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A RECEPÇÃO CRÍTICA DE LES QUATRES CENTS COUPS EM 1959

Bárbara M. Monteiro Albuquerque

Introdução
Concebendo o cinema como um espaço de autoria e pessoalidade, o cineasta
francês François Roland Truffaut (1932-1984), marcou o cenário das criações
cinematográficas renovando as perspectivas do ato de fazer cinema ao propor uma
produção de cunho autoral em um mercado marcado pelas delimitações artísticas das
grandes produtoras. Precursor da Nouvelle Vague1, movimento que ressignificou
permamentemente a história do cinema, Truffaut abordou durante seus quase vinte
cinco anos de carreira temas como: a paixão, as mulheres e a infância. Produziu e
dirigiu obras aclamadas tanto pelo público quanto pela crítica como Jules et Jim (1962),
Fahrenheit 451 (1966), Baisers volés (1968) e La nuit américaine (1973), porém,
nenhum outro filme do diretor obteve tanto sucesso quanto Les quatre cents coups
(traduzido para o português como Os Incompreendidos) , sua obra de estréia no Festival
de Cannes.
Lançado em 1959 Les quatre cents coups é o primeiro longa-metrage do diretor
e uma espécie de auto-retrato da infância conturbada do artista; com imagens inicias da
Paris da década de 50, o filme se desenrola ao narrar a infância-adolescência de Antoine
Doinel (interpretado por Jean-Pierre Léaud) no seio de uma família problemática. Filho
de mãe solteira, o jovem garoto não conheceu o pai biológico e fora adotado como filho
pelo padrasto que lhe dera o sobrenome. Crescendo sem a afeição e o amor da mãe,
Antoine se rebela contra tudo e contra todos: não suporta a tirania desmedida do
professor, as traições da mãe em relação ao padrasto, as mazelas da pobreza; o garoto
vai vivendo e sobrevivendo assim, de pequenos delitos e rebeldia, resistindo a uma
existência marcada pela falta:
Antoine Doinel, ao interrogar constantemente os seus limites em Les quatre
cents coups, representa um personagem recorrente da modernidade, em um
filme que procura captar uma Paris na qual a Torre Eiffel, estruturada sobre
os sonhos de progresso da modernidade, figura como fundo em torno do qual
se levanta a cidade, como que acordada do sonho de progresso da
modernidade. (BREUNIG e VIDAL, 2009, p. 6)

Sendo o primeiro de uma série de cinco filmes que irão acompanhar a vida do
personagem, o longa termina com a cena icônica de Antoine correndo na beira da praia
1
Movimento cinematográfico francês iniciado no final da década de 50 que buscava contestar as formas
vigentes de produção de filmes pela grande indústria cinematográfica.
depois da fulga do reformatório no qual foi colocado pelos próprios pais. Doinel, alte-
ego de Truffaut (SOARES, 2008, p.7), escapa mais uma vez (fulga antes através da
imaginação proporcionada pela literatura e o cinema e agora uma fuga mais factual) das
imposições de uma sociedade de adultos que não sabe lidar com a infância e seus
anceios.
Para a presente pesquisa, foram selecionadas três críticas cinematográficas em
fontes primárias2 sobre o filme no seu mês e ano de estreia 3. Os critérios para a seleção
das análises foram a data de publicação (todos publicados em junho de 1959) e suas
vinculações à importantes meios especializados em cinema na frança da época (o caso
das duas primeiras análises) ou à periódicos da grande imprensa (o caso da útima
crítica).

Les quatre cents coups e a “infância sem maquiagem”


A França, sendo o berço do cinema (lembremos que em 1895 os irmão Lumière
exibem pela primeira vez o curta-metragem “La Sortie de l’unsine Lumière à Lyon” no
Grand Café Paris), sempre possuiu uma tradição crítica cinematográfica bastante intensa
e frutífera, contribuindo para o aparecimento, tanto no cenário acadêmico quanto no
cenário cutural-artístico, de importantes nomes de críticos e revistas especializadas em
cinema à exemplo da revista Cahier du Cinema criada em 1951 por André Bazin,
renomado e influente teórico do cinema francês, ao lado de Jacques Doniol-Valcroze e
Lo Duca. Revue 1895 (1985-2020), Ciné-Club (1947-1954), Cinémonde (1928-1967),
Premier Plan (1959- 2017) e Cinéma (1954-1999) configuram alguns dos nomes mais
célebres entre os periódicos especializados em cinema no território francês, tendo este
último somado um dos maiores quantitativos de publicação. Lançado mensalmente e
sendo nomeado conforme o ano da edição, Cinéma publicou em junho de 1959 a
calorosa análise crítica do então recém-lançado filme Les quatres cents coups no
Festival de Cannes.

