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Por
Milton Lopes dos Santos Junior
DRE: 111214891
Trabalho entregue ao
Profº Paulo G. D. Oneto,
na disciplina Comunicação
Espetáculo e Cultura VI.
1º semestre / 2013
1
O som ao redor e a problemática entre o espelho e a classe média
Tais conceitos parecem concordar com Barthélemy Amengual, quando este diz
que “é sempre o autor do filme, sua arte, que é ou não realista, nunca o filme “em si” 2,
nem suas fotos, por mais verídicas que sejam”. Mas o que há de mais pertinente nessa
discussão para esta análise não é a realidade ou não realidade daquilo que se encontra
impressionado na película, mas a relação entre cinema e realidade, o papel do realismo
no cinema. Especificamente no que diz respeito ao cinema político, na medida em que o
próprio Amengual fala que “uma última razão nos leva a defender o realismo no
cinema, e talvez, antes de qualquer outro, no cinema político, militante. Somente a arte
– e a parte de realidade que a ilumina – pode assumir aquilo que Hebert Marcuse chama
de “a racionalidade da negação”[...] Sem arte, sem a dimensão de totalidade que lhe
confere o realismo, um filme político não é mais que idéias” 3. Isto porque,
anteriormente, o mesmo já havia dito que “o objetivo do trabalho artístico não é o
conceito em si, mas o modo conforme esse conceito se torna um elemento concreto da
vida nas situações concretas em que os homens concretos são envolvidos”4.
O som ao redor, dirigido por Kleber Mendonça, faz parte do que, seguindo os
conceitos de Deleuze, podemos considerar cinema político moderno. Para começar a
análise, em relação à linguagem, além de mostrar uma pluralidade de discursos por trás
1
Dubbois, Philippe. Da verossimilhança ao índice. In: O ato fotográfico e outros ensaios. São Paulo:
Papirus, 2003. Pag.53
2
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.156
3
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.166
4
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.165
2
dos personagens, podemos observar que, mesmo sendo uma ficção, o filme busca se
aproximar de uma representação do real, algo que o diretor já havia feito anteriormente,
em seu curta Recife Frio, onde cria uma ficção, também com fortes críticas sociais,
utilizando a linguagem documental. Mesmo não usando da linguagem documental, a
linguagem do filme visa o realismo. Seus personagens são pessoas comuns em situações
familiares ao espectador. Apesar disso, o objetivo do diretor com o filme está longe de
ser traçar um panorama da sociedade brasileira contemporânea ou mesmo a fabulação
dos personagens em si mesmos da qual fala Deleuze. A maneira como se estende o
filme pode até parecer lenta e monótona. Parece que nada acontece, ao mesmo tempo
que, mesmo não sendo mostrado ao espectador, muito acontece por trás do que está na
tela. O espectador intrigado é levado a buscar uma significação para tudo aquilo, ele é
convidado a pensar o sentido do filme a partir dessa aparente falta de nexo.
Em relação às características que Deleuze cita para essa imagem, podemos ver
em O som ao redor, por exemplo, uma situação dispersiva, diversos personagens que
transitam entre as posições de principais e secundários, indo e vindo o tempo todo. Não
há nada que “prolongue os acontecimentos uns nos outros”5. Alguns personagens nunca
chegam nem a se cruzar ou interagir. A própria realidade aqui é dispersiva. Há a
5
Deleuze, Gilles. A crise da imagem-ação. In: A imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985. Pag.254
3
perambulação em oposição à ação, seja entre os diferentes personagens que
acompanhamos ou mesmo entre os “espaços-qualquer”6 que são cenários do filme. Por
fim, o que mantém “o conjunto neste mundo sem totalidade nem encadeamento” 7 é
justamente o clichê. Entretanto, o próprio clichê aqui não é livre de pedir interpretação.
Esse clichê é o medo inerente à classe média.
Pode-se até considerar este filme como violento, mesmo que ele não apresente
nenhuma cena de violência. Esta se dá de modo simbólico. Nas cenas que dão inicio à
sequência da cidade onde ficava a fazenda do avô de João, por exemplo o som tenso e
os gritos perturbam a imagem tranquila do casal que se diverte. Quando se chega à cena
da cachoeira, o barulho ensurdecedor dela toma conta do ambiente. Quando a câmera
fecha em João, a imagem congela e a cachoeira se torna vermelha, como sangue, toda a
violência do filme se explicita em torno da origem da posição social ocupada pelo avô
de João, que se reflete na vida do próprio João. Na própria cena de encerramento do
filme, a mudança para as bombas e seu barulho no momento em que Clodoaldo e seu
irmão estão prestes a dar cabo do avô de João dão a entender o desfecho da cena
anterior sem que nenhum disparo tenha de ser de fato mostrado no filme.
6
Deleuze, Gilles. A crise da imagem-ação. In: A imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985. Pag.255
7
Idem.
8
Deleuze, Gilles. A crise da imagem-ação. In: A imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985. Pag.258
4
Vemos também no filme aquilo a que Deleuze se refere, em relação ao cinema
político, quando fala em fazer tudo “entrar em transe” 9, que é uma das características do
cinema político moderno. Todo o filme busca esse “fazer entrar em transe”, através das
“aberrações”10 audiovisuais que fazem convergir as questões privadas e políticas que
cercam os personagens. Seja pelos sons exteriores que perturbam Bia em sua vida
privada, na relação entre João e seu primo onde um roubo, que caracteriza um crime que
deveria ser tratado publicamente, se resolve em meio a questões privadas e familiares ou
na relação entre João e seu avo, Francisco.
