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Pró-Reitoria Acadêmica
NN Escola de Saúde e Medicina
Lato Sensu em Oncologia Multiprofissional
Trabalho de Conclusão de Curso

ASSISTÊNCIA NUTRICIONAL DURANTE O TRATAMENTO DE


CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO: UM RELATO DE CASO

Autor: Mariana Soares Obeid


Orientador: MSc. Flávio Teixeira Vieira

Brasília - DF
2019
MARIANA SOARES OBEID

ASSISTÊNCIA NUTRICIONAL DURANTE O TRATAMENTO DE CÂNCER DE


CABEÇA E PESCOÇO: UM RELATO DE CASO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como


requisito para obtenção do grau Lato Sensu em
Oncologia Multiprofissional

Orientador: MSc. Flávio Teixeira Vieira

Brasília - DF
2019
Trabalho de conclusão de autoria de Mariana Soares Obeid, intitulada
“ASSISTÊNCIA NUTRICIONAL DURANTE O TRATAMENTO DE CÂNCER DE
CABEÇA E PESCOÇO: UM RELATO DE CASO”, apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Especialista em Oncologia Multiprofissional da
Universidade Católica de Brasília em 07 de dezembro de 2019, defendida e aprovada
pela banca examinadora abaixo assinada:

_____________________________________________________________

Prof.o MSc. Flávio Teixeira Vieira


Orientador
Pós-graduação em Oncologia Multiprofissional – UCB

_____________________________________________________________

Prof.ª MSc. Daniella Melo Arnaud Sampaio Pedrosa


Membro interno
Pós-graduação em Oncologia Multiprofissional – UCB

_____________________________________________________________

Prof.a MSc. Fernanda Bassan Lopes da Silva


Membro externo
Nutricionista da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal

Brasília - DF
2019
RESUMO

Câncer é um conjunto de mais de cem doenças que têm em comum o crescimento


desordenado de células que podem invadir tecidos e órgãos. O câncer de cabeça e
pescoço pode desencadear diversos sinais e sintomas, dentre eles disfagia,
dificuldade em abrir a boca completamente e mexer a língua, perda de peso, hiporexia,
dor no ouvido e tosse com sangue. Esses pacientes são um dos grupos mais
vulneráveis em termos de má nutrição e no desenvolvimento de sintomas com impacto
nutricional antes, durante e após o tratamento. O objetivo desse trabalho foi relatar
descritivamente o caso de um paciente com câncer de cabeça e pescoço, avaliando
o impacto da assistência nutricional durante o tratamento e sua evolução clínica. Os
dados desse relato de caso foram coletados no Centro de Oncologia do Hospital Sírio
Libanês localizado em Brasília, Distrito Federal. O paciente foi diagnosticado com
câncer de orofaringe, em tratamento de quimioterapia e radioterapia. Durante o
tratamento, apresentou uma perda de peso grave, perda de massa muscular e tecido
adiposo, hiporexia e foi diagnosticado com desnutrição grave, sendo prescrito terapia
nutricional via oral com suplemento hiperproteico e hipercalórico. Contudo, o paciente
não apresentou boa aceitação, não sendo capaz de atingir as suas necessidades
nutricionais ao longo do tratamento. Devido ao tratamento imposto e pelo próprio
processo patológico natural, a desnutrição e a ingestão inadequada de nutrientes são
comuns nesses pacientes, sendo a terapia nutricional essencial na manutenção e/ou
recuperação do estado nutricional. A dietoterapia adequada é imprescindível durante
todo o tratamento, pois é capaz de minimizar os sintomas da quimioterapia e da
radioterapia, aumentar a efetividade do tratamento, proporcionar melhor qualidade de
vida e prognostico clínico.

Palavras-chaves: Câncer. Nutrição. Câncer cabeça e pescoço. Orofaringe.


