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Persona é um filme sueco de 1966, do gênero drama escrito e dirigido por Ingmar Bergman.

O
longa tem 85 minutos (Uma hora e vinte e quatro minutos) e é protagonizado por Bibi
Anderson (Alma) e Liv Ullman (Elisabet). A história do filme acontece após uma atriz teatral de
sucesso sofrer uma crise emocional e parar de falar. Uma enfermeira é designada a cuidar dela
em uma casa reclusa, perto da praia, onde as duas permanecem sozinhas. Para quebrar o
silêncio, a enfermeira começa a falar incessantemente, narrando diversos episódios relevantes
de sua vida, mas quando descobre que a atriz usa seus depoimentos como fonte de análise, a
cumplicidade entre as duas se transforma em embate. Uma viagem profunda dentro da psique
humana, levando as duas mulheres a um abismo quase impossível de escapar, e como uma
areia movediça, a cada tentativa de superar seu encontro com a realidade, elas se afundam
cada vez mais dentro de si mesmas, muitas vezes tornando-se o espelho da outra. Antes de se
aprofundar ainda mais na obra, preciso dar um pequeno contexto para o nome do filme (será
importante, mas isso ficará claro apenas ao decorrer do texto). “Persona” era o nome dado a
máscaras teatrais gregas da antiguidade, uma identidade que acobertava a real identidade dos
atores. Porém, após anos, o psicanalista Carl Jung adotou o termo para descrever a imagem
que nós projetamos de nós mesmos para os outros, a forma como gostaríamos de ser vistos
em determinadas circunstâncias. Isso geraria dois “eu”, o que nós realmente somos e o que nós
aparentamos ser. E é isso que acontece no filme. Alma é inicialmente mostrada como uma
pessoa caridosa, empática, fiel ao marido e outros bons adjetivos, porém, ao se aprofundar
dentro de si mesma, é revelado que a esposa fiel já traiu seu marido em uma orgia na praia,
em uma cena narrada por Alma (Bibi Anderson), numa das maiores atuações e monólogos da
história do cinema. A enfermeira cuidadosa dá lugar a uma mulher que machuca sua paciente,
seja com tapas ou deixando um caco de vidro no chão para que ela se machuque. Do outro
lado temos Elisabet, uma atriz famosa que passou sua vida interpretando outras pessoas,
entretanto nunca conseguiu cumprir o maior papel de sua vida, o papel de mãe. Duas
mulheres que almejam ser algo, mas que nunca conseguiram ser. Diante de nossos olhos
vemos as personas caindo, uma a uma se quebrando, mostrando quem elas realmente são,
sem chance para mentiras ou sorrisos forçados. Tentar ser o que não somos é impossível, um
esforço inútil tentar ser alguém diferente para as pessoas, pois não importa em que momento
isso aconteça, nós sempre seremos desmascarados. Se tentar ser é fútil e o que sou não me
agrada, o que fazer? As protagonistas afogadas em suas angústias escolhem tentar assimilar
uma à outra, fazendo o longa ganhar uma nova questão: existem de fato duas pessoas? A linha
que separa Elisabet de Alma vai sumindo aos poucos, tornando-se quase invisível em certo
ponto do longa. Roupas iguais, gestos iguais, frases que se perdem ou se entrelaçam, tudo,
tudo se torna igual. Quem é Alma? Existe uma Alma? Essas perguntas ficam cada vez mais
pertinentes após Alma assumir o papel de Elisabet e ficar com seu marido cego, enquanto
Elisabet assiste tudo isso. No fim, elas são duas pessoas diferentes ou apenas partes de uma
única pessoa? Não sabemos. Além da queda e fragmentação das protagonistas, Bergman aplica
o mesmo efeito no longa em si, lembrando o espectador de que aquilo é apenas mais uma
ficção, não uma história real. Em um estilo parecido com Godard, Bergman quebra o filme em
diversos momentos, seja colocando as protagonistas para quebrar a quarta parede com um
olhar ou tirando foto da câmera, ou até mesmo deteriorando o filme, como se a fita tivesse
queimado ou se auto destruído. Para que tudo isso? Talvez para mostrar que até essa obra é
superficial, apenas uma persona, uma demonstração do que Bergman quer ser para o público,
tornado o filme inalcançável justamente por isso, por ser além do que aparenta ser. Assim,
voltamos para o início do filme, onde passam diversas cenas de outros filmes, rolos de fita, e
finalmente um garoto. Um garoto deitado em uma cama. Quem é esse garoto? O filho
rejeitado de Elisabet. Ele estende sua mão para tela e tenta alcançar sua mãe, mas a tela altera
entre a foto de Elisabet e Alma, todavia, ela nunca foca nitidamente em nenhuma das duas.
Algumas interpretações do filme colocam esse garoto como uma alusão ao público tentando
alcançar a obra, se conectando e compadecendo pelas dores das duas mulheres, abraçando
seus demônios, tentando fazer parte daquilo, mas sempre falhando, pois a obra se faz tão
aberta a possibilidades, tão grandiosa em si mesma que se torna impossível de alcançar. Para o
público, resta tentar entender a obra, sem nunca entendê-la por completo. No fim, estamos na
mesma situação das protagonistas, tentando alcançar o inalcançável. Por mais que seja
doloroso, sangrento, cruel, visceral e venenoso, elas nunca desistem de tentar alcançar suas
personalidades, exatamente como o público faz ao tentar compreender essa obra. No fim,
continuamos nessa luta entre o ser e o querer ser, sem nunca desistir de quem somos, mas
sempre buscando parecer outra pessoa... afinal, quem é você?

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