde demais.
- E quando isso aconteceu?
- Quando sua mãe me contou que estava grávida. Não
ocorreu a ela que a criança poderia ser minha. Ela atribuiu a
concepção ao marido e nós terminamos. O problema surgiu
mais tarde, quando o marido dela resolveu submeter amos-
tras de sangue das filhas ao teste de paternidade.
- O choque deve ter sido grande para você também.
- Especialmente quando vi Carrie diante de minha porta com
as malas. Embora já estivéssemos separados havia meses, ela
acreditou que iríamos continuar de onde paramos. Foi
terrível. Eu não a amava. Era um estudante de apenas vinte e
dois anos de idade e não estava preparado para cuidar de
uma família. Fiquei aterrorizado à idéia de que meus pais e
Jenny viessem a saber. Sua mãe não me pressionou. Eu lhe
ofereci ajuda financeira e ela aceitou. Nunca mais ouvi falar
a seu respeito.
De repente, Misty percebeu que podia entender como o
jovem Oliver Sargent, de apenas vinte e dois anos de idade,
devia ter se sentido ao receber a notícia. Ninguém está pre-
parado a essa idade para assumir as responsabilidades de
uma família, principalmente com uma mulher vinda de um
casamento arruinado.
- Você sabe sobre sua irmã? - Oliver Sargent perguntou e ela
respondeu que não, aliviada por não precisarem prolongar a
conversa, com a chegada de Nancy para servir chá.
- Gostei que tivesse vindo - Misty afirmou, sincera. - Senti
que foi honesto comigo.
- Pela primeira vez em minha vida estou dizendo verdades e
pela primeira vez Jenny não quer me ouvir.
Misty sentiu pena. Sua simpatia pela esposa de seu pai fora
imediata. Ele estava passando por duras penas. Perdera seu
cargo e seu prestígio. Parecia estar superando esse aspecto,
mas Misty temia que ele não fosse suportar se a esposa o
deixasse.
- Se você concordar, eu gostaria de conhecê-la melhor com o
tempo - ele pediu. - Mas se preferir que eu não volte a
procurá-la, eu entenderei.
Ficaram juntos por mais de uma hora. No momento de se
despedirem, Misty decidiu se armar de coragem e perguntar
se ele gostaria de ir a seu casamento.
A reação foi tão comovente que Misty se sentiu bem por ter
seguido sua intuição.
- Você gostaria que eu fosse? Francamente, eu adoraria
assistir à cerimônia. De longe, é claro. Para não chamar a
atenção das pessoas.
O primeiro encontro, propriamente, com seu pai a deixou
com uma sensação de leveza. Teria muito o que pensar a
respeito porque havia muito a ser recuperado. Mas ainda
faltava tanta coisa para fazer para o casamento que Misty
não teve tempo para reflexões.
Ela foi até a igreja e ficou satisfeita com a exuberância dos
arranjos de flores. Tudo estava correndo bem. Não conseguia
entender por que não estava se sentindo tão feliz
quanto deveria. Por que, de repente, sentia-se tão deprimida
e culpada?
Leone não a amava. Era isso. Não lhe bastava que ele
quisesse fazer o que era melhor para a criança e que sentisse
atração física por ela. O que seu pai lhe contara algumas
horas antes lhe pesava na consciência. Afinal, ela não estava
fazendo o mesmo que sua própria mãe fizera?
Sua mãe correra para a casa de Oliver Sargent na esperança
de que ele fosse assumi-Ia e as filhas. E ele não aceitou
porque não a amava.
Ela não culpava seu pai. No entanto, mesmo ciente de que
Leone não a amava, aceitara seu pedido de casamento.
Aquilo estava errado, Misty concluiu. De repente, ela soube
qual era a atitude que deveria tomar. Imaginou como seu
casamento seria dali a dois anos. Leone ficaria entediado.
Eles não teriam nada em comum a não ser a criança. Ele
viveria para se arrepender por ter sacrificado sua liberdade
por um princípio. Talvez passasse a odiá-la.
A idéia era insuportável para Misty. Ela precisava ser forte.
Precisava falar com Leone antes que eles dessem o passo
mais errado de suas vidas. Iria procurá-lo no hotel Belstone
House, onde ele estava hospedado, assim que trocasse de
roupa.
Ao chegar a Fossetts House, Misty ficou surpresa ao ver os
carros de Leone e de Flash estacionados em frente. Flash
deveria ter acabado de chegar porque assim que ela parou o
carro e desceu, ele veio ao seu encontro.
