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Homens

e suas máscaras.

A revolução silenciosa

Luiz CUSCHNIR
Elyseu MARDEGAN JR.


Rio de Janeiro
Campos

5ª edição, 2001.

Table Of Contents
Sumário
Introdução
Primeira Parte:

Sumário
Introdução

PRIMEIRA PARTE: A CONSTRUÇÃO DAS MÁSCARAS.

1. Do berço à escola
Vai nascer: É menino ou menina?
Mas por que usar máscaras?
Quero ficar com a mamãe, mas não conta para o papai Ai,
hoje apanhei pela primeira vez...
Tô morrendo de medo: deixa a luz acesa Sem chorar nem rir
Meninas são um saco...
O caos da sexualidade emergente
2. O desafio da adolescência O código dos meninos
Crescimento e mudança
"Meu filho é um vagabundo"
Sob o signo da revolta
Álcool e maconha: os anestésicos do jovem O homem do
"mau-boro"

3. Experimentando máscaras O universo sexual do jovem Ser
homem
Que medo!
Chegou a hora... E agora?
A farra
O desejo
Amor, como conciliar?
Integrando o que sinto e o que faço Vestibulares da vida
Máscaras de X-Men
A primeira bomba na guerra dos sexos Rompendo círculos
viciosos

SEGUNDA PARTE: VESTINDO AS MÁSCARAS.

4. O mundo do trabalho
Primeiro emprego: um palco para as máscaras Ganhando o
próprio dinheirinho Realizando-se (ou não) no trabalho
Trabalhar? Que saco!
Escondendo os sentimentos
5.A família
O homem precisa se casar Casar: experiência inevitável Em
busca da alma gêmea
Onde situar a família?
"Finalmente sou pai. É um menino."
Meu filho adolescente
Agora há outro homem em casa Relações verde-amarelas

TERCEIRA PARTE: CAEM AS MÁSCARAS.


6. Os sonhos e a realidade A vida não é como me ensinaram Eu


não preciso de máscaras O sonho da independência A perda do
poder: as mulheres chegaram
7. Recompondo as máscaras Mudar sim, e já!
Revendo o papel do pai
Revendo o papel na família Revendo o papel profissional
Quando a velhice chega

Epílogo: Surge o novo homem Não precisava ter sido assim As


máscaras como alimento da alma: "masalmas"
O lobo dentro de nós
Novos ingredientes para a alma masculina Máscaras mais
flexíveis para os meninos
Apêndice
A crise do macho
Na idade do lobo

Introdução
No quintal de sua casa, Paulinho, quatro anos de idade,
diverte-se com a bola nova que acabou de ganhar de presente
do pai. Por ser brasileiro, o garoto talvez tenha o futebol no
sangue, mas isso não se sabe. De qualquer modo, já é capaz de
demonstrar alguma habilidade com os pés. Nem tanto, porém,
que não se atrapalhe uma vez ou outra, quando a bola quica
inesperadamente, depois de algum chute mais forte. Assim, de
repente, ele erra o chute, acertando o ar e depois pisa na
gorducha, perdendo o equilíbrio e desabando no chão. Acaba
ralando o joelho, sem falar no susto que o tombo lhe provoca.
O pai, que assistia à cena da porta da cozinha, corre
ligeiro em direção ao filho assustado e aflito. O menino, caído
no piso frio de pedra, ainda está atordoado e nem tenta se
levantar imediatamente. Na verdade, não chega sequer a
perceber, naquele instante, a aproximação do adulto. Sente
apenas o joelho ardendo - ardendo muito - e uma imensa
vontade de chorar. Entretanto, ao escutar seu nome
pronunciado com preocupação pela voz paterna, consegue
conter as lágrimas e inibir a expressão de dor.
No momento seguinte, de um salto, Paulinho se levanta,
passa rapidamente a palma da mão no joelho ferido, e
aproveita o gesto para sacudir a fina poeira que sujou o peito
da camiseta e a sua bermuda nova, azul-clara. Para o pai, exibe
um sorriso sereno e firme, de quem é duro na queda, como se
nada tivesse lhe acontecido. O adulto olha espantado para o
menino que, efetivamente, soube esconder direitinho suas
emoções.
A breve história de Paulinho deixa claro um dos elementos
centrais da educação emocional masculina, ao longo de séculos
e séculos de história da humanidade. Aparentar firmeza, frieza
e autocontrole tem sido a marca registrada do homem em todos
os tempos. Cabe somente à mulher a transparência das
emoções. Ela, sim, pode manifestar livremente afeto, ternura,
solidariedade e compaixão, sentimentos compatíveis,
naturalmente, com os seus papéis de companheira e mãe.
Quanto ao homem, este tem de se manter impassível, é
claro, como se essa fosse a única forma de afirmar -
questionavelmente - sua masculinidade. Para todos os outros
seres humanos - e até para si mesmo -, ele deve exibir uma
cintilante máscara de metal frio, capaz de ofuscar qualquer
reflexo de fraqueza. "Homem não chora", diz um lugar-comum
mais que conhecido de todos os leitores.
É justamente o que existe por trás do lugar-comum e da
máscara o tema deste livro que você tem entre as mãos.
Pretendemos investigar as diversas máscaras do homem, desde
os materiais de que são feitas até as diversas formas de
utilização que lhes são dadas ao longo de uma vida. Mais do
que isso, pretendemos também avaliar a necessidade do uso de
máscaras, compreendendo o que elas têm de positivo e de
negativo, em que medida contribuem para qualquer indivíduo
sobreviver em sociedade e de que maneira elas impedem o
desenvolvimento das plenas potencialidades emocionais do
masculino.
De fato, numa análise pormenorizada e perspicaz,
desenvolvida ao longo de anos de observação e de atuação
profissional dos autores deste livro, pôde-se constatar que
existe nas máscaras um caráter duplo. Por um lado, elas
cumprem a função mais evidente que lhes é destinada, a de
esconder para os outros a identidade de quem as utiliza. Nesse
sentido, as máscaras têm evidentemente um caráter protetor,
impedindo que os traços fisionômicos e distintivos de seu
usuário sejam reconhecidos. Metafórica ou simbolicamente,
portanto, a máscara é uma forma de o homem não expor os
traços mais íntimos de sua personalidade a qualquer um, de
modo a preservá-los para si mesmo e a permanecer seguro, em
sua interação com os outros seres humanos.
No convívio social, sempre marcado pela hostilidade e
pela competitividade, o uso contínuo das máscaras tem assim,
obviamente, um papel positivo. Podemos, portanto, compará-
las às máscaras de oxigênio dos aviões, preparadas e prontas
para serem usadas nos momentos de emergência, caso ocorra
uma despressurização da aeronave. (Mas atenção: "Se houver
uma criança ao seu lado, coloque a máscara primeiro em você e
depois nela." Até aqui aparece a fragilidade necessitando de
uma assistência: fortaleça-se e ajude-a a proteger-se.)
Por outro lado, a tentativa de preservar-se dos outros
acarreta em geral uma situação inesperada. O mascarado, ao
olhar-se no espelho, também não consegue ver o próprio rosto,
nem se enxergar na plenitude de seus traços e expressões,
perdendo a capacidade de discernir com nitidez sua imagem, o
que implica uma falta de identificação em relação a si mesmo.
Desse ângulo, a máscara perde seu valor protetor e acaba
se tornando algo semelhante àquela máscara de ferro do
romance clássico de Alexandre Dumas. Trancada por cadeados
cuja chave seu usuário não possui, esta máscara é na verdade
um instrumento de tortura e de aprisionamento.
Em outras palavras, a máscara pode ser uma forma de o
homem esconder-se de si mesmo, impedindo-o de chegar ao
seu âmago, de atingir um autoconhecimento que é a base de
uma existência efetivamente saudável e feliz. Assim, a máscara
se torna um elemento perturbador, que provoca a alienação em
relação às realidades psíquicas e emocionais de seu usuário.
Este fica tão distante da sua identidade real que nem se
reconhece! As consequências de seu uso não podem resultar
em outra coisa que frustração, incomunicabilidade, angústia e
infelicidade, as quais só longos procedimentos terapêuticos
talvez consigam curar.
Entretanto, se não é possível ao homem desempenhar os
papéis que lhe cabem no teatro da vida sem o uso de máscaras,
é necessário conhecê-las melhor para utilizá-las de modo
adequado e eficiente, evitando os indesejáveis e sempre
danosos efeitos colaterais. Só assim o homem poderá libertar-
se das cadeias de concepções retrógradas, repressivas e
machistas, para dar vazão à sua masculinidade plena que,
todavia, não exclui o lado afetivo e emocional. E a partir daí que
se pode construir um diálogo consigo mesmo e com os outros -
sejam estes colegas, clientes, amigos, familiares, namoradas,
amantes ou esposas.
Ressalte-se que repensar e questionar as máscaras é,
antes de mais nada, um mergulho profundo no oceano de
nossas emoções. Por isso, a leitura deste livro propõe ao leitor
uma viagem-aventura ao interior do próprio eu, com a
perspectiva de voltar à tona renovado e com nova consciência
de si: de você, homem, para descobrir as chaves dos cadeados;
de você, mulher, para identificar essas chaves e tentar
descobrir, como num bal mas qué, se conhece ou não esse
homem.
Em outras palavras, trata-se de uma leitura que pretende
ajudá-lo a encontrar-se e a redescobrir as emoções perdidas, ao
longo de anos em que seu contato com o mundo transmitiu-lhe
sempre uma mensagem oposta: a de sufocar e esquecer as
emoções, de modo a vestir a máscara impassível do herói
solitário, personificado no cinema pelos velhos estereótipos de
John Wayne ou Clint Eastwood.
Para chegar à desconstrução das máscaras, realizando
uma avaliação analítica da personalidade masculina, este livro
procurou ater-se à trajetória biológica de todo ser humano,
acompanhando o seu desenvolvimento desde o momento do
nascimento do homem até o seu envelhecimento, passando
pela adolescência, os primeiros anos da idade adulta, a
maturidade e a meia-idade. Os capítulos seguem de maneira
geral essa orientação, mas não a adotam de maneira rígida,
uma vez que muitas questões são às vezes recorrentes ou que
vários temas se interpenetram ao longo da explanação.
Na primeira parte, abordamos inicialmente o período
anterior ao nascimento, quando, na própria expectativa do casal
que vai ter filhos, já começa a se gestar o material de que as
máscaras serão compostas. Encaramos, portanto, esse
momento, como se visitássemos o ateliê de um artista plástico,
observando com atenção os pincéis, as espátulas, os
pigmentos, os solventes, as tintas e as telas com que ele vai
produzir seu quadro. Com a palheta em punho, os primeiros
traços vão marcando a tela. A comparação se justifica
facilmente: basta lembrar os desejos, sonhos, planos, projetos
e previsões que fazem um homem e uma mulher para seu bebê
em vias de chegar ao mundo.
Depois, damos particular atenção aos primeiros momentos
da infância, tanto ao período em que o recém-nascido mantém-
se fechado e protegido no ambiente doméstico, sendo alvo da
atenção, do carinho e dos cuidados de todos ao seu redor, bem
como à fase em que a criança atinge a idade pré-escolar, sendo
levada pelos pais ao maternal ou ao pré-escolar. Esse momento,
aliás - ao qual psicólogos e educadores não tinham dado maior
atenção até recentemente -, revela-se de importância
extraordinária e tem aspectos decisivos na formação da
personalidade masculina.
Certamente, é grande o trauma sofrido pelo menino no
momento em que se sente abandonado pelos pais num
ambiente que lhe parece francamente hostil. Ali ficará nas mãos
de meninos iguais a ele, cuja tendência é não demonstrar o
mesmo respeito, carinho e proteção experimentados no recesso
do lar. E nessa interação com outros meninos da sua idade ou
um pouco mais velhos que a criança do sexo masculino
receberá as primeiras mensagens relacionadas à repressão de
suas emoções e sentimentos. E aí que, pela primeira vez, ele
perceberá a necessidade de endurecer, de tornar-se rígido para
enfrentar o mundo e integrar-se nele.
Também na puberdade e nos anos iniciais da
adolescência, as mesmas mensagens continuam a ser
transmitidas. Nesta fase, o garoto não só as recebe, como
também passa a agir de acordo com o código que lhe foi
fornecido, isto é, passa a utilizar-se das máscaras para poder
enfrentar os desafios de ser jovem. Desafios que se tornam
ainda maiores e mais intensos pelas inúmeras e descabidas
cobranças que a família e a sociedade fazem ao jovem de
maneira geral.
A segunda parte debruça-se sobre a fase adulta do
homem e está organizada em torno dos dois temas centrais da
vida de todo indivíduo adulto do sexo masculino: o trabalho e a
família. Efetivamente, nestes dois "ambientes" o homem
encontrará o palco por excelência para desempenhar os papéis
para os quais se preparou nas fases anteriores. Assim,
examinamos pormenorizadamente seu comportamento no
ambiente profissional, em relação aos colegas, subordinados e
superiores, e seu relacionamento com a própria atividade que
escolheu para exercer durante a etapa que se configura como a
de plenitude de sua vida.
Além do significado econômico-financeiro, o trabalho tem
para o ser humano do sexo masculino um papel simbólico do
qual a maioria dos homens não se apercebe ou do qual só toma
consciência tardiamente. Na verdade, trabalhar significa, para a
maioria dos homens, um modo de afirmação de sua identidade
masculina. É pelo trabalho que o homem pode exercer o papel
de "macho provedor" que lhe é atribuído tradicionalmente pela
nossa civilização, bem como é no próprio trabalho que ele vai
concentrar suas expectativas de tornar-se um vencedor ou um
fracassado.
Vale destacar que abordamos a questão do trabalho tanto
da perspectiva psicológica quanto da prática, com o olhar tanto
do psiquiatra quanto do executivo. A intensa integração dos
papéis profissional e pessoal de cada autor deste livro é
particularmente responsável pela abrangência dessa discussão
do trabalho e das questões relacionadas à vida profissional do
homem.
Quanto à família, sem nos estendermos demais nessa
questão, pelo menos por enquanto, registre-se que dedicamos a
ela todo o Capítulo 5, no qual retomamos vários aspectos
apresentados nos capítulos iniciais, agora de um novo ponto de
vista. Com o casamento e com a paternidade, diversas
questões relacionadas à afirmação da identidade masculina
enfrentadas quando criança e adolescente ressurgem para
homem que, neste momento, desempenha outro papel. Em
outras palavras, como pai, o indivíduo terá de responder às
mesmas questões que já respondeu como filho, mas são outras
as respostas que ele deve lhes dar, tendo mudado de posição
no contexto familiar.
Enfim, a terceira parte de nosso estudo trata dos
momentos críticos derivados de toda a problemática
estabelecida nas fases anteriores da existência masculina. Em
geral, é ao chegar à meia-idade que o homem se dá conta dos
conflitos que se interpuseram entre seus sonhos e a realidade.
Embora não se possa precisar uma idade exata para o
surgimento dessa crise - pois isso varia obviamente de
indivíduo para indivíduo -, é na casa dos quarenta anos, em
média, que ela se desencadeia. Os fatores que determinam sua
eclosão são também variáveis: um problema grave de saúde, a
separação ou qualquer outro tipo de crise conjugal, a perda do
emprego e a dificuldade de recolocação no mercado de
trabalho, não importa. O fato é que se torna cada vez mais
comum ao homem, por volta de seus quarenta anos, a
sensação angustiante de que sua vida já não faz sentido, de
que ele perdeu a capacidade de sentir prazer, de que não quer
permanecer do jeito que está, de que tudo poderia ter sido
diferente. Esse momento de questionamento íntimo é
delicadíssimo: ele pode ser responsável por uma grande virada
em direção a um novo modo de vida. Ele pode ser o ponto de
partida para uma verdadeira revolução - a revolução
silenciosa{1}, que irá redirecionar sua vida, no sentido de atingir
objetivos que, apesar das evidências contrárias, ainda podem
ser conquistados. Por isso, investigamos a fundo a própria
substância do questionamento, já tendo demonstrado, em
outros capítulos, como a crise se originou em fases anteriores.
Nem tudo está perdido, é possível mudar, é possível
resgatar o potencial afetivo e reconstruir caminhos e projetos. É
possível transformar as máscaras e utilizá-las como proteção e
como forma de estabelecer relacionamentos mais positivos,
construtivos e satisfatórios consigo mesmo e com as outras
pessoas, principalmente aquelas que amam. É com palavras de
esperança, portanto, e com orientações práticas para a
transformação que nosso livro se encerra.
O capítulo final apresenta um verdadeiro receituário -
concreto e de fácil manipulação - para o leitor ter cuidados
consigo mesmo e com seu(s) filho(s), de modo a compreender
plenamente suas potencialidades e livrar-se das terríveis
consequências de uma educação repressiva, nos âmbitos
afetivo e emocional. Pensamos em trocas de máscaras
endurecidas por máscaras de almas – mas almas. Esperamos
que a leitura deste livro possa conduzir o leitor a compreender
a verdadeira essência da identidade masculina - que em nada
se assemelha às máscaras rígidas e inflexíveis aqui descritas - e
a abrir-se para ela, da maneira mais ampla e abrangente que
lhe for possível.

Luiz CUSCHNIR
Elyseu MARDEGAN JR.
São Paulo, 30 de novembro de 2000.

Primeira Parte:

A Construção das Máscaras.

UM: Do berço a escola

Vai nascer: é menino ou menina?

São sete horas de uma noite transparente de verão e o


céu ainda está azul. Depois de um dia de trabalho duro e de um
congestionamento terrível na Marginal, Alfredo consegue enfim
colocar o carro na garagem, de volta para casa. Hoje,
particularmente, ele deveria estar feliz da vida, pois não lhe
faltam bons motivos para comemorar: fechou um negócio
milionário, que pode lhe garantir uma participação acionária na
empresa, mas, sinceramente, não é isso que lhe vai pela cabeça
naquele momento.
Agora, são completamente outras as suas preocupações...
Embora tenha acabado de jogar fora um cigarro, que fumou
quase até o filtro, acendeu outro imediatamente, movido por
uma ansiedade muito maior do que a normal. Quanto ao
veículo, embicou-o de qualquer jeito ao lado do da mulher, e
pulou para fora, quase esquecendo no banco de trás a pasta
com os documentos do negócio fechado. Procurou justificar
para si mesmo a sua afobação, reconhecendo que, no assunto
com que se preocupava, ele era ainda um marinheiro de
primeira viagem.
Respirando fundo, deixou a garagem e atravessou o
jardim, com passos rápidos, em direção à porta de entrada da
residência, que a empregada já tinha aberto ao ver o carro do
patrão chegando. Alfredo dá boa noite à doméstica, enquanto
afrouxa o nó da gravata e avança em direção à sala de estar.
Ali, Valéria, sua mulher, o aguarda, sentada do lado direito do
sofá, com uma revista feminina entre as mãos. Valéria olha
para o marido que chega e dá um sorriso que nada tem de
esclarecedor. Antes, a mulher apresenta uma expressão
enigmática, de quem está querendo fazer suspense.
Alfredo se aproxima e beija os lábios da esposa com
delicadeza, mas deixa claro que não está para mistérios, indo
direto ao ponto:
- E então, foi ao médico?
Acariciando a barriga de seis meses, por trás do
confortável vestido de gestante, Valéria sorri e faz que sim com
a cabeça, mas não dá de imediato a resposta que Alfredo tanto
deseja. Quer que o marido compartilhe da expectativa que ela
também experimentou durante boa parte da tarde, na sala de
espera do ginecologista. Entretanto, Valéria não consegue
segurar a notícia por mais do que alguns segundos. Não tanto
pela expressão ansiosa que o rosto de Alfredo traz estampada,
mas porque ela mesma está muito contente com o que tem
para contar.
- É um menino - participa, afinal, com um sorriso
carinhoso e um beijo terno no rosto do marido, que já havia se
sentado a seu lado no sofá, segurando-lhe as mãos.
- Deu pra ver direitinho na ultrassonografia.
- É um menino! - Alfredo exclama, deixando bem clara a
sua satisfação.
Cada vez mais, os casais de um modo geral - e
particularmente aqueles de bom nível socioeconômico - querem
antecipar o conhecimento a respeito do sexo dos filhos que eles
vão ter. Não há nada de anormal nisso e, já que a tecnologia
médica da atualidade assim o permite, por que não fazê-lo?
Saber se o futuro bebê será do sexo masculino ou feminino é
algo que pode ajudar no planejamento doméstico e econômico
do casal. Fica mais fácil e seguro preparar o enxoval e até
montar o quarto da criança, mas, além disso, o conhecimento
prévio obtido por um exame ultrassonográfico pode ajudar os
pais a elaborar todo o arsenal de fantasias que naturalmente
alimentam a respeito do filho que vão ter. Nessa questão, o que
não faltam são expectativas, e uma noção precisa da realidade
sempre ajuda a lidar com elas de uma maneira mais sensata e
racional.{2}
Não se pode mais dizer, pelo menos no que se refere ao
mundo ocidental, que predominem as expectativas por um filho
homem. Ao contrário do que ocorre na China, onde a
superpopulação e o consequente controle governamental da
natalidade obriga os casais a terem não mais do que dois filhos,
tornando o anseio por bebês do sexo masculino uma obsessão
nacional. A imprensa internacional denuncia com alguma
frequência o abandono e até o assassinato de meninas recém-
nascidas.
No Brasil, apesar do machismo tradicional e do caráter
ainda patriarcal de nossa sociedade, o desejo de ter filhas já
não é mais uma exceção à regra. Também já não é incomum a
preferência por não ter filhos. Há homens que pensam assim:
"Não quero nem pensar em ter filhos, pois já vi os problemas
que a adolescência trouxe à vida dos meus colegas.
Adolescentes, para se auto afirmar, abalam profundamente a
vida familiar".
Porém, há expectativas variadas, dependendo do sexo que
cada membro do casal deseja para seu filho e ainda de acordo
com a complexidade individual de cada ser humano. Por outro
lado, podemos apontar algumas que invariavelmente se
manifestam quando o pai ou a mãe anseiam por um menino.
Conhecê-las é crucial para podermos nos aproximar do tema
que será desenvolvido ao longo de todo este livro.
Para começar, analisemos a situação do ponto de vista
masculino. Certamente, entre as ideias que vagueiam na mente
de um futuro pai encontra-se a de projetar-se no futuro de seu
filho e vê-lo como um homem que há de experimentar as
oportunidades que ele mesmo, pai, não teve, de modo a
assegurar ao menino condições de vida melhores do que a sua.
É claro que nisso se incluem também as experiências que ele
teve, para poder moldar o filho como um "pequeno eu", um "eu
homenzinho".
Além disso, com certeza, um homem se sente muito mais
seguro de lidar com uma criança do mesmo sexo que o seu,
que ele "conhece" bem, por experiência própria, ao contrário do
sexo oposto, cujo íntimo ele efetivamente desconhece. Mais
ainda, um filho homem pode significar para ele um
companheiro, com quem ele vai compartilhar seus momentos
de lazer, indo ao futebol ou ao autódromo. É com ele que
poderá cortar o cabelo, sonhar com a mulher inalcançável,
sentir de novo o tesão pela vida. Ou ainda uma espécie de
discípulo, a quem ele vai transmitir seus conhecimentos e
habilidades, de modo a fazê-lo dar continuidade ao seu
trabalho, sem falar que um menino também carrega o
significado de levar adiante o nome da própria família.
"Cumprirei o que meu pai falava de nós, do nosso sobrenome."
"Não deixarei morrer o nome da família."
Já para a mulher, o fato de dar à luz a um homem pode
ter conteúdos diversos. A mulher pode imaginar que um filho
lhe trará menos problemas do que uma filha, caso ela mesma
tenha tido dificuldades no relacionamento com outras mulheres,
como sua mãe, suas irmãs, ou mesmo colegas e amigas. Do
mesmo modo, o desejo de ter um filho pode esconder a
necessidade de resolver problemas que ela tenha com a própria
sexualidade. Talvez reflita alguma inveja em relação ao sexo
oposto, que lhe parece mais livre e bem posicionado
socialmente. "Meu filho não vai se humilhar como eu."{3}
Para a mulher, principalmente para aquela cuja vida está
centrada no âmbito do lar, um filho homem significa também a
possibilidade de grandes realizações intelectuais ou profissionais
que ela mesma não conseguiu concretizar. Pode ainda ser a
oportunidade que sempre lhe faltou de dirigir a vida de um
homem, depois de ter tido a própria vida constantemente
dirigida por eles. Ou talvez a única maneira que ela encontra de
ter algum domínio sobre alguém do sexo masculino.
O ser humano é muito complexo e está repleto de
conflitos internos. Muitas expectativas alimentam o desejo por
um filho homem. Coexistem a angústia e o medo tão grandes
quanto as expectativas, pois não há - nem pode haver -
garantias de que o filhão vai corresponder a todas elas. Assim,
medo e angústia concorrem com a presença de frustração.
De qualquer modo, desejos, fantasias, projeções,
expectativas, medos e angústias dos pais, diretamente
relacionadas ao sexo masculino do filho que vai nascer, são
indicações dos materiais com que vão ser confeccionadas as
máscaras que o homem acabará colocando ao longo de toda a
vida, de modo a esconder dos outros e até de si mesmo o seu
verdadeiro eu, como veremos logo adiante.
Entretanto, nesse primeiro momento em que o filho ainda
está para nascer, o material bruto de confecção das várias
máscaras do homem já existe, mas ainda não está determinado
como ele será efetivamente empregado. Para o pai, aliás, a
época do nascimento do filho é um momento de muita
conturbação e conflitos internos. Ele não sabe, por exemplo,
quanto vai conseguir amar o seu garoto. Eis alguns exemplos
de questionamentos íntimos:

- " O que é amar alguém do sexo masculino?"


- " O que é amar?"
- " Como pai ama?"
- " Como quero ou como se deve amar?"
- " Será que vou aguentar, não vou me perder, perder o
meu eixo?"

Ele também experimenta um medo muito grande da


responsabilidade de ser pai, principalmente quando se trata do
primeiro filho: "Será que eu vou dar conta dessa
responsabilidade?" Ao mesmo tempo, ele tem a confirmação de
que gerou um novo ser, de modo que não pode haver mais
dúvidas de sua masculinidade. Mesmo não sendo a primeira
gravidez, gerar um homem é se multiplicar para a humanidade.
Mas trataremos das máscaras que o pai - como pai, como
genitor - veste mais adiante.{4}
O que importa aqui é que o nascimento de um filho
homem é o momento em que se determina a obrigatoriedade
do uso de máscaras. Nasceu, é menino? Isso significa que vai
ter de usar máscara, porque homem usa máscara, homem não
se mostra, a priori. Isso está na cabeça do pai, porque ele é
assim. Isso está na cabeça da mãe, porque ela vai educar o seu
filho assim. E isso está com a sociedade que espera que esse
homem use máscaras, esconda seus sentimentos e emoções.
Mas por que usar máscaras?

O uso de máscaras, obviamente, não é um fenômeno


natural. O homem não necessita de máscaras, nem de usá-las
indiscriminadamente: um ser puro, com uma essência de vida,
com a possibilidade de se construir como ser humano, com uma
proposta pessoal de realização, uma alma que está vindo ao
mundo, em princípio não teria razões para se esconder. O
convívio e a pressão social, entretanto, geram outras
necessidades. O homem precisa usar várias máscaras porque
necessita de uma série de artifícios para conseguir suportar as
várias fases de sua vida, para poder desempenhar os vários
papéis que lhe serão impostos ao longo do tempo da sua
existência, para dar conta de enfrentar as inúmeras cobranças
que lhe serão feitas. A máscara disfarça, não mostra, ou mostra
o que não é, como se fosse. Na verdade, é como se o homem
não pudesse encarar a vida de frente, caso não usasse
máscaras. Como se, sem as máscaras, ele estivesse vulnerável,
indefeso, despreparado, desprotegido. Então, é o caso de
perguntarmos: mas, afinal, do que as máscaras o protegem?
De alguma forma, as máscaras o protegem da "contaminação
do mundo", permitindo-lhe, ao menos na aparência externa,
que ele não sofra os seus efeitos cruéis e perversos. Em outras
palavras, as máscaras dão ao homem as condições de enfrentar
o "mundo mau" como um gladiador, um batalhador, um
guerreiro. A máscara é um escudo, além de um disfarce.

Quero ficar com a mamãe, mas não conta para o papai

O caráter traumático do nascimento é um fato científico,


constatado pela psicologia desde suas origens, na virada do
século XIX para o século XX. As mais recentes descobertas da
neurociência têm examinado as características fisiológicas desse
trauma, mas não é necessário descer às minúcias da biologia
para compreendê-lo. Com o parto, o recém-nascido deixa o
ambiente superprotegido do útero materno, onde se encontra
confortavelmente alojado, integrado, e sente que todas as suas
necessidades vitais são satisfeitas. A partir de então, está
exposto a um mundo que lhe é naturalmente hostil, no qual
emerge como um corpo estranho. Agora, vai conhecer outros
ritmos, outras temperaturas, outras necessidades: o frio, o
calor, a nova maneira de alimentar-se; o próprio ar que respira,
em substituição ao líquido amniótico, constituem invasões para
o seu corpo frágil.
À medida que se desenvolve, entretanto, o bebê adapta-
se com relativa tranquilidade e rapidez ao novo meio onde vive,
o que lhe será facilitado pela sua capacidade de comunicação.
Através do choro, particularmente, ele se descobre capaz de
"contar" a mãe, ao pai, ou às outras pessoas que cuidam dele,
suas necessidades. Aprende a pedir comida, a "dizer" que está
molhado ou com dor de barriga. Desse modo, nos primeiros
meses ou anos do convívio doméstico, a criança não se sente
desamparada, pois conta com tantos cuidados no meio
doméstico, que permanece superprotegida como se encontrava
no ambiente uterino. No entanto, essa situação reconfortante e
encorajadora rapidamente se altera. Num espaço de tempo que
se torna cada vez menor, o menino é forçado a deixar o lar para
enfrentar os lugares públicos, que lhe são completamente
desconhecidos e, portanto, assustadores. Hoje em dia, vale
lembrar, uma criança de até dois anos já se vê matriculada em
escolas maternais. Assim, em termos psicológicos, muito mais
do que cronológicos, é extremamente pequeno o período de
transição entre o Útero real, o quarto do bebê - que não deixou
de representar a segurança uterina -, e um local como a escola.
O contato da criança com seus semelhantes, com outros
adultos, em novos espaços, outros sons, novas vozes, é
geralmente marcado por um rompimento hostil associado à
separação familiar e à sensação de perda profunda. É
precisamente nos momentos iniciais desse estágio - a fase de
socialização do indivíduo - que vêm se instalar as primeiras
máscaras do homem. Nas primeiras manhãs ou tardes no
maternal ou na pré-escola, começa a delinear-se a
diferenciação entre meninos e meninas. Crianças do sexo
masculino e feminino podem estar frequentando as mesmas
classes, brincando com os mesmos brinquedos. No entanto, de
alguma forma, o menino receberá informações do mundo à sua
volta e começará a entender que ele é diferente da menina, que
há coisas que elas podem fazer, mas que eles não.
A entrada na escola e o consequente afastamento do lar e
dos cuidados maternos é difícil e dolorosa. Na perspectiva da
criança ela permaneceria onde estava, sem compreender por
que deve abandonar sua segurança e conforto. Aliás, não lhe é
dado o direito de fazer uma opção. Não lhe é permitido
permanecer em casa pelo tempo de que internamente
necessita, de modo a realizar a separação por si mesma, no seu
tempo. A mensagem que recebe de todos que a rodeiam é: "
Você tem de ir para lá." " Você precisa ir para a escola." " Você
precisa permanecer com os outros." " Vai ser melhor para
você."{5}
Para complicar, no novo ambiente - estranho e assustador,
nunca é demais enfatizar -, além de privado do carinho e dos
cuidados especiais que recebia em casa,{6} o menino se vê
cercado por seus semelhantes, cujas ações e atitudes em
relação a ele não têm como tônica uma acolhida amistosa ou
fraterna. Cada criança é uma individualidade, com impulsos,
anseios, desejos, medos e angústias próprios, e sem uma noção
precisa de solidariedade. Portanto, encontra-se sujeita aos
desígnios das outras, dos grupos variáveis que se formarão
entre elas no dia-a-dia. Nesse período, é comum uma rotina de
enfrentamentos, afrontas e humilhações. Para resistir a ela e
adaptar-se, é preciso principalmente esconder o medo. Isso
vale sobretudo para os meninos, pois às meninas é concedido
que sintam saudades da casa e da mãe.
Aí, em geral, iniciam-se as mensagens diferenciadas para
eles e para elas. Os meninos recebem mensagens relacionadas
a enfrentamentos, agressividade, coragem, atividades de
confronto; as meninas, de proteção, acolhimento,
condescendência com a sua delicadeza. Ao contrário, os
meninos precisam revelar-se corajosos e independentes, de
modo a não passar por "frouxos" ou "mariquinhas" diante de
seus colegas. Serão essas as atitudes e os comportamentos que
serão valorizados não só pelos colegas, como também pela
equipe de educadores e de funcionários da escola, bem como
pelos próprios pais. Quanto às professoras dos maternais, não
se pode deixar de dizer que muitas consideram uma missão
"ajudar" as crianças do sexo masculino a assumirem um
comportamento forte e firme, de "homens de verdade". O pior é
que, como "educadoras", acabam convencendo os próprios pais.
Verdadeiramente, não há muita novidade nisso. Um
romance clássico da literatura brasileira, O Ateneu, de Raul
Pompeia, capta com brilhantismo essa situação desde suas
páginas iniciais, revelando, por sinal, como o caráter traumático
da entrada na escola se mantém inalterado há bem mais de um
século, quando o livro foi publicado pela primeira vez. O tema
do livro é justamente as dificuldades de adaptação do narrador
que apresenta suas memórias da vida escolar durante a infância
e a adolescência.
Logo no primeiro capítulo, o texto começa com palavras
muito significativas, em que o autor narra a sua entrada no
Colégio Ateneu: "Vais encontrar o mundo, disseme meu pai à
porta do Ateneu. Coragem para a luta." Todo o restante do
início da obra enfatiza a dor da ruptura com a vida familiar que
Raul Pompeia define como "aconchego placentário" e "estufa de
carinho".{7}
Coagido a não mostrar seus sentimentos verdadeiros, que
se originam de grandes e profundos medos, o menino chega a
se envergonhar do que está sentindo: quer ficar com a mãe,
mas não pode revelar essa realidade nem mesmo ao pai.
Assim, através da auto supressão e da inibição, medo e
vergonha formam o amálgama de sua primeira máscara.

Ai, hoje apanhei pela primeira vez...

A sala de aula nem sempre é um espaço hostil. Ali, o


menino pode talvez contar com a proteção da professora e não
se sentir totalmente desamparado. Mas a sala de aula é
somente um dos ambientes que a criança vai frequentar no
espaço escolar, que comporta ainda outros locais, onde as
realidades são diversas: o ônibus escolar, o pátio do recreio, os
tanques de areia, as proximidades do colégio. Nesses lugares,
os meninos terão possivelmente seu primeiro contato com a
violência física, com a brutalidade alheia (pelo menos com
estranhos, pois podem tê-lo tido com irmãos mais velhos ou
com os próprios pais). De qualquer forma, a experiência é
marcante em todos os sentidos. Por um lado, pelo significado
intrínseco que carrega: ao apanhar, o menino constata de
maneira dolorosa seus limites, verificando incapacidades,
percebendo sua impotência diante de certas situações e
sentindo uma das mais profundas humilhações que a criança
pode experimentar e, pior que isso, concluindo claramente que
está só. Por outro lado, ter apanhado é uma experiência em
geral sucedida por uma nova lição do uso da máscara
masculina, como ficará exemplificado no caso que narraremos a
seguir:

Beto tem sete anos e vive numa cidade do interior


paulista.
Está na primeira série do ensino fundamental e, por morar
perto do colégio onde estuda, costuma ir para a escola a pé. No
caminho, costuma também passar por uma banca de jornais de
esquina, onde compra chicletes, gibis ou pacotes de figurinhas.
Os álbuns de figurinhas parecem ser uma diversão cíclica das
crianças. Muitas vezes, as editoras deixam de lançá-los, eles
desaparecem do mercado e uma geração inteira de meninos
nem sabe o que isso é. Passam-se alguns anos e as figurinhas
reaparecem nas bancas, com temas do momento, tornando-se
uma mania para outras gerações de jovens.
É exatamente esse o caso de Beto e de seus coleguinhas
de turma, que estavam empolgados com um álbum de
figurinhas de super-heróis, lançado por uma grande editora
paulista. No dia de sua vida que focalizamos, Beto estava com
sorte. Ao passar na banca de revistas, a caminho da escola,
comprou três pacotes de figurinhas. Mal abria o primeiro deles,
deparou-se com uma das estampas mais difíceis do álbum,
cobiçada por todos os seus colegas. Chegou à escola eufórico e,
antes de começarem as aulas, bem como durante as lições,
entre sussurros, exibiu a figurinha para todos os seus amigos e
conhecidos.
Como é comum acontecer em pequenas comunidades, a
notícia da sorte de Beto espalhou-se de boca em boca.
Rapidamente, não existia um só garoto das séries iniciais do
ensino fundamental que não soubesse da novidade. Entre eles,
Pedro Paulo, dez anos, que frequentava a quarta série. Por
sinal, Pedro Paulo era um verdadeiro craque do jogo de "bafo",
ou de "bater figurinhas". Para quem não sabe ou não lembra,
essa brincadeira consiste em empilhar as estampas com a face
voltada para baixo e bater nelas, com a mão em concha, para
fazê-las virarem e ficar de frente, exibindo a ilustração. Em
geral, o jogo é para valer, com as próprias figurinhas
desempenhando o papel de fichas: quem consegue virá-las tem
o direito de ficar com elas. Hábil na brincadeira, Pedro Paulo
havia se tornado o campeão daquela escola, num torneio
informal que grupos de alunos tinham promovido. O menino
ostentava o título com bastante satisfação, dado que era
particularmente chegado a exibições das próprias habilidades.
Ao inteirar-se da sorte do Beto, nos primeiros momentos do
recreio, Pedro Paulo veio desafiá-lo para um jogo de "bafo".
A princípio, Beto ficou na dúvida, vacilou, uma vez que
não era muito bom naquilo e não tinha a mínima intenção de
arriscar-se a perder a figurinha difícil com que a sorte o havia
presenteado. Entretanto, nenhum dos coleguinhas aprovou a
sua atitude vacilante.
- Deixa de ser covarde! - dizia um.
- Cara, você tem que mostrar que é homem - falava
outro.
- Faz isso, meu - insistia um terceiro. - Pelo bem da
primeira série!
A maioria da turma o incentivava a jogar, argumentando
que ele não poderia rejeitar o desafio e sugerindo também que
ele talvez ganhasse, pois aquele parecia ser o seu dia de
sorte... Enfim, depois de muita hesitação, Beto resolveu aceitar
a proposta. Juntamente com Pedro Paulo, dirigiu-se para um
canto afastado do pátio da escola, onde não havia sinal de
"tias", bedéis ou supervisores. Ali, os dois se sentaram no chão,
em meio a uma roda de colegas, que formaram as torcidas para
cada um dos jogadores. Beto não levou vantagem nas duas
primeiras rodadas. Perdeu rapidamente um punhado de
figurinhas que havia posto em jogo. A torcida do adversário
vibrava. Nos lances seguintes, porém, a situação se inverteu. O
menino menor recobrou o prejuízo. Pouco depois, já estava no
lucro. As vitórias o incentivaram e Beto perdeu o medo.
Chegou até a pôr no jogo a figurinha difícil que o
adversário exigiu na hora de fazer uma "rodada de fogo".
Faltavam cerca de três minutos antes de terminar o recreio.
Beto topou a parada.
- Tá legal! - exclamou, decidido, para Pedro Paulo,
olhando-o no fundo dos olhos.
Para espanto de todos que assistiam à cena e para êxtase
total da sua torcida, Beto conseguiu vencer o campeão. Faturou
mais de uma dúzia das suas figurinhas. Pedro Paulo engoliu
seco e levantou-se resmungando. Voltou para a classe, sombrio,
mal escutou a campainha que anunciava o fim do intervalo. No
final da tarde, quando as aulas terminaram, Beto tomou o
caminho de casa, satisfeitíssimo. Estava certo de que aquele
tinha sido um dos melhores dias de sua vida. Afastou-se da
escola e, dois quarteirões adiante, enveredou por um terreno
baldio que servia de atalho para a sua residência. Era o seu
caminho habitual, que trilhava diariamente sozinho ou, às
vezes, com outros colegas. Ao atingir a região central do
terreno, onde a trilha se perdia em meio a arbustos e a um
mato cerrado, seus passos foram subitamente interrompidos
pela aparição de Pedro Paulo, acompanhado de Luizão e Topete,
dois outros alunos da quarta série.
- Fica parado aí, moleque! - Os três ordenaram a uma só
voz, embora nem fosse preciso, pois Beto já estava
praticamente paralisado.
Num salto, Luizão e Topete se puseram atrás de Beto e
seguraram seus braços.
- Devolve minhas figurinhas - exigiu Pedro Paulo, aos
gritos. Aliás, não eram somente as suas que ele queria, mas
também a estampa difícil que não conseguira ganhar no jogo.
Na verdade, o trio não deu ao Beto sequer a chance de dizer
não ou de fazer qualquer protesto. Os três caíram sobre ele a
socos e pontapés, arrancando a mochila onde o menino havia
guardado as figurinhas. Caído no chão, sem meios para reagir,
Beto viu Pedro Paulo despejar o conteúdo da mochila e revirá-lo
até encontrar o que desejava. Colocou no bolso da bermuda o
produto do saque e sorriu, triunfante. Então, o trio se deu por
satisfeito e fugiu correndo.
Amargurado, Beto levantou-se, recolheu seus pertences
retomou o caminho de casa. Ao chegar, nem disse o seu oi"
tradicional à empregada que lhe abriu a porta. Como a mãe
estava em São Paulo, visitando a avó, o menino trancou-se em
seu quarto, decidido a esperar o pai e contar o que havia
acontecido. Só com ele conseguiria se abrir, pois tinha a certeza
de que o genitor saberia compreendê-lo.
Álvaro, o pai de Roberto, tocou a campainha de seu lar às
oito da noite, como fazia todos os dias, de volta do trabalho. Ao
escutá-la, Roberto pulou da cama e correu para abrir a porta,
atropelando a empregada. O menino abraçou-se ao adulto, aos
prantos, tentando costurar, numa série de frases nervosas
desconexas, a narrativa do terrível acontecimento do dia.
Entretanto, o pai nem lhe deu tempo para isso. Mal o filho se
pôs a chorar, empurrou-o para longe de si, exclamando,
espantado:
- O que é isso, meu filho?... Homem não chora! Isso é
coisa de menina!
Beto só conseguiu contar a desventura das figurinhas dez
minutos mais tarde, quando recobrou a calma - o que teve de
fazer sozinho, por sinal.
- Só vou falar com você, quando você tiver se controlado
e estiver se comportando como um homem - foi a advertência
que o pai fez ao menino: Este escutou calado, tentando reprimir
o choro.
A reação de Álvaro diante do desespero do filho foi
certamente a "grande lição" que o menino recebeu naquele dia.
A mensagem que o pai lhe passou era clara e evidente: Beto
não tinha o direito de apresentar a ninguém suas fraquezas,
incertezas, temores e angústias. Ao contrário, devia se mostrar
impassível e forte, se quisesse obter a oportunidade de ser
escutado.
Vale notar que essa "grande lição" foi ministrada ao
"aluno" de duas maneiras. Uma explícita, no discurso do pai que
profere o lugar-comum sobre o fato de um homem não poder
demonstrar seus sentimentos ou fraquezas. Outra implícita na
própria figura insensível e firme do "professor", que é ninguém
menos que um dos principais modelos de conduta de que o
menino dispõe: seu pai.
Assim, na mente de Beto, a situação acaba se
configurando da seguinte maneira: "Meu pai é grande, é forte,
não expõe suas fraquezas, não se desespera. É assim que um
homem deve ser. Apanhar pode até fazer parte da vida de um
homem. Perder, ser roubado também. Mas chorar por causa
disso, não. É preciso ser forte, controlado, duro. É assim que eu
tenho de ser. A máscara do endurecimento forma-se assim,
anestesiando-o contra a dor (às vezes até física) que ele sentiu.

