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A VISITA – CRÍTICA

“Confrontando o trauma, e a si mesmo”

Se há um gênero no qual não costumo ter muita paciência, esse certamente é o found
footage. Não só porque ele geralmente exige uma forma cinematográfica organizada,
principalmente em explorar personagens tão didáticos, mas também por precisar de
um autor que una muito bem esses dois polos. Em suma, o found footage geralmente
é tratado de forma separatista e até mesmo virtuosista – ele é muito exposto para uma
forma sem o apoio da decupagem natural de outras obras.

E coincidentemente, o horror também não é um dos que sou mais ligado. Veja bem,
gosto, mas não o explorei como deveria, muito por ser um gênero tão abrangente.
Mesmo assim, depois de ser atraído pelos brilhantes “O Sexto Sentido” e “Fim dos
Tempos” e mesmo com os atentados ao cinema – “O Último Mestre do Ar”, e “Depois
da Terra” – continuei achando o cinema de M. Night Shyamalan um tanto quanto
brilhante, com desvios que não atrapalham sua carreira em geral. O que me dava
ressalvas, era que “A Visita” era tido com a reconciliação do diretor com seu público
base, aquele que ama seus suspenses, e que queria essa atmosfera novamente. É
verdade, claro, que à primeira vista o longa pareça ser a representação clara da zona
de conforto do diretor, mas na verdade, é muito mais instigante do que se parece.

Primeiro, no meu ponto de vista próprio, num espectador não tão acostumado com
esse cinema, mas acostumado com o de “Shy”. O found footage não soa como algo
distante da unidade do filme, por outro lado, é tão íntimo do mesmo, que a sensação
naturalista (mesmo num ambiente estranho) passa batido em tamanha habilidade em
impor isso ao todo do filme. Grande parte dos belos planos surgem da pegada
documental, da entonação real, e do senso claustrofóbico que a lente oferece. Por
isso, a filmagem surge de uma forma tão apoteótica, de forma tão arrebatadora. A
verdade, é que a beleza que a fotografia constrói é tão precisa na linguagem, que a
mesma sabe compor muito bem o clímax do horror cinematográfico.

No lado do próprio horror, além, claro, do found footage, Shyamalan institui também
uma busca muito grande no desconhecido, no conhecido e no mistério por trás disso
tudo. Ao mesmo tempo que tudo é muito próximo no lado familiar dos personagens, o
horror distancia o mesmo, inclusive, sempre justificado por causas psicológicas e
medicinais, quando na verdade, tudo parte de algo mais próprio e pessoal. Em suma,
não há como explicar cientificamente o sentimento atemorizado das doenças vistas de
forma tão humanamente aterrorizantes, e isso é deixado muito claro quando
passamos a olhar uma forma mais metafórica do filme.

E “A Visita” na verdade é a grande conciliação cinematográfica, e até irônica da


carreira de Shy. Ao mesmo tempo que ele volta ao suspense por não conseguir sair de
sua zona de conforto, o que o diretor traz de forma metafórica e interpretativa, por
meio das grandiosas e documentais nuances do terror, é algo inimaginável para um
diretor que só quer se reconciliar com seus fãs. Ou seja, ele não traz sua zona de
conforto, ele traz algo que ele nunca havia feito: Adotar tão bem grandes opostos num
horror agonizante cheio de indagações que nos fazem pensar por muito tempo no que
o filme nos traz, e como Shyamalan faz uma homenagem a seus fãs, de forma tão
fantástica.

O texto, a partir de agora, apresenta SPOILERS do longa-metragem.

Não poderia eu, depois de criar toda uma ideia sobre as entrelinhas do filme, não
separar um pedacinho (ou um pedação) do meu texto para refletir sobre a real
mensagem do filme, e sobre como isso dialoga muito com o terror de Shyamalan.

