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Resenha: O pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil- Maria Teresa de

Assunção Freitas. Campinas, SP: Editora Papirus, 1994.

A obra se trata do resultado de uma pesquisa de doutoramento. A autora ao


estudar a influência de Vygotsky e Bakhtin no Brasil e de modo especial no sistema
educacional brasileiro, se valeu de entrevistas com professores da áreas de educação,
filosofia e psicologia, professores estes que estavam desenvolvendo pesquisa nas
décadas de 70 e 80, justamente quando o pensamento desses autores começa a se
aproximar das universidades brasileira e se mostra como um novo pressuposto para
teorizar a educação no país. Esses professores entrevistados viram o pensamento desses
autores entrar no país, se desenvolver e influenciar a visão sobre educação no país.

O pensamento de Vygotsky e Bakhtin chegaram ao Brasil de modo silencioso,


sem fazer alarde. Na segunda metade da década de 70 o Brasil estava sob o regime
militar que preservava “os interesses do capital internacional, (...) internacionalização da
economia brasileira.” (p. 32) a ideologia dessa época desenvolvia uma educação
tecnicista que procurava determinar padrões de racionalização. As melhores
fundamentações teóricas dessa época (levando em conta só o fato técnico de estruturas
teóricas que devem fundamentar as diversas áreas da vida humana) pode-se citar a
pedagogia Nova, fundamentada em Piaget. Porém essas teorias educacionais não davam
conta de explicar os problemas na educação e os fatores socioeconômicos.

As obras dos pensadores russos começam a circular no país de modo muito


pessoal, por indicações entre amigo e professores. As traduções eram desenvolvidas
pelos próprios professores e muitas vezes essas mesmas traduções, circulavam em
varias universidades (p. 36-40. Relatos). Nos anos 80 começam a surgir os primeiros
grupos de estudos sobre os autores. As universidades de São Paulo, Unicamp, Usp e Puc
são os expoentes. Nessa mesma época (final de 70 e início de 80) a censura se torna
mais branda o que permite maior organização nas universidades. “Na Unicamp, um
grupo foi se formando (...). Sua repercussão por meuo dos cursos ministrados pela
professora Cláudia Lemos, na organização de outros cursos e no estudo de Vygotsky e
Bakhtin foi evidente.” (p. 43)

Os grupos começam a se formar de modo expressivo, tendo por principal motivo


a busca dos professores e pesquisadores por novos pressupostos teóricos para
representar a realidade educativa com a qual se defrontavam. Até mesmo na área de
neurologia da USP, foram se formando grupos de estudos sobre esses autores em
conjuntos com as áreas da educação, linguagem e psicologia. O maior incômodo por
falta de teorização daquilo que as professoras encontravam na realidade era o quão
obscuro é o papel daquele que ensina na teoria de Piaget e o quanto esse autor assim
como o behaviorismo não tinham boas respostas para a multiplicidade de culturas de
uma mesma sala de aula e as relações de poder que se desenvolvem ali. Essas teorias
não viam a formação da pessoa humana como se dando na sua história e na sua cultura.

A aplicação dessas novas teorias psicológicas e educacionais se mostraram,


também, complexas. Não era possível sair de uma visão predominante que se tinha
baseado em Piaget e no behaviorismo, pra a aplicação integral dessa nova teorização. O
que foi facilmente aproveitado desses novos pensamentos, foi o papel fundamental do
professor no processo educação e isso tendia para apenas uma conscientização por parte
dos educadores e não era a teoria em si.

Para Vygotsky a formação da pessoa segue em dois planos, o individual e o


social. A atividade humana é compreendida se for vista dentro dessa ótica do sistema d
relações sociais, pois a pessoa humana não existe sem essas relações. “Esses
fundamentos sociais de cognição indicam ao educador que as capacidades individuais
não são inerentes a natureza humana, mas determinadas por variáveis do mundo
material externo ao indivíduo.” (p. 88) segue-se disso que a educação não pode
desconsiderar a realidade histórica da pessoa nesse processo, deve-se excluir o conceito
de indivíduo abstrato, e considerar o estudante a partir de condições concretas de sua
história. Esses devem ser os pressupostos da atividade pedagógica. Essa visão
psicológica que afeta a , não está acabada enquanto uma teoria pedagógica, pelo
contrário, ela vai em outra direção, quando não pretende responder perguntas técnicas,
como por exemplo a dificuldade de aprendizado, assimilação, alfabetização, etc. Essas
perguntas ganham respostas em sistemas acabados e fechados, o em si das novas teorias
não davam respostas a isso justamente para se manterem abertas a realidade histórica e
material que é constantemente diferente.

