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Tevê

O Bem Amado será microssérie da Globo

Paulo Gracindo (1911-1995) fez história na televisão brasileira como o prefeito Odorico
Paraguaçu, que oportunamente se elege conclamando a construção de um cemitério
municipal em Sucupira, mas sofre para inaugurar com pompa sua obra (superfaturada), uma
vez que ninguém mais morre naquela cidade. Autor da peça que originaria as versões
posteriores, Dias Gomes (1922-1999) assinou a primeira adaptação para a tevê nos anos 70, a
novela O Bem Amado. Com o mesmo elenco, a história novamente faria sucesso na década
seguinte como minissérie, por quatro anos no ar, entre 1980 e 84.

Pois O Bem Amado logo voltará à televisão, desta vez dirigido por Guel Arraes, em uma
microssérie em quatro capítulos ainda sem data para estrear. O projeto para a tela pequena é
inseparável da produção para o cinema: as filmagens foram as mesmas. Enquanto gravava o
longa-metragem, o diretor já garantia as tomadas extras que seriam editadas no formato da
programação noturna da Rede Globo. Estratégia igual de aproveitamento de tempo, equipe e
material teria sido seguida pela produção de Chico Xavier para migrar diretamente do cinema
para a tevê. (LR)

Festival

Recife

Odorico Paraguaçu vive

O Bem Amado, filme de Guel Arraes, abriu o 14o Cine PE. Na adaptação da peça de Dias
Gomes para o cinema, Marco Nanini interpreta o personagem que foi de Paulo Gracindo na
tevê

Recife

Luciana Romagnolli*

Na versão para o cinema de O Bem Amado, é Marco Nanini quem profere o discurso empolado
que o prefeito Odorico Paraguaçu usa para camuflar suas picaretagens na administração da
cidade de Sucupira. Sem roubar o ar provinciano ao cenário da peça escrita por Dias Gomes
em 1962, Guel Arraes quis fazer um filme atual, e entendeu que para isso seria necessário
abaixar o tom de coronelismo em favor de uma politicagem mais contemporânea, embora
igualmente corrupta, adepta de promessas de campanha oportunistas, obras superfaturadas e
demais relações corrompidas.

O longa-metragem foi exibido pela primeira vez em público na abertura do 14º Cine PE Festival
do Audiovisual, nesta segunda-feira (26), com preocupação redobrada para que ninguém na
plateia de quase três mil lugares registrasse imagens que pudessem gerar cópias falsificadas.
Aos cinemas, o filme só deve chegar no dia 23 de julho. E não deve demorar muito para
retornar à tevê, onde marcou época em duas ocasiões tendo Paulo Gracindo como
protagonista (leia mais ao lado).

As irmãs Cajazeiro são interpretadas agora por um trio mais jovem, de furor sexual crescente,
que cabe a Odorico apaziguar: Zezé Polessa, Andréa Beltrão e Drica Moraes. Dentro da sátira à
elite brasileira, que é como Arraes enxerga a obra, as três cumprem a missão de alfinetar as
socialites que existem por aí. Matheus Nachtergaele vive Dirceu Borboleta, o assexuado
assistente do prefeito. E José Wilker faz um Zeca Diabo menos capiau do que o de Lima Duarte
e mais identificado ao sobrenome que adotou. Todos encarnam tipos caricatos, de um humor
histriônico no lugar do realismo popularizado nas versões televisivas. O texto de tiradas
inteligentes sobrevive, mas exige fôlego para não sucumbir na pressa do estilo Guel Arraes de
dirigir.

Na coletiva de imprensa realizada ontem, o elenco e o diretor negaram qualquer inspiração no


passado. Tanto Marco Nanini quanto Miguel Arraes disseram inclusive não ter assistido à
novela nem à minissérie anteriores. O trabalho dos dois em cima do texto seguiu outra rota.
Partiu de uma montagem de O Bem Amado para o teatro, que Nanini protagonizou em 2007,
com a participação das Companhia dos Atores e direção de Enrique Diaz.

“Fiquei com esse personagem pairando na minha cabeça e resolvi tirar esse fantasm", conta
Nanini. "Comprei os direitos da peça e o Guel me ajudou na montagem. A gente foi
descobrindo ali na prática diária o que seria.” O ator diz que teve dificuldade de início para
compor o personagem. “Cheguei no ensaio geral sem saber exatamente que caminho seguir."
Foi pelo farsesco.

"A peça é uma farsa, procurei usar alguns tons adaptando para o cinema para não exagerar
muito. A máscara de político que vejo na tevê muitas vezes depois de escândalos é muito
dramática, com emoções que parecem verdadeiras.”

Filmando ao mesmo tempo para o cinema e a tevê, Guel Arraes repete recursos de linguagem
que mostrou anteriormente em produções como O Auto da Compadecida, imprimindo um
ritmo acelerado às ações – mal dá tempo para que uma cena aconteça antes da próxima se
impor, num desencadeamento afobado –; ou à fala ingênua da mocinha romântica, como se
ouve em maior medida em Lisbela e o Prisioneiro.

A de agora é Violeta, a filha do prefeito, papel de Maria Flor. Ela contracena com Caio Blat, em
um relacionamento ao qual não é dado tempo de maturação e de envolvimento maior. O
papel dele é o de um jornalista honesto, responsável por abrir uma fresta de esperança como
terceira via à podridão política da situação e da oposição. Guel Arraes se concedeu a exceção
de sair do roteiro que ele mesmo criou e improvisar um final otimista. "Uma tentativa de fazer
não correr mais água nesse moinho de que político é tudo igual", diz. GGG

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