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MODOS DO DOCUMENTÁRIO:
PARTICIPATIVO, REFLEXIVO E PERFORMÁTICO
Curso Online de Cinema - AULA 185

INTRODUÇÃO

Esta é a segunda parte da nossa aula sobre os modos do documentário. Estamos partindo
do livro “Introdução ao documentário”, de Bill Nichols, para tratar desse tema.

Na aula anterior, falamos sobre os modos poético, expositivo e observativo. Agora, iremos
falar sobre os modos participativo, reflexivo e performático.

MODO PARTICIPATIVO

A principal característica desse modo é que aqui o cineasta interage diretamente com os
participantes ao invés de apenas observá-los de modo discreto.

Nesse modo, as questões do filme se transformam em entrevistas ou conversas e o


envolvimento entre os participantes se transforma em um padrão de colaboração ou
confronto.

Os filmes do Michael Moore são ótimos exemplos desse modo. O diretor é quase um
personagem dos seus filmes. Vemos ele interagindo com pessoas ou até mesmo
confrontando outras.

O interessante dessa abordagem é que, quando bem usada, as entrevistas ficam muito
mais dinâmicas e espontâneas, pois parecem conversas.

A tradição do cinéma vérité, desenvolvida por Jean Rouch e Edgar Morin, parte de uma
abordagem participativa. Em Crônica de um Verão (1961), os cineastas também viram
personagens no filme. Eles se encontram com os entrevistados, filmam estas interações e
até discutem com os participantes o teor das imagens filmadas

Nem todo documentário participativo possui uma interação tão impositiva. O diretor de
Crumb (1994), por exemplo, possui um papel ativo e participativo discreto, porém bastante
definidor. Durante as entrevistas, o cineasta faz perguntas certeiras por trás da câmera.

Além disso, o próprio Robert Crumb age como um agente participativo, já que ele mesmo
entrevista seus irmãos e outras pessoas ligadas a ele.

O interessante desse modo é que essa participação pode ter diferentes graus. Pode ser
algo mais extremo, como no cinéma vérité, ou uma interação pontual, ainda que
significativa.
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MODO REFLEXIVO

Este modo reflete sobre a ideia de representação no documentário. Ele vai questionar a
autenticidade dessa representação ou até brincar com as definições de representação.

Jogo de Cena (2007) é um ótimo exemplo. O filme mostra atrizes famosas dando
depoimentos sobre experiências das suas vidas como mulheres, mas em certo momento
descobrimos que os depoimentos eram de outras mulheres. No fim das contas, não
sabemos quem está falando a verdade.

O filme de Coutinho é muito mais sobre a fascinação dessa encenação do que sobre a
veracidade dos relatos propriamente.

Reassemblage: From the Firelight to the Screen (1983), de Trịnh T. Minh-hà, também se
adequa a esse modo pela maneira que questiona a tradição dos filmes etnográficos.

O filme mostra cenas de uma vila rural no Senegal e, através de uma voz off, a cineasta
questiona o próprio ato de filmar e de representar aquelas pessoas. Ela se questiona sobre
a representação dos povos africanos no cinema e também descreve ações questionáveis
de pesquisadores e missionários que tratam aquelas comunidades como se fossem meros
objetos de estudos.

Vários falsos documentários, como David Holzman's Diary (1967) e A Bruxa de Blair (1999),
também podem entrar nessa categoria. São obras de ficção, mas ao se utilizarem dos
apelos do documentário para gerar o seu impacto dramático, refletem sobre a essência
desse gênero.

MODO PERFORMÁTICO

Neste modo, o filme combina o seu tema com algum aspecto imaginativo. A obra amplifica o
seu tema a partir de algum artifício singular e subjetivo. Enquanto o modo reflexivo
questiona a representação, o modo performático amplifica a representação através de uma
licença poética.

Valsa com Bashir (2008) é um bom exemplo. O filme é uma animação em que o diretor, que
participou da Guerra do Líbano como soldado de Israel, entrevista outros veteranos para
que ele mesmo consiga se lembrar de aspectos da guerra.

Através da animação, o cineasta amplifica todos esses relatos. Ele mostra tanto as
entrevistas de forma animada como também faz animações dos flashbacks da guerra e até
de pesadelos dele e de outros veteranos. O diretor usa esse modo performático para lidar
com esse trauma e com essa falta de memória.
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O curta His Mother’s Voice (1997) também usa a animação a partir de uma premissa
parecida. O cineasta parte do áudio de uma entrevista real em que uma mãe descreve o
momento que descobriu que o seu filho tinha sido baleado e morto.

O áudio é usado como fundo para duas animações distintas. Na primeira, o curta mostra os
momentos da mãe chegando no local em que o filho foi morto. As formas animadas
sugerem um estado emocional fragilizado. E, na segunda, o curta mostra ambientes da
casa da família através de uma plano sequência.

Em seu livro, Bill Nichols também usa o filme Os Catadores e Eu (2000) como um exemplo
desse modo. No longa, Agnès Varda parte da definição da palavra catadores e amplifica
essa ideia tanto a partir de uma perspectiva social e política como também poética.

Ela mostra catadores que pegam restos de colheitas e pessoas que reviram lixos em Paris
para conseguir comida. Também mostra outras pessoas que fazem arte a partir desse “lixo”
e, de maneira geral, aborda de modo muito particular uma certa desolação envolvendo esse
tema.

Nichols também cita filmes como Tarnation (2003) e Tongues Untied (1989) como trabalhos
que partem de experiências pessoais dos seus realizadores para amplificar suas vivências.

CONCLUSÃO

O documentário, ainda hoje, não explora tanto as suas possibilidades como poderia. Ao nos
depararmos com estes 6 modos, nos damos conta da riqueza de abordagens que existem.
Alguns filmes podem ter o mesmo tema, mas a partir de modos distintos, o que afeta
completamente as obras.

Se você trabalha com documentário ou deseja trabalhar com isso, pense na sua visão sobre
o seu tema e depois pense em como a sua voz pode se encaixar em um ou mais de tais
modos. A partir disso, busque ainda mais referências para enriquecer o seu repertório.

LIVRO CITADO

Introdução ao Documentário - Bill Nichols

FILMES CITADOS

Koyaanisqatsi (1982) - Godfrey Reggio


O Homem Urso (2005) - Werner Herzog
High School (1968) - Frederick Wiseman
Tiros em Columbine (2002) - Michael Moore
Fahrenheit 11 de Setembro (2004) - Michael Moore
Crônica de um Verão (1961) - Edgar Morin, Jean Rouch
Crumb (1994) - Terry Zwigoff
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Diário 1973-1983 (1983) - David Perlov


Diaries Notes and Sketches (1968) - Jonas Mekas
Jogo de Cena (2007) - Eduardo Coutinho
Surname Viet Given Name Nam (1989) - Trinh T. Minh-ha
Reassemblage: From the Firelight to the Screen (1983) - Trinh T. Minh-ha
Fad'jal (1979) - Safi Faye
David Holzman's Diary (1967) - Jim McBride
A Bruxa de Blair (1999) - Daniel Myrick, Eduardo Sánchez
Letter to Jane: An Investigation About a Still (1972) - Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin
Valsa com Bashir (2008) - Ari Folman
His Mother's Voice (2009) - Dennis Tupicoff
Os Catadores e Eu (2000) - Agnès Varda
Tarnation (2003) - Jonathan Caouette
Tongues Untied (1989) - Marlon Riggs

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