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BRIAN

GODAWA

Cinema e Fé Cristã
vendo filmes com sabedoria e discernimento

TRADUÇ Ã
O
Jarbas Aragão
Em memória de
Francis A. Schaeffer e H. R. Rookmaaker,
que me ensinaram a perceber as visões de mundo
apresentadas pela arte.

S UMÁRIO

Prefácio 9
Introdução 13

Parte 1: Histó rias nos Filmes


1. Histórias e mitologia 25
2. Redenção 45

Parte 2: Visõ es de Mundo nos Filmes


3. Existencialismo 61
4. Pós-modernismo 89
5. Outras visões de mundo 115

Parte 3: Espiritualidade nos Filmes


6. Cristianismo 139
7. Anjos e demônios, céu e inferno 153
8. Fé 169
Conclusão: Vendo filmes de
olhos bem abertos 189
Apêndice 1: Sexo, violência e
linguagem obscena na Bíblia 201
Apêndice 2: A Paixão de Cristo 225
Notas 239

PREFÁCIO

EU SOU UM ROTEIRISTA. Trabalho com roteiros há mais de 12


anos e, ao longo desse período, já ganhei vá rios prê mios
como roteirista e opçõ es de script.1 Escrevo histó rias que me
interessam, histó rias que me comovem, como a que adaptei
para o filme To End All Wars [O fim de todas a guerras].2 O que
tenho dito sobre a arte e a indú stria cinematográ fica é resultado
de minha experiê ncia como escritor trabalhando nesse meio.
Todo filme é resultado da colaboraçã o de centenas de
pessoas. Elas sã o responsá veis em diferentes níveis pelo
resultado final do filme: sua aparê ncia, seu sentimento, seu
visual, som e impacto dramá ticos. Do organizador do set até os
diretores, passando pelos atores, equipe de produçã o e auxiliares,
um filme nã o seria o que é sem que todos estivessem envolvidos
no processo. Dezenas de indi- víduos afetam seu conteú do, desde
o autor até o diretor, passando pelo produtor e os executivos que
supervisionam o projeto. Sem dú vida, cada uma dessas pessoas
tem uma maneira ú nica de ver o

10 CINEMA E FÉ CRISTÃ

que é importante em um filme, mas todas concordariam que


a histó ria é o mais importante. Se você nã o tem uma boa histó
ria, nã o terá um bom filme, nã o importa quem esteja atuando,
cuidan- do da iluminaçã o, dirigindo ou produzindo o filme em
questã o. Se a histó ria nã o funciona, o filme nã o dá certo.
É o autor que forja a histó ria desde o seu início. Outras pessoas
que trabalham no filme exercitam sua arte para dar vida a algo que
já existe: o script. Somente o autor pode olhar para uma folha em
branco e criar ex nihilo — a partir do nada. Seja escrevendo
um script “de risco”3 ou adaptando um livro ou idé ia de outra
pessoa,
o autor do roteiro deve encontrar o coraçã o e a alma da histó ria e
capturar de maneira dramá tica a narrativa e os diá logos.
Tudo começa e termina na histó ria. A iluminaçã o, a produçã o,
a dire-
çã o, a atuaçã o e o estilo visual sã o partes importantes do
processo, mas todos servem à histó ria — porque a histó ria é o
mais impor- tante. Nesse sentido, todos os que participam da
produçã o de um filme (nã o apenas o autor) sã o contadores de
histó rias.
Foi essa importâ ncia primá ria da histó ria que originalmente
me atraiu para os filmes. Existe algo em uma boa histó ria que me
faz sentar e prestar atençã o: a captaçã o da narrativa, o
magnetismo do drama, a curiosidade de personagens
interessantes e o significado de tudo isso. Nã o é surpresa que
Jesus tenha usado pará bolas e histó rias para ilustrar suas liçõ es e
explicar a natureza inexplicá vel do reino de Deus aos seus
seguidores. Uma histó ria nos capacita a entender uma realidade
transcendente que nã o seríamos capazes de perceber de outra
maneira, com a mera abstraçã o racional. O drama dá vida à s
questõ es cotidianas.
Grandes filmes sã o como sermõ es narrativos. Imaginar heró is
simpá ticos passando pelas suas experiê ncias seguidamente tem
mais impacto em minha vida do que um argumento abstrato
rigorosa- mente pensado. Observar Eric Liddell correr em nome
de Deus no filme Carruagens de Fogo leva-me a perceber que
viver para Deus sem fazer concessõ es vale muito mais do que
aquilo que o mundo oferece. Aliviar os dilemas do capitã o John
Miller e seus homens em O Resgate do Soldado Ryan me lembra de
agradecer por aqueles se sacrificaram pela preciosa liberdade que
posso desfrutar. Esses