Figura 1- Capa da revista Cinéma 59 n°37 ano 1959

2
As críticas selecionadas foram encontradas em dois dossiers sobre o filme lançados respectivamente em
1996 e 2001
3
O filme foi lançado em maio de 1959 no festival de Cannes mas só chegaria as salas de cinémas na
França em junho do mesmo ano.
Fonte: Calindex4

Tecendo uma das mais longas análises da obra de Truffaut, Michel Flacon 5,
crítico de cinema da revista Cinéma descreveu com entusiasmo em Analyse de l’oeuvre6
(capítulo da revista de sua autoria) a impressão positiva que teve do protagonista de 13
anos e suas singularidades:
O que realmente impressiona nesta crônica de um garoto de 13 anos, privado
do afeto familiar, é que a inclinação fatal para as fugas, para as pequenas
piadas e depois para os voos perigosos e tão ingénuos ainda, é uma
sinceridade profunda, melhor, um fervor, que quase certamente leva à
originalidade. Este manifesta-se numa recusa muito nítida das convenções e
dos clichés, que fazem da criança cinematográfica uma pequena besta […]
(FLACON, 1959)7

Para ele o diretor conseguiu utilizar-se do ato de rememorar para construir um


personagem lírico que ativa no espectador recordações da passagem entre a infância e a
juventude através da intensidade proposital de Truffaut em narrar as cenas de solidão e
confissão do garoto símbolo de rebeldia e niilismo do pós-segunda guerra mundial:
Truffaut debruçou-se com muita ternura - e com a emoção da recordação -
sobre esta terra de ninguém tão desconhecida, entre a juventude e a
adolescência, sobre esta idade em que ainda temos reflexos de criança e uma
linguagem de homem mais séria do que os homens, sobre este caso não tão
raro de uma criança que não é um mártir, mas que uma incompreensão mais
feroz do que golpes reduz à solidão; e é isso que traduz e apanha, com uma

4
Disponível em: http://indexpositif.free.fr/sommaire.php?revue=CIN&numero=37. Acesso em: 10 jun.
2021.
5
Para a presente pesquisa, não se encontrou o ano de nascimento e possível morte do crítico.
6
Análise consultada no dossier : Cinéma Le France. Dossier Les quatre cents coups de François Truffaut
Paris, n. 104, p. 1-3. Disponível em:
https://www.reseau-canope.fr/atelier-val-d-oise/cinema/IMG/pdf/400coups.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.
7
Esta como todas as traduções do artigo são de autoria própria “Ce qui frappe en effet dans cette
chronique d’un garçon de 13 ans, sevré d’affection familiale, que la pente fatale des fugues, des petites
blagues, puis des vols dangereux et si naïfs encore, fera échouer en maison de redressement, c’est une
sincérité profonde, mieux, une ferveur, qui entraînent presque sûrement l’originalité. Celle-ci se manifeste
par un refus très net des conventions et des clichés, qui font de l’enfant cinématographique une petite bête
[…]”
intensidade raramente alcançada, depois de certos toques espalhados, a cena
perturbadora da confissão. (FLACON, 1959)8

E torna-se pertinente salientar como Flacon destaca o esforço do cineasta em se


esquivar a todo custo do tradicionalismo piscológico “com efeitos melodramáticos” para
inovar com a figura de um “sujo” garoto à margem que cria identificação no espectador;
essa identificação será defendida até o final da análise do crítico:
Mas colocar assim, a propósito de um caso particular, certos problemas de
ordem moral ou social (carência dos pais, dureza do centro de reeducação)
não levou Truffaut à tentação do requisitório, com efeitos melodramáticos e
tese falante, onde se sacrificam ao estrondo alguns anjos às figuras sujas, para
que os seus primos nunca mais vejam isto. Preferiu (ajudado por diálogos
extremamente diretos de Marcel Moussy) deixar viver diante dele Antoine
Doinel, aluno um pouco ladrão, um pouco mentiroso, «como toda a gente»,
que declara insensivelmente desculpas falsas, brincadeiras inofensivas,
roubos para rir (o despertar), fugas em um dia e no outro o internato.
(FLACON, 1959)9