- Por que Leone ainda não estava sabendo que seria eu a
levá-la ao altar? - Flash a censurou antes mesmo de cum-
primentá-la.
- Eu queria fazer uma surpresa, mas mudei de idéia - Misty
declarou com uma seriedade que alarmou o irmão adotivo. -
Acho que chamei-o aqui à toa para combinarmos sobre a
cerimônia porque estou pensando em desistir do casamento.
- Você está com medo do futuro. Que eu saiba, quase todos
os noivos se sentem assim às vésperas. Afinal de contas,
você é louca por ele.
- Fale com franqueza. Você se casaria com uma mulher com
quem dormiu apenas uma noite se ela ficasse grávida?
- Eu? De jeito nenhum!
- Então por que Leone precisa casar comigo?
Flash não respondeu. Misty respirou fundo e entrou na casa.
Precisava ser forte e fazer o que deveria ser feito, mesmo que
seu coração não aprovasse essa idéia.
Ouviu as vozes de Birdie e de Nancy conversando na co-
zinha. Leone estava na sala. Ele se levantou ao vê-Ia e sorriu.
Ela sentiu um baque. Suas pernas tremeram, mas ela se
manteve firme e não correspondeu ao abraço.
- Dio mio! Pensei que a semana nunca fosse acabar - Leone
murmurou. - Não agüentaria ficar longe de você nem um
minuto mais.
- Vamos até o jardim? - Misty sugeriu. - Não quero que nos
interrompam.
- Nem eu, amore.
Misty seguiu-o através da porta-balcão com a respiração
suspensa. Ela estava com medo de não ser forte o suficiente
para desistir do homem que amava, por mais que sua cons-
ciência lhe dissesse que aquela seria a única atitude digna
que poderia tomar.
- Eu desisti - Misty revelou abruptamente. Leone parou.e
virou-se, aturdido.
- O que disse?
- Sinto muito, mas não seria certo para nenhum de nós.

Capítulo 11

Leone não respondeu. Ficou olhando para ela por um longo


tempo, como se não estivesse conseguindo entender o que
estava acontecendo.
- Vamos entrar antes que alguém sinta nossa falta - Misty
propôs, preocupada com Birdie. Se sua mãe adotiva se
reunisse a eles para fazer qualquer tipo de comentário sobre
a cerimônia, ela receava não conseguir continuar ostentando
aquela falsa postura de firmeza e segurança. - Sei que você
não esperava...
- Sabe? Está caçoando de mim? - Leone esbravejou. - Estou
apenas tentando fazer o que é certo...
- Accidenti! Não me trate como se eu ainda fosse uma
criança.
- Você só está casando comigo porque estou grávida. Logo
estará me odiando por isso - Misty explicou com um nó na
garganta.
Mas Leone continuava a fitá-la como se não a tivesse es-
cutado.
- Por causa de Flash, não é? No último momento você
descobriu que sempre o amou.
Foi a vez de Misty parar, em estado de choque. - Flash não
tem nada a ver com isso!
- Você precisa esquecê-lo - Leone ordenou. - Se ele estivesse
apaixonado por você jamais permitiria que se casasse com
outro homem. Não vejo motivo para cancelarmos nosso
casamento. Acho que devemos esperar até que você reflita
melhor.
Misty suspirou, frustrada.
- Leone, eu não estou e nunca estive apaixonada por Flash.
Ele quis me namorar uma época, mas passou. Ele é como
meu irmão.
Fez-se um longo silêncio.
- Então por quê? - Leone perguntou tão baixo que Misty mal
conseguiu ouvi-lo. - Por que mudou de idéia sobre casar
comigo?
- Porque você não tem culpa por eu ter engravidado. Porque
em breve você estará se questionando sobre sua liberdade
perdida por causa apenas de um sentido de dever. - Não! -
Leone a contradisse. - Não se trata disso.
- De que se trata então?
Leone passou uma das mãos pelos cabelos.
- Eu iria querer me casar com você de qualquer jeito. Porque
adorei saber que você está esperando um filho meu. Porque
se não fosse pela gravidez você não teria me dado outra
chance depois do mal que lhe causei com aquele estúpido
plano de vingança, apesar de estar apaixonado por você.
O coração de Misty estava batendo tão rápido que ela sentiu
dificuldade para respirar.
- Você está apaixonado por mim?
