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Análise ao filme “Cinema Paradiso”

Pedro Miguel da Conceição Faísca

Resumo

As salas de cinema estão a perder a batalha contra as novas plataformas que proporcionam uma larga lista
de filmes sem ter que sair de casa. O filme “Cinema Paraíso” aborda as salas de cinema, em Itália, numa
altura pós-segunda guerra mundial. O ambiente criado transporta-nos para uma época onde o cinema era
visto de uma forma diferente. Um período onde era dado mais valor às coisas. E o filme representa como
tudo na vida acaba por desaparecer, perdendo a sua essência, e apenas sobram as memórias. Como tal, acho
que daria uma boa base de investigação correspondente ao tema proposto.

O objetivo passa por utilizar a mensagem do personagem principal, Salvatore Di Vita, como base de análise
do crescimento do homem e das suas gerações. Os momentos passados na sala de cinema que eram
apresentados com enorme paixão e entusiasmo e hoje perderam todo o valor. Para além disso fazer recordar
a estima que existia pelo cinema, tal como as memórias daquela época. E conciliar isso tudo com os
processos de significação do cinema, ou seja, como o filme adquire significado e o transmite para o
espectador.

Palavras-chave: Cinema Paraíso; Memória; Psicanálise;


Introdução

O filme “Cinema Paraíso”, realizado em 1989, está inserido nas décadas 80-90, uma
época apresentada como sendo uma fase de declínio para o cinema italiano. Este
praticamente desapareceu, restringindo a sua lista a filmes de arte. Por um lado, não
conseguia atingir o mercado doméstico dominado por Hollywood que conseguia encher
o gosto dos olhos do público. Por outro lado, aconteceu o “boom” da televisão que acabou
por provocar algumas consequências, e a indústria cinematográfica foi uma das mais
atingidas, principalmente a italiana. O realizador decidiu pegar nesse ponto, visível no
filme, onde o cinema Paraíso é destruído, mas também fazendo parte da sua vida real.
Aliás, Giuseppe Tornatore presenciou isso mesmo. Reza a história que ele foi convidado
a ir ajudar a limpar um velho teatro que tinha sido vendido, e o ambiente envolvido
influenciou-o a criar uma narrativa, ou pelo menos uma base. O resto foi criado através
de vários relatos de projecionistas. A sua motivação era criar uma história que
demonstrasse como um local que trouxesse tanta alegria, como um “paraíso”, poderia
apresentar, mais tarde, uma atmosfera triste e escura. Não sabia ele que, anos mais tarde,
ainda viria a tornar-se mais triste e sem valor, caindo no esquecimento. E que o seu filme
seria uma prova memorial de como tudo foi. Ou talvez soubesse, e foi o inicio de um
presságio.

O cinema era a paixão das duas personagens mais importantes: Totó, os olhos que nos
contam a história, e o Alfredo, o projecionista que nos educa a apaixonarmos por cinema
e a razão porque a história é contada. O filme aborda o crescimento da relação entre as
duas personagens. Totó vai aprender, por intermédio do Alfredo, não só o funcionamento
de uma cabine de projeção, mas também uma aprendizagem da vida, relações sociais e
afetos. Os dois momentos mais chocantes na história é o incêndio que enuncia o fim de
uma época, e o amor negado que muda por completo o rumo do Totó. O filme tem um
enorme poder educativo de diversas abordagens. O papel do universo cinematográfico
era enorme na vida da população que levava cada sessão como uma religião, uma ida à
missa. Retrata um período após a segunda guerra mundial, numa pequena comunidade
empobrecida, como tal, o cinema era um refúgio, uma forma de fugir à pobreza e à
indignidade. Para além das recordações de como uma sala de cinema era um local de
convívio, oferece também lembranças dos tempos de censura. Passados 70 anos as coisas
estão bem diferentes. A mensagem maior é que a vida dá várias voltas, e tudo tem um
fim, bem retratado com a morte do Alfredo em conjunto com o Cinema Paraíso, e que
depende de quem continua vivo de manter as memórias vivas.