Tô morrendo de medo: deixa a luz acesa

De modo geral, o que contamos do Beto aplica-se com


variações em outras tantas situações similares. Essa é a
conduta que se espera do menino, essa é a primeira máscara
que lhe é imposta. Esses estímulos, essa mensagem é recebida
pelo menino de maneira quase mítica, como um ritual. Para sua
imaginação infantil, é como se estivesse ouvindo uma voz de
trovão, que vem do além, e lhe dá uma ordem absoluta, uma
determinação imperativa, que ele - à semelhança dos povos
primitivos - recebe como uma revelação e um mandamento
divino. Trata-se efetivamente de um ser primitivo - o menino -
que está recebendo uma ordem e que vai aceitá-la, de modo a
determinar a partir dela todo o seu percurso de vida. Por fora,
na aparência, ele tem de demonstrar firmeza e impassibilidade,
independentemente do fato de - por dentro, na essência - ele
estar dilacerado. Por dentro, há dor, angústia, vontade de berrar
e uma terrível vergonha de se importar com aquilo que os
outros meninos fizeram e fazem com ele, além do medo daquilo
que eles ainda vão fazer. Não por acaso, a hora de dormir é um
momento em que essa situação latente se manifesta de
maneira mais clara. Isso ocorre quando a criança já passou dos
quatro, cinco anos e não está mais naquela fase do choro
característico dos bebês, embora pareça retornar a ela. É na
solidão de um quarto escuro que a angústia e a incerteza vêm à
tona. Para a maioria dos meninos, a hora de se deitar constitui
um momento que ele procura adiar, por artifícios diversos. Por
isso, muitos meninos fazem questão de dormir com a luz acesa
e a televisão ligada, de modo a exorcizar seus mais íntimos
fantasmas.{8}
Por outro lado, essa atitude deixa perdidos ou chocados,
quando não irritados, os pais, que geralmente aproveitam a
ocasião para incrustrar outra vez no filho a máscara da firmeza
e da coragem, uma vez que não têm acesso ao verdadeiro
significado da situação. Mais uma vez, tendem a encarar como
fraquezas as solicitações de amparo e carinho, as quais, na
verdade, são reações normais diante da situação a que a
criança se vê exposta.

Sem chorar nem rir

Basicamente, é no terreno do medo que as máscaras se


instalam. Mas, em consequência do medo - que o menino não
deve sentir, de acordo com as mensagens que recebe - surge
ainda a vergonha. Se o medo é o terreno, a vergonha é o clima,
e essas duas emoções juntas formam o ecossistema em que as
máscaras vão florescer como ervas-daninhas.
Em geral, com o passar do tempo, a máscara conseguirá
encobrir o medo de maneira que seu usuário não o perceba. Ela
prolifera, desenvolve-se, entremeia-se nela mesma, tece e
entretece com uma tela das mais resistentes. A vergonha,
porém, tende a se transformar numa companheira. Uma
companheira da qual o homem dificilmente vai se libertar. Uma
sombra que denuncia tudo que ele mais quer esconder. Só se
livra dela, se conseguir, depois de um longo trabalho
terapêutico, desde que também tenha o privilégio de uma
relação profissional de profunda confiança.
A esta altura, é importante acrescentar que, além do
medo e do choro, há também outros afetos sujeitos a se
tornarem alvos do tiroteio repressivo inerente à educação dos
meninos. Mesmo emoções e sentimentos de caráter mais
positivo, como a alegria, o deslumbramento, o fascínio, o
entusiasmo, acabam enfrentando os mesmos obstáculos ao se
manifestarem.
Por exemplo, Duda vai a um cinema assistir a um filme de
super-herói, em que predomina a mágica, a fantasia, com
efeitos especiais de grande beleza. As imagens o fascinam. Mas
ao tentar comentar com um adulto esse deslumbramento que
sentiu, Duda vai escutar comentários do tipo: "Como você é
bobo! Como pode se entusiasmar com cenas tão fantásticas,
que não têm nada a ver com a vida real?!"
Da mesma maneira, Edu que foi a um acampamento - os
pais de hoje em dia costumam fazer questão de enviar seus
filhos a acampamentos de férias - e ficou fascinado com a
natureza que encontra no campo: com o céu azul, as cores das
plantas, das árvores e das flores, a beleza do sol etc. Então,
escreveu uma carta para a mãe, contando extasiado suas
experiências e as emoções que sentiu com elas, mas recebeu
uma resposta indignada dos pais: "Mas como? Você foi aí para
brincar com outros meninos, para praticar esportes, e fica
ligando para essas bobagens... Estamos muito preocupados
com você."
Por sua vez, diante de uma mensagem como essa, o
menino só podia pensar: "Então eu não devia me entusiasmar
com nada. Não era correto eu me entusiasmar, principalmente
se o motivo se ligava a sensações, afetos e emoções..." Em
outras palavras, não se tratava somente de que "homem não
chora". Para a sociedade, homem também não pode sorrir, não
pode se entusiasmar, não pode ficar alegre. Quem sabe, não
pode ter prazer, nem amar.
Pesquisas recentes refletem muito bem essa situação
indicando que, no convívio social, os meninos são sempre mais
introvertidos do que as meninas que, ao contrário, apresentam
tendência majoritária à extroversão.

Meninas são um saco...

Existem vários dados estatísticos muito significativos


sobre as diferenças no processo educacional de meninos e
meninas. Deixando de lado os números precisos, que não vêm
ao caso, é interessante apontar que, da educação infantil ao
ensino médio, os meninos apresentam médias inferiores às das
meninas. Particularmente, as notas dos meninos são piores em
leitura e redação, não por acaso, duas disciplinas que estão
diretamente ligadas à expressão emocional e à sensibilidade.
Encaradas pela família e pela sociedade de modo
completamente oposto às crianças do sexo masculino, as
meninas têm o direito de expor os sentimentos e de
comportarse de maneira afetiva. A elas, é permitida maior e
mais prolongada proximidade com a mãe, assim como lhes é
concedido o direito de chorar, sorrir ou, enfim, emocionar-se.
Elas também não são obrigadas a cultuar os espaços exteriores,
podendo permanecer e brincar em casa quando quiserem.
Para os meninos, essa oposição fica bem clara e a
tendência deles é encarar as meninas como um modelo inverso
ao que eles têm de seguir. Por isso, na primeira infância, os
garotos não conseguem se interessar por meninas,
considerando-as "um saco", conforme dizem. Afinal, elas não
têm de ser fortes, não têm de correr, não têm de lutar, não têm
de enfrentar a vida como os homens. "Meninas são chatas!"
Desse modo, os meninos vão construindo suas relações sociais
de maneira caótica e contraditória. A mensagem que lhes é
incutida deixa claro que eles devem se relacionar com seus
semelhantes, criaturas que os humilham, que lhes dão chutes e
socos. É a esse bando que eles pertencem e, por isso, é entre
seus inimigos que os meninos, paradoxalmente vão encontrar
os seus amigos, formando o que se poderia chamar de a "turma
dos mascarados". Para entrar nessa turma, o menino fará um
grande esforço adaptativo e tomará como modelo os colegas
que se destacam nas atividades esportivas, no futebol, que
correm, chutam, gritam, que conquistam os espaços exteriores
- a rua, o pátio, a quadra, o campo -, que expulsam as meninas
do seu convívio, pois elas são frágeis e sensíveis.
Sendo esse o universo dos meninos, não são de espantar
outros fatos apontados pelas pesquisas sobre a infância: eles
são três vezes mais vítimas da violência do que as meninas
(embora, em contrapartida, as meninas sofram mais abuso
sexual). Mas poderia ser de outro modo? O seu mundo, o
mundo que eles são forçados a construir é intrinsecamente
violento. E a sociedade espera que ele esteja preparado para
essa violência.
Por isso, incentivam-se os meninos a participar de
atividades físicas, esportivas, grupais e sociais que contenham
atitudes e comportamentos violentos. Por isso, eles são
estimulados a ter uma liberdade que, realmente, é a liberdade
de estar exposto à violência. Começam também a surgir
contatos físicos e percepções de uma sexualidade brotando.
Irritação e impulso se confundem.{9}

O caos da sexualidade emergente

Os anos finais da infância e a pré-adolescência constituem


uma fase da vida marcada pelos primeiros movimentos sexuais.
Suas manifestações se dão no nível fisiológico, com as
primeiras sensações de excitação. Entretanto, elas também
emergem nos níveis psicológico e social. A maneira como isso
ocorre, no plano psíquico, é variável de acordo com a
personalidade de cada um.
Socialmente, porém, vamos encontrar uma imensa
interferência dos códigos de conduta especialmente formulados
para as crianças do sexo masculino. É pelo contato com amigos
e colegas que o menino vai formar suas primeiras noções
acerca da sexualidade, em geral, distorcida. São informações
muito novas, fascinantes, sigilosas, perigosas. Altos conluios,
grandes segredos. Muitas palavras não ditas. Silêncio. Escuro.
Sensações de prazer proibido sem identificações precisas.
Mensagens subliminares que permeiam a mentalidade
masculina, a mídia, de um modo geral, e, mais
especificamente, as publicações e/ou filmes e vídeos de caráter
erótico-pornográfico. Encontros cinestésico-sensoriais,
disfarçados toques ou contatos físicos impronunciáveis.
Assim, nessa faixa etária, a sexualidade irrompe de
maneira caótica e indiscriminada, cujos objetivos não estão
claramente definidos. A masturbação é, na maioria dos casos, a
iniciação sexual dos meninos e, além dos movimentos físicos,
ela comporta também um verdadeiro exercício da imaginação
infanto-juvenil. As vagas noções de sexualidade dos garotos
dessa faixa etária os levam a dirigir seu interesse pelo sexo
oposto, embora não às meninas de sua idade, mas àquelas
mais velhas, que já têm acentuadas as formas femininas.
Entretanto, é importante ressaltar que o modo
indiscriminado de irrupção da sexualidade também se dá de
maneira subreptícia ou implícita nos contatos corporais que os
meninos têm entre si. O contato corporal, seja nas práticas
esportivas ou nas brincadeiras de luta, possibilitam grande
aproximação física e substituem, em muitos casos, a energia
sexual. Também são frequentes, entre os meninos dessa faixa
etária, os contatos sexuais de caráter mais explícito, conhecidos
popularmente como "troca-troca". Para muitos, esse tipo de
experiência é absorvido com naturalidade e superado com o
passar do tempo. Para outros, entretanto, esses contatos
sexuais têm caráter traumático, despertando sentimentos de
culpa e vergonha que podem se transformar em fantasmas que
vão assombrá-los até a maturidade, só podendo ser exorcizados
quando, ao longo de específicos processos terapêuticos, podem
finalmente encará-los ou desmascará-los. De qualquer modo, o
importante a observar aqui é a relevância desses momentos
iniciais da sexualidade e seu caráter caótico e indiscriminado,
sujeito ou submisso aos códigos de conduta impostos aos
meninos. Esses momentos, que os estudos masculinos não
valorizavam até recentemente, são decisivos na modelagem das
máscaras do homem.
As manifestações iniciais da sexualidade, caso não sejam
bem orientadas e resolvidas, podem se transformar em
verdadeiros dragões que lançam chamas ameaçadoras sobre a
identidade masculina. Contudo, as questões relacionadas à
sexualidade vão emergir de maneira mais clara numa fase
posterior da vida individual, a adolescência, focalizada no
capítulo a seguir.

DOIS - O desafio da adolescência.

O código dos meninos

Cláudio, 37 anos, é médico e mora na cidade de Santos,


no litoral paulista. Tem o consultório perto de sua residência e,
portanto, pode-se dar ao luxo de almoçar em casa todos os
dias. Ao meio-dia e meia de uma manhã de julho, quando
estacionava seu automóvel na frente de casa, pôde observar
pela janela do veículo que sua filha, Mansa, de nove anos,
brincava com duas amigas no quintal, enquanto o filho,
Arnaldo, cinco anos, estava agachado na calçada, com os
braços cruzados sobre os joelhos, onde escondia a cara, numa
pose de tristeza e desânimo. O médico desceu do carro e
aproximou-se do menino, acariciando seus cabelos. Perguntou
de imediato: "Mas o que é que houve, Naldinho? Você está
chorando? Estava brigando com sua irmã?"
O menino levantou a cabeça e olhou para o pai, revelando
os olhos vermelhos, dos quais as lágrimas ainda escorriam.
Entre soluços, ele procurou explicar a Cláudio o que se passava:
"Pai, a gente estava brincando de casinha... A Mansa era a dona
da casa e estava recebendo a visita das amigas. Eu era o dono
da casa e elas disseram que eu tinha de sair. Não podia ficar em
casa porque sou homem e lugar de homem é na rua. Daí, eu
acabei ficando sozinho aqui fora, e ainda sem ninguém para
brincar comigo..."
Verídico, o caso apresentado faz uma síntese de temas
básicos do capítulo anterior: como se vê, já na infância, fica
estabelecida a percepção, a princípio inquestionável, de que
lugar de homem é na rua, no mundo. O pequeno Arnaldo aceita
a imposição que lhe é feita pela irmã e as amigas. Entretanto,
ao ver-se fora, não consegue evitar o medo e a tristeza, não
pode deixar de sentir-se isolado, só e... excluído.
Em geral, essa é a situação existencial imposta aos
meninos em nossa sociedade. Ao estar fora, porém, o menino
costuma se defrontar com outros meninos iguais a ele, com os
quais desenvolve um relacionamento ambíguo, que comporta
interações de conflito e de solidariedade, de modo que os
encara simultaneamente como amigos e inimigos. É nesse meio
social que vão se solidificar as normas ou injunções de um
código, ao mesmo tempo tácito e explícito, que o psicólogo
clínico norte-americano William Pollack, da Universidade de
Harvard, definiu como The Boys Gode, "o código dos meninos".
Os garotos aprendem esse código nos primeiros
momentos da infância, assim que se separam dos pais e
passam a frequentar playgrounds, tanques de areia,
parquinhos, salas de aula, acampamentos, festinhas e reuniões.
Segundo este receituário, que oferece os fundamentos das
diversas máscaras de que o homem se utilizará ao longo de
toda a vida, há quatro imperativos a serem seguidos:

1. Os homens devem ser estoicos, heroicos, estáveis e


independentes. Em outras palavras, devem estar preparados
para suportar pacientemente todas as adversidades da vida,
sem se deixar abalar por elas. Não podem mostrar fraqueza e
nem compartilhar suas emoções com ninguém.

2. Os meninos têm que ser sólidos como rocha. Isso


significa, na verdade, mostrar-se completamente impassível e
inabalável. Nada lhes importa, nada lhes diz respeito. Desse
modo, sua postura se assemelha à de modelos que
encontramos no cinema, em personagens interpretados por
John Wayne, Clint Eastwood e Bruce Lee - heróis solitários e
invulneráveis em seu íntimo, o que lhes permite enfrentar toda
sorte de perigos e qualquer inimigo, por mais terrível que seja.

3. A vida é uma roda-gigante! As diversas situações que a


vida apresenta têm de ser encaradas como o "momento de
decisão", a "grande rodada". Transformando todas as situações
em momentos decisivos, os meninos liberam de modo
extremado sua agressividade e agem de modo a evitar a
vergonha a qualquer custo, reprimindo os sentimentos de
fracasso. Só assim sentem que podem realizar conquistas e
atingir o status, o domínio e o poder.

4. Homem tem que ser macho! Nada de "bichice":


sentimentos e comportamentos afetivos, como empatia,
compaixão, carinho, são entendidos como femininos, homens
não devem experimentá-los e, caso os experimentem, estão
ameaçados em sua masculinidade, devendo considerar-se
efeminados. Evitar supostas manifestações de "efeminação" ou
"homossexualismo" é a palavra de ordem.

Os imperativos deste código constituem verdadeira


camisa-de-força que impede os meninos de expressar seus
sentimentos, os quais, embora sejam naturais e legítimos,
acabam por provocar-lhes vergonha. Esta, por sua vez, vai
gerar no garoto a baixa confiança e a baixa autoestima, o que
moldará personalidades com tendência ao isolamento, à
introversão, à solidão e à tristeza.
Esse modo distorcido de encarar a masculinidade é
reforçado nas mais diversas situações, criando um círculo
vicioso que, em inúmeros casos, jamais poderá ser quebrado.
Além disso, pode estabelecer percepções paradoxais da
realidade, com consequências desastrosas não somente para o
equilíbrio mental do menino, mas também para sua saúde
física. Os estudos psicológicos na atualidade têm demonstrado a
relação entre a autoestima e o sistema de defesa do organismo
e ressaltado as possibilidades de somatização das emoções
negativas.
O caso de Levi é exemplar, foi apresentado pela própria
mãe a seu terapeuta. Até a entrada na escola, Levi havia
apresentado uma saúde normal, não tendo demandado mais do
que os cuidados médicos de praxe até os sete anos, data de sua
entrada na escola. A partir daí, tornaram-se constantes
manifestações alérgicas, gripes e resfriados, além de frequentes
problemas gastrointestinais.
Interessado nos problemas do filho de sua paciente, o
terapeuta da mãe procedeu a um levantamento da rotina do
menino. Descobriu que, quando ele se encontrava em perfeitas
condições de saúde, não só tinha de frequentar a escola, como
também seguir uma rotina rígida. Esta incluía cursos de inglês e
informática e prática de natação, o que o mantinha afastado de
casa cerca de sete horas diárias. Ao contrário, quando o menino
se mostrava doente, os pais aceitavam serenamente que ele
faltasse às atividades diárias. Não só não lhe eram feitas
cobranças acerca de seu desempenho na escola, nos cursos e
nos esportes, como também lhe era permitido fazer o que
normalmente não podia. Levantar da cama mais tarde, assistir
aos programas na televisão antes e depois do almoço, além de
permanecer ao lado da mãe praticamente o dia inteiro, desde a
hora de acordar até a hora de dormir. Mais ainda, de volta do
trabalho, o pai também se tornava carinhoso com ele,
procurando-o no quarto, conversando com ele, com beijos e
abraços.
Tendo percebido a diferença de rotina e do tratamento
dado a Levi pelos pais, na saúde e na doença, o terapeuta não
teve dificuldade de mostrar à mãe o que estava acontecendo e
de que modo se processavam na mente do menino as
informações sobre seu modo de vida. Assim, tornou-se fácil
explicar à paciente os motivos por trás de uma frase de Levi,
que ela não conseguia entender e considerava extremamente
preocupante: "É tão gostoso ficar doente!" Havia dito o menino
à mãe, em tom de lamentação, ao recobrar-se de um resfriado
e ver-se mais uma vez forçado a retomar sua rotina exaustiva,
distante da casa e dos pais.

Crescimento e mudança
Os pais temem dar amor em demasia a seus filhos,
achando que isso "estraga o menino". Consideram que o amor
"em excesso" pode transformá-los em pessoas frágeis e
dependentes. Essa percepção não tem nenhum fundamento
sólido. Em primeiro lugar, o amor não é um fenômeno
quantitativo, que se possa medir a ponto de determinar qual é
o nível ideal para ele ser transmitido, ou quando se ultrapassa
esse limite e se atingem níveis excessivos.
Em segundo lugar, o amor é a própria essência do ser
humano. Dar amor jamais pode ser prejudicial e não estraga
ninguém em hipótese alguma. Ao contrário, a falta de amor
alimenta sentimentos prejudiciais, como o ressentimento e o
ódio, estimulando a agressividade.
Quanto maior a proximidade - não só física, mas também
afetiva - do pai e da mãe na infância dos filhos, tanto menor
será a tendência de os meninos se afastarem dos próprios
sentimentos. E depois, mais tarde, de si mesmos. A presença
física e afetiva dos genitores diminui a possibilidade e a
necessidade de se criarem máscaras a todo momento.
Assim, nunca é demais retornar ao momento decisivo que
se localiza na fase pré-escolar e no início da escola, quando
ocorre a separação do menino em relação à mãe. Esse
momento altamente traumático para o filho - que até
recentemente não havia recebido a devida atenção dos
estudiosos - também pode ser analisado por outra ótica que
não a da própria criança: o ponto de vista materno. Em geral,
as mães parecem aceitar passivamente a separação de seus
filhos, por considerá-la necessária e útil. Elas querem que seus
filhos se transformem em "homens", ou seja, que eles venham
a ser "fortes", "atléticos", "machos", e acreditam que o
sofrimento da separação pode ajudar nisso.
Por outro lado, se observarmos a questão de modo mais
atento, perceberemos que também para as mães o momento
está repleto de conflitos. Ao lado do que entende como
"masculinidade", ao lado do desejo de que seu filho seja um
"homem" forte e estável, ela também deseja para o menino
aquilo que espera de seu companheiro, isto é, que seja um
homem sensível, carinhoso, compreensivo, que não tenha
vergonha de demonstrar seus sentimentos.
Por isso, a conduta da mãe, no momento da separação,
costuma ser marcada pela ambiguidade, pelas ações em
sentidos opostos, buscando ao mesmo tempo permitir o
afastamento do filho e também impedi-lo. Essa ambiguidade
confunde ainda mais a mente da criança, que se sente perdida
diante dela ("Minha própria mãe tem dúvidas sobre como devo
ser.") e não consegue encontrar aí um ponto de apoio para
romper com as mensagens machistas que o bombardeiam de
todos os lados. Desse modo, as informações que recebe no
convívio social e familiar durante toda a infância serão
transportadas pelo menino para a sua adolescência, na qual se
deflagra um processo de endurecimento, como reação à
supressão de suas carências de afeto, às humilhações que
sofreu no convívio social imposto, à auto inibição de seus
sentimentos.
Ademais, para o rapaz, a adolescência é marcada por
outra separação tão traumática quanto a anterior. Se, no
período infantil, a separação da mãe é o que mais pesa na
criança, durante a adolescência, é a separação em relação ao
pai que terá destaque. Se, na infância, o pai costumava abraçar
e beijar o filho, na adolescência, esta proximidade física já não
vai existir tanto. Ambos se sentirão incomodados: o pai com
medo de torná-lo menos másculo, o filho com vergonha do que
os outros podem pensar dele.
Na infância, a distância entre o pai e o filho também
decorre do papel social do homem, do trabalho e do próprio
aumento de suas responsabilidades econômicas que advém do
nascimento de um filho. Na adolescência, esta distância vai
aumentar de maneira exponencial, pois para isso vão concorrer
atitudes tanto do pai quanto do filho.

"Meu filho é um vagabundo"

Durante a adolescência, diante do processo de mudanças


pelo qual passa seu filho, o pai tem ainda maior temor de lhe
demonstrar proximidade ou carinho. Em geral, em relação ao
filho jovem, o homem vai demonstrar três tipos de atitude. A
mais conhecida delas é a da projeção, isto é, a do pai que
empurra o filho para fazer o que ele fez ou gostaria de ter feito.
Trata-se dos pais que impõem ao filho uma profissão ou o
desenvolvimento de qualquer atividade que agrada a eles, pais,
independentemente da vontade ou da vocação do filho.

- Meu filho é igualzinho a mim.


- Meu filho puxou ao pai.
- Meu filho vai ter a oportunidade de ser tudo aquilo que
eu não fui.

Essas são frases características desse procedimento


paterno que mascaram uma atitude de incompreensão e de
autoritarismo. Nas duas primeiras, por trás de uma suposta
igualdade, existe efetivamente uma imensa necessidade de
autoafirmação que usa o filho como instrumento e desconsidera
as diferenças existentes entre ambos. Por aí também
transcorrem o desejo e o alívio das ansiedades paternas em ver
o pleno desenvolvimento heterossexual do filho. Vê-lo em um
namoro ou, às vezes, em relações sexuais, mesmo com
prostitutas, aliviam o receio da homossexualidade. A primeira
relação sexual do filho muitas vezes é um grande alívio para os
pais. Só que nem sempre tem um significado real nessa
questão, além de propiciar o desenvolvimento de máscaras que
não serão nada úteis em futuras relações amorosas.
Na terceira frase, dar uma pretensa "oportunidade e, na
verdade, uma forma de impor sobre o filho a vontade do pai, o
seu desejo, o seu projeto de vida não realizado. Mais uma vez,
o menino acaba sendo usado para realizar "missões" que não
são suas, pelas quais ele não escolheu. Em outras palavras,
acreditando fazer o que é melhor para o filho, o pai está
realmente colocando-o para fazer o que é melhor para ele
mesmo. Essa atitude conduz necessariamente ao
distanciamento entre os dois, pois o filho, mesmo fazendo o que
o pai quer, não pode deixar de desenvolver certo ressentimento
e revolta em relação ao genitor, que não compreende seus
verdadeiros anseios e impõe-lhe o caminho que terá de seguir,
em geral, para toda a vida.
Outra típica atitude paterna é desvalorizar tudo aquilo que
o filho faz, alegando sempre ter feito melhor, quando tinha a
mesma idade. Trata-se daqueles pais que, ao ver o filho chegar
em casa com uma nota 9,0 no boletim escolar, dá uma
risadinha de desprezo e diz: "Só isso? No meu tempo, eu
sempre tirava dez nessa matéria..." Essa atitude pode estar
associada à anterior, isto é, uma vez que o filho não segue as
pegadas do pai, resolvendo avançar por caminhos próprios,
estes passam a ser desmerecidos pelo genitor, que não os
considera válidos ou relevantes. Não importa o que o filho faça,
se não é o que o pai quer, não tem valor. É o que vemos no
depoimento de Flávio Augusto, contador, 48 anos, sobre seu
filho Ricardo, 25:

"Procurei dar a melhor educação ao Ricardo e trabalhei


muito para isso. Queria ver o menino se formando numa
universidade e ganhando o título de doutor. Dei a ele liberdade
para escolher o que queria. Podia ser advogado, médico,
engenheiro, enfim, a carreira que lhe agradasse mais. Paguei as
melhores escolas, desde o primário até o ensino médio. Mas
você pensa que adiantou alguma coisa? Adiantou nada. Aquele
ali só vai pela cabeça dele, o Ricardo nunca quis saber de
estudar... Quando estava fazendo cursinho, aos dezoito anos, o
Ricardo, junto com um amigo, resolveu montar uma loja de
roupas femininas, sei lá por quê. Os dois arrumaram dinheiro:
Ricardo tirou de uma poupança que a mãe fez para ele, o outro
eu não sei. Alugaram um ponto numa rua do bairro, compraram
estoque e abriram as portas do seu comércio. Eu não fui
propriamente contra o negócio. Tinha dito para o Ricardo que
tudo bem. Se ele queria ganhar um dinheirinho a mais, não
tinha problema algum. Era bom, até me ajudava um pouco,
mas deixei sempre bem claro que aquilo não podia atrapalhar
os estudos. Ele estava às vésperas do vestibular, precisava
estudar bastante para poder entrar numa boa universidade e
ter um diploma, afinal. Mas o garoto era mesmo um cabeça-
dura. Não queria saber de estudar. A história da loja funcionou
como pretexto para ele deixar os estudos de lado. Ele fez o
vestibular, entrou na faculdade, mas nem chegou a passar do
segundo ano. O comércio estava dando certo. Depois de três
anos ali, na rua do bairro, ele e o sócio resolveram abrir outra
loja num shopping e estão lá até hoje, tocando os dois
estabelecimentos, vendendo roupas femininas, coisas finas, de
madame. Parece que vão abrir uma terceira loja daqui a dois
meses. É isso. O Ricardo não estudou, não tirou diploma. Virou
um simples comerciante. Fica esfregando a barriga no balcão de
segunda a sábado, isso quando não abre aos domingos. Não
quer saber de nada. É um cabeça-dura."

Na continuação deste mesmo depoimento, que


transcrevemos apenas em parte, o contador Flávio Augusto
ainda chegou a revelar que Ricardo ganha mais do que ele,
apesar da profissão que escolheu, pois é alguém de tino para os
negócios e fez sucesso no comércio. Isso, entretanto, não foi
valorizado, ao contrário, foi desmerecido o desempenho do
filho, já que este optou por uma área não planejada
inicialmente pelo pai. Essa atitude de desmerecimento também
pode se radicalizar, chegando ao ponto de o pai anular por
completo as conquistas do filho, não as reconhecendo de modo
algum, por mais evidentes que elas sejam. Outro depoimento
paterno exemplifica o fenômeno. Eis as palavras de Reynaldo,
52 anos, engenheiro mecânico, sobre seu filho Luís Felipe, 23:

"O Luís Felipe é um vagabundo. Nunca quis saber de


nada. Desde pequenininho, só queria saber do mar. O negócio
dele era praia e água. Aos dezesseis anos, me pediu para fazer
um curso de mergulho e eu deixei, claro que deixei. Sempre fiz
todas as vontades dele. A única condição que eu impunha era a
de ele estudar, tirar notas boas na escola. Ele até que não ia
mal na maioria das matérias, mas, depois que começou essa
história de mergulho, as coisas mudaram. Era mergulho,
mergulho, mergulho. O moleque só pensava nisso. Não queria
saber de mais nada. É um vagabundo o Luís Felipe! E olha que
eu nunca desestimulei. Deixava-o mergulhar á vontade,
contanto que se dedicasse também a assuntos mais sérios,
pensasse em uma profissão, em ganhar dinheiro para fazer a
vida, não passar necessidades no futuro. Dei até um barco para
ele! Agora, dizer que vale a pena ele mergulhar, que isso é algo
que preste... Isso eu nunca disse porque não acho que é. Para
que serve isso? Não serve para nada, sem falar que é perigoso.
Qualquer dia desses, o Luís Felipe se dá mal. Mas ele não está
nem aí. É um vagabundo, não quer saber de mais nada. Hoje, o
Luís Felipe está com 23 anos. Para me contrariar, abandonou os
estudos e abriu uma loja de material para mergulho, máscaras,
pés-de-pato, cilindros de oxigênio, essas coisas... Pode?"

Independentemente da opinião de Reynaldo, que não sabe


para que serve a atividade do filho, Luís Felipe obteve sucesso
no comércio e na importação de materiais para mergulho. Sua
loja especializada no ramo é uma das maiores de uma grande
capital brasileira. Vale notar também que o "vagabundo"
ganhou diversos troféus e medalhas em torneios de mergulho e
de caça submarina.
O fato é que, de maneira geral, os pais estão apegados a
uma visão convencional do conhecimento, da inteligência e do
trabalho, que nem sempre corresponde às novas realidades.
Hoje em dia, é comum o jovem adquirir rapidamente
habilidades que o pai não tem (casos frequentes se relacionam
ao mundo dos computadores e da informática) e desenvolvê-las
à sua maneira. Esse desenvolvimento acaba não sendo
reconhecido pelos genitores que estão apegados a modelos
tradicionais, não conseguindo perceber a evolução dos filhos.
Evidentemente, se não há percepção das habilidades dos filhos,
os pais também não podem estimulá-los, nem os auxiliar a
leva-las adiante. Ao contrário, tendem a questioná-los e a
criticá-los, o que gera ainda mais confusão na cabeça dos
rapazes. Desse modo, desaparece por completo a possibilidade
de amizade e de entendimento entre pai e filho. Quando o
próprio pai tenta esboçar gestos de aproximação, a reação do
adolescente pode ser surpreendente e inesperada. A confusão
que existe no relacionamento dos dois pode beirar os limites do
non-sense.
Um cartum de Miguel Paiva, publicado no Jornal do Brasil,
capta com bom humor e grande poder de síntese essa
realidade. O desenho mostra um pai, carente, tentando
aproximar-se do filho, propondo-lhe:
- E aí, filho... Podíamos sair, pegar um cinema, tomar um
sorvete e depois comer um sanduba...
Ao que o filho, mal-humorado, responde:
- Qualé, pai? Caretice! Vou sair com a turma! Pegar um
cinema, tomar um sorvete e depois comer um sanduba, sacou?
Outra situação significativa de distantes visões da
realidade:
"Puxa, pai A gente nunca pode sair e tomar alguma coisa
juntos. Você nunca tem tempo!..."
"Não é bem assim, filho. Já convidei você inúmeras vezes
e como resposta só recebi negativas."
Parece que as mágoas nunca são vistas pelo outro...
Evidentemente, essas posturas e atitudes paternas só
podem provocar o ressentimento dos filhos, que se sentem
injustamente incompreendidos e que também não conseguem
entender o que leva os pais a encará-los assim. Dessa forma a
atitude dos filhos só pode ser de oposição e rebeldia aos
desígnios do pai. Nessa situação, chegam a existir casos
ilustres, como o do escritor peruano Mano Vargas Llosa, autor
de A Festa do Bode, que também foi candidato à Presidência da
República de seu país. Em diversas entrevistas, bem como nos
artigos que publica semanalmente no jornal O Estado de S.
Paulo, Vargas Llosa comentou a complicada relação que tinha
com seu pai, o qual sempre demonstrou verdadeira aversão à
literatura, condenando e procurando desestimular o interesse
que o filho demonstrava por ela. Llosa chegou a declarar que
talvez tenha se tornado escritor - de renome internacional,
diga-se de passagem - por ódio ao pai, para rebelar-se contra
ele. De qualquer modo, e apesar do sucesso do escritor
peruano, o pai nunca aprovou sua atividade e nem atribuiu
importância a ela. Segundo o autor, o pai nunca chegou sequer
a ler um dos livros que o filho escreveu.
É importante ressaltar que são inúmeras as cobranças que
se fazem ao adolescente. Pede-se que ele tome várias decisões,
algumas envolvem não um momento específico, mas toda a sua
vida, como é o caso da carreira profissional a seguir. Para piorar,
essas cobranças andam sendo feitas cada vez mais cedo: exigir
que uma pessoa de quinze anos tenha certeza de que quer
seguir determinada profissão é um crime. Quem está na
adolescência ou entrou no ensino médio já deve decidir a
profissão que deseja seguir? Entre os treze e os dezessete anos
o jovem já deve saber que curso técnico ou a faculdade que
pretende fazer? Muita gente pensa que sim, considerando que
quanto mais cedo essa decisão for tomada, tanto mais rápido
um jovem pode entrar no mercado de trabalho e alcançar sua
realização financeira e profissional.
A questão, porém, não é tão simples. É bom lembrar que
o adolescente está em desenvolvimento e, na maioria dos
casos, ainda não tem condições de arcar com o peso de uma
escolha tão definitiva. Aliás, é muito importante deixar claro
para os jovens que eles nem devem encarar essa escolha
assim. Ao longo dos estudos e do caminho profissional, também
é possível mudar de rumo. O mais importante é o adolescente
começar a pensar em termos do seu futuro e saber que tem de
fazer um projeto para a própria vida. Mas um projeto flexível e
aberto. Também é um absurdo impor aos filhos uma profissão.
O mais adequado seria pais e educadores mostrarem aos
jovens que eles têm muitas opções pela frente, as quais têm de
estar de acordo com a realidade social e as capacidades de cada
indivíduo. Também é preciso levar em conta que o adolescente
recebe um excesso de informações nos dias de hoje, em que a
técnica e o conhecimento evoluem numa rapidez jamais vista
em toda a história da humanidade. Além disso, agora, a mídia
está presente na rotina do ser humano durante cerca de 90%
da média de dezesseis horas em que ele está acordado a cada
dia. Selecionar as informações, descobrir quais lhe podem ser
úteis ou não, processá-las, ocupa boa parte das energias
mentais do adolescente. Nem sempre ele consegue estruturar
essa imensa massa de dados diária com a velocidade que lhe é
exigida. Cada pessoa tem um tempo próprio de elaboração e
raciocínio. Como pode ele decidir sua carreira profissional tão
precocemente, se ainda não conseguiu um mínimo de
informação para discernir e eleger? Inicia-se assim a construção
da máscara do "eu já sei"...

Sob o signo da revolta

No início da adolescência, já tendo sido bombardeado com


as mensagens que destacavam a necessidade de separar-se da
mãe, o garoto acaba por resignar-se e aceitar essa separação.
Por isso, nessa fase, é na figura paterna que ele vai procurar a
última chance de expor seus sentimentos verdadeiros. Além de
necessitar do amor paterno, ele também precisa do pai para
reforçar a convicção nos modelos que adquiriu até então. Como
vimos, o pai representa para o filho o modelo daquele homem
sólido, firme e impassível, delineado pelo código dos meninos.
No entanto, como modelo, o pai também apresenta uma atitude
ambígua ou ambivalente. Ele é o homem duro, mas também
soube, pelo menos até então, demonstrar uma disposição
afetiva, de carinho e ternura, em relação ao filho. O problema é
que, nessa nova fase, a pré-adolescência, o pai já se sente
inseguro e tende a apresentar uma das atitudes já
mencionadas, negando ao filho a sua presença afetiva. Pode,
em alguns momentos, ser muito permissivo e, em outros - ao
incomodar-se com o exagerado espaço que o filho ocupa, com
os questionamentos ao status quo ou com as tentativas de
desestabilizar o clima familiar: - preferir mantê-lo e manter-se
à distância. A contestação não é bem-vinda. Aí tem início a
separação provinda de uma ambiguidade das relações paternas.
Percebendo com maior intensidade essa predisposição do pai ao
distanciamento, o adolescente conclui que não lhe resta mesmo
outra opção senão separar-se dele, como o fizera em relação à
mãe. Para suportar o novo trauma, o jovem opta pelo
enrijecimento: ele tem de se tornar endurecido, impassível e
suprimir definitivamente os seus sentimentos - solidifica-se a
máscara de ferro da impenetrabilidade.
Desse modo, o adolescente não só vai aceitar a distância
da família, mas até promovê-la, esforçar-se para que uma
ruptura efetivamente aconteça. Separar-se dos genitores
parece se tornar a única maneira de afirmar a própria
identidade e a independência. A soma de todos esses elementos
tem como resultado a consagração do código dos meninos, que
ainda será potencializada pela introdução de um novo fator na
equação: a separação dos pais também leva o adolescente a
reforçar sua conduta no contato com os amigos que, como ele,
experimentam a mesma situação.
No convívio social durante a adolescência, aliás, a
mensagem da necessidade de promover a cisão em relação ao
pai é reiterada pelos amigos, como se verá pelo relato que
segue:
Juca tem treze anos, mora em Belo Horizonte e está
cursando a 7ª série do ensino fundamental. A mãe não dirige e,
pela manhã, é o pai que costuma levá-lo de carro à escola.
Rotineiramente, os pais tomam o café da manhã com Juca às
6:45. As 7:00, pai e filho tomam o caminho da escola, que fica
cerca de cinco quarteirões de sua residência. O prédio do
colégio fica do outro lado da avenida onde o pai costuma
estacionar o carro. Em geral, levanta de seu banco, desce do
veículo, abre a porta para o filho, estende-lhe o rosto para
ganhar um beijo e, depois, fica esperando para ver o filho
atravessar a pista, dando a partida pouco depois de ver o filho
entrar pelo portão da escola, junto com os outros colegas que
ali se encontram.
Numa manhã como essa, igual a todas as outras, pai e
filho cumprem a rotina diária. Juca despede-se do pai com um
beijo, atravessa a rua e junta-se a dois colegas de turma que o
esperam perto do portão do colégio. Juca faz um "oi" para os
dois que, em vez de responder de imediato, trocam entre si um
olhar malicioso. Com uma risadinha num canto da boca, um
deles pergunta a Juca: "E aí? Estava gostoso o beijo do papai?"
Já no dia seguinte, pela manhã, enquanto era levado à
escola, Juca se mostrava constrangido e nervoso. Quando o pai
estacionou o carro no lugar de costume, não lhe deu tempo de
descer do seu lugar e vir abrir a porta. O menino mesmo se
encarregou de abri-la e saiu correndo, atravessando veloz a
avenida, acenando um "tchau" para o pai.
Em média, ao redor dos quatorze anos, a presença dos
amigos, do grupo, da turma, torna-se para o adolescente mais
importante do que a dos genitores. Da infância ao início da
adolescência, o jovem reclamou a proximidade dos pais, mas
ela lhe foi negada. Então, agora, é ele mesmo quem não a quer
mais. Esforça-se por sentir como se não precisasse dela. A
mensagem que recebe dos amigos reforça as lições de
endurecimento que recebeu na infância, e o adolescente agora
prefere libertar-se da presença dos pais, demonstrando um
comportamento arredio e agressivo.
Assim, não é de espantar que o comportamento juvenil
seja pautado por violência, indisciplina, raiva e revolta. Ao
mesmo tempo, para suportar as pressões, o jovem adota uma
atitude cool, uma postura fria. Para ele, exteriormente, "tá tudo
bem", sempre. Não por acaso essa expressão e outras similares
são tão frequentes no seu vocabulário. Além disso, falar pouco
ou manter-se em silêncio é a melhor maneira que encontra para
expressar seu estado de espírito. Essa postura, que reflete na
verdade o seu endurecimento, é uma maneira de anestesiar-se
dos problemas que o afligem. Infelizmente, porém, a
necessidade de uma anestesia para suas dores íntimas nem
sempre se limita a um determinado modo de conduta
impassível. Frequentemente o jovem também recorrerá ao
álcool e à maconha, que merecem algumas considerações
específicas.
Outras drogas, como o crack, o ecstasy e a cocaína,
poderiam ser estudadas nas considerações que seguem, mas
vamos nos ater com exclusividade ao álcool e à maconha, cujo
consumo pelo jovem é amplamente majoritário.

Álcool e maconha: os anestésicos do jovem"

Atualmente, os jovens já começam a beber antes, muito


antes de completarem os dezoito anos. ("Agora já sou homem,
posso beber.") As restrições legais ao uso de bebidas alcoólicas
por menores de idade integram aquele conjunto de leis que
nunca são levadas a sério no Brasil, assim como a proibição do
uso de aparelhos celular ao volante. Desde que pague, qualquer
jovem terá acesso à cerveja ou a bebidas mais fortes em bares,
lanchonetes, restaurantes e supermercados.
Uma pesquisa realizada pela Escola Paulista de Medicina,
da Universidade Federal de São Paulo, em 1997, apresenta
dados alarmantes:

1. 74% dos alunos de escola pública da capital paulista já


se embriagaram pelo menos uma vez na vida;

2. taxas de reprovação na escola são proporcionais à


intensidade do uso de bebidas alcoólicas, ou seja, quem bebe
mais, leva mais bomba;

3. o álcool é a principal porta de entrada para as drogas


mais pesadas, e não a maconha, como muita gente pensa. O
álcool é um psicotrópico ou psicoativo, isto é, uma substância
que age sobre a mente. Na verdade, incide precisamente sobre
o Sistema Nervoso Central. Para anestesiar-se dos problemas
que tem e integrar-se melhor e mais à vontade ao grupo de
amigos, o jovem bebe, usando o relaxamento que a bebida traz
como mero pretexto.

