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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE

FACULDADE DE CINEMA E AUDIOVISUAL

RENNAN BRAGA DE OLIVEIRA

OLIVIER ASSAYAS, IRMA VEP E O MEIO CINEMATOGRÁFICO

BELÉM – PA

2022

Olivier Assayas é um diretor, roteirista e crítico de cinema francês que acumula em sua
carreira 31 produções no audiovisual, tendo como mais famosas Paris, jetaime (2006), Clouds
Of Sils Maria (2014) e Personal Shopper (2016). Olivier entra para lista de diretores que não
possui formação acadêmica mas que sempre possuiu uma ambição de produção o que o levou
a entrar na mais famosa revista de crítica de cinema da França a Cahiers du Cinéma,
trabalhando lá durante cinco anos, onde conseguiu acumular conhecimento e repertório que
acompanhariam com ele em suas produções, pois, de acordo com ele fazer e pensar cinema
são basicamente a mesma coisa, sendo uma mais prática que a outra mas que feita do jeito
certo se tornavam uma só.
Em seu período como crítico Olivier recorrentemente escrevia elogios à Bergman e Tarkovski
e sobre os os novos filmes hollywoodianos e as mudanças sofridas pelo cinema mainstream
da época pelas revoluções tecnológicas e novos efeitos especiais, como Star Wars (1977) mas
o que o fascinava eram os filmes produzidos em Hong Kong e os da Nouvelle Vague –
Olivier lançou em 1990 um livro chamado Conversation Avec Bergman no qual junto com
Sig Björkman entrevistam o diretor sueco Ingmar Bergman, que possui uma visão ao mesmo
tempo livre. profunda, sincera e serena sobre o cinema produzido por ele e outros diretores.
Seu fascínio pela Nouvelle Vague se direciona principalmente para o movimento em Hong
Kong por meio de diretores como Ann Hui (Fung gip, 1979), Tsui Hark (Dip Bin, 1979) e
Allen Fong (Foo ji Ching, 1981), que fizeram Assayas nutrir uma grande afinidade com o
cinema oriental e em setembro de 1984 junto com seu colega de revista, Charles Manson,
redigiu um especial na Cahiers chamado Made In Hong Kong. Com a criação do especial,
Olivier, entrevistou Liu Chia-liang um cineasta, que de acordo com Assayas, sempre foi
diminuído e pouco apreciado por suas produções que continham em boa parte histórias de
artes marciais, que vinha a se tornar outro, dos inúmeros, fascínios do diretor francês, e que
foi um dos pilares para as produções futuras de Olivier, já que ele construiu uma mitologia em
torno de sua artes a comparando-a com um “rock’n roll” atualizado – “uma mistura de arte,
cultura popular e mitologia conhecida”.
Olivier mesmo jovem demonstra um domínio da arte cinematográfica conseguindo compor
personagens intensos e misteriosos (parte desse domínio podemos dar o crédito à sua carreira
como crítico). Em seu primeiro longa Désordre (1986), involuntariamente, inicia uma trilogia
que além de possuírem os mesmo procedimentos estéticos e basicamente a mesma equipe de
produção embarca em temas dramáticos diferentes mas que se unem ao abordar a passagem
da vida adulta e o amadurecimento em formas divergentes. No primeiro longa o diretor
aborda a história de três jovens que se abrigam em uma loja de instrumentos musicais mas
após uma briga com o dono do local o homem acaba morto, no segundo nos é apresentado a
história de 3 casais que lidam com a maturidade, amores tóxicos, maternidade e
responsabilidades na juventude e no terceiro o primeiro amor proibido entre um jovem de 19
anos e uma jovem usuária de drogas que mora na mesma casa que seu pai e as tentativa dos
personagens de fugirem da própria realidade. Tirando as diferenças presentes nessas primeiras
obras nas futuras produções, o diretor sempre consegue correlacionar os filmes de forma não
linear, sempre com características, seja em estética ou de temas semelhantes.
Em seu quarto longa, o diretor quebra sua, conhecida como trilogia e rompe com a estética
passada nas suas três produções. Une Nouvelle Vague (1993) conta a história de uma jovem
de 20 anos que após a morte de sua mãe vai ao encontro de seu pai mas acaba conhecendo sua
meia-irmã e as pessoas que residem com ela. Por mais que a história seja coincidente com as