A questão que pretendo defender está relacionada com a razão do significado de no final
ele ficar a recordar todos os frames que foram cortados. E por sequência questionar a
importância das memórias e como elas podem influenciar as pessoas individualmente e a
sociedade em geral.
Cinema Paraíso

Resumo do Filme

Salvatore – um importante realizador de cinema – recebe a notícia da morte do amigo


Alfredo e condu-lo a uma viagem ao passado ao recordar as suas memórias de infância e
juventude passadas numa aldeia siciliana, onde ele era conhecido por Totó. Os habitantes
da aldeia tinham por hábito frequentar o Cinema. Pelo meio existe o momento em que o
padre censura os beijos que aconteciam nos filmes. Nasce um grande fascínio e
curiosidade pelas imagens por parte do Totó e leva-o a aproximar-se do projecionista,
Alfredo.

A partir desta altura, a amizade e cumplicidade entre os dois desenvolve-se e Alfredo


acaba por ser responsável pela educação da sua sensibilidade artística sempre associada
por formas diversas ao cinema

Um dia sucede que parte da população não teve a oportunidade de entrar na sala de cinema
e Alfredo decide projetar o filme numa parede da praça principal da aldeia. A máquina
de projeção aqueceu a película e provocou um incêndio que destruiu o cinema. No
acidente, Alfredo é salvo das chamas pelo Totó, mas acaba por ficar cego.

Após a tragédia, a sala de cinema é reconstruída por um napolitano que havia enriquecido
com a lotaria. O padre local deixa de ter poder de censura. Os filmes passam a ser exibidos
com as desejadas cenas de beijo. O projecionista passa a ser o Salvatore, já então
adolescente. Totó conhece uma jovem de nome Elena.

Iniciam um relacionamento amoroso ao qual o pai da jovem se opõe de forma decidida.


Algum tempo mais tarde, Salvatore tem de ingressar no exército e Elena vai estudar para
fora da Sicília. A partir desse momento, os dois amantes são separados para sempre.

Quando regressa do serviço militar Salvatore, ainda magoado com a separação, vai ao
encontro de Alfredo. Este aconselha o jovem amigo a deixar aquela aldeia sem futuro e
obriga-o a prometer que jamais regressará. E assim aconteceu durante 30 anos, até ao dia
em que Salvatore é avisado da morte do seu velho amigo Alfredo.
Durante o funeral, Salvatore revê e reconhece uma série de figuras da sua aldeia. Passa
diante do antigo Cinema Paraíso que se encontra em abandono e está prestes a ser
demolida.

No final, Salvatore faz o visionamento da fita deixada por Alfredo, uma montagem das
cenas de beijos cortadas pela. O filme termina com o Salvatore a ver o legado que o velho
Alfredo lhe deixou e chora o amigo perdido e a beleza que lhe permitiu “saber ver”.

A memória introduzida no filme

O filme “cinema Paraíso” utiliza a memória, neste caso as lembranças da personagem


Salvatore, como suporte de toda narrativa. O espectador só percebe a razão da tristeza ao
receber a noticia do falecimento do Alfredo após ver o flashback que conta a história da
infância/juventude da personagem principal. Psicologicamente falando é conhecida por
memória a longo prazo e é associada a recordações que as pessoas têm desde a sua
infância. É usada quando temos a necessidade de reviver alguma história do nosso
passado. No caso do filme, é visível quando Salvatore relembra os momentos mais
marcantes quando era criança e jovem.

No final do filme, quando Salvatore vê montagem feita por Alfredo com os beijos,
acontece um momento nostálgico subtendido, que está relacionado com a memória.
Apesar de não existir imagens, é percetível que a personagem principal chora ao recordar
o seu mentor.

O outro tipo de memória que existe no filme não está propriamente associado à narrativa
da história, mas sim à época, neste caso anos 50. Ou seja, não é uma questão de
recordação, mas sim de detalhes que faziam parte de outro tempo que não hoje. Por
exemplo as salas de cinema que são retratadas, no filme, como um local de convívio onde
a comunidade juntava-se para beber, fumar, conversar, .... Uma miragem um pouco
diferente com os dias de hoje onde o cinema é mais moderno e feito para ser confortável
e silencioso. A censura por parte da religião é outra realidade referente àquele período e
que hoje já não existe. Como tal, é uma memória que transporta o espectador para um
ambiente pertencente a uma especifica data, diferente dos tempos mais modernos e atuais.
Por fim, o último tipo de memória que se pode encontrar no filme está relacionado com
a personalidade da personagem principal. O motivo que leva o Salvatore já em adulto a
ser uma pessoa insensível, que não consegue apaixonar-se e que não sente remorsos por
não voltar a casa deve-se aos traumas vividos na sua infância. São memórias que fazem
parte do seu inconsciente, e apesar de ele não ter acesso a elas acabam por intervir nos
seus comportamentos. Contudo para entender melhor essa doutrina é necessário
compreender o estudo da psicanálise.