PREFÁCIO 11

filmes (e outros) me forçam a reavaliar minha vida para que eu


nã o venha a me acomodar com uma melancolia de
autodescoberta. Lembro-me de alguns filmes mais do que da
maioria dos sermõ es que ouvi, provavelmente porque eles
colocam “carne” no “esquele- to” das idé ias abstratas sobre como
a vida deveria ou nã o deveria ser vivida.
É por isso que me envolvi com filmes e agora escrevo a
respeito deles. Desde a comé dia mais engraçada até a tragé dia
mais triste, os filmes prendem a nossa imaginaçã o, mas també m
apresentam va- lores e visõ es de mundo que admiramos (ou
detestamos). Meu objetivo é ajudar aqueles que gostam de ver
filmes a discernir as idé ias que levam ao desfecho da histó ria e
a perceber como elas influenciam a maneira como vivemos
nossa vida — entender a histó ria que está por trá s da histó ria.
Gostaria de agradecer à s seguintes pessoas pela ajuda em
traba- lhar o texto original deste livro: Kim, minha amada
esposa, por toda a sua paciê ncia e apoio; Ken Gentry, meu
gracioso consultor de teologia; Aaron Bradford, meu astuto
consultor de filosofia transcendental; David Zimmerman, meu
divertido e controlado editor; Shari Risoff, minha companheira
de escrita e cunhada; Eric
e Laura Baesel, meus companheiros de cinema; Tal Brooke,
um poderoso guerreiro da caneta; Melanie Cogdill, poderosa
editora e
fã de cinema; Stephen Ross, pesquisador; Jim Womer, o mestre
das histó rias; Rich Knox, meu amigo de toda a vida; e, como
sempre, Joe.
Um obrigado muito especial aos responsá veis pelo banco de
dados sobre cinema na Internet <www.imdb.com> pelas informa-
çõ es indispensá veis sobre estrelas de cinema.
I NTRODUÇÃO

“OS FILMES CORROMPEM OS VALORES DA SOCIEDADE.”


“HÁ EXCESSO DE CENAS DE SEXO E VIOLÊ NCIA.”
“ELES SÃ O MUNDANOS E UMA PERDA DE TEMPO.”
Estas sã o apenas algumas das frases repetidas por muitas
pesso- as hoje em dia que se preocupam com a nossa cultura.
Nossa psi- que cultural tem sido prejudicada pela decadê ncia de
Hollywood e seu incansá vel desvio dos padrõ es que
consideramos “decentes”. Mas esses sentimentos apresentam uma
mescla dissoluta de verda- de e mentira. Eles perdem de vista nã o
apenas os valores positivos que existem em muitos filmes, mas
també m aqueles que simples- mente se mantê m alheios à nossa
cultura devido à sua imperfeiçã o,
a uma decrescente capacidade de interagir de maneira redentora
com essa cultura. Esses “críticos de cinema” nã o entendem a
manei- ra como as outras pessoas pensam porque nã o estã o
familiarizados com a “linguagem” ou a cultura dessas pessoas.
O resultado é a formaçã o de uma barreira de comunicaçã o.
Assim, as pessoas que