Dietoterapia.
ABSTRACT

Cancer is a group of over one hundred diseases that have in common the disordered
growth of cells that can invade tissues or organs. Head and neck cancer can cause
many signs and symptoms, including dysphagia, difficulty opening your mouth
completely and moving your tongue, weight loss, hyporexia, ear pain, and coughing
up blood. These patients are one of the most vulnerable group in terms of malnutrition
and the development of symptoms with nutritional impact before, during and after
treatment. The aim of this study was to report descriptively the case of a patient with
head and neck cancer, evaluating the impact of nutritional assistance during treatment
and his clinical evolution. Data were collected at the Oncology Center of Hospital Sírio
Libanês located in Brasília, Federal District. The patient was diagnosed with
oropharyngeal cancer and under chemotherapy and radiotherapy treatment. During
treatment, he had severe weight loss, muscle and fat loss, hyporexia and was
diagnosed with severe malnutrition. Oral nutritional therapy with hyperproteic and
hypercaloric supplementation was prescribed. However, the patient didn’t present
good acceptance and was not able to achieve their nutritional needs throughout
treatment. Due to the treatment imposed and the natural pathological process,
malnutrition and inadequate nutrient intake are common in these patients, and nutrition
is essential in maintaining and / or recovering nutritional status. Diet therapy is
essential throughout the treatment, as it is able to minimize the symptoms of
chemotherapy and radiotherapy, increase the effectiveness of treatment, provide
better quality of life and clinical prognosis.

Keywords: Cancer. Nutrition. Head and neck cancer. Oropharynx. Diet


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 07

2 METODOLOGIA .............................................................................................. 09

3 RELATO DE CASO ......................................................................................... 10

4 DISCUSSÃO .................................................................................................... 13

5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 16

REFERÊNCIAS ....................................................................................................17
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1. Introdução

Câncer, também chamado de neoplasia, é um conjunto de mais de cem


doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células que podem
invadir tecidos e órgãos. Devido a sua alta replicação, essas células são muito
agressivas e incontroláveis, podendo formar tumores que podem se espalhar para
outras partes do corpo (INCA, 2019).

O termo câncer de cabeça e pescoço abrange um conjunto de tumores que se


manifestam na cavidade oral, faringe (nasofaringe, orofaringe e hipofaringe), laringe,
seios paranasais, cavidade nasal e glândulas salivares (NATIONAL CANCER
INSTITUTE, 2017). Segundo o INCA (2018) são estimados 14.700 novos casos de
câncer de boca, sendo 11.200 em homens e 3.500 em mulheres. Em relação ao
câncer de laringe, o INCA estima que serão 7.670 novos casos, sendo 6.390 em
homens e 1.280 em mulheres.

O câncer de cabeça e pescoço pode desencadear diversos sinais e sintomas,


dentre eles dor de garganta que não desaparece, disfagia, dificuldade em abrir a boca
completamente e mexer a língua, perda de peso, dor no ouvido e tosse com sangue
(NCBI, 2019). Segundo o ONCOGUIA (2017) os sintomas de câncer de boca e
orofaringe podem incluir também, ferida na boca que não cicatriza, dificuldade de
mastigar ou engolir (odinofagia), dormência na língua ou na boca, enfraquecimento
dos dentes, entre outros.

A perda de apetite é comum em pacientes com câncer e pode ocorrer devido a


alterações no sistema nervoso central e nos hormônios periféricos que controlam o
apetite (OZÓRIO et al, 2019). Existe ainda uma relação entre a falta de apetite e a
radioterapia, sendo a quantidade de radiação diretamente relacionada com a perda
de apetite nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Com frequências mais
baixas de radiação (20GY), há menor sensibilidade ao paladar; já com frequências
maiores (50GY), a falta de apetite foi associada a mucosite oral, xerostomia, redução
da sensibilidade gustativa (OGAMA et al, 2010). Além disso, pacientes que recebem
o tratamento de quimioterapia e radioterapia concomitantemente, possuem mais risco
de perder peso involuntariamente e desenvolver desnutrição durante o tratamento
(VANGELOV et al, 2017).
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Em decorrência dessas alterações, os pacientes com câncer de cabeça e


pescoço são um dos grupos mais vulneráveis em termos de má nutrição e no
desenvolvimento de sintomas com impacto nutricional antes, durante e após o
tratamento (PINHO et al, 2018). A desnutrição é comum, com prevalência superior a
70%, comumente associada a uma perda de peso grave, comprometimento da função
imunológica, diminuição da massa muscular e capacidade funcional, interrupção do
tratamento e diminuição da qualidade de vida. Assim, a manutenção do estado
nutricional ideal é essencial para um melhor prognóstico e aumentar a sobrevida dos
pacientes oncológicos (SANDMAEL et al, 2019).

