Cinerama - ECO Milton Lopes dos Santos Junior DRE: 111214891
Paraísos Artificias e a criação experimental na década de 90
A produtora Paraísos Artificiais surgiu num contexto muito controverso
para a produção cinematográfica brasileira. Durante a chamada “Era Collor”, alguns dos principais órgãos de incentivo à produção cinematográfica no Brasil haviam sido fechados e as condições para produção eram mínimas devido aos recursos escassos. A produção nacional vinha em queda, exceto dentro do ambiente universitário, onde, com apoio das universidades com cursos de cinema, os alunos ainda conseguiam realizar produções utilizando os equipamentos oferecidos pelas universidades.
Foi exatamente dentro de uma universidade que surgiu a produtora
Paraísos Artificiais, no curso de Cinema da Escola de Comunicação e Artes da USP. O modelo adotado para as produções era justamente o do curta- metragem, pela liberdade que o gênero dá para criação e experimentação. A proposta, com forte inspiração do Cinema Marginal, era fazer um cinema barato, com experimentações de linguagem, extremamente alegórico e com grande aproveitamento do conteúdo filmado e dos recursos disponíveis. Justamente pelas baixas condições, muitos dos filmes do grupo acabaram por não ser finalizados, e todas as produções se deram de uma forma bem colaborativa entre os integrantes do grupo.
De dentro da ECA-USP, Christian Saghaard, Débora Waldman, Paulo
Sacramento, entre outros, desenvolveram num circuito universitário um tipo de cinema pouco convencional para a produção universitária da época. Mesmo com a existência dos filmes marginais produzidos nos anos 60 e 70, estes ainda tinham pouca penetração no ambiente universitário. Além das produções realizadas pelo grupo dentro da USP, também é de muita importância essa ascensão do Cinema Marginal dentro desse ambiente promovido pelo grupo, através da realização de mostras de Cinema Marginal que eles realizaram e de convites à diretores desses filmes para participação de discussões com os alunos sobre a construção de seus filmes. Inclusive, Ave, de Paulo Sacramento, é dedicado ao diretor Jairo Ferreira, pela grande admiração a ele, que posteriormente teve um contato direto também com o grupo.
Além disso, por se tratar de propostas dissidentes da forma de
produção corrente e majoritária naquele ambiente, a Paraísos Artificiais começou a levar suas produções para trabalhos não acadêmicos, mesmo utilizando da infraestrutura oferecida pela ECA-USP. O baixo orçamento disponível, pelo fato dos alunos tirarem dinheiro de seus próprios bolsos para as produções, era um problema constante, mas mesmo assim a produtora chegava a conseguir finalizar três a quatro filmes por ano, um número considerável para as condições existentes na época.
Um fato extremamente curioso a ser ressaltado também é que a
maioria das produções realizadas pela Paraísos eram em 35mm, diferentemente do padrão 16mm que era geralmente adotado. O mais curioso é que a escolha não se dava apenas pela maior qualidade que o filme 35mm oferecia, mas sim porque as câmeras de 16mm da ECA-USP eram extremamente disputadas pelos alunos, justamente por ser o formato mais popular de produção universitária na época, enquanto as câmeras de 35mm geralmente ficavam paradas quase o ano todo. Mesmo o filme 35mm sendo mais caro, a opção de filmar nesse formato se dava pelo fato de que, filmando em 35mm, eles tinham as câmeras disponíveis quase o tempo todo para a utilização. Apesar disso, essa escolha acabava por reforçar ainda mais a necessidade do máximo aproveitamento do material filmado, uma vez que a os filmes 35mm tornavam as produções ainda mais caras, além de fazer com que os filmes da produtora tivessem de sofrer reduções para 16mm para participar das mostras de curtas que aconteciam, geralmente adotando o formato de 16mm.
Sendo assim, por todo o contexto no qual estava inserida a Paraísos
Artificias foi uma iniciativa de extrema importante para uma produção nacional em queda, mostrando que, apesar dos pesares e com um extremo baixo orçamento era ainda possível não só produzir filmes no Brasil, como experimentar. Mesmo tendo suas atividades encerradas em 1996, de filmes como Sinhá demência e outras histórias e Meressias, ambos de Christian Saghaard, Ave e Juvenília, de Paulo Sacramento, e Noite final menos cinco minutos, de Débora Waldman (única exceção da produtora em relação ao baixo orçamento, por ter conseguido incentivos externos), há uma forte construção autoral, alegórica, irônica e pessimista expressa nos filmes. Um retrato do próprio horizonte pessimista para produções que se apresentava para os diretores, que nunca tinham a certeza de quando fariam seu próximo filme. É mais uma entre tantas incríveis demonstrações que encontramos no cinema nacional e mundial de como, mesmo com baixíssimas condições disponíveis, é possível realizar grandes trabalhos.