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GEAN PHILIPE FRANÇA DOS SANTOS

FILME: TAU

CHÃ GRANDE – PE
DEZEMBRO DE 2022
DISCIPLINA: PORTUGUÊS
PROFESSOR: CARLOS
FILME: TAU

Meu fascínio pelo cinema tem origem em diversos elementos que


poderiam ocupar dezenas páginas aqui no site para poder abrangê-las.
Entretanto, há um elemento específico que vem surgindo em minhas
digressões acercas de algumas obras assistidas que me induz a comentar
sobre dois filmes recentes: “Tau” (2018) e “Eu Não Sou Um Homem Fácil”
(2018), ambas originais Netflix. O título do texto explica por si só a que me
refiro, mas vale contextualizar o conceito do que é uma temática, ou seja, a
temática do filme representa seu cerne, seu tema, seu objetivo principal como
história. Essa temática geralmente se encontra na primeira camada de
significado de um filme. Existem pelo menos 4 camadas de significados em
uma obra cinematográfica, mas para que esse texto não fuja da sua temática,
fixaremos nossa atenção na 1ª camada, que é aquela normalmente
encontrada na sinopse do filme e posteriormente na 2ª. Caso se interesse em
conhecer as demais camadas, recomendo que veja este vídeo-ensaio
produzido pelo Artecines falando sobre Os 4 Significados de um Filme e a
Nocividade do Excesso de “Final Explicado”.
Falemos então da temática do filme “Tau” de 2018 já disponível
na Netflix. A sinopse oficial é a seguinte: “Sequestrada por um inventor que a
faz de cobaia para aprimorar um sistema de inteligência artificial robótica, uma
jovem tenta fugir de seu cativeiro de alta tecnologia”. Simples, direta e
atrativa, como toda a sinopse precisa ser, e “Tau” se vale dessa simplicidade
para introduzir sua temática. O filme começa estabelecendo o lugar de cada
personagem na trama e nos fornece ferramentas para explorarmos outros
significados dentro do filme. Por exemplo, pode-se ver o filme simplesmente
como um thriller futurista onde uma jovem luta para sobreviver. Mas não
precisamos ser tão superficiais assim não é mesmo?
“Tau” se inicia apresentando Júlia, uma jovem que sobrevive de
pequenos furtos e da exploração sexual de seu corpo. Quando a mesma se
encontra em poder de seu sequestrador, se depara com outros dois jovens:
um rapaz negro e uma moça imigrante, possivelmente grega (dada a origem
da atriz). Em dado momento quando o rapaz apavorado pede que aguardem
a ajuda policial, Júlia responde em outras palavras que ninguém os ajudaria
por eles serem invisíveis para a sociedade. Esse comentário representa o
significa explícito (2ª camada) por detrás da temática sci-fi do filme. “Tau” fala
sobre o domínio subjugante que uma classe favorecida exerce sobre os mais
vulneráveis.
Júlia representa as mulheres vítimas dos mais diversos abusos,
principalmente quando há o julgamento moralista por parte da sociedade,
como se a mesma tivesse menos valor pela atividade sexual exercida. Já o
rapaz negro, obviamente representa tudo o que os negros sofreram e ainda
sofrem às mãos de uma sociedade racista que não consegue aprender com
erros do passado (vide caso Cocielo). E concluindo, a moça imigrante
representa uma classe que como se não bastasse o sofrimento de precisar
abandonar seu país, precisa lidar com o xenofobismo advinda ora de
cidadãos, ora do próprio estado que os oprime (vide caso Trump).
Porém, para que uma temática repleta de significados funcione em uma
obra, é preciso que haja uma boa execução, e é ai que “Tau” se perde
completamente por ter um roteiro infiel às próprias premissas. O filme propõe
que a inteligência artificial presente na casa é uma das mais avançadas do
mundo, entretanto todas as ações oriunda da tecnologia demonstram
exatamente o oposto disso. É uma sucessão de decisões equivocadas,
tomadas mediante situações que muito lembram uma criança sem qualquer
poder de processar informações.
Um exemplo simples (que se repete o filme todo) e que mostra essa
incoerência do roteiro está nas diversas vezes que Júlia pede que o sistema
lhe forneça alguma informação confidencial mas não a obtêm devido uma
programação que não autoriza o sistema a fazê-lo, porém com uma simples
insistência e um jogo muito raso de “faça isso e eu te dou aquilo”, toda a
programa é ignorada e o sistema passa a agir como uma criança que não
consegue guardar segredo. Ou seja, “Tau” tem em mãos um tema muito rico,
mas se esquiva de explorá-lo para se ater às incongruências de roteiro pobre.
O mesmo acontece com o filme “Eu Não Sou Um Homem
Fácil” também disponível na Netflix. Sinopse oficial: “Um machista inveterado
prova de seu próprio veneno ao acordar em um mundo dominado por
mulheres, onde entra em conflito com uma poderosa escritora”. Dirigido
por Eléonore Pourriat e baseado no curta “Majorité Oppriméé” (recomendo
fortemente que o veja) de mesma autoria, “Eu Não Sou Um Homem
Fácil” tem nas mãos a oportunidade de explorar uma gama imensa de
possibilidades de situações onde mulheres são subjugadas, assediadas,
discriminadas e preteridas. Mas ao invés disso, o filme prefere por exemplo,
se focar em mostrar mulheres (no papel de homens) bebendo cerveja, como
se mulher não fizesse isso também, ou vendo esportes, como se futebol fosse
coisa de homem (vide caso Osório).
A toxidade masculina vai muito além desse estereótipo do “homem viril
que toma cerveja e assiste futebol”. Há alguns poucos momentos do filme
onde temas como disparidade salarial, controle do próprio corpo e assédio
são explorados, mas na maior parte do tempo, o filme mais parecesse uma
versão gringa de “Como Se Eu Fosse Você” de 2006 do que uma adaptação
de um excelente curta-metragem. O próprio curta consegue em 10 minutos
explorar com mais sensibilidade os reveses do universo feminino do que o
filme em mais de 90.
Essas duas obras exemplificam boas ideias com más execuções. São
filmes com propostas inteligentes mas escorregam em roteiros com
dificuldades em se manter interessantes durante todo o filme. Porém, mesmo
com problemas, são obras que promovem boas reflexões, desde que nos
propusermos a refletir além da superfície, e isso é simplesmente incrível.

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