As intervenções nutricionais nos pacientes com esse tipo de câncer, têm como
objetivo manter ou melhorar a ingestão alimentar e o estado nutricional, incluindo a
manutenção da massa muscular. Preferencialmente, as intervenções nutricionais
devem ser iniciadas antes que a desnutrição se manifeste, pois é difícil reverter um
quadro de desnutrição em pacientes com distúrbios metabólicos ou com caquexia
(ARENDS et al, 2017).

A melhor maneira de manter ou aumentar a ingestão de energia e de proteína


é com alimentos in natura via oral. Contudo, para pacientes com câncer de cabeça e
pescoço e desnutrição, essa ingestão pode ser difícil. Logo, pode ser necessário o
uso de suplementos orais para fornecer o aporte adequado de nutrientes. Além disso,
alterações na consistência da dieta podem ser necessárias, como utilização da
consistência pastosa e/ou líquida, sendo uma estratégia viável para melhorar a
ingestão oral (ARENDS et al, 2017).

Dito isso, o objetivo desse trabalho foi relatar descritivamente o caso de um


paciente com câncer cabeça e pescoço, avaliando a assistência nutricional durante o
tratamento e sua evolução clínica.
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2. Metodologia

Estudo descritivo do tipo relato de caso. Os dados foram coletados no Centro


de Oncologia do Hospital Sírio Libanês localizado em Brasília, Distrito Federal. As
informações coletadas foram via prontuário eletrônico, por meio de um software
desenvolvido exclusivamente para uso dos profissionais do hospital, sendo acessadas
as evoluções da equipe de nutrição e médica.

Foram realizadas ao total 3 visitas físicas ao hospital para a coleta dos dados
entre os dias 4 e 6 de novembro de 2019.
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3. Relato de caso

W.R.G, sexo masculino, 53 anos, com índice de massa corporal (IMC) de


24,21kg/m2, não tabagista, não etilista, natural de Niquelândia, Goiás com histórico de
lesão em palato mole identificada em 2017. Procurou o dentista e foi submetido à
biópsia, sendo diagnosticado com carcinoma in situ, contudo optou-se por apenas
permanecer em observação. Em junho de 2019, foi submetido a uma ressonância
magnética de pescoço, sendo observada lesão na região da tonsila palatina direita e
parede lateral da linfonodomegalia. Em julho do mesmo ano foi realizada a Tomografia
por Emissão de Posltrons (PET) e a Tomografia Computadorizada (TC) com
fluordesoxiglicose (FDG) e diagnosticado como lesão hipermetabólica na parede
lateral direita da orofaringe, contínua ao paladar amigdaliano, assim como linfonodos
hipermetabólicos nos níveis cervicais IIa e IIb à direita, sendo compatíveis com
proliferação neoplásica em atividade. Em agosto foi submetido à biópsia da tonsila
palatina e diagnosticado com câncer de orofaringe (carcinoma de células escamosas),
pilar amigdaliano bilateral, gene supressor de tumor P16 positivo e estadiamento
como: CT2 (tumor primário), CN2B (linfonodos), M0 (metástase).

Em tratamento com radioterapia e medicamento antineoplásico endovenoso


com cisplatina 40mg/m2 semanal. Paciente não se encontrava internado e comparecia
a unidade apenas quando prescrito pela equipe médica para o tratamento.

No começo do tratamento, manifestou má tolerância à quimioterapia,


apresentando desidratação, disgeusia e astenia. No décimo quinto dia do primeiro
ciclo teve febre não neutropênica.

