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A 14º edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte, FIT-BH
2018, a primeira com curadoria coletiva para as mostras nacional e internacional selecionada
por edital público, aconteceu entre os dias 13 a 24 de setembro e 2018. Há exatamente 1 ano.
Desde então, escutamos observações sobre a programação do festival que precisam ser
discutidas publicamente, porque elas explicitam algumas percepções distorcidas muito
significativas da organização social e simbólica em que vivemos. Qualquer discussão séria
que se faça sobre o festival, suas realizações e limites, tessituras e pensamento, precisa passar,
antes, por uma renegociação de sentidos.
Essa percepção é ancorada no fato de ter tido produções realizadas por artistas negras e
negros, não cisgênero e grupos fora do eixo Rio-São Paulo, por exemplo, acima do número
aceitável ou até então praticada praticado pelo festival. Se racializarmos o corpo branco e não
somente do outro negro, lgbtqi+, nordestino, etc, podemos pensar que as outras edições do
FIT-BH foram também ancoradas em uma ideologia: a da branquitude. É preciso ressaltar
que a falta de “bandeira” ou a “universalidade” não deixa de ser um panfleto político em
nomeencoberto pel da fictícia neutralidade.
Aos dados:
Na Mostra Internacional, dos nove trabalhos que vieram a Belo Horizonte, apenas três tinham
diretorxs negrxs. Isso significa que 66% eram dirigidos por pessoas brancxs. Se olharmos para
os elencos, ainda assim, cinco tinham maioria ou totalidade de corpos brancos em cena e quatro
tinham maioria ou totalidade de corpos negros.
Na Mostra nacional, sete dos 11 trabalhos eram dirigidos por brancxs. Mais de 60%,
novamente. Quanto aos elencos, quatro tinha maioria negra; quatro, maioria branca; e três,
mistos.
A proporção de mulheres e homens ficou na casa de 60%-40%, e apenas dois dos 20 trabalhos
traziam à frente pessoas não cisgêneras (10%). De onde vem, então, a percepção de que os
homens não tiveram vez?
Por que a maioria branca masculina sudestina é dada como certa? Como o normal, a norma?
Voltamos então à mesma toada: Quem é universal? Quais corpos podem estar em maioria sem
ser notados? Quais corpos podem se aglomerar, mesmo em minoria, sem ser vistos como um
caso incomum, incômodo? Isto quer dizer: sem alertar a percepção a ponto de transgredir a
muralha do automatismo e emergir à consciência?
Essa percepção tem a ver diretamente com a concepção de um festival ideológico, no sentido
pejorativo da palavra. O FIT-BH 2018 não foi temático. (Diversidade. NÃO!) O festival teve
um pensamento curatorial, que intentou atender urgências históricas e sociais de indivíduos e
grupos não neutros, recusando a existência de um “sujeito padrão” que possa servir de
exemplo ou determinar a experiência de vida das demais pessoas. Tratar questões de gênero,
raça, geografia e classe como temática é reduzir e simplificar a discussão à moda do
momento, e não inseri-las num debate que tenta mudar padrões estéticos, do saber e do poder.
O pensamento curatorial do FIT-BH 2018 corresponde à compreensão de que não se trata de
dar voz ou espaço a ninguém, mas, sim, de cessar o silenciamento, o apagamento e a exclusão
de quem já existe, já faz, já tem, já é. Isso não é questão de diversidade. É questão de não
segregar.
Este é o legado que precisa ser defendido: a compreensão de que um festival que se queira
internacional não deva olhar somente para a Europa (sob o risco de ser um festival europeu,
por vezes, francês somente), ainda que todo os caminhos de financiamento retornem aos
colonizadores. E a compreensão de que, assim como a matriz cultural brasileira é indígena e
europeia e africana, um teatro que se queira brasileiro precisa enxergar a produção artística do
seu povo.
Essa perspectiva não desprega a arte do mundo social, tampouco desacredita critérios
estéticos. É na tensão entre estética, ética e política que agimos, entendendo as interconexões
entre esses campos. Alargar o conceito de teatro, para que caiba nele o teatro já feito por todos
os povos que habitam este país, é trilhar para uma maior riqueza estética, no singular e no
plural.
O FIT-BH 2018 foi um festival que reafirmou o teatro como um gesto estético, ético e
político. Dito disso, quais questões se abrem a debate público sobre a edição 2018? E a que se
destinam as próximas?
Mostra Internacional
Eve - branca, trans
Libertação - misto, masculina
Simónel topo - branca, masculina, cuir
Um museu vivo de memórias pequenas e esquecidas - branca, feminina
Black off - negra, feminina
Arde Brilhante en Los bosques de lá Noche - branca, masculina
Ceci n'est pasnoire - negra, feminina
Donde viven Los bárbaros, branca, mista
Unwanted - negra, feminina
Total: 9 trabalhos.
6 brancos, 3 negros,
4 mulheres cis, 1 mulher trans, 3 homens, 1 misto
Elenco 5 brancos, 4 negros
Nacional
Quaseilhas - negra, masculina
Chapeuzinho Vermelho - branca, feminina
A Invenção do Nordeste - branca, feminina
Isto é um negro? - negra, feminina
Batucada - branca, masculina
Looping Bahia Overdub - branca, masculina
Assembleia comum - branca, masculina
MeciBeaucoup, Blanco - negra, feminina
A gente combinamos de não morrer - negra, não binária
Do repente - branca, feminina
Chorar os Filhos - branca, feminina
Total: 11 trabalhos
7 brancos, 4 negros
Elenco 4 branco, 4 negros, 3 mistos
6 femininos, 4 masculinos, 1 não binário