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Crítica | O Próprio Enterro -


Plano Crítico
Ritter Fan

6–8 minutos

Baseado em um caso real, O


Próprio Enterro é um simpático drama de tribunal
levemente cômico (não, não é uma dramédia, seja lá o que
isso realmente signifique) que se vale de uma estrutura
narrativa que poderia carimbar com o selo velha guarda,
mas sem que isso signifique que é antiquada ou cansada, e
de atuações completamente opostas de Jamie Foxx e
Tommy Lee Jones, um vivendo um espalhafatoso e
falastrão advogado especializado em responsabilidade civil
na Flórida e o outro um carrancudo e lacônico cliente que
é dono de funerárias no Mississippi (deixarei vocês
adivinharem que ator vive que personagem…), para
conjurar uma narrativa básica, mas atraente do começo ao
fim. Maggie Betts, dirigindo seu segundo longa de ficção (o
primeiro foi o interessante Noviciado, de 2017), navega
com segurança o “filme de tribunal”, temperando-o com
tensões raciais e a boa e velha luta de Davi contra Golias,
com um resultado sem dúvida acima da média.

A história real por trás do filme lida com o embate entre


Jeremiah Joseph O’Keefe (Jones) que, deparando-se com
problemas de natureza securitária, precisa vender parte de
seu negócio de funerárias herdado do pai para Raymond
Loewen (Bill Camp), magnata do Loewen Group, um
conglomerado canadense no mesmo ramo de O’Keefe. Um
acordo verbal acaba não saindo e O’Keefe decide levar o
assunto a litígio contra o aconselhamento de seu amigo e
advogado de longa data Mike Allred (Alan Ruck), o que o
leva, surpreendentemente, a procurar a ajuda de Willie E.
Gary (Foxx), um muito bem sucedido advogado no estilo
Saul Goodman de ser, mas sem nenhuma experiência na
área sob contenda. Entre a teimosia e o desejo de vingança
de O’Keefe, o preconceito e indignação de Allred e a inicial
hesitação de Gary, o primeiro terço, quase metade, de O
Próprio Enterro, na fase pré-tribunal, é um dinâmico
longa em que personalidades muito diferentes transitam
entre o conflito e a convergência.

Quando o julgamento começa, com a entrada de Jurnee


Smollett vivendo a inteligentíssima e experiente advogada
Mame Downes, essa dinâmica inicial é amplificada e o
ritmo se segura muito bem enquanto a diretora transita
por literalmente todos os tropos clássicos do gênero, o que
inclui depoimentos bombásticos, revelações vexatórias e
reviravoltas eletrizantes, além de, claro, uma conexão cada
vez mais próxima de Gary com O’Keefe. E o subtexto racial
natural do iníicio passa a ser texto mesmo quando o
julgamento esquenta, funcionando bem no caso, mas não
tão bem fora dele, já que o roteiro co-escrito por Betts e
Doug Wright acaba recorrendo a uma pegada que é ao
mesmo tempo didática e melodramática que parece
deslocada do coração narrativo do longa, ainda que não
resulte em um desvio muito grande de propósito.

Claro que as atuações completamente antitéticas de Jamie


Foxx e Tommy Lee Jones são o ponto alto de O Próprio
Enterro e elas, sozinhas, valem o preço do ingresso. E eu
nem digo que os dois estão particularmente fenomenais
em seus respectivos papeis, até porque eles estão
completamente dentro de suas zonas de conforto, mas a
verdade é que a dupla simultaneamente em tela resulta em
momentos muito agradáveis e até memoráveis, como é a
mudança de estratégia com a chegada explosiva de Gary
ao caso ou, mais tarde, a sequência em que O’Keefe
procura seu advogado na casa da mãe dele (é nessa
sequência que vem também o didatismo racial, mas ele
não apaga a força das atuações e a tão perfeita química
entre os dois). E o melhor é que Foxx e Smollett, juntos,
também revelam-se excelentes como advogados de estilos
completamente diferentes, mas com o mesmo senso de
Justiça por trás de tudo o que fazem.

O Próprio Enterro definitivamente não reinventa a roda.


Trata-se de um drama de tribunal clássico que, com
algumas modificações aqui e ali, não diferem muito de um
gênero quase imutável há décadas. Mas Maggie Betts tem
não só um caso real muito interessante em mãos, como
seu roteiro com Wright consegue crias todas as
circunstâncias necessárias para o básico funcionar muito
bem, algo que sua direção que em momento algum chama
atenção para si mesma transpõe de forma muito
competente para a telinha. E, lógico, a produção não
poderia ter escalado nomes melhores para a dupla
protagonista que, sempre que é o foco das atenções,
mastiga o cenário sem nenhuma dificuldade.

O Próprio Enterro (The Burial – EUA, 2023)


Direção: Maggie Betts
Roteiro: Doug Wright, Maggie Betts (baseado em artigo
jornalístico de Jonathan Harr)
Elenco: Jamie Foxx, Tommy Lee Jones, Jurnee Smollett,
Alan Ruck, Mamoudou Athie, Pamela Reed, Bill Camp,
Amanda Warren, Dorian Missick, Lance E. Nichols, Billy
Slaughter
Duração: 126 min.

Ritter Fan

Aprendi a fazer cara feia com Marion Cobretti, a dar cano


nas pessoas com John Matrix e me apaixonei por
Stephanie Zinone, ainda que Emmeline Lestrange e Lisa
tenham sido fortes concorrentes. Comecei a lutar
inspirado em Daniel-San e a pilotar aviões de cabeça para
baixo com Maverick. Vim pelado do futuro para matar
Sarah Connor, alimento Gizmo religiosamente antes da
meia-noite e volta e meia tenho que ir ao Bairro Proibido
para livrá-lo de demônios. Sou ex-tira, ex-blade-runner,
ex-assassino, mas, às vezes, volto às minhas antigas
atividades, mando um "yippe ki-yay m@th&rf%ck&r" e
pego a Ferrari do pai do Cameron ou o V8 Interceptor do
louco do Max para dar uma volta por Ridgemont High
com Jessica Rabbit.

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