O paciente foi avaliado pela equipe de Nutrição pela primeira vez no dia 20 de
setembro de 2019. Estava no primeiro dia do primeiro ciclo (C1D1) e na quarta
radioterapia de 30 sessões previstas (4/30). Apresentava peso usual e atual de
73,3kg, altura de 1,74m e IMC de 24,21 kg/m2. Foi classificado em relação ao estado
nutricional segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1997) como eutrofia,
diagnóstico antropométrico baseado apenas no IMC. Não apresentava perda de peso
nos últimos 6 meses, com alimentação via oral de consistência normal e apetite
preservado, relatando consumir 100% do habitual. Relatou funcionamento do intestino
regular, baixa ingestão hídrica, mantendo as atividades diárias normais, capacidade
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funcional preservada, relatou prática de atividade física regular (musculação e


pedalava). Fazia uso de suplemento hiperproteico, creatina e palatinose, mas havia
suspendido há 1 mês. Apresentava tecido muscular e tecido adiposo preservados,
sem presença de edemas e relatando bom funcionamento do intestino. Paciente foi
classificado segundo a Avaliação Subjetiva Global gerada pelo Próprio Paciente
(ASG-PPP) como “A” (sem risco nutricional)

No dia 23 de setembro foi para o Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês


para tratamento de suporte (hidratação), pois começou a apresentar quadro de
náuseas e vômitos. Paciente solicitou a visita da nutrição e relatou que houve
diminuição da ingestão alimentar devido aos sintomas. A nutricionista responsável
realizou educação alimentar e nutricional sobre náuseas e vômitos, apresentando
alguns alimentos que ajudam a combater os sintomas apresentados, orientou a
consumir os alimentos de maior preferência, aumentar o fracionamento (comer mais
vezes durante o dia) e diminuir as quantidades (menor volume nas refeições).

No dia 15 de outubro, paciente apresentava peso de 67kg e IMC 22,12 kg/m2.


Apresentou perda de peso de 6,3 kg em 25 dias (8,5% - perda grave segundo
BLACKBURN, 1977) e estava na 26ª sessão de radioterapia. Relatou hiporexia após
a primeira semana de quimioterapia, assim como náuseas, êmese, disgeusia e
obstipação, o que comprometeu a ingestão alimentar (<25% do habitual). Porém, no
final do mês de setembro, seguiu com melhora parcial do apetite e da ingestão
alimentar, realizando 3 refeições por dia com melhor aceitação dos alimentos com
caldo ou na consistência de purê, macarrão e ovos. Foi classificado segundo a ASG-
PPP como “C” (desnutrição severa). Paciente não soube explicar quando tinha
iniciado, porém introduziu o uso de suplemento hiperproteico em pó (4 medidas/dia
com VET de 100kcal/dia e proteína 5g/dia). Foi orientado a misturar nos
alimentos/bebidas que conseguisse consumir e teve aceitação parcial.
Funcionamento intestinal obstipado de característica ressecada. Nutricionista da
unidade orientou aumentar dose para 6 a 8 medidas/dia (VET 200kcal e 10g de
proteína) e fracionar ao longo do dia para facilitar a aceitação. Orientou também sobre
dietas laxativas e sobre uso de iogurte proteico.

O paciente retorna à unidade no dia 22 de outubro com peso no momento de


65,65kg e IMC de 21,68kg/m2. Houve uma perda de 1,35kg em 12 dias (2%, perda
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significativa segundo BLACKBURN, 1977). Em relação ao peso usual, o paciente


perdeu 10% do peso em 1 mês. Apresentou continuidade da com dieta oral de
consistência normal e ingestão alimentar regular, inferior a 50% do habitual.
Apresentou sinais e sintomas de hiporexia, náuseas, disgeusia e obstipação. Continua
com o uso do suplemento (4 medidas/dia) e iogurte proteico diariamente (1 vez por
dia). Foi prescrito um suplemento oral liquido pronto para uso, hipercalórico, com
densidade calórica de 1,5kcal/ml (VET de 270kcal/dia) e com 3g de proteína/dia,
60ml/dia fracionado em 3x/dia, associado ao módulo de proteína hidrolisada 2
medidas/dia (48g/dia – 192kcal de proteína/dia) totalizando um VET de 482 kcal/dia e
51g de proteína/dia de suplementação. Classificado segundo a ASG-PPP como “C”
novamente, sem mais dados sobre a composição corporal e exame físico no
prontuário.