O pedagógico- monologico ou dialógico?


O conceito de Bakhtin sobre dialógico foi desenvolvido para a leitura da arte e
da literatura, a aplicação desse conceito a pedagogia não foi feito pelo autor, mas a
partir dos estudos sobre ele.

O dialógico é algo que permeia todas as relações com o ser humano e com a
realidade. Não há recorte que se faça do ser humano sem que se tenha como pano de
fundo o dialógico, ou seja, as relações e sua expressão, uma “polifonia” de relações, de
vozes. “Os conceitos de internalização de Vygotsky e o de diálogo de Bakhtin mostram
que as relações sociais são antes de tudo linguagem, mas onde linguagem-relações
sociais constituem a atividade mental.” (p. 90)

A escola tem se fechado num monólogo, o do professor, que pretende passar ao


aluno um saber, um conhecimento, que este deve receber passivamente e guardar. É
ignorado o diálogo, que por meio de uma atividade interpessoal o aluno se desenvolva e
construa em si o conhecimento. Ignorar essa capacidade e necessidade humana de
diálogo de relações interpessoais e a determinação histórica dos indivíduos, se tem um
estudante abstrato e assim todo discurso pedagógico não se torna real.

Linguagem e alfabetização

Bakhtin faz uma crítica ao objetivismo linguístico, que via o objeto como
formador da linguagem, pois assim a língua seria um objeto a “ser atingido e decifrado,
a (p. 104) a língua sendo ensinada nesses moldes se torna uma coisa morta e sem
realidade, sem significado. Para Bakhtin só no contexto real, ou seja, o social é que a
linguagem ganha sentido. “só há compreensão da língua dentro de sua qualidade
contextual” (p. 105). Os indivíduos, portanto, não tem língua pronta e dada, mas são
inseridos no processo de formação, de construção da língua. A consciência do indivíduo
desperta dentro dessa corrente histórica da linguagem (p. 105)

Vygotsky relaciona a escrita com a situação de brincadeira com o uso de objetos


como brinquedo. A ação, numa situação imaginária, ensina a criança a dirigir seu
comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a
afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação. A representação
simbólica no brinquedo é essencialmente uma forma particular de linguagem num
estágio primário, atividade essa que leva diretamente a linguagem. Portanto, o sucesso
do ensino da escrita nas escolas está nessa transposição da situação imaginaria para a
escrita, situação essa que é em si simbólica, não se pode ensinar a escrita como sendo o
domínio de uma técnica motora. “Para ele, a escrita deve ser uma atividade natural do
desenvolvimento da criança. (...) Os métodos para ensino da leitura e escrita devem ser
naturais e implicar operações apropriadas sobre o meio ambiente das crianças” (p. 110)

Diferentes Leitores, Diferentes Leituras

A autora por meio das entrevistas faz um exercício pedagógico e linguístico. A


partir daquilo que recolheu reconheceu muitos discursos que seriem em si diferentes
daquilo que os autores escreveram, não no sentido de incongruências, mas a leitura ao
ser feita por um sujeito em determinado lugar e história, causa uma mudança no
conhecimento apreendido a partir da leitura. O exercício feito pela autora é justamente a
aplicação do pensamento de Bakhtin. Nessas entrevistas recolhendo os estudos sobre
esses autores, ela pode exercer e ver sendo exercido a dialética na comunicação entre
aquele que lê com o texto escrito, e o quanto há mudanças no objeto Conhecimento
nessa relação dialética. “Comecei, então, a compreender que estava diante de diferentes
leitores, que produziam, por sua vez, diferentes leituras. Coloquei-me, assim, na
perspectiva dialógica de Bakhtin, compreendendo que o texto não preexiste ao leitor.”
(p. 125)

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