Michel Flacon conclui sua análise salientando a identidade poética do filme e


reafirmando a primazia pela qual François Truffaut conseguiu criar uma obra com
poucos artifícios visuais e rasos aparatos externos servindo-se de um conjunto de cenas
icônicas, todas bem pensadas, para apresentar na tela como diz o crítico: “a infância sem
maquiagem” (1959)
A poesia é a mais sedutora das qualidades múltiplas que, da sinceridade
primeira, brotam em ramalhete: a justeza do gesto (Antoine bebendo o seu
leite); a arte de conduzir uma cena e de significar muito a partir de pouco (a
recitação na escola, a cozedura dos ovos) ; o sentido da ambiguidade (o
pavoroso prazer do fantoche e do rotor), dos detalhes verdadeiros e barrocos
(a limpeza na fonte, a gaiola onde se protegem as meninas dos maus rapazes);
a recusa de insistir, com efeitos externos, em cenas cuja dureza aparece com
mais relevo na seca narração (a polícia, a chegada ao centro) […] Tudo isto é
servido por uma técnica muito variada, tanto que não se nota, o que constitui-
se a verdadeira elegância […] Esta ausência de artifício é ainda agravada pela
interpretação de Jean-Pierre Léaud, supremo triunfo de um filme do qual se
tem a impressão de ter descoberto finalmente, na tela, a infância sem
maquiagem. (FLACON, 1959) 10

8
“Truffaut, lui, s’est penché avec beaucoup de tendresse - et avec l’émotion du souvenir - sur ce no man’s
land si méconnu, entre la prime jeunesse et l’adolescence, sur cet âge où l’on a encore de charmants
réflexes de gosse et un langage d’homme plus sérieux que les hommes, sur ce cas pas tellement rare d’un
enfant qui n’est pas un martyr, mais qu’une incompréhension plus féroce peut-être que des coups réduit à
la solitude ; et c’est ce que traduit et ramasse, avec une intensité rarement atteinte, après de nombreuses
touches éparpillées, la scène bouleversante de la confession.”
9
“Mais poser ainsi, à propos d’un cas particulier, certains problèmes d’ordre moral ou social (carence des
parents, dureté du centre de rééducation) n’a pas entraîné Truffaut à la tentation du réquisitoire, avec
effets mélodramatiques et thèse bavarde, où l’on sacrifie à grand fracas quelques anges aux figures sales,
pour que leurs petits cousins ne voient plus jamais cela. Il a préféré (aidé par des dialogues extrêmement
directs de Marcel Moussy) laisser vivre devant lui Antoine Doinel, écolier un peu chapardeur, un peu
menteur, «comme tout le monde», qui passe insensiblement des excuses fausses, des farces anodines, des
vols pour rire (le réveil), des fugues d’un jour, à un coup, plus sérieux, et à l’internement.”
“Uma descoberta acaba de ser feita”11
Em 2001 o CNC – Centre national du cinéma et de l’image animée lança na
França o dossier Collège au Cinéma de número 119 em homenagem a Truffaut et Les
quatre cent coups. Reunindo informações, entrevistas e cenas emblemáticas do filme, o
dossier apresenta também duas críticas lançadas no ano de estreia do filme: uma
positiva e que será tratada agora neste artigo (a de Doniol-Valcroze) e outra em tom
mais negativo escrita por Claude Casa para o jornal Juvénal em junho de 1959 e que
será trabalhada mais a frente.
O conhecido ator, crítico, roteirista e diretor francês Jacques Doniol-Valcroze
(1920-1989) representa um dos nomes mais emblemáticos na história da crítica de
cinéma ao acumular em seu currículo participações no corpo de júris em diversos
festivais de cinéma, como em 1955 no 16º Festival Internacional de Cinema de Veneza;
destacou-se também como co-fundador da revista Cahier du Cinéma compartilhando
com André Bazin a defesa da renovação do fazer cinema.
Em julho de 1959, como autor principal da revista, Doniol-Valcroze redigiu a
primeira crítica à Les quatre cents coups da revista. Vale ressaltar a proximidade de
Truffaut com o crítico já que em 1954 Truffaut utilizaria o apartamento de Doniel-
Valcroze para filmar seu primeiro curta metragem Une visite. Essa proximidade também
revelada na passagem de Truffaut como redator na revista (SOARES, 2008, p.7) não
descaracteriza a análise proposta pelo crítico, antes, reintera o seu posicionamento
favorável às novas ondas de cineastas que borbulhavam na França do final da década de
50 e suas autorias no cinema.