- Estava ansioso para que você chegasse para poder lhe
dizer. Achei que não seria romântico me declarar por tele-
fone durante a semana que passou e que eu precisei ficar
longe. Teria me declarado na noite em que a pedi em casa-
mento, mas estava louco de ciúme de Flash.
Leone deu um passo para se aproximar mais de Misty. Nesse
instante, ela teve certeza de que podia acreditar na
declaração. O homem sempre frio e controlado não havia
enxergado o enorme cortador de grama que estava entre eles
dois e por pouco não foi para o chão.
De repente, Misty sentiu uma vontade incontrolável de rir.
Amou-o ainda mais por aquele movimento desajeitado. -
Está bem. Você me convenceu.
- Não pode imaginar como foi bom saber que você estava
esperando um bebê. Eu estava com receio de que você nunca
pudesse me perdoar. A criança foi um milagre para mim
também. Sabe por que eu estava desprevenido aquela noite?
Misty fez que não. Estava tão feliz que poderia voar. -
Porque deixei a caixa de preservativos deliberadamente em
Londres para não cair em tentação e levá-la para a primeira
cama que encontrasse pela frente - Leone admitiu. - Acredito
em você - Misty murmurou, envaidecida. Nunca havia se
sentido uma femme fatale antes. A declaração foi positiva
para sua auto-estima. Assim, o pensamento de que Leone a
procurara aquela noite simplesmente porque ela estava
disponível jamais voltaria a lhe ocorrer.
- Juro que nunca se arrependerá de ter casado comigo, se
disser sim amanhã, amore. E se não quiser dormir na mesma
cama comigo, eu entenderei.
Misty estava tão fascinada pelas palavras de Leone que ainda
não havia se lembrado de que também precisaria confessar
seu amor a ele.
- Entendo que você precise de tempo até sentir que pode
voltar a confiar em mim...
- Nós fizemos amor na semana passada.
- Você estava precisando de carinho, de consolo. Teve um
dia terrível...
- Foi o que pensou? - Misty o interrompeu, sentindo-se
magoada por ele.
- Fiquei grato por você ter vindo a mim. Estou disposto a
aceitar qualquer condição para tê-la a meu lado. Ainda não
se deu conta disso?
Misty ficou perplexa com essa declaração. No mesmo ins-
tante foi até ele e abraçou-o.
- As condições são estas: nós iremos nos casar amanhã,
portanto, você pode esquecer desde já essa história de li-
berdade.
Leone respirou fundo.
-Amore mio. Quando me disse há pouco que queria cancelar
nosso casamento, tive a sensação de que o teto havia caído
sobre minha cabeça.
- Agora estou arrependida do que disse - Misty admitiu -,
mas as palavras de Oliver ficaram ecoando em meus
ouvidos. Não achei justo que você se casasse comigo por um
sentido de culpa. Foi o que minha mãe fez com ele que me
alertou. Ninguém pode casar só por atração física.
Leone beijou-a longa e apaixonadamente antes de levá-la
para seu carro e tornar a abraçá-la.
- Há muito mais entre nós - ele murmurou.
- O que, por exemplo? - Misty perguntou, provocante. - Não
posso mais viver sem você.
A sensação de paz e felicidade era tão grande que estava se
apoderando de todos os sentidos de Misty.
-Aonde está me levando? -perguntou, sorridente, quando
Leone ligou o carro.
- Não sei. Só não quero me arriscar a deixá-la sem ter o que
fazer, caso resolva mudar de idéia outra vez sobre nosso
casamento.
- Não mudarei. Prometo!
Enquanto Leone dirigia, Misty reconheceu aquele mesmo
perfil sério e reservado. De repente ela sorriu e ele sorriu
também. Todos os sinais do amor de Leone estavam ali.
Apenas ela não tivera a necessária confiança para percebê-
los.
- Acho que me apaixonei por você muito antes da assinatura
daquele contrato absurdo - Leone admitiu. - Comecei a ir a
Brewsters todas as semanas só para poder olhar para você.
- Ah, então não foi minha imaginação!
- Queria enganar a mim mesmo sobre você ser negociante e
calculista. Precisava acreditar nisso para poder levantar uma
barreira entre nós. Mas quando começamos a conviver e
trocamos aquele primeiro beijo... Nenhum beijo foi tão es-
pecial para mim! Desde aquele momento não consegui mais
me afastar de você.
- Acho que eu morreria se você tivesse conseguido - Misty
concordou. - Mas ao mesmo tempo que me entreguei a essa
atração mútua, detestei você.