A última consulta registrada em prontuário com a equipe de nutrição foi no dia


29 de outubro. Paciente estava no 15º dia do primeiro ciclo (C1D15) e na 30º sessão
de radioterapia de 33 (30/33). Apresentou peso de 63,35kg e IMC de 20,92kg/m 2. A
porcentagem de perda de peso total (da primeira consulta até a última) foi de 13,2%,
o que é considerado uma perda grave. Manteve hiporexia e disgeusia, com
surgimento de mucosite e em tratamento de laserterapia. A ingestão alimentar foi
considerada ruim, com melhor aceitação na consistência pastosa e em uso de
suplementos hipercalórico oral liquido (60ml/dia 3x ao dia, VET de 270kcal), e
hiperproteico com proteína hidrolisada (2 medidas/dia, VET de 200kcal e 48g
proteína/dia e iogurte proteico (1 frasco diariamente). Relatou baixa aceitação do
suplemento líquido hipercalórico devido ao odor (usou puro) e o módulo proteico foi
usado uma vez na última semana. Classificado segundo a ASG-PPP como “C” e
Segundo a Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), o paciente é capaz de
realizar todos os auto-cuidados, mas incapaz de realizar qualquer atividade de
trabalho. Fica em pé aproximadamente 50% das horas em que está acordado,
classificado assim com grau 2.
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4. Discussão

A desnutrição do paciente oncológico adulto ocorre normalmente por


inadequada ingestão alimentar, aumento das necessidades e prejuízo na absorção de
nutrientes. Além da perda de peso crônica, há uma resposta imunoinflamatória que
aumenta o metabolismo, gerando um estado inflamatório catabólico, decorrente do
trauma agudo ou do próprio tumor (INCA, 2016). Além disso, a perda de massa
muscular e gordura em pacientes com câncer também acontece devido à resistência
à insulina, lipólise e proteólise (ARENDS et al, 2017).

A síndrome da resposta inflamatória sistêmica é frequentemente presente em


pacientes com câncer. Pode variar o grau, mas afeta vias metabólicas relevantes,
incluindo: metabolismo protéico (associada a alteração do turnover proteico, perda de
massa muscular e aumento da produção de proteína de fase aguda positiva);
metabolismo dos carboidratos (associada à resistência à insulina e tolerância
diminuída a glicose) e metabolismo dos lipídios (capacidade de oxidação lipídica é
mantida ou até mesmo aumentada e especialmente na presença da perda de peso)
(ARENDS et al, 2017).

A ingestão reduzida de alimentos é causada por anorexia primária (do sistema


nervoso central) e pode ser agravada por alterações secundárias como xerostomia,
pouca dentição, obstrução intestinal, má absorção, diarreia, náuseas, vômitos e
efeitos colaterais dos medicamentos (MARTIN, 2015).

Ao longo do tratamento, vários pacientes apresentam, além da perda de peso,


anorexia e carências específicas de nutrientes que agravam a sua condição clínica e
nutricional. Esses pacientes evoluem de forma aguda para um quadro de desnutrição
proteica calórica grave, principalmente em razão da presença de inflamação sistêmica
(WHITE et al, 2012)

A presença da síndrome anorexia-caquexia é uma complicação frequente nos


pacientes oncológicos. Essa síndrome causa alterações no metabolismo de
nutrientes, alterações hormonais (leptina, neuropeptideo Y –NPY, melanocortina,
grelina), aumento das citocinas inflamatórias (fator de necrose tumoral alfa – TNFα,
interleucinas 1 e 6 – IL-1, IL-6; interferon gama). É caracterizada por uma perda
progressiva da massa muscular esquelética, acompanhada ou não de perda de
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gordura, não podendo ser totalmente revertida pela terapia nutricional convencional,
levando a uma alteração funcional progressiva (BRASPEN, 2019). Com isso, há uma
piora da desnutrição, aumento das chances de complicações, do tempo de internação
e da mortalidade (LAVIANO, 2015).

A abordagem curativa padrão para o câncer de cabeça-pescoço é a


quimioterapia contendo cisplatina e radioterapia (LACAS, 2017). Um dos eventos
adversos mais frequentes na quimioterapia combinada com a radioterapia nesses
pacientes é a disfagia grave relacionada à mucosite. A disfagia é prejudicial à
qualidade de vida dos pacientes e aumenta a necessidade de suporte nutricional, mais
de 50% dos pacientes com diagnóstico de câncer cabeça e pescoço que fazem
tratamento com radioterapia e quimioterapia necessitam de nutrição enteral ou
parenteral (GILLISON et al, 2018).