CONFRONTO DE IDEAIS
Há claramente uma batalha de pensamentos entre o desconhecido dos avós e o
familiar dos netos. Partindo da desconstrução do afeto do amor dos avós, da questão
carinhosa que marca uma geração. Nesse caso, profundamente destruída. A resposta,
é que há um trauma no passado (no qual ainda falaremos muito) que é desenterrado
pela tentativa de reaproximação dos netos (que nunca viram seus avós) com os avós
(que nunca viram seus netos). Ou seja, tudo o que somos dirigidos se interliga ao
estereótipo do amor fraterno, do pré-conceito no qual somos outorgados a acreditar
que tudo ali está normalmente acontecendo, quando na verdade, não é nada do que
se pensa. O confronto de ideias, então, é gerado por essa atração de opostos – netos
x avós – e pelo estranhamento do pouco uso do que se esperado – o amor – pela
constante estranheza.

O TRAUMA
Se tem algo que é extremamente implícito no filme é a influência do trauma na vida
das crianças do filme. Primeiramente por sermos apresentados por uma briga
exclusiva entre a mãe e os avós, o que teoricamente tiraria os netos da equação. O
filme desmente isso, mostrando o impacto da escolha da mãe em fugir com seu
namorado e como isso impactou as crianças depois. Diretamente, o filme pouco fala
disso, quando na verdade, indiretamente fala disso o tempo inteiro. Becca, é
profundamente amargurada pelas feridas do abandono que sofreu, que não consegue
nem mesmo se olhar, nem mesmo contemplar à sua própria face. Tyler é uma
representação do trauma por meio do escape a atitudes consideradas vulgares – o rap
pornográfico, ou a masculinidade frágil – e também não consegue lidar com si mesmo.

O VERDADEIRO PLOT TWIST DO FILME: A METÁFORA


O que Shyamalan mais me levou a pensar durante o filme, foi a seguinte questão:
Quem são os avós? Não me colocando como prepotente, mas, desde o começo, eu
sabia que eles não eram quem eles diziam. O que mais me assombrou, foi justamente
isso. Até que as coisas elas começam a se ligar, tomando uma forma extremamente
metafórica: No começo do filme, um diálogo me chama atenção, Becca diz de sua vó:
“Ela possui meu rosto” e isso me atraiu durante todo o filme, até que mais uma pista
nos é deixada: Tyler encontra as fraldas, que prejudicavam a masculinidade de seu
“avô”. Que sempre quis mostrar sua força, por meio da dureza primitiva máscula, mas
se afundava em profunda depressão. Poucas vezes, Becca olha diretamente para sua
“vó”.

Sim, o que leva a crer que o tempo inteiro, os avós eram a purgação do olhar a si
mesmo. Justamente, o problema que as crianças o tempo inteiro precisavam
enfrentar, para vencer seus demônios pessoais e chegarem à catarse. Os avós são o
reflexo do que os garotos mais se envergonham de si mesmos. O plot twist só reforça,
portanto, que não há família, não há amor, não há avós. Somente eles mesmos.

Veja bem, Becca, quando vê seu reflexo pela primeira vez após o trauma, enxerga
também a sua avó de fundo. Naquele momento, sua dor foi vencida. Tyler, após ficar
paralisado ao confrontar a verdadeira faceta do “avô”, o ataca de forma, olhe só,
masculina, utilizando o futebol americano como base. Interessante, Becca mata a vó,
Tyler mata seu avô. Os dois vencem suas próprias representações.

E por isso, o found footage é tão importante para a construção metafórica do filme:
Eles se autodescobrem, é uma jornada pessoal, tenebrosa e purgatória.

POR FIM, A REIMAGINAÇÃO DE “JOÃO E MARIA”, interligando a uma ideia também


unificada, mas que foi materializada junto a ajuda do nosso outro escritor, é que a de
Shyamalan filma um conto moderno do clássico “João e Maria”. Devo dizer que o
diretor filma aquilo que nunca transpassaram antes: A maturidade crescente de João e
Maria para vencerem a bruxa, no qual também é um processo catártico. Shy mostra
isso muito bem, sem doces, sem a fantasia, mas com um toque realista que só ele
soube trazer.

No fim, há muito mais densidade naquilo que é taxado como fácil na carreira do
diretor. Talvez a intenção fosse mesmo mostrar o quão grande é o domínio
atmosférico de Shyamalan em construir minimamente o seu longa de forma autêntica
e angustiante. Por isso o filme é brilhante, por ser bem mais do que se pensa, ser uma
jornada quase épica, visando o lado metafórico que só M. Night Shyamalan poderia
transpassar de forma tão catártica.

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