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13/10/2020 Com Ciência - SBPC/Labjor

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Editorial
Nó górdio - Carlos Artigo
Vogt Revertendo imagens estereotipadas
Por Janaína Damasceno
Reportagens 09/04/2008
De que África
estamos falando? As imagens que constituem nosso imaginário sobre os países africanos são formadas por
estereótipos reproduzidos intensamente desde o período colonial. Filmes como Tarzan, Os
Rodrigo Cunha deuses devem estar loucos ou As minas do rei Salomão apresentam o continente como
selvagem, atrasado e sem história. A maior parte desses filmes foi produzida por
Colonialismo: entre cineastas estrangeiros. Muitos tinham a intenção de documentar a vida e os hábitos
rupturas e africanos através de documentários etnográficos produzidos, principalmente, entre as
décadas de 1930 e 1950 como uma espécie de inventário sobre o comportamento dos
retomadas
povos africanos. Mas se para o ocidente ver filmes sobre África servia como conhecimento
Marina Mezzacappa de um continente “inóspito” e “distante”, os colonizadores europeus faziam o uso de
imagens como meio de “domesticar” e “civilizar” os povos colonizados. Filmes em que se
ensinava como era o comportamento dos ocidentais e como africanos deveriam reproduzir
Conflitos africanos
esse comportamento para se civilizarem eram distribuídos pelos escritórios britânicos e
envolvem múltiplos franceses mostrando como o cinema não era apenas um meio de diversão, mas era
fatores também imbuído de uma tarefa civilizatória.
Nereide Cerqueira
Dentro desse contexto, a produção cinematográfica africana conduzida por realizadores
africanos era inexistente. Foi apenas com o vislumbre das independências que africanos
Cooperação entre passaram a ter direito de produzirem seus próprios filmes, falando de assuntos
Brasil e África pertinentes à sua realidade e à sua fantasia. É no limiar das independências também que
Chris Bueno cineastas europeus começaram a produzir filmes anticolonialistas, como As estátuas
também morrem (1955) de Alain Resnais (diretor de Hiroshima, mon amour) e Chris
Marker em que criticavam a pilhagem da arte africana pelos museus europeus (a sua
Um outro modelo exibição foi proibida na França durante 10 anos) ou, o mais recente, Der Leone hat sept
civilizador cabezas (O leão tem sete cabeças), de 1970, em que Glauber Rocha crítica a razão
Daniela Lot colonial européia.

Os primeiros filmes produzidos e dirigidos por cineastas africanos narravam suas difíceis
Artigos experiências nas metrópoles coloniais onde vivenciavam o choque com a descoberta do
A rainha Jinga – racismo, o desprezo e o mercado de trabalho. L'Afrique sur Seine de Paulin Soumanou
Vieyra (1955) é um exemplo desse caso. Apesar de ser um filme africano, foi gravado em
África central,
solo europeu e analisa os costumes em relação à presença negra africana na Europa.
século XVII Touki-Bouki (1973) de Djibril Diop Mambéty (Senegal), Le Soleil (1969) de Med Hondo
Marina de Mello e (Mauritania) e La noire de…(1966) de Ousmane Sembène (Senegal) tocam no mesmo
Souza tema, ainda hoje caro ao cinema africano das mais distintas nacionalidades.

No Brasil, infelizmente, há pouco acesso à diversidade da filmografia africana. Talvez o


