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Nesse vídeo produzido pelo Cinemascope, assim como em algumas outras fontes, a
origem do mocumentário é atribuída a transmissão de “A Guerra dos Mundos“, de
Orson Welles, narrando uma invasão alienígena no rádio, em 1938. Como era habitual
se ouvir notícias no rádio nessa época, a transmissão causou desespero em muitos
que acreditavam se tratar de um fato. Em um paralelo similar, em 1957, no 1º de Abril, a
BBC produziu uma matéria falsa sobre como italianos cultivavam “árvores de
espaguete”, o que pode ser considerado também, um marco na experimentação da
sátira através da linguagem científica, ou documental.
BBC: Spaghetti-Harvest in Ticino
Mas assim como na famosa transmissão de Orson Welles, no caso do filme This Is
Final Tap, a receptividade não foi tão boa quanto em Zelig. O filme conta a história de
uma banda que fez muito sucesso no passado, Spinal Tap, sendo acompanhada por
uma equipe de documentaristas em uma turnê final, no momento de derrocada da
carreira do grupo. A grande diferença entre Zelig e This Is Final Tap, é que enquanto o
primeiro retrata um caso absurdo, e provavelmente mais identificável como irreal, o
segundo é menos surreal e mais satírico, apresentando personagens que não existem,
mas poderiam. Quando foi lançada, a obra foi criticada pelo público que não entendeu
se tratar de uma sátira e que a banda era uma invenção de Rob Reiner, como ele
mesmo conta em entrevista para o Emmy TV Legends.
Zelig e This Is Spinal Tap provavelmente foram umas das primeiras experiências de
mocumentário na comédia e abriram caminhos em questão de linguagem, mas a
maneira como The Office entendeu e utilizou o formato na televisão certamente
revolucionou a forma como a comédia é feita em grandes estúdios de televisão
hollywoodianos hoje. The Office (uma série originalmente inglesa) teve sua versão
americana encabeçada por Greg Daniels que, se afastando um pouco da versão
original, inovou o universo das sitcons.
Por fim, também é importante citar as talking heads, que são os quadros de entrevistas
— elemento clássico do documentário — e que especificamente no caso do The Office
tem uma carga cômica enorme, com os personagens e seus pontos de vistas
singulares sobre as cenas ocorridas na trama. Inclusive uma das evidências do impacto
do seriado na cultura pop e juventude como um todo é a quantidade absurda de
screenshots de talking heads de The Office que circulam como forma de meme na
internet.
O que pode se observar hoje, é que devido ao sucesso desse formato de comédia,
muitas produções bebem na fonte do mocumentário, sem assumir todos os seus
aspectos, e utilizando dos elementos como ferramentas de humor. Em Modern Family,
as talking heads e alguns movimentos de câmera são parte importante da narrativa,
mas não quebram tanto a quarta parede ou reconhecem a câmera como personagem.
A utilização do mocumentário se tornou uma estética tão presente, que até mesmo
para a animação ela se expandiu. Na nova animação da Netflix, Midnight Gospel, o
protagonista viaja por diferentes universos gravando um programa de entrevistas com
criaturas de diversos planetas. Os criadores tiveram a delicadeza de incluir no desenho
câmeras em drones que seguem os personagens pelas suas aventuras, reafirmando a
metalinguagem proposta.
Mas não foi apenas em The Office que o mocumentário apareceu como gênero, ou
subgênero, principal na televisão. A série Parks and Recreation (2009) é outro perfeito
exemplo de uma comédia que abraçou completamente o estilo com todos os seus
elementos. O seriado se passa na sede de um órgão governamental que faz a
administração de parques públicos, e assim como em The Office, os personagens, em
especial os protagonistas de ambas as tramas, tem um tom absurdo que abre mais
espaço para a sátira e a auto ironia, quase em um “realismo brutal”.
Leslie Knoppe (Amy Poehler) - Parks and Recreation
Esse ano, a Netflix lançou um mocumentário chamado #BlackAF (Black As Fuck, que é
uma gíria que de maneira literal quer dizer “bem preto” ou “preto pra c*ralho”), onde a
filha mais velha (Iman Benson) de uma família com seis irmãos resolve fazer um
documentário sobre a própria família para usar de vídeo de aplicação para
universidade. É uma família rica, então o pai (Kenya Barris) disponibiliza equipamento
de ponta e uma equipe de audiovisual para a filha, o que torna a série um
“documentário” de alta produção, e até mesmo hiper realista. Nesse sentido, beira a
estética do reality show. #BlackAF tem uma abordagem menos cômica que The Office
por também falar sobre outros assuntos – disfunções nas relações familiares, racismo
estrutural e a relação com dinheiro de uma família negra rica – ainda que se trate de
fato de uma comédia, com diversas quebras cômicas, agregando todos os pontos
fundamentais do mocumentário.
Rashida Jones interpreta Joya Barris, a mãe, em #BlackAF, onde finalmente a atriz teve
seu merecido protagonismo. Rashida tem um histórico considerável na produção
mocumentários na comédia televisiva, tendo participado dos mais importantes
programas aqui citados. A atriz foi Karen Filippelli em The Office, tendo participado de
cerca de duas das nove temporadas. Em Parks and Recreation, Rashida foi Ann Perkins,
pelas sete temporadas da série. Tornando-se assim, uma importante referência nesse
formato de comédia.
Outros títulos de sucesso que seguem o estilo estético proposto pelo mocumentário
são os seriados Trailer Park Boys (2001) e American Vandal (2017) e os filmes 7 Days in
Hell (2015) e Popstar: Never Stop Never Stopping (2016), ambos protagonizados por
Andy Samberg.