Figura 2- Capa da revista Cahiers du Cinéma n° 96 ano 1959

10
“La poésie n’est que la plus séduisante des qualités multiples qui, de la sincérité première, rejaillissent
en gerbe : la justesse du geste (Antoine buvant son lait) ; l’art de conduire une scène et de signifier
beaucoup à partir de peu (la récitation à l’école, la cuisson des œufs) ; le sens de l’ambiguïté (plaisir
terrifié du guignol et du rotor), des détails vrais et baroques (le débarbouillage dans la fontaine, la cage où
l’on protège les petites filles des méchants garnements) ; le refus d’insister, par des effets extérieurs, sur
des scènes dont la dureté apparaît avec plus de relief à la sèche narration (le commissariat, l’arrivée au
centre). […]“Tout cela est servi par une technique très variée, d’autant plus éblouissante qu’elle ne se
remarque pas, ce qui est la vraie élégance […] Cette absence d’artifice est encore accrue par
l’interprétation de Jean-Pierre Léaud, suprême atout d’un film après lequel on a l’impression d’avoir
découvert enfin, sur un écran, l’enfance sans maquillage.”
11
“Une découverte vient d’être faite”
Fonte: Cahiers du cinéma12

Com o título “Uma descoberta acaba de ser feita” o crítico se insenta de fazer
uma análise mais técnica do filme preocupando-se especialmente em desenvolver suas
impressões sobre a narrativa:
Os grandes momentos de Les quatre cents coups são silenciosos como as
grandes dores: como uma inesquecível viagem noturna em um carro de
polícia... É a memorável sequência final... Apesar desta sobriedade, desta
quase -seca, a nossa garganta se enche; poucos finais de filme foram tão
comoventes assim. Porquê? O segredo dos últimos planos é indizível.
Compreendemos o seu mecanismo sem o perfurar. Há primeiramente a
distância: Antoine corre sendo seguido interminavelmente pela câmera em
um único plano; naturalmente ele vai esmorecendo, cansando, começa a
retardar sua caminhada. (DONIOL-VALCROZE, 1959 apud MAGNY;
CAZAUX, 2001, p.23)13

A evocação no título de algo que foi descoberto parece ser proposital na escrita
de Doniol-Valcroze posto que, essa tal “descoberta” induz o leitor a compreender o
jovem diretor francês como um espécie de prodígio sobretudo tendo seu primeiro longa-
metrage sido premiado em Cannes; entretanto essa descoberta também parece provir do
personagem Antoine que, como revela o crítico, descobre ao final do filme uma nova
possibilidade de futuro frente ao mar:
É também porque ele corre em direção ao mar, símbolo para ele do
desconhecido e do futuro; em seu rosto finalmente virado para nós, pode ler-
se num segundo que uma etapa foi ultrapassada, e ao fim da noite termina
uma viagem; sejam quais forem as consequências e os temores seguintes,

12
Disponível em: https://www.cahiersducinema.com/produit/n96-juin-1959/. Acesso em: 10 jun. 2021
13
Les grands moments des Quatre cents coups sont muets comme les grandes douleurs : c’est
l’inoubliable trajet nocturne dans le fourgon cellulaire… ; c’est la non moins inoubliable séquence
finale... En dépit de cette sobriété, presque de cette sécheresse, notre gorge se noue, peu de fins de film
ont été aussi émouvantes. Pourquoi ? Le secret de ces derniers plans est indicible. On en comprend le
mécanisme sans le percer. Il y a d’abord la longueur : Antoine court interminablement suivi en travelling
en un seul plan ; c’est naturellement qu’il s’essouffle, se fatigue, commence à ralentir sa foulée.
uma descoberta acaba de ser feita e carrega em germe a generosidade e a
beleza moral. (DONIOL-VALCROZE, 1959 apud MAGNY; CAZAUX,
2001, p.23) 14