Outro ponto que não pode passar despercebido numa análise do filme em
questão é o mesmo que Jean-Claude Bernardet trabalha em relação ao documentário A
opinião pública, de Arnaldo Jabor, apesar da diferença de gênero entre os dois filmes: a
mistura de negação e identificação gerada por esse tipo de representação da classe
média e suas contradições. Amengual cita Robbe-Grillet em seu texto, dizendo que “se
se trata de contestar uma sociedade, é preciso, de início, atacar o seu discurso, a sua
prosa”11. É para fazer tal ataque que Kleber Mendonça representa a classe média de tal
9
Deleuze, Gilles. Cinema Político. In: A imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. Pag.261
10
Idem.
11
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.157
5
modo como se o filme fosse um espelho de nosso próprio cotidiano. Do mesmo modo
age Arnaldo Jabor em A opinião pública, ao apresentar imagens críticas à classe média
como sendo a própria imagem do espectador, gera um duplo movimento: de
identificação com o que está na tela ao mesmo tempo que se nega a contraditoriedade
apresentada.
12
Bernardet, Jean-Claude. O espelho perturba o método. In: Cineastas e imagens do povo. São Paulo:
Companhia das letras, 2003. Pag.60
6
de água, que na verdade vende também drogas, há os flanelinhas, que riscam carros de
quem não os paga, entre outros. Mas seriam eles o povo? Provavelmente não.
O som ao redor também, na recusa aos meios de comunicação (basta ver como a
circulação do filme se deu sem grande divulgação na mídia e a própria demora do
mesmo até para cair na rede), acaba se aproximando da arte para exercer seus fins
“educativos”. Como Amengual cita Gramsci, “a arte é educativa enquanto arte, e não
enquanto educativa”13. Amengual também cita Engels, dizendo que “mais as opiniões
(políticas) do autor permanecem escondidas, tanto melhor para a obra de arte”14. Dai
toda a preocupação do diretor em fazer sua crítica o mais implícita possível, se
aproximando da imagem-mental da qual fala Deleuze e gerando tanto incomodo através
do espelho. Cria-se um conflito interno no espectador, tanto na busca de sentido e
interpretação para as imagens que ele vê, como no movimento de identificação-negação.
Isso se dá porque, como diz Amengual, “A arté é sempre conflito e luta, e ainda com
maior razão quando se pretende que seja revolucionária. Mas o artista não saberia contar
apenas com suas próprias forças. É preciso que conte também com o público”15.
Nessa relação com o público, voltamos à imagem da qual fala Deleuze. Usando
Hitchcok como exemplo, Deleuze diz que ele “surge como aquele que não concebe mais
a constituição de um filme em função de dois termos, o diretor e o filme a ser feito, mas
em função de três termos : o diretor, o filme e o publico que deve entrar no filme, ou
cujas reações devem fazer parte integrante do filme”16. Ora se não é essa integração que
vemos em O som ao redor, quando este é concebido pelo autor em função da maneira
como se busca fazer o público “entrar” no filme e no movimento de identificação-
negação, aproximação-distanciamento. Isso tudo porque, como fala Amengual quando
começa a falar sobre o distanciamento, é “através das manifestações ideológicas e, por
conseguinte, através das obras de arte, que o cidadão pode tomar consciência das
contradições e dos conflitos essenciais que transformam as estruturas e subvertem as
superestruturas da sociedade”17.
13
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.159
14
Idem.
15
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.60
16
Deleuze, Gilles. A crise da imagem-ação. In: A imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985. Pag.248
17
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.163
7
O som ao redor, diferentemente de A opinião pública, pode não ser um
documentário, mas, por sua pretensão realista, também gera o mesmo incômodo que
esse tipo de representação da classe média causou no filme de Jabor. Apesar disso, por
seu gênero não documental, O som ao redor não necessita a mesma preocupação que o
filme de Jabor em relação à reafirmar o real ali contido, não é a questão desse filme. O
incômodo por si só já mostra que o filme atingiu seu objetivo. A relação entre esses dois
filmes é quase como a relação entre Vertov e Eisenstein, trabalhada no inicio do texto
de Amengual e comparada à relação que existe entre a pintura e a caricatura. Mas
ambos acabam tendo seu valor e atingindo seus objetivos, mesmo que por diferentes
caminhos.
Bibliografia
Deleuze, Gilles. Cinema Político. In: A imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985. Pag.257-266
18
Idem
19
Amengual, Barthélemy. Cinema e Sociedade. In: Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1973. Pag.160
8
Deleuze, Gilles. A crise da imagem-ação. In: A imagem-movimento. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1985. Pag.242-264
Franco, Jean. Notas sobre o filme O som ao redor. In: Revista ECO Pós Volume 15,
Número 3. Rio de Janeiro. Acesso em 15/07/2013. Disponível em:
http://www.pos.eco.ufrj.br/ojs-2.2.2/index.php?
journal=revista&page=article&op=view&path%5B%5D=591&path%5B%5D=516