Século XIX: filme mais conhecido seja o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006,
mapeamento, Infância roubada (Tsotsi, 2005), do sul-africano Gavin Hood que fala sobre a juventude
prospecção e marginal de Johannesburgo. Outro diretor de repercussão é Idrissa Ouédraogo, burkinese
conflitos que dirigiu um dos curtas do longa 11 de setembro (11'09”01) realizado em 2002, em
que crianças de Burkina-Faso acreditam ter visto Osama Bin Laden e tentam capturá-lo
Alexsander Lemos
para ganhar uma recompensa e comprar remédios para a mãe doente de um deles. Dos
de Almeida Gebara filmes produzidos pelos Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) há pouca
divulgação e perde-se a oportunidade, por exemplo, de ver a profícua cinematografia de
A terra nua: Flora Gomes, cineasta de Guiné Bissau. Flora mergulha no mundo guineense, revelando
os principais problemas de sua sociedade através de alegorias, da análise da diáspora
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política, meio africana na Europa ou da relação entre a tradição e a modernidade como em Nhá Fala
ambiente e (2002), Mortu nega (1988) e Pó di sangui (1996).
feminismo
Algumas mostras de cinema africano são produzidas esporadicamente no Brasil como a
Elio Chaves Flores Mostra Novo Olhar do Cinema Africano, promovida pela Cinemateca Francesa ou a
Retrospectiva da Fespaco (Festival Pan-Africano de Cinema e de Televisão de Uagadugu/
Colonialismos, Burkina Fasso), maior festival de cinema africano, na Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo. Quase não há produção acadêmica sobre o tema e a esparsa bibliografia sobre
descolonizações e
cinema africano restringe-se à literatura em língua francesa e inglesa em bibliotecas
crises na África universitárias – na Unicamp são em torno de 9 livros e alguns artigos ou entrevistas com
Marcelo Bittencourt cineastas africanos. Lastimável, pois nossa leitura do cinema africano sempre parece
mediada por leituras e análises de segunda mão. Nosso conhecimento também é pequeno
sobre o sistema de produção africano e com isso, nos mantemos alheios, por exemplo, à
Revertendo criatividade e intensidade da produção da Nolywood nigeriana.
imagens
estereotipadas A Nigéria é um dos maiores produtores mundiais de cinema. Segundo a Cahiers du
Janaína Damasceno Cinéma, uma das mais respeitadas revistas de cinema do mundo, em 2004, os nigerianos
produziram em torno de 1200 filmes – o dobro da produção de Hollywood – arrecadando
em torno de US$ 250 milhões, a terceira maior arrecadação mundial, atrás somente dos
Deslocados. O americanos e dos indianos. A indústria cinematográfica nigeriana é a segunda maior
espectro de um indústria do país e perde apenas para a indústria petrolífera. Embora a cinematografia
corpo-memória nigeriana remonte aos anos 1950, foi somente na década de 1990 que ela ganhou status
de indústria: seu surgimento remonta ao cineasta Okechukwu Ogunjiofor. Camelô, ele
Eugénia Vilela
notou que se gravasse filmes dentro dos VHS que vendia por 1 dólar, poderia vendê-los
pelo triplo do preço. Assim gravou seu primeiro filme, Living in Bondage, em vídeo e
Resenha conseguiu vender mais de 750 mil cópias do mesmo. Os atores eram seus amigos. A
distribuição dos filmes é feita por uma rede de camelôs e em locadoras de vídeo. A
Para além da
indústria de distribuição de cinema na África, assim como na América Latina é dominada
guerra, uma por grandes indústrias internacionais, então o sistema nigeriano é uma opção que opera
narrativa sobre contra essa indústria hegemônica. Pode ser irônico, mas isso se deve sobretudo à
transformação globalização que barateou o acesso aos meios de produção audiovisual.
Por Carolina
Cantarino Grande parte dos filmes de Nollywood trata de “amor, romances, religião, tradição e
crimes”, segundo a cineasta Amaka Igwe em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo,
em 11 de maio de 2006. Esse cinema, conhecido como cinema povo, é baseado em
Entrevista produções de baixo custo, em torno de 20 mil dólares, financiados por produtores locais,
Omar Ribeiro que vendem em média 100 mil vídeos a 3 dólares. Esse esquema de produção e
distribuição faz o diferencial do cinema nigeriano, que não recebe subsídio do governo e
Thomaz
que agora transcende os limites do seu próprio território: através do canal Africa Magic
Entrevistado por Por pode ser vista 24 horas por dia em toda a África. A história de africanos, contada por eles
Simone Pallone mesmos faz sucesso, subvertendo a idéia de que é necessário uma excelência de
qualidade e produções de altíssimo custo para atrair público. Esse tipo de produção repele
a pirataria. Aqui, o fenômeno é estudado por Ronaldo Lemos, advogado e representante
Poema da licença Creative Commons no Brasil. Mas além dos circuitos do povo, que vêm
Bolinhos de chuva rapidamente se expandindo, temos um circuito mais tradicional ligado aos festivais de
Carlos Vogt cinema.

Antes da Nigéria, Burkina Faso era reconhecida como a Hollywood africana. Com mais de
Humor 100 cineastas, cujo principal expoente é Idrissa Ouédraogo, o país montou um fundo para
HumorComCiencia o desenvolvimento cinematográfico após a independência, além de nacionalizar as salas
de cinemas e abrir uma escola técnica de cinematografia. Em Burkina Faso, como em
João Garcia muitas partes de África as dificuldades na produção de cinema provêm da escassez de
recursos técnicos para a produção, mas também de dentro de um âmbito político, pela
definição do que seja de fato a missão do cinema africano: fortalecer ou criticar as
tradições. Optar por um ou outro é, para muitos cineastas, motivo para terem seus filmes
qualificados como mais ou menos africanos. Para Ouédraogo, em entrevista à Lúcia
Nagib1 trata-se de notar que “temos tantas coisas para contar sobre o amor, a vida, sobre
a violência, mas coisas também que fazem parte de nossa própria sociedade, já que a
nossa sociedade faz parte da humanidade. Se contarmos essas coisas com palavras
corretas, que nos tocam realmente, os outros nos compreenderão. Mas se nos fecharmos
na nossa especificidade porque é cômodo e os europeus apreciam, porque é exótico,
nunca iremos progredir” 1. Trata-se mais oportunamente de definir quais são os limites da
tradição e da universalidade do cinema africano. Durante algum tempo essa dicotomia era
mostrada através da oposição entre filmes rurais e urbanos, sendo que a expressão
cunhada para designar o primeiro grupo foi “filmes-aldeia”. Os temas prediletos desses
filmes eram os casamentos poligâmicos e questões de gênero. Nesse quesito, tanto a
produção de documentários como a de filmes de ficção é bastante forte. Veja-se o filme
Sambigaza (1972) de Sarah Maldoror sobre mulheres durante o período da guerra em
Angola.

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Africanos também já rodaram filmes no Brasil, como A deusa negra dirigido pelo nigeriano
Ola Balogun, em 1979, onde é narrada a história de um intelectual nigeriano que
descobre as tradições afro-brasileiras.

Há uma diversidade de produção de cinema dos países africanos. Talvez seja exagerado
falar de um cinema africano, mas assim como há uma diversidade de países em África, há
lá também uma diversidade na produção de cinema. Países mais expressivos ou menos
expressivos em sua produção, todos tentam, de algum modo, hoje, exprimir-se pelas
imagens em movimento.

Conhecer a África pelos africanos poderia ampliar nosso entendimento, revertendo


imagens estereotipadas de representação e contribuindo para um imaginário mais amplo
sobre o continente. Poderia abrir-nos também para novas experiências e para a troca de
vivências que poderiam nos mostrar novos meios de produção e distribuição de cinema
que vão para além do modelo hollywoodiano.

Janaína Damasceno é filósofa, produtora de cinema e mestranda da Faculdade de


Educação da Unicamp

1 Revista Imagens, v 8, 1998: p. 114-121

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