Jacques Doniol-Valcroze não se prolonga em suas considerações construindo


assim uma análise sucinta e não menos interessante sobre a sensibilidade do filme ao
assemelhar para o leitor, logo no inicio de seu texto, as principais cenas da película com
o silêncio; o silêncio, esse que demarca e delimita a memória das grandes dores, as mais
inesquecíveis.

“Les quatre cents coups... um tiro no escuro”15

Outra importante análise crítica da obra de Truffaut que surge logo após a estréia
do filme em Cannes, é a de Claude Casa 16 que inicia sua análise cinematográfica já
antecipando o descontentamento frente a repercussão do filme no festival de Cannes:
E vamos imediatamente dizer que se realmente les Quatre cents coups foi o
evento principal dos dias de Cannes - como se esforçam para admitir certos
meios especializados - é porque o crítico de cinema François Truffaut tinha
razão em estigmatizar a indigência artística e intelectual deste Festival.
(CASA, 1959 apud MAGNY; CAZAUX, 2001, p.23) 17

Para o crítico, o filme vencedor do prêmio de melhor diretor não “rompe com
nada”, usando talvez de forma irônica a expressão para aludir aos defensores do filme
que sustentavam a ideia de renovação do cinema francês com a obra:
Desta vez a “montanha deu à luz um rato” e o espectador médio não deixará
de se aperceber disso, a quem voltaram as orelhas com este filme estrondoso
que não rompe com nada... Não é que o filme de François Truffaut seja
absolutamente indigno de interesse. De um bom alcance moral, será visto em
família com proveito e servirá de argumento contra “ o gazetar aula” e a falta
de imaginação do aluno perante a sua cópia[…](CASA, 1959 apud
MAGNY; CAZAUX, 2001, p.23)18
14
C’est aussi qu’il court vers la mer, symbole pour lui de l’inconnu et de l’avenir ; sur son visage vers
nous finalement retourné, on peut lire en une seconde qu’une étape est franchie, qu’un voyage au bout de
la nuit se termine, que quelles que soient la suite et les angoisses de la suite, une découverte vient d’être
faite et qui porte en germe la générosité et la beauté morale.
15
“Les quatre cents coups... d’épée dans l’eau”
16
Até o presente momento não foram encontradas inofrmações suficientes sobre o crítico como ano de
nascimento e possível falecimento.
17
Et disons tout de suite que si vraiment les Quatre cents coups a été l’événement majeur des journées de
Cannes – comme s’efforcent de le faire admettre certains milieux spécialisés – c’est que le critique de
cinéma François Truffaut avait bien raison de stigmatiser l’indigence artistique et intellectuelle de ce
Festival.
18
Cette fois-ci la montagne a accouché d’une souris et le spectateur moyen ne va pas manquer de s’en
apercevoir, à qui l’on a rebattu les oreilles de ce film fracassant qui ne casse rien…non d’ailleurs que le
film de François Truffaut soit absolument indigne d’intérêt. D’une bonne portée morale, il sera vu en
famille avec profit et servira d’argument contre l’école buissonnière et le manque d’imagination de
l’écolier devant sa copie[…]
Outro ponto relevante a se notar na análise de Casa é a persistência em destacar
a falta de originalidade do dirertor e indagações sobre algumas escolhas técnicas por
parte de Truffaut como a “insistência sobre certas cenas”. O crítico questiona e dar a
entender que a escolha do prolongamento de cenas seria uma tentativa de “preencher” o
filme descaracterizando uma intenção artística do mesmo:
Mas a história pessoal que Truffaut conta tem os erros de um capítulo moral e
a fadiga de uma peça feita sem imaginação. Note-se, com pesar, a ausência
total de originalidade no tom, a insistência sobre certas cenas, insistência essa
que não se sabe ao que atribuir de fato. É para realçar notações essenciais
para os espectadores que demoram a compreender? É antes para fazer o
preenchimento? A indignidade dos pais, a imbecilidade dos professores, o
horror do tratamento da polícia (com close-ups grandes sobre os rostos das
crianças), a desumanidade do centro de recuperação... Esta argumentação é
muito pesada e o seu desenvolvimento é tão convencional que não nos
convence da habilidade do seu realizador. (CASA, 1959 apud MAGNY;
CAZAUX, 2001, p.23)19