14 CINEMA E FÉ CRISTÃ

se abstê m da cultura freqü entemente acabam sendo tomadas


pela irrelevâ ncia e pela alienaçã o em relaçã o aos outros.
Chamo esse tipo de percepçã o artística de anorexia cultural.
Mas os anoré xicos culturais també m põ em em perigo a sua
pró - pria humanidade. As artes (das quais os filmes fazem
parte) sã o meios dados por Deus para expressarmos a nossa
humanidade. A
criaçã o da arte, embora prejudicada ou imperfeita, reflete
a criatividade e a beleza do nosso Criador. Rejeitar
completamente qualquer uma das artes é rejeitar a imago Dei,
isto é , a imagem de Deus na humanidade. Embora tenhamos
caído, e nossa arte tenha sido afetada pela queda, continuamos
sendo seres criados à ima- gem de Deus e, portanto, nossas
criaçõ es continuam a refletir o nosso Criador. Como Francis
Schaeffer gostava de dizer, essa ima- gem se revela mesmo que o
artista procure escondê -la. Isso aconte- ce porque toda verdade é
, em certo sentido, a verdade de Deus, nã o importa quem a
esteja anunciando: um profeta, um incré dulo ou uma mula.
Algumas vezes, as mentiras mais vis sã o expressas por aquilo
que chamamos de “cultura cristã ”. Por exemplo, a orató ria dramá
- tica dos pú lpitos freqü entemente acaba infectada pela heresia, e
o testemunho pú blico com muita freqü ê ncia tende ao
sensacionalis- mo. Os filmes cristã os, embora sinceros e bem-
intencionados, mui- tas vezes revelam um exagero em seu desejo
de converter os incré - dulos por meio da arte. Em vez de tentar
permanecer fiel à s ambi- gü idades e problemas da realidade ou
propor as perguntas certas aos espectadores, sua ê nfase exagerada
nas respostas muitas vezes resulta em sermõ es vazios e na tendê
ncia ao lugar-comum. Sua autenticidade e integridade podem
sofrer por causa da manipula-
çã o. O que deveria ser mais evitado: um filme pagã o que parece
verdade ou a propaganda “cristã ” que soa falsa?
Mas há outra tendê ncia que ocupa o extremo oposto do
espec- tro. Trata-se da glutonaria cultural. Há pessoas que
consomem arte popular de maneira muito passiva, sem
discriminaçã o. Algumas das frases geralmente ouvidas desses
glutõ es culturais sã o:
“Eu só quero me divertir.”
“Você nã o deveria levar isso tã o a sé rio.”

INTRODUÇÃO 15

“É apenas um filme.”
Os glutõ es culturais preferem evitar a aná lise de filmes alé m de
seu valor como diversã o. Eles querem apenas sair de casa e se di-
vertir durante duas horas em um outro mundo. Quando sã o desa-
fiados pelos críticos culturais a discernir as mensagens contidas nos
filmes, desdenham esse tipo de crítica, considerando-a excessiva-
mente analítica ou uma tentativa infundada de procurar “mensa-
gens ocultas”. E muitos produtores de cinema concordam com isso.
Uma das frases mais famosas de Samuel Goldwyn é : “Se você
quer enviar uma mensagem, use os Correios”. O significado dessa
má xima é que os filmes servem para divertir, nã o para
transmitir pontos de vista pessoais, políticos, sociais ou
religiosos. E muitos compartilham dessa maneira de ver as
coisas. William Goldman, um ícone para os roteiristas (autor de
A Princesa Prometida e roteirista de Louca Obsessã o) anunciou: “Os
filmes sã o, no final, no fundo, acima de tudo e principalmente
apenas histó rias”.1
Sabedoria convencional e os ídolos populares: nada
poderia estar mais pró ximo de uma meia verdade. Embora
seja verdade que a histó ria é o alicerce de um filme, um exame
da arte e da estrutura da narrativa mostra que o poder de atraçã
o dos filmes nã o é simplesmente que eles sã o “boas histó rias”
de uma maneira indefinível, mas que essas histó rias falam a
respeito de algo. Elas narram os eventos em torno dos
personagens, que vencem obstá - culos para alcançar algum
objetivo e, no processo, sã o confronta- dos com a necessidade
pessoal de mudança. Em resumo, a narrati- va de histó rias nos
filmes resume-se à redençã o, isto é , à recupera-
çã o de algo perdido ou obtençã o de algo necessá rio.
Eu proponho um complemento à tese de Goldman que daria
um final mais preciso ao pensamento dele: os filmes podem ser
basicamente histó rias, mas essas histó rias sã o no final, no fundo,
acima de tudo e quase sempre a respeito da redençã o.2