Quem já bebeu sabe que os primeiros efeitos de um ou


dois copos de cerveja são uma sensação de prazer e bem-estar.
Mas isso dura pouco. Mais algumas doses e a euforia passa.
Surge um efeito sedativo, acompanhado de dificuldades na fala,
problemas de coordenação motora e até de depressão. Aliás, o
álcool é mesmo um poderoso depressivo. É claro que o jovem
não bebe para ficar deprimido, mas, quando a embriaguez se
torna frequente, o corpo tende a se adaptar às doses excessivas
e a desenvolver o que os estudiosos chamam de tolerância.
Esta, por sua vez, abre caminho para a dependência
psicológica e química. A maneira como esse processo se instala
varia de indivíduo para indivíduo, de organismo para organismo.
A questão principal, entretanto, talvez não seja a
dependência, mas o fato de ninguém - nem o adolescente, nem
seus pais - encararem o uso do álcool como um problema. Os
pais de hoje já começaram a considerar natural o fato de seus
filhos começarem a beber cada vez mais cedo. E os adultos, de
modo geral, consideram inócuo o fato de adolescentes tomarem
"uma cervejinha". Não é incomum o pai "ensinar" o filho a
beber. E quem tem ido pedir a cerveja no restaurante é a mãe
estressada.
Já os jovens - cujos problemas de relacionamento com os
genitores e de afirmação da identidade/masculinidade tornam
necessário o uso de um "anestésico" - tendem a achar que sua
relação com a bebida está sob controle, uma vez que têm o
senso de invulnerabilidade altamente desenvolvido. Todos esses
fatores, somados, acabam conduzindo ao alcoolismo precoce,
como exemplifica o depoimento que segue, de Fabiano, 23
anos, estudante:
"Bebi pela primeira vez aos dezesseis anos, junto com a
turma da escola, depois das aulas de sexta-feira{10}. Na noite de
quinta, eu tinha quebrado um tremendo pau com meu pai, lá
em casa, já nem me lembro do porquê. Naquela época, o pau
com meus pais era muito frequente. Aí, na sexta, juntei-me aos
colegas mais chegados e fomos para uma padaria na esquina
da escola. Eu nunca tinha bebido e o gosto de cerveja não me
pareceu dos melhores. Um colega disse que, no começo, é
assim mesmo e falou que melhorava, se eu tomasse um golinho
do rabo-de-galo (pinga com cinzano), que ele estava tomando.
Naquela tarde, cheguei em casa de cara cheia, fui para o meu
quarto e dormi numa boa, achando o mundo uma maravilha.
Daquele dia em diante, virei adepto da cervejinha com os
colegas, sem dispensar pelo menos um copinho de rabo-degalo.
No começo, a coisa era só nas sextas-feiras, depois foi
passando também para os sábados e domingos. Aos dezessete
anos, eu já tomava cerveja todo dia.
Não era só uma, mas duas ou três. Aquilo me fazia
encarar de modo mais cool as aporrinhações do meu pai em
casa. Me ajudava também no relacionamento com os amigos e
com as garotas, pois me deixava muito mais aberto e sociável.
A primeira namorada que eu tive, arrumei numa festa e eu já
estava de porre. Precisei encher a cara para conseguir chegar
na mina...
A bebida era uma espécie de elixir mágico que tornava a
vida fácil e linda. Tá certo que tinha sempre uma ressaca brava
na manhã seguinte, mas ela não chegava a me incomodar.
Incomodava era meus pais, pois eu comecei a faltar às aulas e
ia cada vez pior na escola. Só consegui passar no vestibular aos
vinte anos, mas eu não estava muito preocupado com isso.
Nunca achei que eu era dependente. Pensava que bebia
porque queria e que conseguia parar quando bem entendesse.
Só comecei a ficar preocupado com o álcool com 21 anos,
porque eu já tinha virado um caso grave até para mim mesmo.
Eu bebia desde que acordava e continuava bebendo o dia
inteiro. Praticamente, não queria saber de mais nada.
Qualquer outra coisa, para me agradar, tinha de ser
combinada com várias doses. Eu já bebia para cair, para perder
a consciência, para ficar jogado na sarjeta, como esses
mendigos malucos. Foi aí que meus pais foram mudando a
postura comigo, mostrando-se mais preocupados. Uma
namorada que eu arrumei - e que está comigo até hoje -
também resolveu dar uma força para eu mudar de ideia. Mas
não foi fácil largar o vício. Precisei ficar internado um ano
inteiro, fazer muita terapia. Entre os 21 e os 22 anos, minha
vida foi exclusivamente uma briga com o álcool.
Agora, aos 23, a luta continua, pois essa é uma briga de
todos os dias. Mas além de eu não tomar nenhuma gota esse
tempo todo, já deu para retomar as outras atividades. Estou
levando a faculdade a sério e pensando em me casar. Valeu a
pena romper com a bebida, e eu estou participando de grupos
que ajudam outros jovens com o mesmo problema."

O homem do "mau-boro"

Mas ao lado do álcool, a maconha é outra droga cujo uso


se torna cada vez mais frequente entre a juventude. Pesquisas
revelam que, de 1990 para cá, o consumo da Cannabis sativa -
nome científico da erva - aumentou quatro vezes entre os
adolescentes de dezesseis a dezoito anos. Talvez se possa dizer
que tenha aumentado ainda mais a tolerância da sociedade em
relação a esta droga. Reportagem de capa da revista Veja
(edição de 26/06/2000) mostra que os flagrantes policiais pelo
porte de maconha caíram 60% no Rio de Janeiro e 30% em São
Paulo.
As próprias escolas se tornaram tolerantes em relação ao
problema. Segundo a mesma revista, hoje, somente 10% dos
estudantes pegos fumando maconha são expulsos do colégio.
Afinal, as escolas precisam de alunos. Quem vai acabar ficando?
Estima-se que a metade dos jovens brasileiros já fumaram
Cannabis, de tal modo que a edição citada de Veja não hesitava
em afirmar na chamada da capa: a questão não é mais saber se
um jovem vai experimentar erva. A pergunta é quando ele fará
isso.
A planta Cannabis sativa, de onde vem a maconha, têm
pelo menos sessenta substâncias ativas, geralmente chamadas
de canabinoides. Elas atuam sobre o Sistema nervoso Central,
provocando alterações no seu funcionamento. O ingrediente
mais ativo da maconha é o THC (tetrahidrocanabinol), que
interfere diretamente na secreção e na liberação da dopamina
pelo cérebro. Esta última substância é responsável pelas nossas
sensações de prazer.
Fumada como um cigarro, a maconha é absorvida pelos
pulmões e transportada pelo sangue diretamente para o
cérebro. Algumas poucas tragadas trazem rapidamente
pressões de caráter prazeroso, levando o usuário a rir muito, a
perceber mais intensamente sensações visuais, auditivas,
olfativas, gustativas e táteis. Entretanto, ao lado disso, vêm os
problemas: falhas de memória e atenção, dificuldades de
julgamento e aprendizado, falta de coordenação motora.
O Nida, a instituição americana que estuda os efeitos do
abuso de drogas, realizou um estudo com alunos de quinze a
dezessete anos, mostrando que o uso constante da maconha
prejudica as habilidades em que são necessárias atenção, o
raciocínio e a memória. Foram comparados jovens que fumaram
a erva diariamente durante um mês, outros 64 que a usaram
moderadamente no mesmo período. Depois de um dia de
abstinência, ambos os grupos foram submetidos a testes que
mediam sua capacidade de aprendizado. Os usuários pesados
erraram cerca de 60% mais do que os usuários moderados.
Não é só o cérebro, porém, que é afetado pela maconha.
A fumaça de um baseado também contém substâncias
cancerígenas e num número ainda maior que a de um cigarro
de tabaco. Assim, o consumo da erva pode provocar o câncer
de pulmão e os estudos médicos levam a crer que seus efeitos
sobre o baço podem afetar de alguma forma o sistema
imunológico. Além disso, há os efeitos deletérios na
espermatogênese e na função sexual. Tudo isso parece
desmentir a convicção social recente de que a maconha é uma
"droga leve".
Essa digressão sobre a maconha e o álcool, porém, visa
apenas a ressaltar as consequências de processos que têm
outras causas. Na verdade, se o uso de drogas gera problemas
a posteriori, é importante ressaltar que os problemas anteriores
geraram o uso de drogas.
Estes, como já vimos, estão diretamente relacionados às
pressões para suprimir ou sufocar sentimentos, de modo a
assumir máscaras e comportamentos moldados por uma
sociedade que reprime o homem, fazendo-o representar papéis
que efetivamente não são os seus. Vamos, portanto, retornar à
análise da situação existencial do adolescente, apresentando
outros aspectos de inquestionável relevância.
Muita coisa começa "quando eu era jovem". Mas o que
tudo isso tem a ver com o nosso "código dos meninos" e com as
máscaras utilizadas pelos homens? Uma só resposta surge
como sentença determinante e implacável: no mínimo, a cada
quatro dependentes de álcool e drogas, três são do sexo
masculino. Isso se revela em estudos realizados nos cinco
continentes, em todos OS Cantos do mundo. Só há uma
indicação certeira: muito mais homens sucumbem a essas
dependências. Com certeza as máscaras são ineficientes para
tornar tolerável a exposição ao mundo: Será essa a única
possibilidade de o homem se conciliar à intolerável insatisfação
que ele sente e não expressa? Ou acabam sendo, álcool e
outras drogas, anestésicos para o contato da máscara sulfúrica
com a pele tênue e frágil da essência amorosa masculina?

TRÊS: Experimentando máscaras.

O universo sexual do jovem

A primeira experiência sexual é uma grande preocupação


dos jovens do sexo masculino. Eles a sentem como um
momento máximo de afirmação de sua identidade e
masculinidade. A maior parte dos jovens possui uma ideia
machista de sexualidade, encarando o ato de maneira
mecânica, colocando em segundo plano os seus aspectos
afetivos. Isso decorre também de uma visão de mundo
adquirida nos meios de comunicação - jornais, revistas,
televisão e Internet - que têm uma força educativa brutal e que
erotizam cada vez mais precocemente a criança.
A mensagem que vem daí nem sempre é boa, sendo,
muitas vezes, profundamente deseducativa: os meios de
comunicação, aliás, mostram poucas formas de prazer que não
estejam relacionadas a sexo. Como fonte inesgotável de prazer,
a mídia estimula e explora a sexualidade e o erotismo, sem
jamais dar a entender que o prazer também pode resultar de
algo mais emocional ou espiritual.
A afetividade cai fora e o sexo vira produto de prateleira.
É como se fôssemos convidados a entrar numa "loja de prazer"
e o corpo humano fosse vendido aos pedaços: as nádegas do
homem e da mulher, o peito da mulher e o tórax do homem, a
cintura da mulher e os pelos do homem.
Por isso, com as "garotas" de um modo geral - das
namoradas às prostitutas -, o adolescente ou o jovem adulto
vão encontrar uma excelente oportunidade de experimentar
suas máscaras. De acordo com as necessidades que surgem do
próprio relacionamento, ele pode usar a máscara do cool, do
distante, do agressivo, do afetuoso, do envolvente, do
conquistador...
Na verdade, muitas experiências ocorrem antes dessa
primeira transa. Conforme vimos anteriormente, as
brincadeiras, ou jogos sexuais, assim como as informações
teóricas e práticas ao longo do tempo formam o que se
chamaria de papel sexual. São sementes que vão germinando
em solo fértil para compor um grande bosque. Muitas vezes, as
cenas e os diálogos que tentamos descrever aqui já aparecem
com uma paisagem densa, com "terreno" já recoberto de
vegetação. O jovem mal se lembra do que passou, pois está
sempre diante do presente e do imediato, o que é bem típico do
momento adolescente.
Apresentam-se também aqui os vínculos paterno e
materno funcionando ou atuando como verdadeiros
especialistas em agronomia que podem decidir, planejar e criar
esse bosque no estilo ou ciência que melhor lhes aprouver. Isso
pode variar desde deixar para ver como fica até utilizar de alta
tecnologia e sofisticação. Pais ou mães com dificuldade em
transitar por essa área, ou no relacionamento mais aberto com
o filho, podem não conseguir aproximar-se dele, ou tentar
preveni-lo em demasia.
A primeira relação sexual pode-se repetir ao longo da vida
muitas vezes ou nunca ocorrer. Depende do referencial que se
escolhe para colocar um sentido e (maior ou menor)
profundidade emocional. Há homens adultos que podem transar
muito, mas transitam pouco no que se chamaria "encontro com
o outro. Para eles, a parceira é um depósito de seu esperma, já
que não conhecem a dimensão do que seria uma relação
amorosa que inclui a sexual. Nunca chegam ao que seria uma
sequência crescente de experiências satisfatórias que são
desenvolvidas por um homem sexualmente amadurecido.

Ser homem

Vejamos o que relata Dênis, treze anos, loirinho, sem


barba e ainda com cara de bebê:

"Adivinha o que aconteceu?! Não sou mais virgem. O meu


pai me levou num hotel e pagou uma mulher. Fomos eu e o
Beta, cada um com uma. Foi um barato. Foi legal, a gente pediu
o que queria, coca-cola, sorvete... E a gente ficava telefonando
um para o outro."

O adolescente mal sai da infância e recebe uma série de


informações. Estas vêm das mais variadas formas,
particularmente nesse aspecto relativo a ser homem.
Antigamente, o ser homem se vinculava estritamente ao sexo
masculino. "Sexo" sofria as interferências da educação e da
cultura se alojando no físico, no órgão sexual complementados
pelos órgãos sensoriais.
Imaginem só restringir e conceitualizar esse homem
valorizando de forma quase exclusiva a sexualidade.
Atualmente, graças aos estudos sobre gêneros, vê-se o homem
a partir do que seria o gênero masculino, assim como quando
aprendíamos a língua portuguesa e classificávamos as palavras
em gênero, número e grau.
Muitos adolescentes ainda não absorveram esse conceito
até porque nem os próprios adultos o fizeram. As
transformações ocorridas na sociedade em virtude do
desenvolvimento do feminismo, que levou as mulheres a
reivindicarem e ocuparem novos espaços, a partir de novos
paradigmas, criaram condições para uma revisão importante
desse assunto.
Mulheres vivem e desejam plenamente a sexualidade,
além de todos os outros aspectos possíveis de realização
humana. Mulher não é só uma coisa ou só outra. Essas imagens
opostas e estereotipadas já não convencem ninguém. Ampliou-
se a conceituação da mulher e, portanto, ela deixou de ser
classificada como santa ou prostituta.
A pressa de alguns pais em promover a entrada dos filhos
na idade adulta, como aconteceu com Dênis, pode significar
para o filho apenas uma grande brincadeira. Pode simbolizar um
feriado em um hotel ou uma forma de usar a máscara do papai
que - diga-se de passagem - está mais ligado em bater um
papo com o amigo do que em namorar a mamãe.

Que medo!

Gino, quatorze anos, resume sua primeira transa:


"A viagem foi legal, cheguei da Inglaterra ontem. Fiquei


quase o tempo todo com meu primo. Aquele tio, o irmão do
meu pai que já foi preso, acho que mexe com drogas. Agora
tem um dos restaurantes mais sofisticados de lá. O meu pai
acabou falando com ele para eu transar com uma mulher. Você
não imagina o medo que eu passei. Fui parar num prédio que
acho que ele aluga para prostitutas. Cheguei lá e fiquei o tempo
todo pensando que podia aparecer a polícia a qualquer hora.
Não sei o porquê. Não senti nada... Foi normal."
Gino estava mergulhado num misto de perplexidade e de
sensação de dever cumprido, provavelmente perante seu pai
que o encaminhou. Ele atendeu ao chamado da necessidade do
outro (o pai) em dissonância com a que pulsava dentro de si. E
o pai acabou se tranquilizando com a experiência heterossexual
de seu filho, "confirmando" sua masculinidade.
A insatisfação do adolescente, que muitas vezes é
chamada de "os hormônios estão a toda", aparece como a
busca de algo que o satisfaça imediatamente. Nesse momento,
não vai importar se usará o próprio corpo ou o de outro. A
busca é o mais importante.
Provavelmente, contar para um amigo mais íntimo ou se
sentir igual numa roda pode tranquilizá-lo e atualizá-lo nos
passos em que os outros estão, ou contam que estão, juntos.
As fantasias paralelas que ocorrem vão criando dentro dele um
cenário onde ele é o herói e o bandido, usando estas máscaras
no momento mais apropriado. Mas ele passa bem distante do
que seria um contato afetivo, com as emoções de um carinho
consigo ou com a parceira. Ainda não está apto a viver
nenhuma lição de amor. Tudo é só ação.
Chegou a hora... E agora?

Sérgio, dezessete anos, tímido, lidando mal com sua


energia masculina. Eis seu relato:

"Fui na casa de massagem hoje. O Tito foi comigo, cada


um pegou uma. Eu já tinha ido uma vez e ela não estava lá.
Mas acabou não dando certo, não consegui. O Tito falou que
deve ter sido porque eu mijei antes, e para eu ir logo de novo
para não perder o jeito."
Ele estava se preparando para a sua estreia como muitos
outros adolescentes. O mais provável é que o seu nível de
exigência fosse tão grande quanto o seu despreparo emocional.
Teve até que conseguir teorias aliadas para diminuir sua
frustração em torno desse "fracasso", que só indicava a rejeição
que sentia em relação a uma atitude totalmente mecânica. Mas
essa era a regra de seu meio, nada mais importava.
Muitas vezes somos surpreendidos com o que um
adolescente é capaz de fazer independente de seu perfil ou
desejo mais profundo. Amizades têm poderes superiores ao de
qualquer X-Men, tirando o jovem de seu rumo interno. E não é
só nessa área, pois podem demovê-lo ou incitá-lo a ações que
ele poderia considerar desumanas consigo, se estivesse
refletindo sobre ela em uma situação terapêutica.
Tentamos mostrar a muitos jovens e adultos quantos
desvios de atuações ou interpretações de sensações podem se
distorcer. Quando eles param para questionar como estão
vivendo já não há mais caminho de volta. Sorte daqueles que
deixaram rastros de migalhas de pão e, ainda não devoradas,
podem indicar o retorno para o status nascendi e rematrizar{11}
o momento conflitante com algo menos destrutivo.

A farra

Geraldo, vinte anos, conta a sua experiência:


"Foi a maior farra. Entra o Hélio com aquela mulher que


ele estava tentando trazer pra República (de estudantes) outro
dia. Estávamos descansando um pouco antes de voltarmos para
estudar histologia. Quando vimos eles dois, começou a
sacanagem geral. Aí foi um de cada vez no quarto. O primeiro
foi o Lucas, ele era o mais tímido. Depois foi em fila, o Rafael, o
Zê e eu. Estava a maior "sopa". Foi o maior sarro!"
A possibilidade de o rapaz poder lidar com a vida sexual
em conjunto oferece a ele uma vivência mais lúdica a respeito
desse tema. Muitas situações vividas dessa forma desmistificam
situações que, no futuro, podem liberá-lo de traumas e
episódios mal resolvidos. Nada melhor que o descompromisso
de uma amizade mais íntima e homens aprenderem com outros
homens.
Muitas brincadeiras, mesmo de adultos jovens, podem ser
vistas com um olhar crítico de "diagnóstico" de
homossexualidade, mas são ainda resquícios de uma
adolescência que permanece e permanecerá por muitos anos. O
homem mantém sua energia adolescente como uma chama viva
de sua espontaneidade. Quando ela apaga, muitas vezes vai
junto a sua criatividade e pouco sobra para ele não se enrijecer
e deteriorar.
Essas cenas, rememoradas na vida adulta,
nostalgicamente adoçam o infortúnio de um massacre contínuo
do homem, que muitas vezes se perdeu, entristeceu e enfrenta
a solidão. Não são poucos os homens que se reportam a essa
época como a mais feliz de sua existência.

O desejo

Paulo, 22 anos, executivo:


"Eu nunca namorei firme nenhuma garota. Sei lá, fico


tímido, não me sinto bem com o meu corpo. Sou muito alto,
magrela. Não sei o que falar, o papo some. Quando vamos no
Café Photo, acabo levando uma garota para um motel, depois
me sinto mal. Fico com medo de alguém me ver. Seria o maior
vexame. Sei lá, fico com nojo da mulher."
Não é qualquer um que consegue assumir isso tão
naturalmente como Paulo. A sensação de ser usado, ou de seus
sentimentos usados tanto quanto percebe que usa, coloca o
jovem em contato com questionamentos individuais. Muitos até
mais precocemente já fazem críticas, estabelecendo para si
parâmetros firmes de como querem lidar com suas questões
sexuais, não admitindo o uso do sexo como instrumento de
afirmação ou de qualquer outra coisa. Aproveitam suas
dificuldades e expressam claramente sua intenção de se
proteger e de não tentar ultrapassar os próprios limites. É o
caso de Mauro, 25 anos, estudante de engenharia, introvertido
e quieto. Um ano depois da primeira relação sexual com uma
colega, acabou se casando com ela:

"Estou saindo com a Marta. Estamos nos encontrando no


intervalo do almoço. Ela realmente terminou o noivado com
aquele professor nosso."

E um mês depois:

"Estávamos sozinhos na casa dela e fomos para o quarto.


Começamos a nos beijar, deitamos e transamos. Nossa, achei
que iria ser mais difícil. Foi supertranquilo."

O respeito ao próprio ritmo e a necessidade de cada um


sempre deve ser o parâmetro para o início da vida sexual.
O famoso date dos americanos na década de 1960 fazia
furor entre os jovens brasileiros que queriam ter relações
sexuais. Aqui precisava-se mesmo é pagar e ficar com a
sensação de dever cumprido, de ambas as partes. Os norte-
americanos não, saíam com as garotas da escola e da
vizinhança e tinham grandes chances de uma noite mais
promissora sexualmente. Era a liberdade que todos almejavam,
bem antes do "ficar" que hoje tem espaço cativo entre nós.{12}
Esse "ficar" não indica absolutamente que terão uma
relação sexual completa. É sim algo totalmente
descompromissado, cheio de erotismo e sem nenhuma
possibilidade de se conhecer muito mais do que os corpos.
Poucas palavras são trocadas e a fantasia rola solta. Podem
imaginar que estão com quem quiserem, inclusive com eles
mesmos. É um misto de atividade auto e heteroerótica.

Amor, como conciliar?

Dudu, dezessete anos, bonito, alto e tímido:


"Agora não vou ficar mais insistindo com a Dóris. Ela fez
de tudo pra terminar o namoro. Fiquei mal. Acabou transando
com meu primo Bilt. Ontem fui na casa dela, os pais dela não
estavam, deitamos na cama deles. Acabamos transando.
Durante o namoro eu ficava esperando o momento melhor,
como era a minha primeira vez, eu queria que fosse legal. Eu
estava apaixonado, só via ela na minha frente. Agora não sou
mais virgem. Pensei que iria ser uma coisa emocionante. Foi
legal, me senti bem, mas não sei. Me sinto estranho. Não sei se
é raiva dela, se eu não curti direito ou se estou me contendo
para não ficar só pensando nela."
Se o adolescente aguardar um momento importante,
imaginando-se puro e devotado à menina que ama, ele pode
colocar-se numa relação onde o inverso não ocorra. A menina
pode não estar no mesmo momento. Situações perversas
típicas de momentos distintos de cada jovem costumam deixar
feridas indeléveis na personalidade masculina.
Não é incomum encontrar homens adultos a quem a
desconfiança e a amargura tornaram rudes, deixando o rancor
hibernando para acordar numa relação posterior (às vezes, no
casamento). Vejamos o depoimento de Michel, 41 anos,
empresário:
"Até hoje fico achando que a Bia tem outro. Em geral,
acho um absurdo, mas não assumo isso para ela. Ela precisa
ficar em guarda para não ficar "dando por aí, como sei que
muita mulher casada faz. Mas sabe o que eu acho: só
transamos depois que ficamos noivos. Casamos mais de um ano
depois. Mas foi no carro, às pressas. Quando fomos ver já tinha
sido. Até hoje não sei se acredito que fui o primeiro. Não
acredito nela."
Nada indica que o homem está fazendo eleições afetivas
maduras aos vinte e poucos anos de idade. A adolescência
perdura ainda nessa década, ameaçando tanto mais fortemente
quanto maiores forem os conflitos não resolvidos em etapas
anteriores da vida. Nem a entrada na faculdade ou a saída com
o diploma, ou até um saldo bancário mais gordo, isentam o
homem da necessidade de avaliar sua capacidade de se doar,
de receber e de se comprometer em toda a gama de suas
ações. Muitas vezes o que falam não é o que sentem, nem o
que prometem é o que pretendem fazer.

Integrando o que sinto e o que faço

Milton, quatorze anos, conta:


"Fui lá na Rua Japão. A gente não tinha o que fazer lá no


clube e foi transar. Na hora vejo quem eu vou escolher. Cada
vez é uma. Daqui a pouco não vai ter nenhuma diferente, já
terei ' pegado' todas."
Tito, dezoito anos, grandão, que chega nos lugares e
nunca passa despercebido:
"Você não sabe o que aconteceu!? Fui para Cedrinho e
consegui ficar na boate com aquela garota que já está me
secando há muito tempo. Lembra, nunca dava certo, eu
acabava transando com uma outra, afinal ninguém é de ferro.
Já 'peguei' tantas, a mulherada lá quando vê cara de São Paulo
você já viu, né, vão entregando tudo. Bom, levei ela para o
sítio, tudo dando certo nos 'trinques'. Quando estou
estacionando, vejo que meus pais tinham chegado lá. Estava
tudo apagado, menos a luz do quarto deles. Desliguei o carro
antes, entrei sem fazer nenhum barulho.
Eu segurava até a respiração. Mandei ela se mancar.
Quando olhei pelo corredor respirei aliviado. A porta do quarto
deles estava fechada! Bom, eu agradeci a todos os santos e
santas que eu conhecia e que não conhecia. Aí vamos lá. A
minha porta fechada, dava pra ver a rua lá fora, tudo
superajeitado. O maior malho, eu alisando ela, a mulher só
faltava uivar, uma tigresa. E aí... aí... aí, o que aconteceu?... O
quê?
A primeira vez da minha vida, o quê?... EU NUNCA tinha
vivido isso: o distinto resolveu não funcionar! Cê acha que
pode? Existe isso? Tudo legal, não podia ser melhor, mas o dito
cujo não queria saber de funcionar. Fiz de tudo, plantei
bananeira, evoquei o satanás, pensei em todas as outras,
prometi servir o exército, mas não adiantou."
O homem integrado é aquele que encontra a emoção e a
razão como bússolas para seus vínculos. O rapaz procura
encontrar a trilha para a clareira, mas não encontra um apoio
eficaz que o oriente adequadamente para evitar andar em
círculos. Quantos exemplos poderíamos dar a respeito desse
momento de iniciação sexual do adolescente masculino e das
diversas máscaras que este passa a usar desde então para
esconder a insegurança e o medo do fracasso?
Várias formas de ser se manifestam nos diferentes
adolescentes. As histórias se repetem, mas também se
transformam ao longo do tempo, dependendo das
características dos jovens, de seus pais e da relação entre pais
e filhos. Em geral, a participação do pai é maior nesses
assuntos. Ele tem uma presença marcante, propiciando,
estimulando ou, em determinadas situações, ausentando-se,
deixando a cargo do social, dos amigos ou da vida. Mas há
exceções. Lembramos bem um rapaz com quatorze anos e seu
difícil relacionamento com o pai que já há vários anos vivia
separado da mulher. O filho, literalmente, tornou-se o apoio da
mãe em todos os momentos de insegurança, mantendo um
relacionamento muito próximo com ela, à beira do simbiótico.
Quando, com a ajuda de um primo, teve a primeira relação
sexual com uma prostituta, paga pela mãe, houve uma
comemoração com os irmãos e um relato pormenorizado para
essa mãe que preenchia tantos papéis.
Pais próximos são um bom indício de cuidado, desde que
haja respeito por si e pelo outro. Principalmente a figura
paterna, hoje com a mesma função de educar, que antes era
prerrogativa das mães, cria chances de troca dentro de uma
esfera masculina importantíssima para o desenvolvimento do
futuro homem.
Eis as dúvidas de um pai, Ronaldo, 37 anos, alto executivo
de uma multinacional:

"Estou preocupado com o meu filho maior. O Tom tem


quatorze anos, e eu não gostaria de errar como o meu pai errou
comigo. Ele era rigoroso em todos os sentidos. A sua
austeridade nunca me deixou à vontade para nada em relação à
iniciação sexual. Tive que me virar sozinho. Quero que você,
Luiz, me dê uma orientação nisso, mesmo que você não
conheça o Tom. Conversei muito com a minha esposa atual a
respeito disso. Ela é psicóloga e tem uma postura clara de que
se eu propiciar a ele sua primeira experiência sexual com uma
prostituta, isto pode deixar marcas severas nele. Ela diz que
uma relação sem afeto é ruim para a vida sexual. Devo ou não
pagar uma prostituta pra ele?{13}

Hoje, também os homens devem se preparar para usufruir
dessa relação com o filho. O pai não vai amestrar somente o
sexo do seu herdeiro. Vai propiciar um crescimento mutuo para
pai e filho, a descoberta do amor, com a possibilidade de um
desenvolvimento mais harmônico com a sexualidade.
Ao contrário do que acontece com Sílvio, 18 anos, um
homem forte e plenamente desenvolvido fisicamente:

"Eu estava completamente bêbado. Nem sabia o que


estava acontecendo. Estava todo mundo na casa do Lê.
Começamos a passar a mão um no outro, a Chica, o namorado
dela e eu. Depois fomos para um bar. Fiquei com ela enquanto
o namorado saiu para dar um rolé. Aí saímos andando pela rua
e quando chegamos na Avenida Paulista, começamos a transar
no ponto de ônibus, nós três. Aí chegou a polícia e levou nós
três em cana. Foi a minha primeira vez, mas não acabei,
também não usei camisinha."

Ritual de passagem, revestido de angústias e fantasias, a


primeira experiência sexual acaba sendo para o adolescente um
teste em que ele precisa desesperadamente sair-se bem, para
ver confirmada a sua masculinidade e a sua identidade de
homem. É, portanto, um momento crítico em que ele precisa
usar máscaras para não sucumbir. Porém, a primeira relação
não é o único teste que ele enfrenta.

Vestibulares da vida

O período que se estende dos quinze/dezesseis anos até o


início da vida adulta é marcado por avaliações de caráter muito
variadas. No caso brasileiro, o teste mais emblemático é
certamente o vestibular para entrar em uma universidade. O
vestibular é um exame que tem para o adolescente uma carga
simbólica muito grande, uma vez que não se trata de uma
simples prova escolar, como várias outras.
Pressionado pela família e pelo meio, o jovem tende a
encarar o vestibular como uma prova que investiga tudo o que
aprendeu no passado, até aquele momento, além de decidir o
caminho que ele vai percorrer pelo resto de seus dias. Assim,
esse teste é um verdadeiro "exame de consciência", que põe o
dedo na ferida do emocional juvenil. Diante do dragão do
vestibular, a maioria dos jovens não consegue se perceber como
um cavaleiro andante medieval, com escudo, armadura e lança,
enfim, bem armado e equipado para enfrentar esse monstro.
Ao contrário, a situação afeta sua autoestima, reduzindo-a
a graus assustadoramente baixos. Para piorar, nessa fase, as
provas para entrar na faculdade não são o único confronto de
sua vida. Esse é um período em que o adolescente ou jovem
adulto estará sendo testado socialmente o tempo todo. Esse é o
momento em que começarão a surgir as preocupações em
arrumar o primeiro emprego, em ter o próprio dinheiro para
conquistar independência afetiva.

Máscaras de X-Men

Angústias, dúvidas, divisões internas marcam o final da


adolescência, levando os indivíduos nessa fase a se sentirem
verdadeiros "mutantes". Não por acaso, os personagens "X-
Men" se tornaram um dos maiores fenômenos do cinema no
ano 2000. Esses personagens já faziam sucesso há 37 anos nas
histórias em quadrinhos.
No final de setembro de 2000, mais de 50 milhões de
pessoas (a maioria adolescentes), no mundo inteiro, já tinham
ido ao cinema para ver as aventuras de Wolverine, Vampira,
Cíclope, Fênix e toda a turma dos mutantes do Professor Xavier.
Foi um sucesso estrondoso. E, se este número de espectadores
está lhe parecendo muito grande, fique sabendo que as revistas
em quadrinhos dos mesmos personagens, desde o primeiro
número, já venderam 400 milhões de exemplares, somando-se
todos os países em que são publicados (no Brasil, a cada mês,
as revistas dos X-Men saem para as bancas com 150 mil
cópias).
É isso: os X-Men são os super-heróis mais bem-sucedidos
de todos os tempos, ao lado do Batman e do Super-Homem,
embora tenham aparecido há bem menos tempo do que eles.
Enquanto estes últimos datam da década de 1930 e 1940, os X-
Men foram criados em 1963 pelo escritor Stan Lee e pelo
desenhista Jack Kirby, que já haviam lançado outros
personagens de sucesso, como o Capitão América e o Homem-
de-Ferro. Assim, Wolverine e companhia povoam o imaginário
juvenil há exatos 37 anos. Foi na década de 1980, porém, que
eles ganharam a cara que têm hoje, quando o roteirista Chris
Claremont e o ilustrador John Byrne assumiram o comando das
revistas do grupo, atualizando-as e deixando-as mais próximas
das gerações de jovens das últimas décadas. Aliás, é esse o
segredo do sucesso dos mutantes junto a seu público principal:
o adolescente.
Os X-Men são heróis diferentes dos outros, por serem
marcados por profundos conflitos internos, por sentirem solidão
e pela grande incompreensão que sofrem por parte dos seres
humanos comuns, com os quais têm de conviver. Seus poderes
especiais, adquiridos por mutação genética, de nada lhes
servem para resolver esses problemas básicos. Quem também
está passando por uma fase de mudança, experimentando os
primeiros conflitos com os adultos e, frequentemente, sentindo-
se só e incompreendido - em outras palavras, o adolescente -,
não pode deixar de se identificar com eles. Nesse sentido, os X-
Men são uma espécie de versão atualizada das velhas
mitologias da Antiguidade. Os mitos são histórias com alguns
milhares de anos, em que heróis como Ulisses, Hércules, Teseu
ou Jasão enfrentavam enormes perigos, em geral representados
por criaturas monstruosas, como a Hydra de Lema ou o
Minotauro.
A psicologia percebeu que, por trás das aventuras desses
heróis fantásticos, existiam significados mais profundos,
relacionados à própria vida do ser humano. E o que se passa
com os X-Men, na medida em que seu modo de ser se
assemelha ao dos jovens e revela, por trás das máscaras
heroicas e anti-heroicas, algumas características da
personalidade destes.
Enfrentando os "monstruosos" vestibulares da vida, o
jovem encontra em seus heróis - obviamente mascarados -
vários modelos de máscara que podem experimentar em
situações de perigo e, como seus super-heróis, ele vai se dispor
a encarar os riscos que a vida lhe oferece, mas não sem a
proteção das máscaras. Sentindo-se posto à prova em todos os
aspectos da vida, o próprio jovem acaba sentindo vontade de se
testar: quer saber até onde seu corpo aguenta, quer saber até
onde suas emoções suportam, quer testar os próprios limites.
O adolescente está frequentemente em contato com a
frustração - há uma constante nostalgia da onipotência infantil
e, também, há a vivência onipotente de realizar tudo e muito
mais do que os adultos já realizaram. Por isso, a comunicação
com o adolescente não ocorre de maneira lógica e adequada.
Podemos esperar reações completamente imprevisíveis,
díspares ou inadequadas, já que ele está num processo de
discriminação de sua identidade: para ser ele, o adolescente
sente necessidade de ser diferente do outro, principalmente do
adulto. E o momento do acting out, isto é, de condutas
dramáticas e desordenadas que expressam sua vontade de ser
adulto, de ter o poder do adulto, e, ao mesmo tempo, sua
incapacidade de pedir ajuda. Alguns comportamentos típicos
desafiadores a que o adolescente se propõe estão relacionados
a seguir:

- Sair à noite e passar a noite inteira na rua ou em festas


com os amigos, sem dizer o seu paradeiro.
- Competir com os colegas e ver quem bebe mais cerveja
ou quem é capaz de beber até cair.
- Descobrir quantas vezes consecutivas é capaz de transar
com uma garota, ou fazê-lo no teto da cobertura do prédio.
- "Roubar" o carro do pai e dar um "rolé" na cidade,
evitando encontros com a polícia, ou ainda participar de
"rachas" em que exceder os limites é a grande regra do jogo (o
carro, aliás, é visto como um símbolo ambivalente de poder e
proteção).
- Relacionar-se com pessoas que considera "da pesada",
como traficantes e marginais, sem se considerar identificável
pelas autoridades policiais.
- " Ficar" ou namorar ou transar com várias garotas ao
mesmo tempo (no caso das transas, ele não vai se preocupar
em usar camisinha, pois se sente invulnerável).
- " Experimentar drogas pesadas.

Na dinâmica de se colocar à prova o tempo inteiro, o


adolescente acredita que seu corpo é capaz de aguentar tudo.
Na verdade, porém, por trás dessa crença, existe outra, oposta:
"O meu corpo não vale nada." É por isso que não se preocupa
em colocar-se em situações de risco e, muitas vezes, subestima
as consequências que podem vir daí. importante é o que pensa.
Seu raciocínio lhe dá um escudo em que sua face não é
identificada, tornando-se inatingível e, ao mesmo tempo, refém
da própria trincheira.
Tendo-se sentido solitário desde a separação da mãe, no
início da infância, o jovem agora pensa: "Quem mais me ama
sou eu mesmo." Por isso, diz saber o que é melhor ele mesmo e
não pensa no futuro. Coloca na realidade a máscara do
presente, um presente que jamais acaba, presente eterno.
Ciente da impossibilidade de permanecer sempre nesse
estágio, quer aproveitar ao máximo as possibilidades que lhe
oferecem o agora. Mesmo porque, no fundo, não deixou
espelhar-se em seu pai (ou melhor, contra-espelhar-se). Vê o
genitor como um homem que só trabalha, que não tem prazer
algum na vida. Geralmente, os pais desses adolescentes estão
mesmo se matando de trabalhar e vivendo uma vida cheia de
obrigações, para cumprir as exigências de ser o "grande
provedor da família". Trata-se, muitas vezes, de homens que já
perderam a noção de prazer, quando não se considerando que o
grande prazer de suas vidas é o trabalho, deixando em plano
secundário os demais prazeres - quando muito, faz-se uma
"honrosa" exceção ao sexo.
Quanto aos meninos, estes pensam: "Eu, hein? Vou é
aproveitar ao máximo tudo o que tenho direito enquanto é
tempo, porque logo logo vou estar na mesma situação do meu
pai, que não tem prazer algum na vida." A sensação de que,
brevemente, vai "entrar numa fria", o horror de ver o futuro
sombrio, carregado de responsabilidades, levam o adolescente
a querer todo o prazer possível.
Mas rejeitar o modelo paterno não significa que o jovem
esteja dispensando os modelos de modo geral, pois ele continua
precisando deles. Assim, é em seu grupo de amigos que irá
procurar aqueles a quem imitar: ele quer ser como os outros
adolescentes, para sentir-se integrado à própria idade e ao seu
modo de vida. Por isso, os jovens costumam formar turmas e,
às vezes, gangues que se sentem filiadas a grupos maiores, as
"tribos", que frequentam os mesmos lugares, vestem as
mesmas roupas. Em conjunto, constroem máscaras que se
assemelham e que são um verdadeiro endosso para sua
maneira de ser... inseguros, Junto aos colegas da mesma idade,
o adolescente não quer ser diferente, tem vergonha de se sentir
inferiorizado.
Num workshop com jovens de uma rica região do estado
de São Paulo, que iriam viajar para o Rio de Janeiro, a maioria
deles manifestou medo de ser considerado "caipira", de ser
visto como alguém que fosse para a praia com botas de
montaria e chapéu de cowboy.
Para sentir-se à vontade, os jovens têm a necessidade de
colocar a máscara do outro, junto ao qual estarão. Mas não se
deve desconsiderar que os jovens também competem entre si e
têm possíveis comportamentos opostos. Para provocar os rivais
e impor-se, o adolescente pode pintar com cores mais fortes a
sua máscara, a do seu grupo. Ele pode, por exemplo, afirmar:
"É, eu vou de botas à praia!"
Primeira bomba na guerra dos sexos

No final da adolescência, a diferenciação em relação ao


sexo oposto se delineia claramente para o rapaz e já não
restringe ao aspecto físico. Nessa faixa etária, o começa a
formar uma noção mais completa da mulher ("menina é um
saco!"). Entretanto, esta noção se forma cor base em vários
mitos sobre os papéis masculinos e femininos que ele escutou e
aprendeu desde a infância.
Para o adolescente ou jovem adulto, "a mulher deve se
respeitada", o homem "deve tomar conta dela".{14} Diante dessa
responsabilidade que ele se auto impõe, surge a possibilidade
de se expor para esta "mulher frágil e fútil, incapaz de
proteger-se sem o auxílio do homem". Com essa visão, ele logo
começa a sentir-se explorado pelas mulheres e tende a ser
agressivo com elas. Atrás da máscara de condescendente-
protetor, há um rosto bravo e cansado.
No início de um workshop sobre diferenças de gênero,
vários adolescentes manifestaram a opinião de que "mulher é
cricri", "mulher reclama". Para muitos, a mulher tem a intenção
de prendê-los através de laços afetivos e torná-los "grandes
provedores" (sem prazer), como seus pais. Além disso, a
diferença entre homens e mulheres residiria no fato de os
primeiros serem capazes de enfrentar qualquer situação,
independentemente dos riscos, enquanto as últimas só sabem
se proteger. "O homem enfrenta seus medos e a mulher se
protege", foram as palavras de um dos participantes. Alguns
aproveitam essas diferenças para afirmarem padrões de
condutas que já não estão de acordo com a realidade social
moderna e que parecem extraídos de uma mentalidade
patriarcal: "Se aceitamos o fato de que elas não têm força física
para serem pedreiros", disse um dos rapazes, "por que não
aceitam o fato de que nós, homens, não temos aptidões para os
afazeres domésticos?"
Radicalizada com o passar do tempo, essa concepção
errônea sobre as mulheres e sobre seus papéis, bem como
sobre os papéis do homem em relação a elas, acaba por minar
a relação homem/mulher, impedindo que esta se desenvolva no
sentido da busca do outro, do encontro, da amizade e do amor.
Sabemos que, numa relação amorosa, os impulsos iniciais da
paixão são canalizados para o sexo, para as expressões de
carinho, para os gestos de ternura. Com o passar do tempo, as
dificuldades do dia-a-dia e os desentendimentos latentes, os
sentimentos podem se transformar e entrar em um caminho
sem volta. Aliás, as máscaras colocadas em função do
afastamento da família e dos próprios movimentos tendem a
ficar mais pesadas com o passar dos anos, semelhantes àquelas
de ferro, usadas pelos prisioneiros da Idade Média, verdadeiras
prisões para a face e a cabeça. Com as máscaras, mais do que
encontrar proteção, o homem viverá a tortura.
Pior é que, no início da idade adulta, o homem já não
acha possível aceitar o apoio da família ou de pessoas próximas
dele. Quando tem sorte e encontra um amigo ou alguém que
respeita, como um professor ou uma namorada que realmente
goste dele, ainda há chances de reverter o quadro e seguir um
caminho menos arriscado. Mas esse amigo ou namorada pode
conduzi-lo também às drogas ou à marginalidade.
Por tudo isso, não é de espantar que sejam cada vez mais
frequentes os diagnósticos da síndrome chamada Attention
Deficit Disorder (ADD). Trata-se da manifestação de atitudes e
comportamentos disruptivos e tempestuosos que, muitas vezes,
não se devem a qualquer causa de ordem fisiológica, mas sim
de fluxos emocionais conflitantes. Depois de represar
sentimentos ao longo de duas décadas, o homem agora quer se
ver livre de todas as amarras e cair na vida como um
marinheiro cai na noite, depois de passar, uma infinita jornada
de monotonia no oceano.
Vale lembrar que o percentual dos casos de ADD
aumentou 25% na década de 1990. Não se trata de uma
epidemia da síndrome, como alguns poderiam pensar, mas do
fato de que se conseguiu isolar este diagnóstico de outras
manifestações patológicas com as quais a ADD se confundia
como, por exemplo, a hiperatividade.
Rompendo círculos viciosos

Várias orientações podem ser dadas aos pais para evitar


que seus filhos enfrentem situações como as que foram
apresentadas. Uma postura amorosa e empática faz parte de
todas elas. Só os próprios pais são capazes de estabelecer uma
ponte entre eles e os adolescentes, ensinando-os como se lida
com o sentir e oferecendo a seus filhos uma verdadeira
educação emocional.
Em primeiro lugar, é importantíssimo que os pais não só
deem atenção aos seus garotos, mas que também lhes
mostrem que há espaço e tempo no seu dia para lhes dar
atenção. Assim, é bom reservar momentos diários para passá-
los exclusivamente com os filhos, conversando ou praticando
alguma atividade juntos. Não se trata, é claro, de ficar
assistindo à televisão, ou lendo o jornal ao lado deles. Tem que
ser algo que permita interação e proximidade. É preciso que
haja diálogo e esse diálogo precisa ser permeado de afeto. Não
chegar ao garoto com uma espécie de interrogatório sobre a
vida dele, mas procurar ficar ciente da vida que leva
diariamente, para não ficar lhe perguntando o óbvio. Também
não é adequado empregar atitude irônica ou até linguagem que
acabe envergonhando o filho. É um absurdo a postura de certos
pais que "tiram sarro" das fraquezas do filho e de seus
interesses.
É recomendável expressar amor e empatia. Mesmo diante
da máscara da agressão e da raiva, os pais precisam saber
olhar por trás desses sentimentos manifestos e encontrar ali o
que se esconde. Vale a pena mostrar para o próprio filho o que
há por trás de sua agressividade e raiva, da mesma maneira
que se deve encorajá-lo a expressar as suas emoções,
estimulá-las, estabelecendo uma comunicação próxima e
natural.
É necessário também demonstrar respeito pelo filho para
falar sobre os assuntos deste. Entrar na sua vida "pedindo
licença" e não invadindo-a como se fosse propriedade paterna.
Não deixar em momento algum de manifestar interesse e apoio,
dizendo frases que tenham sempre um caráter estimulante:

- Que legal que é a sua namorada! ou Que legais são


esses seus amigos!
- Como é emocionante esse rock!
- É difícil estudar para o vestibular! Eu teria vontade de
desistir.
- Que medo que dá ficar sozinho! Saiba que estou por
aqui.
- Como é duro ficar sozinho! Às vezes, me sinto assim e
não sei o que fazer.
- Estou vendo que isso está sendo difícil para você, como
posso ajudar?
- É claro, ... quando ele deixar!

