Você está na página 1de 19

ENTREVISTA COM

JACQUES ALAIN-
MILLER
SABINE, 18 ANOS LUCIANA ROMAGNOLLI
Miller
“Então, diga-me o que a atormenta...”

Sabine
“O que me atormenta é que não consigo ter uma vida normal. Estou
deprimida o tempo todo. No teria razões válidas. Não sei por que me
deprimo. Escuto coisas. Vejo coisas.”

Miller
O que escuta e o que vê?

Sabine
“Escuto vozes que me dizem que me destrua, que me machuque (“haga
daño), e vejo gente que também me diz que me machuque”.
Miller pede algumas precisões: “insultos, censuras, ordens que me
obriguem a fazer certas coisas que, se não, não me animaria a fazer”

Miller pede alguns enunciados, ela diz não se recordar:


“Mas me lembro que às vezes “se” me pedia que pegasse a navalha ou
a faca para me machucar.
Pronome duplo: “se me”

Miller: “Pode precisar a natureza desse ‘se’”?


Sabine: “’Se’ é especialmente ela, uma voz feminina”.

Personagens de suas visões com olhos abertos, “presenças” que ainda


sente se fecha os olhos.
• “Uma voz feminina”
• “Sempre a mesma voz”
• “Está na minha cabeça”
• “Ressoa o tempo todo” • “Estavaem um restaurante e havia
• “É alguém imaginário, me parece” fotos de pessoas coladas na parede e
• “É muito autoritária” eu via que falavam comigo, que me
• “Hiper desvalorizante” diziam que iria suicidar-me em breve.
• Censuras que faz a si mesma desde os 14 anos e Que tarde ou cedo iria liberar o
passaram à voz há cerca de um ano e meio
• Associa início a episódio em que fumou maconha: caminho (“franquear el passo”) entre
“Tenho a impressão de que isso desdobrou meu a vida e a morte”.
espírito em muitas partes” e “tinha muitos
conflitos com os pais”.

01/03/20XX 4
VISÕES
Sonia Marie Jack
• A vozinha • Um fantasma feminino • Homem, cabelos escuros, vestido
de preto
• “Zomba de mim” (burlona) • Fuma uma cigarrilha
• Faz palhaçadas o tempo todo
• Pulôver vermelho e saia preta • Cor pálida e cabelo escuro
• “Quando estou um pouco triste o
• “É como se fosse uma parte de • “Me observa, é tudo”
vejo aparecer, depois trata de me
mim mesma que tivesse saído o
fazer rir”
meu corpo e que estivesse frente a
mim”
• “Se parece muito comigo, mas não
sou eu” + impressão de ouvir menina chorando
• “Me empurra a me autodestruir” (ela mesma pequena)
5
Sabine fala que obedeceu as ordens de autodestruição duas vezes e, quando aparece o
sangue, “é como se tivesse uma prova de que estou viva”, “me dá a impressão de existir”.

Ela sente necessidade de ver sangue e a voz de Sônia lhe dá coragem para o ato.

Tentativas de suicídio (“mais além dos cortes”): “Sobretudo à noite, quando estou só. Não
sei, isso cai sobre mim.” [...] “É estranho, de repente meu coração bate muito rápido. Não
posso respirar (asfixia). Só tenho uma ideia na cabeça. É uma vozinha em minha cabeça que
me diz que tome coisas para me machucar, rasgar-me a pele, ver sangue, coisas assim”.
Atos suicidas foram premeditados. “Era toda uma estratégia”, organizava o “cenário”.

“Me detestava [a mí]”.


“É como se tivesse sido um erro da natureza” [...] “tenho a impressão [...] de não ter sido
constituída como todo mundo”
Tentativas de suicídio (“mais além dos cortes”):

“Sobretudo à noite, quando estou só. Não sei, isso cai sobre mim.” [...] “É
estranho, de repente meu coração bate muito rápido. Não posso respirar
(asfixia). Só tenho uma ideia na cabeça. É uma vozinha em minha cabeça
que me diz que tome coisas para me machucar, rasgar-me a pele, ver
sangue, coisas assim”.
Atos suicidas foram premeditados. “Era toda uma estratégia”, organizava o
“cenário”.

“Me detestava [a mí]”.


“É como se tivesse sido um erro da natureza” [...] “tenho a impressão [...] de
não ter sido constituída como todo mundo”
Miller observa a precisão na escolha de palavras quando Sabine fala em
“ordens de autodestruição”, que retornam somente na voz feminina, sem
imagens.

Miller observa que o casting é muito “ordenado”.


Sabine: “no começo era bastante vago (‘flou’).

Miller pergunta se ela trabalhou para por em ordem.


