Você está na página 1de 2

ENTREVISTA: TONY GATLIF¹

Tom Ewer

Tony Gatlif, nascido Michel Dahmani, é um cineasta premiado e um rom. Nasceu na Argélia em
1948, filho de um pai berbere e uma mãe cigana. De família pobre, Gatlif, como muitos argelinos,
sentia uma atração irresistível pela França – assim, aos 14 anos, sem nada nas mãos a não ser as
roupas do corpo, encontrou-se sozinho em Paris. Dormindo ao relento, começou a entrar
furtivamente em cinemas durante o dia para se aquecer, mas também para se entregar à sua
verdadeira paixão: filmes. Usando o talento cigano natural para a atuação, logo garantiu um lugar
na escola de teatro e, por muitos anos, ganhou a vida no palco. Mas, por alguma razão, não se
sentia confortável nessa posição. Começou a fazer filmes sobre a experiência de ser parte de um
povo misterioso, o povo rom. Seus primeiros trabalhos eventualmente atingiram o público certo e,
em 1992, lançou-se num projeto que o tornaria famoso no mundo das cerimônias de premiação e do
glamour, sendo finalmente reconhecido por tratar das questões relacionadas aos ciganos europeus.
O nome do filme é Latcho Drom. Descrito pelo New York Times como “um retrato lírico intenso da
cultura cigana”, Latcho Drom traça, por meio da música, a jornada do povo rom. O sucesso desse
filme resultou em reconhecimento mundial e, em 2004, com o filme Exílios, ele ganhou o prêmio de
melhor diretor no Festival de Cannes.

Como você descreveria sua herança e como ela moldou sua vida e sua carreira de cineasta?

Liberdade, dor, humilhação, mas também orgulho, uma maneira de viver um dia de cada vez.
Ontem não existe, amanhã também não. Todos esses aspectos são importantes em meus filmes.

Com seu conhecimento profundo da vida cigana em todo o mundo, quais valores e tradições você
diria que são os mais importantes hoje nas modernas comunidades ciganas?

Após viajar pela Romênia, Grécia, Turquia, Espanha… eu diria que a sobrevivência.

Nos países de língua inglesa, há muita incompreensão acerca da palavra “cigano” e do seu
significado. Como você entende o uso atual da palavra cigano e suas origens?

Hoje a palavra “cigano” é usada como posição política. Em muitos países, tem também um pouco de
romantismo… Os ciganos vêm do Rajastão, estado no norte da Índia. Durante a jornada [dos
ciganos], houve uma mistura intensa de línguas, comida e música. Boa parte da língua, das raízes e
tradições orais remonta à Índia.

Seus filmes celebram a riqueza da cultura cigana, mas também retratam injustiças cometidas
contra as comunidades ciganas ao redor do mundo. No futuro, como acha que a cultura cigana vai
existir, se transformar e ser representada na mídia?

Os ciganos não tiveram acesso à modernidade. Em todos os países europeus, não lhes foi permitido
entrar no século XXI. Hoje são vítimas de preconceitos raciais, essas coisas medievais. Os ciganos

1
não falam do passado ou do futuro, falam do presente. Agora a geração mais jovem precisa pensar
sobre o futuro, e esse futuro tem que ser pensado por ciganos e por amigos que falem a mesma
língua. Seu destino não deve ser governado por pessoas que não entendem quem eles são.

1 Originalmente publicado pela revista The Gypsy Chronicle em novembro de 2012. Tradução de
Tiago Jonas.

Você também pode gostar