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Crítica | O Sócio (1996) -


Plano Crítico
Leonardo Campos

5–7 minutos

A misoginia no mundo dos negócios é um tema tão


debatido que algumas pessoas dizem estar cansadas de
falar sobre esta questão. Infelizmente, caro leitor, é um
tema a ser discutido constantemente, pois apesar das
mudanças que o mundo tem apresentado nos últimos
anos, o preconceito sofrido por mulheres no âmbito
corporativo ainda é uma realidade apodrecida e gritante.
E, quando versamos sobre a interseccionalidade então,
as coisas ficam ainda piores. Laurel Ayres, personagem
interpretada com a mesma graça e talento de sempre
por Whoopi Goldberg, em O Sócio, é uma figura
ficcional acometida por estas questões. Além de ser
mulher, é negra, e, ainda mais: apresenta idade
avançada, adentrando também numa conversa
importante sobre preconceitos diante de mulheres mais
velhas. Por meio do humor, a narrativa debate os
enfrentamentos da protagonista diante das barreiras
sociais e raciais do “mundo dos homens brancos de
terno”, uma realidade que não faz sentido algum, mas
ainda é tópico temático em muitas pesquisas e reflexões
sobre o lugar ocupado por mulheres em ambientes
organizacionais sem empatia, com carreiristas
desesperado por uma posição de sucesso.

Refilmagem de uma produção francesa homônima de


1979, inspirada, por sua vez, em uma peça de 1928, O
Sócio é uma comédia dirigida por Donald Petrie,
cineasta que tem como direcionamento, o roteiro de
Nick Thiel. A trama acompanha a jornada de Laurel
Ayres, uma mulher muito competente que após ser
preterida de uma promoção pelas questões já
mencionadas anteriormente, resolve sair do ambiente
de trabalho tóxico em que atua e tentar criar o seu
próprio negócio. Ela acessa o seu network, mas percebe
que não há interesse dos executivos de Wall Street em
lidar com uma mulher. Como fazer? Diante da situação,
ela cria uma persona, o Sr. Robert S. Cutty, um homem
influente, para ser seu sócio. Com as demandas de
trabalho dando certo e projetos fechados com louvor,
todos querem conhecer o executivo misterioso, mas
como estar diante de alguém que não existe?

É quando as confusões começam. Disfarces, fugas,


correria, revelações ao final do processo e debates
escancarados para fazer os espectadores refletirem sobre
os temas da comédia que funciona bem dentro de seu
excesso de coincidências. Aqui, Goldberg assume o
protagonismo, lidando com as estruturas básicas do
roteiro hollywoodiano inspirado nos padrões de Syd
Field: há o vilão, Frank, interpretado por Tim Daly em
um tom cínico e debochado, bem ao estilo misógino que
encontramos por ai, homens que sentem prazer em
acossar mulheres. Ao lado da protagonista, temos Sally
Dungan, interpretada por Dianne Wiest, uma secretária
que acredita no potencial de Laurel e resolve
acompanha-la em sua jornada de negócios, uma
empreitada onde assumir riscos traz tensão e
instabilidade. Ademais, o filme apresenta também,
mesmo que sem aprofundar, pois não é a sua proposta,
os impactos da era da manipulação digital, ainda
rastejando em 1996, algo mais intenso na atualidade.

Cômico, O Sócio funciona como entretenimento, mesmo


que algumas situações do roteiro dependam da
suspensão da descrença por parte do espectador. Ao
longo de seus 114 minutos, extensos demais para uma
narrativa que poderia muito bem contar tudo que
precisava com menos tempo, o filme traz por meio de
seu discurso sarcástico, a falta de lealdade entre
parceiros de trabalho e o distanciamento da ética
quando as disputas nos espaços corporativos se tornam
mais acirradas. É algo que não é novidade alguma,
afinal, na dinâmica selvagem do capitalismo, a máxima
“farinha pouca, meu pirão primeiro” já foi tema de um
painel extenso de produções ficcionais sobre a temática.
O que faz esta narrativa ter um frescor é a presença do
elenco engajado, do dinamismo das situações
apresentadas e também a mencionada
interseccionalidade da protagonista, uma personagem
com mais de uma questão para enfrentamento no tóxico
ambiente corporativo em que atua: ao lidar com a
misoginia, precisa driblar também o racismo estrutural
e o preconceito diante da sua idade. Haja força e
engajamento, mas Laurel Ayres batalha diante de tudo
isso com muita resiliência.

O Sócio (The Associate, Estados Unidos – 1996)


Direção: Donald Petrie
Roteiro: Nick Thiel
Elenco: Whoopi Goldberg, Tim Daly, Eli Wallach,
Diane Wiest, Bebe Neuwirth, Austin Pendleton, George
Martin, Kenny Kerr
Duração: 114 min.
Leonardo Campos

Tudo começou numa tempestuosa Sexta-feira 13, no


começo dos anos 1990. Fui seduzido pelas narrativas
que apresentavam o medo como prato principal, para
logo depois, conhecer outros gêneros e me apaixonar
pelas reflexões críticas. No carnaval de 2001, deixei de
curtir a folia para me aventurar na história de amor do
musical Moulin Rouge, descobri Tudo sobre minha mãe
e, concomitantemente, a relação com o cinema.

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