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[Alex Mendes] – [Atualidades]

[Crise na Líbia]
Os atos de violência na Líbia deixaram 300 mortos, incluindo 58 militares,
segundo os primeiros dados oficiais apresentados pelo regime de Muammar
Kadafi desde o início dos protestos, há uma semana.

Cerca de metade das mortes ocorreram na segunda maior cidade do país,


Benghazi, situada mil km a leste de Trípoli e foco da insurreição.

Estes são os primeiros dados oficiais relativos às vítimas da rebelião popular


iniciada há uma semana.

Horas antes deste anúncio, o coronel Kadhafi jurou em um discurso transmitido


pela televisão restabelecer a ordem brandindo a ameaça de uma repressão
sangrenta, garantindo que o regime ainda não "utilizou a força".

Mundo árabe em convulsão

A onda de protestos que desbancou em poucas semanas os longevos governos


da Tunísia e do Egito segue se irradiando por diversos Estados do mundo
árabe. Depois da queda do tunisiano Ben Ali e do egípcio Hosni Mubarak, os
protestos mantêm-se quase que diariamente e começam a delinear um
momento histórico para a região. Há elementos comuns em todos os conflitos:
em maior ou menor medida, a insatisfação com a situação político-econômica e
o clamor por liberdade e democracia; no entanto, a onda contestatória vai, aos
poucos, ganhando contornos próprios em cada país e ressaltando suas
diferenças políticas, culturais e sociais.

No norte da África, a Argélia vive - desde o começo do ano - protestos contra o


presidente Abdelaziz Bouteflika, que ocupa o cargo desde que venceu as
eleições, pela primeira vez, em 1999; mais recentemente, a população do
Marrocos também aderiu aos protestos, questionando o reinado de Mohammed
VI. A onda também chegou à península arábica: na Jordânia, foi rápida a
erupção de protestos contra o rei Abdullah, no posto desde 1999; já ao sul da
península, massas têm saído às ruas para pedir mudanças no Iêmen, presidido
por Ali Abdullah Saleh desde 1978, bem como em Omã, no qual o sultão Al
Said reina desde 1970.

Além destes, os protestos vêm sendo particularmente intensos em dois países.


Na Líbia, país fortemente controlado pelo revolucionário líder Muamar Kadafi, a
população entra em sangrento confronto com as forças de segurança; em meio
à onda de violência, um filho de Kadafi foi à TV estatal do país para tirar a
legitimidade dos protestos, acusando um "complô" para dividir o país e suas
riquezas. Na península arábica, o pequeno reino do Bahrein - estratégico aliado

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dos Estados Unidos - vem sendo contestado pela população, que quer
mudanças no governo do rei Hamad Bin Isa Al Khalifa, no poder desde 1999.

Além destes países árabes, um foco latente de tensão é a república islâmica do


Irã. O país persa (não árabe, embora falante desta língua) é o protagonista
contemporâneo da tensão entre Islã/Ocidente e também tem registrado
protestos populares que contestam a presidência de Mahmoud Ahmadinejad,
no cargo desde 2005. Enquanto isso, a Tunísia e o Egito vivem os lento e
trabalhoso processo pós-revolucionário, no qual novos governos vão sendo
formados para tentar dar resposta aos anseios da população.

Análise: Revolta no mundo árabe é início de processo longo e incerto

Roger Hardy

Analista de Oriente Médio do Woodrow Wilson Center

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A ordem árabe está se desintegrando. Mas se ela entrará em colapso ou se de
alguma forma se reinventará é cedo para prever.

Os líderes árabes, do norte da África ao Golfo, em países ricos e pobres, estão


no mesmo barco.

Sem exceção, eles presidem autocracias corruptas com pouca ou nenhuma


legitimidade aos olhos de seus povos.

Todos eles, agora, assistem aos "dias de revolta" no Egito com crescente
apreensão. No destino do debilitado líder egípcio, Hosni Mubarak, 82 anos, eles
enxergam seus próprios destinos.

Comentaristas ocidentais estão certos em dizer que os protestos são sobre


"eles", e não sobre "nós".

Cumplicidade

A raiva dos manifestantes é, em sua maioria, direcionada para dentro – para


uma ordem árabe falida – e não para fora, para Israel, os Estados Unidos ou o
Ocidente.

Em sua maioria, mas não inteiramente. O Ocidente é cúmplice da autocracia


árabe.

Por décadas, líderes americanos e europeus escolheram a estabilidade em


detrimento da democracia. Agora eles estão pagando o preço.

O presidente George W. Bush tentou, brevemente, impor uma "agenda de


liberdade" no Oriente Médio, mas ela falhou, e velhos autocratas puderam uma
vez mais respirar livremente.

Agora, líderes ocidentais, incluindo Barack Obama, se tornaram meros


espectadores enquanto os acontecimentos se sucedem com velocidade rumo a
um desfecho que ninguém pode prever.

Modelos

Outros também são espectadores, mesmo que finjam o contrário. O Irã está
agindo como se as massas árabes estivessem seguindo, com atraso, o
exemplo da revolução Khomeini.

De fato, se os jovens manifestantes têm um modelo – e alguns negam tê-lo –, é


a democrática Turquia, e não o teocrático Irã.

Outro espectador é a Al-Qaeda, cuja pretensão de se tornar a voz dos árabes e


do descontentamento muçulmano foi alvejada.

A quem o futuro pertence?

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Analistas fariam bem em exercitar um pouco a humildade.

Meu palpite, tenha ou não algum valor, é que isso não é o início de uma
primavera árabe, mas algo mais confuso e longo.

A velha ordem ainda tem muito a lutar.

A batalha para o futuro árabe está começando. Já que as apostas são altas, a
luta será feroz.

Roger Hardy é especialista em políticas públicas do Woodrow Wilson Center,


em Washington DC.

Org. Prof. Alex mendes

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