Você está na página 1de 6

planocritico.

com

Crítica | Legalmente Loira -


Plano Crítico
Leonardo Campos

6–8 minutos

Há uma frase atribuída ao legado aristotélico que define


muito o desenvolvimento irônico de Legalmente Loira. “O
Direito é a razão livre das paixões”. Salvaguardadas as
devidas proporções, obviamente, esta menção filosófica,
realizada numa das cenas desta comédia, define a
travessia da carismática a exagerada personagem
interpretada por Reese Whiterspoon, a “patricinha cor de
rosa” Elle Woods, uma jovem que vive as futilidades do
mundo consumista, preocupada com maquiagem,
figurinos e outras discussões consideradas menores para o
seu namorado, Warner (Matthew Davis), jovem homem
que consegue ser aprovado em Harvard para cursar
Direito e seguir, futuramente, conforme estabelecido em
seu plano de carreira, as vias da política. Mas, para isso,
ele precisa de uma Jackie Kennedy ao seu lado, não o
arquétipo da Marilyn Monroe. Será preciso encerrar a
relação. O que supostamente seria um jantar, na abertura,
de pedido de noivado se transforma na divertida cena de
término. Humilhante, intensa e histérica. É assim que os
conflitos da trama dirigida por Robert Luketic começam.

Escrita por Karen McCulhah, a comédia lançada em 2001


vai acompanhar a busca da moça por aceitação. Ela, agora
em busca de recuperar o namorado padrão perdido, decide
estudar firme e entrar em Harvard, tendo em vista
comprovar que vai além dos estereótipos que ela mesma
construiu sobre si mesma, aquele infame olhar da loira
peituda fútil, preocupada com os fios de cabelo e as unhas
em dia. A batalha pela aprovação é dinâmica e o seu vídeo
de apresentação, icônico e recebido por avaliadores
homens, é pura ironia. Ela consegue. Elle Woods adentra o
curso de Direito de uma das instituições acadêmicas mais
formais e respeitadas não apenas nos Estados Unidos, mas
referência no mundo todo. Ao chegar com sua postura de
rica gente boa e mulher que pretende ser levada a sério,
mesmo com todo seu universo “cor de rosa kitsch”, Wood
se transforma numa piada. É rejeitada por quase todos.
Inclusive, descobre que o seu namorado já possui um novo
interesse amoroso, a inteligente e ácida Vivian Kessing
(Selma Blair).
Arrasada, a loira se estrutura na amizade com a manicure
Paulette (Jennifer Coolidge) para conseguir se manter um
pouco mais animada. Mas, com o tempo, descobre que
será preciso focar nos estudos e ser uma das melhores da
turma para alcançar os seus objetivos. Aos poucos, deixa
de lado, gradativamente, o seu foco em Warner,
descobrindo na caminhada o seu potencial para a empatia,
conquistando a todos, inclusive a nós, espectadores. Os
dias de Irmandade, dancinhas, dicas de roupas e
penteados não ficam exatamente para trás, mas integram
a nova postura de Elle Woods, uma jovem que se encontra
também na intelectualidade, não transformando isso em
uma nota de corte para as suas amizades, o que faz de sua
personagem alguém com muita graça e brilho. Faltam,
sim, obstáculos mais coesos para a trajetória da
protagonista ser considerada dramaticamente mais
interessante, mas isso não atrapalha o filme.

Quando se encontra diante da oportunidade de defender


Brooke (Ali Larter), uma cliente peculiar, a jogada se
modifica e a personagem se desenvolve ainda mais. É o
seu momento, responsável por transforma-la numa
referência para todos aqueles que gravitam ao seu redor.
Além da caminhada profissional, Elle também tem a
oportunidade de repensar a sua vida pessoal, em especial,
com a chegada de Emmett (Luke Wilson), um homem
mais experiente na instituição, alguém que conquistará
seu coração antes do final da jornada de 96 minutos
repleta de risadas e situações constrangedoras. Ao reciclar
piadas de outros filmes, como a cena da festa a fantasia
que emula O Diário de Bridget Jones, Legalmente Loira
versa sobre o “direito das patricinhas”, deixando de lado o
quesito originalidade para lidar com o gênero que na
época ainda estava em alta, mas que aos poucos foi
mirrando, mesmo que ainda seja expressivo na era dos
streamings: a comédia romântica. Na estética, por sinal, os
seus ideais dramáticos ganham tonalidades em rosa de
todo tipo, contemplados pelo design de produção de Missy
Stewart e figurinos de Sophie De Rakoff, registrados pela
eficiente direção de fotografia de Anthony B. Richmond.

Alçado ao posto de símbolo feminista ao longo dos anos,


Legalmente Loira sobreviveu ao tempo e mais de duas
décadas após o seu lançamento, se demonstra como uma
narrativa de amplo legado e impacto cultural. Talvez por
seus debates e reflexões sobre sororidade, algo muito em
voga na contemporaneidade. Não é, nem de longe, um
grande filme nos quesitos dramáticos, tampouco estéticos,
mas consegue criar uma história cativante que mesmo
desequilibrada no jogo das ironias, funciona efetivamente.
É uma jornada engraçada, deliciosamente clichê, mas com
uma mensagem edificante que nos toca de alguma forma.
Tudo bem que a irmandade, bem como a maioria das
cenas, nos faz acreditar que o mundo de Legalmente Loira
é habitado apenas por pessoas brancas, mas o problema
contextual não estraga o mote geral da trama: uma
história sobre otimismo, crença em nosso potencial e força
para driblar crises sistemáticas estruturais. Uma narrativa
que se destaca como uma daquelas pequenas
preciosidades de uma época específica da história do
cinema recente. Recomendado para aqueles que prezam
por jornadas de autoconhecimento e mudança de
perspectiva.

Legalmente Loira (Legally Blonde, EUA, 2001)


Direção: Robert Luketic
Roteiro: Karen McCullah , Kirsten Smith
Elenco: Reese Witherspoon, Luke Wilson, Selma Blair,
Matthew Davis, Jennifer Coolidge, Ali Larter, Holland
Taylor, Jessica Cauffiel, Alanna Ubach, Oz Perkins, Raquel
Welch
Duração: 96 min.

Leonardo Campos

Tudo começou numa tempestuosa Sexta-feira 13, no


começo dos anos 1990. Fui seduzido pelas narrativas que
apresentavam o medo como prato principal, para logo
depois, conhecer outros gêneros e me apaixonar pelas
reflexões críticas. No carnaval de 2001, deixei de curtir a
folia para me aventurar na história de amor do musical
Moulin Rouge, descobri Tudo sobre minha mãe e,
concomitantemente, a relação com o cinema.

Você também pode gostar