Psicanálise de Freud

Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, defendia a influência do inconsciente


no comportamento das pessoas. A psicanálise promove a consciência de padrões de
emoções e comportamentos inconscientes e habitualmente recorrentes. Sendo assim,
ajuda as pessoas a entenderem-se através da exploração dos impulsos, que muitas vezes
não reconhecem porque estão escondidos no inconsciente.

A mente inconsciente inclui tudo o que esteja fora da nossa perceção consciente. Pode
incluir memórias de infância, desejos e impulsos ocultos.
Embora esses pensamentos, memórias e impulsos estejam fora da nossa consciência, eles
continuam a influencia o modo como pensamos, agimos e comportamo-nos. Em alguns
casos, o inconsciente pode influenciar o comportamento de formas negativas e resultar
no sofrimento psicológico.

No caso do filme “Cinema Paraíso” essa situação verifica-se no comportamento do


Salvatore. Embora esteja escondido no seu inconsciente, ele tem atitudes que são
percetíveis devido aos traumas e memórias da sua infância e adolescência. E o que para
ele parece natural porque faz parte da sua personalidade, na verdade são questões mal
resolvidas que estão ocultas na sua mente.

Existe também a hipótese de os filmes terem alguma influência no inconsciente. Os


filmes, ao longo da vida, vão tendo uma grande importância na vida das pessoas e muitas
vezes a sua mensagem penetra na mente delas, sem estas perceberem, influenciando os
seus pensamentos no futuro.
O problema que surge em relação à psicanálise é que esta é feita a partir do relato das
pessoas. Por essa razão os filmes ficam de fora da equação porque estes não falam. No
entanto, Metz defende que existe uma linguagem, que ele chama de semiótica do cinema,
e que através da teoria da psicanálise de Freud é possível ler um filme.

Semiótica de Metz

Metz, com o intuito de combater a ideia de que a psicanálise precisa da fala do paciente,
defendeu o estudo do cinema como sendo uma ciência e o seu objetivo era descrever os
processos da significação do cinema e criar uma linguagem verbal sobre os filmes. Como
tal, ele refletiu dois ensaios: o primeiro que consistiu no estabelecimento dos fundamentos
de uma ciência do cinema e o segundo sobre a análise dos problemas específicos
referentes a essa mesma ciência.

Ele tentou responder à pergunta, “de que maneira e até que ponto o cinema é como a
linguagem verbal”, e para o fazer recorre à semiótica cinematográfica. Ele propõe
construir um modelo abrangente capaz de explicar como um filme adquire significado ou
transmite para uma plateia. Este acaba por ser o ponto de partida da linguística.

Sendo assim a linguagem verbal no cinema é ressaltada na aparência, pois o significado


da parte fílmica não é algo oral. É necessário aplicar conceitos linguísticos, desde que
estes refiram aspetos da teoria da comunicação: código, mensagem, sistema, texto,
paradigma e estrutura.

O código é a relação lógica que permite que uma mensagem seja entendida. São as regras
que permitem as mensagens de um filme. Têm uma existência real, mas não física. São o
oposto dos materiais de expressão, ou seja, formas lógicas imprimidas nesse material para
gerar mensagens ou significados.

Junto às noções de código e mensagem estão a de sistema e texto. Sendo este último o
lugar onde as incontáveis mensagens se encontram, e organiza-as em dois eixos: o
sintagmático e paradigmático. O cinema deve ser visto como a soma de todos os códigos,
em conjunto com os seus subcódigos, que podem produzir o significado. Este último é
formado por três níveis: o realismo da imagem, papel modelador da narrativa e
conotações superiores de um filme.

A semiótica de Metz começa como uma tentativa de tratar o cinema cientificamente e


adota depois uma visão total do mundo e uma ética. A análise de sistemas de significação
precisa invocar os sistemas sociais e psicológicos dentro dos quais funcionam os signos.