Sabine: “Me concentrei nesses personagens. Tentei fazê-los mais vivos.” [Ele
pede que explique] “É como se tivesse tido entrevistas com eles, em que eles
se mostravam. À medida que se produziam sua aparições, cada vez aprendia
um pouco mais”
Internação: “Aqui é como se me pusessem barreiras ao que devo fazer e ao
que não devo fazer. Os medicamentos me põem uma barreira também. Me
impedem de transpor [franquear] certo limite” [...] “Me impedem de
atuar”. [...]“O hospital me enquadra bem. Tenho limites postos”.
[...] “Não me alivia, mas me apazigua”.
Miller: “É muito preciso o que diz. Não a alivia, mas a apazigua. Você tem o
sentido da palavra justa”.

Ela fala de bacharelado em literatura, interesse em filosofia niilista: “Eles


não creem em nada. Não creem na vida, mas também não creem na
morte”.
Miller: “Queriam, no entanto, interessar a seus contemporâneos, e
inclusive à posteridade”.
“Uma espécie de repulsa por mim mesma” [...] “Para
começar, meu corpo. [...] É como se fosse uma prisão onde
minha alma estaria trancada e torturada”. Almeja a perfeição
“física e mental”.

Miller: “Como vivenciou o aparecimento das suas regras?”


Sabine: “Normalmente”
Localiza origem da vontade de ver sangue na primeira
internação. “Precisava descarregar sobre alguém, e a pessoa
mais próxima de mim que eu conheço sou eu mesma”.
Infância “feliz”.
Pai um tanto desajeitado. “Não estava verdadeiramente presente”.
A mãe que não escutava. “Não nos encorajava suficientemente a
expressar-nos”. “Não nos valorizou bastante”. “Que éramos nulos”.
Irmã: muito autoritária, com tendência a “asfixiar-nos”. Gosta de
dar ordens e de que a escutem.
Irmão: adorável.

Nega relação da irmã com Sônia e do irmão, François, com Jack.


Sabine: “Tenho a impressão de que [...] não será possível
ordenar minhas ideias”.
Miller: “A que chama ordenar? Por aqui está bastante
ordenado”.
Ela: que pensamentos suicidadas, imagens e vozes
desapareçam.

Miller constata que ela quer ficar no hospital e concorda que


é o melhor para o futuro imediato, e a ser revisado
posteriormente.
A DISCUSSÃO

Miller: lugar do medicamento, que serve de laço.


Nitidez da enunciação de Sabine, precisa e pontual x lugar
“congelado” dado por Miller à entrevista
Caráter cênico das visões: Miller compara com “Uma mente
brilhante”
Sem dúvida diagnóstica
Miller: “Não vale a pena buscar uma relação de causa-efeito
entre os acontecimentos da infância e [...] o real do que se
apresenta. O real não tem pré-história. O real não tem
causalidade”. “O real é [...] sem lei”. “Não busquemos uma
relação causa-efeito com os elementos miúdos da primeira
infância. – Não é que não se possa encontrá-los, mas são da
ordem do decalque” [calcomanía]: como a irmã e Sonia serem
autoritárias e asfixiantes.
Miller desliza: pôr em ordem suas ideias = pôr ordem em suas
ideias - Ordem simbólica

Estratégia e teatro (atua/ cenário)


Sangue (não a ver com trauma): fenômeno elementar, que o
interior do corpo apareça
Loucura assassina dirigida (estratégia) contra si mesma.

Miller elogia esforço e a felicita (x desvalorização)


Estilo camaleônico, formal/ cerimonial
Apazigua-se ao compartilhar intimidade nas entrevistas,
disposta; e com cinema: espaço de ver e escutar

Laurent: psicanálise contemporânea tem algo de arte pobre,


minimalismo, não o grande desencadeamento, mas limitado

Miller: triviliziação da psicose extraordinária


Anatomopatóloga de si mesma
Pobreza ou Nitidez: falta de pathos
Pierre Sidon: significante (medicamento) substitui gozo

Laurent: As paredes
“Na psicose [...] o corpo passa ao exterior”.
Medicamento: algo do exterior que adentra

Guy Briole: Medicamento não apaziguava antes, passa a


apaziguar. Bacharelado opõe-se ao que a desorganiza e passa
a consentir com algo que vem do outro.
Marie-Helene Brousse: perfeição física + mental + linguajeira: único
ponto em que ela não se sente erro da natureza, “onde sua libido
continua existindo”

Miller não faz pergunta sexual porque não vem dela e é situação
pública: custo ético

Brousse traz a questão da sua relação com a mulher

Esthela Solano: imaginário real


Ao crescer, por não pode assumir seu corpo, algo se solta: a imagem
Brousse: sangrar como
Miller: gozangre
Desfazer a forma do corpo até o húmus humano

Laurent: gozo que precisa passar ao exterior – imagem real: pulôver


cobre corpo de vermelho

Briole diferencia cortes como busca de vida das tentativas de suicídio


Laurent: cortes a protegem
Miller: premeditação do suicídio se opõe ao impulso do corte;
problema é se encontrarem: ameaça do suicídio impulsivo

Você também pode gostar