Segunda Parte.

Máscaras.

QUATRO: O mundo do trabalho.

Primeiro emprego: um palco para as máscaras

O mundo profissional é o palco ideal para o homem


experimentar todas as suas máscaras. No trabalho é que o
homem vai exercitar a maioria das máscaras que ele constrói e
que construiu até então na sua vida, como vimos nos dois
capítulos anteriores. É o grande palco onde ele experimentará
todas essas camuflagens. É exatamente na empresa onde se
exige que ele demonstre, no cotidiano, muitos sentimentos e
emoções que muitas vezes não são aquilo que está dentro dele
ou que não refletem o homem real que existe por trás dessas
máscaras.
As transformações físicas, biológicas, celulares,
bioquímicas que o homem atravessa em seu processo de
crescimento repercutem em sua formação emocional e também
na carreira profissional. No momento da transformação do
jovem em adulto é que ocorre a procura de um trabalho e surge
a necessidade de independência.
Quando observamos, por exemplo, um grande
empresário, vemos diante de nós apenas o empresário. Mas, na
verdade, o que vemos é resultado de uma série de fatores,
impossíveis de se verificar. Qual foi a relação que esse homem
teve com o pai e com a mãe? Onde ele morava? Como se
relacionava com os amigos? Na realidade, há uma enorme
quantidade de fatores que influenciaram sua vida e a
importância de cada um desses fatores é impossível de se
mensurar.
O trabalho é encarado como passaporte que o homem
tem para a vida, para cruzar a fronteira da afirmação social. O
mundo do trabalho é palco também para um momento de
diferenciação entre OS gêneros. A identidade mais profunda do
homem está no trabalho, naquilo que ele faz. Já para a mulher,
a identidade mais profunda muitas vezes está em seu plano
afetivo e social.
O modelo de vida adotado pela maioria das pessoas na
sociedade moderna estabelece que o homem deve ser um
superrealizador, esforçando-se todo o tempo na perseguição do
poder e do sucesso. Essa busca incessante acaba tornando o
homem prisioneiro de si mesmo, do que faz e não do que é,
impedindo a expansão de sua personalidade na direção da
plena realização como ser humano. Em vez disso, o homem
tende a voltar-se para a obrigação, para o trabalho para o auto
sacrifício.
Ao ingressar numa empresa, o homem, ainda muito
jovem, perceberá que terá de ser muito frio, muito calculista,
não poderá de maneira alguma demonstrar qualquer tipo de
fraqueza, nenhum tipo de sentimento mais tênue, mais
sensível, mais ameno. É na empresa que ele terá à sua
disposição o imenso palco para se tornar aquele tipo de homem
executivo, sempre trabalhando muito, sem tempo para si ou
para os prazeres da vida. Adaptação ali é a palavra de ordem.
Ou seja, é no ambiente empresarial que as máscaras o
afastarão daquilo que ele realmente é para transformar-se
naquilo que a empresa requer dele.
Os valores adotados na sociedade ocidental
contemporânea, notadamente no mundo do trabalho, levam em
conta apenas as pessoas que atingem o sucesso, o poder, o
dinheiro e a superação do próximo. A consequência da adoção
desses valores é o surgimento de grandes expectativas e
também de acirrada competição entre os mais jovens quando
iniciam suas vidas profissionais, como neste caso:
Álvaro e Jonas eram grandes amigos. Os quatro anos do
curso técnico em eletrônica, no ensino médio, foram a ocasião
para o fortalecimento de laços e para o surgimento de
cumplicidades. A amizade se fortalecia com as viagens, com as
cervejas no bar ao lado da escola e, principalmente, com as
longas conversas sobre namoradas, política e música.
No final do último ano do curso técnico, os dois foram
admitidos em uma empresa de telecomunicações como
estagiários. Moravam em bairros próximos e costumavam voltar
juntos do trabalho, às vezes parando no caminho para um
cinema ou um chopinho.
Depois de poucos meses, Álvaro foi efetivado como
funcionário da empresa, tendo seu salário quadruplicado,
enquanto Jonas permaneceu como estagiário, tendo agora seu
trabalho coordenado e controlado, precisamente, por Álvaro.
Este, feliz pelo novo status profissional, fazia de tudo para
justificar e impulsionar a própria ascensão. Sem perceber,
começou a ser muito exigente com Jonas que, por sua vez,
sentindo-se preterido, já não rendia tanto no trabalho e olhava
o amigo com olhos de desconfiança. Deixaram de voltar juntos
para casa depois do trabalho.
Não demorou para que sérios desentendimentos
surgissem. Álvaro, fiel aos princípios de produtividade da
empresa, não admitia atrasos, imprecisões, incertezas. Era
rigoroso. Cobrava de Jonas, ainda com mais intensidade, aquilo
em que cobrado por seu chefe. Sentindo-se traído pelo amigo e
desiludido, Jonas deixou de se esforçar tanto.
Em uma reunião de avaliação com seus superiores, Álvaro
teve alguns resultados de sua equipe de produção
questionados. Ao final do encontro, Jonas e mais um outro
estagiário foram chamados e tiveram seus contratos de estágio
rescindidos. Álvaro e Jonas nunca mais se falaram. Uma
amizade tinha acabado.
O caso citado mostra como o jovem que acaba de entrar
no mercado de trabalho é induzido a ser uma pessoa fria e
racional ao extremo, a ultrapassar quaisquer contatos afetivos
anteriores. Uma história de relacionamento afetivo não interfere
no seu plano de carreira quando se trata de atingir uma meta.
Esse padrão de comportamento é garantido pela utilização das
máscaras. Muitas vezes, ao deixar o local de trabalho, o jovem
retira essas máscaras e se transforma em uma pessoa
completamente diferente.
Os dois depoimentos que seguem ilustram perfeitamente
esse tipo de situação. Ambos se referem a uma mesma pessoa.

"O Zé Alberto é um gênio, é certamente o melhor repórter
que o jornalismo já conheceu nos tempos recentes. Mas, para
ser como é, ele tem que ser um cara frio, calculista, que não dá
um passo antes de pensar em todos os outros que vai dar a
seguir. E, principalmente, ele só pensa nas informações que ele
tem de tirar de suas fontes, não importa se isso depois vai
deixar as pessoas em maus lençóis. Por isso, ele não tem
piedade de nenhum colega. Quer chegar na frente de todos,
nem que para isso seja obrigado a passar muitas rasteiras.
Aliás, já ouvi até entrevistados dele dizerem que ele nunca sorri
ao fazer uma entrevista. Normalmente é um cara seco, mal-
humorado e, pelo menos aqui no jornal, não tem amizade com
quase ninguém." (Depoimento de Luciano, 36 anos, editor de
um grande jornal brasileiro, sobre o repórter José Alberto, seu
subordinado.)

"Nunca conheci uma pessoa tão bem-humorada como o


Zé Alberto. Ele está sempre contando piadas, tirando sarro, tem
sempre uma tirada, uma frase de espírito para comentar
qualquer situação. Aqui no gramado, ele é a alma do time. É ele
que faz a equipe funcionar como uma equipe. Sabe armar as
jogadas e passar a bola para quem estiver mais bem
posicionado que ele para fazer o gol." (Depoimento de Gustavo,
21 anos, capitão do time de futebol amador do qual o repórter
José Alberto, nas horas de folga, é centro-avante.)

Como se vê, José Alberto, 27 anos, apresenta-se de


maneira completamente diferente no mundo profissional e fora
dele. Na redação do jornal em que é repórter, veste a máscara
do durão, do impassível, não tem pena dos colegas e lhes passa
rasteira sem dó, para conseguir fazer bem feito o seu trabalho.
Nos momentos de lazer, que dedica ao futebol com os amigos,
deixa transparecer o seu lado mais humano e emotivo,
tornando-se bem-humorado e solidário, a ponto de pôr sua
individualidade de lado e se preocupar principalmente com o
grupo de que participa.
Retornando, porém, à nossa linha de raciocínio, o ingresso
no mundo do trabalho é a etapa mais crucial da vida da maioria
dos jovens. Por desejarem tanto sucesso quanto
reconhecimento, não temem utilizar as máscaras de maneira
bastante eficaz e esbanjadora. Por um lado, o mundo do
trabalho representa, para um jovem que inicia uma profissão,
uma série de desafios, esperanças e expectativas de
crescimento e, principalmente, de estabelecimento de uma
carreira de muito sucesso. Por outro lado, existe o aspecto que
é ali, naquele exato momento, que esse jovem terá de
experimentar e usar suas máscaras.
Cada vez mais cedo, infelizmente, cobra-se do jovem uma
série de decisões em sua vida. Ele tem de tomar decisões
importantes, frequentemente sem estar preparado,
amadurecido e experimentado - e o que foi decidido em geral,
será válido para toda a sua vida. As vezes, aos quatorze/quinze
anos, o jovem (na verdade, praticamente um moleque) já tem
de decidir sobre sua vida profissional. No ensino médio, ele
costuma direcionar seus estudos para uma área específica
(Ciências Exatas, Humanas ou Biológicas) e, aos
dezesseis/dezessete anos, escolhe sua profissão.
Até os 25 anos de idade, o jovem já terá tomado as
decisões mais importantes de sua vida profissional e decidido os
papéis que vai desempenhar e as máscaras que terá de utilizar.
Graduou-se no curso superior, iniciou carreira, fez estágios, está
em pleno curso de uma carreira escolhida com bases
impulsivas, imitativas, muito pouco elaboradas, sem
fundamentos em aspectos essenciais de sua personalidade. Às
vezes, a voz da revolta, o grito de socorro, o sinal de
afogamento só se dá por meio de sintomas de desmotivação ou
de depressão, passados muitos anos de uma vida já agora
estruturada em planos intocáveis.
Esse fardo extremamente pesado acompanha a cultura de
valores sobre o que significa ser homem na sociedade. Mas
como acertar a estrada a seguir se a opção é feita quando os
homens são quase crianças? O que se cobra do homem é que
ele tome decisões corretas no início da vida e que elas
permaneçam imutáveis até o fim de seus dias. Isso é muito
penoso, pois, além de atribuir uma série de responsabilidades a
esse jovem que ainda não está preparado para assumi-las,
geram-se muita ansiedade e insegurança.
Essa concepção de educação do jovem de sexo masculino
que inclui uma carga de responsabilidade exagerada, deixa o
rapaz em meio a tanta pressão, sem saber se ele ouviu a si
mesmo ao tomar uma decisão, se foi influenciado pela carreira
do pai, pelos desejos da mãe ou por outro fator qualquer, como
ser igual ao melhor amigo ou ficar perto da garota por quem
está apaixonado. Isso poderá fazer com que, no futuro, muitos
desses jovens se frustrem e muitos deles revisem aquela
decisão que foi tomada no início da idade adulta. Mas a
sociedade, que não admite decisões erradas, vê com maus
olhos aqueles que aos 30, 35 ou 40 anos procuram dar uma
guinada do ponto de vista profissional.
O primeiro trabalho deve confirmar então que a opção
profissional feita foi correta e dirimir as interrogações que
existem na cabeça do novo homem. Ao ser aceito no primeiro
emprego, o jovem sente-se extremamente motivado. Ao entrar
em uma empresa, a maioria tem a expectativa de realmente ter
à frente uma carreira brilhante, sucesso na profissão escolhida
e, evidentemente, poder ganhar muito dinheiro. O primeiro
emprego também o liberta, pois, ao conseguir trabalho, ele
adquire independência financeira e não depende mais dos pais
para sua manutenção, podendo comprar e consumir o que lhe
interessa. Ou seja, nesse momento, o jovem ganha muito mais
liberdade do ponto de vista social. E, tão importante quanto a
liberdade, ganha o respeito em sua família e em seu meio
social, afirmando-se como homem provedor.

Ganhando o próprio dinheirinho

Quando o rapaz cresce e se define profissionalmente,


consolida seu projeto de independência financeira. Ele vai
querer sair da condição de dependente, de sustentado pelos
pais e do status de "não posso pagar minhas contas".
Um dos aspectos mais importantes do primeiro trabalho
de um jovem é, portanto, a ideia da libertação econômica. Mas,
por outro lado, começa a pesar nele a grande interrogação:
"Será que era isso que eu queria para a minha vida?"
Veem-se com frequência homens em início de carreira
ainda se questionando se fizeram a melhor opção em termos
acadêmicos e de atuação profissional. Não raro observa-se
também que muitos, lá pelo terceiro ou quarto ano de
faculdade, acabam tomando a decisão de abandonar
determinado curso e iniciar outro, porque já perceberam que
continuar naquele caminho não lhes trará prazer, pois não estão
satisfeitos e não se sentem felizes naquela profissão.
O jovem entra no mercado de trabalho com perspectivas
promissoras, mas, em geral, acaba envolvendo-se numa crise:
ele percebe uma relação de interdependência bastante
negativa, sentindo as amarras que o trabalho lhe impõe. É
muito comum se ver também, devido à realidade econômica,
um rapaz muito mais preocupado em manter o emprego, em
não perder seu cargo, do que em questionar se é aquilo que ele
gostaria de fazer, se aquela direção é a que ele gostaria de dar
para sua carreira. Muitas vezes, é prematura na vida do jovem
essa relação de dependência do trabalho como forma de
subsistência. Na verdade, ele nem deveria ter essa sensação,
uma vez que não tem, na maioria dos casos, grandes
compromissos financeiros, nem grandes dívidas.
Frequentemente solteiro, ele, que ingressa no mercado de
trabalho, precisaria, na prática, do básico para sobreviver em
seu dia-a-dia. No entanto, percebe-se nas empresas que a
vontade de ganhar o próprio "dinheirinho" faz esse jovem se
vincular fortemente à questão da subsistência, com medo de se
lançar em novas iniciativas e possibilidades. Ele prefere um
papel que não lhe cabe, que não corresponde à sua essência,
para manter o compromisso do uso da máscara, encenando o
personagem de um script que não é o seu. Com frequência, a
desejada independência financeira por meio do trabalho pode
significar, para aquele que acaba de ingressar no mundo
profissional, a supressão de sua liberdade de tomar iniciativas
indispensáveis para sua satisfação pessoal.
Por que o dever se distancia do prazer? Por que o trabalho
se desvincula da energia da vida? O motivo é a função
fundamental de sobrevivência, que faz com que o trabalho
deixe de oferecer ao jovem a busca por algo novo e motivador.
A perseguição da independência financeira acarreta a perda da
riqueza da tentativa e da incerteza. Tudo que traz muita certeza
acaba fixando, paralisando e diminuindo a energia. Arriscar é
pesquisar. Cumprir o dever é adaptar-se ao pacote
preestabelecido. O dever torna-se pesado quando o trabalho,
em vez de movimentar a energia da criação, que seria seu
sentido primordial, limita-se apenas ao desejo: "Preciso
sobreviver." Esse processo leva o jovem, pouco a pouco, a
questionar a satisfação que ele tem com o trabalho. E isso
muitas vezes ocorre ainda na transição para a idade adulta, que
normalmente se dá entre os 17 e os 22 anos. Este é um período
crucial do ciclo de vida do homem, no qual o garoto procura seu
lugar no mundo dos adultos. Questionar é a tentativa de não se
deixar mascarar no que está consoante com o seu mundo
interno. O trabalho é o local onde esse novo adulto sente que
pode provar muitas coisas para a sociedade, que na maioria das
vezes é implacável. O resultado é que, com o passar dos anos,
a insatisfação profissional aumenta enormemente sem o
questionamento anterior.
É difícil encontrar uma pessoa que tenha iniciado sua
carreira em uma empresa, de maneira desmotivada, sem
esperança, sem perspectivas. Começa-se um novo trabalho,
uma vida profissional, imaginando-se um futuro brilhante, mas
o que se encontra no dia-a-dia da empresa vai aos poucos
minando a motivação. O jovem começa a se transformar, a se
questionar quanto a sua profissão e quanto a sua carreira.
Percebe que o trabalho não lhe dá o nível de satisfação que ele
gostaria de ter, não lhe dá a liberdade almejada. Mas liberdade
para quê? É uma sensação de prisão, aliada a um incômodo
indescritível. No fundo, a liberdade é para não se sentir tão
preso a máscaras que não lhe servem, máscaras que impedem
que sua expressão se apresente, sua essência se desenvolva
como seu potencial único e específico.
Recentemente, tivemos contato com Marcelo, 25 anos,
jovem advogado que trabalha no departamento jurídico de uma
grande corporação multinacional, cuja sede sul-americana está
estabelecida em São Paulo, num edifício da Avenida Paulista.
Marcelo conta que, desde os seis anos de idade,
manifestou grande vocação para as artes plásticas. Durante
toda infância e a adolescência, seu passatempo preferido era o
desenho e a pintura. As margens de seus cadernos escolares -
mesmo os da faculdade - estavam repletas de imagens que ele
produzia: vinhetas abstratas, caricaturas, quaisquer objetos lhe
serviam como tema para o desenho. Aos dezesseis anos,
descobriu a técnica da tinta óleo e produziu suas primeiras
telas.
Sempre achou que as artes plásticas seriam a sua
profissão. Entretanto, tinha medo da carreira de artista e tinha
que fazer outros estudos para garantir a sobrevivência nos
primeiros anos de vida independente. Seus pais não tinham
uma situação financeira que permitisse sustentar
indefinidamente o filho. Optou pelo Direito porque odiava as
ciências exatas e tinha pavor de química. Fez o colegial na área
de Humanas, deu tudo de si e entrou para a Faculdade de
Direito da USF, no Largo São Francisco, numa boa colocação, já
que tinha facilidade em assimilar informações de áreas distintas
do conhecimento. Saiu-se bem durante o curso e não demorou
a conseguir um estágio na própria firma em que trabalha hoje.
Para isso, porém, foi se afastando do desenho e da pintura. Seu
ingresso numa empresa poderosa e um desempenho destacado,
que logo lhe permitiu deixar a condição de estagiário e de
trainee, contribuíram para afastá-lo ainda mais de sua antiga
paixão pelos pincéis e pelas telas. Aumentos constantes de
salário e seu tino para as aplicações financeiras lhe permitiram
adquirir, entre os 22 e os 24 anos um automóvel e um
apartamento. Ao completar seu vigésimo quinto aniversário,
resolveu fechar um bar e dar uma festa para todos os seus
amigos. Ao fazer a lista de convidados e perceber que, em sua
maioria, ela era formada por colegas de trabalho ou pessoas
com quem tivera contato por motivos profissionais, resolveu
convidar Elisa, uma antiga namorada dos tempos de colegial.
Elisa foi à festa e levou para ele um presente muito especial:
um estojo de tinta acrílica Talens, pois, na memória da
namorada, que não o via há alguns anos, não poderia existir
melhor presente para ele. Aliás, Elisa levou também uma foto
de uma festa-vernissage que Marcelo fizera para os amigos
quando concluiu o ensino médio. Quando Marcelo viu a foto e
abriu o pacote que a velha amiga lhe oferecia, deu-se conta de
que já não desenhava há um ano. Ficou espantado:
simplesmente havia se esquecido de uma atividade que, em
toda a sua existência, tinha sido vital para ele. Sentiu o coração
comprimido pelo metálico material que usava para se mascarar
no dia-a-dia.
Em realidade, nosso jovem acaba percebendo que o
"carreirismo", a luta pelo sucesso e a inegável determinação de
se tornar um dos "homens lá de cima" o obrigam a desprezar a
própria vontade e as motivações mais íntimas. Forçam-no a
renunciar à maioria de seus desejos e sentimentos, que acabam
substituídos por outros, impostos pelos padrões profissionais.
Fascinado pelos que têm "aquele cargo", "aquela posição",
"aquele poder", persegue cegamente "aqueles" que nem sabe
como são.
Todo esse processo poderá culminar na constatação de
que há homens que passam toda a sua vida construindo um
patrimônio. Pode haver um momento na vida de um empresário
em que, por exemplo, sua fábrica vai à falência e terá de ser
fechada. O que se percebe é que a vida dessa pessoa
simplesmente acaba, ela não consegue se achar. O empresário
falido perde a noção da função que exercia como profissional e
se interroga: "O que eu sou? Não sou mais nada; eu era o que
fazia, não sobrou nada."
Pode-se concluir que a busca pelo dinheiro, mascarado às
vezes pelo status, torna-se um campo fértil para transformar o
dever do trabalho em um processo de destruição do profissional
que, por sua vez, mascara o homem.

Realizando-se (ou não) no trabalho

No ambiente de trabalho, o jovem começa a sentir que


várias camisas-de-força vão sendo colocadas nele. Uma camisa-
de-força muito importante é, sem dúvida, a visão do trabalho
como subsistência, como um "mal necessário". Isso levará o
jovem depois, talvez já na meia-idade, a considerar que o
objetivo do trabalho é apenas levá-lo a ter satisfação fora dele.
O trabalho deixa de ter um vínculo primordial com o prazer,
conforme passam os anos, e acaba sendo algo necessário tão-
somente para que o homem consiga a satisfação fora do
trabalho. Ou seja, torna-se uma situação completamente
grotesca e hipócrita o fato de que ele trabalha não para ter
motivação, mas para perseguir satisfações fora do ambiente
profissional. Dessa forma, o trabalho perde o seu fim e passa a
ser apenas um meio para conquistar as coisas que ele deseja
fora do trabalho. Para manter toda essa estrutura e figurar
como um profissional satisfeito, motivado e interessado, o
homem precisa montar, construir e experimentar todas as
diferentes máscaras que lhe são impostas por situações
encontradas dentro das empresas ou de sua atividade
profissional. O trabalho não o integra, pelo contrário, oferece o
risco de desintegrá-lo. Para evitar isso, as máscaras lhe são
úteis.
Gradativamente surgirão vários medos: o medo de perder
o emprego, o medo dos próprios questionamentos ("É essa a
profissão certa? É essa a direção da vida profissional que quero
mesmo trilhar?") e, principalmente, o medo de parecer
fracassado, o medo do insucesso. Isso porque o homem dá
enorme importância ao trabalho, associando-o estritamente à
noção daquilo que ele considera ser sucesso.
Se um homem perde o emprego, ele não vai considerar
apenas que perde (ou deixa de ganhar) dinheiro. Ele perderá o
papel de provedor, a segurança diante dos amigos, o lugar que
ele tem e que lhe é fundamental para preencher sua vida.
Ao perguntar a um homem se é uma pessoa de sucesso e
feliz, ele muito provavelmente irá relacionar a resposta de
maneira direta com o seu trabalho. Já a mulher, quando é
interrogada dessa forma, procura olhar as várias facetas e os
vários papéis que ela desempenha na sociedade para poder
então dizer se é ou não uma pessoa de sucesso e feliz. Ela irá
certamente olhar tanto para sua vida familiar como para sua
vida profissional, além de sua vida pessoal para concluir se é ou
não uma pessoa bem-sucedida. Para o homem, o sucesso
pessoal e o profissional estão muito mais diretamente
relacionados. É por isso que esses medos e esses receios
começam a surgir, obrigando-o a utilizar as máscaras para que
ele fuja, principalmente, do fracasso profissional. É uma luta
diária: "Tenho de matar um por dia!"{15} Com o passar do
tempo, as máscaras e as amarras vão se consolidando.
Mergulhado na vida profissional que teve durante anos, o
homem também começa a sentir a sombra do desemprego e do
fracasso, além do pavor de perder seu posto de trabalho e ser
considerado uma pessoa inútil. Apega-se ao "só sei fazer isso"
com medo de qualquer tipo de mudança em sua vida.
Todo esse cenário assustador deriva da ideia de que o
trabalho tem para o homem um sentido único. Ele se convence
de que é o único que pode realizar determinada tarefa. Por isso,
o trabalho é tão importante para ele, por darlhe a sensação de
que é capaz de fazer algo que outro não conseguiria fazer; Essa
sensação, porém, pode ser atropelada pela realidade. Nos dias
atuais, o poder de decisão de um funcionário e sua capacidade
de controlar as variáveis que mais afetam suas atividades são
mínimos, devido à enorme concentração de poderes e à
fragmentação das tarefas nas empresas. A fragmentação chega
a tal ponto que a criação, o planejamento e a supervisão do
trabalho estão completamente dissociados da execução.
Esse processo faz com que os funcionários acabem
percebendo que ali alguns poucos estão autorizados a pensar,
enquanto os outros devem se conformar em apenas executar.
Como se os "elementos pensantes não fossem capazes de
colocar a mão na massa e aqueles que movem as máquinas,
por exemplo, fossem incapazes de pensar.
Fala-se em "matar dez leões por dia, dentro da empresa,
e cinco fora dela".
Essa forma de organização reduz gradualmente as
atividades humanas dos funcionários de uma corporação
supostamente moderna. A autoridade, a responsabilidade, a
habilidade e o conhecimento acabam completamente
desvinculados da atividade, do produto propriamente dito do
trabalho.
Esse fato poderá desencadear um sentimento de
impotência no empregado diante da estrutura grandiosa da
empresa. O que o homem pode fazer, especialmente ao chegar
à meia-idade? O que esperar dos patrões, depois de tantos
anos de esforço crescente para ajudar a atingir os "objetivos da
empresa"? Muito pouco, é a resposta mais comum, pois o
sistema capitalista valoriza mais aqueles que detêm o poder e o
dinheiro, aqueles que estão "lá em cima", restando quase nada
para os que se amontoam nos níveis mais baixos na hierarquia
das empresas.
Além disso, durante vários anos foram oferecidos a esse
homem fatores externos e estímulos que não correspondiam às
suas necessidades mais intrínsecas de prazer e motivação. Não
lhe foram dadas, no entanto, condições de se encontrar consigo
mesmo e de identificar suas carências internas. Daí pode
derivar uma enorme frustração no trabalho, em especial quando
o homem se interroga sobre o sentido de suas realizações
profissionais.
Inúmeros programas de treinamento, tanto operacional
como gerencial, aplicados nas empresas hoje em dia, ainda
estão impregnados de conceitos propostos por teorias
tradicionais de motivação (dinheiro traz motivação!). Muitas
dessas teorias estão ultrapassadas e podem induzir a
interpretações confusas ou contraditórias. Grande parte das
empresas continua transmitindo esses conceitos como verdades
absolutas, não incentivando em seus funcionários o espírito
crítico e a análise das consequências desses programas, o que
deveria ser o papel de uma política de Recursos Humanos
eficiente.
A empresa, ao adotar essas teorias tradicionais, passa aos
empregados a sensação de que estão sendo enganados,
tapeados. Mesmo assim, elas tentam, às cegas, buscar soluções
mágicas para "motivar" seus funcionários. São pretensas
soluções aplicáveis em supostos ambientes a funcionários nada
mobilizados para uma tarefa mascarada de interessante.
O que se percebe, em realidade, é que esses funcionários
são incapazes de retirar do trabalho qualquer sentido que não
seja aquele relacionado à manutenção do emprego ou da vida
"fora do trabalho", pois suas necessidades e carências básicas
internas não são e nunca foram sequer conhecidas, quanto mais
atendidas.
A divisão da vida em "vida no trabalho" e "vida no que
resta fora do trabalho" retirou do homem uma visão mais ampla
do processo de produção. Em consequência, eliminou a
participação dele no trabalho e seu interesse por este, em um
processo progressivo de alienação da sua realidade.
Em nossa sociedade, apesar do substancial aumento da
presença da mulher no mundo do trabalho, o homem ainda
assume o papel do provedor se está dentro de uma esfera de
vida familiar. Esse papel fundamental é que o tornará mais
suscetível a sofrer com o medo do desemprego e o medo do
fracasso profissional - medos que vão crescendo com o passar
dos anos, até chegar um momento, lá na frente, em que a
situação se torna insuportável (veja o capítulo "Caem as
máscaras", mais adiante).

Trabalhar? Que saco!

No início da idade adulta, o homem começa a questionar o


trabalho em si. Começa a ver o trabalho não como um lugar
agradável, onde se fazem amigos e se estabelecem relações
sociais, mas como um sacrifício, apenas um meio para obter e
fazer coisas fora do próprio trabalho. Começa a perceber a
falsidade dos outros e sente-se falso consigo mesmo. O
ambiente exterior é que lhe dará prazer, motivação e satisfação.
E aí surgem interrogações carregadas de amargura: "Trabalhar
o dia inteiro? É um saco! Qual o sentido de eu estar aqui dentro
desta empresa, fazendo esta atividade, por 10, 12, 15 horas?"
Entretanto, para a manutenção do seu emprego, deve
vestir diariamente a máscara de "a vida é bela". As máscaras
nesse momento serão providenciais para o processo de
adaptação e afastamento da esfera dos sentimentos e das
emoções em favor da ânsia de poder, status, reconhecimento e
aceitação.
A empresa é o local onde o homem vai exercitar as
máscaras com maior intensidade. O profissional liberal, por
exemplo, tem um pouco mais de liberdade com as máscaras
que usa e maior versatilidade e variedade. Isso acontece
porque ele muda de situação com certa frequência, tem clientes
diferentes, trabalha em vários lugares. Ele vai, assim, trocando
de máscaras, que não deixam de ser muito fortes.
Aparentemente, ele está sempre bem, sem problemas, mesmo
que em seu interior o cenário seja diferente. De qualquer
forma, o que se percebe é que o profissional liberal tem alguma
folga na utilização das máscaras. A folga areja a pele. O sol
bate, tira o mofo e ele coloca a máscara de volta.
Na empresa, ao contrário, é bem mais comum que o
homem exerça um único papel em todas as horas do dia. A
descrição de função do cargo é normalmente bastante
consistente e fixa. Essa situação requer maior precisão na
escolha das máscaras a serem utilizadas.
Há casos surpreendentes de pessoas que são
consideradas em suas empresas verdadeiros carrascos. No
entanto, aqueles que conhecem essas pessoas, fora do
ambiente de trabalho, muitas vezes se referem a elas de forma
completamente diferente, considerando-as doces e cordiais.
Entrevistamos, certa ocasião, um executivo e, falando
sobre a crise da meia-idade, ele nos dizia que em sua empresa
era uma pessoa extremamente temida, um homem frio, gelado,
calculista e antipático. Na verdade, ele se comportava
efetivamente um pouco dessa forma durante as entrevistas que
fizemos. Até que um dia, em sua casa, ele ainda mantendo essa
postura fria e distante, que era a única imagem que tínhamos
dele, chega o neto, em um fim de tarde. O executivo pediu
licença por alguns minutos e virou-se de costas. O neto veio
correndo, ele o abraçou e naquele momento entramos em
contato com um homem completamente diferente daquele que
tínhamos conhecido até então. Ele revelou carinho e amor
insuspeitados e a dedicação ao neto fez com que mudasse sua
forma de falar e de se comportar. O executivo transformou-se
então em uma pessoa acessível e aberta, facilitando até mesmo
o trabalho de entrevista que realizávamos. Isso claramente
demonstrou o quanto ele continuava utilizando máscaras
durante nossos encontros, escondendo o verdadeiro homem
que existia dentro dele. Este caso é significativo e traz a
constatação de que existia outra química por trás daquelas
máscaras.
Homens ditos "sem sentimentos" usam em geral os
estereótipos de John Wayne, um "homem de Marlboro", um
durão. A máscara de um homem que trabalha como executivo,
empresário, muitas vezes, é bastante diferente, por exemplo,
da máscara de um comerciante. A máscara deste tem sempre
de demonstrar que as coisas não vão muito bem, que há
problemas, os negócios e as vendas não estão indo lá essas
maravilhas. De tanto reclamar, o cliente olha para esse
comerciante com uma ponta de compaixão e chega a pensar:
"Coitadinho..." Ele precisa se fazer assim, é eu perfil para se
apresentar ao mundo.
O executivo, por sua vez, não pode passar tal impressão.
Sua postura normalmente é contrária a essa. Mesmo que seu
mundo esteja caindo, ele tenta mostrar que é capaz, que sabe
tudo.
Certa vez, um executivo nos contava que, para fazer seu
trabalho, ligado ao atendimento a clientes, ele precisava saber
mais que o cliente. Mas havia um problema: seu cliente era um
especialista, trabalhava com aquilo o tempo todo, enquanto ele
apenas se limitava a atendê-lo. Para poder prestar atendimento
e consultoria eficientes, ele percebia que, por não trabalhar
naquela área específica por vinte, trinta anos, era necessária a
árdua tarefa de absorver conhecimentos e se desenvolver em
uma função para a qual ele não estava preparado. Esse
processo pode gerar grande desgaste e, com o tempo,
insatisfação. O esgotamento, a falta de energia, para continuar
trabalhando, provoca o decréscimo de seu potencial. Torna-se
insensível, um mero produtor, não mais mobilizado pela sua
criatividade e inteligência emocional.
É no mundo do trabalho que as maquiagens mais
sofisticadas são utilizadas e desenvolvidas. Na empresa, o
indivíduo utiliza camuflagens em todas as suas facetas,
mascarando e disfarçando a verdadeira pessoa que está por
trás delas. Um fato revelador é que é incomum o surgimento de
grandes amizades dentro do ambiente profissional: pode-se
trabalhar diretamente com uma pessoa e, na verdade, não
conhecê-la. É bem mais provável que surja algum tipo de
amizade se você tiver a oportunidade de conhecer essa pessoa
fora do local de trabalho, onde ela sem dúvida retirará algumas
máscaras, permitindo a criação, ou não, de uma relação de
maior empatia ou de simpatia. No ambiente profissional, isso é
bastante complicado.
Hoje, cada vez mais, propõem-se trabalhos cujos
parâmetros visam a desenvolver relacionamentos interpessoais:
conhecer o outro, como desenvolver a empatia, como se criar
um clima amistoso no trabalho e um ambiente organizacional
mais equilibrado e transformador.{16}
Há corporações, aliás, que já se tornaram hoje o que se
chama de learning organization. Nelas, o funcionário é motivado
efetivamente a aprender. Para se ter uma ideia, basta dizer que
em algumas, no contrato de um trainee, há uma cláusula
estabelecendo que ele é obrigado a errar pelo menos seis vezes
por ano. Isso significa que organizações como essas já tomaram
consciência do importante papel dos erros no aprendizado.
Escondendo os sentimentos

Desde o início da nossa civilização, o significado do


trabalho esteve associado ao da própria vida, sendo difícil
separá-los. O trabalho sempre teve como uma de suas
principais características permitir ao homem desenvolver-se e
produzir em coletividade e, dessa forma, conquistar o
conhecimento dos demais membros da sociedade. Foi nesse
reconhecimento que o homem estruturou e buscou encontrar o
sentido do trabalho, acreditando, desde então que a dedicação
e o trabalho árduo deveriam ser suficiente para proporcionar-
lhe uma vida plena e feliz.
O cotidiano na empresa moderna mostrou ao homem,
contudo, que plenitude e felicidade não estão ao alcance da
mão. Para compreender o papel do trabalho na realização do
homem é necessário discutir o que vem a ser uma vida útil e
qual a utilidade psicológica do trabalho em si mesmo.
Esse tipo de análise só seria possível por meio de uma
visão holística do homem, com a integração dos diversos papéis
que ele representa na sociedade. Para tanto, seria preciso
compreender a relação estreita entre esses papéis, o trabalho e
a vida, trazendo à discussão questões como solidão, ansiedade,
sentimentos em geral, morte e várias outras. É aí que as
dificuldades normalmente surgem no ambiente profissional.
Quando um funcionário é admitido em uma empresa, seja
para que cargo for, ele é colocado em contato com uma série de
normas e procedimentos que, na maioria das vezes,
transcendem o aspecto profissional.
Uma ideia, muitas vezes não explícita, mas implícita,
alerta-o que deve vestir uma couraça e, quando pisar no
escritório ou na indústria, tornar-se, como num passe de
mágica, cruel, frio, racional, forte, rude e rigoroso.
Além de esquecer seus problemas pessoais e dedicar-se
somente à empresa, ele deve despir-se de sua verdadeira
maneira de ser e vestir a carapaça que a empresa quer que ele
use. Ao final do expediente, ele tira a máscara e passa a usar
novamente seu verdadeiro rosto (quando consegue essa
dissociação).
Mesmo que, no fundo, o homem queira, dentro da
empresa, demonstrar sentimentos, o cotidiano revela que isso
pode ser extremamente inconveniente e em geral essa atitude
não será apreciada. Uma pessoa pode se tornar malvista em
uma empresa quando ela começa a demonstrar atitudes e
sentimentos não muito coerentes com o mundo do trabalho. O
jovem, em especial, pode passar a ser visto como um fraco,
alguém incapaz de tomar decisões em benefício da empresa, se
o seu entusiasmo ou suas dúvidas forem muito aparentes.
No período da vida em que o homem estaria naturalmente
mais voltado para si mesmo, descobrindo novos sentimentos e
emoções, a empresa será, uma barreira na busca do
autoconhecimento, pois o trabalho em corporação estimula e
recompensa qualidades da cabeça e não do coração. A empresa
deseja pessoas estáveis, não em movimento, conservadoras, e
não questionadoras.
Na maioria das empresas, qualidades do tipo compaixão,
generosidade e idealismo têm um efeito negativo sobre a
carreira profissional. Isso faz com que o jovem vá descobrindo,
no ambiente de trabalho, um abismo enorme entre o que
deseja expressar e o que é permitido no mundo organizacional.
Todas as máscaras servem para esconder o lado
emocional de uma pessoa. Às vezes, o homem precisa, para
manter e aprimorar seu lado profissional, deixar bem claro que
ele não é afetado por sua vida e convicções pessoais nem por
quaisquer situações afetivas e emocionais. Pode acontecer de
ele ter de fazer algum tipo de trabalho, uma negociação, por
exemplo, sobre a qual ele tem uma ideia definida: "Isso fere
meus princípios." Mas ele, apesar de pessoalmente não
concordar com aquilo, além de realizar da melhor maneira
possível aquela atividade, se manterá impassível, com cara de
normal: "Não posso demonstrar que isso me fere
profundamente."
Uma solução para esse conflito interno é a postura "eu
não tenho nada a ver com isso", segundo a qual ele se
disciplina e se convence de que é preciso, em nome da carreira
profissional, fazer aquele trabalho, aquele atendimento, aquele
negócio.
Pode ocorrer de um homem estar muito angustiado por
uma situação de avaliação dentro da empresa. Ele talvez esteja
começando a ser visto no ambiente de trabalho como uma
pessoa que não se desenvolve satisfatoriamente; talvez ele
próprio esteja inseguro sobre suas condições de continuar
naquela função profissional. Na dúvida, ele segue seu caminho,
galgando os degraus necessários. Mantém atendimentos e
negócios com os clientes, relações com as pessoas e,
principalmente, dá sempre a impressão de que está tudo sob
controle.
À medida que ele se acostuma a se comportar assim no
ambiente profissional, é comum que a utilização das máscaras
passe a ocorrer com frequência também em sua vida pessoal.
Ele chega em casa e não dá nem tempo de se despir das
máscaras, porque logo em seguida já tem de vesti-las de novo.
Muitas vezes começa a assumir a máscara do "normal" na vida
familiar. Em certo ponto essa máscara está tão arraigada e seu
uso torna-se tão corriqueiro que sua vida afetiva começa a
esmorecer, a ficar sem sentido. A mulher, nesses casos, pode
ter um papel importante, pois com frequência consegue
detectar a situação: "Ele está cada vez pior, cada vez mais
estranho, cada vez mais insensível." Ela pode provocá-lo,
buscando resgatá-lo para a origem dele.
A solução para o problema pode ser um trabalho de
terapia, no qual esse homem dirá: "Olha, eu era muito diferente
quando eu era jovem, quando estava namorando. Realmente, o
envolvimento que eu tinha com minha mulher era outro, eu
gostava de fazer coisas com ela, gostava de planejar com ela
passeios, atividades em comum. Costumava imaginar um
presente para dar para ela, não sentia o que sinto hoje.
Pensava: "Hoje vou levar flores", "hoje vamos inventar um
programa diferente, pois há três semanas não saímos". Eu não
era assim e passei a ser assim."
Ao incorporar a máscara do "normal" em sua vida, o
homem acaba aplacando todas as flutuações de emoção. O ser
humano, como um todo, não é normal. Ser humano é ter
sentimentos. Os sentimentos são muitos, a vida toda, a todo
momento. E esses sentimentos são, muitas vezes,
inevitavelmente contraditórios. A contradição faz parte da vida.
o abafamento da contradição tem início exatamente no
ambiente profissional. Este é composto por seres humanos que,
para serem humanos, têm que expressar suas emoções. Para
serem, têm que ser humanos. As máscaras serão
determinantes no processo de afastamento do próprio ser
humano, que é quem representa, movimenta e é, ou deveria
ser, a razão de toda empresa. A frase "ele tomou a decisão de
demitir x pessoas em função da sobrevivência da empresa traz
claramente a mensagem que a empresa é importante, mas as
pessoas que a compõem podem ser deixadas de lado.
É comum ver administradores preocupadíssimos com o
vigor de suas organizações. Mas esse objetivo torna-se muito
difícil de atingir sem se focalizar o aspecto humano das
empresas, ou seja, sem que se compreenda que o ponto
principal e aglutinador de todos os recursos da empresa deve
ser as pessoas. A partir das pessoas e das relações que essas
pessoas constroem dentro do trabalho é que se torna possível
movimentar a empresa em determinada direção, seja ela o
caminho do maior lucro, da maior rentabilidade ou qualquer
outro. Projetos, fórmulas, designs se copiam, se imitam.
Pessoas, relacionamentos, não. O ambiente de relações nas
corporações não pode ser reproduzido. Ele se desenvolve com
as características humanas que o compõem.
Vários modismos e vários gurus empresariais surgiram
nas últimas décadas, propondo fórmulas que desconsideravam
completamente a questão humana dentro das empresas.
Levaram em consideração os processos, as atividades, os
custos, o lucro, deixando em último plano as relações humanas
dentro do ambiente profissional. Tudo isso poderia acabar
levando a um processo de questionamento sobre o sentido do
trabalho. Porém, o que se vê com frequência é uma situação
pior, na qual o homem tem a percepção que no local de
trabalho ele tem de se travestir em um ser que ele
efetivamente não é. O ambiente de trabalho torna-se um lugar
onde ele busca apenas um meio para atingir aquilo que ele
realmente gosta de fazer na sua vida, que de preferência deve
se situar fora do ambiente profissional.
Hoje em dia já se sabe que a vida emocional deve
funcionar como um acelerador, o elemento que criará o clima,
na empresa, de construção em conjunto, de interseção de
vivências pessoais e profissionais. Isso permitirá a
concretização da corporação, no sentido da criação de um
corpo, que tem emoção, que tem criatividade, onde há lugar
para o espontâneo. Essa é, na verdade, a maior força da
corporação onde a inteligência se desenvolve e frutifica.
Enquanto não encararmos a organização como uma fonte
de prazer, motivação e satisfação, e também como parte da
vida social e da vida familiar, nós não vamos fazer com que
esse homem se dedique ao trabalho e à empresa como algo
realmente importante para ele. Ele continuará trabalhando
apenas pela subsistência e contra o medo do fracasso.
A realidade mostra jovens completamente massacrados
dentro das firmas, pelo fato de elas colocarem essas camisas-
de-força, muitas vezes na forma de viagens, automóveis,
cursos e treinamentos.{17} Trata-se em realidade de uma
tentativa de comprar o indivíduo a partir de benefícios que se
tornam depois muito difíceis de se abandonar (como também
planos de saúde e planos de aposentadoria), que vão
amarrando esse indivíduo mas não chegam a resolver o
questionamento sobre o sentido do trabalho.
Possuir um "bom trabalho" e estar em uma "grande
empresa", com ótimos benefícios, representa para o homem
uma grande amarra, que acaba afastando a pergunta: "é isso
que eu realmente gostaria de fazer em minha vida?"
Seria muito melhor e muito mais inteligente se ele se
perguntasse e, principalmente, respondesse a si mesmo esses
questionamentos no processo inicial de sua vida adulta e de sua
vida profissional, sem esperar que essas questões acabem
crescendo e estourando mais para frente, possivelmente na
meia-idade. Pois, com o passar dos anos, aí sim, ele terá
poucas opções, pois já terá seus compromissos familiares e de
trabalho, e suas dívidas já terão se tornado demasiadamente
importantes.
É um paradoxo ver jovens de 23, 24 anos preocupados
em perder o emprego, em sair de uma empresa. Na verdade,
esses jovens estão insatisfeitos, desmotivados: as amarras do
medo do desemprego e do medo do fracasso agem
precocemente.
Nossa cultura sabe muito bem transmitir aos jovens como
profissionalizar-se e ganhar dinheiro, mas nos esquecemos de
ensinar-lhes como viver a vida. A explicação do conceito de
ciclo de vida é muito importante para os mais jovens,
exatamente como forma de prepará-los para o aproveitamento
pleno da existência, sem atribuir a qualquer estágio da vida
uma característica positiva ou negativa, de ascensão ou
declínio, e sim procurando mostrar-lhes uma visão integrada e
contínua da experiência de viver.
O falso conceito sobre a vida adulta, tal como é
transmitido pela nossa cultura, precisa ser revisto para que haja
a mudança da visão de que a vida do homem é uma sequência
que se inicia por um período de intensa educação, seguido por
uma fase de estabilidade, de trabalho tedioso e de sacrifícios,
desembocando no vazio da aposentadoria.
A ideia de que as opções da juventude são irrevogáveis e
imutáveis, e de que os homens atingem a maturidade com
todas as certezas e definições, leva os mais novos a
acreditarem que a vida só vale a pena de ser vivida antes da
idade adulta, porque depois acaba se estagnando.
Esse modelo limitado sobre o significado de ser adulto é
aplicado no cotidiano das empresas por meio das máscaras e
das amarras, não levando em conta o fato de que a arte de
viver está justamente na renovação constante dos objetivos e
das expectativas de vida.
É necessário transmitir ao homem jovem a ideia de que a
vida é um processo contínuo de redefinições e redescobertas,
um eterno crescimento que não diminui com o passar dos anos.
Dessa forma, fica mais fácil compreender que a sabedoria
conquistada com as experiências vividas o ajudará a atingir
uma espiritualidade maior.