Argumentando ao fim a falta de imaginação com que Truffaut abordou temas


densos e complexos como o desprezo dos pais com Antoine, a tirania dos professores, o
terrível tratamento da policia e a “desumanidade do centro de recuperação”, o crítico
conclue sua análise ironizando, outra vez, a convencionalidade do filme que, em suas
próprias palavras, “não convence da habilidade do seu realizador”.

Considerações finais
Tendo em vista a longa tradição em fazer e pensar cinema, a França foi e ainda é
na atualidade um dos mais importantes centros de estudos e consumo de arte
cinematográfica no mundo; destacando-se também nas publicações de periódicos que
aportam análises críticas sobre cinema, o país constitui-se um fecundo campo de
pesquisa sobre os estudos de recepção de obras. À partir desse contexto, buscou-se nesta
pesquisa levantar e analisar algumas críticas sobre o premiado filme Les quatre cents
coups no seu ano de estreia. Uma vez que as três críticas aqui trabalhadas foram
elaboradas todas em junho de 1959, conclui-se que o filme provocou sentimentos

19
Mais l’histoire personnelle que conte Truffaut a les maladresses d’un chapitre de morale et la fadeur
d’un morceau réalisé sans imagination. On notera avec regret l’absence complète d’originalité dans le ton,
l’insistance réitérée à accuser certaines scènes, insistance qu’on ne sait à quoi attribuer au juste. Est-ce
pour souligner des notations essentielles à l’intention des spectateurs longs à comprendre? Est-ce plutôt
pour faire du remplissage ? L’indignité des parents, l’imbécillité des maîtres d’école, l’horreur des
traitements de police (avec gros plans de barreaux sur visage d’enfant), l’inhumanité du centre de
redressement... Ce plaidoyer est bien lourd et son développement est si conventionnel qu’il travaille mal à
nous persuader de l’habileté de son metteur en scène.
diversos tantos em partidários do longa como em desafeiçoados pela produção. O
trabalho com a memória e a condução de boas cenas definem o apreço por parte dos que
teceram críticas positivas, e a falta de originalidade é o principal argumento de uma
análise mais negativa. Transitando na época de estreia entre esses polos de opiniões , o
longa de Truffaut, assim como toda obra clássica (CALVINO, 1993), continua
levantando discursos críticos sobre si sem perder entretanto a habilidade de permanecer
através do tempo proporcionando novas revisitas.

REFERÊNCIAS

BREUNIG, T. H.; VIDAL, C. O que nos olha nos olhos: o olhar de Antoine. Anuário
de Literatura, [S. l.], v. 14, n. 1, p. 05-18, 2009. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2009v14n1p5.
Acesso em: 10 jun. 2021

CALVINO, Italo. (1993). Por que ler os clássicos? (5a ed.). São Paulo: Companhia das
Letras.

MAGNY, Joel; CAZAUX, Yvette. Dossier collège au cinéma: les quatre cents coups
de françois truffaut. Paris, n. 119, p. 23. Disponível em:
https://julianwhiting.files.wordpress.com/2014/02/les-400-coups-de-franc3a7ois
truffaut-in-french-cnc.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021.

FLACON, Michel. Analyse de l’oeuvre. In: Cinéma Le France. Dossier Les quatre
cents coups de François Truffaut. Paris, n. 104, p. 1-3. Disponível em:
https://www.reseau-canope.fr/atelier-val-d-oise/cinema/IMG/pdf/400coups.pdf. Acesso
em: 10 jun. 2021.

SOARES, Alexandre Martins. Cinema e memória. As aventuras de Antoine Doinel. e-


Com, Belo Horizonte, v.2, n.2, nov. 2008.

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