outras, um fator que difere é o técnico, neste Olivier, além de estar mais seguro com suas
técnicas, experimenta o formato 1:2.35, o que o faz ter mais liberdade e o deixa mais livre
para explorar o movimento entre os planos. Olivier continua abordando o tema da
adolescência de forma bastante real, coordenando os atores para estarem no estado emocional
equivalente aos dos personagens para passar um tom realista e imersivo para o telespectador.
Outra mudança em seus filmes é a preferência por uma câmera móvel, que é utilizada como se
fosse um de seus personagens, abusando dos travellings e de longas sequências que parecem
que os atores pegaram a câmera e resolveram gravar por conta própria tal momento.
Depois de explorar tantos aspectos técnicos, o diretor resolve alterar seus temas nos filmes e
parte para o melodrama, a maturidade e as responsabilidades da vida adulta. Seu primeiro
filme com essa temática é o Fin Août, Début Septembre (1998) que acompanha a vida de
amigos que estão saindo da juventude entrando na vida adulta sem saber como lidar com isso.
Nele, Olivier compõe as cenas e a montagem de forma fluida, com uma apuração sensorial
magnífica, parecida com um poema, que dialoga diretamente com o roteiro que se mostra de
forma bela manifestando uma nova etapa em sua carreira. Em Les Destinées Sentimentales
(2000) narra a história de uma jovem que em meio à primeira guerra mundial se aproxima de
um pastor. Olivier nesta obra trata o fim da inocência presente nos filmes anteriores e além
das dificuldades retratadas por um lado intimista ele aborda problemas externos, como os
primeiros passos do capitalismo, e seus problemas futuros, a guerra e suas propagação pelo
mundo, e o choque de gerações mostrada por um pai conservador e o filho que beira o ideal
socialista. Este último tema se torna recorrente nas produções seguintes e Assays consegue
utilizá-lo de forma metalinguística, a geração do pai representando o cinema antigo e seus
maneirismos e o filho representando o cinema moderno, com suas novas tecnologias e formas
de serem realizados. Olivier gosta de representar os seus pensamentos diretamente em suas
produções nelas ele mostra de forma crua o conflito entre gerações e a adequação dos
personagens a um sistema de relações, além de se interessar pelas mudanças cotidianas
presentes na vida.
É interessante notar o estilo de filme de Assayas, um cineasta apaixonado por cinema que
acumulou em sua carreira referências por meios diferentes mas que conseguiu criar um estilo
pessoal aperfeiçoando-as e apostando na sua intuição, e por mais que já tenha passado por
muitas mudanças ele nunca perdeu a curiosidade e o fascínio por produzir e pensar em cinema
– Ele ao contrário do que se pode pensar não separa suas fases da carreira (crítico e realizador
de cinema) e as abraças tornando-as únicas e necessárias – O diretor consegue de forma
generosa representar nas suas produções a oscilação presente na mente dos jovens,
Foi logo depois do lançamento de L'eau froide (1994), quando o filme conseguiu sair da bolha
da frança e fazer sucesso internacionalmente, que o Assayas dirigiu Irma Vep (1999) que veio
a se tornar uma de suas obras mais experimentais, metafóricas e provocadoras que ele já tinha
lançado, isso em filme já que em 2021 ele retorna com uma série de mesmo nome abordando
de forma mais saudosista os temas em suas obras passadas e critica duramente a indústria do
audiovisual.
Irma vep (1996) é uma produção que conta a história de um diretor que está enfrentando
problemas na gravação de um remake do filme Les Vampires (1914). O filme de 1914 nos
apresenta de forma bastante única um grupo de mafiosos que se chamam de Vampiros,
eliminando de nossa ideia os vampiros como seres fantasiosos e monstruosos mostrando eles
como seres comuns fazendo suas maldades para enriquecer. Uma das personagens centrais da
produção de 1914 se chama Irma Vep, um anagrama para Vampire, e no filme de 1996 se
torna a personagem principal que ronda o espírito do filme. Interpretada por Maggie Cheung (
que interpreta ela mesmo no filme) chega à França após ser chamada por um antigo e famoso