CINCO: A família.

O homem precisa se casar

Atualmente, quando o homem passa a sentir-se realizado


no universo do trabalho, de alguma forma ele começa a
visualizar uma certa autonomia profissional, aquela que num
primeiro momento é sua fonte de abastecimento, o centro de
sua existência. Chega, irreversivelmente, o momento em que
ele olha para o espelho e admite que tem uma vida solitária.
Não é raro que tudo até esse momento se resuma apenas a
duas preocupações: trabalhar, se suprir e viver recolhido em
seu mundo, ou se divertir intensamente ou com parcimônia.
Sente, porém, que está na hora de escolher entre manter esse
cotidiano e prosseguir com os pais ou enveredar por outro
caminho e construir uma vida só dele. Quase todo homem,
nesse instante, começa a perceber a ausência de algo
necessário para completá-lo, para preencher um vazio que
ameaça tornar-se permanente. Embora seu trabalho lhe
proporcione sustentação, consolide-o como indivíduo, como ser
humano, ele não consegue identificar uma vida, uma
perspectiva a não ser a profissional: carreira e mais carreira. E
quando desaba sobre ele uma interrogação: "E então? E agora?
É só isso?"
Acontece que a maioria dos homens é atraído por outras
solicitações, que transcendem a vida profissional: sair com uma
mulher, sair com outra e no entanto, tudo acaba, tudo se revela
superficial. A vida sexual dele passa gradualmente a ser uma
vida mecânica. Ele pode ficar somente na masturbação ou
pagar prostitutas, casas de massagem, tendo contatos com
uma série de mulheres com as quais pode sair ocasionalmente.
Pode ter também outros contatos mais constantes, ainda que
seja com as chamadas mulheres mais "sérias", mas ele percebe
que o namoro é passageiro, dura um pouco e logo se dilui: o
assunto acaba, a companhia torna-se incômoda. Consegue ter
amigos homens, sair com eles, beber ou fazer esportes. Falam
muito de "mulher": várias teorias, muitas fantasias, histórias e
mais histórias. Nesse aspecto, ele não é dono de nada e começa
a perceber que nada se mantém. Por mais que reconheça que
tem dinheiro, amigos, apoio da família, uma segura e
promissora vida profissional, sente que falta algo. Seu coração
está frio e seus olhos não veem mais que uma tela branca à sua
frente.
Alguns tiveram na adolescência, mais perto da vida
adulta, uma vivência afetiva importante, conheceram a
namorada do mundo dos sonhos, a inesquecível paixão. Ou
tiveram, por outro lado, muita agitação, farras, com amigos,
mas sempre marcadas pelas namoradas que os magoaram, pois
era o início da vida do jovem adulto quando ocorreu a grande
paixão. Esse personagem costuma então descobrir que a
chance de repetir-se aquilo que passou é cada vez menor. Já
não consegue aquele entusiasmo, já não acredita que vai sentir
novamente "aquilo". Restam lembranças que vão se
esvanecendo lentamente. E vai então percorrendo, dos vinte
aos trinta anos, em média, uma situação como a de quem
estivesse ciscando, de quem não come uma boa refeição. Cada
início de relação já vem com uma dose de descrença. Há certo
desânimo e a tentativa de sentir-se mais cômodo, não ser
perturbado nos seus sentimentos. Nota que há algo que parece
ausente, um afeto mais profundo, esse entusiasmo que comove
até as pessoas mais frias.
Como reação, como defesa, muitos nessa fase começam a
criar certos rituais, certas barreiras. Há os que passam a se
apegar ao álcool ou a outras drogas, os que se dedicam ao
esporte, como constantes praticantes ou fanáticos torcedores. E
há os que definem limites com clareza: "Não posso ter
mulheres de outra religião, ter mulheres sem profissão definida,
sem padrões." "Não aguento mulher gorda." "Não suporto
mulher que fuma." Começam assim a criar obstáculos e alguns
têm muita dificuldade de se envolver emocionalmente.
Além de não estar emocionalmente bem equilibrado, o
homem que se apega a esses rituais evita o investimento em
uma nova relação e contribui para que acabe sendo rejeitado.
As mulheres modernas, por sua vez, também não aceitam
homens que insistem em se manter recolhidos a um casulo
protetor. Querem homens ativos, interessantes, culturalmente
atualizados, demonstrando aspectos claros de desenvolvimento
emocional da inteligência. Elas querem companhia, querem
casar, constituir família. É algo essencial na vida da maioria das
mulheres, independente da origem nacional, cultural, religiosa:
ter filhos, realizar o sonho de ser mãe.
Como sempre ocorreu, as mulheres se preocupam com a
carreira do companheiro, não querem homens empobrecidos,
nem os que podem ter até dinheiro, mas não demonstram
ambição, aqueles que não conseguem fazer nada funcionar em
seu favor. Aqueles que vestem a máscara do looser. Afastam-
se, assim, dos incapazes de realizar sonhos, dos que se
atrapalham, para os quais tudo se mostra impossível de dar
certo, atribuindo as suas derrotas à Lei de Murphy. Elas evitam
os homens que deixam o peso emocional lhes restringir a
capacidade intelectual. Elas ignoram os que se envolvem muito
pouco com o novo, com o cotidiano, com as coisas da vida,
homens que não apresentam contribuições enriquecedoras para
uma relação. As mulheres os mantêm a distância.
Esses homens experimentam inclusive uma sensação de
rejeição. Por mais que se diga que as mulheres querem casar,
que o número de homens é menor que o de mulheres, a
verdade é que elas escolhem com todo cuidado o parceiro para
construir um lar. Os homens que conseguem superar as
rejeições e os traumas anteriores, aqueles que também se
enquadram no perfil de construir a família e criar uma vida
amorosa estável, vão se abrindo para a perspectiva do
casamento.

Casar: experiência inevitável

Aos poucos o homem solteiro vai construindo uma


interpretação mais clara de sua vida, de seu projeto de vida.
Passa a olhar ao redor e verifica o relacionamento dos outros.
Seus amigos (e amigas) mais próximos já vivem com alguém,
alguns casados, outros já são pais. É como uma rua sem saída.
Então ele opta por se casar. Tudo muda, envolve-se em um
novo projeto que culmina no ritual mais ou menos tradicional,
dependendo do caso. Parece que tudo vai se articulando com
negociações rápidas e drásticas mudanças de atitude.
Os primeiros momentos do casamento são
experimentados com uma sensação próxima da provocada por
uma anestesia. O homem não se reconhece muito bem nesse
papel. Estamos falando aqui do homem que resolve sair de uma
vida de solteiro (em que vive sozinho ou mesmo com alguém
ou com os pais) para viver junto com a mulher que ele
escolheu. Ele se dispõe a compartilhar, a assumir problemas, a
dividir contas e projetos em comum. Trata-se de uma nova
situação, na qual ele está, de alguma forma, propondo-se a
construir não apenas um patrimônio, mas também afeto,
sentimentos e relações familiares.
Eis que o homem ingressa nessa nova fase vivenciando o
mito de que agora as coisas mudaram, de que o valor da
profissão é diferente, o valor do dinheiro é diferente. Ele não
terá sozinho o ônus de prover, como se ele pudesse realmente
abdicar da exigência de sucesso ou da responsabilidade
incessante. O que acaba acontecendo é que, por mais
preparado que ele esteja, por mais desenvolvido que se mostre
intelectualmente, culturalmente, o papel de provedor se instala
feito uma sombra em sua vida. Isso se concretiza até em uma
situação como um tipo de matrimônio de comunhão parcial de
bens, no qual a mulher também tem ganhos com alguma
atividade, e eles podem estar dividindo uma série de
responsabilidades.
Nada disso importa. O homem sente que se algo falta, ele
é um fracasso; se ele não tem condição de ajudar sua mulher e
não resolve os problemas, ele é um desastre; se ele não
consegue prover manutenção dentro da segurança econômica
que tinha antes, é um fracassado do ponto de vista profissional,
econômico. Sente que ele é responsável pela mulher e pelo que
virá depois. Muitas vezes, esse e o momento em que até parece
que ele, sem perceber, está usando as máscaras do trabalho em
seu relacionamento com ela. É o profissional que não está
dando certo, mas a falência acontece principalmente no papel
de marido. Existe uma ambivalência interior, mas ele faz
questão de mostrar que se está apaixonado: "Eu casei porque
quis, esta é a mulher da minha vida, eu queria casar. Estou
feliz."
Há os que se arrependem, claro, os que sentem falta dos
amigos, das noitadas, do futebol, das casas de massagem, das
paqueras, dos bares e dos restaurantes. Porém, estamos
falando do homem que se casou e não consegue recuperar o
perfil do apaixonado, do namorado e, eventualmente, do
galanteador. Ele entrará em sintonia com seu casamento
somente se elucidar outras situações que nesse momento
eclodem. Situações ligadas a baixa autoestima, a situações
familiares mal resolvidas na vida dele, como o irmão que o
menosprezava, a mãe que o rejeitava, a competição desta com
o pai, este que nunca valorizou as conquistas do filho, a casa, a
família - situações que nem mesmo estão presentes na vida
dele como adulto.
É como se o ambiente de família, o ambiente desse novo
jeito de viver trouxesse à tona assombrações, tesouros-
enferrujados. Mas trata-se de tesouros que ainda podem ser
resgatados: o valor do antigo se restabelece não pelo brilho,
mas sim pelo resgate dos valores fundamentais característicos
do antigo. É um recurso que vai ser muito usado como objeto
de uma identidade, de uma história pessoal. Se ele puder
retomar suas relações familiares anteriores de um jeito
renovado, terá elementos para construir uma nova relação
muito rica, profunda, que permitirá estruturá-lo e completá-lo
como homem.

Em busca da alma gêmea

A Torá, que contém os ensinamentos religiosos do


judaísmo, insiste muito em que o homem deve se casar. Diz
que ele se restringe a ser um meio-homem se ficar sozinho.
Trata-se de um sábio ensinamento, sem dúvida. É
interessante ver como preceitos dessas tradições revelam fatos
que a medicina hoje verifica, pois homens sozinhos são os que
mais têm problemas psicossomáticos. Também o índice de
suicídios, entre os solitários, é comprovadamente maior e por aí
caminham outras tantas observações que demonstram que o
vínculo amoroso com a mulher é imprescindível ao homem.{18}
O que as religiões - as religiões mais tradicionais, antigas
- ensinam nem sempre é retrógrado, apesar de mentalidades
materialistas pensarem o contrário. Claro que pode vir a ser
quando há imposição, dogmas restritivos ou inflexíveis. As
religiões muitas vezes indicam a vida espiritual, caminhos para
a saúde física e psíquica, para a integração do ser humano,
como se lhe faltasse uma parte. É o caso da noção de alma
gêmea. No judaísmo se fala muito disso, da busca e da
necessidade da alma gêmea. Na verdade, a gente muitas vezes,
na vida, passa por essa experiência de encontrar alguém do
sexo oposto com quem a identificação é plena. Mesmo não
sendo uma religião no estrito e tradicional da palavra, o
Espiritismo sabe valorizar essa comunhão entre duas pessoas,
duas almas. Como disse Allan Kardec:

Deus quis que os seres estivessem unidos não somente


pelos laços da carne, mas pelos da alma, a fim de que afeição
mútua dos esposos se transportasse para seus filhos, e que eles
fossem dois, em lugar de um, a amá-los, a cuidá-los e fazê-los
progredir.

Em determinada fase da vida, o homem se apaixona pelo


diferente: outra cultura, outro bairro, outra religião. São
aqueles vínculos ancorados em cima do que o homem não tem,
não acessa, não está acostumado. Busca novos desafios, testa-
se, segue na busca de se ampliar, de ser um homem maior.
Mais tarde, no entanto, ele tende a buscar alguém que possa
completá-lo, alguém mais próximo do seu jeito de ser, alguém
com quem possa vivenciar as mesmas experiências: apreciar o
pôr-do-sol juntos, viajar juntos, trabalhar juntos, decorar a casa
de forma parecida. Ele pode com o tempo transformar o
casamento em uma possível cumplicidade, em busca de uma
integração para sentir-se preenchido. São momentos parecidos
da vida de todo homem, e ele procura a alma gêmea de modo a
completar algo que percebe lhe faltar.
Portanto, o homem procura alguém com quem ele fique à
vontade para poder contar o que faz, alguém com quem
compartilhar cada momento, alguém para apoiá-lo em seu
crescimento, que possa aplaudi-lo (todo homem precisa de
alguém que o admire confirmando suas capacidades). Fica sem
sentido um homem passar a maior parte de seu tempo
trabalhando e galgando os estágios da vida profissional,
conquistando espaços, plataformas e não ter para quem
mostrar, com quem compartilhar, a não ser que fique preso ao
seu ponto de partida, à família que lhe serviu de núcleo inicial.
E nem é só para mostrar e compartilhar. Precisa muito ser
aplaudido, que alguém o enalteça, que perceba o seu esforço.
Falamos aqui do homem mais maduro, inteiro, que tende
a necessitar da mulher como companheira de percurso. É o que
ele procura. Não quer ficar exclusivamente vestindo a máscara
do guerreiro solitário, do Zorro.{19} E, nos dias de hoje, esse
homem exige da mulher igual participação nas
responsabilidades econômicas e patrimoniais, da mesma forma
que é solicitado a dividir as tarefas domésticas. Assim, ele
estará equiparado e preservado.
Uma dificuldade extrema para o homem é conciliar
encontro com a alma gêmea feminina, esta que nos últimos
tempos tem passado por tantas e tão intensas transformações.
Verdade, ele quer a alma gêmea, mas simultaneamente
quer a nova mulher bem resolvida pessoal e profissionalmente.
Uma mulher capaz de, por exemplo, comentar um curso que
surgiu no mercado e que seria uma boa opção de crescimento
profissional para ele (ou para ela); uma mulher que acompanhe
os acontecimentos de destaque em seu país e no mundo,
atualizada em relação ao que de mais importante haja no
circuito artístico, como cinema, teatro, literatura e artes
plásticas. Isso tudo além de perceber que ele é importante na
vida dela, que ela conta com ele, precisa dele e não é uma
máquina de carreira profissional, atrelada a um acompanhante
de eventos sociais e familiares.
No entanto, em contrapartida, a mulher que ele deseja o
seleciona com mais critério. Esta não aceita qualquer um,
porque tem percebido cada vez mais nitidamente as
possibilidades de estar bem sem um marido, respeitada e
integrada a uma ampla rede social. E muitos homens já
descobriram que não detêm mais o poder absoluto, que não
têm o preparo necessário para lidar com uma mulher capaz,
pois ainda é cedo para que tenham conseguido absorver a
perda da onipotência. E a mulher esclarecida sabe o que quer:

"Não estou hoje num pedestal esperando que venha um


sujeito qualquer me escolher para ser a mãe de seus filhos, a
rainha do lar. Isso acabou há muito tempo mas ainda há
homens que se recusam a aceitar a transformação. É como se
fosse uma compra, no fundo, mas a mercadoria está ficando
cada vez mais rara. Eu, pelo menos, não pretendo trocar o tipo
de vida que levo por um casamento, por mais feliz que a
proposta pareça. Há muita coisa a se fazer além do casamento,
a vida é rica demais para que a gente aceite que venha o
primeiro homem atraente e se proponha a ser o nosso
proprietário por toda a eternidade. Esclarecendo melhor: posso
vir a desejar um companheiro, mas nunca um proprietário, por
mais comodidades que ele venha a me oferecer."

Em última instância, o homem ainda é criado com a


ambição de representar o papel (papel de interpretação cada
vez mais exigente) do príncipe encantado. Ele precisa desse
papel para complementar a mulher. Isso não impede que hoje
os homens estejam mais abalados, adoecendo muito mais do
que as mulheres. Em quadros de ansiedade, síndrome do
pânico, cardiopatias, além de depressão, é crescente o número
de homens afetados.
Apesar de tudo, as empresas brasileiras não apresentam
interesse em desenvolver qualquer programa - em termos de
qualidade de vida - dirigido especificamente aos homens. Há
alguns programas que visam ao desenvolvimento pessoal das
mulheres, mas as metas empresariais são a produção, os
encargos, os ganhos... Investir na qualidade de vida, no
aspecto emocional e na possibilidade de o homem se encontrar,
integrar seu potencial criativo, sensibilidade e relacionamentos,
reformular sua posição na sociedade, é um projeto que os
dirigentes não colocam como prioridade. é muito fácil o homem
se esquecer de que precisa de si mesmo para ganhar dinheiro.
Acha que funciona primordialmente com uma espécie de
"capacidade inata" de juntar dinheiro, comprar e adquirir. É a
máscara do caixa automático, do caixa eletrônico.

Onde situar a família?

Enquanto são apenas os dois, a vida de casal - se a


mulher trabalha, especialmente se a mulher trabalha - faz com
que eles vão conseguindo criar um ritmo de vida como fossem
dois namorados a viver juntos. Têm todas as possibilidades de
uma vida econômica que permite festas, restaurantes, viagens,
e a casa está no lugar, arrumada, bem-decorada.
Os dois constroem devagar seu mundo, programam o que
fazer com o dinheiro, algo que cria a cumplicidade do casal,
quase como se estivessem esperando a eclosão de uma voz
interna - tanto dele como dela - ou de uma voz externa que diz:
"Está na hora." Pode demorar, mas a pergunta vem. Na semana
seguinte ao casamento, no mês seguinte, um ano depois.
Chega enfim uma hora em que a interrogação se faz presente:
"E aí? Quando vêm os filhos?" Ela morre de medo, mas um
instinto maior a faz vislumbrar a silhueta que sempre a
fascinou: ser mãe. Mas ele, com tão pouco tempo livre, com um
projeto financeiro inacabado, com o vislumbre de uma carreira
profissional cada vez mais fascinante, só vê empecilhos. Ainda
ri com as queixas da esposa de que ele não dá a ela suficiente
atenção...
Agora estamos entrando no ano 5761 do calendário
judaico. Mas o mundo ainda continua perguntando da mesma
maneira: "E aí? É pra quando?" As pessoas casam para ter
filhos. Família a dois é casal, não é família. Na visão dessa
dupla, dessa parceria, casaram quando não havia problemas e,
caso sejam saudáveis, casaram para ter filhos. Mas o homem se
questiona:
Onde vou colocar filhos se saio de manhã e volto à noite,
se meus gastos estão investidos em tudo que já temos, se
quero ser diretor de empresa e meu caminho ali está traçado,
se no ano que vem quero fazer mestrado nos Estados Unidos e
minha mulher vai junto, se hoje não consigo segurar meu
trabalho, se chego tarde, se ela reclama de minhas viagens, se
preciso atender clientes em vários pontos do país, como vou
gerar filhos, como vou formar uma família? Gostaria de dispor
de mais tempo para trabalhar, para estudar. Tenho o sonho de
fazer uma viagem de navio e esse sonho é sempre adiado.
Como vou ter filho? Não tenho em meu orçamento espaço para
filhos. E como comprar fraldas, remédios, pagar escola? Daqui a
pouco vou precisar pagar mensalidades, de onde vou tirar
dinheiro? Eu vi isso de perto com meus irmãos, meus pais, e
agora?
Então, esse homem muitas vezes percebe o quanto foi
dura para os pais a tarefa de criá-lo. Lembra-se do pai quando
tinha outros filhos, os irmãos dele. Via o pai triste, sem prazer,
dobrado ao peso das responsabilidades familiares:
"Meu pai voltava para casa, cansado, doente. Ele
retornava do seu trabalho e estava preocupado, sem prazer,
não falava quase nada, era incapaz de sorrir. Isso é ser pai, isso
é ter uma família?" Ou então: "Meu pai estava sempre cheio de
trabalho. Quase não parava em casa. Muitas vezes saía cedo
demais e voltava depois de eu ir dormir. Ele nunca tinha
tempo." Ele então transfere para si o novo papel. Ser o
chamado pai ideal surge como uma obrigação tão desumana
quanto esperar das mulheres que elas consigam cumprir tarefas
sem serem abatidas por indisposição, cansaço, revolta, tudo,
enfim, que implica o trabalho de educar todos os dias, todas as
horas.
Antigamente, cabia às mulheres ensinar "como sentir". A
mãe tinha a responsabilidade de mostrar aos filhos esse aspecto
emotivo da vida, fazer com que o valorizassem.
Ao pai, cabia a incumbência de revelar o universo
profissional, a educação fora de casa, pois era ele quem saía,
quem conhecia a rua. Hoje, ambos saem, pai e mãe conquistam
o espaço exterior ao lar, têm experiências fora de casa em
todos os níveis. É o responsável por esse novo equilíbrio - o
papel assumido pela mulher.
Pode-se dizer que a grande transformação da metade do
século XX está no fato de os homens descobrirem que são
capazes de se emocionar; é mais do que apenas se limitarem a
poder chorar. Cada vez mais eles dão a si mesmos a
oportunidade de descobrir que podem sentir as coisas "a seu
modo", de uma forma masculina, e não correspondendo a como
"elas" querem ensinar-lhes.
Tudo isso deixa claro o quanto é importante para as
crianças serem preparadas para essa etapa no contato com os
pais.
Atualmente, o número de pais que fazem questão de
comparecer ao parto de seus filhos, que participam de reuniões
na escola, que estabelecem de fato um contato íntimo com o
processo de desenvolvimento dos filhos, é bastante
significativo. Não foi uma transformação fácil, tranquila.
Tampouco está concluída, se é que um dia o será. Claro, pois
nem sempre essa participação é avaliada com bons olhos, tanto
pela mulher quanto pela sociedade. Dizer "este homem é
maternal", quando cuida dos filhos, é claramente uma distorção
e ignorância da função paterna.
As esposas desejam que seus companheiros ajudem a
cuidar da casa, mas muitas não abrem mão de sua supremacia
sobre o mundo doméstico. Por isso, reagem a qualquer
tentativa dos homens de mostrarem espontaneidade,
preocupação: "Não, não é assim que se dobra essa fralda."
"Você não está segurando o nenê com cuidado!"
"Deixe que eu cuido de dar o banho nele: você é
desajeitado demais para isso. Ou, quando tem filhos mais
velhos: "Ele nem sentiu a sua falta, nem percebeu que você foi
viajar e não cuidou dele." Do ponto de vista social, a pressão
não é menor. Uma pesquisa publicada pela revista Harvard
Business em 1993 revelou que as empresas norte-americanas
não viam om bons olhos os pais que pediam para sair mais
cedo para levar o filho ao médico ou para resolver qualquer
problema de ordem familiar.
Enfim, ainda continua muito difícil exercer a tal
paternidade. Mas é necessário insistir, aceitar transformações.
Hoje, a relação afetiva com os filhos representa nada menos do
que a sobrevivência afetiva do homem, já que com sua parceira
ele vem enfrentando vários desencontros. Os homens não
possuem nenhuma dificuldade de ordem "genético-emocional"
no que se refere a esta habilidade ou dom natural. Eles são
dotados de tantas possibilidades de desenvolver a afetividade e
as emoções quanto a mulher. É importante que se intensifique
hoje a construção de uma nova família, modificando o antigo -
e ao que tudo indica condenado - papel paterno.
Quais são então as máscaras que esse homem constrói
para si? Como ele vai se ver como pai? Por mais que ele
observe comovido a barriga da mulher crescendo, angustia-se
com a questão: "Será que vou dar conta?" Ele vê então o
envolvimento da mulher, que experimenta diferentes sensações
físicas. Ela só fala desse assunto com outras pessoas. Vive se
preocupando com a nova decoração do quarto, da casa, e
também só fala desse assunto com ele, o marido. Ela é o alvo
de todas as perguntas: "E aí, como está a gravidez? Como está
a criança? Já sabe se é menino ou menina?"
"Você é como se fosse o anúncio de liquidação de uma
grande loja. Todo mundo só fala disso. É como se a mídia se
preocupasse com a explosão da inflação e todo mundo somente
tratasse da gravidez da sua mulher. Mas a repercussão interna
para o homem é outra. De repente ele pensa: "Eu fui fértil, que
legal!" Esse pai, que não tem outros filhos, não tem ideia e diz:
"Eu fui fértil, eu me entreguei. Tudo bem. Vou ser pai, todos
estão falando disso comigo." Eventualmente esse homem,
quando não tem outro filho, não entende muito bem o que está
acontecendo. O assunto não repercute tão intensamente no seu
noticiário interno. Não tem condições de se envolver com
alguém que não conhece e com uma relação afetiva com quem
não existe.
E eis que ele começa a imitar a mulher nesse sonho,
porém menos por estar vivendo-o. "Bem, se é para sonhar,
vamos sonhar", ele raciocina armado com uma precária
solidariedade, mas não existe uma correspondência afetiva. E
começa a pensar no aspecto muito mais concreto, no lado
material: "Será que vou poder sustentar o filho que vai
chegar?" Não faz associações afetivas imediatas, mas apenas
com sobrinhos, se tiver, com quem vivenciou antes situação
similar.{20}
Como nos primeiros momentos do casamento, no
rompimento de dois espaços novos, o homem se questiona: por
que tanto barulho, visitas, tantas compras e presentes, sons
novos? É como se ele repentinamente estivesse no momento do
nascimento do próprio filho. Esse filho que sai para o sol, para a
luz, onde tudo é novo. Ele também está em meio a essa
agitação toda. E vive seu cotidiano no trabalho. É solicitado pela
mulher para protegê-la, mas ainda não sabe como. Está
atordoado, entorpecido pelas palavras dos outros, por
comemorações, por sentimentos desconexos. Tudo muito novo.
{21}

Essa mulher que dá todo o apoio necessário ao homem no


que se refere ao trabalho dele, compreende claramente qual o
papel masculino para com os filhos. É a mãe que pode vir a
criar por ressentimento filhos machistas, filhos que quando
pequenos recebem dela uma imagem ruim do pai. Ao
crescerem, mesmo defendendo as mães, os filhos podem vir a
perceber esse jogo. E quando estes se casam, destroem a
esposa e seguem o mesmo caminho que o pai seguiu. Deposita-
se muita responsabilidade na mão dela. O pai pode querer
participar. Até pode fazer tentativas, assumir o papel de
professor da esposa mais insegura, ou se afastar perante
críticas à sua inexperiência de "trocar fraldas".
Vai levar algum tempo para o homem aqui utilizado como
exemplo se deitar com a criança, mexer nos dedos dela,
brincar; algum tempo para ele descobrir esse prazer, vivenciar o
que é ser pai. Então sim, desenvolve-se uma relação, uma
aproximação afetiva real. O contato físico com o pai será
importante para a criança desde os primeiros anos de vida. O
bebê precisa entrar em contato com o padrão masculino de
comportamento que, em qualquer tarefa, é diferente do da
mulher. Hoje, esse homem precisa, para se completar
realmente, de um filho. Parece até mulher.

"Finalmente sou pai. É um menino."

E chega um menino. E esse menino provoca magicamente


uma sensação de continuidade: a de que esse homem, que
agora é pai, tem uma obra, de que ele construiu algo. É quase
como se tratasse de um clone. É um outro que em geral vem ao
mundo para ser melhor do que ele. Vem para completar algo
nele como homem. A concretização de uma chance nova. E o
pai pensa que esse menino vai ser mais feliz do que ele, e mais
feliz em especial na vida afetiva. Que ele pode ser um homem
mais resolvido afetivamente, sofrer menos, viver com menos
lacunas existenciais, com menos medos.
É um pequeno homem recém-chegado, cujo amor o pai
deseja conquistar, e para isso traça uma série de planos - ir
junto com ele ao barbeiro assim como as mulheres se
encontram no cabeleireiro. Pensa: "Vou jogar futebol com ele,
quero que me acompanhe." "Quero ensiná-lo a trabalhar." Ele
assumirá, portanto, o papel de um guia, de um iniciado, o
mentor de um outro homem. São sonhos do homem criando
outro homem.
Vale mencionar aqui o caso de um homem que tinha três
filhas mulheres. Ninguém era capaz de imaginar o que se
passava em seu íntimo. Era um conflito permanente, porque o
homem as adorava, sua família era adorável, tinha uma boa
relação com todos, mas no fundo, frustrado, ele dizia: "Não
tenho filho homem, e não posso comentar com ninguém, pois
para mim é uma vergonha ter de dizer isso, mas sinto falta de
um filho homem."
Tempos atrás era importante, quase imprescindível ser pai
para ser respeitado pela sociedade. Os homens de agora
perceberam que há mais do que o poder, que o convívio com
um filho promove acontecimentos muito mais relevantes, como
a saúde física e a estabilidade emocional. Com os filhos, o pai
contemporâneo tende a se reciclar e consegue reinjetar energia
no seu próprio dia-a-dia. Retribui sempre benefícios com
afetividade de forma diferente da que conheceu no passado,
quando um pai ausente vivia para o trabalho e depois se
desculpava com o dedo apontado para o herdeiro: "Nunca
esqueça de que faço esse sacrifício por você."
Na verdade, ao pensar no casamento, o homem almeja
muito mais ter um filho do que conseguir viver com uma
mulher. Ele tem mais confiança de que será capaz de
desempenhar a paternidade do que de conviver infinitamente
num casamento. No entanto, todo homem tem uma
dependência afetiva profunda da mulher. Ele precisa dela para
as trocas de figurinha. Precisa do contato biológico sexual.
Precisa das opiniões dela. Muito da sua energia masculina virá
dela (mais do que a dela virá dele). Só que a mulher costuma
exteriorizar mais essa carência que sente do homem. Agora,
porém, estamos diante do momento em que há algo muito novo
acontecendo na vida dele. Ele que esperava tanto dela...
As pessoas esperam que o homem tome uma série de
atitudes que ele próprio nem sabe quais são e isso implica um
processo de descoberta de atitudes novas que pode levar
meses. O representante do mundo masculino não tem muita
noção do que fazer nesse novo cotidiano em que está agora
mergulhado. Carrega o bebê como se este fosse um objeto de
vidro. Acha que pode quebrar o braço da criança se pegar nele.
"Acho que um filho, pelo menos, vai me obrigar a pensar em
alguma coisa fora do trabalho. Não consigo me desligar da
empresa, nem quando estou com a minha esposa." Ele não
consegue imaginar como corresponder ao que se espera
concretamente de um pai. Não tem ideia do comportamento
que deve ser assumido por ele de acordo com o referencial
feminino.
Erros acontecem quando o pai se isenta da educação do
filho por se sentir menos preparado. Às vezes, até explícita ou
indiretamente, ele é convencido disso pelas próprias mulheres,
quando ouve por exemplo: "Você não tem o menor jeito." "Não
é assim que se fala com ele." "Você faz tudo errado com nosso
filho." A resposta não pode vir na forma de um excesso de
atenção. Há fantasias de que sua força física é incontrolável e
de que sua inabilidade é destrutiva. Alguns assumem uma
responsabilidade que gera uma reação catastrófica, a
preocupação com o novo papel os apavora. Podem também se
tornar altamente exigentes no zelo com o filho. Nem sempre o
pai deve cuidar dos passos do filho em crescimento como se
lidasse com um ser incapaz. Uma dica sobre isso, citando o
grande líder indiano Mahatma Gandhi: "Um pai sábio deixa que
os filhos cometam erros. É bom que, de quando em quando,
eles queimem os dedos."

Meu filho adolescente

Então o homem vê o menino crescer, nota como ele fica


incontrolável, percebe que ele não estuda tanto quanto
gostaria, ou quanto as meninas.{22} Fica esperando a
adolescência, quando haverá maior segurança, em especial
quanto à sexualidade. É comum ouvir do pai nessa etapa: "Meu
filho adolescente" - garotos de algum modo lidam bem com
questões culturais, com a vida escolar - "é um esportista, tem
um bom relacionamento social, mas quero saber se vai ter
relações com mulheres, se ele vai namorar, se eu o orientei
bem até agora para uma vida heterossexual."
Às vezes, quando o menino é estimulado pelo seu mundo
para a vida sexual, para transar com as meninas, vem a
cobrança do próprio pai: namora ou não? Eram coisas
diferentes para o pai, ou pelo menos separadas. E esse
adolescente começa a mostrar que entende as coisas de forma
distinta do pai, que não pretende viver essas experiências de
acordo com as mesmas regras que determinaram a vida do pai
quando este era adolescente.
Os valores morais e éticos de relacionamento entre pai e
mãe, destes com seus outros familiares, com colegas de
profissão, com outros filhos, servem de referência aos filhos
sobre como se deve caminhar para crescer. Por parte do pai, é
uma forma de mostrar os principais interesses na vida como um
todo - os projetos de futuro, o cuidado com que existam em
relação a ele quando criança se rompem na puberdade, perto
dos doze anos. São vários tipos de crise, vários níveis de
intensidade do afastamento: desde um retraimento até um
rompimento brusco de relacionamento. Pode-se estabelecer
uma situação muito constrangedora, no qual se para de manter
contato, de conversar com o pai. É o fim do companheirismo,
representado por uma ruptura que pode chegar a ser total.
Como descreveu um pai deprimido, durante uma sessão:
Meu filho ainda não tinha completado quinze anos e nunca
dormira uma noite fora. De repente, numa sexta-feira à noite,
ele passou pela sala-onde eu estava com minha mulher-deu um
até mais e foi saindo. Tinha uma mochila às costas e mal olhou
para nós quando colocou a mão na maçaneta.
"Que história é essa de até mais?" Eu disse, levantando-
me,
"Vou passar o fim de semana no litoral, com o pessoal da
escola", ele respondeu.
"Com ordem de quem?"
"Não preciso de ordem de ninguém!", ele disse, e já
estava diante da porta do elevador.
"Não podia ter avisado antes?", minha mulher perguntou,
aproximando-se dele.
"E agora não é antes? Vocês sabem com quem estou.
Conhecem o pessoal todo. Domingo à tarde volto."
"Isto aqui não é hotel! Não pode..."
E antes que eu acabasse de dizer o que pretendia, ele
entrou no elevador gritando:
"Não me encha o saco!"
Perdi a voz, e passei o fim de semana arrasado.
O garoto rompe contato e, certamente, supera não
apenas os limites impostos no aspecto verbal, mas também no
cultural, no comportamento, nas atitudes. Raspa o cabelo,
coloca piercing, faz questão de ouvir músicas barulhentas,
passa a usar drogas, é expulso da escola por comportamento
irreverente, começa a não se engrenar mais na vida, a recusar
os valores familiares predominantes, e tudo isso não deixa de
ser um símbolo. Vários formatos, diversas embalagens, o
mesmo produto. Transforma-se em um modelo para outros pais
que não querem ter filhos por causa desse momento:

"Eu não quero ter filhos. Vejo os meus colegas que já têm
filhos adolescentes, estão enfrentando a maior barra. O clima
da casa está em tensão tão alta, que pensam até em se
separar. Alguns não conseguem nem trabalhar direito." O filho
pode vir a completar o orgulho, a satisfação, ou a ser o grande
fracasso, a grande frustração do pai.

Acontece de vermos pais de sucesso profissional, social,


mas cujos filhos vivem como seres problemáticos, delinquentes
desprovidos de qualquer rumo na vida. É muito comum escolas
terem filhos de pais famosos como o exemplo dos piores
alunos. As outras famílias olham para esse pai de muito
prestígio e o rotulam como o grande fracassado como pai.
"Veja, ele nem consegue educar o filho direito." Maliciosamente,
a sociedade, com toda inveja e ciúmes em relação a situações
de sucesso de alguém, passa a minar a imagem desse pai bem-
sucedido. E o pai às vezes se destrói exatamente nesse
momento de rompimento com o adolescente, seu herdeiro. Ele
fica tão desgostoso com a situação que chega a arrepender-se
de ter tido filho. A profunda mágoa com alguém em quem ele
depositou tanta esperança e um amor incondicional abre
ferimentos brutais e profundos no coração masculino.

Agora há outro homem em casa

A fase de desprezo ao pai passou, o filho já cresceu,


segue a própria vida e se estabelece. É um homem-feito. Há
casos de homens que não querem sair de casa. O pai percebe
que tem um filho adulto, um homem forte, capaz, inteligente,
seu sócio, ou então um companheiro. Mas acontece que o filho
tem um compromisso relativo com a família. Ele sequer escolhe
entre participar ou não da vida doméstica. Passa a ser visto
como hóspede no lar. Quer trazer a companheira para dormir
em casa.{23} É um homem que, por exemplo, com sua
formação, sua iniciativa, consegue os melhores investimentos,
mostra como tratar os funcionários da empresa familiar.
Aponta os caminhos em relação aos negócios, aos
relacionamentos profissionais e às posturas inovadoras na
cultura familiar. O pai pode ter de aceitar que, quanto mais
poderoso se posicionar, mais difícil será concordar com outro
homem convivendo no mesmo espaço.
Quanto mais o pai corresponder ao estereótipo do patrão,
mais difícil será para ele ver outro homem falando grosso, outro
homem que fala alto, que também se expressa como o dono da
bola. Se o pai é autoritário, impositivo, determinador, terá um
filho muito parecido e que vai falar com ele da mesma maneira.
"Quem pensa que é?", "Aonde pensa que vai?", "Quem é que
manda aqui?", são lugares comuns que ambos vão trocar entre
si ad infinitum, disputando o domínio do mesmo espaço.
Há o pai que resolve um dia entregar o cetro, que
pretende descansar e repassar as responsabilidades. Anuncia
que vai começar a viajar: "Se ele comanda tudo, agora posso
relaxar e acompanhar a distância. Não quero mais o papel de
quem centraliza tudo." Esse mesmo pai resolve se perguntar se
de um pai que determinava tudo, responsável pelo andamento
das atividades, ele pode passar a ser alguém que busca
respostas. E começa a aprender com esse filho, com a visão
nova, o mundo novo. E a descoberta de que em uma única
geração, nesta nossa época do pós-guerra, as coisas mudaram
e mudam velozmente. Assim, a relação pai-e-filho pode trazer
um benefício incrível com esse jovem homem em casa.

Relações verde-amarelas

O homem brasileiro está se transformando, embora a


mulher daqui, extremamente atualizada, não tenha ainda
atingido o padrão mais agressivo da mulher norte-americana,
por exemplo, que é uma mulher muito poderosa. Elas intimidam
os representantes masculinos que muitas vezes pedem licença
para paquerá-las.{24} Tudo é questão de tempo, em especial se
considerarmos a intensidade da influência da cultura dos
Estados Unidos no Brasil. É por isso que seria bom o brasileiro
se conscientizar das mudanças necessárias de suas posturas
rapidamente para não ficar em um beco-sem-saída.
Eis o relato de um homem sobre seu irmão, depois que
este retornou de uma temporada de dois anos fazendo um
curso nos Estados Unidos:

"Meu irmão fez sua especialização em Economia e a


mulher dele passou esses dois anos apenas estudando inglês e
conhecendo pessoas, viajando por vários lugares. Ficou muito
clara a mudança quando eles voltaram ao Brasil. Ele hoje é o
mesmo economista que saiu daqui para estudar - agora com
seu mestrado, claro. É o mesmo homem, mais convicto de seu
potencial, mais confiante na realização de seus sonhos, mais
determinado em termos profissionais. Mas ela, em vários
sentidos, voltou transformada.
É uma nova mulher, dinâmica, mais informada,
atualizadíssima, mais preparada para enfrentar os novos
tempos, as mudanças do cotidiano feminino aqui. Ela já não
trabalhava desde o casamento.
Agora fala em conseguir qualquer trabalho e até em voltar
a estudar.
Frequentemente aparecem transformações assim. A
mulher precisa se manter integrada ao mundo feminino, mas o
homem também precisa se manter atualizado com o novo
mundo masculino. Dessa forma haverá a possibilidade de troca
mútua, fazendo com que um trate de agir envolvendo,
incorporando o outro. A relação entre gêneros - masculino-
feminino - precisa ser revista e se manter em suas funções.
Ninguém substitui o outro e sempre precisará buscar no oposto
a mutualidade a fim de resolver os problemas que se
apresentam, sem que haja dependência recíproca, mas sim
interdependência em que o diálogo com diversas harmonias e
variações de tons seja ferramenta necessária e permanente. A
melodia verde-amarela precisa mudar.
Com certeza, as famílias do futuro, com tantas e tão
intensas transformações nas relações homem/mulher, iniciadas
no século XX, se tornarão mais equilibradas no que se refere às
obrigações e aos direitos de ambos os sexos. Novas diferenças
entre o ser homem e o ser mulher quanto ao sentir e às
atitudes inerentes aos gêneros masculino e feminino deverão se
desenvolver, sem confundir os direitos sociais de cada um.
O novo milênio em que a humanidade ingressa está
repleto de promessas para o ser humano. Promessas que
realizadas contribuirão para uma vida mais feliz - não apenas
em benefício do homem, mas também das mulheres, suas
parceiras de percurso neste planeta. Este é o maior desafio.