- Fui um canalha. Não a culpo por isso. Quando dei por mim,
tentei consertar meu erro junto à imprensa para protegê-la,
mas não foi mais possível. Eu arruinei tudo entre
nós dois com minhas próprias mãos. Precisava lhe dizer a
verdade, mas tinha medo de perdê-la.
- Foi por isso que quis que eu me mudasse para sua casa?
Leone fez que sim.
-Achei que você me chamaria de maluco se eu a pedisse em
casamento por causa de um único fim de semana. Dio, você
não notou meu desespero?
- Não. Eu estava chocada demais com tudo que aconteceu.
Mas acho que teria sido diferente se você tivesse falado em
amor.
- Fiquei arrasado quando senti seu desprezo. Achei que não
me ouviria se eu tentasse falar de amor depois do mal que
lhe causei.
- Você estava enganado - Misty afirmou. - Uma mulher
apaixonada sempre leva em consideração uma declaração de
amor, sejam quais forem as circunstâncias.
Os olhares se cruzaram naquele momento.
- Está me dizendo que está apaixonada por mim? - Leone
perguntou com a voz embargada de emoção.
- Estou. Eu. só quis desistir do casamento porque me senti
culpada por você se casar comigo sem me amar.
- Você me ama e estava disposta a renunciar a mim? - Leone
indagou, incrédulo. E antes que Misty pudesse responder, ele
a abraçou e beijou como se ainda temesse perdê-la. - Eu te
amo demais.
Leone voltou a si ao ouvir um carro passar e buzinar.
Relutante, deixou que Misty voltasse para o banco do pas-
sageiro e tirou do bolso um pequeno estojo com o logotipo
de uma joalheria famosa.
- Também fui a sua casa esta noite para lhe dar isto. - É
maravilhoso!
Leone tirou o anel de brilhantes e safiras e colocou-o no
dedo de Misty. Em seguida, apanhou uma chave antiga de
ferro e colocou-a no colo de Misty. - Este é seu presente de
casamento. Comprei o castelo Eyrie para você.
Misty piscou, estarrecida. - Você comprou o castelo?
- Por que não?
- Mas você o detestou! Disse que estava caindo aos pedaços
e que seria preciso uma fortuna para reformá-lo!
- Sim, mas valerá a pena. Trata-se de um magnífico
investimento. Você o adorou e ele adquiriu um significado
especial depois que estivemos lá. Acho que você também
gostará de saber que grande parte da mobília virá junto com
o castelo e que Murdoch continuará em sua função.
Misty se atirou nos braços do noivo e disse que ele era o
homem mais romântico do mundo.
- Só não espere que eu passe a gostar de pescarias - ele a
preveniu.
Às onze horas da manhã seguinte, Misty entrou na igreja
pelo braço de seu irmão adotivo. Um murmúrio de aprecia-
ção se fez ouvir. Ela estava linda com um vestido cor de
pérola. O corpete era justo e decotado. A saia era longa e
ampla. Parecia o vestido de uma princesa. Os brilhantes do
colar e dos brincos, os mesmos usados na avant première,
cintilavam às luzes.
Misty não tinha olhos para ninguém a não ser para seu noivo,
lindo e charmoso com seu terno escuro de corte perfeito,
embora fossem seus olhos apaixonados que ela mais
contemplasse.
Após a cerimônia simples, mas emocionante, eles cami-
nharam de mãos dadas pela nave e Misty localizou o pai
sentado no último banco.
- Ainda não te agradeci por ter encorajado meu pai a me
procurar.
- Acho que ele não precisava de nenhum estímulo - Leone
lhe segredou.
Antes que Misty entrasse na limusine para irem ao hotel
onde aconteceria a recepção, Flash a deteve.
- Quem é sua dama de honra? - Ele se referiu a Clarice, a
amiga e ex-funcionária que estava obviamente atraída pelo
padrinho de Leone, um italiano muito gentil e atraente.
- Sinto muito, meu caro. Ela tem preferência por música
country e por homens acima dos trinta.

Leone apertou a mão de Misty, na limusine, e sorriu.


- Até ontem à noite eu sentia tanto ciúme de Flash que
poderia matá-lo!
- Eu sei e fico contente que isso tenha passado. Como Birdie,
eu o considero minha família.
- Você está deslumbrante, amore. Espere até ver a surpresa
que a espera.
- Que tipo de surpresa?
- Não tenho permissão para contar, lamento. Misty estreitou
os olhos.
- Quer me matar de curiosidade no dia de meu casamento?