Visões de mundo

Toda religiã o e filosofia no final se resume a uma visã o de mun-


do, como uma rede compreensível de crenças atravé s das
quais

16 CINEMA E FÉ CRISTÃ

interpretamos nossas experiê ncias — essa é a nossa maneira de ver


o mundo. O denominador mais comum de todas as religiõ es e
manei- ras filosó ficas de ver o mundo é a crença de que algo está
errado e existe uma maneira de corrigir isso.
Os seguidores do monismo acreditam que o universo, em essê
n- cia, é uma coisa só . A humanidade nã o tem paz porque
percebe- mos (de maneira falsa) uma distinçã o entre as coisas.
Tal percep-
çã o de uma diferença é , e em si mesma, alienaçã o. A redençã o
da humanidade, de acordo com os seguidores do monismo, é
mudar- mos essa percepçã o para que possamos ver todas as
coisas como uma só . Quando fizermos isso, encontraremos a
harmonia de que sentimos falta em nossa vida.
O filó sofo racionalista acredita que nosso problema surge da
irracionalidade. Se conseguíssemos nos alinhar novamente com
os princípios ló gicos, iríamos nos redimir da irracionalidade da
emo-
çã o e a falta de confiança em nossos sentidos.
A visã o cristã do mundo entende que a humanidade é pecami-
nosa e está alienada de nosso Criador, bem como dos demais seres
humanos. Essa alienaçã o nos expõ e inevitavelmente à ira eterna de
Deus. A redençã o no cristianismo é en-
contrada no sacrifício expiató rio de
um inocente (Cristo) no lugar dos
culpa- dos (pecadores), que pagou a
penali- dade do pecado (justiça) e
reconcilia o pecador com Deus e com
os outros
Para um exame introdutório das diferentes visões de mundo,
veja SIRE, James W. O Universo ao Lado (São Paulo: Editorial Press, 2001); e GEISLER,
Norman L. e WATKINS, William. Perspectives: Understanding
and Evaluating Today’s World Views (San Bernardino: Here’s Life, 1984); e visite
<www.godawa.com>.
(misericó rdia).
As visõ es de mundo sã o, claro, mais complexas do que um
simples pará grafo poderia descrevê -las. Al- gué m que deseja
entender as nuanças que formam as visõ es de mundo exis- tentes deve
se estender alé m dos limi- tes deste livro.
Em uma visã o de mundo ou siste- ma de crenças em particular a
reden- çã o é sua proposta de como consertar

INTRODUÇÃO 17

o que está errado conosco. A redençã o inclui os valores sobre a


maneira como as pessoas devem ou nã o viver e se comportar
neste mundo. Se uma histó ria trata de uma personagem que
aprende que a mentira magoa outros e a família é mais
importante do que
a carreira (como ocorre em O Mentiroso, com Jim Carrey, 1997),
entã o a mensagem redentora é que a alienaçã o das pessoas é
resol- vida pela honestidade e pela família. Nó s deveríamos fazer
com que
a família e a honestidade fossem mais importantes do que a
carrei- ra e o sucesso. Se uma histó ria trata de criminosos espertos
e sofis- ticados (como em Onze Homens e um Segredo, 2001), a
mensagem redentora da histó ria, por mais imoral que possa ser,
se encaixa na percepçã o de criminosos: o crime compensa e a
sofisticaçã o é mais importante do que obedecer à lei.
Nos capítulos seguintes mostrarei que a maioria dos filmes
mostra um personagem principal que busca um objetivo
específico e, ao fazer isso, aprende algo sobre si mesmo e o
mundo de uma manei- ra que inevitavelmente resulta na redençã
o de uma pessoa — ou ausê ncia dela.3