Terceira Parte

Caem as Máscaras.

SEIS: Os sonhos e a realidade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você? você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho,


já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre,


sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno
de vidro, sua incoerência, seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar,
mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se
você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é
duro, José!
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia,
sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a
galope, você marcha, José? José, para onde?

(José, de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, 1942)

Este conhecido poema de Carlos Drummond de Andrade é


talvez uma das expressões mais célebres da crise de sentido
que acomete o homem do mundo contemporâneo.
De um momento para o outro, um José - que pode ser
qualquer um de nós - se apercebe que seu caminho não o
conduzia para onde ele pretendia e, mais ainda, que ele não
sabe como prosseguir. São as razões desse impasse que
pretendemos abordar neste capítulo.

A vida não é como me ensinaram

"A vida não é aquilo que sempre me ensinaram, constata


o homem, desiludido, a certa altura de sua trajetória.
Chega então o momento de questionar tudo o que lhe foi
ensinado antes, todas as mensagens recebidas durante período
de sua formação e que o levaram a nunca ter vergonha, a
endurecer para vencer na vida, a recorrer ao uso de máscaras
de batalhador, de homem forte.
Ele bem que tentou, mas descobre que a existência é bem
assim, não corresponde exatamente ao que aprendeu. Sua
formação acabou por conduzi-lo a um impasse que o força a
refletir sobre a situação em que se encontra, a olhar-se no
espelho da própria consciência de uma nova perspectiva.
Como se verifica esse processo de tomada de consciência?
Evidentemente, tal crise pode ocorrer ao longo da vida de
um indivíduo em um ritmo diluído, quando ele vai percebendo,
de forma gradual, que não tem mais a mesma energia de
antes, o mesmo estímulo, como se as máscaras até então
utilizadas fossem se derretendo, se desmanchando. Ou, então,
ele pode chegar àquele impasse em função de um corte
abrupto, de uma grande ruptura: perda inesperada de emprego,
morte de um filho, da esposa, falência nos negócios, doença
incurável, separação.
Cai então a cortina, o pano, e ele se dá conta que não
estava pronto para o futuro. Somente estivera pronto enquanto
encenava, sob as luzes ofuscantes das ilusões sociais, enquanto
era visto pela plateia que constitui o seu círculo familiar, de
amigos e profissional. Aplausos. Sempre aplausos. Mais
aplausos. Cadê os aplausos? Onde estão? Ele precisa ouvi-los.
Ele precisa de admiração, de confirmação, de alguém que
alimente, que dê os indícios de que ele está na rota, no rumo
certo. Para onde?... Conclui que apenas representava um papel,
que era um personagem no vasto teatro da vida.
A partir desse momento ele pode repetir para si mesmo:

"Eu tinha mais satisfação antes, mais garra durante a vida


que levava até então." E pode então descobrir que agora está
morno, sombrio, sem qualquer perspectiva diante de si, que
não consegue amar nada, nem ninguém. Como é amar mesmo?
Amor? Como é o amor? "Imagine sentir isso na minha idade!"
Nada tem o mesmo valor e essa terrível sensação de um
imenso vazio começa a tomar conta dele.
Há um conjunto de aspectos a ser considerado para
analisar tal quadro de angústia e desespero... depressão talvez.
A questão pode ser inicialmente relacionada, por exemplo, ao
trabalho. Ali ele continua sua caminhada mediana, dia após dia,
quando fica sabendo que receberá uma promoção ou mais
autoridade como chefe, ou mesmo que foi escolhido para uma
mudança de cidade, de país. De repente, ele acha que nada
disso é motivo de comemoração. Mal e mal começa a perceber
que se, objetivamente, tudo está bem em sua vida, por outro
lado, no plano subjetivo, impera a infelicidade.
Também em outros aspectos de sua vida, acabou a
motivação: falta entusiasmo para ver a esposa que o aguarda
em casa, para apanhar a filha na casa de alguém após uma
festa. O homem pode estar em meio a uma comemoração
muito importante, o casamento de um filho, por exemplo, mas
nota que isso não o alegra. Ou passa por um momento em que
percebe que sua vida sexual começa a deixar a desejar,
passando o sexo a ser uma obrigação, uma atividade mecânica
ou puramente instintiva. Já não sente prazer nem mesmo com
amantes, ou com as prostitutas que frequentava. Não se excita
como antigamente. A ereção peniana é "meia-boca".
Tudo aos seus olhos perde a cor. E ele tinha muito prazer
antes, a vida sexual era algo muito importante. O corte pode
acontecer até de forma romântica, durante uma viagem,
quando ele, sozinho, desavisado, começa a conversar com uma
jovem e esta passa a encantá-lo ao lhe dizer coisas que o fazem
lembrar uma namorada, a primeira namorada. Lembra-se? Do
primeiro grande amor? Que intensidade! Que emoção! Quanta
emoção! Quantos sonhos... Ah é, sonhar!
Sonhar!!!
Então ele passa a se perguntar o que está havendo, o que
o leva a querer se entregar. A constatação é de que perdeu
seus mecanismos de defesa. Ele acaba tendo com essa pessoa
uma relação sexual parecida com as que tinha na adolescência.
E comprova aí que continua capaz de ter relações intensas,
como nas melhores fases de sua vida.
Tudo isso mostra que as mensagens que esse homem
vinha recebendo durante sua formação, garantindo que - se
fosse dedicado, trabalhador, bom com todos, honesto - teria
como recompensa a melhor das existências e depois o paraíso
celeste, não foram suficientes para controlar seus mais
profundos impulsos. Esse homem verifica que tudo o que lhe foi
ensinado não consegue fazer com que se sinta melhor:

A verdade é explosiva: "Descobri que não sou mais feliz."


O processo pode começar em casa ou no trabalho. O


homem eventualmente vai percebendo que essa grande
promessa que lhe fizeram na infância e na adolescência (de que
seria premiado por meio do sucesso na vida pessoal e
profissional) não se cumpriu como ele imaginara. Cresceu com
essas concepções de que sendo primeiro um bom filho, depois
um marido fiel e amoroso e, mais tarde, um pai dedicado, seria
feliz, mas na prática não foi bem assim.
Isso pode acontecer, portanto, de formas variadas, mas a
paisagem do fim do túnel é uma só: ele percebe que os sonhos
construídos, as máscaras que o protegiam, já não combinam
mais com a realidade. Tudo deixou de ter sentido.
O homem começa a notar que foi diversos homens: uns
no plano público, outros no mundo privado. Várias vezes em
sua vida, em diferentes situações, ele se adaptou e construiu
vários homens-máscara para se proteger. Personagens
diferentes de acordo com a situação. Aberto, animado, disposto,
empreendedor, na vida pública; frio, calculista, durão, sem
sentimentos no plano particular. Ou outra alternativa: um
charmoso James Bond nos negócios e um relaxado Gilberto Gil
em casa.
Em certo momento, essa vida montada com pequenos
sonhos passa a não fazer mais sentido, mesmo porque a todo
momento surgem eventos que chamam sua atenção para o
sentimento de tristeza: o casamento da filha não o motiva
(nunca foi com a cara do genro...); a formatura do filho lhe é
indiferente (não suporta a interminável solenidade da formatura
do futuro psicólogo...); a perspectiva de mais um fim de
semana prolongado na praia com toda a família é uma tortura.
Pode temer que a mulher tenha outro, que se encante com
outro homem. Ela pode estar querendo deixá-lo. Se separar. Ele
fica perdido. Começa a perceber a importância dela na vida
dele. Ele não é tão indiferente a ela como parece. "Preciso dela,
admiro o jeito de ela ser mulher."
O homem começa a compreender que a possibilidade de
realizar seus sonhos anteriores não era tão irreal, mas o
caminho que lhe foi imposto estava cheio de pedras, era fruto
da vontade dos que vieram antes, ele não teve escolha. Assim,
ele se compara com os outros, com outras concepções de vida:
a experiência dos filhos em outra realidade, os companheiros da
própria vivência profissional, amigos que surgem com outros
projetos e motivações, coisas que muitas vezes lhe foram
proibidas para que a grande promessa se cumprisse.
Ele observa o jovem adolescente, seu filho, com sonhos
semelhantes, mas com outro estilo de vida, que não lhe diz
respeito. Os outros modelos com que se compara o fazem
pensar que ele talvez tivesse uma vida íntima menos cindida
caso não existisse esse permanente conflito dentro de si, entre
o indivíduo da vida pública e o da vida privada.
O ponto onde tudo começa sempre varia. Pode ter ficado
cinco dias olhando para o teto de uma UTI onde foi internado,
com tempo suficiente para refletir sobre o que significava sua
vida até aquele momento, mas o ponto de arranque se dá até
por meio de uma promoção profissional para a qual ele não está
mais motivado: ele não quer se sacrificar por coisa alguma, não
tem mais disposição. Uma gota d’água desse tipo pode se
tornar um turbilhão na vida dele. Água amarga ou água doce...
É quase o momento em que cai a máscara, como se fosse
possível demarcá-lo: a infecção somente é diagnosticada
quando a temperatura do corpo sobe, mas ela pode ter estado
ali muito tempo, mascarada. Quanto mais exemplos cotidianos,
mais claro: tudo para o homem público e nada para o privado.
Esse homem privado tem cada vez menos tempo para si.
Chega um momento em que a família é na prática pouco mais
do que um grande investimento, e ele deve trabalhar para
mostrar sua capacidade, arriscar-se em qualquer atividade,
estimular a mulher se ela trabalha ou não, ajudar se ela está
doente, não importa se for necessário trabalhar até as onze
horas da noite.
Resignado, ele somente vai mostrar que fracassou quando
tiver um enfarte ou mergulhar numa depressão grave. As
estatísticas mostram. O homem solitário numa festa de
casamento, o homem sozinho numa viagem a negócios. De
repente o computador pifa e ele não tem nada a fazer. Constata
que está em algum lugar sem achar graça por estar sozinho. De
repente, vê um casal, uma família com todo mundo irradiando
alegria. Comparando essa situação com a sua, lembra que, em
casa, não aguenta sua família. Nesse momento não vê graça
em retornar ao lar.
Esse homem foi criado para conter suas emoções, fugir
das críticas. Desde menino enfrentou momentos difíceis sob a
pressão dos outros, da família, dos professores, dos religiosos,
sempre precisando submeter sua sensibilidade ao controle de
rédeas. Por isso, a sensibilidade para ele será sempre um
sinônimo de fraqueza, e ele nunca vai chorar na frente dos
outros até a idade adulta, ao preço de ser chamado de fraco, de
"maricas", inclusive pela própria mulher. E até com ela o
homem evitará abrir-se, expor suas fraquezas, pois acha que
ela - na primeira oportunidade - vai se aproveitar das
confidências para humilhá-lo, tratando-o como alguém fraco,
incapaz: "Não vou me abrir com ela. Mais cedo ou mais tarde,
ela acaba me jogando na cara... ela usa tudo o que eu falo,
para me pressionar depois...

Eu não preciso de máscaras

Depois de uma vida inteira dedicada à casa e ao trabalho,


o homem toma um choque diante de situações-limite, como ver
o filho, em meio a uma discussão, dizer-lhe na cara que não
pretende usá-lo como modelo para construir seu futuro. Esse
pai percebe que não precisava ter sido fiel seguidor de tudo
aquilo que o mundo lhe impôs, que não valeu a pena usar
aquelas máscaras em todas as situações. E cresce a quantidade
de exemplos, no cotidiano, mostrando-lhe que podia ter sido
mais amoroso, sociável, fiel, honesto consigo mesmo,
correspondendo ao que seus pais esperavam dele, mas
tornando-se mais equilibrado, satisfeito consigo mesmo.{25}
Ele deduz que a felicidade não precisava ter sido
condicionada por um modelo nem por outro. Nada precisava ter
sido como foi, porque aquele sentido para a vida não devia
necessariamente ser protegido com as máscaras destinadas a
aparentar tudo o que o orientaram (ou melhor, obrigaram) a
ser, do ponto de vista profissional ou familiar.
Caiu na real, em resumo. Percebeu que os sonhos, os
valores adotados, não foram suficientes para proporcionar-lhe a
felicidade desejada. Ele faz um balanço.
Compara sua vida com a adolescência, os bons tempos da
juventude. É a crise da maturidade. Depois de viver muito, ele
agora pode comparar e ver que tudo em que acreditou é uma
bobagem. Seus heróis anteriores são um reflexo dessa
constatação. Hoje a sua esposa ri da sua pose de John Wayne,
ironizando aquele seu ar de macho contido; ela ridiculariza os
voos do Super-Homem que ele ainda costuma curtir nos
quadrinhos e acha os Rolling Stones um bando barulhento de
bonecas histéricas.
Comparações assim o fazem observar modelos com outros
conceitos, com outras características, com diferentes formas de
se expressar que ele não usou antes e que vê agora sendo
usadas por outras pessoas. Essa revisão é contínua, estimulada
por vários fatores, e o homem percebe que poderia ser mais
autêntico e real, que poderia recorrer a outro roteiro que nunca
chegou a usar.
Momento de crise este, quando uma tempestade de
questionamentos vitais o invade. Ele verifica que não precisa
utilizar as máscaras que utilizou até então, mas se faz a
pergunta: "Quem vai agora me ensinar? Como ser então feliz?
Qual é a saída?"
Nessa fase ele tem mais inveja do outro. "Como gostaria
de ser aquele que eu invejo", pensa. O outro tem cabelo cheio,
aquele tem músculos de atleta, este fala grosso, um amigo tem
carro importado do ano, outro é casado com a mulher mais rica
que conhecem e ainda consegue paquerar a outras mulheres,
um colega com menos tempo de trabalho é promovido antes
dele.
Embora não admita, no papel de chefe inveja seu
subordinado, que é um garotão mais atraente, atualizado,
dinâmico. Inveja outro por ser mais engraçado, menos tímido.
Ou um outro que é cabeludo ou menos barrigudo e mais
musculoso. Descobre que pode aprender observando as pessoas
como ele, mas trata-se de uma descoberta dolorosa, porque até
pouco tempo atrás ele se achava um homem completo,
formado. Ou pelo menos "tocando pra frente" uma série de
projetos predeterminados, contêineres de carga com endereço
certo.
Não é fácil avaliar a oportunidade que o homem tem de
aprender com outro homem. A dúvida vai construindo dentro
dele novos parâmetros, que o ajudam a compreender melhor o
que significa ser masculino. Em uma reunião de grupo de
terapia, o mais comum é que todos cheguem rígidos, tensos,
eles não sorriem um para o outro, como homens que se
respeitam mutuamente. Vão relatando suas experiências,
apresentando-se com seus crachás invisíveis. Dão aulas,
desenvolvem teorias. Generalizam ao máximo. Tudo é feito de
forma irônica, sob autoproteção.
Depois, com a convivência, todos conseguem relaxar e
compartilham profundas fraquezas, fragilidades masculinas.
Caem então as máscaras e surge o homem verdadeiro, que é
mais forte. Passam a falar no "eu" e não mais na terceira
pessoa ou no que acontece em geral. Para concluir sua
transformação são necessários muito tempo e trabalho.
É importante distinguir as questões sociais que empurram
o homem a essa necessidade de questionamento, a esse
balanço de vida. Se não houver solicitações, estímulos,
eventuais traumas, ele pode não se mobilizar para uma
reavaliação. As pressões podem fazer com que ele se sinta um
desajustado. Sua esposa o empurra.
No trabalho sente-se confrontado. Do ponto de vista
social, nada é o que ele vinha sonhando para si.
Um administrador de empresas descreveu uma
experiência exemplar sobre a incapacidade de se adaptar a
novos tempos. Ele chegou em casa cansado depois de um dia
de trabalho, para variar, e ouviu a mulher dizer:
"O Tiago trouxe uma bela novidade hoje"
"E qual é?"
"Disse que vai pintar o cabelo de verde..."
O homem comentou que nesse momento perdeu a
respiração. Entrou no quarto do filho adolescente, que estava à
mesa, navegando na Internet. Meteu a cara entre a cabeça do
garoto e a tela do computador e gritou olhando bem de perto
para ele:
"Que história é essa de cabelo verde?"
"Eu estou a fim. Igual ao pessoal do meu conjunto..."
"Pois eu só vou te dizer uma coisa: se você fizer isso
nunca mais vai colocar os pés nesta casa! Cabelo verde não!
Entendeu?"

O mais curioso desse episódio é que esse mesmo homem,


o pai, na juventude, tinha sido durante alguns anos um hip pie,
com cabelos caindo pelos ombros, viajando para todo lado,
tendo como bagagem uma rústica mochila às costas, fumando
maconha sempre que possível, ouvindo Jimi Hendrix e lendo
Herman Hesse. Seu pai, avô de Tiago, era um homem
tradicional de classe média. Tinha preceitos éticos e religiosos
profundamente arraigados que transmitia para a família que
educava. Era gerente de uma grande indústria. Ficava
profundamente chocado com as atitudes do filho.
Confrontavam-se seguidamente.
Neste caso mencionado, ao comparar dois momentos da
juventude, a dele com a do filho, reconheceu sua incapacidade
de compreensão, mas revelou-se incapaz de lidar com o
problema de maneira mais serena.
Para atenuar os conflitos inevitáveis, os pais devem
utilizar na relação com os filhos uma linguagem que não
envergonhe, sem palavrões, sem agressividade.
Ou evitar formas de comunicação sofisticada que criam
barreiras em relação aos filhos. A aproximação fraterna (e não
necessariamente paterna...) é o melhor modo de dialogar, o
mais natural. Um exemplo: em vez de tomar satisfações do tipo
"Como tirou essas notas tão baixas?", dizer "Você está
encontrando sérias dificuldades nesta matéria, não?". Assim,
em vez de criticar com pontadas, não custaria nada recorrer a
um processo de sintonia, oferecer apoio, mostrar que estão a
par do que o filho está sentindo.
Quanto a querer se comunicar com gíria, os pais deveriam
aprender a pedir permissão. Como se a gíria fosse uma
propriedade dos jovens. Se se aproximam dizendo viva e
aproveite intensamente; essa namorada vale a pena; aquele
grupo de rock é fantástico!; que chato precisar encarar esse
vestibular", demonstram ao filho que juntos podem ser um
modelo de como estabelecer o relacionamento pais-e-filhos.
Fato muito importante às vezes é que os pais não têm essa
percepção e por serem em algumas oportunidades mais
fechados, tímidos mesmo, até ironizam o que o filho faz, pois
não sabem lidar com a situação.
É comum que tanto o pai quanto a mãe não saibam ter
acesso ao filho, que precisem aprender, buscar opções
aparentemente mágicas. Insistir. Tentar muitas e muitas vezes,
até chegar lá, perto. Fazer de tudo para não acordar o dragão
adormecido, expelidor de lavas fumegantes da impotência
juvenil.
Outro ponto em relação à agressividade é tentar olhar por
trás". Se o filho manifestou raiva, tente passar por cima desse
momento e dizer, por exemplo: "Você está chateado." É quase
como se não houvesse um problema ao qual o pai deve reagir;
essa é uma forma de expressar abertamente o amor, a empatia
e ser generoso. Expor-se filho é fundamental, confirma que não
é preciso ser rígido, empedrado, sempre que surgir uma
oportunidade. Mesmo depois de uma série de rejeições, de
demonstrações de desinteresse desse filho, vença o orgulho,
tente mais uma vez, quem sabe... desta vez você consegue.
Criar um modelo de masculinidade que o filho adote,
encorajar interesses, relacionamentos, significa valorizá-lo.
Incentivar: "Olhe como é bom se relacionar bem, ter esse ou
aquele contato, estudar tal assunto." Em vez de cortar
conversa, de dizer a toda hora "não", comentar que foi bom ele
ter viajado, ter feito tal conhecimento, que ele deve ter
aprendido coisas e desenvolvido capacidades, que poderá
discernir o adequado e o inadequado. É uma postura que com
certeza vai acrescentar novos horizontes à vida dele.
Uma vez, em um workshop com adolescentes,
manifestou-se uma forte tendência: "Eu preciso de muito prazer
agora." Mais de um deles fez questão de comentar: "Sei que
depois não vou ter. Não quero ficar como meu pai. O único
prazer de meu pai hoje é o de proporcionar prazer a nós. Ele
não curte nada. Raramente o vejo sorrir, dar gargalhadas, se
divertir. Está sempre preocupado, sempre com muita coisa para
fazer."
Esta é uma máxima dessa fase de preparação. Por um
lado, o prazer adolescente é o de transar, namorar. O dever está
na escola e o amor somente é concebido em relação a si:
"Quem mais me ama sou eu mesmo. Eu não penso no futuro.
Não quero me preocupar com isso." Jovens de ambos os sexos
têm a mesma opinião a esse respeito.

O sonho da independência

Um homem pode ter sucesso profissional, mas não


sucesso emocional. Intimamente pode não ser aquele para
quem se olha achando que está bem em todos os sentidos.
Não raro, o sentimento daquele que atinge o sucesso é o
mesmo que o de quem não conseguiu nada, nem filhos, nem
carro, nem casa, nem casa na praia ou no campo. Ambos
constatam concretamente que o modelo não o levou à terra
prometida; aquele que conseguiu sente que igualmente não é
feliz. Dividem um sentimento muito similar: um obedeceu e
chegou lá, o outro não chegou por várias razões, mas ambos
estão em situações emocionalmente parecidas.
A incessante busca do êxito resulta frequentemente no
leve desenvolvimento de fobias, como pânico: não entra em
restaurantes, quer estar sempre perto de portas, precisa comer
a todo momento, evita frequentar lugares públicos. A rotina
dele começa a se restringir, tudo começa a invadir a vida
profissional, evita sair com a mulher, não viaja de avião. Ele
quer resolver esses problemas e conclui, às vezes ajudado por
um tratamento terapêutico: "Preciso mudar minha vida. Passei
dez anos na mesma empresa e meu sonho é cair fora."
Passa a visitar feiras de franchising, vê anúncios de postos
de gasolina, de redes de lanchonete, começa a imaginar que
pode virar consultor. Fica anos e anos preso ao seu emprego,
mas pensando na possibilidade de ser um autônomo, embora
no fundo esteja presente o grande medo de ficar sem a
liberdade garantida.
Esse processo é típico do homem que diz querer ter o
próprio negócio. Mesmo criticando cobranças de horário, a
rigidez administrativa, a cretinice cega dos chefes, não é raro
que ele opte por esse mundo empobrecido no sentido humano,
no qual dependerá da própria capacidade criativa. Ele pode
progredir na carreira, mas seu potencial como profissional está
diminuindo. E o funcionário não deixa de preferir isso a se
arriscar a ir para o campo aberto. Tem medo dos "tubarões",
aqueles que estão sempre prontos para devorar, destruir novas
ideias.
Quando não sabe o que fazer, pois não há quem o ensine,
recorre a um infinito leque de fugas. As máscaras estão caindo.
O homem passa a procurar determinados caminhos, que podem
solucionar uma vida infeliz, e às vezes consegue encontrar a
felicidade. Nas feiras de franchising, ele quer se integrar ao
bando de gente que procura algo, que não sabe o que quer e
serve de presa para os aproveitadores.
A maioria dos homens - e por isso o Brasil registra um
imenso número de empresas que abrem e fecham - imagina
que um dia será possível ter o próprio negócio, alcançar a
independência financeira. Mas acontece que muitas vezes o
sonhado negócio consome o homem muito mais do que
esperava, exigindo-lhe muito mais tempo, sacrifícios e
máscaras do que a vida como subordinado dentro de uma
empresa. A dependência social, a pressão financeira, é muito
maior com a própria empresa, e por isso é um papel
socialmente mais sério, que pode ajudar a desencadear
momentos de crise.
Na iminência do fracasso, ele também procura mulheres
(prostitutas ou namoradas), álcool, ou outras drogas para
atenuar o que sente. Não é por acaso que o número de homens
viciados em alguma substância é infinitamente maior do que o
de mulheres. Muitos compram um carro novo quando estão em
depressão. Querem mudar não importa o quê, querem se
entusiasmar com algo novo. Mas um passe de mágica não
soluciona problemas tão profundos. Por trás de tudo há a
necessidade de continuar desempenhando o papel para o qual
foi criado, o do macho vencedor. Mantém o uso da máscara do
bem-sucedido. E é necessário dinheiro e prestígio para ser um
macho de primeira linha.

"Como ser autossuficiente, não depender de ninguém para


resolver os problemas?" - o homem se pergunta e se responde:
"Com a independência financeira, é claro."

Recebe dezenas de convites por semana para abrir isto ou


aquilo, cafés ou consultorias, estacionamentos ou escritórios de
engenharia, sites na Internet.
Um arquiteto acha que por ter agora sua empresa é feliz.
Um escritor comenta com outro que vai mudar de editora e este
responde: "Esqueça. Mudar de editora é como mudar de
mulher, são todas iguais." O filho-pai hoje lembra as palavras
de seu pai:
"Não se meta a ter seu negócio porque só vai encontrar
problemas pela frente." Tudo resulta na inevitável pergunta:
"O que fazer da minha vida para me tornar mais feliz e
independente?"

Mais recentemente observamos essa multidão de jovens


dedicados à Internet. Pessoas que trabalharam 23 horas por
dia, entregaram-se inteiramente a essa explosão e, por fim,
viram o sonho desmoronar. Surpreendentemente, cresceu o
número de autônomos que não sabem o que fazer da vida
profissional. Contudo, nada mais realiza as pessoas neste pós-
boom do universo informático. São inúmeros os casos de gente
assim. A onda virtual realizava, mas agora o fracasso
predomina, inclusive emocionalmente.
Vale mencionar o site que exibiu uma edição do jornal
Valor Econômico em que um jovem empresário da Internet, de
no máximo 27 anos, aparecia numa foto, com duas dezenas de
empregados, atrás dele. Em seis meses, o maior investidor nos
negócios desse jovem decidiu retirar o dinheiro aplicado e a
empresa virtual chegou ao fim. E agora, José, o que fazer?
A grande promessa trazida pela Internet, a da realização,
da construção de um negócio próprio e promissor, murchou e
arrastou consigo as esperanças de inúmeras pessoas que
apostaram nela. Exemplos semelhantes aconteceram com
milhares de outros sonhadores, em outras áreas e épocas.

A perda do poder: as mulheres chegaram

"Para as mulheres, quero que entendam sua força, seu


poder. Que se vejam como seres em plena capacidade funcional
e não como vítimas. Para os homens, quero que parem de ouvir
a ladainha das feministas e não tentem seguir essa lista de
reivindicações comportamentais que elas querem que sigam
[...] De modo geral, gostaria que os dois sexos percebessem
que têm históricos totalmente diferentes e aprendessem a se
respeitar sem jogos de exploração e vitimização."

Essa afirmação da polêmica escritora norte-americana


Camille Paglia é uma tentativa de mostrar que aos dois gêneros
cabe um lugar específico na sociedade e não se deve procurar
misturar ou questionar características inerentes a cada um
deles. Na vida social e econômica, porém, os fatos se revelam
de forma mais complicada e o confronto parece ter ainda muito
tempo pela frente.
Em termos estritamente biológicos, os hormônios do
homem e da mulher ajudam a determinar as profundas
diferenças entre os dois gêneros. Estudos da Harvard Medical
School dizem que o homem não está condicionado pela
testosterona, no sentido de provocar violência, agressividade
etc. Mas está relacionada a uma maior atividade física. Também
pode prejudicar atividades em que exista alta concentração
envolvida, como o xadrez, mas favorece energia e concentração
para envolvimento em políticas intrincadas. E eles preferem
seguir regras hierárquicas.
As meninas têm outro tipo de visão. Elas gostam do
contato individualizado. Não apreciam grandes espaços, mas
sim a casa, o quarto das bonecas. Não possuem a mesma
atração pelas competições. Podem jogar até futebol, esporte
tido como exclusivamente masculino, mas não assumem o
embate, a noção guerreira que o homem tem.
E vão se impondo ao seu modo.
O mundo masculino, enfim, está assustado, apavorado
com a ascensão profissional da nova mulher? Essa é a imagem
que a mídia costuma veicular a todo momento, mesmo que não
seja de forma explícita. Muitas vezes o homem reflete essa
ideia no momento em que observa o comportamento da própria
mulher e repara o quanto ela está nervosa, angustiada,
estressada. Nota que há aspectos da relação que precisam ser
renovados, mas não sabe tomar a iniciativa. Falta a ele uma
certa flexibilidade para compreender a companheira. Em um
workshop vivenciando a fonte de amor, mulheres reclamavam
por uma ação mais clara, um melhor posicionamento dos
homens "senão a gente fica louca!". Por isso, a regra é que a
iniciativa para a transformação costuma ser dela.
Um bom exemplo dessa situação e da tensão que ela gera
é o caso que se sucedeu com um advogado cuja mulher, que
sempre se dedicara à vida doméstica, resolveu trabalhar. Sua
crise - profunda, diga-se de passagem - começou quando o filho
mais velho chegou em casa no começo da noite e o encontrou
atirado no sofá, resmungando, de olhos fechados. Estava
segurando uma garrafa de uísque com o conteúdo pela metade
e não havia mais ninguém em casa:
"Pai, o que houve?"
"Não sei o que fazer..."
"Diga, quer alguma coisa?", perguntou o rapaz, notando
como o homem estava da cor da bebida.
"Não sei..."
O garoto fez menção de apanhar a agenda e telefonar
para o médico do pai, já pensando em antigos problemas
cardiológicos.
Mas antes pergunta:
"Quer que eu chame alguém?"
"Chame sua mãe", responde o pai, já quase sem voz."
"Ou espere que ela volte, porque ligou para meu escritório
contando que acabou de conseguir um emprego... Hoje é o
primeiro dia de trabalho dela..."
O representante do mundo masculino realmente está
angustiado. Ou ele constata que precisa urgentemente mudar,
ou vai atrás de uma solução para que possa relaxar seu roteiro
de valores, abandonar o esquema rígido do trabalho
permanente. Algo deve mudar, porque se todas as civilizações
até agora foram construídas tendo os homens na vanguarda,
certamente a partir do final do século XX o mundo não os terá
mais na liderança. Comprovadamente, no início do século XX,
as mulheres representavam 15% da força de trabalho mundial.
No fim do mesmo século já representavam 50%. Um ritmo
bastante acelerado.
Tanto a nova economia quanto as mulheres fazem parte
do novo cenário que o homem se esforça por compreender.
Computador às vezes é encarado como objeto de filme de ficção
científica, algo que muda a uma velocidade difícil de
acompanhar. Mulheres entram na empresa de maneira
devastadora e ocupam postos hierarquicamente mais elevados
que os dele. A multiplicidade de situações o leva a cogitar mais
do que nunca se ele não se transformou em um dinossauro, um
bicho desajustado, fora de época, tanto na nova economia
quanto no contato com a mulher que invade cada vez mais
devastadoramente sua vida profissional.
O homem nota que a mulher tem a mesma capacidade, a
mesma agilidade, energia de sobra, tanta motivação quanto ele
e que elas não desprezam a vida fora do trabalho como ele
passou a desprezar de uns tempos para cá. Esse é um paradoxo
fundamental. E ele se questiona: "Olhe essa mulher como
transmite felicidade tanto no trabalho como em casa. Por que
eu precisei usar máscaras e mais máscaras para chegar ao que
sou hoje, e elas, minhas colegas de trabalho, não parecem
precisar?"
No limite, todas as pressões levam o homem a fazer
sempre estas perguntas: "Qual é o modelo? Quem me ensina
agora?" Somente sabe que duvida de que seu passado em
termos de valores morais, profissionais, foi o melhor que ele
poderia ter construído para si mesmo. E começa a observar
outros modelos representados pelos filhos, os filhos dos amigos,
pela mídia, e fica sem saber o que escolher, em todos os
sentidos.
As emoções o atormentam e ele precisa desdobrar-se
para não ser devorado por elas. Se a mulher deseja discutir a
relação entre ambos, o homem costuma fugir disso porque não
domina o assunto, não teve qualquer preparo para isso. Ainda
que os sentimentos masculinos sejam intensos, o homem
conhece muito pouco sobre as próprias emoções. e Ele passou a
ser mais cobrado a partir da década de 1960, quando a
liberalização do sexo transformou a mulher em parceira mais
exigente nesse aspecto.
Se ele começa a se envolver extremamente, motivado
pela paixão, a demonstrar muitas emoções, fatalmente deixa de
ser bem-visto, até mesmo se o objeto dessa paixão for a sua
mulher. Ou seja, abrir o jogo poucas vezes dá certo. É preciso
encontrar formas de desenvolver a sensibilidade e praticá-la
sem perder a máscara fria da masculinidade, pois, afinal de
contas, é isso que a sociedade - majoritariamente ainda espera
dele.
Há o homem que diz: volto para casa e tenho mais
trabalho; chego em casa e não consigo descansar no fim de
semana, pois recebo mais solicitações. Não consigo parar, diz
ele, e a mulher se queixa de que ela deixou de ser a prioridade.
O que fazer?
Hoje em dia a mulher não aceita ficar em casa, pelo
menos não durante o dia todo. Ela quer um homem apaixonado
ao seu lado. Trabalhou o dia inteiro, coordenando uma série de
atividades, mantendo relações profissionais, ligou para amigas
durante o horário de trabalho, está informada sobre o que
acontece no país e no mundo, foi ao cabeleireiro, enquanto o
homem raramente encontra tempo para cortar seu cabelo. Ela
espera chegar e encontrá-lo com a mesma vitalidade que ela
vivencia. Entretanto, ele está despedaçado.{26}
Há em nossos tempos uma disputa permanente entre os
sexos. As mulheres se cansaram de se restringir à luta pela
igualdade de direitos e deveres entre os sexos. O homem não
pode ser um fracassado profissional, pois corre maior perigo de
ser rejeitado - não apenas por sua mulher, mas inclusive pelas
próprias colegas de trabalho.
Uma mulher que vive com um homem cuja atividade
profissional seja menos bem-sucedida do que a dela sempre
espera (no íntimo, pelo menos, ou até de forma inconsciente)
que ele se supere, ultrapasse os limites para que venha a se
impor como o líder da casa ou pelo menos se equipare a ela, a
esposa.
No outro extremo, caso não tenha uma relação estável
com um homem, a mulher de hoje está à vontade para assumir
todo tipo de problema de ordem financeira, econômica. Mas se
ela divide o espaço do lar com um companheiro, dificilmente
deixará de se sentir incomodada caso venha a ser obrigada a
assumir o papel de "o homem da casa", ou seja, trabalhar fora
e ao mesmo tempo arcar com as despesas e responsabilidades
básicas do lar.
É interessante lembrar que nem sempre a mulher quer
trabalhar fora de casa exclusivamente movida por motivos
econômicos.
É comum que ela deseje encontrar uma forma de
realização que a ajude a superar os limites estreitos do lar.
Marido, filhos e uma casa confortável já não são suficientes
para que ela se sinta completa.
Por isso, em qualquer setor da vida econômica e
profissional, ao qual se dirija a atenção, será possível ver a
presença crescente (em termos numéricos e qualitativos) de
mulheres: da direção de bancos ao comando de empresas
financeiras; da administração de hospitais à edição em grandes
empresas de comunicação; da alta liderança política à reitoria
de importantes universidades. Em último caso, quando os
obstáculos a impedem de assumir posições desse porte, a
mulher acaba se dedicando como voluntária a associações
beneficentes, a grupos de ajuda, a ONGs, quase sempre em
troca apenas da própria atividade. A autorrealização é função
prioritária para a mulher moderna. Colocar em prática seu
potencial criativo e produtivo integra sua autoestima, sua
inteligência e sua vida emocional.
De concreto, pode-se dizer que o homem está perdendo
lugar no mercado de trabalho. Uma pesquisa divulgada pela
Fundação Seade/Dieese, a respeito de emprego e desemprego
na região metropolitana da cidade de São Paulo, durante 1999,
mostra isso claramente. A pesquisa indica que aumentou nesse
ano o número de vagas para mulheres, enquanto entre os
homens a redução do número de vagas fez crescer o
desemprego. Mais do que isso, a pesquisa revelou que no
segmento das mulheres de mais de quarenta anos de idade o
desemprego cresceu 5%, enquanto entre os homens da mesma
faixa etária o desemprego aumentou 20%.
Então, o melhor jeito de viver esta vida a partir do século
XXI é ser mulher? Na década de 1970, chegou-se a se dizer que
o homem feminino, o afeminado, seria o protótipo do novo
homem: o homem sensível. Mas não é disso que se trata, é a
mulher que consegue integrar a vida dentro de casa com a de
fora, no trabalho, e, por isso, ela está se saindo cada vez mais e
melhor.
Para ficar apenas no plano profissional: se na metade do
século XX mulheres formadas em medicina ou arquitetura eram
observadas como animais raros, no fim do mesmo século elas
ultrapassavam metade das turmas formadas em qualquer
universidade brasileira. Apenas para comparar: não se constata
na mesma proporção o aumento de homens dedicados ao
exercício de profissões (tão raras) tidas antes como
estritamente femininas.
Mas pior que qualquer outra coisa é a descoberta de ter
sido substituído por uma colega do sexo feminino: "Aquela
vagabunda do Marketing? Todo mundo sabe que só abocanhou
meu lugar depois que fez a tal da especialização em Miami,
financiada pela empresa. E com uma ajuda do competente
diretor executivo...
O homem está com medo da mulher? Mesmo aqueles que
não sentem medo já percebem a necessidade de aprender os
artifícios e os mecanismos de adaptação às intensas mudanças,
embora nem sempre saibam por onde começar. O homem não
consegue abrir mão de uma certa rigidez, faz parte de seu
caráter. Talvez ele tenha medo da mulher, mas é ele quem
precisa mudar, indo atrás de novas soluções profissionais,
buscando também como se divertir, relaxar, se envolver com
outros assuntos.
Quando tem interesse em manter a relação, a mulher
precisa utilizar tudo o que tem de mais feminino, valorizando
seus instrumentos intuitivos, combatendo as imposições
racionais, afirmativas do guerreiro. Se a mulher pressiona o
homem a falar o que ele não deseja, o comum é que ele se
defenda mentindo até o esgotamento.
Isso não significa que a mulher tenha de reagir indo ao
extremo de se transformar em um ser passivo (estereótipo da
mulher condenado a desaparecer na história), pois o homem a
apreciará quanto mais ela o obrigar a lutar por seu carinho e
sua atenção.
Prestar atenção no mundo que se modifica tão
aceleradamente é fundamental para o homem. Nem sempre o
choque da novidade é trazido pela companheira ou esposa.
Um pai de família contou certa vez que sua filha, uma
suave adolescente, pediu-lhe certo dia uma mesada especial
para fazer um curso. Antes que ela concluísse, ele já foi
imaginando algo como pintura, dança, ou, no máximo, um
curso de judô:
"Curso de quê?"
"De boxe."
"Como?", disse o pai, enquanto procurava com
movimentos rápidos da cabeça uma cadeira para sentar-se.
"É isso mesmo. Um curso de boxe. Eu adoro boxe e queria
fazer uma surpresa para vocês..."

Em nossos dias, não é exagero dizer que o homem se


tornou o sexo frágil, dobrado ao peso das múltiplas obrigações
que exigem cada vez mais dele: precisa realizar-se
profissionalmente, de todos os lados sofre pressões para
realizar os sonhos da mulher e dar condições confortáveis de
vida aos filhos. Sempre foi assim? Em certo sentido, sim, desde
a Pré-História. Mas a nova posição que a mulher ocupa - pelo
menos nas sociedades urbanas do Ocidente -, e que foi
desencadeada com o movimento feminista, incomoda-o
profundamente, abala sua segurança.
Os conflitos tendem a se acentuar. O homem não é a
vítima, e sim, a parte mais abalada. Mais do que nunca, nessas
circunstâncias, a mulher deve tratar o homem como um
arqueólogo que faz pesquisas lidando com uma múmia.
Qualquer movimento brusco pode fazer com que a múmia se
reduza a pó.


SETE: Recompondo as máscaras.

Mudar sim, e já!

Ao caírem as máscaras, o homem encontra-se perdido,


sem orientação e normalmente não tem ninguém que o ajude.
Sente várias pressões, interna e externamente, várias forças
que o movem na direção de uma mudança. Só lhe resta mudar.
Ele só não tem certeza, nem ajuda, nem o aconselhamento de
qual seria o melhor caminho.
As forças que empurram esse homem nesse momento,
porém, são muito intensas para que ele simplesmente aceite o
fracasso e continue sua vidinha.
Pelo que temos visto, é bem mais provável que ele tome
algum caminho. Entretanto, como ele não sabe para onde ir, o
que quer fazer, qual a orientação a seguir e, além disso, não
tem ninguém que o ajude, a probabilidade de ele tomar um
caminho errado é muito grande. Não raro, pressionado por
diversas situações incontroláveis, ele acaba decidindo por
alguma mudança, sem observar que o dia seguinte pode surgir
como uma tremenda ressaca, pois o caminho escolhido
eventualmente não adicionou nada, não agregou qualquer valor
a sua vida e, principalmente, não levou às mudanças que ele
almejava.
O dia seguinte pode também se revelar, entretanto, como
um caminho de renovação, um caminho onde ele encontre
alguma luz e perceba que é possível ter uma nova vida, com
novos papéis nos níveis familiar, social e profissional. Pode
surgir uma nova possibilidade no terreno afetivo ou a coragem
de entrar em um novo negócio.
Um hábito novo pode se instalar, como a prática de um
hobby ou o engajamento num projeto comunitário. Enfim, surge
um novo homem.
Nesse momento, como lhe falta orientação e ele está
envolvido com problemas muito difíceis de resolver, faz algumas
mudanças em sua vida, que não o levam a lugar algum. Ele
simplesmente, depois de algum tempo, se depara novamente
com os mesmos questionamentos, com os mesmos problemas.
Em verdade, ele até quer tentar mudar. Quer ter um negócio
próprio, mas não consegue se mover, quer melhorar a relação
com os filhos, ou com a mulher, quer se dedicar a alguma
atividade física ou fazer esporte, quer ter algum tempo para ele
próprio ou para atividades sociais, mas não consegue. Certos
comportamentos arraigados fazem com que ele na verdade não
saia da posição de sempre, mesmo que ele queira mudar.
É como se esse homem caminhasse dentro da areia
movediça. Ele caminha, anda, se movimenta, mas continua no
mesmo lugar.
Isso ocorre porque ele não está seguro e confiante de que
o caminho escolhido o levará a remodelar ou a rever esses
papéis de maneira mais profunda. Acaba, portanto, deixando
tudo em um nível superficial, adotando fugas (carro, álcool,
drogas, meninas novas). Atravessa um turbilhão de
questionamentos, de pressão, de decisão, de ansiedade e, em
geral, não consegue se transformar.
Mas, felizmente, outros homens, com mais coragem, mais
iniciativa e mais poder de decisão, acabam tendo a
oportunidade de rever seus papéis e de mudar a vida, trilhando
um caminho melhor. Reprogramam seus projetos, harmonizam-
nos com características pessoais adormecidas, reestruturam
expectativas, descortinando novos horizontes.
O fato de recompor a vida ou, mais simplesmente, o fato
de se mudar a vida não significa necessariamente que essa
mudança é para melhor. Há inúmeros exemplos, tanto daqueles
que conseguiram mudar, do ponto de vista familiar, social e
profissional, para uma situação melhor, como daqueles que
caíram em uma situação muito pior da que estavam
anteriormente.