- Trate de ficar firme - ele brincou. - Quero que este seja o
dia mais feliz de sua vida.
Misty recebeu os cumprimentos de cerca de quinhentas
pessoas. Havia muito mais gente na recepção do que na igre-
ja onde estiveram apenas os amigos mais íntimos.
As distrações foram tantas que Misty não se lembrou mais da
surpresa prometida por Leone. Uma mulher loira, contudo,
que não parava de olhar para ela, chamou-lhe a atenção a
ponto de ela resolver indagar a seu respeito.
- Ela se chama Margareth e é casada com Jaspar al-Husayn,
aquele homem moreno a seu lado, príncipe real de Quamar.
- Céus! A realeza em nosso casamento? Eles são seus
amigos?
- Eu os conheci apenas recentemente - Leone respondeu. -
Mais tarde falaremos com eles.
O baile teve início e Misty não teve tempo para pensar em
mais nada. Quando chegou a hora de trocar de roupa para
seguirem para Sicília em viagem de lua-de-mel, Misty
procurou Clarice para ajudá-la. Como não encontrou a ami-
ga, subiu sozinha para a suíte que lhe reservaram.
Ela havia acabado de colocar um vestido azul e de pentear os
cabelos que usara soltos durante a cerimônia e a festa,
quando alguém bateu à porta.
Foi uma surpresa inesperada encontrar a princesa a sua
frente.
- Posso falar com você? - a mulher perguntou, constrangida.
Perplexa, Misty fez sinal para que ela entrasse.
- Sou a surpresa que seu marido anunciou - ela explicou após
uma breve hesitação. - Ele não queria perturbá-la no dia de
hoje, mas quando me contou sobre sua luta infrutífera para
me localizar, eu pedi para ser convidada para o casamento. -
A princesa se deteve, com a voz embargada. - Eu não sabia
nada a seu respeito. Fiquei exultante quando soube que você
tentou me localizar quatro anos atrás, porque eu também
estive tentando te conhecer todos esses anos.
Incapaz de falar, Misty sentiu uma forte emoção começar a
crescer em seu peito.
- Nós tivemos a mesma mãe - Margareth continuou -, mas
não somos gêmeas. Sou sua meio-irmã. Jaspar e Leone
queriam que eu esperasse até que você voltasse da lua-de-
mel, mas eu não pude esperar. Acho que nós duas já espe-
ramos demais.
- Você é minha irmã... - Misty não conseguia fazer outra
coisa senão olhar para Margareth como ela a observara
durante a festa. - Deus, que surpresa maravilhosa! O que
Leone tinha na cabeça quando pediu que você esperasse até a
volta de nossa lua-de-mel?
A partir daquele instante, ninguém poderia dizer quem falou
mais e mais rápido.
- Faz apenas quarenta e oito horas que meu marido e eu a
localizamos e Jaspar receou que seu casamento não fosse
uma boa hora para esta revelação. Foi por isso que ele
decidiu procurar Leone antes e o fez prometer segredo, por-
que eu queria ser a primeira a lhe dizer quem sou.
Misty entendia agora o porquê de Leone não ter lhe dado
nenhuma pista.
- Minha irmã, uma princesa! - Misty exclamou. - Mas você
parece tão normal!
As duas riram e se abraçaram. Ambas estavam chorando de
alegria quando os maridos se reuniram a elas. Misty notou o
suspiro de alívio que Jaspar deu quando as viu juntas
e felizes. Nesse instante, ela perdeu a noção de que eles eram
nobres e os tratou realmente como familiares e amigos.
Jaspar e Margareth os acompanharam ao aeroporto. Após
tanto tempo, as duas irmãs estavam sentindo dificuldade em
se despedirem.
Era tarde da noite quando chegaram à vila que Leone possuía
na cidade de Enna, no alto de uma montanha. Era uma
construção belíssima, cercada por oliveiras e laranjeiras.
Altos portões de ferro a protegiam do exterior.
- Este lugar é idílico - Misty elogiou, emocionada por estar
conhecendo a casa onde seu marido nascera.
Uma hora depois, eles estavam deitados um nos braços do
outro à brisa suave que entrava pela janela do quarto. - Foi o
melhor dia de minha vida - Misty murmurou. - Ele ainda não
acabou, bella mia. Ficará ainda melhor. - Leone acariciou os
cabelos de fogo que tanto adorava e que estavam espalhados
pelos travesseiros. - Sempre a imaginava assim, aqui, em
minha cama.