Suspensão da descrença

Todos estamos bem conscientes da pergunta que perdura há


sé culos: a arte reflete ou influencia a sociedade? Defensores dos
dois pontos de vista se dedicaram a essa discussã o sobre reflexo/
influê ncia. Esse debate provavelmente persistirá até o dia do
juízo final. Em seu livro Holywood Versus America4, Michael
Medved, crí- tico de cinema e analista de Hollywood, argumenta
que os produ- tores pretendem influenciar o pú blico por meio
dos valores e dos personagens que interpretam na televisã o e no
cinema. A obra es- crita por ele apresenta farta documentaçã o e
conclui que o entrete- nimento reforça certos valores em
detrimento de outros, ou seja, aqueles que refletem a tendê ncia
atual da comunidade criativa.
Ele destaca a hipocrisia daqueles que estã o envolvidos no negó
- cio de criar sonhos que proclamam que os filmes nã o
influenciam as crenças ou o comportamento enquanto cobram
milhõ es de dó - lares para fazer publicidade, apresentar produtos
e ainda recebem

18 CINEMA E FÉ CRISTÃ

prê mios e prestígio para promover as tendê ncias de programas


sociais. Sua tese é que, como muitos filmes nã o refletem os
valores dominantes do pú blico em geral e com freqü ê ncia se
baseiam cons- cientemente em interesses financeiros, eles podem
ser apenas tenta- tivas deliberadas dos que estã o interessados em
influenciar a opi- niã o pú blica.
Mas é igualmente verdade que muito do entretenimento se
en- contra com uma demanda já existente do pú blico. E esse pú
blico nem sempre segue os padrõ es da moralidade tradicional.
Uma es- pé cie de instinto herdado continua guiando as massas
para uma atraçã o dos sentidos obscurecidos. As açõ es realmente
falam mais alto do que as palavras, como os indicadores de
bilheteria mos- tram com tanta freqü ê ncia.
A posiçã o adotada neste livro é que os filmes ao mesmo tempo
refletem e influenciam a sociedade. Um filme de Oliver Stone
como JFK, a Pergunta que nã o quer Calar (1991) pode ser ó bvio
em sua intençã o de divulgar uma percepçã o política, mas é
igualmente um reflexo do que certos segmentos da populaçã o já
acreditava. Hannibal (2001), a continuaçã o de O Silê ncio dos
Inocentes (1991), certamente pode impor uma percepçã o moral
em que um simpá ti- co canibal é retratado como heró i, mas
milhõ es de pessoas foram assisti-lo sabendo muito bem o que
podiam esperar. Um filme como esse nã o poderia faturar mais de
160 milhõ es de dó lares nas bilhe- terias se estivesse causando
uma escandalosa ruptura moral e im- pondo isso a um pú blico
resistente a essas questõ es. O terreno já estava preparado no
coraçã o das pessoas. Caso contrá rio, elas nã o
o apreciariam. O sucesso de Hannibal reflete uma sociedade que já
está fascinada pelo mal.
Embora seja verdade que alguns filmes podem ser muito mais
influentes do que outros, os espectadores deveriam entender o
que estã o consumindo e a natureza do que chamam de diversã o.
Nã o existe um pingo de ironia que a palavra diversã o signifique
“mu- dança de direçã o; desvio”, a pró pria nomenclatura sugere
“ilusã o” ou “engano”. Infelizmente, muitas vezes é isso que
acontece quan- do as luzes se apagam e o filme começa a
rodar. Suspendemos nossas descrenças e, junto com elas, nosso
senso crítico.