Revendo o papel do pai


O fato importante é que o homem, empurrado por essas
forças transformadoras, acaba mudando e essa mudança
muitas vezes o leva a rever o tipo de papel que desempenha.
No caso do papel do pai, por exemplo, é muito comum hoje se
encontrar uma quantidade igual, ou ligeiramente inferior a de
mães, em reuniões nas escolas.
Percebe-se que há uma atitude prática e um maior
envolvimento do pai na educação e na orientação dos filhos do
que antigamente.
Isso tem ocorrido com frequência porque esse pai já está
mais participativo, assistindo inclusive ao parto da esposa,
como é moda nos últimos quinze ou vinte anos. Um pai que
eventualmente acompanhou o nascimento do filho pode ter um
comprometimento diferente, um envolvimento mais próximo.
Vai querer saber como o filho está na escola, vai querer fazer
aquilo que seu pai não fez, que, no máximo, apenas o deixava
na porta da escola. Quem entrava era a mãe, no sentido do
acompanhamento e orientação, tanto na escola como em casa.
Ora, o homem que muda (e que quer mudar) vai querer
fazer diferente. "Por que não posso também participar, por que
não posso ajudar meu filho na lição de casa? Por que não posso
dar minha opinião na orientação e na educação dele?" Essa
revisão do papel paterno normalmente se dá no sentido de
estar mais próximo, de procurar entender o que ofilho é, sem a
atitude de policial ou de juiz, julgando a todomomento, sem
estabelecer tantas regras rígidas, que podemno final acabar
levando a desapontamentos, em estágios posteriores da vida
como o que esse homem se encontra.
O homem, nesse momento, decide que deve se dedicar a
uma relação com o filho marcada pelo amor e pela proximidade.
Ele já começa a perceber que quanto mais próximo estiver,
mais confiante o filho se sentirá.
Nessa revisão, ele começa a ver que o que faltou para ele
e, muitas vezes, para seu filho, são a presença e o exemplo. Ele
começa a pensar que se tivesse a presença do pai em
determinada ocasião, dessas que marcam a vida, ele teria se
tornado talvez uma pessoa muito mais confiante, transparente
e aberta. Como lhe faltou essa proximidade, goste ou não,
demonstre ou não, ele, em um movimento de compensação, vai
tentar estar mais próximo do filho, equilibrando a autonomia
que esse filho quer, deseja e pede com a necessidade de ele
rever seu papel de pai. Se não for tarde demais, o encontro
entre os dois ocorrerá em uma nova perspectiva para ambos.
É muito comum, nesse estágio, o pai querer a presença
dos filhos. Mas é normal que aí os filhos já não queiram mais
tanto a presença dos pais, buscando, principalmente na
adolescência, sua independência. Isso pode levar a um conflito
que inibirá essa recomposição do papel paterno, pois no
momento em que ele quer rever essa postura, percebe que o
filho deseja um pouco mais de distância. Esse é um conflito a
ser resolvido.
A grande revisão da posição de pai é perceber que não
existe uma maneira específica, única, de educar seja um filho
ou uma filha. O importante é que o pai vá mostrando para os
filhos (claro que dependendo da cultura, do pensamento e da
época) que os novos homens devem se esforçar para se
sentirem bem, sem regras predeterminadas que definam como
devem ser os homens e as mulheres.
A melhor maneira de um homem se sentir bem será
sempre a partir da descoberta de como se expressar melhor e
de como se proteger melhor em relação ao mundo.
Essa proteção não ocorre, porém, se escondendo, mas se
expondo.
O homem, em seu papel de pai, deve ensinar a todos os
membros da família que se deve cultivar dentro de si o que se
aprende na vida a partir dos sentimentos e das emoções. O
homem precisa ser educado para isto, para compreender as
outras pessoas, e não passar por cima e destruir as relações.
Essa revisão do sentido da paternidade começa a mostrar
ao homem que a sua presença junto ao filho é tão importante
quanto a presença da mãe. Diversas pesquisas hoje revelam a
importância da proximidade do pai. Esta é na verdade
determinante no que vai ser essa criança, do ponto de vista
emocional e intelectual. O pai escuta de terceiros e também
percebe por si só o quanto o envolvimento afetivo e emocional
com o filho é importante para que este se desenvolva como
pessoa íntegra e completa.
E que essa história de que dar amor em excesso suscita
fragilidades é uma grande bobagem.
A carta que reproduziremos a seguir, do consultor Renato
Bernhoeft a seus filhos herdeiros, mostra como um homem,
reavaliando-se, sobretudo em seu papel como pai, procura
analisar, em tom confessional, o que foi feito e o que deixou de
ser feito em sua vida:

"Queridos filhos, esta carta foi escrita para não ser


enviada.
Ela representa muito mais um momento de reflexão e
balanço da minha própria vida. Mas só tem sentido se dirigida a
vocês.
Lembro agora daqueles primeiros dias do meu casamento.
Vossa mãe e eu nos encontrávamos com alguma calma apenas
já tarde da noite. E nossas conversas giravam em torno de três
preocupações: as perspectivas dos negócios, a necessidade de
economizarmos nas despesas domésticas e o temor de termos
o primeiro filho.
Desde aquele tempo tive na vossa mãe uma companheira
forte. As vezes mais forte do que eu. Quantas brigas,
desentendimentos e cenas de ciúmes. Quantos passeios
adiados, noites mal dormidas e madrugadas de apreensão.
Sendo bem sincero, tudo o que vocês são, como pessoas,
vocês devem a sua mãe. As virtudes e os defeitos.
Eu tinha uma única preocupação: a empresa. Era minha
amante, filha e companheira. Mas eu fazia tudo isto por vocês.
E sempre deixei isto bem claro para a vossa mãe, pois contava
com o apoio e compreensão dela.
Vocês foram crescendo. A empresa se desenvolvendo.
Daquele velho galpão e máquinas obsoletas hoje ficou muito
pouco, apenas algumas peças de museu e muitas lembranças.
Aliás, tão envolvido com o negócio, nem vi direito como vocês
cresceram. Lembro de algumas festinhas na escola, dos
trabalhos de cerâmica e de alguma redação que traziam para
casa no dia dos pais. Lembro até de que muitas vezes saí
correndo de alguma reunião para dar o ar da minha graça e
derramar algumas lágrimas de emoção.
Na medida em que vocês cresciam eu ficava orgulhoso e
vossa mãe preocupada. No fundo ela tinha medo de sentir-se
só, com o afastamento de vocês. E esta solidão dela me
assustava, pois a gente já não sabia mais conviver a dois.
Tínhamos colocado vocês como a única razão de nossa
existência.
Pelo menos este era o discurso.
Ela, afirmando ter dedicado sua vida a cuidar de vocês,
imaginando que seriam sempre objetos de sua propriedade.
Eu, dizendo sempre que todo aquele sacrifício para fazer
os negócios crescerem, era para que vocês pudessem viver
juntos, sem passar as necessidades que nós passamos.
Mas o que estamos colhendo hoje? De um lado vocês me
acusam de ter faltado nas horas mais importantes do vosso
desenvolvimento pessoal. Afirmam que trabalhar junto comigo
na empresa é impossível pelo meu estilo de comando, pelos
métodos antiquados de trabalho e porque estou cercado de
gente velha e obsoleta.
Para vossa mãe, reservam comentários menos ácidos,
mas nada lisonjeiros, tais como a representante de um tipo de
mulher que não existe mais nos dias atuais.
Mas mesmo assim a querem como avó dos vossos filhos
para dar alguma atenção que vocês não dão, ou deixá-los em
casa quando vão ao cinema, boate ou alguma viagem com
amigos no final de semana.
Tenho que reconhecer que cometi erros. E foram muitos.
Encontro entre os velhos funcionários, clientes e
fornecedores um respeito, admiração e até inveja que não
tenho em minha casa. Recrimino-me por ter falhado em muitas
coisas.
Para o vosso desinteresse pelos nossos negócios, ou até
uma eventual disputa entre vocês, acho que podemos encontrar
soluções. É possível dividir os negócios, já pensei até em
vender ou quem sabe colocar em prática algumas ideias sobre
profissionalização. Evidente que esta última não elimina vocês
da propriedade. Ela vai exigir maior preparo de todos nós.
Mas o que hoje está me preocupando mais seriamente são
dois pontos: o primeiro é de se a acusação que fazemos aos
nossos pais, por tudo aquilo de imperfeito que temos, não tem
um limite. Ou seja, a partir de um certo momento da vida, que
não tem apenas a ver com a idade, não é responsabilidade de
cada um assumir, plenamente, o compromisso pelo seu destino,
e deixar de apenas culpar os outros? Isto não nos isenta de
termos cometido erros como pais e eu como empresário. Mas
não está na hora de vocês se olharem no presente e assumirem
o encargo de escreverem, com sua própria caligrafia, o papel
que terão no futuro?
A segunda preocupação diz respeito ao fato de que tudo
indica que o ciclo se repete. Ou seja, vocês também correm o
risco de serem acusados pelos seus filhos de tudo aquilo que
nos acusaram. Ou seja, parece que ter sido vítima e analista de
uma série de erros dos vossos pais não permitiu que estas
mesmas imperfeições fossem corrigidas.
Confesso que tudo isto não me assusta. Apenas me faz
pensar profundamente sobre a importância da vida e de nossas
realizações. É claro que estou numa idade em que as emoções
são mais fortes e em que a gente se pega mais vezes
pensando, e até lacrimejando um pouco. Confesso que tento
esconder estas emoções, pois a imagem de homem forte que
criei não me permite expressar os sentimentos de maneira tão
autêntica. Parece fragilidade não querer que os outros
percebam. Mas não será também que estou vivendo uma fase
em que devo preocupar-me mais comigo do que com o que os
outros pensam? Acho que sim. Mas tenho dúvidas.
Filhos, esta carta foi um desabafo. Mas como sempre fui
um homem prático quero encerrá-la com uma proposta. Que tal
a gente sentar em um final de semana destes e ter uma
conversa franca sobre o que cada um anda pensando da sua
vida? Vocês aceitam?"
Esta carta emocionada e emocionante, que funciona como
um "desabafo", revela que o homem que tem poder de
reconstrução e de reconsideração pode reeditar um caminho de
integração com os filhos. O reencontro com os filhos coloca esse
homem em contato com a própria biografia.
Dessa forma, ele recupera e atualiza seus sentimentos
mais verdadeiros. Estar mais presente junto ao filho dá ao pai
não só um sentimento de paz, satisfação e tranquilidade como
também torna esse filho emocionalmente mais preparado,
menos agressivo, com maior capacidade de exprimir seus
sentimentos e emoções. Isso na relação dos dois é muito
importante, porque acaba aproximando pai e filho, que haviam
ficado por muito tempo separados e ausentes. Essa separação
pode ter causado no filho insegurança, intranquilidade, muitas
dúvidas e questionamentos, e, no pai, baixa autoestima e o
sentimento de fracasso quanto à educação do filho.

Revendo o papel na família

Outro aspecto importante no processo de revisão de


papéis, que atinge o homem quando ele coloca de lado as
inúmeras máscaras cultivadas durante toda a sua vida, é a
relação com a esposa, com os irmãos e com os próprios pais,
em especial talvez com o pai dele.
No que se refere à mulher, se o casal tem o compromisso
e a intenção de eventualmente recompor, reestruturar e
reconstruir o relacionamento, o homem terá, necessariamente,
que buscar uma forma diferente de realizar o encontro, o
entendimento e a recuperação do amor que os uniu.
Essa revisão vai se dar, muitas vezes, por meio da
reavaliação do papel dos dois, no casamento, na divisão das
tarefas, das responsabilidades familiares etc.
Muitas vezes, o homem está passando por esse processo
de renovação como se fosse um turbilhão na sua vida,
enquanto a mulher está em um outro caminho, na busca da
independência, da felicidade, da realização profissional. Ela
pode estar voltando à escola, procurando um curso para fazer,
uma especialização, ou seja, pode estar se expandindo para a
sociedade, para a vida, para o mundo, justamente quando o
homem está vivendo uma crise de introspecção, tentando
entender o que está acontecendo com ele.
Essa revisão de papéis, para ser efetiva e bem-sucedida,
deve acontecer de maneira que integre a relação conjugal, com
a consciência da divisão desses papéis, e com o homem
sabendo que eventualmente poderá assumir atribuições que
antes eram exclusividade da mulher. E vice-versa. Se houver
essa compreensão e essa consciência, é muito provável que a
reconstrução da relação que eventualmente já estava
desgastada aconteça. Caso contrário, é muito comum o conflito,
ou a separação, pois cada um estará seguindo uma direção
totalmente oposta em seus ciclos de vida.
Com relação aos próprios pais, é muito comum nesse
momento que o homem busque reativar os laços com a figura
paterna. Em determinado momento de sua vida adulta, lá no
passado, ele também havia se afastado de seu pai, da mesma
forma como depois se afastou da família e de si mesmo. Pode
utilizar ou ter a expectativa do auxílio da esposa para isso. Ela
afinal já tem o know-how de restaurar tecidos puídos.
Não é incomum que isso aconteça. Na verdade, ocorre
com frequência que os pais, de maneira geral, sejam vistos
como heróis quando os filhos estão na infância, para depois, na
juventude, ganharem uma aura negativa, sendo vistos como
dispensáveis até. Só mais tarde, na meia-idade, é que eles
voltam a ser heróis.
Então o homem, nessa hora de recomposição, vai buscar
refazer esse laço com os pais, porque ele percebe a dificuldade
que o próprio pai enfrentou para poder passar por essa vida
adulta. O homem compreende e se identifica com os
questionamentos, dificuldades e ansiedades enfrentados
anteriormente por seu pai.
O reconhecimento de que "não foi fácil" (ou seja, ele
percebe que não foi fácil para ele e, portanto, também não deve
ter sido fácil para o pai) faz com que ele, de uma certa forma,
procure religar{27} o contato emocional com o pai. Isso acontece
permeando a busca da proximidade e do encontro. O meio para
isso normalmente são as reuniões familiares quando se procura
estar junto com maior frequência e se entrosar mais como
família.
Por nunca ter colocado, em qualquer currículo profissional,
uma de suas principais formações, que é aquela adquirida em
casa, o homem que recompõe sua vida procura compreender e
reconhecer a importância, em todas as suas dimensões, dessa
formação. Afinal, foi com seu pai e com sua mãe que ele obteve
noções fundamentais que moldam seu comportamento até hoje.
Então esse homem, que costuma se hospedar em hotéis cinco
estrelas, começa a repensar o quanto seu pai, por exemplo, se
esforçou e hoje está aí com um padrão de vida deplorável, com
grandes dificuldades financeiras e de segurança pessoal.
O homem percebe a importância do próprio pai e reage
buscando a proximidade com o filho. A reconstrução da relação
com a família e com o filho é a tentativa de recompor a vida
familiar segura que ele não vivenciou.
A saudade dos irmãos é outro elemento que surge na
reavaliação familiar. Vem à mente a lembrança do convívio e da
intimidade familiar com os pais e os irmãos, os momentos de
brincadeira e amizade. Mas vem também a certeza de que
esses momentos na verdade são irrecuperáveis, e a presença
de cunhados e sobrinhos torna muito mais difícil a atualização
da cumplicidade da infância e da adolescência. A esposa pode
ser neste momento a maior opositora na recuperação da
história pessoal dele.
Com a mulher, especificamente, a reavaliação do homem
pode ir para dois lados opostos. O homem pode querer tanto
aumentar o vínculo com a esposa como pode querer diminuí-lo:
"Descobri que ela é o amor de minha vida" ou "não adianta, ela
nunca vai mudar, vou ter que aguentar esse jeito dela". Isso
dependerá do histórico da relação e do saldo final, que pode ser
representado pelo predomínio do companheirismo ou do
desgaste.
Muitas mulheres são extremamente companheiras e se
tornam verdadeiras consultoras e conselheiras dos maridos. Por
exemplo, às vezes, mesmo sem acompanhar diretamente o que
ocorre com o esposo em sua empresa, ela consegue, com o
olhar afastado dos eventuais problemas, perceber quem está
com inveja, quem está com ciúme, quem está querendo passar
a perna em quem. Além disso, ela pode ajudá-lo nos
investimentos.
O homem pode, mergulhado nas preocupações
profissionais, deixar de perceber o que está fazendo com a vida
patrimonial, por exemplo. E, mais importante ainda, a mulher é
fundamental na questão da saúde. Muitas vezes o homem não
tem tempo, ou disposição, para dar uma paradinha nas
inúmeras atividades e fazer um check-up, acompanhar se o
colesterol está alto ou não, ou mesmo perceber se engordou ou
emagreceu em excesso: "Ele só faz terapia, só se trabalha
emocionalmente se eu estiver junto, na nossa terapia de casal.
Senão ele diz que não tem tempo."
A mulher, quando assume também o papel de conselheira
do marido nesses assuntos, é um dos principais objetos de
atenção do homem no momento de repensar a vida após a
queda das máscaras. E no final todo o processo de revisão será
feito de maneira integrada. Isso invariavelmente leva ao
fortalecimento da relação do casal.
A situação é totalmente diversa quando o desgaste e a
mágoa predominam no casamento. Nesse caso, a mulher
recordará com facilidade as noites que o marido não passou em
casa, o dia em que ele não foi à formatura do filho, o
argumento do excesso de trabalho. Isso como se para o próprio
marido não tivesse ferido o fato de ele não ter podido participar
de eventos importantes da vida familiar, como se para ele
também não tivesse sido difícil dormir em lugares em que ele
não gostaria de estar: "Sinto que perdi o contato com meus
filhos, as competições, até o terror noturno de um que eu não
pude acudir. A nossa relação conjugal era tão ruim que eu só
pensava em proporcionar o conforto material para todos."
Muitas vezes a mulher acusa o marido pelo excesso de
dedicação à vida profissional e encara o trabalho como um
inimigo. Esquece, contudo, que esse "inimigo" proporcionou as
condições de vida da família. Em uma situação dessas, o
homem não se sente confortável para confessar seus medos e
inseguranças.
Em casos específicos como os dos workaholics, por
exemplo, a reclamação da mulher é mais que justificada. Eles
são pessoas que não trabalham tanto porque precisam, mas
porque têm compulsão pelo trabalho. Se têm prazer ou não
pelo que fazem, é o de menos. Os workaholics simplesmente
não conseguem relaxar. Seus relacionamentos pessoais são
todos em função da profissão, afetivamente são superficiais e
têm comportamento individualista.
Se ele esquecer, a mulher deverá lembrá-lo de que a vida
não é feita só de trabalho, até para tirá-lo desse quadro
compulsivo, como ilustra o seguinte caso:
"Foi aí que abri os olhos. Minha mulher tinha inúmeras
queixas sobre meu comportamento distante. Já estava sem
amigos e não vi minhas filhas - de oito e dez anos - crescerem.
Meus pais também me recriminavam, afinal eu trabalhava dessa
forma por prazer individualista, nem de dinheiro precisava
tanto."

O autor desse relato, que conseguiu reduzir a obsessão


pelo trabalho, confessa se sentir hoje muito mais feliz. O
segredo para isso foi, em seu caso, a redução de atividades
profissionais e o resgate de hábitos simples, que já abandonara
há tempo, como ir a restaurantes, ao teatro, olhar pela janela:
"Eu estava entrando na palestra, parei um pouco, olhei para
fora e descobri a majestade dourada do pôr-do-sol naquela
tarde."
O estopim dessa revisão do papel do homem na família é
que ele começa a perceber que, por mais que ele tenha feito,
estudado e alcançado grandes resultados em sua vida
profissional, os valores que realmente importam para ele,
naquele momento, são os valores que ele trouxe na verdade da
relação familiar, com o pai, a mãe e os irmãos. Por isso, uma
das formas de rever essa relação que ele tem com os filhos e
com a mulher é exatamente voltando àquilo que ele tinha
quando criança.
Muito já se falou que é mais fácil destruir e recomeçar
tudo de novo do que reconstruir qualquer relação sobre bases
que não são sólidas ou confiáveis. Por essa razão, muitos
homens vão simplesmente optar por desistir de um casamento
e recomeçar a relação familiar, eventualmente com filhos, em
uma outra situação. Outros vão optar pela reconstrução, que é
mais difícil, pois envolve sentimentos que ficaram guardados
por muitos anos, geralmente permeados por mágoas e
ressentimentos.
Reconstruir sobre uma relação deteriorada que já existia
pode ser mais complicado.
Quando o homem está mergulhado em uma relação
familiar infeliz, com reiteradas crises conjugais, ele percebe que
só a separação permitirá que ele apresente com eficiência para
os filhos seu papel de educador e até de amigo. Ele decide
então parar de contornar a situação e abandona a máscara do
"marido feliz", até para os filhos: "Sua mãe está cansada...
tenham paciência com ela."
Quanto mais o tempo passa, mais os filhos vão ficando
como os pais. Em determinada idade, surge o reconhecimento
dos grandes méritos paternos, e o homem acaba tentando
repetir procedimentos que ele antes considerava anacrônicos ou
ineficientes. No fim, acaba considerando que aquele modelo
pode ajudar ou mesmo ser bom para a educação dos próprios
filhos.
A retomada do contato com o pai acaba sendo também
uma forma de relembrar como era aquela velha relação
pai/filho, até mesmo para copiar e aplicar na relação com o
próprio filho: "Quero recuperar o que não dei para ele, pelo
menos com meus netos. Mas, de verdade, quero reconstruir
minha relação com meu filho."

Revendo o papel profissional


É muito difícil encontrarmos hoje alguém que tenha a
possibilidade de viver uma situação de estabilidade profissional,
emocional e de reconhecimento que permita a revisão do papel
profissional sem que se abandone a empresa em que se
trabalha. O questionamento do papel profissional muitas vezes
se dá através da troca de emprego ou de atividade. Ou quando
ele perde o emprego, o que está sendo cada vez mais comum
hoje em dia. Nesse caso, até por falta de opção, o homem se vê
obrigado a rever seu trabalho.
Ele vai passar a exercer outra atividade, terá de passar
por uma situação muito desconfortável, de muita ansiedade, de
rígido controle de suas finanças particulares, tendo comumente
de mudar de padrão de vida e de gastos, sendo obrigado a
cortar muitas despesas.
Muitas vezes, no entanto, temos visto que esses homens
acabam encontrando uma situação mais feliz do que aquela em
que eles se encontrariam se ainda estivessem na empresa da
qual foram demitidos.
A maioria de casos e exemplos que temos visto nos
últimos anos, de pessoas que sofreram o impacto da de missão
- com todas as perdas e sentimentos que a acompanham, como
medo, insegurança, ansiedade -, encontra-se hoje em uma
situação bem melhor. Costumam dizer: "Estou mais feliz hoje
do que estava naquele momento da minha vida e só consegui
mudar meu papel profissional, rever minha posição, ter outra
atividade, porque fui demitido."
A demissão nesses casos foi fundamental para levar a
esse processo, que eventualmente poderia não ter acontecido
se a pessoa ficasse acomodada naquela instituição.
É o caso de um médico de cinquenta anos que foi
obrigado a declinar de assumir a presidência de um congresso
mundial na sua área, em favor do chefe do departamento da
Universidade em que trabalhava, pois este queria o lugar. O
médico pediu demissão de seu cargo e assumiu a direção de um
pequeno hospital, justamente no bairro em que nasceu.
Reconstruiu o hospital que se encontrava em completa
decadência e, hoje, considera que uma das melhores coisas que
fez na vida foi desvincular-se da Universidade e da carreira
acadêmica.
Nem sempre a mudança é para melhor. Muitas vezes, não
é fácil reconquistar o nível de liberdade e de autonomia
conquistado em anos de trabalho, principalmente quando se
tem o próprio negócio que, por uma ou outra razão, deixa de
existir. A história a seguir ilustra um exemplo de necessidade de
mudança e as dificuldades que surgem no caminho:
"Dediquei muitos anos da vida a minha firma, que me deu
muito lucro e fez com que aumentasse muito meu patrimônio.
Só que com essa questão da globalização, com crises e
empréstimos em dólar, a situação da empresa foi piorando até
que tive finalmente de fechar. Foi uma época bastante ruim
para mim e, principalmente, para minha família, que acabou
sofrendo uma queda na estrutura financeira. Aí descobri que eu
poderia me associar a meu irmão, uma pessoa de sucesso. Foi o
que fizemos e a coisa estava indo bem, um confiando muito no
outro e eu, com minha experiência, pude ajudar a alavancar
seu negócio. Mas hoje me sinto mal, tenho a impressão de que
sou inferior, pois ele tem uma participação percentual muito
maior e a sensação de que qualquer posicionamento meu possa
não ser bem-vindo me faz sentir humilhado.
Acabo ficando com a impressão de que fiz a pior coisa que
poderia na minha vida. Acho que deveria ter me mantido em
uma posição mais livre, na empresa que era só minha, e lá ter
tentado fazer meu redimensionamento profissional. Poderia não
ter ido para outra situação em que - apesar de ser segura e de
ter trazido um grande equilíbrio financeiro - não me sinto
valorizado. Minha autoestima está em baixa, minhas opiniões
não estão sendo levadas em conta devidamente e sinto-me
cada vez mais deprimido."

Essa história mostra que um caminho que aparentemente


é uma boa opção pode acabar se revelando uma grande
frustração. O aspecto econômico não deve ser o único fator a
ser avaliado na hora de se decidir o que é melhor para a vida.
Para rever verdadeiramente é necessário mudar. Quem não está
pronto para mudar, quem não se permite mudar, não
conseguirá fazer qualquer revisão.
Uma pessoa que entra em um processo de terapia, por
exemplo, tem de estar pronta para a mudança. A ideia de que
fazer terapia significa se conhecer mais e compreender melhor
os próprios problemas, pode ser equivocada. O processo
terapêutico implica necessariamente mudança.
Qualquer processo de revisão vai indicar que o ser
humano muda e as fases da vida representam transformações.
Mesmo os casamentos mais estáveis, por exemplo, têm
movimentos constantes. Um casamento que para de mudar e
fica estático tende a morrer. Na vida profissional acontece a
mesma coisa. Alguém que se mantém na empresa apenas por
se manter, porque tem de pagar as contas, acabará chegando a
uma situação em que, ao final do dia, se perguntará o porquê
de estar trabalhando, qual o objetivo de fazer aquilo.
A empresa que permite que o funcionário "morra" dentro
dela também tende a morrer junto com ele. É por essa razão
que, hoje em dia, muitas empresas se preocupam com a
"vitalidade" de seus funcionários e com a qualidade das
relações humanas entre eles.
Um profissional que não traz a possibilidade da
transformação, de novas ideias e posturas e de novas
perspectivas de estudos e projetos é um elemento pouco
"vital". Não se trata de ter de "matar um leão por dia", mas ele
tem de estar com o potencial criativo constantemente ativado.
E essa ativação se dá precisamente nas relações humanas. Para
que isso aconteça, é necessário que a atenção não esteja
centrada no individualismo, mas no conceito de time, de
somatório entre as pessoas.

Quando a velhice chega

O momento da queda das máscaras, cultivadas durante


toda a vida, é o mais adequado para se repensar os valores
adotados e os papéis assumidos no ambiente social, familiar e
profissional. O avançar do tempo e da idade e a chegada da
velhice é também outro momento de profunda importância para
a reelaboração desses papéis. A "melhor idade", a
"maturidade", a "idade do ouro", são expressões que designam
um momento de passagem, que vai se instalando
sorrateiramente. É um momento em que se pode "recobrar a
dignidade e a grandeza de sua história de vida", como diz a
gerontóloga Dorli Kamkhagi.
A maneira como as pessoas lidam com as transformações
típicas do processo de envelhecimento determina, em grande
medida, uma velhice saudável ou problemática e patológica.
Esse pode ser um momento extremamente difícil para o
homem, quando não consegue se adaptar às mudanças físicas,
psicológicas e sociais que acompanham o envelhecimento.
Uma das maiores dificuldades está no sentimento de
angústia que acompanha o processo de perda, de declínio físico,
de reflexões profundas sobre a própria vida e a proximidade da
morte.
A velhice e a morte fazem parte de nossa trajetória pela
vida, mas nem todos conseguem lidar com a questão da
finitude da existência e tendem a se perder dentro dessa
realidade quando chegam à terceira idade. Acham que não há
mais possibilidades de reestruturação e de reorganização de
suas vidas, que as oportunidades que tinham de acontecer já
aconteceram, que o futuro está fechado para qualquer projeto e
que não existe possibilidade de rearticulação do presente.
Homens que depositavam toda a sua energia no lado
profissional já não se sentem tão flexíveis para novas
informações. Sentem vergonha de não conseguir ter a potência
sexual que os apoiava em suas inseguranças. Já não se sentem
tão considerados no ambiente familiar e social. Esses homens
desenvolvem assim sentimentos de desânimo e de vazio
existencial que podem levar ao tédio, ao isolamento e a
distúrbios de humor. A depressão se instala quando as perdas e
faltas que chegam com o avançar da idade não estão
acompanhadas por um trabalho de substituição simbólica
dessas perdas pelos ganhos em outras dimensões da existência.
Mesmo sem desprezar a responsabilidade pessoal das
escolhas feitas durante a vida e que marcam o modo de
envelhecer de cada um, a transformação saudável com a idade
depende também das condições de vida e das oportunidades
socioculturais.
Os programas de preparo para a aposentadoria se
multiplicam nas empresas. A consciência de responsabilidade
com as implicações desse momento de vida gera possibilidades
de acesso a um aprendizado muito rico e valioso.{28}
O envelhecimento é o resultado da trajetória social do
indivíduo desde que nasceu. Muitos sofrimentos físicos,
econômicos e psicológicos que o acompanham são produtos da
forma como está estruturada a sociedade, influenciando
negativamente as condições de vida daqueles que avançam na
idade.
As formas de produção da sociedade contemporânea
incentivam tudo o que é produtivo economicamente e
enaltecem o que é belo, jovem e forte como uma maneira de
produzir resultados mais rápidos e imediatos. Segundo essa
visão, tudo que amadurece demais deve ser descartado,
substituído pelo novo, pois o muito usado não tem valor.
Socialmente, usam-se rótulos, como impotente, frágil,
incapaz. Se o idoso aceitar essa realidade, poderá adotar uma
atitude de conformismo ou de autodesvalorização, geradora de
adoecimento físico e psíquico. A resignação é o sinal de alerta
para a conspiração que vai assolar a estrutura da autoestima do
indivíduo.
A sociedade prepara o ser humano todo o tempo para a
produção. Na aposentadoria, a vida pode ficar sem sentido se o
indivíduo não desenvolveu aptidões para outras atividades. A
aposentadoria passa a ser vista não como uma recompensa por
toda uma vida dedicada ao trabalho e sim como uma espécie de
fim de linha. O indivíduo tem de provar a amargura de não
fazer nada, iniciando, muitas vezes, um processo de perda da
própria identidade.
A perda de papéis sociais e as perdas econômicas levam o
homem idoso a maior isolamento, dificultando o contato social.
Ele acaba sentindo-se incapaz ou sem atrativos suficientes para
desenvolver relações com outras pessoas e confirmando a
imagem de desvalorização imposta pela sociedade. O estímulo,
durante a vida do homem, de se relacionar com a comunidade,
de manter a desenvoltura em círculos sociais mais amplos que
os profissionais e de incentivar a independência da mulher para
manter os vínculos por si mesmo, vai dar condições a ele para
manter-se ativo nesta fase. Assim, frases como "não vale a
pena escutar o velho" ou "ele não traz nada de novo", que
passam inconscientemente a fazer parte da bagagem da pessoa
idosa, cujo conhecimento acumulado adquire valor secundário,
vão sendo combatidas com o exercício constante dele se
relacionando com o mundo, sem se retrair.
A tendência de supervalorizar e manter a memória ligada
a fatos passados, que aconteceram em uma época de plenitude
e de aceitação, talvez seja a forma que muitos idosos
encontram para tentar manter a própria valorização.
Marcada pela perda dos projetos de vida, pela falta de
reconhecimento, pela dificuldade de satisfazer necessidades e
impulsos, enfim, pela negação das possibilidades de realização
das etapas anteriores, é comum a velhice suscitar sentimentos
de fragilidade, incapacidade, baixa autoestima, dependência,
desamparo, solidão e desesperança.
A velhice pode ser, portanto, um momento de crise
existencial em que são necessárias mais defesas contra
ameaças e frustrações. Caso contrário, o homem idoso pode
reagir a sua condição desenvolvendo distúrbios de ansiedade,
hipocondria, fobia e depressão.
Determinadas situações que questionam valores
existenciais importantes - como doenças que colocam a vida em
perigo, morte ou doença grave de familiares próximos, perda da
autonomia, perdas materiais - podem se transformar em
acontecimentos dramáticos. Comprometem profundamente a
esfera do indivíduo, podendo levá-lo a sentimentos depressivos
que costumam resultar em uma condição crônica.
Inúmeras vivências do homem idoso estiveram presentes
durante toda a sua vida, mais ou menos encobertas, porém se
mostram mais nitidamente nessa idade como se estivessem
aparecendo pela primeira vez. Muitos homens, por exemplo,
devido à aderência a uma imagem narcísica, não conseguem
superar o declínio do vigor e da potência sexual. Pode aparecer
o quadro da depressão. Essa situação levará o idoso a adotar
uma postura rancorosa, mal-humorada e exigente. Isso o
impede de substituir suas vivências de perdas e frustrações pela
satisfação de ter vivido todos esses anos, de ter experiência,
conhecimento e maior compreensão do mundo e das pessoas.
Para viver uma velhice saudável, ele precisa ser
estimulado de acordo com os próprios limites e solicitado
constantemente, confirmando a necessidade da sua presença
vital nos diversos momentos da vida. É imprescindível que
possibilitemos a ele fazer suas escolhas e assumir também a
responsabilidade por isso. Ou seja, é fundamental que ele seja
tratado como um ser humano que pode passar sua experiência
de vida, seu conhecimento e não como alguém que parou de
crescer e descobrir.

EPÍLOGO: Surge o novo homem.

Não precisava ter sido assim

Com o desmoronamento das máscaras, o homem tende a


ficar completamente perdido e desnorteado em relação ao que
ele vai fazer da sua vida. Na verdade, ele não sabe muito bem o
que fazer, encontra-se em um momento muito difícil, de
questionamento, não sabendo os caminhos que vai percorrer.
Ele já não tem mais os modelos que lhe orientavam, que
lhe foram passados pelos pais, pelos professores, pela
experiência acumulada desde sua infância. Percebe que esses
padrões já não fazem mais muito sentido. Não raro, o homem
então começa a passar por um processo no qual utilizará
algumas fugas para poder sobreviver nesse período de
questionamento ou tentará assumir que esses modelos já não
fazem sentido e que as máscaras que ele precisou usar não têm
qualquer utilidade.
Ao adotar procedimentos de fuga, ele busca alternativas
ou situações em que ele não terá de encarar verdadeiramente a
questão: sua vida não precisava necessariamente ter sido do
jeito que foi. Ele começa a se debruçar sobre uma série de
procedimentos alienantes, como trabalho excessivo, forte
consumo de bebidas alcoólicas, dependência de drogas, em
suma, várias situações que costumam levar a um estado de
estresse muito grande, a algum tipo de doença ou
eventualmente a uma depressão. Acaba ocorrendo o momento
da grande turbulência: o desmoronamento das máscaras.
Vimos que muito raramente o homem consegue
conscientemente passar por esse processo sem se envolver em
problemas emocionais ou sem sofrer, de forma geral, "efeitos
colaterais" que empobrecem sua qualidade de vida, do ponto de
vista físico, familiar, social etc.
No entanto, alguns homens conseguem passar por esse
momento com um profundo desejo de mudar e de rever (e
reaver) a sua vida desde a infância.
É bem melhor, para um homem assim, realizar
efetivamente mudanças. Ele percebe que as máscaras não
fazem mais sentido e toma nova direção para encontrar uma
nova referência. Agora os chamados homem público e homem
privado estão muito próximos sem que um precise conviver
com o outro de maneira tão distante e tão distinta como
ocorreu durante toda a vida. Chega! Basta de cisões! Era uma
pessoa do ponto de vista público e outra pessoa do ponto de
vista privado. Agora, um, somente um!
Esse desejo de mudança que irá permear a vida desse
homem na idade adulta surgiu dentro dele próprio. Ao se
deparar com tudo que ele fez na vida - as grandes promessas,
os modelos que foi construindo, os dois mundos desconectados,
disfarçando e agindo como se estes não existissem
conjuntamente -, não encontra mais sentido.
Portanto, ele deseja mudar, quer fazer algo diferente e
novo da sua vida. É o momento de outro tipo de querer. Com
outra atitude, vislumbrando outro horizonte...
Na verdade, ele não tem grandes certezas e não tem
quem o ensine um novo jeito ou um novo caminho, não tem
nada muito bem delimitado. Seu único sentimento é que muita
coisa poderia ter sido diferente em sua vida, principalmente que
ele não precisava ter sofrido, desde sua infância, esse processo
que chamamos de endurcissement, que lhe aconteceu de forma
crescente e paulatina. Esse endurecimento, esse contêiner em
que ele se meteu, nada mais foi, na realidade, do que uma
maneira de o anestesiar para usar melhor as máscaras.
O processo de endurecimento foi gerado para que ele
pudesse vestir as máscaras sem que isso lhe causasse dor
maior. O silêncio, o enrijecimento e, principalmente, a divisão
entre o homem público e o homem privado estão na origem do
surgimento e da contínua utilização das máscaras. Isso tudo é o
que o homem descobre quando sente que sua vida poderia ter
sido bem diferente.
As máscaras como alimento da alma: "masalmas"

As máscaras, conforme dissemos, foram utilizadas e


incorporadas por esse homem público ou privado na forma de
um alimento para a própria alma, para que ele sentisse menos
dor e fossem menos incômodas as situações que ele teria de
enfrentar durante a vida.
Não há dúvida de que seria melhor para esse homem se
ele pudesse, desde a infância, ter tido a oportunidade de
moldar suas máscaras de maneira distinta, para que elas
garantissem uma convivência mais harmônica entre o seu
íntimo e a sua atitude social.
Nesse sentido, quando falamos das máscaras como
alimento da alma, queremos dizer que elas foram utilizadas
como forma de amenizar sentimentos de separação, dicotomia,
perda, distância e desligamento dessas dimensões do indivíduo.
E isso ocorreu em diversas situações de sua vida, como
analisamos durante esta viagem pelo mundo masculino, do
ponto de vista social, familiar, da relação com o filho e com a
esposa.
Para os homens que têm a percepção de que as máscaras
desmoronaram e que os modelos que eles utilizaram para
construí-las não fazem mais sentido, teria sido mais eficaz se
pudessem tê-las construído de maneira diferente. Mas como
isso não foi possível, resta então a revisão e a utilização de
alguns desses modelos.
Nesse processo de revisão, o homem torna-se mais livre e
questionador e já não atende muito às posturas que antes eram
bastante rígidas para ele. Ele começa a incorporar ao seu dia-a-
dia uma série de atividades e situações esquecidas, pouco
habituais ou que ele já não se permitia. Ou seja, ele vai
adotando algumas mudanças em seu cotidiano.
Frequentemente pensa: "Como teria sido melhor se eu tivesse
feito isso bem mais cedo, quem sabe desde a infância..."
Pouco a pouco, esse homem retira algumas máscaras,
moldando outras de forma distinta, incorporando elementos de
mudança em sua vida.
A consciência que ele adquire, no entanto, é de que teria
sido mais salutar se essas máscaras tivessem sido construídas
já na infância de maneira diferente.
Isso porque depois, com o passar do tempo, elas vão
ficando evidentemente mais solidificadas, mais incorporadas ao
cotidiano, do ponto de vista social, profissional e familiar.
Remodelá-las depois sem que se passe por um processo, talvez
doloroso, de revisão e de incorporação de novas características
é difícil.
Podemos dar o exemplo do executivo que percebeu que
não precisava eventualmente ser uma pessoa tão dura no
trabalho, com seus funcionários, com seus subordinados. Ele
percebeu que podia ser uma pessoa mais amigável e isso não ia
fazer com que os outros pensassem que era fraco ou sem pulso.
Porém, em determinado momento tornou-se muito complicado,
dentro da situação de trabalho em que ele se encontrava,
adotar uma postura diversa, ou seja, ser uma pessoa diferente
daquela que ele sempre tinha sido.
Concluímos que efetivamente teria sido muito melhor se
ele tivesse conseguido retirar ou moldar algumas máscaras há
muitos anos, para que essa mudança, revisão ou, se
preferirmos, essa remodelagem não se tornasse algo tão
doloroso.
O estresse, a depressão e as doenças vêm desse choque e
percebe-se que a vida não precisava ter sido como foi, que
poderia ter sido diferente. Agora o que existe é uma corrida
contra o relógio para poder transformar aquilo que não faz mais
sentido para ele e que não lhe dá mais prazer: "Sinto um alívio.
Não preciso mais fingir. Agora está na hora de eu me encontrar
comigo mesmo...
Esse momento traz também para o homem uma pitada de
sentimento de revolta. Esse é um lado negativo e até mesmo
destrutivo. Mas há um outro lado, que é o da esperança, que
inunda o homem com a ideia de que irá fazer novas conquistas
e se tornará, finalmente, aquilo que gostaria de ser.
Assim, ao mesmo tempo que o homem se sente revoltado
e internamente massacrado pelo estágio em que sua vida se
encontra, ele pensa: "Não vou mais precisar ficar enfrentando e
fugindo, vou recuperar a minha essência verdadeira e me tornar
mais forte."

O lobo dentro de nós

Quando se fala na "síndrome da idade do lobo", vemos na


verdade que o lobo tem a característica de ser um animal que
só aparece à noite, no escuro. Como vemos nos filmes, ele vem
dentro daquela atmosfera da noite escura e densa,
frequentemente cortada pelo som agudo e prolongado de um
uivo. Esse uivo provoca nos homens diversas reações, mas um
fato é certo: é impossível permanecer impassível ao escutá-lo.
O uivo pode estar, por exemplo, associado ao sentimento de
dor, ou à sensação de se estar perdido, de não se saber onde
está. "O que será? O que está acontecendo?" Ou ainda à
sensação de solidão.
Esse tipo de som pode estar, em realidade, associado a
diversas fantasias.
Todos esses sentimentos, de solidão, de desorientação ou
de dor, que o uivo pode causar dentro de cada um de nós,
representam aquilo que imaginamos que o lobo está sentindo.
Quando se diz: "Ele está na idade do lobo" é como se tivesse
surgido esse lobo dentro do homem. Esse novo homem se dá
conta de que está sentindo tudo isso e ele vai procurar um novo
rumo e uma nova situação. Vai perceber, por um lado, que está
no escuro e, por outro lado, dirá:

"Eu preciso de ajuda para sair dessa escuridão."


Esse auxílio terá de ser procurado externamente e dentro


de si mesmo. Fora estarão todos os elementos que vão
propiciar essa transformação. Dentro, todos os impulsos,
desejos e fantasias que vão provocar sua saída desse espaço
onde ele esteve durante tanto tempo. O lobo sairá de sua toca,
encontrará novas florestas, novos campos.
Quando esse outro homem decide trilhar novos rumos,
isso se dará em diversos níveis de sua existência: profissional,
afetivo, social, de saúde, sexual etc.
Quando o homem diz "Eu vou mudar!" na vida
profissional, ele está buscando novos terrenos, outras áreas,
atitudes diferentes. Pode-se tratar de um executivo ou de um
funcionário que tem horários determinados e vive preso às
horas de entrada e de saída, preso dentro do paletó-e-gravata,
dentro da hierarquia, submetido ao chefe. São várias prisões,
vários tipos de cadeado dos quais ele quer se livrar e diz:
"Quero ter meu negócio" ou "quero fazer o que gosto, trabalhar
onde tenha alguma satisfação."
O homem passa anos e anos suportando essas situações e
tendo todos os benefícios e a segurança do salário no final do
mês, das férias remuneradas, do 13º, do 14º, do bônus, das
premiações etc. Mas chega um momento em que poderá dizer:
"Eu não quero nada disso, eu quero ter as minhas coisas, para
ter meu horário e ser chefe de mim mesmo. Quero criar para
mim mesmo. Quero ir para um outro ramo de negócios, mais
condizente com a minha alma."