Planos semióticos do filme

Com a intenção de dar seguimento à teoria defendida por Metz, foi feita uma análise com
o objetivo de encontrar planos semióticos dentro do filme “Cinema Paraíso”.

No momento em que o padre assiste a um filme e o censura utilizando o toque de um sino


para o projecionista saber que parte cortar, depois de várias repetições acontecer um corte
para um grande sino no alto da igreja ecoando por toda a cidade. Esta montagem
simboliza o enorme controlo e poder da igreja sobre a comunidade. Para além disso
demonstra como pequenos gestos da censura podiam ter um enorme impacto no mundo.

Numa sessão de cinema, um filme de terror é exibido e na parte de uma cena violenta
todos fecham os olhos menos um homem. Ele fica a pensar que foi o único a ver até
reparar numa mulher que também viu. Existe uma intenção de passar a ideia do amor à
primeira vista e que há alguém para ti.

O fogo do incêndio da sala de cinema simboliza destruição e ao mesmo tempo


renascimento. O fogo que destruiu o cinema e cegou o Alfredo é o mesmo fogo que dará
origem a um cinema mais liberal e a uma chance de o Totó ficar mais perto do mundo
cinematográfico.

Quando o Salvatore volta do serviço militar e vai falar com Alfredo sobre o amor perdido,
este último diz que aquele lugar está “amaldiçoado”, a câmera foca na praia desértica com
metais encalhados. É uma referência direta ao facto de que, na visão de Alfredo, aquele
lugar não pode fornecer mais nada a Totó, ou seja, apenas coisas antigas que não tem
utilidade. Aparece uma cruz que indica que algo morreu, Totó perdeu-se e deixou de ser
o mesmo.
A cena final com a personagem principal a assistir a montagem feita pelo Alfredo, as
lágrimas são reveladoras de que o tempo não volta atrás. A personagem percebe que
perdeu o seu tempo e que as coisas podiam ter sido diferentes. A montagem é a mensagem
de que ele deve ser fiel a si mesmo. Lembrar as suas origens é o requisito essencial na
busca pela felicidade.

A construção das personagens também pode ter o intuito de transportar uma mensagem.
Grande parte das vezes o objetivo é representar uma minoria dentro da sociedade, como
no caso do Alfredo que é retratado como o génio obscuro. É um arquétipo de todos que
têm sua voz calada pelas circunstâncias. O homem simples e sem instruções, mas que tem
uma alma de cineasta. Ressalta a dolorosa verdade de que muitas pessoas não têm a menor
possibilidade de expressarem o que são e o que sentem. São completamente esmagadas
pela vida e pelas circunstâncias, e só lhes resta sobreviver e, de vez em quando, sonhar.
Considerações Finais

O objetivo do trabalho era executar uma análise semiótica de um filme que tivesse
como tema a memória. A partir de tal proposta, a pesquisa por informação permitiu
concluir que o filme escolhido não só representa de forma eficaz a memória como
inclui particularidades referentes à psicanálise. Principalmente o facto de que o que é
vivido em criança vai, inconscientemente, influenciar a personalidade em adulto, com
uma especial atenção para traumas. O que acontece com a personagem principal,
Salvatore.

Para além disso o filme é um modelo perfeito do ambiente na Itália depois da segunda
guerra mundial. Não só em relação à vida da comunidade da aldeia, mas também as
salas de cinema da época. Acredito que este filme seja um recordar tempos que já
passaram para muitas pessoas, e que venha a ser uma enorme referência daqui a
várias décadas quando o mundo for completamente diferente e dependente da
tecnologia.
Bibliografia

Metz, Christian (1971). Linguagem e cinema. Editora Perspectiva;

Metz, Christian (1980). O significante imaginário. Livros Horizonte;

Haar, Michel (2008). Introdução à Psicanálise – Freud. Edições 70;

Oliveira, Bruno (2010). (Nuovo) Cinema Paradiso. Acedido em:


https://medium.com/reflexões/resenha-03-nuovo-cinema-paradiso-d3d1a8875123

Simon, Alex (2014). Giuseppe Tornatore Remembers as Cinema Paradiso Turns 25.
Huffpost. Acedido em: https://www.huffpost.com/entry/giuseppe-tornatore-
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