INTRODUÇÃO 19

Quando conhece um pouco sobre a arte de contar histó rias,


sua estrutura e natureza, o espectador comum pode ficar menos
pro- penso a tratar essa ou aquela perspectiva como pura diversã
o. Ele passa a vê -la como realmente é : um meio de comunicar
visõ es de mundo e valores com um olho na redençã o. Esse
conhecimento nã o precisa estragar a alegria do divertimento ou
justificar a aliena-
çã o total da cultura. Pelo contrá rio, pode aumentar a apreciaçã o
do espectador e afiar o seu discernimento. O objetivo dessa instru-
çã o é ajudar o leitor a alcançar um equilíbrio entre dois extremos:
a anorexia cultural (rejeitar totalmente os filmes por causa dos
seus aspectos negativos) e a glutonaria cultural (consumir
filmes em demasia sem discernimento).

A intenção do autor e a resposta do leitor

O enfoque deste livro se baseia em meu envolvimento pessoal


com filmes. Decidi me concentrar primordialmente nos filmes
pro- duzidos pela indú stria cinematográ fica americana nos ú
ltimos 15 anos. Os clá ssicos tê m muito a oferecer em questõ es de
aná lise, mas nã o os conheço tã o bem. Por isso deixarei que outra
pessoa explore seu conteú do. Alé m disso, este livro faz poucas
referê ncias a filmes produzidos fora dos Estados Unidos e filmes
“de arte”, pois eles nã o alcançam um pú blico tã o grande e seu
efeito sobre a sociedade acaba sendo menor. Você pode
considerar essa opçã o um ponto forte ou um ponto fraco da
abordagem que propus.
Meu objetivo aqui é aumentar a apreciaçã o da arte. Quero
in- formar o leitor sobre a natureza da narraçã o de histó rias e
analisar como as visõ es de mundo sã o comunicadas na maioria
dos filmes de Hollywood. Assim, poderei contribuir com a
habilidade do es- pectador de discernir as idé ias que estã o
sendo comunicadas. À medida que os líderes afiam sua percepçã
o dos filmes, eles tornam- se mais capazes de discernir as coisas
boas das ruins e evitar os extremos da deserçã o (anorexia)
cultural e da imersã o (glutonaria) cultural.
A representaçã o de sexo e violê ncia nos filmes é uma pre-
ocupaçã o legítima. Incluí um apê ndice no final deste livro

20 CINEMA E FÉ CRISTÃ

que estabelece o alicerce para medir as questõ es apropriadas


em relaçã o à representaçã o desses tó picos nos filmes, com
base na maneira como sexo, violê ncia e linguagem obscena
aparecem nas telas. Se você se preocupa com essas questõ es,
sugiro que leia o apê ndice primeiro.
Na primeira parte do livro, “Histó rias nos Filmes”, estabeleço as
bases para o discernimento ao discutir a natureza das histó rias que
sã o contadas, incluindo seus aspectos mitoló gicos, teoló gicos e
so- cioló gicos (veja o capítulo um), bem como os elementos
estrutu- rais que os roteiristas usam para escrever suas histó rias
(capítulo dois). Quando aprende como as histó rias nos afetam
e como os roteiristas praticam sua arte, o pú blico leigo pode afiar
sua apreci- açã o pela arte dos filmes e discernir melhor como
as idé ias sã o comunicadas por meio desse tipo de narrativa.
Na segunda parte, “Visõ es de Mundo nos Filmes”, apresento
brevemente as filosofias que prevalecem no existencialismo (capí-
tulo trê s) e no pó s-modernismo (capítulo quatro) para que o es-
pectador possa entendê -las quando as vir retratadas nos filmes
atu- ais. Reviso uma sé rie de filmes e como eles comunicam essas
visõ es de mundo. Completo essa parte do livro com um exame rá
pido de outras visõ es de mundo, como o destino, o monismo, a
evoluçã o emergente e o neopaganismo (capítulo cinco), que
també m estã o presentes nos filmes modernos.
Na terceira e ú ltima parte, “Espiritualidade nos Filmes”,
exami- no como os diferentes elementos do cristianismo sã o
tratados nos filmes. Primeiro, analiso como os cristã os e a fé tê m
sido retratados de maneira positiva e de maneira negativa nos
anos recentes (capí- tulo seis). Entã o discuto como os filmes
lidam com anjos, demô ni- os, cé u e inferno (capítulo sete). Por
ú ltimo, investigo como os filmes tratam da natureza da fé por
meio de trê s questõ es dominan- tes: fé versus provas, fé
individual versus fé institucional e fé versus dú vida (capítulo
oito).
Na conclusã o, faço algumas sugestõ es para o leitor sobre
como encorajar o diá logo na discussã o de filmes, como evitar as
reaçõ es extremadas de anorexia e glutonaria culturais, e como
lidar com a questã o bíblica do “irmã o mais fraco” com relaçã o a
ver filmes.