A terapia nutricional para pacientes com câncer de cabeça e pescoço deve ser
iniciada precocemente e, se a ingestão de energia for inadequada, recomenda-se o
uso de suplementos orais ou a alimentação por sonda enteral. A intervenção
nutricional precoce tem como objetivo identificar os pacientes em risco nutricional e
favorecer, desta maneira, a determinação da intervenção nutricional adequada e
específica. A nutrição enteral é indicada se os pacientes não conseguirem ingerir
nenhum alimento por mais de uma semana ou menos de 60% de suas necessidades
por mais de duas semanas (BRASPEN, 2019). No caso do paciente em questão, a
nutrição enteral seria indicada visto que ele não está conseguindo atingir as
necessidades nutricionais apenas pela via oral.

Segundo uma meta análise realizada por ZHANG et al em 2016, a gastrostomia


endoscópica pericutânea profilática parece ser o método ideal para reduzir a taxa de
interrupção do tratamento e internação hospitalar relacionada a nutrição e sem
diferenças em termos de complicações quando comparadas a sonda nasogástrica e
a gastrostomia endoscópica reativa.

A necessidade proteica é individualizada e importante para manter a massa


magra. A oferta de proteína tem como objetivo compensar a sua perda associada com
condições inflamatórias e catabólicas em doenças agudas como o câncer (ARENDS,
2017b). A ingestão de proteína menor do que as necessidades recomendadas pode
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levar à perda de massa muscular. Essa perda no paciente com câncer pode
apresentar maior risco de diminuição da imunidade, quedas e fraturas, incapacidade
física e aumento da morbimortalidade (ARENDS et al, 2017). A ingestão proteica
recomendada para o paciente com câncer varia entre 1g/kg/dia a 2,0g/kg/dia
(BRASPEN, 2019). Foi orientado ao paciente deste estudo de caso o uso de
suplementação hiperproteica, porém devido a sua baixa aceitação e baixa ingestão
alimentar, a quantidade de proteína da alimentação não estava adequada mesmo com
a prescrição do suplemento.

Muito se fala do uso da glutamina para pacientes que apresentam mucosite


oral, porém, segundo a Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional de Paciente com
Câncer (2019), não existem evidências cientificas suficientes para comprovar os
efeitos positivos do uso desse aminoácido condicionalmente essencial. Já o uso do
ômega 3 é recomendado para pacientes com câncer avançado e em tratamento
antineoplásico, com risco de desnutrição ou desnutridos pois exerce propriedades
anti-inflamatórias e imunomudoladoras. Doses de 2g/dia são capazes de melhorar o
apetite, a ingestão alimentar a massa magra e o peso corporal podendo ser uma
estratégia aplicada ao paciente relatado.

Uma das limitações desse estudo foi a falta de acesso ao paciente. Foi possível
consultar apenas o prontuário da equipe médica e da equipe de nutrição e faltaram
algumas informações importantes que poderiam ser colhidas em entrevista com o
paciente.
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5. Conclusão

Os pacientes com câncer de cabeça e pescoço são um dos grupos mais


vulneráveis em termos de risco e estado nutricional comprometido. Além de ser uma
doença catabólica, a resposta inflamatória sistêmica causada por essa patologia e os
sinais e sintomas como hiporexia/anorexia, xerostomia, mucosite, entre outros,
interferem substancialmente na ingestão alimentar.

Devido ao tratamento imposto e pelo próprio processo patológico natural, a


desnutrição e a ingestão inadequada de nutrientes são comuns nesses pacientes,
sendo a terapia nutricional essencial para a manutenção e/ou recuperação do estado
nutricional. A dietoterapia adequada é imprescindível durante todo o tratamento, pois
é capaz de minimizar os sintomas da quimioterapia e da radioterapia, aumentar a
efetividade do tratamento, proporcionar melhor qualidade de vida e prognóstico
clínico.
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