diretor, Renè Vidal, e entre as filmagens embarca em uma viagem insana, pela indústria
cinematográfica, ao mesmo tempo que questiona sua identidade e sua carreira como atriz.
No filme gravado em Irma Vep aos poucos a noção de dentro e fora do set, que se torna um
dos personagens principais do longa, começa a desaparecer quando a personagem de Maggie
questiona se suas ações fora das gravações são dela ou se estão sendo conduzidas pela própria
personagem. Com uma montagem não linear, Olivier transmite a descoberta da atriz de uma
nova forma de atuar e pensar como atriz, como se suas interpretações passadas não chegassem
ao brilhantismo dessa vez. Criticando, e homenageando de forma única, a indústria
cinematográfica, o cineasta escancara para o público o poder de manuseios que produções
audiovisuais são capaz de causar, seja pela atriz que sente sua personalidade se mesclar com a
personagem ou pelo diretor que tem crises de surto ao ser confrontados por sua equipe para
terem mais momentos no filme.
Em 2022 Olivier retorna com a história de Irma Vep mas dessa vez em uma série de TV.
Lançada em 8 episódios, a história é basicamente a mesma que seu antecessor e funciona
como uma continuação já que acompanha o mesmo diretor voltando ao set de filmagens para
alcançar a paz em finalizar as gravações, no entanto neste, Assayas se direciona para outro
meio expandindo suas críticas à indústria e prestando homenagem ao cinema mudo e a sua
forma de ser produzido. Tendo outra atriz, Alicia Vikander, para interpretar Irma Vep, o
diretor em seus 8 episódios, que na série é abordado como um filme de 8 horas, revisita a obra
de 1996 e por mais no avanço tecnológico, sua gravação vem por meio de filme analógico. O
que torna Irma Vep tão única é o aprimoramento que Assayas teve da sua câmera na mão, já
utilizada em suas produções passadas, que aqui é pulsante com cenas alongadas, com closes
certeiros e uma mobilidade que consegue se passar por algo vivo, com muitas cenas gravadas
como um personagem escondido observando e escutando a conversa nos sets e fora dele. Na
série assim como no filme a personagem, se mostra almejando uma nova vida, acaba se
entregando para a personagem – uma das cenas mais memoráveis das duas produções é
quando a personagem trajada com Irma Vep, meio que hipnotizada, transpassa pelas paredes
do hotel roubando itens e ouvindo conversas pessoais. No fim da série, em uma cena bem
poética, as atrizes que interpretaram Irma Vep se encontram espiritualmente e conversam
sobre o filme e o medo de incorporar a personagem levando a atriz da série comentar que
possui medo de estar roubando o papel da atriz de 1996 e conta que o espírito da personagem
funciona como um guia para se encontrar neste meio cinematográfico, algo bem simbólico ao
pensar que o futuro do audiovisual está sendo regido pela quantidade enorme de remakes, e
essa troca de conversa entre o antigo e o atual entrelaça os dois filmes e sua história. Em suas
cenas finais o diretor René assiste cenas da série que está finalizada e a personagem central,
ou o espírito dela, de seu filme/série pula da tela indo para o mundo real e saí a procura de
outra atriz que esteja procurando sua identidade. Seu fim por mais que mais fantasioso, exibe
que Assays ve Irma Vep como um espírito do cinema em sua mais pura essência que vagueia
pelo audiovisual trazendo a alma que está morrendo no cinema, seu interior de forma mais
pura, de quando era utilizada para exprimir o imaginário do diretor mas que agora é utilizado
como uma ferramenta para o capitalismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUMONT, J.; APPENZELLER, M. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus,


2004.

Olivier Assayas. Disponível em: <https://www.imdb.com/name/nm0000801/>.

Irma Vep. , 13 nov. 1996. Disponível em: <https://mubi.com/pt/films/irma-vep>.

Irma Vep. HBO, 6 jun. 2022. Disponível em:


<https://www.hbomax.com/br/pt/series/urn:hbo:series:GYmcIcA5b-
IyOtwEAAAAC>.

Les Vampires. , 13 nov. 1993. Disponível em: Internet.

ELSAESSER, T. Cinema como arqueologia das mídias. [s.l.] Edições Sesc, 2018.

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