O novo homem está também deixando de lado as amarras


associadas à sensação de falsidade das máscaras que ele usa
dentro do trabalho, da corporação e do papel profissional que
exerce. Ele pensa: "Eu não quero mais ter de fingir que aquele
ali é meu colega, meu amigo, não quero demonstrar uma
tranquilidade que não tenho, não quero esconder que estou em
um mau momento com minha família, quero poder ser eu
mesmo.
E quando o homem decide dar uma guinada em sua vida
profissional, ter o próprio ou novo negócio, um franchising, uma
consultoria, seja o que for, podendo escolher assim como levar
a vida e como modelar suas máscaras.
Na vida afetiva, às vezes, essa situação de que "isso não
precisava ter sido assim" se transforma em "eu não precisaria
estar vivendo ao lado dessa mulher".
Há uma série de sentimentos negativos em relação ao
casamento, e a companheira se torna chata, gorda, doente,
agressiva e depressiva.
Mas ele também pode sentir o oposto, ao perceber que,
hoje, muito do que ele é deve à mulher. Essa mudança pode
ocorrer quando ele sofre um enfarte, vai operar o coração ou
quando morre o pai, a mãe ou um filho, ou seja, em uma
situação séria e delicada. Nessa hora, ele diz: "Puxa, se não
fosse essa mulher que está do meu lado, esse casamento que
tenho, eu não estaria dando conta disso tudo." Nesse momento
ele reaquece seu casamento, com uma declaração de paixão e
pensa consigo mesmo: "Na verdade, percebo o quanto eu amo
esta mulher."
Em outros casos, essa percepção e consequente
reaquecimento se dão quando o marido descobre que a mulher
tem um amante ou ela está se interessando por outros homens,
ou quando a própria mulher fica doente. Essas situações podem
dar um novo gás ao casamento.
Na vida social, o homem, após a revisão, tenta promover
uma nova situação ao decidir ir morar no interior ou na praia.
Ele quer mudar tudo: "Chega de tanta poluição, tantos carros,
tanta violência, quero voltar para minhas origens no interior,
quero me fixar em um lugar onde gosto de viver." Ele reconstrói
então toda sua vida com base nessa mudança geográfica. A
religião pode ser fundamental. Toda sua revolta se manifesta
contra os dogmas religiosos da família, que lhe impôs desde a
tenra infância uma série de ideias e princípios de um credo que
não dão conta hoje de suas necessidades espirituais. Então ele
percebe que deve perseguir algo nesse sentido e parte para
outros caminhos. Pode ser um católico que migra para o
budismo ou o espiritismo, por exemplo, ou o inverso: não era
mais praticante, pode retornar a uma educação religiosa mais
formal, a da sua família de origem.
Outra alternativa surge quando ele decide deixar de ser
"certinho". Nesse caso, o homem diz para si mesmo: "Chega de
pagar todos os impostos! Chega de me sentir roubado e
espoliado! Vou começar a ganhar dinheiro!" Esse pode ser um
momento perigoso, em que o homem decide passar por cima de
uma série de aspectos, que têm a ver com sua rigidez interna.
É como se ele tivesse feito um contrato com ele mesmo, de
honestidade e de viver a vida como se ele fosse quase divino,
uma criatura totalmente pura. Ele passa então a permitir-se
códigos... que não faziam parte do seu repertório. Vira um
camaleão, vai mudando de cor.... Mas é importante notar que o
rompimento desse "contrato" não deve implicar
necessariamente no oposto, gerando desonestidade,
desregramentos. Pode-se tratar da vivência de uma camada
que reaparece após um longo período.
Existia já uma tendência que ultrapassa agora para a
execução.
Na área da saúde, o homem costuma decidir mudar
restringindo suas horas de trabalho, dedicando-se a atividades
físicas como a ginástica, preservando suas horas de sono e
alterando seus hábitos alimentares (ele para de comer tanto
doce e fritura ou, ao contrário, ele passa a beber mais e passa a
controlar menos o diabete e o colesterol).
Essa revisão na área da saúde o faz se interrogar: "Será
que a vida que estou levando está comprometendo meu corpo?
Vai levar a quê?"
E a partir do corpo esse novo homem cairá na revisão da
própria vida sexual.
É comum que ele decida: "Bom, fui casado durante vinte
anos, nunca tive ninguém, nenhuma amante. Agora vou
experimentar, vou ver o que acontece." Isso pode levar à
separação, porque efetivamente muda tudo. Ele descobre que
ainda pode amar de novo, que esse amor pode estar vinculado
ao sexo novamente.
O achado nesse momento é que o sexo não está vinculado
à obrigação e ao dever. Pode estar associado também ao prazer,
um prazer diferente, um prazer novo e que, após décadas,
havia um sexo adormecido dentro dele. Ele quer, dessa forma,
qualidade na sua vida. Sexo influencia todas as áreas e um
homem se engana quando diz que a ausência da vida sexual
não está fazendo diferença. Ou ele está com medo dela ou
ainda não descobriu o quanto ela pode proporcionar em termos
de energia para seu desenvolvimento e criatividade pessoal.
O homem pode decidir retomar experiências com
prostitutas, que até ele havia interrompido. Ele pode se apoiar,
para seu estímulo, na pornografia, em filmes e situações
eróticas. Outros acabam, até mesmo, adotando mudanças mais
profundas em sua opção sexual.{29}
O importante que temos de notar é que essa quantidade
de mudanças (ufa, haja!) nesse novo homem apresenta sempre
duas facetas, uma positiva e outra negativa.

Novos ingredientes para a alma masculina

Esse novo homem surge no momento em que ele percebe


que as máscaras vão desmoronando e ele tem de criar novas
opções para sua vida. Está consciente que teria sido muito
melhor se pudesse ter sido ele mesmo durante toda a vida. Se
não tivesse de ter vivido como duas ou, às vezes, mais pessoas
durante sua existência.
Ele se dá conta de que gostaria de ter sido muito mais
aquele homem privado, um pouco mais alegre, amigável e
amoroso. Tem consciência de que se tivesse conseguido
demonstrar suas emoções também do ponto de vista de sua
máscara pública - em que precisou ser bem mais duro, frio,
calculista e racional - teria sido mais feliz. Esse homem sabe
que "a gente só vive uma vez" e, principalmente, nós só somos
jovens uma vez.
Essa convivência consigo mesmo vem principalmente do
fato de que ele viu os pais como modelo. O exemplo dos pais foi
fundamental e é necessário, portanto, que cada um de nós
comece a mudar o próprio comportamento para que isso se
reflita numa futura geração, no sentido de mudar o conceito e a
visão distorcida do que significa ser homem na sociedade. Ou
seja, quais os papéis que o homem pode ou não pode
desempenhar, o que é permitido e o que não é. Uma visão de
vida que será fundamental por toda a existência é adquirida
com o que mostram os pais, da maneira como o homem vê seu
pai dentro de casa, no trabalho e na vida social.
A observação do que acontece dentro da família - de que
o pai é mais ou menos feliz em casa e mais ou menos fechado
no trabalho - servirá de base para que o homem construa
modelos e máscaras. Por isso, seria muito melhor se
pudéssemos encarar a educação dos meninos tendo em vista
todo esse processo. Ou seja, evitando a separação dos
sentimentos e das emoções da forma espontânea de agir, do
dia-a-dia, das coisas básicas de sua vida, da infância.
Teria sido muito mais interessante para esse homem se
ele pudesse, desde o início de sua vida, ter sobrevivido à
pressão dos colegas em relação à atividade sexual que deveria
ter naquele determinado momento. E seria importante se ele
tivesse mais flexibilidade nas diversas atribuições que a
adolescência acabou jogando sobre suas costas.
Esse homem também teria sido muito diferente se ele
tivesse recebido, principalmente do pai, o mesmo tipo de amor
que ele recebeu da mãe. Seria sem dúvida melhor caso tivesse
recebido mensagens similares do pai e da mãe. A mãe estava
muitas vezes em um processo confuso, pois gostaria que seu
filho fosse um homem mais sensível, mas, ao mesmo tempo,
ela queria também que ele fosse um homem durão. Ou seja,
seria melhor se esse menino tivesse encontrado dentro de casa,
nos irmãos, nos pais e nos avós, os exemplos dos verdadeiros
heróis que poderiam construir uma imagem de mais
autoconfiança e segurança. O resultado seria uma chance muito
maior de ele se desenvolver como um homem verdadeiro e com
seu mundo interno integrado.

Máscaras mais flexíveis para os meninos

Durante o processo de crescimento, a informação de que


é necessário separar o que os meninos e as meninas fazem e as
mensagens conflitantes que recebem durante toda a
adolescência sobre o que é ou não permitido determinam a
fixação de máscaras.
A separação involuntária dos pais, que foi imposta a um
menino por situações existenciais, terá como efeito restringir a
vida emocional dele. E isso vai colaborar para a construção e
para o enrijecimento das máscaras.
O que nós queremos, na verdade, é que os meninos
sejam tão fortes, tão bem-sucedidos e tão heroicos como todos
os pais, mas é importante que eles sejam, além de sólidos,
também afetuosos, para que possam se tornar seres humanos
completos. Uma pessoa completa é aquela que poderá ter a
opção de desempenhar diversos papéis, expressando emoções
e sentimentos e, ao mesmo tempo, reagindo a situações de
maneira mais racional, mais firme, fria e calculista.
É necessário, portanto, que mudemos a percepção e a
forma como temos educado os meninos, dando-lhes a
oportunidade de se tornarem seres humanos bem-posicionados
tanto nas atitudes exteriores como no seu íntimo.
Quando um menino exterioriza, por exemplo, sentimentos
de vulnerabilidade, é importante que ele não seja provocado ou
ridicularizado. Isso ajudará a evitar também conflitos internos
que irão explodir em um estágio futuro. Esse será o momento
em que ele começará a questionar sua vida e em que perceberá
mais tarde que as coisas não precisariam ter sido da maneira
que foram.
Apesar de todas as mensagens limitadoras que possa
receber da escola, da televisão ou de outras pessoas quanto a
"ser um rapaz", é importante que o pai ajude seu filho a criar
um modelo próprio de masculinidade, amplo e abrangente. Isso
significa encorajar o menino em tudo o que lhe interessa, em
seus relacionamentos e atividades.
Ao transmitir a ideia de que não há somente um caminho
para se tornar "masculino", o pai ajuda o filho a desenvolver
confiança em relação a quem este é na realidade. E dessa
forma se inicia o processo de se moldar esse novo homem
desde a infância e não fazer com que depois, quando as
máscaras já se solidificaram, elas precisem ser retiradas com
sofrimento, dor e perda.
Na verdadeira revisão, esse nosso novo homem tem
consciência de que estava dando a impressão, até aquele
momento, de que tinha uma vida muito ativa, lutando para
alcançar diversas metas. Mas no fundo ele estava paralisado.
Havia uma contenção de sua energia criativa mais essencial.
Nessa revisão, ele decide: "Agora vou partir para a ação, agora
vou ser."
Ele retira as máscaras, pode até eventualmente usar
outras máscaras, que são muito úteis, pois poderão ser um
alimento para a alma. Elas poderão dar condições para que esse
homem participe de experiências e entre em contato com a
vida.
É importante notar que a máscara não é negativa o tempo
todo. A máscara permite que o homem tenha diversas
experiências na vida, porque ela poderá deixá-lo menos
vulnerável internamente em determinadas situações,
funcionando como uma espécie de "amortecedor".
A máscara, assim como um escudo, é uma forma de
proteção. O guerreiro não pode ir para uma batalha sem o
escudo, senão será atingido e morrerá. Do mesmo modo, quem
não usar a máscara não entrará em cena. A máscara abrirá as
portas das experiências do mundo e esconderá o medo.
Ao partir para a ação após a revisão e o abandono de
várias máscaras, o homem descobrirá que, com elas, tem muito
menos chances de sentir. O fato de estabelecer contato mais
primordial com situações e pessoas, de ter sensações mais
intensas, mais profundas e mais delicadas, recolocam-no no
mundo.
Sem as máscaras, o homem percebe que poderá ter mais
prazer e, até com as pessoas mais próximas, notará que não
está tão insensível. Não é raro que depois de longo tempo com
as máscaras, o homem não se lembre mais do que é estar sem
elas. Não reconhece o que é ele mesmo e o que é disfarce.
Agora, o novo homem descobre que tirando o disfarce ele
começa a sentir o frescor da pele.
Após retirar as máscaras, o homem se dá conta de que as
sensações chegam com maior intensidade e as pessoas mais
importantes de sua vida saem de trás de uma espécie de
neblina e o tocam mais profundamente. Assim, ele experimenta
uma sensação inédita de liberdade e felicidade.
Aquele que chega a essa situação é o homem que
realmente conseguiu atingir, dentro de seu ciclo de vida, uma
maturidade emocional a partir da qual ele poderá assumir, de
maneira sensata, um novo compromisso com a vida e com sua
identidade mais essencial.
Esse novo homem tanto pode surgir nas relações íntimas
como nas profissionais. Antes, ele era um especialista no uso
das máscaras nos diversos ambientes e situações. Agora, ele
fará o oposto. Ele vai reconstituir sua identidade e se tornará
um homem mais profundo e verdadeiro.
A este ponto podemos nos perguntar qual seria o caminho
para que ele efetivamente pudesse conseguir moldar essas
máscaras de maneira diferente desde a infância.
Na realidade, todos gostariam de ser melhores pais do
que aqueles que tiveram. O fato é que tem poucos modelos
para seguir. O que querem, na maioria das vezes, é ensinar
uma linguagem diferente para os filhos, diversa daquela que
receberam dos pais. Querem ser melhores que os pais.
Com frequência, ocorre que, devido à insegurança de
como realizar ou como transmitir essa nova linguagem e
maneira de ser, os homens tornam-se ausentes e distanciam-se
com medo. Afastam-se devido à incapacidade e à ignorância
sobre como transmitir carinho, afeto e amor. O resultado é que
esse afastamento dos filhos poderá causar um dano muito
maior do que se tivessem presentes, transmitindo segurança e
tranquilidade, como exemplo do que significa ser homem e
como se deve agir.
Conclui-se então que é fundamental para a formação dos
filhos uma relação paterna mais participativa, com uma
presença forte, com mais brincadeiras, mais abraços e mais
amor. É importante estar e permanecer próximo aos filhos e
manter esse relacionamento sempre aquecido, incentivando a
proximidade com a mãe, da mesma maneira que com o pai.
Também é bom não se estabelecer regras muito rígidas, para
que se evitem desapontamentos no futuro.
A grande receita para uma boa relação pais-filhos e para
que as máscaras sejam moldadas de maneira mais flexível é a
relação ter como base o amor incondicional. Não se deixar
também de demonstrar o que é adequado e o que não é. Isso
tornará esses filhos mais seguros e confiantes, tendo maiores
condições de enfrentar a confusão que certamente permeará
suas cabeças de jovens e adolescentes em relação a como
devem se comportar...
O novo homem deve aprender a retomar as máscaras que
ele usou e passar a usá-las apenas para proteger sua alma. A
alma sobre a qual falamos se refere simplesmente aos aspectos
mais profundos e aos sentimentos mais íntimos que uma
pessoa possa ter. As máscaras serão úteis para alimentar e
desenvolver tanto os aspectos físicos como os psicológicos e
espirituais. Quando ele passa a usá-las dessa forma, pode,
porém, sofrer efeitos colaterais: deprimir-se, fazendo revisões
em um nível muito profundo, adoecendo pois seu corpo mostra
o quanto é difícil fazer essa mudança.
O contato mais intenso consigo mesmo pode levar até a
situações de estresse, que são decorrentes dessa necessidade
de transformação que ocorre dentro dele.
Se suas máscaras anteriores eram artificiais, utilizadas
principalmente para escondê-lo, o novo homem tem agora, à
sua disposição, máscaras transparentes e flexíveis, de outro
material, hi-tech, de grande durabilidade, permeabilidade e
porosidade. Trata-se de um material novo, que protege e, ao
mesmo tempo, expõe.
Essas novas máscaras funcionarão para o novo homem
como um escudo especial, que também coloca-o em contato
com o mundo a seu redor. Esta é a finalidade da revolução
silenciosa: novas máscaras para a alma masculina.

Apêndice

Acrescentamos, a seguir, duas entrevistas concedidas


pelos autores a importantes órgãos da imprensa brasileira.
Ambas as reportagens - além de revelarem o interesse
despertado pelas ideias do Dr. Luiz Cuschnir e de Elyseu
Mardegan Jr. - fazem uma breve síntese das principais ideias
apresentadas neste livro.
"A Crise do Macho"

Entrevista do Dr. Luiz Cuschnir - Revista Veja - 12 de abril


de 2000.

Jornalista JULIANA DE MARI.


PSIQUIATRA DIZ QUE OS HOMENS ESTÃO EM DÚVIDA


SOBRE O PAPEL MASCULINO E NÃO SABEM MAIS COMO LIDAR
COM AS MULHERES.

O psiquiatra paulistano Luiz Cuschnir especializou-se num


autêntico vespeiro: a guerra dos sexos. Depois de vinte anos de
trabalho, sua conclusão é que os homens se tornaram o sexo
frágil. São eles que estão à beira de um ataque de nervos,
atordoados com a revoada feminista, infelizes e vulneráveis.
Nem no sexo estão à vontade, pois se sentem na obrigação de
dar prioridade ao prazer da parceira. Cuschnir já trabalhou no
Men'Center , um serviço médico em Washington, onde
conheceu experiências de atendimento específico para homens,
e hoje coordena o Gender Group, do Instituto de Psiquiatria da
Universidade de São Paulo. Foi ele quem trouxe para o Brasil o
conceito de masculismo, movimento inspirado no feminismo e
que pretende vasculhar a vida emocional dos homens para
ajudá-los a enfrentar a crise de identidade da vida moderna.
Aos cinquenta anos, autor de dois livros sobre o assunto,
Homem, um Pedaço Adolescente e Masculino, Como Ele se Vê,
Cuschnir falou à Veja.

Veja: O homem virou o sexo frágil?


Cuschnir: Neste momento, o homem é o sexo frágil, sim.
Ele está assustado, obcecado pela realização profissional e pela
obrigação de garantir o prazer feminino.
A mulher tem muito mais jogo de cintura em suas
relações profissionais, sociais e familiares do que o homem,
apesar de historicamente ter sido estimulada a agir de maneira
mais delicada e a limitar seus domínios ao lar. O homem não
consegue lidar com a flutuação de emoções que existe nas
relações humanas em geral. Ele não sabe o que fazer com as
suas emoções.

Veja: Os homens já não sabem comportar-se como


homens?
Cuschnir: Os homens de hoje estão falidos em seu papel
masculino. Eles se sentem infelizes, nervosos e vulneráveis.
Uma boa parte deles sofre de séria insegurança financeira, o
que afeta diretamente sua condição de macho. Isso porque o
trabalho é o pano de fundo para a identidade masculina. O
homem imagina que quanto mais dinheiro, quanto mais
prestígio, mais macho será diante da sociedade. Por isso, busca
como nunca a realização profissional. Ao mesmo tempo,
demonstra uma ânsia incomensurável por atingir a
tranquilidade emocional. Do ponto de vista afetivo, ele não
consegue se realizar e menos ainda se dedicar à mulher e à
vida familiar como gostaria.
Isso ocorre primeiro, porque não foi ensinado a fazer isso.
Segundo, porque está muito insatisfeito com sua relação com
as mulheres. No fundo, segue acreditando que elas o escolhem
por sua posição profissional.

Veja: Por que ainda pensam assim num momento em que


as mulheres ocupam mais espaços profissionais e conquistam
tanta autonomia?
Cuschnir: O homem não consegue delegar
completamente à mulher o papel de provedor da casa. Esse é
um dos assuntos em que vive em eterno conflito.
Não expõe isso de forma clara porque teme ser chamado
de explorador ou incapaz. Não é só um problema masculino. Na
ótica feminina, o insucesso profissional não deixará de ser visto
como uma espécie de fracasso nos deveres da masculinidade.
Uma mulher que vive com um homem de nível profissional
inferior ao dela tende a esperar que ele tenha maior
participação nos compromissos financeiros do casal. É claro que
muitas mulheres estão sozinhas, são chefes de família, viram-
se muito bem e não dependem de um homem. É um paradoxo.
Se está sozinha, a mulher assume com tranquilidade o ônus
financeiro. Mas, se tem uma relação afetiva estabelecida, tende
a se sentir constrangida quando assume o papel de provedor da
casa.

Veja: Foram as mudanças no comportamento feminino


que provocaram a crise no homem?
Cuschnir: Elas se sentem um pouco responsáveis, mas
não foram elas. A culpada é a sociedade, que estabelece papéis
para cada um dos sexos. Ainda se espera que o homem seja
forte, bem-sucedido, que esconda seus medos. Na verdade, a
crise do homem vem de uma profunda transformação no papel
masculino diante do novo papel feminino.
O homem sente-se absolutamente desconfortável com
tanta transformação em sua vida familiar e afetiva. Numa
família classe média, ele ainda não aceita tomar conta da
cozinha, limpar o banheiro e organizar a compra do
supermercado. A área em que o homem está evoluindo com
mais sucesso é a relação com a paternidade.

Veja: Como isso ocorre?


Cuschnir: Antes era importante ser pai para conquistar o
respeito da sociedade. Era quase uma obrigação para validar
seu papel de macho. Agora, ele começou a perceber que se
pode ganhar bastante na relação com os filhos. Uma vida
afetiva em ordem é excelente vitamina para a identidade do
homem. Como as coisas estão malparadas com a mulher, ele
está começando a melhorar sua vida pela relação com os filhos.
Eles dão ao homem a estabilidade emocional que tanto procura.
O pai hoje retribui com muito mais afetividade do que no
passado. Não são mais só as mulheres que estão educando as
crianças.

Veja: Como isso tudo se reflete na vida sexual do


homem?
Cuschnir: O homem está obcecado pelo prazer feminino
porque é daí que virá sua diplomação de masculinidade. Por
incrível que pareça, tem muito homem que não sabe a
diferença entre ejaculação e orgasmo, que não conhece o
próprio prazer. A liberação sexual trouxe junto a acusação de
que o homem não dava a mínima para a mulher. Veio a
cobrança pelo homem sensível na cama. Isso acabou virando
uma ditadura ao contrário: a do prazer feminino. O sexo é,
portanto, o distintivo que confirma a condição de macho, e é a
mulher quem outorga a ele esse diploma. Na hora em que um
homem entrega esse direito à mulher, cria-se uma situação
anômala. As mulheres não entendem quase nada de homem.
Muitas nem sequer sabem que região do pênis lhe dá mais
excitação. Sexo para esse homem em crise pode estar virando
uma coisa mecânica. Quase como se ele fosse ao banheiro uma
vez por dia. Ele passa a "cumprir" o dever de fazer sexo.

Veja: O senhor defende uma espécie de feminismo ao


contrário, o masculismo. O que vem a ser isso?
Cuschnir: O objetivo principal do masculismo é tentar
reverter o mito de que o homem não precisa de tratamento,
não precisa de ajuda, não precisa de proteção. Não é uma
reação ao feminismo. É uma complementação ao movimento
das mulheres. O masculismo, como é próprio dos homens, está
crescendo na surdina. O feminismo foi uma guerra porque
precisava atuar com firmeza para conquistar o espaço devido às
mulheres e para seu reconhecimento como ser humano por
inteiro. O masculismo não tem esse afã. Ele se propõe a fazer
pesquisas sobre o entendimento da vida emocional masculina, a
atender o homem do ponto de vista psicológico e físico. Vai
tentar, no futuro, influir na legislação, para criar programas de
proteção ao cidadão do gênero masculino. Já existem braços
fortes do movimento em várias partes do mundo. Os homens
que lutam pela guarda dos filhos, no Canadá, por exemplo.

Veja: Como os brasileiros reagem à ideia de deixar pra


trás o mito do super-homem?
Cuschnir: Quando lancei o primeiro grupo de estudo de
gênero de homens no Brasil, no início dos anos 80, a tendência
geral era reagir com muito preconceito.
Diziam que o homem não precisa de ajuda ou
consideravam a proposta típica de um grupo de gays. Isso
começou a mudar na década de 1990, quando outros
pesquisadores perceberam a crise masculina e a importância de
oferecer ao homem ferramentas para que aprendesse a lidar
com a vida emocional de maneira mais tranquila. Os homens
desejam ardentemente mais qualidade de vida e sabem que
isso implica abandonar os velhos mitos da masculinidade.

Veja: Por que é tão difícil para um homem falar sobre


suas angústias?
Cuschnir: O homem não fala de suas angústias porque
está se preservando da possibilidade de ser criticado. Ele é
educado para não passar vergonha, para nunca ser chamado de
tolo. Obriga-se o menino a enfrentar precocemente situações
para as quais ele pode não estar preparado, mas tem de ir em
frente porque é homem. Não pode ter medo dos colegas, não
pode voltar chorando para casa, porque corre o risco de
demonstrar excessiva sensibilidade. E sensibilidade, para um
homem, é sinônimo de fragilidade. Ele entra na vida adulta com
as emoções resfriadas.

Veja: As mulheres adoram discutir a relação, coisa que os


homens odeiam. Vale a pena insistir nisso?
Cuschnir: É um perigo. Em princípio, um homem evita
entrar em uma discussão se não tiver domínio do assunto em
pauta. Não pode discutir a relação porque se trata de um tema
para o qual não está preparado. O homem sabe muito pouco
sobre as próprias emoções, embora tenha sentimentos
intensos. Outra razão para ele evitar conversas sobre assuntos
emocionais decorre do medo de expor as próprias fraquezas. O
que teme, acima de tudo, é que a mulher se aproveite das
confidências para tratá-lo como um fraco.

Veja: O que as mulheres devem fazer?


Cuschnir: A relação com o homem é muito cheia de
dedos, porque ele está muito vulnerável. A mulher deve agir
como se estivesse fazendo uma pesquisa numa múmia. Se fizer
qualquer movimento brusco, a múmia vira pó. Primeiro ela tem
de mobilizar o afeto dele, com contato físico, não
necessariamente numa relação sexual. Ela vai chegar lá pelo
feminino, não pelo racional ou pelo assertivo. Não dá certo
tentar dialogar na língua dele. Se ela o constrange a falar, ele
dirá um monte de mentiras só para acabar logo com a conversa
que julga desagradável. Quando se sentem acuados, os homens
são os maiores mentirosos do mundo.

Veja: Que tipo de mulher os homens consideram


confiável?
Cuschnir: É aquela que permite que ele exponha seus
sentimentos sem depois vir com cobranças. Se ela usar as
confidências contra ele, danou-se. Por outro lado, o homem é
um conquistador nato e valoriza a mulher que o obriga a lutar
por ela. Gosta de desafios. Aquela que o aceita de qualquer
jeito fica como última opção.

Veja: Esse homem em transformação entende o universo


feminino?
Cuschnir: A grande descoberta que fiz depois de tantos
anos de estudo é que o homem entende de mulher muito mais
do que a mulher entende de homem. Ele sabe que elas estão
esperando um sujeito bem-sucedido, potente sexualmente e
que possa oferecer-lhes segurança em todas as áreas da vida.
Por outro lado, elas também querem um homem sensível. Os
homens entendem as mulheres. Se não correspondem, é
porque não querem.
É porque não confiam nas mulheres.

Veja: A chegada do Viagra ajudou de alguma forma?


Cuschnir: Nove em cada dez casos de impotência
decorrem de problemas emocionais. Num caso de crise
conjugal, o Viagra pode funcionar num primeiro momento.
Sozinho, contudo, não resolve os problemas de relacionamento.

Veja: O homem tende a trair a mulher quando os


problemas começam a se agravar?
Cuschnir: O relacionamento extraconjugal só atrapalha.
O novo homem está começando a perceber que, se não cuidar
da vida afetiva, conjugal e familiar, o casamento acaba mesmo.
Não existe mais aquela história de ter duas, três, dez mulheres
e continuar mantendo as aparências no casamento. A mulher
de hoje dispensa o homem com facilidade. Ela prefere viver
sozinha a suportar a infidelidade. O risco que o marido corre
não é ser trocado por outro homem, mas por uma vida melhor.
Acabou a era da supremacia masculina.

Veja: A separação assusta os homens?


Cuschnir: Sim. Separação e desemprego, nesta ordem,
são os grandes cataclismos na vida de um homem. O
desemprego significa que ele fracassou no papel de provedor.
De forma similar, a separação é entendida como a incapacidade
de manter uma família. O homem pode até partir para outra
relação mais rapidamente que a mulher, mas é por pura
incompetência para se manter sozinho. Com a mulher não é
assim. Não é por falta de candidato que tantas permanecem
sozinhas. É porque estão bem resolvidas emocionalmente em
outros aspectos da vida. Afinal, é ela quem fica com os filhos e
a estrutura familiar.

Veja: Nesse sentido, os homens dependem das


mulheres?
Cuschnir: Todo homem tem grande dependência
emocional da mulher. Maior do que a dela em relação a ele. A
diferença é que ela expressa os seus sentimentos em alto e
bom som. A mulher é vital para que o homem possa manter a
estabilidade psicológica de que precisa para resolver seus
conflitos internos.

Veja: Os homens eram mais felizes antigamente?


Cuschnir: No passado, os homens não tinham noção
clara da própria insatisfação. Em decorrência disso, morriam
mais cedo e passavam pela vida muito deprimidos, sem
procurar ajuda médica. Hoje, eles estão mais conscientes do
peso que representa o papel masculino como provedor e
amante. Aprenderam a reclamar e já não escondem suas
angústias como no passado. Não há como negar, contudo, que
estão mais tristes.


"Na Idade do Lobo"

Entrevista de Elyseu Mardegan Jr. - Revista Viver


Psicologia nº 61, ano 6.

MOTIVAÇÃO E SATISFAÇÃO DO HOMEM NO TRABALHO


FOI O ASSUNTO ORIGINAL DA TESE DE MESTRADO DE ELYSEU
MARDEGAN JR. ESTE PAULISTA, DE 39 ANOS, É ENGENHEIRO,
COM PÓS-GRADUAÇÃO E MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO DE
EMPRESAS PELA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, DE SÃO PAULO.
O TRABALHO APRESENTADO EM 1992, A CRISE DA MEIA-IDADE
DO HOMEM, APÓS QUATRO ANOS DE PESQUISA, FOI
CONSIDERADO O PRIMEIRO TRABALHO CIENTÍFICO
REALIZADO NO BRASIL SOBRE A TRANSIÇÃO DA MEIA-IDADE
MASCULINA. SEU ESTUDO FOI TAMBÉM A BASE DO LIVRO
PUBLICADO EM 1993, A IDADE DO LOBO, UM BEST-SELLER
QUE SUPEROU A MARCA DOS 100 MIL EXEMPLARES.

Viver Psicologia: Quais os sintomas típicos da chamada


idade do lobo?
Mardegan Jr.: Aquelas mudanças radicais de
comportamento, visíveis na compra de um carro novo, na
mudança radical do ambiente de trabalho, no rompimento do
casamento ou de uma relação estável, nas alterações muito
nítidas na forma de se vestir. Mas estas características, na
minha opinião, são só a ponta do iceberg. As verdadeiras
causas são os conflitos internos que levam o homem a um
período de questionamento.

Viver Psicologia: O que, em geral, leva os homens a


assumir este tipo de comportamento?
Mardegan Jr.: Existem dois fatores sociais que
empurram o homem para a crise. O primeiro é a questão do
trabalho. Isto ocorre quando as portas profissionais e as
possibilidades de desenvolvimento da carreira começam a se
fechar, a partir dos quarenta anos. Basta abrir os classificados
de empregos dos jornais para ver os limites de idade para os
candidatos às vagas das mais diferentes profissões. O segundo
fator social é a forma, negativa, como o brasileiro encara o
envelhecimento.

Viver Psicologia: Então, está relacionada ao despreparo


para envelhecer?
Mardegan Jr.: É. O velho não tem um papel social no
Brasil, como tem nas sociedades orientais, por exemplo. Aqui
ele não tem prioridade. Ao contrário, é afastado do convívio
social. As pessoas tentam escondê-los, seja dentro de casa ou
em asilos. Temos que achar um papel social para este velho, e
que seja muito diferente do que é hoje.

Viver Psicologia: Trata-se de um fenômeno social ou


apenas individual?
Mardegan Jr.: Existem três características desta crise,
bastante peculiares: ela é imprevisível e pode ou não acontecer
com um determinado indivíduo; ela é individual porque pode
ocorrer de forma distinta para cada pessoa; e ela também é
atemporal, ou seja, pode acontecer dentro de uma determinada
faixa de idade, que a gente está acostumado a enquadrar entre
35 e 50 anos.

Viver Psicologia: O que o senhor imagina que resulte


dos índices crescentes de desemprego no Brasil?
Mardegan Jr.: É notório que, se a crise de desemprego
atingiu o Brasil, ela bateu de frente com o homem de 40 ou 45
anos. Porque é ele que estava desatualizado dentro da
empresa, é ele que tinha uma posição eventualmente mais alta.
E foi ele o eliminado. Pior que isso é que exatamente nesta
idade, há uma dificuldade maior em conseguir recolocação no
mercado de trabalho. O homem, aos quarenta anos, começa a
se tornar um velho para a maioria das empresas.

Viver Psicologia: O fator biológico é realmente pouco


decisivo nas mudanças da meia-idade?
Mardegan Jr : A gente tem "n" exemplos na sociedade
brasileira de pessoas que se mantiveram ativas em todas as
idades, aos 70, aos 80... São muitos os exemplos. Mas a gente
prefere acreditar que, aos 40, 50 anos não se têm mais
oportunidades na vida, nem muito o que fazer ou realizar.
Quando é exatamente ao contrário. Só que fica muito difícil
dizer para um homem que chega nesta idade, com todas as
pressões sociais e conflitos pessoais, que a terceira idade pode
ser uma coisa interessante. Fica difícil dizer a ele que este é um
momento muito importante, muito interessante e muito
oportuno da vida dele.

Viver Psicologia: No intervalo entre os dois livros, que


diferença o senhor pôde constatar no homem de meia-idade?
Mardegan Jr.: Eu acreditava, e ainda acredito, que o
homem está revendo seus papéis na sociedade. Está tentando
ampliá-lo e não ser só o provedor do sustento da família, o
responsável pelas finanças da casa. O homem está mudando
com relação à educação dos filhos, à participação na vida
familiar e nas atividades sociais. Eu tinha expectativa, no
primeiro livro, que este processo se daria de forma mais rápida.
A mudança está ocorrendo mas de forma mais lenta do que eu
imaginava naquela época. As pressões para que ele se
mantenha no papel tradicional ainda são muito fortes, assim
como ocorreu com a mulher. Mas com a mulher, por ter sido um
movimento social, foi muito mais rápido. A mulher também
aceita muito mais as mudanças e continua se transformando.

Viver Psicologia: Não é significativo que o primeiro


depoimento em seu livro seja feminino?
Mardegan Jr.: A maioria das mais de duzentas cartas
que recebi após o primeiro livro são de mulheres. Primeiro,
porque a mulher também sofre com as consequências dessa
crise. Ela não entende o que está acontecendo, porque ele
próprio não entende o que está acontecendo. E ela também
está procurando o próprio caminho. Os filhos já não dependem
mais dela e é muito normal que ela busque uma nova condição
profissional. Ao mesmo tempo, é muito comum o homem jogar
nela a culpa do que está lhe acontecendo. E, por esta
característica, as mulheres se abrem muito mais facilmente do
que os homens. O homem não verbaliza, não se entrega, acha
que isso pode ser a demonstração de uma fraqueza e não tem
consciência, muitas vezes, do que está acontecendo com ele.

Viver Psicologia: As atuais mudanças masculinas


tendem a ser mais amenas que as da revolução feminista?
Mardegan Jr.: Acho que sim. Há duas maneiras de
observar isso. Primeiro, este homem está se aproximando mais
da mulher. Na ampliação de papéis sociais que ele está
buscando, estes papéis estão convergindo para aqueles
tradicionalmente femininos. Ele também está se aproximando
da convivência familiar, da convivência com os filhos. Por outro
lado, cada um está buscando o próprio caminho. A mulher está
num momento de expansão e o homem, de introspecção.
Conflito é o que não vai faltar, mas a tendência é que a
aproximação entre os dois seja mais harmônica, até por isto
contemplar também uma solicitação feminina.

Viver Psicologia: No final das contas, o saldo tem sido


positivo?
Mardegan Jr.: Se este homem faz um balanço, neste
momento da vida, e vê os sonhos que tinha planejado para a
vida dele e, aos 40, 50 anos, olhando com rancor para o que
não conseguiu realizar, este momento será para ele
extremamente doloroso e negativo. Se conseguir ter a
consciência de ver o que conseguiu e, embora não tenha
alcançado outras realizações, ainda tem tempo para várias
novas oportunidades, a tendência é que ele passe por essa fase
de uma forma mais tranquila.


{1}
É uma revolução por tratar-se de uma transformação acelerada, mas silenciosa
por decorrer de um processo sorrateiro de autoquestionamento.
{2}
Naturalmente, existem também aqueles que se permitem fantasiar, esperar, que
não querem saber, para vivenciar o que há de agradável e positivo nesta expectativa.
{3}
As mulheres, aliás, têm a percepção de que ser mulher é mais difícil do que ser
homem, pois sofrem mais devido à menstruação, ao parto, aos cuidados que têm de
ter com o corpo, ao envelhecimento etc.
{4}
É difícil ser pai, pois, muitas vezes, nossos pais não foram como gostaríamos que
tivessem sido e, como sempre queremos ser melhores que os nossos pais, sentimo-
nos perdidos, sem orientação e, principalmente, sem um modelo para seguir.
{5}
Infelizmente, nossa sociedade ainda não se deu conta das profundas marcas que
esta separação prematura deixará na personalidade deste indivíduo. Algumas
pesquisas revelam que o rompimento e a separação das mães ocasionam um grande
trauma na criança que resultará, num primeiro momento, num sentimento de raiva e
de rejeição e, depois, na idade adulta, num grande sentimento de saudade e de
tristeza. Não raro, nesta fase, o menino já apresenta os sintomas da chamada
"síndrome do silêncio programado", alterando de forma significativa o seu
comportamento, tornando-se muitas vezes calado, retraído, magoado, triste e
irritado com os pais. Estes, por sua vez, são orientados a "não se preocupar" pois se
trata apenas de um período de adaptação da criança à nova fase.
{6}
A maioria das escolas e dos professores não tem qualquer preparo e informação
para entender os danos causados pela separação traumática dos filhos em relação às
mães no início da vida escolar. As próprias mães são levadas a acreditar que é
preciso ser dura com os meninos.
{7}
É incrível que, após tantos anos de avanço na ciência e nos
estudos do comportamento humano, ainda nos deparemos com
circunstâncias como estas, cujas consequências sobre o
desenvolvimento da personalidade parecem inquestionáveis.
{8}
No momento em que tanto se discute a qualidade versus a quantidade de tempo
dedicada aos filhos, recomendamos que os pais fiquem com eles nestes momentos
antes de dormir: os medos e as angústias seriam apaziguados, aumentando
seguramente a confiança e a autoestima da criança.
{9}
Muitas vezes, as violências, os socos, as brigas, os pontapés e as chaves de braço
são atitudes não-verbais que os meninos encontram para demonstrar fisicamente
afeto, embora sejam interpretados somente pelo viés da violência.
{10}
A mídia mundial identifica intensa e exclusivamente no sexo masculino o uso
frequente de álcool e drogas. É o "homem do Marlboro" e a turma das cervejinhas
das sextas-feiras, associados sempre à masculinidade.
{11}
Rematrizar: dar uma nova matriz, remodelar.
{12}
A sociedade brasileira se modificou radicalmente. As atitudes dos jovens, até
dentro de casa, com relação à vida afetiva e social, transformaram-se de lá para cá.
Mesmo os contatos físicos que se concretizam numa relação sexual podem manter
intocáveis os corações juvenis.
{13}
Anos depois, Ronaldo se separou dessa esposa, que casou com seu melhor
amigo. Reconstituiu sua vida familiar com mais filhos. Algum tempo depois, morreu
de uma doença incurável, O desejo de acompanhar tão de perto o desenvolvimento
emocional dos filhos não foi suficiente para protegê-lo da morte.
{14}
Aí se estrutura algo que vai acompanhar o homem pelo resto de sua vida. Em
uma sessão de psicoterapia para homens adultos, em que se trabalhava como o pai
falava da mãe, Bóris, cinquenta anos, revela: "Meu pai me disse durante toda a vida
que eu deveria cuidar da minha mãe depois que ele morresse. Ele se foi quando eu
tinha dezenove anos. Sempre me senti responsável pelas mulheres, devido à ideia
que ele me incutiu, de não deixar mamãe sofrer, pois ela não estava preparada para
se cuidar."
{15}
Nas empresas, hoje, já não se fala mais em matar um leão por dia.
{16}
Os autores desta obra têm se dedicado a esses temas com afinco nestes últimos
anos. Percebe-se que os ambientes de trabalho carecem de desenvolvimento das
relações interpessoais, e somente inserções motivadoras de uma melhor expressão
entre todos levam a um clima organizacional mais equilibrado e transformador. Os
interessados em conhecer mais esses processos podem contatar por e-mail o
iden@uol.com.br (Iden - Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher).
{17}
O famoso "cala a boca".
{18}
Santo Agostinho diz: "O homem que vive só ou é um louco ou é Deus."
{19}
Não nos referimos aqui ao Zorro de capa e espada, mas àquele do índio Tonto,
cujo nome original em inglês é "Lone Ranger" (patrulheiro solitário).
{20}
Não por outro motivo é comum os homens se dedicarem assiduamente ao
trabalho nos primeiros anos de vida da criança enquanto a mulher cuida do ninho.
{21}
Muito conhecida, a depressão pós-parto aparece como um fator imponderável
neste momento da vida do casal. Note-se que está descrita na literatura médico-
psicológica a depressão pós-parto masculina.
{22}
Vai passando o tempo, o menino vai apresentando as dificuldades de
relacionamento e de obedecer aos limites, a dissimulação e as coisas escondidas a
que o pai não tem acesso. Há um ar de segredo e o pai começa a se indagar sobre as
possibilidades afetivas e sexuais do filho, que não se explicitam claramente.
{23}
Às vezes, é aceito com grande complacência. Em outras, com tal relutância que é
imposto ao pai "goela abaixo".
{24}
Há regulamentos éticos de comportamento com relação às mulheres que
mobilizariam um grande anedotário se fossem desvelados aqui. Por exemplo, em
uma corporação de peso, recomenda-se aos homens que, se entrarem no elevador
com uma mulher, caso não haja outra pessoa, é melhor eles se retirarem para evitar
eventuais processos de assédio sexual por parte dela.
{25}
Nem mesmo seu filho, moldado à imagem e à semelhança do pai, utiliza este
como modelo.
{26}
A falta de tempo e organização às vezes obriga o homem a levar o celular ou o
telefone sem fio para o banheiro, que seria o seu intervalo para ligações telefônicas.
"Droga! Não posso dar a descarga agora!"
{27}
Religar tem a mesma raiz da palavra religião. Nesse momento, o homem busca o
sagrado, seja através de seus vínculos familiares, seja da espiritualidade.
{28}
Deveria ser natural em qualquer empresa um programa de aconselhamento não
somente no caso de demissões, mas também na preparação para a aposentadoria.
{29}
Uma conhecida piada refere-se ao homem que diz ter se casado justamente
porque não quer mais saber de sexo.

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