Misty sorriu e segurou-o possessivamente pelo queixo. -
Gostaria de lhe fazer uma pequena pergunta. Você realmente
quitou a hipoteca de Birdie por razões altruístas? O sorriso
de Leone foi uma revelação.
- Digamos que foi meio a meio. Eu não suportava a idéia de
você me pagar, mas se contasse a verdade significaria dizer
adeus a minhas esperanças de reconquistá-la. Como se não
bastasse, vi Flash esperando por você no estacionamento.
Aquele foi o pior dia de minha vida. Ouvir sobre o bebê, em
seguida, foi o equivalente a me atirarem uma tábua de
salvação quando eu estava me afogando. Amo você, signora
Andracchi.
Misty tomou a iniciativa de beijá-lo. Terminado o beijo, ele
voltou a dizer quanto a amava, mas foi novamente calado
por outro beijo.
Onze meses depois, no castelo Eyrie, Misty estava no quarto
do bebê, vigiando seu sono. Connor era parecido com o pai
quando dormia por causa dos cabelos pretos e cacheados.
Mas os olhos eram azuis como os dela.
Aos três meses, Connor era a alegria dos país. Aliás, segun-
do Flash, o padrinho, eles estavam ficando corujas demais.
Aquele havia sido um ano atribulado para todos. Jaspar e
Margareth vieram visitá-los várias vezes durante o período
da gravidez de Misty, e eles também estiveram no reino
desértico de Quamar durante as férias de Leone.
Era uma bênção que os cunhados se dessem bem porque
Misty e Margareth não ficavam muito tempo longe uma da
outra quando tinham chance de estarem juntas.
Faltava apenas um acontecimento para Misty se sentir
totalmente feliz: encontrar sua irmã gêmea. Quanto mais o
tempo passava, mais improvável parecia localizá-la.
Os arquivos do hospital onde Shannon nascera ainda exis-
tíam, mas faltava o documento da agência de adoção. Leone
considerava suspeito esse fato, uma vez que Misty havia
conseguido contactá-la no passado. Na opinião dele, a carta
que entregaram a Misty, como se tivesse sido escrita pela
irmã dizendo que não tinha interesse em conhecê-la, era
falsa.
Misty deu um beijo no filho e seguiu para seu quarto. Todas
as dependências do castelo eram agora aconchegantes. Um
sistema de calefação havia sido instalado sob o piso. Roupas
novas de cama, banho e mesa haviam sido compradas e tudo
brilhava e cheirava a limpeza. O velho Murdoch, forte e
esperto aos setenta e cinco anos, se recusava a se aposentar.
Gostava de mimá-los todas as noites com um cálice de licor
antes de se deitarem.
Sempre que conseguia uma folga, Leone levava a família
para o castelo que também passara a adorar. No mês anterior,
Jenny e Oliver Sargent estiveram com eles durante um final
de semana. Ele e a esposa haviam se reconciliado e o velho
homem estava tentando se reconciliar consigo próprio e com
a sociedade se dedicando agora a um trabalho voluntário
para uma instituição de caridade. Seu pai havia mudado
muito, Misty pensou, e estava se portando como um ótimo
avô para Connor. Birdie também os visitava assiduamente,
mas se negava a ir morar com eles porque nada podia afastá-
la de sua amada Fossetts House.
Misty sentia-se uma bem-aventurada. A vida havia come-
çado mal para ela, mas a compensara mais do que poderia
imaginar ser possível. Amava seu filho e seu marido e no
mês seguinte eles iriam comemorar o primeiro aniversário de
casamento em Sicília.
Leone estava tirando a camisa para vestir o pijama. - Connor
estava dormindo como lhe falei, não?
Misty fez que sim. Ela sabia que o marido já havia veri-
ficado, mas não conseguia se recolher antes de dar um úl-
timo beijinho de boa-noite em seu bebê. Ele era um presente
de Deus para ela. E também Leone. Cada dia o amava mais.
E continuava desejando-o como no primeiro dia. Como ele,
que não perdia nem sequer uma oportunidade para estreitá-la
nos braços.
Estavam rindo, aliás, porque Leone a provocava, quando o
telefone tocou.
- Não, a senhora não nos acordou - ela ouviu Leone dizendo
e arregalando os olhos, tomado de surpresa.
- O que foi? Quem é? - Misty perguntou, ansiosa.
- Birdie - ele respondeu. - Ela disse que sua irmã perdida está
em Fossetts House perguntando por você...
Misty pegou o telefone, mas não conseguiu falar...

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