INTRODUÇÃO 21

Ao longo do texto o leitor encontrará aquilo que chamo de


“dicas do diretor”. Essas dicas sugerem ao leitor acessar a internet
e ler os artigos e textos que complementam este livro,
juntamente com outros artigos gratuitos disponíveis online.
També m recomen- do livros que discutem as questõ es tratadas
com mais detalhes. No final de cada capítulo, na seçã o que
chamo de “assista e aprenda”, acrescento algumas sugestõ es de
filmes para aplicaçã o das liçõ es que aprendemos naquele
capítulo. Essa açã o prá tica nos ajudará a desenvolver e aumentar
o nosso discernimento.

Alerta honesto

O leitor deve estar ciente de que nas pá ginas seguintes mostro


reviravoltas na narrativa e faço revelaçõ es sobre personagens
de filmes específicos. Infelizmente, isso é inevitá vel porque
muito da visã o de mundo e da filosofia de um filme está
envolvido nessas reviravoltas. Mas tenha coragem — as boas
histó rias geralmente nã o sã o antevistas por esse conhecimento
pré vio. Se você exige ino-
cê ncia total das tramas dos filmes que pretende ver, entã o pule
dire- tamente para a discussã o desses filmes quando você a
encontrar.
Bem, esta é uma “introduçã o à apreciaçã o de filmes”. O
que vem a seguir é uma confissã o de um roteirista. Tentarei
mostrar como nó s, os contadores de histó rias, tentamos
influenciar você , o espectador, com nossas visõ es de mundo.

Você é um glutão cultural ou um anoréxico cultural?

Faça essas perguntas a si mesmo para desafiar o seu crescimento


pessoal.

Glutonaria cultural
1. Você vê todo filme que lhe interessa sem antes considerar se o
assunto tratado é apropriado?
2. Você acha que filmes e programas de televisã o sã o apenas
formas de diversã o que nã o apresentam nenhuma mensagem?
3. Quantas horas você gasta por semana vendo TV e filmes?

22 CINEMA E FÉ CRISTÃ

Compare esse tempo com o tempo que você gasta lendo a Bíblia
ou outro material de cunho espiritual.
4. Quantas vezes você já viu um filme e mais tarde veio a perce-
ber que ele ofendia suas convicçõ es ou maneira de ver o mundo?

Anorexia cultural
1. Você considera todos os filmes de forma generalizada como
“mundanos” ou vê qualquer representaçã o de pecado como algo
errado, sem se preocupar com seu contexto?
2. Você é incapaz de apreciar algo bom em um filme por causa
das coisas ruins que vê nele?
3. Você considera arte e diversã o uma perda de tempo e por isso
passa todo o seu tempo livre envolvido em atividades “espirituais”?
4. Quantas vezes você foi incapaz de interagir com as pessoas à
sua volta por nã o compreender a experiê ncia cultural delas?

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